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UNINGÁ - UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR INGÁ FACULDADE INGÁ CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PERIODONTIA LAURA DILDA POSSER CONTERNO AUMENTO GENGIVAL INDUZIDO POR MEDICAÇÃO SISTÊMICA PASSO FUNDO 2007 LAURA DILDA POSSER CONTERNO AUMENTO GENGIVAL INDUZIDO POR MEDICAÇÃO SISTÊMICA Monografia apresentada à Unidade de Pós- graduação da Faculdade Ingá – UNINGÁ – Passo Fundo-RS como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Periodontia. Orientadora: Professora Ms. Paula Branco. PASSO FUNDO 2007 LAURA DILDA POSSER CONTERNO AUMENTO GENGIVAL INDUZIDO POR MEDICAÇÃO SISTÊMICA Monografia apresentada à Comissão Julgadora da Unidade de pós-graduação da Faculdade Ingá – UNINGÁ - Passo Fundo-RS como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Periodontia. Aprovada em ____/____/____. BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________________ Profª. Ms. Paula Branco ___________________________________________________ Prof. Ms. Carlos Alberto Rech ___________________________________________________ Profª. Ms. Marisa Maria Dal Zot Flôres AGRADECIMENTOS Ao meu esposo Ernando, pelo amor, compreensão e incentivo na busca e conquista de meus ideais. Aos meus familiares, em especial à minha irmã Natália, pelo otimismo e disposição sempre presentes. À Professora Ms. Paula Branco, que com muita dedicação e sabedoria, orientou-me na realização deste trabalho. À Professora Ms. Marisa Flôres, Coordenadora do Curso de Especialização, pelos ensinamentos transmitidos e amizade. À Professora Deyse VonMousel, pela eficiência e espontaneidade com que foram passadas as orientações. Às Professoras Maria Esther Vanni e Lílian Rigo, pela paciência, disposição e amizade demonstradas. “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”. Francisco C. Xavier RESUMO Diversos medicamentos apresentam, dentre seus efeitos colaterais, alterações na cavidade bucal. O aumento gengival induzido por medicação sistêmica está normalmente associado à administração da ciclosporina, fenitoína e a nifedipina. A ciclosporina é um agente imunossupressor muito usado para prevenir a rejeição em transplantes de órgãos e tratamento de doenças auto- imunes. A fenitoína é uma droga comumente utilizada como anticonvulsivante e a nifedipina, um bloqueador dos canais de cálcio, é freqüentemente utilizada para controle da hipertensão e arritmias cardíacas. A proposta deste estudo é apresentar, através de uma revisão bibliográfica, os cuidados inerentes ao atendimento odontológico do paciente que faz uso destes medicamentos, discutindo suas particularidades, características clínicas e histopatológicas, prevalência, etiopatogenia e fatores coadjuvantes que influenciam no aumento gengival induzido por medicação sistêmica. Também, foram abordadas as diferentes modalidades de tratamento e o diagnóstico diferencial em relação a outras manifestações clínicas semelhantes. Palavras-Chave: Aumento gengival. Medicamentos. Ciclosporina. Fenitoína. Nifedipina. ABSTRACT Several drugs lead to alterations in the buccal cavity like one of its collateral effects. Gingival overgrowth induced by systemic medication is usually associated to the administration of cyclosporin, phenytoin and nifedipine. The cyclosporin is an immunosuppressive agent very used to prevent rejection in organ transplants and treatment of autoimmune diseases. The phenytoin is a drug commonly used as anticonvulsive and the nifedipine (a calcium channel blocker), it is frequently used for hypertension control and heart arrhythmias. The proposal of this study was to present, through a bibliographical revision, the inherent cares on dental attendance to these drug-user patients, discussing its particularities. Clinical and histological characteristics, prevalence, etiopathogenesis, and helping factors that influence on gingival overgrowth induced by systemic medication were demonstrated. Also, the different treatment modalities and the deferential diagnosis were approached in relation to other similar clinical manifestations. Key Words: Gingival overgrowth. Medicines. Cyclosporin. Phenytoin. Nifedipine. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Aumento gengival induzido por fenitoína 19 Figura 2 – Aumento gengival induzido por ciclosporina 20 Figura 3 – Aumento gengival induzido por nifedipina 20 Figura 4 – Histopatologia do aumento gengival induzido pela fenitoína 22 Figura 5 – Esquema do tratamento do aumento gengival induzido por medicação sistêmica 37 LISTA DE ABREVIATURAS HLA - Antígeno do linfócito humano HE - Hematoxilina eosina p-HPPH - 5-parahidroxifenil-5-fenilhidantoína 11 SUMÁRIO 1.INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12 2.REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................................ 14 2.1 ANTICONVULSIVANTES .............................................................................................. 15 2.1.1 Fenitoína ........................................................................................................................ 15 2.2 IMUNOSSUPRESSORES................................................................................................. 17 2.2.1 Ciclosporina ................................................................................................................... 17 2.3 BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO ............................................................ 18 2.3.1 Nifedipina....................................................................................................................... 18 2.4 ASPECTO CLÍNICO......................................................................................................... 19 2.5 ASPECTO HISTOPATOLÓGICO ................................................................................... 21 2.6 CLASSIFICAÇÃO DO AUMENTO GENGIVAL ........................................................... 23 2.7 PREVALÊNCIA ................................................................................................................24 2.7.1 Prevalência do aumento gengival induzido pela nifedipina ...................................... 25 2.7.2 Prevalência do aumento gengival induzido pela fenitoína ........................................ 26 2.7.3. Prevalência do aumento gengival induzido pela ciclosporina.................................. 27 2.8 FATORES DE RISCO PARA O AUMENTO GENGIVAL ............................................ 28 2.8.1 Idade ............................................................................................................................... 28 2.8.2 Gênero ............................................................................................................................ 29 2.8.3 Predisposição genética .................................................................................................. 30 2.8.4 Variáveis farmacológicas.............................................................................................. 31 2.8.5 Medicação concomitante/combinada .......................................................................... 32 2.8.6 Variáveis periodontais .................................................................................................. 32 2.9 PATOGENIA DO AUMENTO GENGIVAL ................................................................... 34 2.10 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ................................................................................... 35 2.11 TRATAMENTO .............................................................................................................. 36 2.11.1 Abordagem não-cirúrgica .......................................................................................... 37 2.11.2 Abordagem cirúrgica .................................................................................................. 40 3.CONCLUSÕES .................................................................................................................... 