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Variedades 29/08/2013 "Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas nuvens do céu, no corpo da mulher amada. Da curva é feito todo o universo. O universo curvo de Einstein." Oscar Niemayer. 1 Variedades A teoria da relatividade geral apresentada por Einstein em 1915 faz uso das var- iedades diferenciais para caracterizar o espaço-tempo. Farei aqui uma pequena discussão acerca das variedades. 1.1 Propriedades locais e globais Uma variedade de dimensões é um espaço diferente do embora localmente sejam parecidos. O espaço 2 é o espaço de um plano enquanto que a variedade 2 é o espaço de uma superfície esférica. Uma propriedade global é a área dos espaços, infinita para o primeiro e finita para o segundo, sendo portanto muito diferentes mas localmente eles são parecidos. Isto pode ser visualizado quando sabemos que a Terra possui uma superfície esférica mas localmente ela parece uma superfície plana. Exercise 1 Mostre, utilizando um círculo de latitude fixa, que o comprimento de um círculo numa variedade 2 não é definido por = (1) onde é o diametro do círculo. Qual é a fórmula do comprimento do círculo equatorial em termos de seu diâmetro? Exercise 2 Qual é a soma dos ângulos internos do seguinte triângulo em uma variedade 2, cujos dois lados são perpendiculares e partem do ’polo Norte’, enquanto o terceiro lado é um segmento do equador? 1 1.2 Variedades Podemos dizer que uma variedade -dimensional é um conjunto de pontos, tal que cada ponto possui o conjunto de coordenadas (1 2 ), onde cada coordenada possui sua faixa de variação em um subconjunto dos reais. Em particular a faixa pode se estender de −∞ a +∞ Essas coordenadas podem significar distâncias ou ângulos. 1.3 Sistema de coordenadas degenerado Uma propriedade impotante das variedades é que muitas vezes não é possível cobrir toda a variedade com um sistema de coordenadas não degenerado, onde há um conjunto único de coordenadas para cada ponto da variedade. Podemos visualizar um sistema degenerado o de coordenadas polares de um plano onde não é possível definir um ângulo para a origem. No caso do plano, como é um espaço 2 podemos fazer uma mudança de sistema de coordenadas de polares para cartesianas. 1.4 Remendos No caso de sistemas de coordendas com degenerescências podemos dividir a var- iedade em pedaços ou remendos (coordinate patch) que possuem intersecções. Podemos ir de um pedaço ao outro através de transformações de coordendas. No caso da variedade 2 podemos considerar as coordenadas angulares e , definidas no sistema de coordenadas esféricas. Observa-se que há degenerescên- cias nos polos, onde não se pode definir o ângulo Em termos geográficos nos polos há a intersecção dos meridianos, caracterizando a degenerescência. Podemos construir dois remendos, um que exclui o polo norte e outro que ex- clui o polo sul. Excluindo o polo norte temos as seguintes coordenadas (1 2) dadas por: (1 2) = µ 21 1− 3 22 1− 3 ¶ (2) onde são as coordenadas cartesianas de uma superfície esférica que tangencia o plano 3 = −1 (3) no ponto (0 0−1) e as coordenadas (1 2) são dadas pelas intersecções de retas oriundas do polo norte (0 0+1) que passam pelos pontos (1 2 3) com o plano acima definido. 2 Analogamente, excluindo-se o polo sul temos as coodenadas (1 2) = µ 21 1 + 3 22 1 + 3 ¶ (4) com 3 = 1 Exercise 3 Verifique as coordenadas definidas acima. 1.5 Atlas Como no estudo de geografia em que temos uma série de mapas para visualizar as várias regiões aproximadamente planas reunidas em um atlas, dizemos que o conjunto de remendos formam um atlas. No estudo das variedades são introduzidos objetos chamados de tensores, que vermos mais adiante. 