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KENEDY, E. Gêneros textuais e psicolingüística: caminhos para um diálogo. In: Simone Aranha; Tânia Pereira; Maria de Lourdes Almeida. (Org.). Gêneros textuais e linguagem: diálogos abertos. João Pessoa: Ed. Universitária da UFPB, 2009. Gêneros textuais e psicolingüística – caminhos para um diálogo.* Eduardo Kenedy** (Universidade Federal Fluminense) “99% deste jogo é meio mental.” Yogi Berra 1. Introdução Uma observação muito importante no estudo do comportamento humano é a distinção entre o que as pessoas sabem e o que fazem. Nos estudos da linguagem, essa diferença reveste-se, a partir da década de 60, de valor epistemológico pervasivo com a dicotomia chomskiana competência (saber) versus desempenho (fazer): o conhecimento tácito que os indivíduos possuem a respeito de sua língua materna – sua aptidão abstrata para produzir e compreender um número indefinido de expressões lingüísticas – é o que se define como competência, enquanto o desempenho diz respeito ao uso concreto e em tempo real desse conhecimento. Ao observarmos o desempenho lingüístico, impressionamo-nos com a sua complexidade. As pessoas põem a língua em uso por algum motivo, têm alguma intenção comunicativa, veiculam valores associados a uma determinada ideologia, falam de uma dada posição nas condições de produção de sentido... E, é claro, tudo isso (e muito mais) aparece materializado nos textos orais ou escritos, que se realizam concretamente em algum gênero textual. Assim, a complexidade do uso da língua (o desempenho, a performance) demanda um esforço descritivo e explicativo igualmente complexo, que é levado a cabo pelas inúmeras abordagens e correntes da lingüística contemporânea. Cada uma dessas abordagens ou correntes toma para análise um (ou alguns poucos) aspecto(s) do uso real da língua, como, por exemplo, a natureza dos gêneros textuais, a materialização das ideologias no discurso, o ensino dos gêneros na escola, o caráter eminentemente pragmático do uso etc. Um dos aspectos do estudo do desempenho que pode interessar ao pesquisador é a natureza psicológica do uso da língua. É exatamente esse aspecto que será abordado no presente texto. * Agradeço à Profa. Francisca Maria de Melo (UEPB) pelo convite, feito quando era eu então professor da UFPB, para participar do II SINALGE e deste livro. Tipicamente, um psicolingüista de orientação chomskiana não é convidado a participar de eventos sobre gêneros textuais. Tipicamente, gêneros textuais não interessam a psicolingüistas e a chomskianos. Ignorando as tipicidades, o convite (e o seu aceite) indica(m) que o diálogo entre as diversas áreas da lingüística contemporânea não é apenas possível, mas, sobretudo, necessário. ** Contatos com o autor: www.eduardokenedy.net Pretende-se demonstrar, esquematicamente e ao leitor principiante no assunto, a essência da pesquisa em psicolingüística experimental, e como essa pode ser útil no estudo da natureza psicológica dos gêneros textuais. 2. A máquina humana Desde o início da era moderna, o ser humano vem sendo revelado pela ciência como uma fabulosa máquina natural. Nossos corpos são constituídos por válvulas, condutores, conduítes, bombas, fluidos, baterias, reservatórios, que se articulam entre si de maneira engenhosa de modo a manter-nos com vida. Com os avanços das modernas ciências da mente – e com a psicologia cognitiva, em particular –, temos descoberto que nossas mentes são também uma maravilhosa máquina estruturada, com compartimentos altamente especializados no desempenho de tarefas específicas. Uma boa maneira de ilustrar a estrutura e o funcionamento da mente humana é a metáfora do computador digital (cf. Pinker, 2004). Um computador possui uma parte física, o seu hardware, que suporta uma grande quantidade de programas digitais, os softwares. Cada um desses programas desempenha um papel específico no uso do computador. Assim, o Word edita textos, o Aurélio permite consulta a palavras do dicionário, o Excel possibilita a edição de planilha de cálculos, o Internet Explorer e o Mozilla Firefox fazem a navegação pela Internet etc. A mente humana também possui uma superfície física, o cérebro, na qual muitos programas mentais estão instalados. Temos um programa para processar a informação visual que captamos do ambiente com os olhos e que organizamos no