42 REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 43 12 1. INTRODUÇÃO O aumento volumétrico do tecido gengival, referido como aumento gengival induzido por medicação sistêmica, ocorre como uma reação adversa seguinte à administração de três grupos de drogas: anticonvulsivantes (fenitoína), imunossupressores (ciclosporina) e bloqueadores dos canais de cálcio (nifedipina). A fenitoína é um anticonvulsivante usado para controle de desordens repentinas em pacientes com epilepsia. Kimball (1939 apud VIEIRA, 2001) foi o primeiro autor a relatar o aumento gengival associado ao uso da fenitoína. Devido à sua eficácia e baixo custo, a fenitoína tem sido largamente utilizada nos últimos 60 anos. Ela exerce suas propriedades anticonvulsivantes pela estabilização das membranas das células nervosas à ação do sódio, potássio e íons cálcio (VIEIRA, 2001). A ciclosporina foi descoberta por Borel em 1972 e sua ação sobre os tecidos gengivais foi referida pela primeira vez por Rateitschak-Plüs em 1983. Ela tem sido universalmente usada na prevenção da rejeição de transplantes de órgãos. O número de pacientes recebendo essa droga aumentou ainda mais com o seu uso no tratamento de doenças auto-imunes como artrite reumatóide, psoríase, líquem plano, pênfigo bolhoso, esclerose múltipla, lúpus eritematoso e diabetes mellitus. O principal efeito da ciclosporina é suprimir a produção de linfócitos T, sem afetar os linfócitos B, o que faz com que o paciente fique imunossuprimido apenas de forma parcial e seletiva. Apesar do seu inequívoco sucesso, a ciclosporina está associada a vários efeitos adversos, dentre eles o desenvolvimento do aumento gengival (RATEITSCHAK-PLÜS et al, 1983). Outro medicamento associado ao aumento gengival é a nifedipina, desenvolvida para o controle de desordens cardiovasculares, incluindo hipertensão, angina pectoris e arritmias cardíacas. Também tem sido utilizada para reduzir a nefrotoxicidade e cardiotoxicidade provocadas pela ciclosporina em pacientes transplantados. Sua relação com o aumento gengival foi relatada por Leaderman et al. (1984 apud SILVEIRA, 2002). A nifedipina é um bloqueador dos canais de cálcio que impede o influxo de íons cálcio para as células do miocárdio, reduzindo, assim, o consumo de oxigênio (SILVEIRA, 2002). Do ponto de vista clínico, o aumento gengival se manifesta na forma de um crescimento das papilas interdentais e da gengiva marginal, em espessura, e apresenta tendência progressiva para recobrir as coroas dentárias. A patogênese do aumento gengival induzido por medicação sistêmica, apesar de inúmeros estudos clínicos e laboratoriais, permanece incerta e conflitante. Essa incerteza deve-se ao fato da magnitude e prevalência 13 dos efeitos dos medicamentos sistêmicos no aumento gengival dependerem de múltiplos fatores, como a idade, o sexo, concentração plasmática e salivar do medicamento, predisposição genética, presença de placa bacteriana e sinergismo com outros medicamentos (SEYMOUR, 2006). O tratamento ideal para o aumento gengival induzido por medicação sistêmica é a remoção ou substituição do fármaco associado. Tratamento periodontal básico com rigoroso controle de placa bacteriana e manutenção profissional periódica promovem considerável melhora do aspecto clínico. Entretanto, nos casos em que o agente causador não pode ser removido ou substituído, a terapia cirúrgica torna-se, freqüentemente, o tratamento de escolha (MAVROGIANNIS et al, 2006). Neste contexto, este trabalho tem por objetivo compilar o conhecimento atual sobre o aumento gengival mediado por medicação sistêmica, suas particularidades, prevalência e tratamento. 14 2. REVISÃO DA LITERATURA O termo aumento gengival induzido por drogas, inicialmente, foi sinônimo de hiperplasia pela fenitoína ou hiperplasia dilantínica. Atualmente, outras drogas são também conhecidas como responsáveis pelo aumento gengival, como a ciclosporina e os bloqueadores dos canais de cálcio (SPOLIDORIO et al., 1997). O aumento gengival representa uma resposta exuberante do organismo envolvendo o crescimento do tecido conjuntivo e o espessamento do epitélio como resposta a uma variedade de fatores etiológicos locais ou sistêmicos. Os aumentos gengivais podem ser de natureza familiar, hereditária, inflamatória, hormonal ou devido à ação de medicamentos sistêmicos (SPOLIDORIO et al., 1997). Segundo Carneiro, Lara e Alvarenga (2002), o aumento gengival induzido por medicação sistêmica pode ser definido como um processo proliferativo, caracterizado pela presença de inflamação e uma resposta fibrótica marcante, sem características histológicas tumorais. São massas teciduais que emergem a partir de uma ou duas papilas interdentais, firmes à palpação, de coloração semelhante à gengiva inserida ou ligeiramente mais esbranquiçada, quando não injuriadas. Florio, Tfouni e Almeida (2004) caracterizam o aumento gengival como um crescimento anômalo do tecido conjuntivo do periodonto, sendo, portanto, observado exclusivamente em áreas dentadas. De acordo com Pillon e Gigante (1994), os aumentos gengivais constituem-se de alterações caracterizadas por um aumento de volume da gengiva que pode ser limitado a uma papila, envolver várias ou acometer a gengiva de toda a cavidade bucal. Para Carneiro, Lara e Alvarenga (2002), o termo hiperplasia, apesar de amplamente utilizado no meio clínico, não é adequadamente empregado, já que esta é uma nomenclatura histológica para designar um aumento quantitativode células de um determinado tecido. O que se observa é apenas um crescimento do tecido gengival, que após análise histopatológica, pode ser denominado de hiperplasia, hipertrofia, fibromatose, fibroma ou apenas um quadro inflamatório simples. Em relação à denominação mais correta para essa manifestação estomatológica que ocorre na gengiva, Hassell, Page e Lindhe (1978) sugerem que o fenômeno gengival descrito seja chamado de sobrecrescimento gengival, ao invés de usar as expressões hiperplasia, hipertrofia ou fibrose. Isto se deve a um estudo histopatológico comparativo entre pacientes medicados com fenitoína e não-medicados onde não houve diferença no número de 15 fibroblastos do aumento gengival induzido por fenitoína e na gengiva normal (SILVEIRA, 2002). Outros autores como Lindhe, Karring e Lang (2005) preferiram denominá- la, mais tarde, de aumento gengival induzido por drogas. Estudos em microscopia eletrônica da gengiva excisada associada ao uso da fenitoína têm demonstrado que o tecido conjuntivo em excesso possui densidade de volume significativamente maior de matriz não colágena (proteoglicanos e glicosaminoglicanos) e substância fundamental amorfa. Por essa razão, o excesso de tecido gengival resultante da terapia com fenitoína, ciclosporina e nifedipina não representa uma hipertrofia ou hiperplasia, ou uma verdadeira fibrose; é melhor descrito como excesso de crescimento gengival, devido à taxa de células/matriz permanecer a mesma (VIEIRA et al., 2001). Hassell et al. (1982) analisaram as alterações histopatológicas em gengivas de gatos medicados com fenitoína. Constataram que no início da administração da droga o número de fibroblastos aumentou consideravelmente e, após três meses, retornou ao normal. Concluíram que dependendo do estágio em que se realiza o exame microscópico, pode-se ter um quadro histopatológico diferente do outro. Do ponto de vista clínico, presume-se que o termo hiperplasia gengival seja o mais adequado, pois lembra um crescimento tecidual limitado e atípico. Por outro lado, pode- se verificar na literatura que o aspecto histopatológico é diferente, conforme o estágio do crescimento gengival e presença ou não de inflamação (HASSELL et al., 1982). 2.1 ANTICONVULSIVANTES 2.1.1 Fenitoína A fenitoína (5,5-difenil hidantoína sódica) é um ácido fraco de baixa solubilidade. Seu principal metabólito é o 5-parahidroxifenil-5-fenilhidantoína (p-HPPH), presente no sangue, na saliva e no tecido gengival (VIEIRA et al., 2001). O Quadro 1 apresenta os nomes comerciais da fenitoína e respectivos laboratórios disponíveis atualmente no mercado nacional (D.E.F., 2005/2006). 16 NOME COMERCIAL LABORATÓRIO Epelin Parke – Davis Fenital Cristália Fenitoína Funed Fenitoína Furp Hidantal comprimidos Aventis Pharma Hidantal injetável Aventis Pharma Unifenitoin União Química FENITOÍNA + ASSOCIAÇÃO Dialudon (+ Diazepam) Sigma Pharma Gamibetal Complex (+ Fenobarbital + Ácido gama-amino-beta-hidroxibutírico) Dansk-Flama Taludon (+ Ácido glutâmico) Sigma Pharma Quadro 1 - Nomes comerciais da fenitoína disponíveis atualmente no mercado nacional e seus respectivos laboratórios Fonte: D.E.F. (2005/2006). A fenitoína tem sido o medicamento de escolha para a epilepsia há mais de 60 anos (HASSELL, 1999). É também, administrada para o controle de convulsões em pacientes vítimas de trauma na parte posterior do crânio, na síndrome de Reye, no tratamento da dor neurítica, disritmias ventriculares e depressão (MACHADO et al. , 2001) . Esse anticonvulsivante foi preparado pela primeira vez em 1908, após um estudo clínico em pacientes executado por Merritt e Putman (BRACHO, 1971; SILVA, BRITO, 2000; SILVEIRA, 2002). O primeiro aumento gengival induzido por drogas foi relatado por Kimball em 1939, associado ao uso crônico da fenitoína. Desde então, mais de 1.500 artigos relacionados com este tema têm aparecido na literatura científica (MACHADO et al, 2001; VIEIRA, 2001). De acordo com Pedron et al. (2005), a fenitoína é a droga anticonvulsivante melhor tolerada e com maior índice terapêutico. Por via oral, a fenitoína se liga a proteínas plasmáticas, deixando 10% da droga livre e ativa, o que é responsável pelos seus efeitos colaterais. Além do aumento gengival, outros efeitos colaterais estão relacionados à administração da fenitoína, como o hirsutismo, ataxia, tremores, diplopia, face áspera, 17 náuseas, vômitos, dor abdominal, constipação, confusão mental, acne, eritema multiforme e hepatite. Pode alterar o metabolismo da vitamina D e provocar desordens ósseas (PEDRON et al., 2005). A fenitoína é a única entre as drogas epiléticas que afeta diretamente os tecidos periodontais. A incidência do aumento gengival em pacientes que tomam outras drogas anticonvulsivantes como o ácido valpróico, carbamazepina e barbitúricos é bastante rara (VIEIRA et al., 2001). Segundo o mesmo autor, a fenitoína exerce suas propriedades anticonvulsivantes pela estabilização das membranas das células nervosas à ação do sódio, potássio e íons cálcio. Apresenta também ação imunossupressora. 