1.6 Exemplos Exemplos de variedades: (-toróides), superfície cilíndrica e não variedades: Plano mais uma semirreta com origem no plano e saindo deste, um cone duplo, mas não um simples cone. 2 Curvas e superfícies. 2.1 Curvas Dada uma variedade podemos definir curvas sobre ela como conjuntos de pontos dados pelas coordenadas = () = 1 (5) 3 sendo uma função de do parâmetro Significa que uma curva pode ser descritoa através de um parâmetro Estas são as equações paramétricas. Podemos simplificar a notação escrevendo () como (), ou seja = () = 1 (6) 2.2 Hipersuperfícies Uma hipersuperfície é caracterizada pelo conjunto de pontos dados por funções de − 1 parâmetros = (1 −1) = 1 (7) Eliminando-se os −1 parâmetros das equações acima obtemosuma equação de vínculo entre as coordenadas da variedade (1 ) = 0 (8) Esta equação é inteiramente análoga à equação de estado de um sistema termodinâmico, por exemplo dado um gás ideal com número fixo de moles () a equação de estado, que corresponde a uma superfície no espaço termodinâmico ( ) é dada por ( ) = − = 0 (9) Exercise 4 Como você escreveria as equações paramétricas correspondente à equação de estado do gás ideal? 2.3 Região de dimensão 1 − 1 Uma região de dimensão 1 −1 é caracterizada por coordenadas funções de parâmetros. Eliminando-se estes parâmetros obtemos − funções de vínculos 1(1 ) = 0 (10) 2(1 ) = 0 (11) ... (12) −(1 ) = 0 (13) 4 3 Transformação de coordenadas Dada uma região da variedade coberta por dois remendos com sistemas de co- ordenadas diferentes ( e 0) podemos efetuar uma transformação de coorde- nadas ( → 0), como vemos abaixo 0 = (1 ) = () = 0() (14) Por exemplo transformação das coordenadas polares em cartesianas 0 = ( ) (15) = ( ) (16) Equações de transformação 01 = = cos = 1 cos2 (17) 02 = = sin = 1 sin2 (18) 3.1 Jacobiano da transformação O Jacobiano ( 0) da transformação ( → 0) é o determinante da matriz das derivadas parciais entre os dois sistemas de coordenadas. Dada a matriz de transformação ∙0 ¸ = ¯¯¯¯ ¯¯¯¯ ¯¯ 01 1 01 2 01 202 1 02 2 02 . . . 0 1 0 2 0 ¯¯¯¯ ¯¯¯¯ ¯¯ (19) o jacobiano da transformação é dado por 0 = ¯¯¯¯0 ¯¯¯¯ = (01 0) (1 ) (20) Sempre que o jacobiano é não nulo a transformação é invertível, ou seja, se 0 6= 0 existe a transformação (0 → ) Nesse caso = ¯¯¯¯ 0 ¯¯¯¯ = 1 0 (21) Os jacobianos têm propriedades de multiplicação de frações (01 0) (001 00) (001 00) (1 ) = (01 0) (1 ) (22) 5 Podemos também escrever uma derivada parcial em termos de um jacobianoµ ¶ 2 = ( 2 ) ( 2 ) (23) Por ser definido em termos de um determinante, temos (01 0 0 0) (1 ) = − (01 0 0 0) (1 ) (24) 3.2 Diferencial de uma função de variáveis Dada a coordenada 0 , função das coordenadas temos 0 = X =1 0 (25) Notamos que o índice é repetido. Nesse caso, bem como numa expressão de produto de matrizes, sempre que aparece um índice repetido (índice mudo) aparece também a somatória. Podemos, portanto, omitir a somatória quando houver índices repetidos. Essa é a convenção de Einstein. Ela simplifica enorme- mente as expressões que envolvem muitos índices. Então 0 = 0 (26) 3.3 Delta de Kronecker Define-se o delta de Kronecker como = ½ 1 se = 0 se 6= (27) Dado um conjunto de coordenadas independentes , então = (28) 4 Tensores contravariantes 4.1 Deslocamento infinitesimal Dados dois pontos infinitesimalmente próximos e em uma variedade. Sejam as coordenadas destes dois pontos e + . O deslocamento infinitesimal entre estes pontos é dado por 6 M P Q xa x +dx a a Este deslocamento dado em outro sistema de coordenadas 0 é dado por 0 = 0 (29) Estas derivadas parciais são calculadas no ponto inicial , ou seja, 0 = ∙0 ¸ (30) 4.2 Vetores Contravariantes Se queremos estudar os vetores, o mais simples deles é o vetor deslocamento, de modo que