córtex visual, temos um programa para reconhecer rostos de pessoas, outro para recuperar informações guardadas na memória sobre algum acontecimento do mundo, outro para orientar a posição e o movimento de nosso corpo, informando aos músculos os movimentos que devem ser executados para andarmos (ou corrermos) numa determinada velocidade, e temos, é claro, um programa para podermos produzir e compreender sentenças em nossa língua materna. Cada um desses programas é denominado módulo mental, dada a sua especificidade no comportamento humano. O módulo lingüístico é justamente aquele responsável pelo nosso conhecimento de uma língua. Acontece que, no uso da linguagem, não apenas o módulo lingüístico encontra-se ativo (rodando) em nossa mente. Muitos outros módulos são ativados no uso real da linguagem. Com efeito, todos os módulos relevantes para a resolução de um determinado problema, como, por exemplo, conversar oralmente com os amigos sobre os acontecimentos do último final de semana, são recrutados no momento do uso da linguagem. Todos os módulos não-lingüísticos ativados numa simples conversa – como a memória episódica, a concentração, o valor emocional do acontecimento, a percepção da posição sociocultural e afetiva das pessoas a quem se fala etc. – interagem com o módulo lingüístico em tempo real no momento concreto do uso da língua, e ao resultado dessa interação chamamos de desempenho. 3. A psicolingüística Parece correto dizer que as pessoas que estudam os gêneros textuais estão interessadas em determinar a natureza dos textos que dão materialidade à língua. Se a língua é um sistema virtual, um conjunto de possibilidades, os gêneros são as maneiras pelas quais esse sistema toma forma específica num contexto sociocomunicativo particular. Identificar as práticas sociais que recrutam certo uso da linguagem – o gênero, com suas particularidades e convenções –, é o que interessa ao estudioso dos gêneros textuais. Ele, portanto, interessa-se pelo produto da atividade da linguagem: os textos. Por seu turno, a psicolingüística, particularmente a sua subárea conhecida como processamento de frases, a psicolingüística experimental, interessa-se pelos processos que dão origem aos textos, isto é, tem como objetivo descobrir quais são os expedientes mentais que entram em ação quando os humanos usam a linguagem, expedientes esses cujo resultado final é o texto. Imagine que no momento em que um indivíduo se enfronha numa atividade linguageira e, dessa forma, encontra-se numa situação sociocultural específica, a qual demanda certo uso da linguagem, num determinado dialeto e no gênero adequado, a mente desse indivíduo trabalhará silenciosamente, e sem a inspeção consciente do próprio indivíduo, para que as estruturas adequadas ao contexto comunicativo sejam construídas, veiculando os significados desejados. Da mesma forma, a mente desse indivíduo deverá retirar informação lingüística das estruturas produzidas (também de forma adequada, consoante o gênero em questão) pelos outros indivíduos envolvidos na interlocução, de modo a tornar possível a identificação do universo conceitual e referencial presente nas mentes das outras pessoas. Ou seja, em nosso computador mental, deve haver um processador de frases sensível aos diferentes gêneros textuais, o qual faculta o nosso desempenho lingüístico cotidiano, seja produzindo, seja compreendendo frases. O trabalho do psicolingüistanão coincide com o do estudioso dos gêneros textuais porque este, como dissemos, está interessado no produto da linguagem, os textos, e em como esses se autorganizam com base em certas práticas sociais estabelecidas, ao passo que aquele está interessado nos processos mentais que dão origem aos textos. Não obstante, ambos estão interessados no desempenho lingüístico, isto é, dedicam-se ao estudo do que as pessoas fazem e, assim, podem interagir, abrindo espaço para um campo de estudo ainda inexplorado no Brasil: o processamento mental dos diferentes gêneros textuais. Um gênero textual, sendo evocado por um falante no momento do uso da língua, é certamente um evento psicológico. Isto significa que a mente humana deve ser capaz não apenas de produzir e compreender sentenças que se articulam num discurso coerente, com suas particularidades semântico-pragmáticas, sintáticas, morfofonológicas e lexicais, mas deve também ser