2.2 IMUNOSSUPRESSORES 2.2.1 Ciclosporina A ciclosporina é um polipeptídeo hidrofóbico cíclico contendo onze unidades de aminoácidos, obtido inicialmente através da fermentação de dois fungos: Trichoderma polysporum e Cylindrocarpon lucidum (VIEIRA et al., 2001). Foi descoberta por Borel em 1972 e em princípio foi usada como antifúngico. A partir da ciência de suas propriedades imunossupressoras, a ciclosporina tem sido usada na terapia complementar de transplantes de órgãos desde a década de 80, atuando seletivamente sobre os linfócitos T e com pouca ou nenhuma ação sobre os linfócitos B, não causando depressão na medula. Sua ação sobre os tecidos gengivais foi referida, pela primeira vez, por Rateitschak-Plüss em 1983 (SANTOS et al.,1999; AUAD, QUIRINO, 2000). A ciclosporina (Sandimnum) é um agente imunossupressor que tem revolucionado o sistema de transplantes de órgãos. Nesse sentido, tem demonstrado efeitos colaterais menores do que os corticosteróides, sendo um medicamento notadamente eficaz, com aumento do índice de sucesso de 50% para 90% dos transplantes heterólogos de rim (SANTI, BRAL, 1999). Atualmente a ciclosporina vem sendo utilizada com sucesso também em doenças de origem auto- imune, tais como diabetes do tipo I, cirrose biliar primária, artrite reumatóide, psoríase e lupus eritematoso sistêmico (MACHADO et al., 2001; VIEIRA et al., 2001). 18 Segundo Santi e Bral (1999), estima-se que mais de um bilhão de pessoas no mundo estarão utilizando a ciclosporina na próxima década e que um terço destes pacientes irão desenvolver aumento gengival significante. Efeitos colaterais desta droga incluem hepatoxicidade, hipertensão, nefrotoxicidade, neurotoxicidade, hirsutismo, desordens cutâneas e infecções oportunistas. Além do aumento gengival, outro efeito adverso causado pela ciclosporina na boca é a hipertrofia das papilas fungiformes da língua (VESCOVI et al., 2005). 2.3 BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO As desordens cardiovasculares controladas com bloqueadores dos canais de cálcio incluem angina clássica, hipertensão, arritmias e insuficiência coronária crônica e aguda. Estas drogas foram introduzidas no mercado no início dos anos 80 e nos últimos anos fazem parte dos medicamentos mais prescritos nos Estados Unidos (DONGARI, McDONNELL, LANGLAIS, 1993). Entre as drogas mais utilizadas no tratamento de pacientes com desordens cardiovasculares, as mais estudadas com relaçãoao aparecimento do aumento gengival são a nifedipina (Procardia, Adalat, Oxcord), a nitrendipina (Caltren), o diltiazem (Cardizen) e o verapamil (Calam, Dilacoron). Dentre esses medicamentos, a nifedipina é a mais comumente associada ao aumento gengival (MACHADO et al., 2001; VIEIRA et al., 2001). 2.3.1 Nifedipina A nifedipina é um diidropodidino substituto que tem sido utilizado largamente desde 1978 no tratamento da hipertensão, angina de peito e síndrome pós-infarto. Ela bloqueia a afluência de íons cálcio para o interior das células do miocárdio, reduzindo, então, o consumo de oxigênio. O aumento gengival associado à nifedipina é semelhante ao visto com a fenitoína e a ciclosporina (SANTI, BRAL, 1999). O primeiro trabalho a relacionar a nifedipina ao aumento gengival foi Lederman et al. (1984), onde foi descrito o caso de um paciente com alterações gengivais que regrediram após a suspensão do medicamento. Desde então, vários estudos relataram casos clínicos de pacientes que faziam uso da nifedipina, associando-a ao aumento gengival (SILVEIRA, 2002; HASSESSIAN, GUIMARÃES, MARCUSSI, 2003). 19 Segundo Pillon e Gigante (1994), o aumento de volume da gengiva aparece entre um e nove meses após a nifedipina ter sido administrada. Seus efeitos colaterais são raros, mas poderá ocorrer cefaléia, distração, náusea e fadiga. A nifedipina pode ser usada concomitantemente com a ciclosporina para atenuar a sua neurotoxicidade e cardiotoxicidade, levando a um efeito imunossupressor sinergista e um efeito aditivo na supressão das células T (PERNU, KNUUTTILA, 2001). 2.4 ASPECTO CLÍNICO As características clínicas do aumento gengival associado aos três grupos de medicamentos (anticonvulsivantes, imunossupressores e bloqueadores dos canais de cálcio) são muito similares (CAMARGO et al., 2001). Geralmente inicia-se nos primeiros 3 meses de administração do medicamento, aumentando durante os próximos 12 a 18 meses, quando atinge um “platô” (VIEIRA et al., 2001). De acordo com Spolidorio et al. (1997), o aumento gengival induzido por medicação sistêmica inicia nas papilas interdentais, principalmente na região vestibular da maxila e mandíbula. O crescimento pode evoluir numa massa extensa que recobre todas as coroas dentais comprometendo a mastigação, fonação, vedamento labial e a respiração correta. O tecido gengival apresenta-se resiliente com superfície rugosa e lobulada, coloração normal ou ligeiramente pálida, conforme pode ser visto nas Figuras 1, 2 e 3, a seguir. Figura: 1 Aumento gengival induzido por fenitoína Fonte: Laskaris e Scully (2005, p. 42). 20 As papilas interdentais ficam hiperplásicas e extruem, formando massas teciduais de consistência firme, móveis e triangulares. A hiperplasia pode aumentar ainda mais, ocorrendo a fusão das papilas, formando uma “cortina” contínua de tecido gengival atingindo então o seu tamanho máximo, processo que pode ser observado na Figura 2. A gengiva inserida, em geral, apresenta nódulos firmes com aparência granular na superfície vestibular (VIEIRA et al., 2001). Figura 2 Aumento gengival induzido por ciclosporina Fonte: Laskaris e Scully (2005, p. 46). Figura 3 Aumento gengival induzido por nifedipina Fonte: Laskaris e Scully (2005, p.40). Segundo Pedron et al. (2005), o aumento gengival induzido por medicação sistêmica é assintomático, exceto em casos de inflamação intensa e trauma durante a mastigação. Esse aumento de volume pode cobrir as porções coronárias dos dentes, criando 21 pseudobolsas profundas, dificultando a higiene bucal e favorecendo a instalação de lesões cariosas. O acúmulo de biofilme e cálculo dentário confere ao aumento gengival um aspecto inflamatório edemaciado e eritematoso. Pode ocasionar erupção dificultada dos dentes, má oclusão, retenção alimentar e halitose. Quanto à localização, a área de maior ocorrência das lesões é a superfície vestibular dos dentes anteriores, embora possa ocorrer em toda boca. Em um estudo com 48 pacientes que faziam uso da nifedipina verificou-se que a região mais afetada foi a anterior inferior (59%). Na região anterior superior o aumento gengival ocorreu em 36% dos pacientes e na região posterior apenas 4,5% (HASSESSIAN, GUIMARÃES, MARCUSSI, 2003). De acordo com Florio, Tfouni e Almeida (2004), o fato do aumento gengival se manifestar preferencialmente na superfície vestibular da região anterior pode estar relacionado à respiração bucal. O aumento da espessura da mucosa pode protruir os lábios e o paciente pode permanecer com a boca aberta. Nesses pacientes o ar frio encontra a gengiva exposta pela falta de proteção labial, produzindo vasoconstrição e aumentando a suscetibilidade a infecções. A maioria dos autores concorda que a ocorrência do aumento gengival em áreas edentadas não é comum. Entretanto, esse tipo de alteração já foi relatada até mesmo em implantes de titânio. Esse achado deve ser considerado em pacientes em fase de planejamento com implantes osseointegrados que fazem uso de medicamentos associados ao aumento gengival (HALLMON, ROSSMANN, 1999; VIEIRA et al., 2001; HASSESSIAN, GUIMARÃES, MARCUCCI, 2003). 