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SAFRA, G - 2009 - Curando com histórias

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Curando com histórias 
Copyright© 2005-2011 Gilberto Safra 
Direitos desta edição: 
Resposta Editorial e Comercial Ltda. 
Edições Sobornost 
Rua Texas 658 - São Paulo - SP - CEP 04557-000 
Tel. (11) 5044-7565 
website: www.sobornost.com.br 
e-mail: atendimento@sobornost.com. br 
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer 
meio, impresso ou eletrônico, sem prévia autorização, por escrito, 
das Edições Sobornost, da Resposta Editorial. 
05-2757 
Conselho Editorial 
Gilberto Safra 
Kleber Duarte Barretto 
Sonia N ovinsky 
Marketing e comercialização 
Silvio Lefêvre 
Capa: 
ilustração de Kate Greenaway (1846-1901) 
Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP) 
Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Safra, Gilberto 
Curando com histórias / Gilberto Safra. --
São Paulo: Edições Sobornost, 2005. -- (Coleção 
pensamento clínico de Gilberto Safra) 
Bibliografia. 
1. Consulta psicológica 2. Histórias para 
crianças - Uso terapêutico 3. Pais e filhos 
4. Psicologia clínica 5. Psicologia infantil 
6. Winnicott, Donald W., 1896-19711. Título. 
II. Série. 
CDD-155.4 
Índice para catálogo sistemático 
1. Consultas terapêuticas : Apresentação de 
histórias infantis : Participação dos pais : 
Psicologia infantil 155.4 
2. Histórias infantis : Aplicação em consultas 
terapêuticas : Participação dos pais : 
Psicologia infantil 155.4 
Gilberto Safra 
Curando com 
histórias 
A inclusão dos pais na consulta 
terapêutica da criança. 
2ª edição 
2011 
e 
Ecl ições Sobotnost 
A meu avô que, por meio da forja e da bigorna, mostrou-me 
a importância do trabalho na transformação da vida. 
Gilberto Safra 
" ... a não ser a ilusão, não temos outra realidade; é conveni-
ente que o senhor também desconfie de sua realidade, desta 
que o senhor hoje respira e toca em si, porque como a de on-
tem, está destinada a que amanhã descubra que não passa 
de ilusão! ... " 
Pirandello - Seis personagens à procura de um autor. 
Tradução Brutus Pedreira - Ed. Victor Civita, 1978. 
ÍNDICE 
Apresentação da Segunda Edição ___________________________________________________________ 05 
Nota do Editor ________________________________________________________________________ : ____________________________ 09 
Prefácio----------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 13 
Apresentação da Primeira Edição------------------------------------------------------------------ 15 
Introdução ____________________________________________________________________________________________________________ 17 
Capítulo 1 
O espaço potencial e sua relação com as histórias infantis ________ 29 
Capitulo 2 
Apresentação do método de consulta ____________________________________________________ 35 
O Método------------------------------------------------------------------------------------------------------: _______ 35 
A entrevista com os pais----------------------------------------------------------------------------------- 38 
A entrevista com a criança------------------------------------------------------------------------------ 40 
A situação lúdica ________________________________________________________________________________________________ 41 
O jogo de rabiscos ----------------------------------------------------------------------------------------------- 45 
O uso da história infantil 4 7 
Capítulo 3 
Casos clínicos-------------------------------------------------------------------------------------------------- 53 
Caso 1 - Miguel __________________________________________________________________________________________________ 53 
Caso 2 - Luiz _______________________________________________________________________________________________________ 60 
Caso 3 - Lúcia _____________________________________________________________________________________________________ 65 
Caso 4 - Miriam ------------------------------------------------------------------------------------------------ 67 
Caso 5 - Marcelo------------------------------------------------------------------------------------------------ 71 
Caso 6 - Antônio------------------------------------------------------------------------------------------------ 75 
Caso 7 - Fábio _____________________________________________________________________________________________________ 78 
Caso 8 - Júlia ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 81 
Caso 9 - Tânia --------------------------------------------------------------------------------------------------- 85 
Caso 10 - Marina----------------------------------------------------------------------------------------------- 87 
Capítulo 4 
Conclusão 
Referências bibliográficas 
89 
95 
APRESENTAÇÃO DA SEGUNDA EDIÇÃO 
Gilberto Safra 
Quando aprendi a ler, meu pai, em um gesto carinho-
so, me ofertou a coleção de contos de que mais gostava: As 
mil e uma noites. Iniciei a minha leitura e me encantei com 
as estórias de Sherazade. Aqueles textos povoaram a minha 
infância, junto com outros que ampliavam o meu repertório 
de contos. 
Pouco a pouco fui percebendo que cada uma daquelas 
histórias me trazia mais do que entretenimento, pois veicu-
lava sabedoria de vida. Surpreso, percebi que elas ajudavam-
me a lidar com as minhas experiências do cotidiano. Os con-
tos passaram a ser meus interlocutores privilegiados. 
Na mesma direção certa vez, no primeiro ano ginasial, 
tive dificuldade com as aulas de matemática. Meu pai, com-
preendendo a situação e percebendo que eu não me interessa-
va pelo assunto, me deu outro livro: O homem que calculava. 
Achei o texto fascinante e, por meio dele, desenvolvi interesse 
pela matemática, o que me levou, a partir dessa experiência, a 
ser um bom aluno dessa matéria. 
Quando me formei em Psicologia, utilizava os con-
tos como modo de intervenção no dia a dia de minha prática 
clínica. Fazia isso com pacientes de diferentes idades. 
Alguns pais me procuravam para discutir problemas 
com seus filhos e ali onde era possível, saiam da consulta com 
uma história para auxiliar no desenvolvimento das crianças. 
Certa vez uma colega me pediu ajuda com um caso e 
5 
sugeri uma história para ser contada à criança. Perceben-
do quão útil era o procedimento, a colega sugeriu que eu es-
crevesse a respeito dele. Na época eu fazia pós-graduação e, 
naquele instante, decidi que este seria o tema de meu mes-
trado. 
Desde aquela época tive a oportunidade de utilizar este 
procedimento inúmeras vezes. Pode-se dizer que há um grande 
número de crianças que tiveram a experiência de serem aju-
dadas desta forma. Muitas delas, que hoje já são pais e mães, 
utilizam as histórias para intervir no cotidiano de seus própri-
os filhos, no momento em que uma situação se torna confliti-
va para eles.O procedimento continua sendo usado por famí-
lias e instituições como um meio breve de auxilio psicológico 
para as crianças. 
Trata-se de um procedimento razoavelmente simples 
que veicula o narrar como veículo de intervenção. O narrar 
refere-se à possibilidade de se contar uma experiência. No 
cerne de todo narrar há uma experiência, pois, ao narrar-
mos uma situação, buscamos compartilhar uma experiên-
cia de vida, tornando-a presente. Em nosso caso, compomos 
um conto que possa, de um modo intermediário, articular no 
registro do faz de conta a situação conflitiva da criança. 
É necessário enfatizar a importância da possibilidade 
de poder narrar uma experiência. Situação que demanda que 
haja alguém que tenha presença e possa ser afetado pela ex-
periência de modo a poder relatá-la a seus ouvintes. O narrar 
coloca em devir a situação problemática, possibilitando que 
ela deixe de ser um impedimento ou uma parada no processo 
maturacional, para vir a ser possibilidade. 
O narrar permite a apropriação de um saber tácito 
sobre a condição humana, que não surge por meio de uma 
produção mental. A narrativa é aspecto fundamental naclínica contemporânea pois observamos com frequência, na 
atualidade, a impossibilidade das pessoas poderem contar 
suas experiências. Nossos pacientes chegam aos consultórios 
sem a possibilidade de experimentar e sem a capacidade de 
6 
narrar o vivido. Para que uma pessoa possa experienciar e 
narrar é necessário que esteja enraizada em uma comu-
nidade, pois é isso que possibilita a sua constituição, ofer-
tando-lhe um si mesmo. Contar uma história é dar à situa-
ção vivida pela criança a experiência de acompanhamento. 
Aquilo que é narrado, por mais traumático que seja, pode 
vir a ser experimentado psicologicamente, o que supera 
a necessidade da criança fazer um sintoma. O narrar é 
também importante como meio de intervenção no proces-
so clínico - e aqui estou contrapondo o narrar com a inter-
pretação. 
Nos modos de adoecimento atuais não estamos 
frente a situações em que o interpretar seja o procedimen-
to mais adequado para o nosso trabalho pois, na maior 
parte das vezes, não há nada a ser interpretado mas há a 
necessidade de que algo venha a ser narrado pelo analis-
ta. Do ponto de vista do analista narrar é apresentar uma 
experiência própria. Isto significa que a clínica concebida 
nesta perspectiva se aproxima bastante do jogo de rabis-
co winnicottiano. No jogo de rabisco Winnicott participa-
va dos rabiscos que as crianças faziam e insistia que o jogo 
só era efetivo na medida em que o analista de fato rabis-
casse, não como estratégia e não como técnica, mas como 
participação na experiência de jogo com a criança. O nar-
rar, na clínica, é equivalente ao rabiscar, para que o ana-
lisando possa vir a experimentar a presença do Outro-raiz. 
E para que, de alguma forma, lhe seja possibilitado o aces-
so ao pertencer e à experiência do reconhecimento de si. 
Narrar é compartilhar uma experiência e ofertar 
um saber tácito sobre o viver humano. Narrar é presen-
tificar sabedoria. Sabedoria nada tem a ver com erudição, 
mas com o fato de que alguém passou por inúmeras ex-
periências - alegres, tristes, de dores ou de júbilo - e que 
encarna um saber a respeito da existência humana. O nar-
rar apresenta um saber que é ao mesmo tempo pessoal e 
transgeracional. 
7 
Benjamin1 nos diz: 
O primeiro narrador verdadeiro é e con-
tinua sendo o narrador dos contos de fada. Esse 
conto sabia dar um bom conselho quando ele 
era difícil de obter e oferecer sua ajuda em caso 
de emergência.Era a emergência provocada pelo 
mito. O conto de fadas nos apresenta as primeiras 
medidas tomadas pela humanidade para liber-
tar-se do pesadelo mítico ... O feitiço libertador dos 
contos de fadas não põe a natureza como uma en-
tidade mítica, mas indica sua cumplicidade com o 
homem liberado. O adulto só percebe essa cumpli-
cidade ocasionalmente, quando está feliz; para a 
criança, ela aparece pela primeira vez no conto de 
fadas e provoca nela uma sensação de felicidade. 