capaz de fazê-lo num determinado gênero. Gêneros textuais são, portanto, objetos psicológicos que devem ser adquiridos pela mente humana e por ela processados no uso concreto da língua. Reconhecemos, naturalmente, que os gêneros textuais, assim como as línguas naturais e quase todos os comportamentos humanos, são construções socioculturais contingentes. Nada obstante, acentuamos o fato de que tais construções têm de ser manipuladas pelo aparato cognitivo humano – a nossa mente –, seja em termos de sua aquisição ou de seu uso. Enquanto um ser humano fala, lê, escreve ou ouve textos (em algum gênero), uma máquina silenciosa lhe empacota e desempacota as estruturas lingüísticas que estão a serviço da comunicação – da mesma forma que, quando observamos uma bela pintura ou ouvimos uma boa música, há um sistema visual e outro auditivo que estão lá, sem a nossa inspeção consciente, desenvolvendo em silêncio o trabalho pesado que torna essa fruição possível em nossa mente. A linguagem humana é sediada em um órgão. Esse órgão está na mente. Todos os jogos da linguagem têm instância na mente. 4. Processamento de frases A psicolingüística estuda o processamento de frases tanto do ponto de vista de sua produção quanto de sua compreensão. Os estudos de compreensão são os mais maduros e bem desenvolvidos no Brasil.1*Tais estudos intencionam identificar como a mente humana é capaz de integrar automaticamente o grande número de informações necessárias para a compreensão de frases em linguagem natural, desde o reconhecimento de itens lexicais até a atribuição de significado e valor pragmático a frases, passando pela análise sintática que relaciona hierarquicamente palavras na linearidade dos sintagmas. As informações veiculadas pelos itens do léxico que ocorrem numa sentença devem ativar os processos mentais responsáveis pela identificação de propriedades como estrutura argumental, grade temática, traços morfofonológicos e relevância comunicativa. Todas essas (e outras) informações são acessadas e integradas pela mente humana de uma maneira 1 Para uma exposição de pesquisas brasileiras recentes em psicolingüística, ver Maia & Finger (2005). incrivelmente rápida, da ordem de milésimos de segundos, e por isso acontecem de maneira reflexa, aquém da percepção consciente do falante. Diz-se que o processamento da linguagem é reflexo, enquanto processos interpretativos são reflexivos, já que se trata de realidade mental que tem vez em momento posterior, em pequeníssimas frações de segundo, ao processamento da estrutura da frase. Como acontecem o acesso e a integração das informações relevantes para a computação da estrutura e do conteúdo das frases é uma das questões centrais que a psicolingüística se propõe a investigar. É nesse contexto que a pesquisa sobre os gêneros pode utilizar-se de pesquisas psicolingüísticas – e psicolingüistas podem interessar-se pelo processamento do gênero: qual é a realidade psicológica dos gêneros? Em que momento da computação de informações no processamento lingüístico os traços de gênero são considerados? A seleção de gênero ocorre em momento reflexo ou reflexivo? Eis algumas questões para uma agenda de pesquisa. Para um leitor iniciante, o fato bruto de que as frases que aparecem nos textos precisam ser computadas/processadas pela mente humana torna-se evidente com o seguinte exemplo. Leia a frase a seguir. “O navio brasileiro entrava na baía da traição o navio japonês.” É provável que o leitor tenha estranhado a frase. (O fato de a frase estar fora de contexto é irrelevante para o que se vai dizer a seguir. Caso um contexto seja extremamente necessário, imagine-se que esse é o título de uma notícia que alguém leria em jornal, uma manchete, que chama a atenção do leitor antes que ele leia o texto propriamente dito.) Por que esse estranhamento ocorreu? Ao ler (ou ouvir) uma frase, o analisador sintático da mente humana, chamado parser, deve construir de maneira reflexa uma representação estrutural da frase em análise, sobre a qual a interpretação reflexiva irá constituir-se. Não há interpretação possível para essa frase porque o parser não conseguiu construir uma representação estrutural para ela. Vejamos o que aconteceu na mente do leitor: o parser identificou que havia um sintagma nominal (SN) “o navio brasileiro”, que é interpretado como argumento externo tema do