2.5 ASPECTO HISTOPATOLÓGICO Assim como o aspecto clínico, o aspecto histopatológico do aumento gengival induzido pelos três grupos de drogas é semelhante. Basicamente, a histopatologia se apóia em quatro características: a acantose, a fibroplasia, o excesso de colágeno e as manifestações secundárias da inflamação (VIEIRA et al., 2001). Silveira et al. (2004) descreve histologicamente o aumento gengival como um acúmulo de matriz extracelular, sobretudo fibras colágenas no tecido conjuntivo com diferentes graus de infiltrado inflamatório crônico. No tecido epitelial, há projeções digitiformes em direção ao tecido conjuntivo, apresentando focos de acantose, exocitose e edema intracelular em graus variados. Pode-se ver na Figura 4, a seguir, fragmento de mucosa 22 apresentando típicas projeções das papilas epiteliais em direção ao tecido conjuntivo (coloração original HE ). Figura 4 Histopatologia do aumento gengival induzido pela fenitoína Fonte: CAWSON et al. (1997, p. 68). A principal mudança na lâmina própria é a proliferação de fibroblastos e o aumento na produção do colágeno. O grande aumento em volume gengival é devido à expansão do tecido conjuntivo, que exibe abundantes e tortuosos feixes de fibras colágenas não orientadas. O colágeno é bioquimicamente diferente daquele da gengiva normal, com duas vezes mais o tipo III e menos o tipo I. O grau de inflamação do tecido excisado é que vai determinar a presença ou não de leucócitos polimorfonucleares (HASSEL,1999; VIEIRA et al., 2001). Estudos através de microscopia eletrônica têm demonstrado que o tecido conjuntivo em excesso tem também densidade de volume significativamente maior de matriz não colágena e substância fundamental amorfa. Isto mostra que o aumento dimensional do tecido gengival é causado pela quantidade anormal de substância amorfa do tecido conjuntivo e não pelo volume de células (HASSEL, 1999; SANTI, BRAL, 1999; VIEIRA et al., 2001). As diferenças no aspecto histopatológico entre os três grupos de drogas só aparecem em técnicas de coloração imunohistoquímicas ou de microscopia eletrônica e se relacionam mais com a ciclosporina. Florio, Tfouni e Almeida (2004) afirmam que no tecido biopsiado, de lesões de aumento gengival em pacientes que fazem uso da ciclosporina, podem ser observadas rugosidades na superfície, que são consideradas depósitos de ciclosporina. 23Com base em estudos histológicos atuais, sabe-se que as mudanças gengivais associadas ao uso de medicação sistêmica devem ser precisamente denominados de aumentos ou amplificações gengivais e não hiperplasia ou hipertrofia, como era largamente difundido na literatura (HALLMON, ROSSMANN, 1999). 2.6 CLASSIFICAÇÃO DO AUMENTO GENGIVAL Uma das primeiras classificações do aumento gengival foi a escala visual proposta por Aas (1963), que estabelece: a) Grau I: aumento gengival leve ou moderado. A papila interdental assume uma forma mais arredondada e grosseira; a gengiva marginal está ligeiramente mais grossa. A coroa anatômica foi coberta pelo aumento gengival em aproximadamente um terço da superfície vestibular; b) Grau II: aumento gengival acentuado. A papila e a gengiva marginal cobrem de um terço à metade da superfície vestibular da coroa, formando lobulações. Em muitos casos, as aposições teciduais estão separadas somente por uma fenda; c) Grau III: aumento gengival severo. A gengiva cobre a metade do dente a dois terços da superfície vestibular da coroa do dente e protrui-se 3 a 4 mm da superfície do dente. Não há invasão da mucosa alveolar e, geralmente, o aumento de volume estende-se até o festão mucogengival; d) Grau IV: aumento gengival muito severo. O tecido gengival aumentado cobre desde os dois terços até a totalidade da coroa em uma ou mais regiões, prejudicando a oclusão dentária e em casos extremos até pode deslocar dentes. Angeolopoulos (1975) sugeriu um índice mais simplificado para determinar o grau de aumento gengival. A medição é feita da junção cemento-esmalte até a gengiva marginal livre, utilizando-se a seguinte padronização: a) Grau zero (0): sem aumento, gengiva normal; b) Grau um (1): aumento gengival cobrindo o terço cervical ou menos da coroa dos dentes anteriores; c) Grau dois (2): aumento gengival estendendo-se até dois terços da coroa dos dentes anteriores; d) Grau três (3): aumento gengival cobrindo mais de dois terços da coroa dos dentes anteriores. 24 Inglés, Rossmann e Cafesse (1999) propuseram um novo índice de aumento gengival, que permite uma melhor avaliação e classificação para a conduta e tratamento destas lesões. Este índice descreve o aumento gengival vestíbulo-lingual, ápico-coronal, avalia o formato e contorno da papila interdental, a profundidade de sondagem, a textura e densidade da gengiva. A escala foi dividida em cinco estágios, com suas respectivas características: a) Grau zero (0): indica ausência de aumento gengival com firme adaptação da gengiva inserida sobre o osso alveolar, aparência granular inexistente, papila interdental com aspecto normal e espessura e largura gengival normal; b) Grau um (1): indica leve crescimento com aumento da espessura gengival, acentuado pontilhado superficial e aparência granular, papila interdental arredondada e profundidade de sondagem menor ou igual a 3 mm. c) Grau dois (2): indica um aumento gengival moderado, com aumento da papila interdental e/ou gengiva marginal livre, contorno côncavo da margem gengival, dimensão vestíbulo-lingual de 2 mm, papila interdental levemente retraída e profundidade de sondagem entre 3 e 6 mm. d) Grau três (3): indica acentuado aumento gengival com invasão da gengiva sobre a coroa clínica, contorno convexo da gengiva marginal, dimensão vestíbulo- lingual maior ou igual a 3 mm e profundidade de sondagem maior ou igual a 6 mm. e) Grau quatro (4): observa-se um severo aumento gengival com extenso espessamento gengival, a coroa clínica mostra-se coberta em grande extensão, apresentando dimensão vestíbulo- lingual maior que 3 mm e profundidade de sondagem maior que 6 mm. 2.7 PREVALÊNCIA A prevalência do aumento gengival induzido por medicação sistêmica varia significativamente e, como na maioria dos estudos epidemiológicos, depende da população investigada. Dessa maneira, tem sido estimado que 50% dos pacientes dentados e medicados com fenitoína experimentam alterações gengivais; considerando a ciclosporina e a nifedipina a prevalência encontrada é de 30% e 10%, respectivamente (SEYMOUR, 2006). Doufexi, Mina e Ioannidou (2005) também afirmam que a prevalência do aumento gengival induzido por drogas varia muito nos diferentes estudos, ficando entre 6% e 81% dos pacientes. O aumento gengival devido à fenitoína possui a prevalência mais alta em 25 relação às outras drogas. A maioria dos estudos reporta que 50% dos pacientes medicados com a fenitoína apresentam aumento gengival, enquanto que para a ciclosporina e nifedipina essa percentagem é próxima a 30% e a 20%, respectivamente. 2.7.1 Prevalência do aumento gengival induzido pela nifedipina Com relação à nifedipina, Florio, Tfouni e Almeida (2004) afirmam que cerca de 30 a 40% dos pacientes desenvolvem clinicamente um aumento gengival. Esse aumento é observado entre um e nove meses após o início do uso do medicamento. Hassessian, Guimarães e Marcussi (2003), realizaram um estudo com objetivo de pesquisar a freqüência do aumento gengival em pacientes que fazem uso da nifedipina. Quarenta e oito pacientes do Núcleo de Cardiologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Mato Grosso foram observados, sendo 10 edêntulos e 38 dentados. Os pacientes que apresentaram alterações gengivais foram classificados como reativos e aqueles que não apresentaram como não-reativos. Vinte e dois pacientes (57,9%) foram não- reativos e 16 (42,1%) foram reativos, ocorrendo maior freqüência no gênero masculino (56%) em relação ao feminino (15,4%). Quanto à localização, a maior freqüência foi na região anterior inferior, sendo que em pacientes edêntulos não foi observado nenhum reativo. Um estudo cruzado foi realizado no Centro de Tratamento Primário em Barcelona, Espanha. Foram analisados 212 pacientes: 65 tratados com nifedipina e 147 fazendo parte do grupo controle. A prevalência do aumento gengival foi significantemente maior nos casos tratados com nifedipina (33,8%) em relação ao grupo controle (4,1%) (MIRANDA et al, 2001). Gonçalves et al. (2004) consideram a prevalência do aumento gengival medicamentoso causado pela nifedipina relativamente alto, variando entre 5 a 83%. As associações com outras drogas, como a ciclosporina e a fenitoína podem elevar essa incidência. A combinação de nifedipina e ciclosporina em pacientes com transplantes de órgãos, embora rara, aumenta tanto a severidade quanto a prevalência do aumento gengival. No entanto, a prednisolona e a azatioprina têm diminuído o grau de expressão do aumento gengival em pacientes transplantados, devido ao seu efeito antiinflamatório sobre a inflamação gengival induzida pela placa bacteriana (DOUFEXI, MINA, IOANNIDOU, 2005). 