(Benjamin, 1936) 
Compartilho com Benjamin esse ponto de vista. Há 
necessidade de recuperar a capacidade do ser humano de nar-
rar. Ao mesmo tempo em que são auxiliadas pelas histórias, 
nossas crianças podem vir a acessar novamente a capacidade 
de contar um conto e compartilhar essa experiência com ou-
tros, possibilitando ore-fundamento da tradição que celebra 
o humano. 
Março de 2011 
BENJAMIN, W, (1936); Magia e Técnica, arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura, 
Tradução de Paulo Sérgio Rouanet São Paulo: Brasiliense 
8 
NOTA DO EDITOR 
Sonia N ovinsky 
Sobornost é um projeto editorial que nasceu de um 
sonho dos alunos, colegas e amigos de Gilberto Safra - o so-
nho de ver o conteúdo de seus cursos e reflexões clínicas 
reunido tão logo quanto possível sob a forma de livros. Este 
grupo, sempre crescente, de estudiosos e clínicos que acom-
panha há anos a evolução do pensamento deste professor e 
psicanalista, reconhece a importância de suas idéias não só 
para a clínica contemporânea como para os campos da Lite-
ratura, Filosofia, História, Religião, Antropologia, Psicologia 
Social e Educação. 
Espontaneamente, os alunos já vinham gravando 
em áudio os cursos e conferências de Gilberto Safra desde 
1994. A partir de agosto de 2002, um grupo bastante dedi-
cado assumiu os custos de gravar todas as aulas também em 
vídeo. A convicção de que este material deveria ser preser-
vado e divulgado levou à organização de um Acervo Profes-
sor Gilberto Safra, que passou a disponibilizar para consulta 
as fitas de vídeo nas bibliotecas da PUC-SP e do Instituto de 
Psicologia da USP. 
Por outro lado, no LET - Laboratório de Estudos da 
Transicionalidade - _criado pelo Prof. Gilberto Safra no início 
dos anos 90 como um espaço multidisciplinar para a discussão 
de idéias e trabalhos, aberto à vida para além da comunidade 
estritamente acadêmica, constituiu-se um grupo de trabalho 
voltado para a transcrição e textualização dos cursos minis-
9 
trados por este professor, a fim de torná-los publicáveis sob a 
forma de livros. 
É interessante observar que esse movimento espontâ-
neo e comunitário em torno da pessoa do professor Gilberto 
Safra é fielmente coerente com a visão de mundo e de ser hu-
mano deste mestre e também com os princípios de sua práti-
ca clínica e acadêmica. 
Por tudo isso, quando foi preciso optar por um nome 
para este selo editorial, naturalmente Sobornost emergiu 
como o único possível, ainda que careça de explicação, por se 
tratar de uma palavra pouco conhecida. 
Sobornost, na língua russa, é um substantivo, cuja 
pronúncia é sabórnast. Refere-se ao comunitário, ao que pro-
move a unidade e a conciliação, sem prejuízo das diferen-
ças e da liberdade. Este termo nasceu no campo da Teolo-
gia russa e assinala a presença do Múltiplo no Uno, ou seja, a 
compreensão de que o homem é constituído por seus ancestrais, 
por seus contemporâneos e pelas gerações futuras, mas tam-
bém pela natureza e pelas coisas que fabrica e que fazem parte 
do mundo que o rodeia. A partir dessa perspectiva dizemos que 
o ser humano é a singularização de toda a história da humani-
dade. Ela nos convida à solidariedade, à ética, ao espírito de co-
munidade, dentro do respeito profundo às diferenças. 
Assim, o termo Sobornost ilustra bem o espírito 
solidário e comunitário que tornou possível o lançamento 
deste selo e ao mesmo tempo a vocação de nossas escolhas 
editoriais. 
Seis anos das Edições Sobornost 
Em 24 de junho de 2005 inaugurávamos as Edições 
Sobornost, com uma palestra pública do Prof. Gilberto Safra, 
realizada na UNIP, em São Paulo. Mais de 600 pessoas es-
tiveram presentes a este evento, que reuniu profissionais, 
professores, estudantes e estudiosos das mais diversas áreas 
ligadas à Psicologia, à Saúde e às Ciências Humanas de uma 
forma geral. Em julho/agosto de 2005 iniciamos as atividades 
10 
de nossa loja virtual com o site www.sobornost.com.br. 
Desde então, e até o abril de 2011, cumprindo nossa 
missão de divulgar e estudar o pensamento do Prof. Gilber-
to Safra, já editamos mais de 350 títulos seus, entre livros, 
DVDs e CDs de aulas, palestras e cursos completos. 
Cada vez mais pessoas, de todo o Brasil e também do 
exterior, têm-se mostrado interessadas em conhecer e estu-
dar o pensamento do Prof. Gilberto Safra e solicitado sua 
presença em várias cidades e instituições. Sendo impossível 
a ele atender a tantas demandas, o instrumento mais viável 
para transmitir o seu saber tem sido o oferecimento das suas 
obras em livros e DVDs, divulgados no site de nossa editora 
e através dos informativos por email. 
Para que possamos dar continuidade com eficácia a 
este trabalho, atingindo as pessoas que realmente se interes-
sam ou possam ser interessar pelo estudo do seu pensamen-
to, temos contado muito com a ajuda de colegas, que têm in-
dicado espontaneamente seus colegas e amigos. 
11 
Sonia N ovinsky 
Do Conselho Editorial 
Edições Sobornost 
sonia@sobornost.com.br 
www .sobornost.com.br 
12 
PREFÁCIO 
Kleber Duarte Barretto 
Curando com históriasé um livro que interessa tanto 
aos profissionais da área clínica quanto às fann1ias e principal-
mente aos pais. Trata-se da apresentação, bastante didática e 
clara, de um modelo de consulta terapêutica por meio da criação 
de histórias infantis que levam em consideração a problemática 
enfrentada pela criança. 
Este procedimento terapêutico, além de respeitar o mun-
do imaginativo que é fundamental a todo ser humano, possibili-
ta aos pais uma participação ativa no tratamento de seu filho(a), 
não só auxiliando na elaboração da história, mas contando a 
história à criança. Há também um efeito terapêutico sobre o pai 
e a mãe, uma vez que estes recuperam a confiança na capacidade 
de promover o desenvolvimento de uma criança antes paralisa-
da por angústias que, geralmente, decorrem de dificuldades dos 
próprios pais. 
Este trabalho, escrito em 1984 como dissertação de mes-
trado, mantém, sem dúvida, toda sua atualidade. Aqueles que 
têm acompanhado o desenvolvimento do pensamento clínico de 
Gilberto Safra mas ainda não conheciam este trabalho pioneiro, 
têm agora, finalmente, a oportunidade de fazê-lo e reconhecer as-
sim a sensibilidade clínica, a capacidade criativa e a fundamenta-
ção teórica já presentes desde então. Por outro lado, aqueles que 
já haviam tido contato com o material do mestrado, podem agora 
ter acesso a este trabalho totalmente revisto pelo autor após um 
percurso clínico de mais de vinte anos. Cabe agora ao leitor con-
ferir por si mesmo a riqueza do material que tem em mãos. 
13 
-
APRESENTAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO 
Gilberto Safra 
Este trabalho foi originalmente apresentado como 
Dissertação de Mestrado no Instituto de Psicologia da Uni-
versidade de São Paulo, no ano de 1984. Era um momento 
em que as contribuições de Donald W. Winnicott eram ainda 
pouco assimiladas em nosso meio e acredito que esse foi um 
dos primeiros trabalhos acadêmicos no Brasil que utilizou 
essa vertente teórica na fundamentação do trabalho clínico 
realizado. Eu havia iniciado meu percurso como clínico em 
1977, quando então tive a oportunidade de iniciar o meu es-
tudo da obra do pediatra e psicanalista inglês. 
Encontrar a obra de Winnicott foi uma experiência mu-
tativa em minha vida profissional, pois reconhecia em seus 
textos o que eu intuía serem verdades significativas para o 
ser humano. Gradualmente, minha clínica foi sendo norteada 
por aquilo que aprendia com esse autor. Eram conceitos que 
me davam a liberdade necessária para que pudesse encon-
trar o meu estilo de trabalho clínico. 
Como primeiro resultado desse encontro, nasceu esse 
texto que procurava apresentar um método de consultas 
terapêuticas com crianças, tendo as histórias como meio de 
intervenção. Esse método continua a ser utilizado por mim e 
por outros profissionais ainda hoje, o que nos levou a decidir 
pela publicação deste trabalho. 
Vinte anos se passaram! Embora o método utilizado 
hoje seja exatamente o mesmo, a maneira de compreendê-
lo e de fundamentá-lo modificou-se. Por essa razão, revisei 
o texto para que ele fosse mais fiel ao que penso nesta etapa 
de minha vida. A revisão realizada abordou, fundamental-
mente, determinados conceitos que hoje apreendo de modo 
mais preciso e também determinadas passagens teóricas 
que, atualmente, considero que eram equivocadas. O método 
apresentado e os casos clínicos relatados continuam os mes-
mos. 
16 
INTRODUÇÃO 
Gilberto Safra 
Ao observar o que a Psicologia Clínica em nosso meio 
tem a oferecer para o atendimento da população infantil, 
notamos que temos basicamente o diagnóstico e a psicotera-
pia, esta última sempre de longo prazo e de custo muito alto. 
No trabalho diário do psicólogo clínico, é cada dia 
maior a necessidade de contar com procedimentos que 
possibilitem intervir em momentos em que, pelo incremen-
to da angústia, ocorre uma parada no processo maturacional 
da criança e o aparecimento de sintoma indicador de conflito, 
ou naquelas situações de crise provocadas pelo fluxo natural 
da vida (mortes, mudanças, separações etc.). Por outro lado, 
necessitamos também que estes procedimentos sejam pas-
síveis de serem usados no trabalho institucional. 
