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A Dramatização na situação analítca - Suad Haddad de Andrade

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A DRAMATIZAÇÃO NA SITUAÇÃO 
ANALÍTICA 
Suad Haddad de Andrade 
 
O título do trabalho leva diretamente para a questão da representação teatral. O teatro é 
realmente nosso referencial, mas o teatro a que quero me referir neste texto é o vivido na relação 
analítica. Todos conhecemos situações em que os pacientes nos trazem suas angustias de uma 
maneira muito dramatizada, com um exagero expressivo evidente mas nem sempre consciente. 
O teatro teve sua origem nos ritos e mitos dos povos primitivos. Sempre despertou muito 
interesse desde os mais arcaicos agrupamentos humanos porque suas diferentes formulações e 
formas de expressão giram em torno dos conflitos do ser humano, de suas angustias e seus aspectos 
misteriosos e fascinantes. Foram necessários muitos séculos para que a peça de Sófocles, também 
baseada em um mito, fosse reconhecida como a trama que expõe com precisão a construção da mente 
humana, mas sua importância e permanência decorrem exatamente disto que ela expressa. Como diz 
Meyer (2003 ) ela persiste através dos tempos porque ” Põe em jogo uma matéria que morde, por 
assim dizer, no âmago do homem”. O caráter básico do Complexo de Édipo traz a interdição do 
incesto, que é ”a lei natural e mínima para que uma cultura se diferencie da natureza”; inclui os 
processos que “transformam o ser natural em um ser cultural, e, num nível mais amplo, criam a 
civilização”.( Almeida- 2004 ). Édipo-Rei fala da integração inadiável do sujeito na categoria humana, 
onde os dramas internos, a diferenciação mundo interno-mundo externo e a necessidade de se 
adaptar à realidade são fundamentais. 
Dramatizar é uma forma de sonhar e de trabalhar com as situações endo-psíquicas e é por isto 
que a relação do teatro com a Psicanálise é natural. Os grandes autores teatrais como os grandes 
artistas são aqueles que têm um “contato privilegiado com as profundezas do psiquismo”. (Cruz-2003) 
 Também a criança se expressa naturalmente através de dramatizações. Suas montagens e 
suas brincadeiras são construções expressivas e absolutamente necessárias porque é o recurso que 
têm para elaborar e resolver seus conflitos, na medida em que não desenvolveram plenamente a 
capacidade de expressão verbal. E elas o fazem natural e seriamente, na terapia e fora dela. Os 
personagens do brincar da criança, como os personagens dos sonhos, são partes da personalidade, 
“personificações” de aspectos internos. No sonho transformamos ideias em imagens e construímos 
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com elas uma situação. A criatividade dramática no trabalho do sonho como no brincar da criança é 
produtiva e abre novas perspectivas. São funções estabilizadoras e contribuem para a preservação da 
atividade mental. 
Spillius (1990) no texto “Psicanálise e cerimônia” diz: “Tanto um sonho como uma cerimônia 
servem a uma função dupla e contraditória: eles liberam e comunicam pensamentos e emoções 
perigosas. Mas ao mesmo tempo os disfarçam e os transformam de tal forma que o elemento de 
perigo é contido e, em alguma medida, trabalhado. Uma cerimônia eficaz protege a sociedade contra 
formas destrutivas de conflito; um sonho eficaz protege aquele que dorme da ansiedade.” 
Quando falamos de dramas nas sessões de certa maneira estamos falando de representação, 
de simbolizações e das dificuldades ligadas a estes processos. Botella (1997) fala do irrepresentável, 
vivências que não puderam ser representadas mentalmente e por isto não podem ser esquecidas. 
Levy (2006) falando do trauma, mostra como uma situação se torna traumática quando não pode ser 
simbolizada. Uma vivência que não pôde ser contida e elaborada internamente pode se tornar 
traumática. O misterioso, o estranho dentro da mente precisa sempre ser decifrado e contido. O 
outro é sempre estranho e assustador e o analista é estranho e assustador como realidade externa e 
interna. Daí termos que pensar a dramatização na sessão como uma maneira de se expor, e também 
uma maneira de se esconder. Mas é principalmente uma oportunidade de experimentar. 