consideraremos como sendo um vetor. Chamamos de vetores contravariantes a todos os vetores que se transformam como o vetor , ou seja, é um vetor contravariante se através de uma transformação de coordenadas ele se transformar do seguinte modo: 0 = 0 (31) Generalizamos o conceito de vetor contravariante para o de tensor contravari- ante de ordem para o objeto 1 de índices contravariantes (colocados acima do símbolo do tensor), que se tansforma assim (com somatórias suben- tendidas): 01 = 01 1 0 01 (32) Um tensor de segunda ordem se tansforma como 0 = 0 0 (33) Um vetor contravariante pode ser pensado como um tensor contravariante de ordem 1. Se a variedade é de ordem , ele tem elementos. Já um tensor de ordem tem elementos. Por exemplo, um tensor de segunda ordem em um espaço de 3 dimensões, tem 9 elementos: 11 12 13 21 33 Um tensor de ordem zero é chamado de escalar e tem apenas um elemento. Exercise 5 Mostre que um tensor de ordem zero é invariante a transformação de coordenadas. 7 5 Vetores Covariantes Um outro tipo de vetor é o obtido aravés de gradiente de um escalar. Seja o escalar (). As componentes de seu gradiente são dadas por (34) Em relação ao sistema de coordenadas 0, temos 0 = 0 (35) Examinando-se as transformações (29) e (35), vemos que estes vetores se transformam de maneira diferente. Definimos como vetores covariantes os ve- tores que se transformam como o gradiente de um escalar, ou seja, 0 = 0 (36) Analogamente definimos um tensor covariante de ordem como sendo 1 que se transforma como 01 = 1 01 0 1 (37) Os tensores covariantes apresentam índices covariantes (índices colcados abaixo do símbolo do tensor). 6 Tensores mistos Os tensores mistos apresentam índices co e contravariantes e suas transformações se dão de acordo com cada tipo de índice, ou seja, dado o tensor ele se transforma do seguinte modo 1 1 = 01 1 0 +1 01 + 0 1 +1+ (38) Note bem, cada índice ocupa um lugar. Não se coloca um índice em cima de outro. O tensor acima é do tipo () contravariante de ordem e covariante de ordem Um campo tensorial é um tensor que é função da posição na variedade. () = () (39) Muitas vezes quando se diz tensor, na realidade se está falando de um campo tensorial. É uma forma de abreviar a foram de se falar. 8 7 Operações elementares com tensores 7.1 Adição e subtração Somamos ou subtraímos tensores do mesmo tipo. = + (40) 7.2 Partes simétrica e antissimétrica de um tensor Um tensor é simétrico se = (41) Um tensor é antissimétrico se = − (42) A parte simétrica de um tensor é dada por () = 1 2 ¡ + ¢ (43) A parte antissimétrica do tensor de ordem 2 é dada por [] = 1 2 [ − ] (44) É claro que = () + [] (45) A parte simétrica de um tensor (covariante ou contravariante) de de ordem é dada por (1) = 1! (soma dos tensores com todas as combinações dos índices) (46) A parte antissimétrica de um tensor de ordem é dada por [1] = 1! (soma alternada dos tensores com todas as combinações dos índices) (47) Com três índices temos [] = 1 3! ¡ − + − + − ¢ (48) 9 7.3 Multiplicação de tensores A multiplicação de um tensor do tipo (11) por outro de tipo (22) é um tensor do tipo (1 + 21 +2), por exemplo = (49) 7.4 Contração de índices A operação de contração de índices faz com que sejam diminuídos um índice contravariante e outro covariante, ou seja, transformamos um tensor do tipo () em um tensor do tipo ( − 1 − 1) por exemplo contraindo os índices e do tensor obtemos o tensor = . A contração pode ser efetuada multiplicando-se o tensor por um tensor delta de Kronecker = (50) Observação. O delta de Kronecker é de fato um tensor. Podemos escrever = = (51) 8 Espaço tangente Até agora falamos das componentes dos vetores. Precisamos especificar a que espaço vetorial eles pertencem e