Partindo desse ponto de vista, pareceu-me, desde o fi-
nal da década de setenta, que uma das soluções estaria na 
consulta terapêutica, na qual, com uma ou no máximo três 
sessões, tenta-se trabalhar com a angústia emergente da 
vida emocional infantil. 
A criança tem uma tendência espontânea ao desen-
volvimento. No entanto sua evolução pode sofrer alterações 
por uma dificuldade de elaborar psíquicamente seus conflitos, 
acarretando a paralisação de seu crescimento e a formação de 
sintomas. 
Na consulta terapêutica temos a possibilidade de faci-
litar a elaboração da angústia vivida pela criança e que este-
17 
ja perturbando o seu desenvolvimento, a fim de que a tendên-
cia ao amadurecimento recupere o seu curso natural. Isto é 
feito de maneira a possibilitar que a criança e seus pais pos-
sam lidar com a situação emergente e, dessa forma, sejam 
enriquecidas as possibilidades de enfrentar as dificuldades 
decorrentes do desenvolvimento da criança, ao mesmo tempo 
em que o vínculo entre eles é aprofundado. 
Alguns autores têm estudado e elaborado proce-
dimentos e técnicas para a execução deste tipo de consulta. 
Assim, Harris (1966) demonstra a possibilidade de abordar 
problemas psicológicos em um tempo relativamente breve, 
enfocando uma situação crítica familiar. Seu método consiste 
em três entrevistas e uma análise final das conclusões. Sua 
técnica é basicamente o assinalamento, sem dar conselhos, 
atuando mais como continente das angústias dos pais. 
Winnicott (1971) descreve um método (Squiggle Game) 
pelo qual pretende oferecer ao cliente a oportunidade de ex-
pressar-se e conseguir desta forma uma ajuda para o conflito 
que vivencia. Este procedimento é conhecido entre nós com o 
nome de jogo de rabiscos, uma modalidade de trabalho lúdico 
que favorece o aparecimento de uma boa comunicação paci-
ente-terapeuta e que permite à criança surpreender-se frente 
à expressão de sua angústia e superar aquele momento de 
paralisação do seu desenvolvimento. É esse trabalho que me 
forneceu a inspiração e os conceitos necessários para o desen-
volvimento do procedimento de consulta que apresento nesse 
livro. 
Dolto (1977) descreve o método desenvolvido por ela 
onde, em uma entrevista com a mãe ou os pais, sempre com 
a presença da criança, procura não só conversar com os pais 
mas também se comunicar com a criança, para o que, com 
freqüência, fornece-lhe papel e lápis. Na mesma sessão da en-
trevista, Dolto opina sobre a situação da criança para os pais; 
fica então a sós com a criança e conversa com ela, fazendo co-
mentários sobre os desenhos realizados. Seu objetivo é fazer 
com que o cliente tenha alguma compreensão dos seus confli-
18 
tos, para superar o impasse vivido por ele naquele momento. 
O trabalho de Dolto é sempre inspirador, pois a sua grande 
sensibilidade pessoal torna os seus relatos clínicos uma oca-
sião para saborear o trabalho de uma grande profissional. 
Considero Dolto, ao lado de Winnicott e Ferenczi, os grandes 
clínicos na história da Psicanálise. Embora aprecie muito os 
trabalhos de Dolto, não compartilho de sua visão de homem 
e de seus conceitos teóricos. Assim, na fundamentação desse 
trabalho, seguirei uma perspectiva distinta daquela utiliza-
da por esta grande clínica. 
No trabalho com crianças, observa-se o uso da ex-
pressão lúdica como meio privilegiado para a elaboração de 
vivências emocionais e de comunicação com o outro. Freud 
(1922) já descreve o jogo de um garoto frente ao desapareci-
mento de sua mãe e salienta que o brinquedo era uma ten-
tativa de elaboração da angústia sentida pela criança. Klein 
(1969), que utilizou o jogo como meio de acesso ao inconsci-
ente infantil, afirma que a criança expressa suas fantasias, 
desejos e experiências de forma simbólica por meio de jogos e 
brinquedos. Ao fazê-lo, utilizariaos mesmos modos arcaicos 
e filogenéticos de expressão, a mesma linguagem com que já 
nos familiarizamos nos sonhos. 
Aberastury (1981) diz, baseada em suas observações, 
que, ao jogar, a criança desloca para o exterior seus medos, 
angústias e problemas internos, dominando-os mediante a 
ação. Todas as situações excessivas para seu ego débil são 
repetidas no jogo e isto permitiria à criança seu domínio so-
bre objetos externos e a seu alcance, bem como tornar ativo o 
que sofreu passivamente, mudar um final que lhe foi penoso, 
tolerar papéis e situações que na vida real lhe seriam proi-
bidos desde dentro e desde fora. O jogo, como o chiste, con-
seguiria um suborno do superego que tornaria possível a li-
beração de sentimentos e afetos censurados. 
Knobel (1977) ressalta a importância da projeção no 
brinquedo. Em sua opinião, seguindo de perto a tradição 
kleiniana, por meio do jogo a criança pode projetar muitas 
19 
angústias e muitos dos conflitos, que de certa forma apare-
cem assim objetificados, concretizados em objetos também 
concretos, que podem ser manipulados, tentando assim uma 
elaboração lúdica. 
Para esses autores o jogo seria resultado de projeções 
e introjeções, campo de realização de desejos. Para eles, o 
jogo não teria importância em si mesmo. Seria, desse modo, 
um meio de acesso ao inconsciente. Não compartilho desse 
tipo de visão. Para mim, seguindo Winnicott (1971), o jogo 
possibilita o estabelecimento de um campo de experiência, de 
um sentido de realidade e também é espaço privilegiado do 
vir a ser humano. 
Buscando no registro lúdico maneiras de auxiliar a cri-
ança na elaboração de seus conflitos, minha atenção voltou-
se para as histórias infantis como modo de comunicação 
adequado ao momento do processo maturacional no qual a 
criança se encontra. O conto é uma forma de expressão mais 
próxima daquela que naturalmente é utilizada pela crian-
ça na organização, elaboração e superação de seus conflitos 
psíquicos. 
O campo lúdico foi freqüentemente abordado na 
história da psicanálise como relacionado ao processo 
primário. O jogo e a expressão plástica, na maior parte das 
vezes, foram equiparados à formação de sintomas. Pesqui-
sando na literatura psicanalítica o uso da linguagem e do 
pensamento plástico na elaboração de conflitos psíquicos, en-
contramos que alguns autores-Freud (1900), Rank e Sachs 
(1915), Jones (1918) - estudaram o processo primário uti-
lizado nos jogos e histórias infantis, com seus mecanismos 
de deslocamento e de condensação1. Assinalaram que o pro-
cesso primário está relacionado com a realização de desejos, 
permitindo que desejos inconscientes escapem à pressão do 
1 O processo primário é característico do sistema inconsciente. A energia psíquica flui pelas 
diversas representações, sem obstáculos, segundo os mecanismos de deslocamento e condensa-
ção, buscando investir as representações ligadas à satisfação do desejo. Diferencia-se basica-
mente do processo secundário, pois neste a energia psíquica investe as representações de forma 
mais estável e a satisfação do desejo é adiada. Os dois processos são paralelos à oposição entre 
princípio de prazer e princípio de realidade. 
20 
superego para encontrar expressão por meio de formas de 
manifestação plástica. Assim, o processo primário estaria a 
serviço de representações deformadas pela ação do superego, 
ansiedades e mecanismos de defesa. Entretanto, outros au-
tores assinalam que o processo primário poderia estar a ser-
viço da expressão simbólica, como tentativa de representar 
e elaborar a angústia vivida pelo indivíduo (Roland, 1971). 
Na mesma linha de argumentação, o pensamento metafórico 
foi apontado por Kris (1952) e Milner (1952) como servindo à 
função de elaboração. Rycroft (1968) ampliou esta concepção 
ao colocar o processo de simbolização, quando .usado para in-
tegrar as experiências do indivíduo, como parte do processo 
secundário. 
Werner (1948) e Piaget (1962) mostraram que a cri-
ança pode e costuma expressar-se por metáforas. Este esti-
lo de comunicação usado pela criança seria resultado de um 
sistema incompleto de formação de conceitos, de um desen-
volvimento insuficiente do processo secundário. Nos adultos o 
uso da metáfora seria feito de maneira mais consciente e ela-
borada, fruto de um maior desenvolvimento da capacidade 
integrativa, que na infância se manifestaria de maneira me-
nos completa. 
Os primeiros estudiosos do pensamento plástico den-
tro da literatura psicanalítica tendem a descrever o pen-
samento metafórico e simbólico como a representação indi-
reta e figurada de uma idéia, de um conflito, de um desejo 
inconsciente. No entanto, ao longo do tempo, percebe-se que, 
gradativamente, a simbolização e a metáfora passam a ser 
consideradas pelos autores (Jung, 1951) como sendo mais 
que um disfarce, mas também como um esforço para escla-
recer e representar o que é ainda desconhecido e que só está 
em processo de formação. Nesta última posição encontra-se 
Noy (1969), para quem a simbolização serve como uma pon-
te entre o mundo interno e externo. Para ele, esta necessi-
dade de simbolização e de internalização do meio ambien-
te dá-se não só em termos de desenvolvimento libidinal e no 
21 
(\. 
--~ 
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~ 
~ 
uH tubclocimento da constância do objeto, mas também para o 
dct-wnvolvimento de várias funções do ego. 
Assim, enquanto o processo secundário funcionar-
ia para lidar com a realidade externa, o processo primário 
é definido pela função de integrar novas experiências no self 
da pessoa.2 
Considero as diversas formas de jogo da criança, as-
sim como as histórias, não só como um modo de encontrar 
expressão para desejos inconscientes, mas fundamental-
mente como um modo de colocar seus conflitos subordinados 
à sua criatividade, ou seja, sob o domínio do eu. Parece-me 
imprescindível tal forma de expressão para o desenvolvimento 
cognitivo, ao lado do enriquecimento da apercepção criativa3, 
aqui definida como a capacidade da pessoa de apreender a reali-
dade segundo suas características pessoais. Isto significa estar 
pessoalmente presente, sem estar submetido ao mundo ex-
terno e nem tampouco interpretá-lo de forma delirante, mas 
sim por meio de uma apreensão pessoal do mundo que aro-
deia. 