Com o paciente adulto temos sempre a expectativa de que ele vai se comunicar conosco 
verbalmente e muitas vezes isto ainda não é possível. A teatralização é montada para suprir as 
dificuldades de expressão verbal, que uma vez alcançada torna o contato mais direto, mas nem por 
isto mais fácil. 
Erwing Goffman, sociólogo americano que se interessou pelas interações de face a face no 
cotidiano, buscou recursos conceituais em metáforas teatrais como palco, público, personagens. O 
que ele quer examinar é a estrutura da experiência individual da vida social. Ele fez, durante anos, 
estudos em hospitais psiquiátricos de onde ele partiu para sua análise da dramaturgia cotidiana. 
Usando o modelo teatral tenta dissecar a lógica das representações de papéis que estruturam as 
interações desde as mais simples.(Corcuff -2001) Para ele, estar integrado na ordem social implica em 
assumir papéis e se portar na vida como se representasse um papel no teatro. Em “O mundo social 
como cerimônia” ele nos mostra como os valores sociais são ilustrados nas representações teatrais 
que reafirmam, de alguma maneira, os valores morais da comunidade. Daí ele ver o mundo social 
como uma cerimônia, onde as pessoas procuram provar, com suas condutas, que estão de acordo com 
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as normas. Assim como o ator, estamos sempre, de alguma forma, reafirmando os valores morais da 
comunidade (Lallement- 2004). 
Joyce MacDougall (1996) escolhe o teatro como metáfora da vida psíquica ou da realidade 
psíquica. Fala que as sessões são o teatro que os analisandos desejam partilhar com seu analista e 
onde o analista vai representar vários papéis. Ela se lembra de Ana O. que intitulava de “teatro 
particular” seus encontros com Breuer. Desde as histéricas de Freud sabemos que partes do corpo 
podem se tornar o suporte de uma significação simbólica inconsciente. As “peças de teatro internas”, 
inscritas durante a primeira infância têm um efeito duradouro sobre a sexualidade do adulto e são 
muito significativas nas manifestações neuróticas e psicóticas. Neste texto ela trata das somatizações e 
nos mostra como o corpo, para o psicossomático, é usado para libertá-lo da dor psíquica. Portanto, as 
doenças psicossomáticas, mesmo as que ameaçam a vida biológica “podem representar, 
paradoxalmente, uma luta para a sobrevivência psíquica.” Na análise, vamos ajudar o paciente a 
libertar o corpo desta tarefa desde que possamos nos aproximar dos dramas ocultos que se 
desenvolvem nos teatros do “eu”. Também o analista vai estar atento ao seu próprio teatro interior e 
terá que interpretar a si próprio antes de interpretar o seu paciente, nos diz ela. 
No teatro o corpo é usado como canal de expressão na medida em que o ator conecta os 
processos interiores com as manifestações exteriores. Bonfitto (2011) no seu texto claro e elucidativo, 
cita Stanislavski quando diz que as ações físicas são psico-físicas e agem como iscas de processos 
interiores e como catalizadores e elementos transformadores de um sistema: “o ponto principal das 
ações físicas não está nelas mesmas, enquanto tais, mas no que elas evocam. Se o herói se mata isto 
não é o importante mas as razões interiores que o levaram ao suicídio. Existe uma ligação inexorável 
entre a ação da cena e a coisa que a precipitou.” E ainda, há um “labor expressivo do intérprete como 
arte de composição criativa”. O ator é um compositor que planeja, combina, constrói e executa sua 
partitura de ação. Houve, portanto, um deslocamento do pensar sobre o ator do polo da 
representação para o da expressão. Na representação, que dominou o teatro no século XIX, os atores 
seguiam certos códigos,
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