qual a base dos vetores deste espaço. Vamos inicialmente tomar a variedade 2. Nela os vetores deslocamentos são tangentes à superfície e podemos expressá-los como uma combinação linear dos versores ˆ e ˆ, definidos no sistema de coordenadas esféricas e, portanto, juntamente com o versor ˆ formam a base de versores das coordenadas esféricas. Em cada ponto da variedade 2 os versores ˆ e ˆ são diferentes e, portanto, os vetores associados ele são expressos em bases diferentes, cada qual gerando vetores tangentes à variedade naquele ponto. Como conclusão os vetores asso- ciados a um ponto da variedade 2 pertencem a um espaço tangente ao ponto e não à variedade em si. Esta é uma característica das variedades: os vetores contravariantes pertencem ao espaço tangente à variedade. Vamos tentar agora definir os versores de 2 em termos de quantidades de 2 Observando que ˆ = ˆ e ˆ = 1 sin ˆ (52) podemos pensar em uma base que não seja normalizada como sendo constituída dos versores: ˆ = ˆ e ˆ = ˆ (53) 10 mas ainda temos o problema de definir a base em termos de um elemento externo à variedade (ˆ). Lembrando que os operadores derivadas direcionais ( e ) formam a base de um espaço vetorial pois + (54) é um também um operador derivada direcional, pois satisfaz a propriedade de Leibniz, da derivada do produto de funções, ou sejaµ + ¶ = µ + ¶ + µ + ¶ (55) podemos definir como base do espaço tangente os vetores de base e que são definidos unicamente em termos de elementos da variedade 2 O fato de esses vetores de base serem operadores não tem importância pois tratamos dos vetores usando apenas suas componentes, sem se importar com a base! Voltando à base de vetores em 2 vemos que podemos caracterizar curvas com constante e curvas com constante. Em cada ponto da variedade há cruzamentos dessas curvas e, portanto, podemos caracterizar os vetores de base nesse ponto. Poderíamos em vez de escolher as curvas com ou constantes, escolher outras curvas, não necessariamente ortogonais em cada ponto, descritas por parâmetros constante e constante, que se cruzam em todos os pontos da variedade. Nesse caso os vetores de base seriam e . Teríamos uma base que não precisaria ser nem ortogonal nem normalizada, mas uma base suficiente para descrever os vetores de 2 Generalizando para uma variedade qualquer de dimensões, podemos definir um sistema de curvas suaves, cada qual caracterizada por um parâmetro difer- ente (1 2 ), e teremos os vetores de base em cada ponto dados pelo conjunto de operadores derivadas direcionais½ 1 2 ¾ (56) Ao se escrever os vetores completamente, com componentes e vetores de base, obtemos uma nova interpretação para os vetores contravariantes. Dado o vetor contravariante de componentes temos = (57) que é um operador diferencial! Em particular, se escolhermos os parâmetros como as coordenadas dos pontos na variedade, teremos = (58) Observação: Para cada ponto da variedade, temos um espaço tangente, logo a notação mais precisa seria = [] ∙ ¸ (59) 11 Considerando os vetores e , podemos definir o comutador ou colchete de Lie comosendo o operador [ ] = − (60) Portanto, [ ] = ( − ) = ¡ − ¢ (61) Uma vez que é uma função arbitrária, temos [ ] = = − (62) Exercise 6 Prove a expressão acima. Exercise 7 Mostre que [] = 0 (63) Exercise 8 Mostre que [ ] = − [] (64) Exercise 9 Mostre a identidade de Jacobi [ []] + [ [ ]] + [ []] = 0 (65) Para finalizar é impotante salientar que nos espaços planos, por exemplo o de Euclides e o de Minkowski (espaço-tempo), os espaços tangentes coincidem com o próprio espaço. 9 Referências 1) ’Introducing Einstein’s Relativity’, Ray d’Inverno. 2) ’Lecture Notes on General Relativity’, Sean Carroll. 12
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