Concordo com Winnicott (1968) quando afirma que o 
jogo é universal e pertence à saúde. Ele facilita o crescimen-
to, além de auxiliar na formação de relacionamentos grupais. 
O jogo é a forma primordial de comunicação em psicoterapia 
e em psicanálise. É sempre uma experiência criativa que se 
dá no continuum espaço-tempo. É uma forma básica de viver. 
2 O conceito de selfna literatura psicanalítica foi abordado pela escola da Psicologia do Ego, Psico-
logia do Self e também por Winnicott. Como representantes da primeira escola aponto o trabalho 
de Gedo & Goldberg (1973) no qual estes afirmam que o termo self poderia ser entendido como 
um sistema de memórias que constitui a auto-representação, como uma constelação psicológica 
organizada e permanente, que influencia de forma contínua e dinâmica o comportamento do in-
divíduo. Como vemos, trata-se de uma visão que aborda o self como acontecendo preponderante-
mente no registro representacional da personalidade. Seguindo Winnicott, utilizo o conceito de 
self como fundamentalmente não representacional. Nessa vertente, o self é visto muito mais como 
um conceito fenomenológico em que o caráter experiencial é enfatizado. Cada nova experiência 
muda a posição da pessoa no mundo, na relação com os outros. Ou seja, a cada gesto há um re-
1 
~ 
1 t" 
posicionamento do horizonte existencial da pessoa. 
Para Winnicott a apercepção criativa é, mais do que qualquer outra coisa, o que faz o indi-
víduo sentir que a vida vale a pena de ser vivida. Contrastando com isto há uma relação com a 
realidade externa, que é de submissão, apenas. reconhecendo-se o mundo como algo que exige 
adaptação. Este estilo traz ao sujeito um sentimento de futilidadee de que a vida não vale a 
pena de ser vivida. (Winnicott, 1975). 
22 
A história sempre teve um lugar fundamental em 
minha experiência de vida. Quando aprendi a ler os primei-
ros livros, ganhei como presente de meu pai uma coleção em 
quatro volumes intitulada As Mil e Uma Noites, publicada 
pelas Edições Melhoramentos. Essa era uma coleção pela 
qual meu pai tinha grande estima e que me nutriu ao longo 
de minha vida. 
As histórias têm sido usadas pela humanidade, através 
dos tempos, com objetivos medicinais, educativos, religiosos, 
filosóficos, etc. Na cultura hindu um conto era oferecido a 
uma pessoa desorientada a fim de que ela meditasse sobre 
ele e pudesse ser curada por esse processo. Os Sufis usavam 
e usam os contos para ajudar os seus discípulos a superar um 
conflito existencial e espiritual (Shah, 1976). Entre os nos-
sos índios Tupi-Guaranis, encontramos uma série de contos, 
conhecidos como as Lendas do Jabuti que, segundo Couto de 
Magalhães (1975), têm o objetivo de fazer entrar no pensa-
mento do índio a crença na supremacia da inteligê:qcia so-
bre a força física, elemento importante para ampliar a capa-
cidade adaptativa frente à natureza. Com os índios Caiapós 
encontra-se uma série de histórias passadas oralmente de ge-
ração a geração, onde narram, por meio de mitos, a criação 
do mundo e o lugar do índio nesta cosmovisão, assim como o 
lugar do mal, buscando desta forma uma organização simbóli-
ca do mundo através da qual a vida do índio adquire sentido 
(Lukesh, 1976). Em todos os povos encontramos histórias e 
mitos por meio dos quais os seus membros buscam a elabora-
ção de angústias comuns e a transmissão de sua cosmovisão, 
com seus sistemas de valores, em relação aos quais buscam 
referência. 
Retomo portanto algo dessas tradições pois considero 
os contos como fenômenos de grande complexidade, já que 
abordam não só questões fundamentais da existência huma-
na, mas também as colocam de forma articulada, segundo 
uma narrativa com início, meio e fim. Nessas narrativas, a 
própria temporalidade humana está contemplada pois so-
23 
rnoH, desde o berço, seres que iniciam, vivem e finalizam as 
d iforentes experiências que chegam ao nosso horizonte de 
vida. É fundamental que em toda consulta terapêutica o ini-
ciar, o usar e o finalizar possam acontecer. 
Os mitos e histórias, desde o início, ocuparam um lugar 
importante na Psicanálise. Freud voltou-se ao Mito de Édi-
po para representar o que observava em sua prática clínica. 
Comentou também o significado das histórias de Rumpelstil-
zchen, O Chapeuzinho Vermelho e O Lobo e os Sete Cabri-
tos (1913), embora em sua visão fossem principalmente re-
alizações de desejos. Hellmuth (1920) apresenta um caso de 
análise de uma criança, onde usa uma técnica interpretativa 
baseada em histórias, com um objetivo mais educativo. 
Erich Berne (1972) começou a explorar a utilidade de 
alguns contos de fadas para ilustrar ao paciente seu script 
básico de vida, os jogos nos quais estaria envolvido e suas . 
transações predominantes. Berne conecta os contos com os 
problemas de seus clientes, a fim de que possam reconhecer 
que vivem apenas um script entre diversas possibilidades. 
Segundo o autor, os pacientes, através deste método, sentem-
se capazes de transformar suas relações interpessoais mais 
tensas em outras mais espontâneas. 
Wittgenstein (1965) usa a técnica de requisitar ao 
cliente que narre algumas das histórias de fadas comuns de 
que tenha lembrança. As distorções que essas histórias so-
frem sob a ação da mente do cliente são vistas como uma 
indicação da problemática pessoal do cliente frente ao pro-
blema geral humano apresentado pelo conto. 
Heusher (1967, 1968, 1969) estudou o uso de contos na 
psicoterapia. Para ele as histórias apresentam diferentes es-
tágios do desenvolvimento humano, os vários conflitos e me-
tas, assim como possíveis soluções e dificuldades. Este autor 
defende a idéia de que a verdade contida no conto não é rela-
tiva mas que ela se torna viva e operativa no relacionamento 
entre a história, os pais e a criança. 
Esta também é a posição de Bettelheim (1980), para 
24 
quem as histórias infantis, tratando de problemas humanos 
universais, falam ao ego em germinação e encorajam seu de-
senvolvimento, enquanto, ao mesmo tempo, aliviam tensões 
pré-conscientes e inconscientes. 
Gardner (1971) desenvolveu uma técnica onde clien-
te e terapeuta se contam histórias para um fim terapêutico. 
Cada criança tem uma fita de gravador no lugar da tradicio-
nal caixa de brinquedos. O terapeuta começa a sessão suge-
rindo que estão num programa de televisão onde se contam 
contos. Liga o gravador, imitando um locutor dizendo que a 
criança irá compor uma fábula. Em seguida, o terapeuta irá 
criar também uma história e finalizará com a moral da mes-
ma. A criança faz a sua narrativa e em seguida o terapeu-
ta conta a sua, que é composta com os mesmos personagens 
usados pela criança, mas com outra resolução. Os finais das 
histórias do terapeuta com freqüência são moralistas. O cri-
tério de cura da criança é o fato de que seus contos tornarem-
se cada vez mais similares aos do terapeuta. O método apre-
sentado é questionável por utilizar-se de técnicas de sedução, 
não respeitando a singularidade da criança. 
Ramon e outros (1978) descrevem uma técnica te-
rapêutica para crianças com problemas de conduta, dificul-
dades de ajustamento, probleinas de aprendizagem ou sin-
tomas neuróticos. Nesta técnica o terapeuta conta a cada 
criança um conto popular do qual a criança escolhe um per-
sonagem para dramatizar ou modelar em argila. Os autores 
observaram que, por meio desta técnica, é oferecida uma es-
timulação à simbolização e à expressão de sentimentos, o que 
propicia uma oportunidade de elaborar problemas. 
Parker e Louis (1978), no processo de aconselhamen-
to, utilizam os mitos e a literatura moderna. Afirmam que 
essas modalidades de expressão são agentes potenciais para 
canalizar a emergência de aspectos profundos da personali-
dade. Também sugerem que situações de crise e de impasse 
são muitas vezes análogas a situações descritas em mitos e 
contos tradicionais dos diversos povos .. 
25 
Claman (1980) utiliza o squiggle game, proposto por 
Winnicott, em pacientes em idade de latência, como técni-
ca terapêutica para lidar com a resistência característica 
desta idade. Propõe à criança que, ao lado do rabisco, conte 
histórias - e o terapeuta faz o mesmo. O papel do terapeu-
ta no jogo é permanecer empático e colaborador e focalizar 
suas histórias no problema e estágio de desenvolvimento da 
criança. O terapeuta compartilha, através de seus desenhos 
e histórias, seu entendimento dos problemas da criança, su-
gerindo possíveis soluções. 
Embora considere muito importante que os contos e 
histórias façam parte da educação de toda criança, discordo 
do uso indiscriminado do conto de fadas quando temos como 
objetivo o seu uso terapêutico, pois para que o conto possa 
ser usado beneficamente por uma criança é preciso conhecer 
o momento do processo maturacional em que ela se encontra, 
seu meio cultural, suas angústias. Caso contrário, corre-se o 
risco de contar à criança uma história que intensifique suas an-
siedades, ao invés de ajudá-la na elaboração das mesmas. Esse 
aspecto é um dos desdobramentos do que Winnicott nos ensinou 
com a concepção de apresentação de objetos. Essa seria uma 
função importante no processo de maternagem pois, por meio 
dela, a mãe apresentaria a realidade de maneira dosada à cri-
ança, segundo as suas possibilidades de assimilá-la. Essa mes-
ma função pode serre-situada no registro das atividades psi-
coterápicas e psicanalíticas, pois também nelas o profissional 
precisa apresentar as situações que emergem no campo trans-
ferencial, levando em conta as possibilidades do analisando de 
usá-las para o trabalho que estaria sendo realizado. 