verbo “entrar”, conjugado no pretérito imperfeito. Logo em seguida, identificou o sintagma preposicionado (SP) locativo, adjunto do verbo “entrar”. Até aqui, OK. No entanto, ao deparar-se com o SN “o navio japonês”, o parser não soube o que fazer com ele. Na estrutura argumental do verbo “entrar”, não há espaço para outro “SN” além do tema, já preenchido pelo SN que inicia a sentença. Tampouco esse segundo SN poderia ser um adjunto plausível para a cena “o navio brasileiro entrava na baía da traição”. Não há estrutura sintática para a sentença, não acontece interpretação. Note-se que a confusão só acontece se o leitor, a partir da forma conjugada “entrava”, acessar mentalmente uma forma do verbo “entrar”, que só possui o argumento SN tema. Caso o leitor acesse uma forma conjugada (presente do indicativo) do verbo “entravar”, então o problema não acontece, pois, para esse verbo, o parser consegue identificar uma estrutura para outro argumento SN, o objeto direto, que sofre a ação de ser entravado. Assim, a identificação da estrutura sintática da sentença se dá pelo acesso aos traços de seleção argumental de um determinado núcleo, no caso “entrar” ou “entravar”. Por fim, a interpretação de que há uma cena em que “o navio brasileiro entrava (está entravando) na baía da traição o navio japonês” torna-se possível a partir da estrutura sintática SN + (SV SP SN), que foi computada pelo parser.2* 5. Ambigüidades estruturais Uma forma de ilustrar o que é o parser é ver como se dá a identificação mental e automática de ambigüidades em estruturas sintáticas. Consideremos a frase “Advogada suspeita de crime foge”. Essa frase possui uma ambigüidade temporária. Durante o momento real da leitura, o parser, ao identificar o item “suspeita”, não tem como saber se se trata de uma forma finita (presente) ou infinita (particípio) do verbo “suspeitar”. Assim, não sabe se ao encontrar o item “suspeita” deve iniciar o SV predicado ou se continua construindo o SN sujeito, “Advogada”, que, nesse caso, seria complexo, com uma oração reduzida nele encaixada. Essa ambigüidade será desfeita quando surgir o predicado “foge”, que indicará ao parser que “suspeita” é uma forma reduzida, inserida num SN sujeito complexo. No momento da análise de “suspeita” o parser não pode ter certeza do que deve fazer, mas certamente fará alguma coisa (assumindo-se a imediaticidade do parser). Dessa forma, o parser pode identificar automaticamente “suspeita” comoo núcleo do SV predicado e seguir processando a oração. Se isso acontece, então o leitor irá estranhar quando se deparar com o SV “foge”. Esse estranhamento é chamado na literatura em psicolingüística de garden path, ou efeito- labirinto, e significa que o parser se comprometeu com uma estrutura possível, mas que, em 2 Na literatura em psicolingüística, o exemplo citado é usado para ilustrar as “satisfações de condições”, uma teoria que supervaloriza a atuação da semântica no funcionamento do parser. Note-se que o leitor só acessa “entrar” a partir de “entrava” porque (a) é plausível no contexto da frase e (b) a freqüência de “entrava” como forma de “entrar” é, talvez, maior do que como forma de “entravar”. Isso, no entanto, não prejudica a ilustração que aqui se faz, segundo a qual um leitor/ouvinte deve construir uma representação da estrutura sintática da frase com base nos traços de itens lexicais. Ainda é objeto de discussão em psicolingüística se parser utiliza inicialmente apenas informações morfossintática na análise da sentença, ou se desde o início é também sensível a informações pragmáticas. dado momento, se mostrou não mais possível, o que faz com que o parser tenha de retornar na sentença e proceder a um novo processamento, com uma estrutura sintática diferente – como se se perdesse num labirinto. O garden path aconteceria também se o parser identificasse automaticamente “suspeita” como forma reduzida inserida num SN complexo, mas a sentença inteira fosse “Advogada suspeita de crime e foge”. Nesse caso, há dois predicados coordenados ao SN advogada, e não ocorre SN complexo. Dizendo de maneira simples, os efeitos garden path citados indicam que o parser insere itens lexicais numa estrutura sintática de maneira incrementacional, mas ao chegar ao último item, descobre que não há como encaixá-lo na estrutura criada e, assim, deve recomeçar do início da