26 2.7.2 Prevalência do aumento gengival induzido pela fenitoína O aumento gengival associado ao uso da fenitoína atinge cerca de 50% dos pacientes que fazem uso dessa medicação (PILLON, GIGANTE, 1994). Contudo, a prevalência do aumento gengival em pacientes que tomam outras drogas anticonvulsivantes como o valproato de sódio, carbamazepina e barbitúricos é bastante rara (DONGARI, McDONNELL, LANGLAIS, 1993 ; VIEIRA et al., 2001). Angelopoulos (1975) revisou a literatura sobre a prevalência do aumento gengival induzido pela fenitoína. Relatou que a prevalência variou entre 0 e 84,5%, e que essa grande variação encontrada na literatura pode ser explicada, em parte, pelo pequeno número de casos relatados em alguns artigos, pela falta de critérios estabelecidos para graduar o aumento gengival, pela variação da dose diária, tempo de medicação e a idade dos pacientes. Está apresentadana Tabela 1 a p revalência do aumento gengival associado a vários regimes de tratamento com medicamentos antiepiléticos numa população de pacientes sem retardo mental, segundo Hassel (1999). Tabela 1 - Aumento gengival em relação à medicamentos antiepiléticos __________________________________________________________________________ REGIME DE MEDICAMENTOS PREVALÊNCIA DO AUMENTO ANTIEPILÉTICOS GENGIVAL (%) _________________________________________________________________________ Apenas fenitoína 52 Fenitoína + valproato sódico 56 Fenitoína + carbamazepina 71 Fenitoína + carbamazepina +fenobarbital 83 Fenitoína + polifarmácia 88 Apenas carbamazepina + fenobarbital 0 ___________________________________________________________________________ Fonte: Adaptada de Hassel (1999, p. 271). Thomason, Seymour e Rawlins (1992) avaliaram os efeitos da fenitoína em um grupo medicado com essa droga e outro não-medicado. Observaram que 13% dos pacientes que usavam fenitoína apresentaram aumento gengival. Sugeriram que futuros estudos envolvendo essa alteração gengival e medicamentos anticonvulsivantes devam usar grupo- 27 controle e separar a amostra por grupos de medicamentos anticonvulsivantes, tendo em vista que o fenobarbital e a carbamazepina são indutores enzimáticos hepáticos, podendo causar um aumento sérico da fenitoína, quando administradas em conjunto. 2.7.3. Prevalência do aumento gengival induzido pela ciclosporina Segundo Dongari, McDonnell e Langlais (1993), a incidência do aumento gengival entre pacientes tratados com ciclosporina varia entre 6 a 81%. Os autores ressaltam que uma variação como esta pode ser resultado de inúmeras variáveis, como dosagem, duração do tratamento, uso concomitante com outras drogas, idade, predisposição genética e nível de controle de placa bacteriana. Machado et al. (2001) e Vardar et al. (2005) afirmam que nem todos os pacientes tratados com a ciclosporina desenvolvem o aumento gengival. A freqüência deste efeito colateral varia entre 8 a 70%, com variabilidade na expressão clínica do paciente, implicando em patogênese multifatorial. Romito et al. (2004) afirmam que entre os pacientes que fazem uso da ciclosporina, somente 50% apresentam algum tipo de aumento gengival. Esta diferença na resposta está fundamentada no fato de que uma parte da população apresenta predisposição genética ao aumento gengival ou devido a presença de fatores predisponentes locais. De acordo com Thomason, Seymour e Ellis (1996), aproximadamente 25% a 30% dos pacientes medicados com a ciclosporina apresentam este efeito indesejado em um nível suficiente que necessite a redução cirúrgica dos tecidos gengivais. Além disso, pacientes que fazem uso concomitante com a nifedipina podem apresentar um aumento gengival mais severo em relação àqueles que fazem uso somente da ciclosporina. Em contrapartida, um estudo com 37 pacientes transplantados renais realizado por Semprebom et al. (2004) comparou a prevalência e severidade do aumento gengival em pacientes sob terapia com a ciclosporina e com a mesma associada à nifedipina. Os autores encontraram 14,45% das faces dentais avaliadas com aumento gengival nos pacientes que ingeriam somente ciclosporina e 10,06% no grupo que ingeria ciclosporina/nifedipina, concluindo que a prevalência e severidade do aumento gengival foi similar em pacientes em terapia com ciclosporina e ciclosporina/nifedipina. A prevalência do aumento gengival induzido por ciclosporina varia amplamente entre os diversos estudos existentes (13% a 85%), dependendo do critério utilizado. A 28 determinação da prevalência real é difícil, pois existem diversos fatores de confusão nas populações sujeitas, com diferentes doses da droga e concentração sérica da ciclosporina, duração da terapia, métodos de avaliação do aumento gengival, condição periodontal, idade, saúde geral do paciente e uso concomitante com outros medicamentos, especialmente aqueles associados ao aumento gengival. A prevalência do aumento gengival independe do fato da ciclosporina estar sendo usada para a prevenção da rejeição de órgãos ou para o tratamento de outras desordens sistêmicas (RAMALHO, RAMALHO, CIPULLO, 2003). 2.8 FATORES DE RISCO PARA O AUMENTO GENGIVAL Uma variedade de fatores de risco para o aumento gengival induzido por medicação sistêmica tem sido identificada. Essencialmente, esses fatores são: idade, gênero, predisposição genética, variáveis farmacológicas, medicação concomitante/combinada e variáveis periodontais (SEYMOUR, 2006). O conhecimento dos prováveis fatores coadjuvantes para o desenvolvimento do aumento gengival é primordial para o cirurgião-dentista, tanto no diagnóstico precoce como na tentativa de minimizar ou auxiliar na regressão dessas lesões, principalmente nos estágios precoces (SPOLIDORIO et al., 1997). 2.8.1 Idade A idade tem sido reportada como um fator de risco para o aumento gengival induzido por medicação sistêmica. O número de crianças e adolescentes com lesões gengivais significativas é maior quando comparado aos adultos (VIEIRA et al., 2001; VESCOVI et al., 2005). A relação entre idade e a susceptibilidade individual ao crescimento gengival foi relatada Kapur et al. (1973 apud LINS et al., 2005). Neste estudo os autores encontraram uma maior suscetibilidade e gravidade do aumento gengival em crianças e adultos jovens. A maior suscetibilidade em adolescentes e adultos jovens pode estar associada à influência de hormônios sexuais. O aumento da testosterona biologicamente ativa tem sido encontrado nos tecidos crescidos dos pacientes com aumento gengival, sugerindo que alterações do metabolismo andrógeno podem causar maior propensão ao aumento gengival induzido por 29 medicação sistêmica em crianças e adolescentes (RAMALHO, RAMALHO, CIPULLO, 2003). Seymour (2006) reconhece a idade como importante fator de risco tanto para o aumento gengival induzido pela ciclosporina quanto aquele induzido pela fenitoína. Para os bloqueadores dos canais de cálcio, a idade não tem aplicabilidade, pois seu uso está geralmente limitado a pacientes a partir da meia- idade. Como crianças e adolescentes são mais suscetíveis ao aumento gengival induzido pela ciclosporina e a fenitoína, o autor sugere que haja um componente capaz de afetar a sensibilidade dos fibroblastos às alterações medicamentosas. Essas drogas têm mostrado uma acentuada habilidade em induzir o fibroblasto gengival a metabolizar testosterona em diidrotestosterona 5 alfa. Adolescentes têm altos níveis de andrógenos circulantes, os quais devem estimular os fibroblastos gengivais a aumentar a síntese de colágeno e diminuir a colagenase. Há também a ação adicional do aumento da circulação de hormônios sobre a expressão da inflamação gengival. Qualquer aumento na inflamação irá contribuir na expressão do aumento gengival. 2.8.2 Gênero Existem poucos estudos investigando até que ponto o gênero é um fator de risco para o aumento gengival induzido por medicação sistêmica. Há um maior número de homens entre os pacientes estudados, o que pode interferir nos resultados. O gênero não parece ser um fator de risco para o aumento gengival induzido pela fenitoína,mas em relação à nifedipina e a ciclosporina parece ser relevante (SEYMOUR, 2006). Em um estudo com 97 pacientes sob tratamento com nifedipina realizado por Tavassoli et al. (1998) foi encontrada uma maior severidade no aumento gengival em homens, possivelmente associado à estimulação do metabolismo da testosterona que afeta a síntese de colágeno nos fibroblastos. Hassessian, Guimarães e Marcussi (2003) avaliaram 48 pacientes medicados com nifedipina e encontraram maior freqüência no gênero masculino (56%) em relação ao feminino (15%). Em contrapartida, outro estudo realizado por Miranda et al. (2001) com 65 pacientes em tratamento com nifedipina, não mostrou predileção por gênero. 30 Thomason, Seymour e Ellis (2005) avaliaram 100 pacientes transplantados medicados com ciclosporina e também não encontraram diferença estatisticamente significante na presença e severidade do aumento gengival entre homens e mulheres. Vescovi et al. (2005) afirmam que ainda não está claro se o gênero é um fator de risco para o aumento gengival. Apesar de aparentemente homens possuírem um maior risco em desenvolver este efeito adverso em relação às mulheres, os estudos têm uma tendência significativamente masculina, já que transplantes de órgãos ocorrem mais freqüentemente em homens. 