Para a atividade que realizo nas consultas terapêuticas 
tomo os conceitos winnicottianos de espaçopotencial e de fenô-
menos transicionais, pois acredito que para qualquer tipo de 
trabalho psicoterapêutico ou psicanalítico, especialmente com 
a criança, esses fenômenos são fundamentais para que uma in-
tervenção fecunda seja realizada. Maior importância ainda eles 
têm na consulta terapêutica, pois só uma intervenção aconte-
26 
cida no espaço potencial produz um efeito terapêutico mutativo, 
eficaz e rápido, sem seduzir ou submeter a criança, conseguin-
do desta forma uma real cooperação dela para o trabalho que se 
está realizando. 
Apresento neste livro um método de consulta infantil 
utilizado por mais de vinte anos em consultório particular e in-
stituições, por mim e por outros profissionais da área. É um 
procedimento que utiliza histórias infantis como meio de inter-
venção, por ser uma forma lúdica de expressão compatível com 
a vida mental da criança e também pelo fato de as histórias 
favorecem o aparecimento do espaço potencial e dos fenôme-
nos transicionais - fenômenos esses que são fundamentais para 
que o trabalho seja realizado sem que a criança se sinta inva-
dida e para que lhe seja possível retomar criativamente o devir 
de seu self. 
27 
r 
CAPITULO 1 
O espaço potencial e sua relação com as 
histórias infantis 
O mundo subjetivo e sua relação com o mundo externo 
têm sido amplamente estudados e conceituados por diferentes 
psicanalistas. Ênfase tem sido dada à interação desses dois 
campos para a formação e o dinamismo da personalidade. 
É com Winnicott (1953) que temos a conceituação does-
paço potencial e a descrição de sua participação na constituição 
da personalidade. Esta seria a terceira área da vida de um ser 
humano - entre a realidade subjetiva e realidade compartilha-
da - que não pode ser ignorada pois constitui uma área interme-
diária de experimentação para a qual contribuem tanto a reali-
dade interna quanto a externa. · 
O espaço potencial dá ao ser humano a possibilidade de 
lidar com a realidade objetiva de modo criativo, favorecendo as-
sim um contato com o mundo externo de maneira ampla e sau-
dável. A oportunidade de usá-lo é oferecida pela primeira vez à 
criança pela mãe, quando esta se adapta às necessidades do 
bebê de forma completa, fornecendo a ele a experiência de ilu-
são, pois para que ela possa exercer essa função, ela mesma pre-
cisa estar com a possibilidade de usufruir as experiências pecu-
liares ao espaço potencial. 
Já durante a gravidez a mãe gradativamente se identifi-
ca com o seu bebê, o que a torna bastante sensível às necessida-
des da criança que irá nascer. O bebê significa outras coisas 
para a fantasia inconsciente da mãe, mas talvez o traço predomi-
nante seja a disposição e a capacidade da mãe de despojar-se de 
todos seus interesses pessoais e concentrá-los no bebê, aspecto da 
29 
atitude materna que foi denominado preocupação materna 
primária. (Winnicott, 1967, p.29). 
A mãe, neste estado de sensibilidade aumentada, tem 
a habilidade de reconhecer as necessidades do bebê e adap-
tar-se ativamente a elas. Esta adaptação completa permite 
ao bebê a ilusão de que cria a mãe e que ela faz parte dele. 
Desta maneira a mãe caminha em direção à onipotência da 
criança e, por meio dela, o bebê crê na realidade externa, que 
parece se comportar de forma mágica. Passa então a viver a 
ilusão do controle onipotente, a partir de sua criatividade pri-
mária. Sem este tipo de experiência não é possível ao bebê co-
meçar a desenvolver a capacidade para vivenciar uma rela-
ção criativa com a realidade externa e, segundo Winnicott 
(1975), até mesmo formar uma concepção da realidade exter-
na. 
A adaptação da mãe ao bebê diminui gradativamente, 
à medida que ele tem mais possibilidades de tolerar frustra-
ções, o que lhe permite ir reconhecendo o elemento ilusório, o 
imaginar, o jogar- o que também o capacita a perceber os ob-
jetos de forma real, isto é, discriminá-los como odiados e ama-
dos. 
É sob o domínio da ilusão que emergem os fenômenos 
transicionais, como uma tentativa de aliviar a tensão. É a 
partir deles que emergirá o objeto transicional, primeira pos-
sessão da criança. Com o desinvestimento do objeto transicio-
nal a capacidade de viver fenômenos transicionais se irradia 
para todo o campo cultural, originando-se dessa forma o es-
paço potencial, área que possibilitará o brincar da criança, a 
arte, a religião, ou seja, a capacidade de usar os objetos cultu-
rais e a própria imaginação1 como meio de elaborar as ques-
tões fundamentais do existir humano. Embora Winnicott 
nunca tenha usado a palavra transicionalidade, eu a uso 
para referir-me a toda essa gama de fenômenos compreendi-
da entre a experiência de ilusão e o uso dos objetos culturais. 
Quando a adaptação materna não é suficientemente 
boa, o bebê, para sobreviver, necessita submeter-se ao meio 
1 O imaginar e o sonhar diferenciam-se do fantasiar e do devaneio. O imaginar e o sonhar 
ajustam-se ao relacionamento com objetos no mundo real e sempre possuem uma 
dimensão simbólica enriquecedora do self. O fantasiar caracteriza-se por ser uma 
atividade mental dissociada, que paralisa a criatividade do indivíduo. Parafraseando 
Winnicott (1975, p.56), dizemos que o fantasiar não tem valor poético, enquanto o sonho 
tem poesia em si, isto é, camada sobre camada de significado relacionado ao passado, ao 
presente e ao futuro, ao interior e exterior e sempre, fundamentalmente, a respeito do 
próprio indivíduo. • 
30 
ambiente, o que o leva a reagir2 frente ao mundo externo, per-
dendo assim a oportunidade de posicionar-se criativamente à 
realidade e sentir-se realmente vivo. 
Na literatura psicanalítica vemos que a importância do 
estudo da relação mãe-bebê tem sido ressaltada, não só para a 
compreensão da constituição do self e da formação da personali-
dade, mas também para a melhor compreensão e condução da 
relação analista-analisando no processo psicanalítico. Assim, 
por exemplo, Flarsheim (1967) compara a relação terapeu-
ta-paciente com a relação mãe-bebê, enfatizando a necessidade 
de que, apesar da completa adaptação da mãe às necessidades 
da criança, aquela seja capaz de manter sua organização psíqui-
ca a fim de que possa catalisar um desenvolvimento saudável 
para o seu bebê. Winnicott (1967), Balint (1950) e Rycroft 
(1956), dentre outros, têm estudado o enquadre terapêutico, as-
sim como a relação psicanalista-analisando, apontando a im-
portância de uma melhor compreensão das técnicas de manejo 
da criança e da influência do meio ambiente nos primeiros está-
gios do desenvolvimento infantil para uma melhor compreensão 
do trabalho terapêutico, já que o enquadre reproduziria as ca-
racterísticas do contato mãe-filho. 
Concordo só em parte com a colocação desses autores, na 
medida que considero fundamental jamais perder de vistà que o 
paciente ou analisando com quem estamos trabalhando não é 
um bebê e nem tampouco somos suas mães. A vertente de refle-
xão do enquadre e da relação analítica que utiliza o paradigma 
mãe-bebê é útil, principalmente, se lembrarmos que as funções 
que a mãe exerce para o seu bebê constituem elementos neces-
sários a todos os humanos em diferentes etapas do processo ma-
turacional, em intensidade e qualidade diferentes das emprega-
das com o bebê. Todos temos necessidade de hospitalidade, de 
reconhecimento de si, de sermos apresentados por um Outro a 
diferentes aspectos da realidade ainda desconhecidos para nós. 
Há que se criar um estado de intimidade com o analisan-
do, por meio da adaptação às necessidades que ele possui, pois é 
2 Através de uma adaptação ativa do meio ambiente às necessidades da criança, o bebê 
tem a oportunidade de experimentar a continuidade de si ao longo do tempo. Deste 
modo ele faz um movimento espontâneo e o meio ambiente é descoberto sem que haja 
uma perda do sentido do self. Se a adaptação à criança falha, resulta uma invasão do 
meio ambiente, de tal modo que o indivíduo tem de reagir a essa invasão. Assim, a 
criança não consegue um bom desenvolvimentodo ego, pois sofrerá deformações em 
aspectos de sua personalidade de importância vital. (Winnicott, 1978) A alternativa a 
ser ou existir depende do reagir - e o reagir interrompe o ser e o existir. 
31 
graças a esse movimento que teremos a possibilidade de uma 
comunicação significativa, característica do espaço potenci-
al, na qual o analisando poderá receber a intervenção neces-
sitada sem se sentir invadido por ela e, portanto, sem ter que 
reagir a ela. Cabe aqui ressaltar que a adaptação às necessi-
dades do paciente não significa a satisfação de desejos. Ne-
cessidade precisa ser satisfeita; desejo, interpretado ou ma-
nejado.3 
Para que o trabalho do profissional aconteça nesta 
área criativa de superposição entre os dois espaços - do ana-
lisando e do psicanalista- dois fatores precisam ser conside-
rados: o tempo e a forma da intervenção. 
O tempo adequado para se intervir afeta decisivamen-
te a fecundidade do procedimento. De maneira geral a inter-
venção somente é feita quando o analisando está pronto para 
recebê-la e usá-la. Caso contrário, o que teremos é uma inten-
sificação dos mecanismos intelectuais que alienam ainda 
mais o paciente. 
O psicanalista deve acompanhar o analisando até o 
momento em que ele, por meio de sua comunicação, busque 
uma verbalização ou gesto do analista que revele o sentido de 
suas v.ivências psíquicas. Devereux (1951, p.21) afirma que 
cada conjunto de dados possui, de forma mais ou menos de-
senvolvida e clara, um padrão ou gestalt. Esta qualidade dos 
dados é denotada pelo termo "Pragnanz". Alguns psicólogos 
de orientação filosófica gestáltica inferiram que os próprios 
dados requerem um fechamento ou finalização do padrão. 