sentença ou do ponto da ambigüidade. Nem toda ambigüidade é temporária. Ambigüidades permanentes são aquelas que se mantêm mesmo após a leitura de toda a sentença. Por exemplo, em “O policial acompanhou o turista com o binóculo”, não é possível decidir de o SP “com o binóculo” é adjunto do SN “o turista” ou do verbo “acompanhar”: afinal, o policial acompanhou pelo binóculo o deslocamento do turista ou foi o turista que estava com o binóculo que foi acompanhado pelo policial? Tal ambigüidade pode sequer ser percebida caso o parser do leitor automaticamente identifique o SP como adjunto do verbo, ou do SN. Maia (2001: 190) cita outros tipos de ambigüidade estrutural: 1. Complementação nominal ou sentencial (a) Eu vi Maria/(b) Eu vi Maria sair 2. Oração substantiva ou adjetiva (a) O diretor contou à aluna que o professor beijou(a) a secretária/(b) a estória. 3. Coordenação de SN’s ou de Orações (a) Eu vi a menina e sua irmã/(b) Eu vi a menina e sua irmã riu 4. SN complemento ou Sujeito de oração principal (a) Como João sempre corre (a)um km, ele não ficou cansado (b) um km é fácil p/ele. 5. Aposição baixa ou alta de oração relativa O doutor visitou (b) o filho (a)da enfermeira que se machucou 6. Aposicão baixa ou alta de SAdv (a) Maria disse que choveu ontem/ (b) Maria disse que vai chover ontem O estudo psicolingüístico das ambigüidades estruturais pode trazer evidências sobre como a mente humana, e dentro dela o parser em particular, procede na computação de estruturas sintáticas. Informações sintáticas são acessadas cegamente, antes de informações semântico-pragmáticas? Há princípios de economia que o parser respeita? Informações quanto ao gênero textual são acessadas pelo parser? 6. Técnicas experimentais Na prática cotidiana da psicolingüística, a utilização de técnicas experimentais de pesquisa torna-se fundamental. Tais técnicas podem ser agrupadas, para efeitos descritivos, em tarefas on-line e off-line, que constituem técnicas capazes de capturar evidências do processamento lingüístico no curso de tarefas de leitura/audição de frases – isto é, no momento do processamento propriamente dito, fora da consciência do sujeito em teste (on- line) –, e após o processamento, no momento interpretativo, em que fatores semânticos, pragmáticos e extralingüísticos e a própria consciência lingüística do sujeito já se encontram ativados (off-line). A metodologia on-line engloba experimentos como a leitura/audição automonitorada, em que os sujeitos participantes do teste controlam a velocidade de sua leitura/audição através de uma caixa de botões acoplada a um computador (ou de um teclado), que registra o tempo despendido na tarefa. Nesse tipo de experimento, as frases-estímulo são apresentadas aos sujeitos na tela de um computador (input escrito) ou num fone de ouvido (input oral). As frases-estímulo são sempre divididas em alguns fragmentos, chamados segmentos. Esses segmentos codificam diversas variáveis e podem isolar constituintes sintáticos (como estruturas ambíguas, por exemplo). O tempo despendido em cada segmento é registrado e gravado por um programa de computador. Com a medição do tempo de leitura/audição de cada segmento, torna-se possível a avaliação do efeito, no processamento lingüístico, de uma série de variáveis independentes. Por exemplo, é possível confrontar o tempo de audição/leitura do sujeito de uma sentença quando em posição de tópico e quando em posição canônica de sujeito, verificando se numa ou noutra posição a audição/leitura é mais rápida, o que pode ser interpretado como indício de maior facilidade no processamento. Esse é um exemplo de estudo realizado por Kenedy (2009) sobre a realidade psicológica das estruturas de tópico e de sujeito no português brasileiro. Também o rastreamento ocular (eye-tracking) é um protocolo experimental on-line. Com, um aparelho, o rastreador ocular, é possível que o pesquisador meça, com precisão em milésimos de segundos, os movimentos dos olhos que ocorrem quando uma pessoa lê um texto ou observa uma imagem. De acordo com os padrões de fixação de olhar durante a leitura, é possível identificar processos mentais de processamento da leitura. Com as técnicas off-line, é possível verificar como os sujeitos reagem a certas estruturas lingüísticas, tanto em termos de respostas a perguntas interpretativas, quanto em termos de julgamento