2.8.3 Predisposição genética De acordo com Vieira et al. (2001), nem todos os pacientes que fazem uso de uma das três categorias de medicamentos associados ao aumento gengival desenvolvem esta alteração. Tal susceptibilidade individual estaria relacionada à predisposição genética. A evidência de que fatores genéticos podem estar relacionados à manifestação do aumento gengival induzido por medicação sistêmica veio do estudo da manifestação do HLA (Antígeno do Linfócito Humano) por Thomason, Seymour e Ellis (1996). Segundo este estudo, pacientes que apresentavam aumento gengival de moderado a severo, possuiam uma baixa freqüência de HLA-DR1 e alta freqüência de HLA-DR2, ao contrário de pacientes com pouco ou nenhum aumento gengival que tinham alta freqüência de HLA-DR1. Os autores relataram que o antígeno HLA-DR1 parece ter um efeito protetor contra o aumento gengival e o antígeno HLA-DR2 um efeito ativador do mesmo. O HLA poderia então ser um bom marcador para identificar indivíduos com risco de desenvolver aumento gengival quando do uso de medicamentos indutores. A variedade nas respostas individuais da expressão do aumento gengival também tem relação com as enzimas que metabolizam os medicamentos envolvidos. Fenitoína, ciclosporina e nifedipina são metabolizadas pela enzima hepática citocromo P450. Genes do citocromo P450 exibem polimorfismo considerável, o que resulta em variações individuais no nível da droga. Essa variação hereditária no metabolismo de cada droga pode ter influência sobre as concentrações plasmáticas e, consequentemente, na sua resposta gengival. Embora variações no citocromo P450 possa ser um fator de risco para o aumento gengival, é totalmente impraticável aplicar isto clinicamente (SEYMOUR, 2006). 31 2.8.4 Variáveis farmacológicas A relação entre a incidência e severidade do aumento gengival e as variáveis farmacocinéticas dos medicamentos envolvidos ainda é um assunto controverso. Concentração sérica da droga, dosagem, concentração da droga na saliva e no fluido crevicular gengival foram alvo de muitos estudos, mas ainda não há achados consistentes. Alguns autores têm demonstrado correlação positiva entre concentração do medicamento na saliva e extensão do aumento gengival, enquanto outros não evidenciaram esta correlação. Apesar disso, a maioria dos trabalhos concorda que uma determinada concentração inicial da droga é necessária para induzir as alterações gengivais e que níveis da droga acima deste limiar não aumentariam a gravidade da lesão (RAMALHO, RAMALHO, CIPULLO, 2003; SEYMOUR, 2006). Alguns autores sugerem que o aumento gengival se desenvolva quando a concentração sérica de ciclosporina exceda 170 a 200mg/ml e que em pacientes tratados com doses acima de 10mg/kg/dia de ciclosporina a incidência do aumento gengival é maior. Do mesmo modo, acredita-se que o aumento gengival esteja relacionado com o nível sérico da fenitoína e nifedipina, pois a severidade do aumento gengival tende a aumentar quando o nível de fenitoína é alto nos tecidos gengivais (SPOLIDORIO et al., 1997). Segundo Angelopoulos (1975), quando a dose de fenitoína é maior e consequentemente os níveis séricos estão aumentados, 50% dos pacientes respondem com uma maior severidade na expressão do aumento gengival. Hassessian, Guimarães e Marcussi (2003) realizaram um estudo com 48 pacientes tratados com nifedipina onde foi observada relação direta entre a dosagem da droga e o desenvolvimento das lesões. A presença do aumento gengival nos 26 casos variou de acordo com a dosagem diária ministrada. Com a dose diária de 10 mg apenas dois pacientes apresentaram aumento gengival; com 20 mg/dia o aumento ocorreu em três pacientes; com 30mg/dia ocorreu também em três casos e já com 40mg/dia sete pacientes apresentaram aumento gengival. Um estudo realizado por Vescovi et al. (2005) com 121 transplantados renais que recebiam terapia imunosupressora com ciclosporina buscou encontrar relação entre a severidade do aumento gengival e doses diárias da droga. Os autores classificaram os pacientes pela dose diária de ciclosporina: aqueles que ingeriam uma dose menor ou igual a 250 mg/dia e aqueles que ingeriam uma dose maior de 250 mg/dia. Os mesmos não 32 encontraram correlação significante entre prevalência e severidade do aumento gengival e doses diárias de ciclosporina. Carneiro, Lara e Alvarenga (2002) afirmam que os níveis séricos dos medicamentos envolvidos não interferem na severidade do aumento gengival, pois alguns trabalhos relatam que pacientes que apresentaram aumento gengival severo têm evidências de aumento gengival anterior aos seus transplantes. 2.8.5 Medicação concomitante/combinada Os três medicamentos mais associados ao aumento gengival raramente são as únicas medicações prescritas ao paciente. O efeito de drogas adicionais na expressão do aumento gengival tem sido pesquisado em relação à ciclosporina e a fenitoína (SEYMOUR, 2006). A nifedipina é muito usada em pacientes transplantados para atenuar a neurotoxicidade induzida pela ciclosporina. Quando essas drogas são administradas concomitantemente há um aumento significativo na prevalência do aumento gengival. (HALLMON, ROSSMANN, 1999; PERNU, KNUUTILA, 2001; SEYMOUR, 2006). Outras drogas consumidas por pacientes transplantados podem igualmente influenciar a expressão das alterações gengivais. Prednisolona e azatioprina parecem fornecer algum nível de proteção contra o desenvolvimento do aumento gengival. Esse efeito protetor destas duas drogas nos tecidos gengivais pode resultar de sua ação antiinflamatória (THOMASON, SEYMOUR, ELLIS, 2005). Além disso, Vieira et al. (2001) afirmam que os pacientes que fazem uso da ciclosporina e nifedipina possuem um maior risco de recidiva do aumento gengival após o tratamento do que os que tomam somente ciclosporina. 2.8.6 Variáveis periodontais Grande ênfase tem sido atribuída à importância do biofilme dentário como fator coadjuvante na expressão do aumento gengival induzido por medicação sistêmica, a ssim como, a presença de cálculo supra e subgengival, restaurações mal adaptadas e aparelhos ortodônticos. Dos fatores citados anteriormente, este parece ser o mais importante, mesmo porque a placa bacteriana constitui fator etiológico básico da doença periodontal inflamatória,33 e a inflamação pode cooperar para o desenvolvimento do aumento gengival (ANGELOPOULOS, 1975; SPOLIDORIO et al., 1997). Figueredo et al. (2001), citando vários autores, afirmam que a placa bacteriana seria um fator predisponente para o aumento gengival induzido por ciclosporina. Sugerem também que a placa representa um importante estímulo antigênico que, funcionando como reservatório local da droga, desencadeia respostas imunológicas essenciais para o desenvolvimento do aumento gengival. Guaré e Franco (1998) realizaram um estudo com 117 crianças sob tratamento com anticonvulsivantes, avaliando o grau de aumento gengival e a higiene bucal. As autoras concluíram que a fenitoína interage de forma significativa com a placa e que a ocorrência do aumento gengival parece estar diretamente relacionada com o grau de higiene oral do paciente. Santi e Bral (1999) avaliaram as respostas clínicas e histológicas para o tratamento periodontal do aumento gengival induzido pela administração da ciclosporina isolada ou associada à nifedipina. Uma correlação significante foi observada entre placa bacteriana, gengivite e o aumento gengival, e a severidade do aumento parece ter sido maior em pacientes que receberam as duas drogas combinadas. Uma correlação positiva entre o grau de aumento gengival e a placa bacteriana e gengivite foi encontrado por diversos autores, mas o papel preciso da placa bacteriana na indução do aumento gengival permanece incerto, porém significante. Embora seja possível que um tecido gengival volumoso possa impedir a higiene oral e somente secundariamente provocar acúmulo de placa, a sua ação seria um fator irritante local e agiria como coadjuvante no aumento gengival (AUAD, QUIRINO, 2000; THOMASON, SEYMOUR, ELLIS, 2005). Lins et al. (2005) relataram a existência de uma associação entre higiene oral e a prevalência e severidade do aumento gengival induzido por medicação sistêmica, sugerindo que a inflamação gengival induzido pela placa bacteriana pode ter um importante papel no desenvolvimento e na expressão das alterações gengivais. Entretanto, permanece contraditório o papel do biofilme dentário como um co-fator do aumento gengival em virtude da dificuldade de se manter um efetivo controle da higiene bucal. Para Vieira et al. (2001), em relação ao papel da placa na etiologia do aumento gengival, permanece a questão: se o acúmulo de placa é a causa ou a conseqüência das alterações gengivais. O que se sabe é que a placa pode no mínimo exacerbar a alteração, levando a um aspecto hiperêmico e edematoso. 