Winnicott (1971) nos mostra que toda interpretação 
feita fora do espaço potencial atua como uma tentativa de 
submeter o cliente e é ineficaz. Uma interpretação que não 
funciona significa sempre que fiz a interpretação em um mo-
mento ou de uma maneira inapropriados. (p. 17) 
A possibilidade de o tempo da intervenção ser respei-
tado permite ao paciente ter um vínculo com o terapeuta e 
com a consulta, no qual há a oportunidade de ter uma expe-
riência que, em um momento seguinte, pode ser utilizada 
3 A satisfação das necessidades é vital para a sobrevivência e para o bom desenvolvimento 
do self da pessoa. O desejo é inconsciente e, como a necessidade, busca a sua satisfação 
em uma consumação para o prazer imediato. Mas o desejo suporta a não realização 
imediata e pode sofrer transformações continuas até alcançar a sua realização. Dolto 
(1984, p.233) afirma: A satisfação rápida de um desejo, prazer compartilhado do gozo 
esperado da comunicação, reproduz na criança a confusão do desejo satisfeito com a 
necessidade, com a qual, em sua origem arcaica, o desejo era confundido. Ainda na p. 
244, diz-nos: O desejo poderá ser poético, se fizer uma abertura para a inventividade 
criadora de mediações variadas e diferenciadas, de modulações do prazer para si mesmo, 
trocado com o prazer de outrem, pedido e dado, que é a sublimação do desejo no amor. 
como uma situação que lhe permite integrar uma outra faceta 
de si mesmo - e não apenas conseguir uma informação a mais 
que será armazenada em seu intelecto e que, por ser dissociada, 
torna-se estéril e sem vida. Isto só será possível se o psicanalista 
se abrir para que o analisando o use para expressar seus confli-
tos e, em seguida, reintegrá-los. 
Outro elemento a ser considerado é a forma da interven-
ção. Já em 1930 a importância da formulação da intervenção era 
apontada por Glover. Tenho observado que a forma da interven-
ção é fundamental para que o analisando a use, introjete e rein-
tegre, principalmente quando a ansiedade persecutória é consi-
derável. 
Este tipo de fenômeno é próximo da função materna de-
nominada apresentação de objeto, na qual a maneira como o ob-
jeto é apresentado 4 à criança constitui um aspecto importante 
para que ela o receba e para que sua ansiedade seja transforma-
da em sentimentos toleráveis. 
A possibilidade de encontrar o modo adequado de se 
apresentar o objeto (no caso da relação analista-analisando per-
mitir a intervenção) depende da capacidade do analista de iden-
tificar-se com a criança e "metabolizar" essa identificação em 
pensamentos e em seguida em procedimentos interventivos. 
Em minha experiência observei que a própria criança, com seu 
comportamento, com sua linguagem, com os personagens que 
traz à consulta, com o tipo de vínculo estabelecido, fornece os 
elementos necessários para se compor uma forma adequada à 
intervenção que pretendemos realizar. 
O analista tem a função de ser uma ponte em direção a 
um mundo novo e desconhecido e muitas vezes também temido 
e rejeitado. Nos momentos de intensa rejeição paranóide, o 
modo de intervenção do analist~ pode ser decisivo a fim de pro-
duzir a integração necessária. A medida que a forma da inter-
pretação surge da confluência entre as características de ex-
pressão infantil e a capacidade do analista de se identificar com 
a criança, esta maneira de intervir já constitui um fenômeno pe-
culiar ao espaço potencial. 
4 A apresentação do objeto inclui não só o inicio das relações interpessoais mas também a 
introdução de todo o mundo da realidade compartilhada para o bebê e para a criança em 
crescimento. A apresentação do mundo em pequenas doses continua sendo uma 
necessidade da criança em crescimento. À medida que a criança cresce a mãe 
compartilha ainda com ela uma porção especializada do mundo, mantendo aquela porção 
pequena o suficiente para permitir que a criança não se confunda e, simultaneamente, 
aumentando-a de forma que a crescente capacidade da criança de usufruir o mundo seja 
satisfeita. (Madeleine & Wallbridge, 1982, p. 124) 
O fundamental é que, ao entrarmos em contato com a 
criança, ela seja considerada e tratada de acordo com sua ida-
de e seus meios expressivos. De outro modo ela fica impossi-
bilitada de se expressar e ser autêntica e, ao invés de o espaço 
terapêutico ser facilitador do seu desenvolvimento, ele cria 
uma situação que incrementará os mecanismos de alienação 
de si mesma. 
Com freqüência, quando a forma expressiva da crian-
ça não é respeitada, ela reage rompendo a comunicação, in-
tensificando-se dessa forma a resistência. Rodrigué (1966, p. 
136) também aponta este problema quando diz: Creio que a 
resistência da criança em parte se deve a que o analista, ao in-
terpretar, sai do jogo e assume o papel didático do terapeuta 
que está interpretando. 
É fundamental na consulta que se utilize a forma mais 
adequada de intervenção, de modo que esta guarde as carac-
terísticas da expressão infantil e possa também ser utilizada 
pelos familiares da criança, enquanto esta necessitar dela. 
As histórias infantis preenchem esses requisitos, na medida 
em que podem veicular um conteúdo adequado ao momento 
do processo maturacional no qual se encontra a criança, de 
uma forma coerente com o seu modo de expressão. Pode-se 
mesmo observar que as histórias fazem parte do cotidiano da 
criança, em suas brincadeiras, pois a criança busca, por meio 
delas, elaborar suas angústias, conhecer o mundo e obter a 
satisfação inerente ao jogar. As histórias são um claro exem-
plo dos fenômenos transicionais em que, no mundo do "faz de 
conta", a criança procura aliviar as tensões decorrentes do 
contato da realidade interna com a externa, facilitando o de-
senvolvimento do ego e do sentido de realidade, pois constitu-
em um fenômeno facilitador da capacidade simbólica. 
34 
CAPITULO 2 
Apresentação do método de consulta 
O Método 
Neste tipo de trabalho é desejável que se possa contar 
com a família da criança e que ela seja razoavelmente adequada 
para que possa colaborar no processo de ajuda à criança e, as-
sim, aprender a perceber e a lidar com os momentos de crise que 
possam emergir ao longo do seu desenvolvimento. 
Nesse trabalho tem-se como norma, sempre que possível, 
integrar a família ao processo de ajuda à criança,pois considero 
que também aquela sai beneficiada se participa ativamente do 
processo de -recuperação da criança. Tenho observado que os 
pais, quando trazem uma criança ao consultório do analista, 
vêm com um sentimento de fracasso, que pode levá-los a não só 
odiar o terapeuta, mas também a própria criança. Quando são 
convidados a trabalhar com o filho e observam o seu progresso, 
recuperam a autoconfiança como pais e o relacionamento com a 
criança é distensionado pela diminuição da ansiedade persecu-
tória e depressiva, o que em si já é terapêutico para ambos. 
Por essa razão, na consulta terapêutica, aconselho sem-
pre ter uma entrevista inicial com os pais da criança, deixando 
para estes a decisão de trazer ou não a criança. Nesta entrevista 
o terapeuta deve procurar ouvir as suas queixas e angústias de 
forma compreensiva, evitando o desenvolvimento de ansiedades 
persecutórias e deve colocar-se como um colaborador, sem assu-
mir um papel paternalista. 
Em um segundo momento entrevista-se a criança, con-
versando com esta, se ela assim o desejar, ou usando material 
lúdico como meio de comunicação. Não é tão importante neste 
encontro que a criança fale o que se passa com ela, mas que pos-
sa comunicar o seu conflito a alguém que esteja lá para compre·-
35 
endê-la, através da linguagem que desejar (lúdica, gráfica, 
dramática). 
Após esse encontro, o terapeuta conversa novamente 
com os pais e procura transmitir o que foi compreendido da 
problemática da criança, usando os exemplos de seu compor-
tamento que eles próprios relataram na primeira entrevista. 
Esse recurso auxilia os pais a compreenderem a criança mais 
profundamente, a partir das situações que são paradigmáti-
cas de suas preocupações. Depois que estes puderam pensar 
e compreender melhor a angústia da criança discutem-se me-
ios de intervenção para ajudá-la. Entre estes utilizamos sem-
pre as histórias infantis como uma maneira de veicular um 
conteúdo interpretativo à criança, que possa ser utilizado pe-
los pais para auxiliá-la. 
Para aplicação do método de consulta aqui apresenta-
do é necessário ressaltar que alguns pressupostos básicos de-
vem ser levados em conta para que o procedimento seja real-
mente fecundo. 
Uma consulta pode ser útil à criança mas é evidente 
que, para ser usada por ela de maneira satisfatória, necessi-
tamos de um meio ambiente minimamente adequado ao seu 
desenvolvimento. Devido à brevidade do trabalho será neces-
sária uma ação conjunta com a família ou outro grupo ao qual 
a criança pertença. 
E necessário diagnosticar o grau de perturbação que 
uma criança apresenta para saber se neste tipo de trabalho 
poderemos dar a ela o tipo de ajuda que necessita. Na consul-
ta iremos abordar apenas a angústia emergente em um de-
terminado momento de vida da criança. Não se tem a preten-
são de realizar por meio dela um trabalho que só seria possí-
vel por meio de um processo psicanalítico. O que muitas ve-
zes ocorre é que, através da consulta, temos a oportunidade 
de prevenir que angústias intensas levem a organizações de-
fensivas que desencadeiem um funcionamento neurótico na 
criança. 
Tendo em vista a classificação psicopatológica propos-
ta por Knobel (1977), os fenômenos regressivos da infância 
são classificados como: 
1. Processos regressivos normais: aparecem ao longo 
do desenvolvimento e, apesar de serem considerados pelos 
pais como anormais, são na verdade fenômenos normais. 
2. Processos regressivos reativos: surgem em uma cri-
ança que, embora venha se desenvolvendo normalmente, re-
36 
age a acontecimentos externos que para ela são excessivos, obri-
gando os pais ou adultos responsáveis a atender suas necessida-
des. 
3. Processos regressivos desestruturantes: há uma deses-
truturação da personalidade da criança, que vinha se desenvol-
vendo bem. Isto leva a criança a organizações de quadros neuró-
ticos e, às vezes, psicóticos. 
4. Processos regressivos reestruturantes: a criança sofre 
um processo regressivo severo, em que aquilo que foi conquista-
do em termos de desenvolvimento é perdido, levando-a até mes-
mo a estruturar-se em uma modalidade de organização que não 
corresponde nem à sua idade nem a seu nível psicológico. 