imediato de gramaticalidade, ou ainda em termos de reativação/recuperação de palavras na memória de trabalho. Os testes com perguntas interpretativas são bastante simples. Consistem na apresentação de uma pergunta, que deve receber uma resposta objetiva sim ou não, logo após a leitura ou audição de uma frase-estímulo. Os índices de erros nas respostas em tarefas desse tipo podem indicar maior dificuldade no processamento de certo tipo de estrutura, comparativamente a outro. Os julgamentos de gramaticalidade são capazes de demonstrar a percepção (aceitabilidade) que os sujeitos imediatamente manifestam sobre determinado tipo de estrutura. Nesse tipo de experimento, os sujeitos em teste devem emitir um julgamento (aceitável X inaceitável) acerca de um estímulo lingüístico logo após a sua leitura/audição. Já as medidas de ativação/reativação (priming) se prestam a verificar a facilidade da recuperação de um item lingüístico na memória de trabalho dos sujeitos participantes do teste. Nos experimentos com a técnica priming, um estímulo lingüístico (ou um conjunto deles) é rapidamente apresentado ao participante e, logo após, uma sonda o induz a dizer se determinada palavra ou sintagma estava ou não presente na frase lida. A maior ou menor dificuldade de recuperação de um item na memória pode ser interpretada com evidência de maior ou menor complexidade no processamento de certos itens lingüísticos. 7. Laboratórios no Brasil A Psicolingüística Experimental é uma subáreade pesquisa em pelo desenvolvimento no Brasil, contando hoje com Laboratórios lotados em algumas universidades do país, além de trabalhos de pesquisadores isolados. Vejamos alguns desses laboratórios. 1. Laboratório de Psicolingüística Experimental (LAPEX – UFRJ), coordenado pelo Prof. Dr. Marcus Maia. Site: http://maiamarcus.googlepages.com/marcusmaia. 2. Laboratório de Processamento Lingüístico (LAPROL – UFPB), coordenado pelo Prof. Dr. Márcio Leitão. Site: http://laprol.ufpb.googlepages.com/. 3. Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da Linguagem (LAPAL – PUC-Rio), coordenado pela Profa. Dra. Letícia Sicuro Corrêa. Site: http://www.letras.puc-rio.br/lapal/. 4. Laboratório de Fonética Acústica e Psicolingüística Experimental (LAFAPE – Unicamp), coordenado pela Profa. Dra. Eleonora Albano. Site: http://www.lafape.iel.unicamp.br/. 5. Laboratório de Computações Lingüísticas, Psicolingüística e Neurofisiologia (CLIPSEN – UFRJ), coordenado pela Profa. Dra. Miriam Lemle. Site: http://www.letras.ufrj.br/clipsen/. 8. Considerações finais Com essa breve exposição, esperamos ter apresentado de maneira simples e direta algumas das questões centrais que motivam o trabalho do psicolingüista e, também, como é possível que estudiosos dos gêneros textuais se interessem pela psicolingüística para testar experimentalmente suas hipóteses. Da mesma forma, apontamos como os psicolingüistas podem trazer questões relativas aos gêneros textuais para o seu próprio campo de investigação experimental. Na agenda da lingüística moderna, e também da ciência contemporânea de uma maneira geral, a hiper-especialização é uma necessidade e uma realidade desejável e inevitável. Isso, porém, não deve significar isolamento absoluto entre disciplinas que podem descobrir formas de cooperação úteis e vantajosas para todas as partes. 9. Indicações bibliográficas sobre psicolingüística Os seguintes livros são uma indicação de leitura em português para a iniciação em psicolingüística. CORRÊA, L, M. S. (org.) Aquisição da linguagem e problemas do desenvolvimento lingüístico. SP: Edições Loyola, 2006. LEITÃO, M. Psicolingüística Experimental: Focalizando o processamento da linguagem. In: Martelotta, M. (org.) Manual de Lingüística. São Paulo: Contexto. 2008. MAIA, M. & FINGER, I. Processamento da Linguagem. Pelotas: Educat 2005. 10. Referências KENEDY, E. Processamento de constituintes topicalizados em português. Niterói: UFF, 2009. (inédito). MAIA, M. & FINGER, I. Processamento da Linguagem. Pelotas: Educat 2005. MAIA, M. A. R. . Gramática e Parser. In: II Congresso Internacional da Abralin, 2001, Fortaleza, CE. Anais do II Congresso Internacional da Abralin, Boletim 26. Fortaleza: Imprensa Universitária UFC, 2001. v. I. p. 188-192. PINKER, S. Como a mente funciona. SP: Cia. das Letras, 2004.
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