34 Thomason, Seymour e Ellis (1996) concordam com os autores citados e afirmam que a severidade do aumento gengival é maior na presença de um mau controle de placa e inflamação gengival. Entretanto, permanece incerto se a placa é um fator contribuitório ou conseqüência das mudanças gengivais. Qualquer alteração no contorno gengival compromete o mecanismo de remoção de placa e a inflamação gengival irá, conseqüentemente, contribuir para o aumento gengival. Embora possa haver algumas discussões quanto ao papel da placa e da inflamação no aumento gengival, Seymour (2006) afirma que não há dúvidas de que a melhora da higiene bucal do paciente e a redução do componente inflamatório no tecido gengival por métodos não cirúrgicos têm um impacto nesse efeito indesejável. Apesar dessas medidas, ainda permanece um grupo de pacientes que desenvolvem um aumento gengival sem relação com a sua higiene e condição periodontal. Em tais pacientes, outros fatores de risco podem ser mais significativos. 2.9 PATOGENIA DO AUMENTO GENGIVAL Várias hipóteses têm sido levantadas para explicar a patogenia do aumento gengival induzido por medicação sistêmica, mas apesar de muitos estudos, a mesma ainda permanece incerta. Diversos fatores têm sido implicados na patogenia, o que caracteriza a sua natureza multifatorial (VIEIRA et al., 2001). Tem sido sugerido que há, no tecido gengival, diferentes sub-populações de fibroblastos, alguns dos quais sintetizam grande quantidade de proteínas e colágeno (fibroblastos altamente ativos), e outros que só são capazes de sintetizar baixa quantidade de proteínas (fibroblastos de baixa atividade). Os autores sugerem que esta sub-população distinta de fibroblastos na presença de certos fatores predisponentes (inflamação, por exemplo), se tornaria sensitiva ao medicamento, aumentando a síntese de colágeno, proteínas e matriz não colágena (HASSEL et al., 1982). Figueiredo et al. (2001), citando vários autores, relataram que a proliferação fibroblástica aumentada e conseqüente acúmulo de colágeno e glicosaminoglicanos, associada à redução na síntese da colagenase, levaria a um acúmulo dessas proteínas nos tecidos gengivais. Esse acúmulo de colágeno e glicosaminoglicanos, combinado a uma degradação reduzida, levaria ao quadro clínico do aumento gengival. 35 Machado et al. (2001) demonstraram que a fenitoína tem efeito direto sobre os mastócitos, resultando na sua degranulação e subseqüente liberação de histamina, heparina e ácido hialurônico nos tecidos gengivais. Os fibroblastos também metabolizam tais substâncias, estimulando a produção de colágeno e levando ao aumento gengival. Lins et al. (2005) atribuíram o aumento gengival a uma alteração do metabolismo do cálcio intracelular, representada por uma diminuição na captação desse íon, o que, por sua vez, interferiria na ativação da colagenase pelos fibroblastos, sendo o íon Ca++ fundamental à ativação desta enzima. Pacientes com altos níveis de creatinina no plasma parecem estar contemplados com algum tipo de proteção contra esse efeito indesejado. Essas mudanças farmacocinéticas poderiam alterar a interação entre o medicamento e os fibroblastos gengivais, de maneira a levar a um menor aumento gengival (THOMASON, SEYMOUR, ELLIS, 1996). Segundo Dongari, McDonnell e Langlais (1993), a deficiência de ácido fólico causada pela fenitoína poderia causar mudanças degenerativas no epitélio sulcular e exacerbar a resposta inflamatória e o aumento da síntese de metabólitos da testosterona por fibroblastos gengivais, resultando em aumento gengival. A fenitoína foi a primeira medicação a ser implicada como causadora do aumento gengival. Quando outras drogas também o foram, a atenção foi direcionada em identificar uma hipótese que unificasse as drogas. Vieira et al. (2001) afirmam que as três drogas têm diferentes propriedades farmacológicas, mas todas influenciam no fluxo de íons cálcio. Essa ação em comum pode ser a chave que fornecerá uma hipótese unificadora que ligará os três grupos distintos de drogas em um só efeito adverso gengival. 2.10 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Além dos aumentos gengivais relacionados com a ingestão de medicamentos existem os aumentos gengivais inflamatórios e também a fibromatose gengival hereditária ou aumento gengival hereditário, todos com características clínicas semelhantes (CARNEIRO, LARA, ALVARENGA, 2002). A fibromatose gengival hereditária é uma condição oral benigna rara que pode ocorrer isoladamente ou fazendo parte de uma síndrome. Nestas síndromes é comum haver fibromatose gengival, hipertricose e epilepsia associadas (DOUFEXI, MINA, IOANNIDOU, 2005). 36 Segundo Ely et al. (2003), a fibromatose gengival hereditária apresenta-se como um aumento gengival de crescimento lento, indolor, firme, não hemorrágico e de coloração rósea, que dependendo da severidade, pode cobrir parcial ou totalmente os dentes. Histologicamente, a fibromatose gengival hereditária apresenta-se similar ao aumento gengival induzido por medicação sistêmica, com conjuntivo fibroso, acantosee pequeno grau de células inflamatórias. Já o aumento gengival inflamatório é o mais comumente encontrado e está relacionado com a presença de placa bacteriana. Clinicamente caracteriza-se pela presença de sangramento, eritema, edema e ulceração em algumas áreas. Consiste em uma resposta tecidual hiperplásica, resultante de inflamação crônica associada a fatores locais como placa bacteriana e cálculo, sendo muito bem descrito na literatura mundial. Histologicamente apresenta-se com numerosos vasos sangüíneos e um denso infiltrado inflamatório crônico (MACHADO et al., 2001). O diagnóstico diferencial entre o aumento gengival induzido por medicação sistêmica e a fibromatose gengival hereditária é obtido através do exame clínico e principalmente pelo histórico da doença. Na fibromatose gengival hereditária o paciente relata casos ocorridos da doença na família, e no aumento gengival medicamentoso é relatado o tratamento com drogas associadas a esse tipo de alteração (PILLON, GIGANTE, 1994). Para Machado et al. (2001), o diagnóstico diferencial deve ser realizado enfatizando-se a história médica prévia do paciente, observando a possibilidade de hereditariedade, indução através de medicamentos e neoplasias. 2.11 TRATAMENTO O tratamento do aumento gengival induzido por medicação sistêmica ainda é um desafio para o periodontista. De acordo com Mavrogiannis et al. (2006) o problema é complexo devido à grande recorrência em razão do uso crônico dos medicamentos envolvidos e à persistência de outros fatores de risco. Existem diferentes opções de tratamento do aumento gengival de acordo com a Figura 5, a seguir: 37 Figura 5 Esquema do tratamento do aumento gengival induzido por medicação sistêmica Fonte: Adaptada de Camargo et al. (2001, p. 132). 2.11.1 Abordagem não-cirúrgica Segundo Mavrogiannis et al . (2006), o objetivo principal do tratamento não- cirúrgico é a redução do componente inflamatório dos tecidos gengivais e, através disso, evitar a necessidade de uma cirurgia. O ideal seria que programas preventivos fossem instituídos antes do início da terapia com medicamentos associados ao aumento gengival. Em alguns pacientes, raspagem e alisamento radicular juntamente com um adequado controle de placa podem reduzir o aumento gengival a um nível aceitável, mas em outros a correção cirúrgica poderá ser necessária. Assim, o tratamento não-cirúrgico deverá ser instituído em 38 primeira instância, exceto em casos onde o aumento gengival seja severo o suficiente para afetar a mastigação, a higiene bucal e a aparência estética. Camargo et al. (2001) enfatizam o controle de placa como primeiro passo no tratamento do aumento gengival. Não está clara a influência da placa no aumento gengival induzido por medicação sistêmica, mas há evidências de que um bom controle de placa e remoção profissional reduzem os níveis de inflamação desse efeito adverso e melhoram a saúde gengival. O controle de placa também irá retardar a recidiva do aumento após o tratamento cirúrgico. A formação de “pseudobolsas”, comuns em pacientes que apresentam aumento gengival, pode levar ao desenvolvimento de uma periodontite em decorrência do acúmulo de placa. Por essas razões, uma remoção meticulosa ajuda na manutenção dos níveis de inserção. Outro fator importante a ser considerado é a possibilidade de substituição da medicação. Por muitos anos isto não era possível em relação à ciclosporina. Entretanto, com o advento de novos imunossupressores, como por exemplo, o tacrolimus, a substituição da ciclosporina é uma alternativa possível. Tem sido demonstrado que a substituição da ciclosporina pelo tacrolimus reduz a severidade do aumento gengival e a necessidade de uma intervenção cirúrgica (SEYMOUR, 2006). Ellis et al. (2004) realizaram