O procedimento de consulta aqui apresentado é mais útil 
e eficiente para as crianças com idades entre três e doze anos, 
cujo diagnóstico pode ser classificado nas categorias 1 e 2 e, com 
menor freqüência, na categoria 3. Naqueles casos que apresen-
tam graves processos regressivos desestruturantes e reestrutu-
rantes, a consulta será útil para ajudar a criança em um deter-
minado momento no qual a angústia se intensifica pelas cir-
cunstâncias da vida (morte, mudança, separações, nascimento 
de irmãos, etc.). 
Tenho observado que a consulta é especialmente benéfi-
ca naquelas situações em que a criança vem a ela já quando os 
sintomas começam a surgir em decorrência de um acontecimen-
to crítico, em determinado momento de sua vida. Nesses casos 
há a possibilidade de a situação de encontro ter um caráter pre-
ventivo, na medida que evita que modos patológicos de resolver 
o conflito se estruturem. 
Parece que, nesses momentos, o impacto da situação de 
vida provoca uma crise em que a criança necessita buscar recur-
sos para solucionar o conflito, muitas v_ezes recorrendo a formas 
mais regressivas de funcionamento. E neles que temos maior 
possibilidade de ajudar a criança, pois, como afirma Caplan 
(1964, p.51), a crise é um período transitório que apresenta ao in-
divíduo tanto uma oportunidade de crescimento da personalida-
de, quanto o perigo de crescente vulnerabilidade ao distúrbio 
mental, cujo desfecho, em qualquer caso determinado, qepende 
em certa medida do seu modo de controlar a situação. E justa-
mente aí que, por meio da consulta, temos a oportunidade de au-
xiliar a criança a encontrar meios mais adequados de elaborar o 
conflito ou a crise. 
37 
A entrevista com os pais 
Na entrevista com os pais têm-se dois objetivos básicos: 
lidar com a ansiedade que eles nos apresentam e obter dados da 
dinâmica familiar e de aspectos do desenvolvimento da criança. 
É necessário lembrar que quando os pais trazem uma 
criança a um profissional, ao lado do desejo de encontrar aju-
da, vêm mobilizados por ansiedades persecutórias e depres-
sivas motivadas pela dificuldade da criança e pelo contato 
com o profissional, em quem geralmente projetam objetos in-
ternos persecutórios. Tal ansiedade dificulta a possibilidade 
de ajudarem a criança, pois esta se torna também um objeto 
com qualidades persecutórias, na medida em que, com os sin-
tomas que apresenta, mobiliza nos pais ansiedades e angús-
tias. Pela dificuldade que encontram para lidar com as per-
turbações de sua criança, muitas vezes acabam sentindo 
como colocado em risco seu valor e confiança enquanto pais. 
Nosso primeiro objetivo consiste pois em lidar com as ansie-
dades paternas. 
Para isso é útil, na primeira parte da entrevista, per-
mitir aos pais exporem a problemática da criança, livremen-
te, para que possam expressar suas angústias e preocupações 
a respeito. E preciso acompanhar as verbalizações dos pais 
de forma compreensiva, intervindo quando a ansiedade de 
tipo persecutório ou depressivo tornar-se muito intensa. 
Cabe ressaltar que esta intervenção não necessita ser uma 
interpretação da transferência com o psicanalista. O funda-
mental é manejar a ansiedade pa;-a que a relação de trabalho 
com o profissional não se altere. E possível intervir na situa-
ção sem que a fala ou o gesto do analista soe como uma "inter-
pretação". Muitas vezes o psicanalista pode servir de ego au-
xiliar, refletindo junto com os pais sobre a situação de sofri-
mento da criança e relacionando-a com os aspectos da reali-
dade que parecem contribuir para o incremento da 
sintomatologia da criança. Dessa maneira é possível conse-
guir um alívio da ansiedade apresentada por eles, para que 
possam continuar a relatar as suas preocupações. 
A segunda parte da entrevista sócomeça realmente 
quando a ansiedade dos pais estiver razoavelmente contida 
e, desta forma, as ansiedades paranóides e depressivas esti-
verem no limite do tolerável e as capacidades de refletir e ela-
borar encontrarem-se mais livres. Só então será benéfico for-
mular questões que busquem esclarecer ou levar os pais are-
fletir sobre as informações comunicadas durante a entrevis-
38 
ta. Estas questões têm por objetivo obter informações sobre a 
criança e a história familiar para que seja possível levantar hi-
póteses sobre as dificuldades encontradas pela criança e pela fa-
mília ao longo do processo maturacional. 
É útil já, nessa entrevista com os pais, dizer a eles o que 
se pensa a respeito da situação apresentada, das possíveis cau-
sas da problemática, para que também tenham a oportunidade 
de opinar sobre a condição apresentada. Quando assim é feito, 
com freqüência os pais recordam-se de outros episódios da vida 
da criança ou da vida familiar que esclarecem, comprovam ou 
questionam as hipóteses apresentadas. Por este meio temos a 
cooperação dos pais no trabalho desde o início do contato, evi-
tando que vejam o psicanalista como uma figura paternalista, 
que represente confiança, segurança e conhecimento e fazendo 
com que, ao contrário, possam encará-lo como um colaborador, 
alguém que se dispõe a refletir com eles sobre a situação apre-
sentada. Com esse tipo de manejo da entrevista os pais costu-
mam se sentir mais estimulados a utilizar seus recursos, evi-
tando assim a intensificação dos sentimentos de fracasso e de-
pendência. 
Algumas vezes nos deparamos com pais excessivamente 
perturbados para poderem participar do processo de forma mais 
ativa. Nestes casos a função da entrevista deve ser aliviar as an-
siedades excessivas, a fim de diminuir a hostilidade inconscien-
te em relação à criança e ao profissional, sem esperar uma coo-
peração maior com o trabalho a ser realizado, o que evidente-
mente reduzirá significativamente a possibilidade de a criança 
poder ser ajudada no modelo de consulta proposto. 
É preferível realizar esta entrevista com ambos os pais, 
não só pela possibilidade de se conhecer as características psico-
dinâmicas de cada um deles, mas também para ajudá-los a lidar 
com as ansiedades mobilizadas pela situação da criança e para 
ressaltar a responsabilidade que ambos têm em relação ao filho. 
Já no contato telefônico se esclarece que se deseja a presença 
dos dois. No entanto, se um dos pais afirma que não pode vir à 
sessão, mesmo assim aceitamos realizar a entrevista e anota-
mos este dado como uma informação significativa para a com-
preensão da dinâmica familiar e da problemática da criança. 
Normalmente é interessante que, nesta primeira entre-
vista, venham somente os pais, para que se possa ocupar em pri-
meiro lugar do manejo da sua ansiedade. Porém, se a criança for 
39 
trazida, o trabalho se realiza ainda assim, com ela na sala. 
Para isso é útil se ter disponível material lúdico para que a 
criança possa brincar durante a sessão. Quando isto aconte-
ce, por meio do jogo, a criança complementa a entrevista com 
a expressão lúdica do tema que está em foco. 
No final deste primeiro encontro explicamos aos pais e 
à criança, se esta estiver presente, que necessitamos ver a 
criança sozinha na próxima entrevista, quando realizaremos 
juntos algumas atividades para poder compreendê-la melhor 
e verificar a consistência das hipóteses discutidas até então. 
Após a mesma, voltaremos a conversar com os pais em outra 
sessão, quando então discutiremos formas de auxiliar a cri-
ança. Caso a criança não esteja presente nesta entrevista, o 
que é mais comum, pedimos aos pais que expliquem a ela que 
virão conversar com uma pessoa que procurará compreen-
dê-la e para isso realizarão alguns jogos juntos. 
A entrevista com a criança 
No contato com a criança, é necessário ter flexibilida-
de suficiente para adequar a situação de entrevista àquela 
criança em particular. Pelas características evolutivas e pela 
angústia vivida, a expressão por meios lúdicos é a forma pe-
culiar da criança (Winnicott 1953) e nos atemos a esse modo 
de comunicação, se esta é a possibilidade que ela apresenta. 
Isto porque estamos interessados em fornecer a ela um espa-
ço (potencial) onde possa se comunicar, ser compreendida, 
mas sem ser invadida. Assim ela terá a oportunidade de se 
surpreender com a comunicação daquilo que a angustia e da-
quilo que ocasionou uma parada no seu desenvolvimento. 
Nesse encontro teremos também a oportunidade de 
compreender o que acarretou a problemática que a trouxe à 
consulta e as organizações defensivas que precisou mobilizar 
para lidar com as suas angústias. Isto será necessário para 
que, em um terceiro momento, possamos orientar os pais e 
construir a história que poderá ser útil à criança. 
Geralmente, crianças de três a oito anos adotam como 
meio predominante de comunicação a expressão lúdica e cri-
anças com idade acima de oito anos costumam comunicar-se 
bem verbalmente. Em alguns casos é necessária a utilização 
de algum procedimento que favoreça a comunicação da crian-
ça e para isso prefiro utilizar o jogo de rabiscos proposto por 
Winnicott. 
40 
A situação lúdica 
O contato inicial com a criança é bastante importante 
pois, a partir daí, já começa a se estruturar o vínculo e a situa-
ção de consulta. O fato de encontrar um profissional desconheci-
do é para a criança uma situação ansiógena, que tende a ser in-
tensificada pela crise na qual se encontra. Por esta razão a con-
duta do psicanalista, ao entrar em contato com a criança, já 
deve ter uma função terapêutica pois, neste primeiro contato, a 
sua atitude já veiculará uma mensagem a ela. 
O profissional deve então, desde o início, ser franco, com-
preensivo, nunca sedutor. Habitualmente se cumprimenta os 
pais e em seguida a criança, de forma natural. É importante, já 
na sala de espera, observar a criança, procurando apreender o 
seu modo de ser por meio de sua atitude, postura e gestos, para, 
a partir desses elementos, basear nossa aproximação na com-
preensão de sua singularidade, de tal forma que possamos ter 
um comportamento sintonizado às suas características, evitan-
do invadi-la. Esse modo de manejar a situação se relaciona não 
só com a questão da apresentação do objeto, mas também com a 
função especular, em que o nosso modo de nos aproximar dela 
reflete o que ela é. 
Em seguida nós a convidamos para nos acompanhar à 
sala de atendimento. Aqui também, muitas vezes, podem ocor-
rer situações que necessitam manejo - quando, por exemplo, a 
criança se recusa a entrar. Nessa situação se pode permitir que 
a mãe entre e fique, enquanto a criança necessite dela. O que 
normalmente ocorre é que, à medida que a consulta transcorre e 
a angústia da criança vai sendo trabalhada e contida, ela sedes-
liga da mãe, permitindo que esta se afaste e muitas vezes nem 
mesmo notando quando ela assim o faz. Caso a criança necessite 
da mãe durante todo o tempo da sessão nós permitimos que isso 
ocorra, integrando mais esta informação à compreensão que es-
tamos tendo da criança e de sua família. 
Uma vez na sala de atendimento, os brinquedos encon-
tram-se sobre a mesa e, mostrando-os à criança, dizemos a ela 
qual a razão da sua vinda à consulta e que achamos necessário 
conhecê-la para ver se entendemos o que se passa com ela, para 
poder ajudá-la. Dizemos que, para isso, podemos conversar ou 
brincar juntos. Por essa razão, explicamos, os brinquedos estão 
lá e ela pode usá-los do jeito que quiser. 
41 
A razão de, logo no início, situarmos a criança dentro 
da queixa da consulta, se deve ao fato de que, ao vir ao encon-
tro com o profissional, além de ter conhecimento consciente 
de sua problemática, ela manifesta ao longo da sessão uma 
necessidade de ser ajudada e de buscar alguém que possa 
compreendê-la. Esse aspecto se refere ao fato de o analista se 
tornar objeto subjetivo em decorrência da esperança que a 
criança tem de que ele seja alguémque possa auxiliá-la em 
suas dificuldades. É útil portanto que, desde o início, ela te-
nha conhecimento claro de nossos objetivos, pois terá maior 
oportunidade de colaborar na comunicação de suas angústias 
ao analista e, desta forma, poder usá-lo em suas necessida-
des de desenvolvimento. 
Exemplo: Uma criança de quatro anos veio à consulta 
por manifestar diversos sintomas, comportamento agressivo 
com as outras crianças, sempre desejando morrer e não ter 
nascido, e também terror noturno. 
Na primeira sessão; após ter explicado a razão de sua 
consulta, imediatamente foi em direção aos brinquedos e co-
meçou a brincar. Pegou uma bacia cheia de água e, com agita-
ção, foi experimentando todos os brinquedos sobre a mesa, 
colocando-os dentro da bacia, um por um. Paralelamente, di-
zia: 
Qual não afunda? Qual não afunda? Seu tom de voz 
demonstrava angústia. Até que tomou um pedaço de madeira 
e, percebendo que não afundava, bateu palmas, demonstran-
do contentamento. Tomou um soldadinho e tentou colocá-lo 
sobre a madeira, mas este sempre caía na água. Quando isto 
acontecia, gritava: Socorro! Socorro! Vai morrer! Precisa de 
um amigo para salvar ele! Dizia isto olhando para o analista 
e para outro soldadinho, sobre a mesa. O terapeuta pegou en-
tão o soldadinho sobre a mesa e o mergulhou na água. Depois 
pegou os dois soldadinhos com a mesm~ mão e os colocou so-
bre a madeira que flutuava, dizendo: E, ele está se sentindo 
sozinho, sem ajuda. Precisa de alguém para conversar e não 
ficar com tanto medo. O menino olhou o que o profissional fa-
zia e se mostrou satisfeito. Repetiu o jogo mais quatro vezes, 
até que ficou sentado ao lado do analista, sem dizer nada, 
como que descansando, até o final da hora. 
Aberastury (1982) também aponta que, desde a pri-
meira hora, a criança comunica qual a sua fantasia inconsci-
ente sobre a enfermidade ou conflito pelo qual é trazida à 
consulta e, na maior parte dos casos, sua fantasia inconscien-
42 
te de cura. Sugere que é fu.ndamental que, desde o primeiro mo-
mento, se assuma a função de psicoterapeuta, pois isto ajuda a 
criança a se situar como paciente e a tornar consciente o que 
mostrou como fantasia inconsciente. 
Na consulta terapêutica é importante estarmos atentos à 
comunicação da criança para registrar qual a angústia que ela 
quer nos transmitir e podermos intervir, se necessário, no mo-
mento adequado, tendo como objetivo mostrar a ela que a com-
preendemos - e conversarmos a respeito da angústia, se ela as-
sim necessitar. 
O profissional, nessa situação, não é só um observador, 
mas participa amplamente do processo. É necessário que ele es-
teja lá para ser usado pelo paciente na tentativa deste de ex-
pressar suas angústias e necessidades. É importante, neste tipo 
de trabalho, que se esteja disponível para brincar, tendo em 
mente que é através da brincadeira que se criará um espaço po-
tencial, lugar do encontro necessário para que a criança coloque 
a sua questão fundamental sob o domínio de seu gesto. 
O analista aqui é aquele que, com sua presença, assinala 
os pontos nodais da sessão, ou seja, os momentos nos quais a an-
gústia é expressa pela criança de maneira intensa e condensa-
da. Eventualmente, nesses momentos, um diálogo pode surgir 
entre o profissional e a criança sobre as questões que a pertur-
bam. É desejável que estas conversas sejam feitas utilizando o 
próprio vocabulário da criança. 
A criança geralmente usa, em seu vocabulário, um con-
. junto de palavras que, por meio de uma observação mais atenta, 
percebemos serem palavras sobredeterminadas, que expressam 
uma rede de significados extensa e que de certa forma compõe o 
seu idioma pessoal. Entre essas palavras encontramos algumas 
que expressam, de modo privilegiado, as angústias básicas da 
criança. Assim, por exemplo, um menino de nove anos, em suas 
brincadeiras e desenhos, sempre se referia a um personagem 
chamado "Fonte". Segundo ele, era um animal com forma de ca-
chorro, uma mistura de cachorro, lobo e raposa; quando dese-
nhado, era representado na cor preta e de boca vermelha. Por 
suas associações, o "Fonte" representava os aspectos vorazes e 
agressivos de sua personalidade. Após ter ocorrido a integração 
desses aspectos em seu self, a criança disse: O Fonte virou uma 
fonte. 
Freud (1922, p. 527) nos diz, em A Interpretação dos So-
nhos: As palavras são tratadas com freqüência pelo sonho como 
43 
se fossem coisas e sofrem então uniões, deslocamentos, substi-
tuições e condensações, como a representação de coisas. O re-
sultado desses sonhos é a criação de formações verbais singu-
laríssimas e às vezes muito cômicas. No mesmo texto, mais 
adiante, afirma (p. 531): Os jogos verbais nas crianças tratam 
as palavras como objetos, inventando novos idiomas e pala-
vras compostas artificiais; constituem neste ponto a fonte co-
mum para o sonho e para as psiconeuroses. 
Ao utilizar as palavras empregadas pela criança esta-
mos usando representações que, pela quantidade de signifi-
cados que possuem, provocam intensa mobilidade psíquica. 
Desta forma estamos sedimentando o que chamamos de es-
paço potencial, já que, respeitando a linguagem da criança, 
estamos abdicando da imposição de nossa forma de expres-
são sobre aquela da criança, permitindo assim que, também 
no plano verbal-lúdico, haja um espaço no qual ela possa se 
manifestar. 
Ao longo da sessão lúdica encontramos três momentos 
distintos quanto à forma e intensidade da comunicação da 
criança. Em uma primeira parte da sessão, após o enquadre 
ser estabelecido, a criança age como que estruturando o cam-
po de comunicação. Ela anda ao redor da sala, explora o ma-
terial lúdico à sua disposição, observa o analista e ensaia ti-
pos de jogos. Esse· momento é paralelo ao descrito por Winni-
cott (1942) como período de hesitação no jogo da espátula. 
Em um segundo momento o brincar adquire uma con-
figuração plástica estruturada. Poderíamos dizer que a cri-
ança cria uma composição na qual a comunicação que procu-
ra transmitir já está veiculada. Esse é o momento em que a 
sessão atinge um ápice na manifestação emocional. O jogo da 
criança, neste instante, tem um valor e uma função equiva-
lentes a uma estrutura onírica. Esse momento corresponde 
ao brincar com a espátula no jogo apresentado por Winnicott 
(1942). É neste momento que a intervenção do analista é 
mais frutífera, se assinalar a comunicação realizada pelo cli-
ente. Se isto ocorrer, a criança terá tido a oportunidade de vi-
ver uma experiência em que pôde se sentir compreendida, 
conseguindo, por meio de seu jogo, colocar a sua questão sob o 
domínio de seu gesto. Isto faz com que, ao sair do consultório, 
ela esteja diferente da maneira como entrou. 
Após este período ocorre uma terceira fase, em que o 
assunto tratado ganha novos detalhes em seu brincar e, gra-
44 
dativamente, ela irá assinalando, com sua atitude e com o de-
sinvestimento do jogo, que o trabalho naquela sessão foi realiza-
do. Neste ponto da sessão ela fica como que repousando. O pro-
cesso todo, analogicamente, lembra a experiência de um bebê 
sendo alimentado: ele está faminto, ávido por encontrar o objeto 
que o satisfaça; ao entrar em contato com o seio materno, apal-
pa-o, busca-o com a boca, até que a comunicação se estabelece, 
favorecida pela atitude receptiva da mãe; uma vez que a satisfa-
ção é conseguida, o bebê repousa ao lado do seio. 
O processo de amamentação não é só uma satisfação da 
fome, mas também uma experiência prazerosa. É também um 
momento no qual o bebê, por meio de seu gesto e da oferta do 
seio pela mãe, re-estabelece a experiência de confiança. A expe-
riência da continuidade de si é re-estabelecida e é, portanto, 
também um processo enriquecedor do self e do ego infantil. Do 
mesmo modo, uma boa consulta não só leva a criança a um au-
mento da confiança da possibilidade de ser ajudada, mas tam-
bém promove um enriquecimento do sentido de si mesma pela 
reintegração dos aspectos que estavam dissociados de

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