um estudo para determinar a prevalência e severidade do aumento gengival em pacientes transplantados. Quarenta pacientes que receberam tacrolimus foram comparados com 197 pacientes sob terapia com ciclosporina. Os autores concluíram que a prevalência e severidade do aumento gengival foram menores nos pacientes que usaram tacrolimus. James et al. (2001) procuraram confirmar se o tacrolimus está associado ao aumento gengival através de um estudo com 29 pacientes transplantados renais que faziam uso dessa droga. Todos os pacientes receberam o tratamento no mínimo 18 meses antes do estudo. Nenhum dos indivíduos analisados apresentou aumento gengival significativo. Os pacientes que apresentaram algum grau de aumento gengival também faziam uso da nifedipina para o tratamento da hipertensão. Os autores concluíram que o tacrolimus não apresenta efeito colateral significativo nos tecidos gengivais e que o mesmo é uma alternativa para os pacientes suscetíveis ao aumento gengival com o uso da ciclosporina. Gonçalves et al. (2004) relataram casos de pacientes onde houve a regressão espontânea do aumento gengival com a interrupção do uso da nifedipina. Entretanto, isso nem sempre é possível, já que a hipertensão e as patologias cardíacas podem necessitar de medicamentos dessa classe para controle efetivo. Em alguns casos, o médico pode recorrer a 39 redução da dosagem ou à associação com outros anti-hipertensivos, como por exemplo a tiazina ou verapamil. Apesar de atualmente haver uma maior disponibilidade de anticonvulsivantes, a substituição da fenitoína pode ser um desafio. As alternativas disponíveis são a carbamazepina, etosuximida e ácido valpróico, todos apresentando menor impacto na indução do aumento gengival. A troca deverá ser realizada gradualmente e nos primeiros meses o paciente deverá ser monitorado devido à possibilidade de ocorrência de doença repentina. Após a substituição, pode ocorrer regressão espontânea do aumento gengival dentro de 12 meses, desde que a higiene bucal do paciente seja adequada (HASSEL, 1999; CAMARGO et al, 2001; SEYMOUR, 2006). Segundo Vieira et al. (2001), podem ser utilizados bochechos diários de clorexidina. Esses bochechos são particularmente importantes no caso de pacientes que tomam fenitoína e que muitas vezes apresentam limitações físicas, mentais ou emocionais, não podendo assim realizar um controle de placa eficaz pelos meios convencionais. Estudos têm demonstrado que dois bochechos diários de clorexidina a 0,12% reduziram significantemente o acúmulo de placa, a inflamação gengival e o grau de severidade do crescimento gengival induzido por medicação sistêmica. A fenitoína inibe o metabolismo do ácido fólico, mas seu mecanismo é incerto. Há algumas evidências de que o enxaguatório bucal contendo ácido fólico a 1mg/ml pode reduzir a inflamação gengival através da ligação com as endotoxinas derivadas da placa e assim diminuir a expressão do aumento gengival (SEYMOUR, 2006). Ramalho, Ramalho e Cipullo (2003) descreveram a utilidade da azitromicina no tratamento do aumento gengival induzido pela ciclosporina. A descrição inicial baseou-se nos resultados obtidos casualmente em transplantados renais, que após tratamento de uma infecção respiratória com azitromicina apresentaram significativa redução do aumento gengival. Esses resultados foram confirmados por outros experimentos clínicos que mostraram o uso da azitromicina como benéfico no manejo do aumento gengival induzido pela ciclosporina. A dose utilizada tem sido 250mg a 500mg em três a cinco dias de tratamento. Os autores acreditam que o uso da azitromicina não afeta a remissão do aumento gengival, mas age sobre a infecção bacteriana concomitante e conseqüentemente reduz a inflamação. Esse efeito parece ser específico da azitromicina, pois antibioticoterapiasistêmica com metronidazol produziu resultados controversos em relação à redução do aumento gengival. 40 Para avaliar a eficácia do gel de metronidazol (Elysol, Carbon), Montebugnoli, Servidio e Prati (2002) realizaram um estudo longitudinal duplo-cego em seis pacientes transplantados que apresentavam aumento gengival induzido pela ciclosporina. Os autores concluíram que os resultados a curto-prazo sugerem que o gel de metronidazol e o placebo são igualmente eficazes na redução do aumento gengival e dos parâmetros periodontais avaliados (índice de placa, índice de sangramento gengival e profundidade de sondagem), desde que associados à raspagem e alisamento radiculares. Os resultados a longo–prazo, no entanto, mostraram eficácia maior do gel de metronidazol em relação ao placebo sobre o controle do aumento gengival induzido pela ciclosporina. 2.11.2 Abordagem cirúrgica Embora uma variedade de medidas não-cirúrgicas serem de grande valia, em alguns casos o aumento gengival pode persistir mesmo após a substituição do medicamento e bom controle de placa. Nestes casos, é necessária uma intervenção cirúrgica periodontal que pode ser feita através de gengivectomia, retalho periodontal ou gengivectomia a laser (MAVROGIANNIS et al., 2006). Segundo Camargo et al. (2001), a gengivectomia é indicada quando não é necessário acesso cirúrgico ao osso e quando há uma área abundante de tecido queratinizado. A hemorragia é a principal desvantagem no pós-operatório, devido à alta vascularização dos tecidos. A técnica de cirurgia a retalho deverá ser utilizada nos casos em que for necessário o acesso ósseo para ser realizado um recontorno ósseo ou quando a quantidade de tecido gengival queratinizado for limitada. As vantagens da cirurgia a retalho sobre a gengivectomia são um pós-operatório menos desconfortável, menor risco de hemorragia e possibilidade de o paciente iniciar a higienização mais precocemente porque é feito um fechamento primário da ferida cirúrgica. Mavrogiannis et al. (2006) apontam o laser como outra alternativa para o tratamento cirúrgico do aumento gengival. Os tipos mais usados são o laser CO2 e o ND: YAG. Os lasers possuem uma maior prescisão na incisão, esterilização do campo operatório e pós-operatório com menos dor. A hemostasia fornecida pelo laser também pode evitar a necessidade de cimento cirúrgico e minimizar a necessidade de suturas. O uso de laser é particularmente útil em pacientes que fazem uso de anticoagulantes ou que tem problemas 41 com a hemostasia. Apesar de todas estas vantagens, o alto custo deste tipo de tratamento limita seu uso. A manutenção dos casos tratados deve incluir controle caseiro meticuloso e retornos profissionais. As recidivas são freqüentes e devem ser tratadas para evitar o estabelecimento da doença periodontal. Quanto maior o cuidado com a higiene bucal maior será o intervalo entre as recidivas (MACHADO et al., 2004). 42 3. CONCLUSÕES Em face ao exposto nesta revisão de literatura parece lícito concluir: 1. A fenitoína, a ciclosporina e a nifedipina são drogas amplamente utilizadas em nível sistêmico, podendo gerar repercussão nos tecidos periodontais, e em particular, o aumento de volume da gengiva. Esse efeito adverso pode provocar problemas na estética, mastigação e fonação. 2. O aumento gengival está associado principalmente ao acúmulo de placa bacteriana, à susceptibilidade individual, variáveis farmacológicas e predisposição genética. No entanto, o papel da placa na etiopatogenia do aumento gengival permanece contraditório, embora uma higiene bucal adequada seja um fator primordial para o controle desta patologia. 3. Apesar de extensivos estudos e da hipótese de que seja de natureza multifatorial, a patogenia do aumento gengival induzido por medicação sistêmica ainda permanece incerta. Sugere-se que mais estudos sejam realizados, já que o entendimento da patogenia é fundamental para elucidação dos fatores envolvidos, podendo ajudar a identificar os prováveis “pacientes de risco” e assim desenvolver estratégias apropriadas para prevenção e tratamento dessa alteração. 4. O tratamento deve ser particularizado a cada paciente, de acordo com suas necessidades e respostas individuais. A substituição da medicação é a primeira opção, mas por razões médicas ou financeiras nem sempre isto é possível. A gengivectomia associada a um rigoroso controle de placa continua sendo a terapia mais utilizada no aumento gengival induzido por medicação sistêmica. As recidivas são freqüentes em função do uso contínuo dos medicamentos. 5. Quanto à prevenção, conclui-se que o ideal seria que todos os pacientes que irão submeter-se a um transplante de órgão ou receber algum medicamento associado ao aumento gengival sejam antes avaliados por um profissional, treinados quanto às medidas de higiene bucal e alertados quanto a necessidade de manutenções periódicas freqüentes. 43 REFERÊNCIAS AAS, E. Hyperplasia gingival diphenylhydantoinea: a clinical, histological and biochemical study. Acta Odontol. Scand., Oslo, v. 21, p. 1-142, 1963. ANGELOPOULOS, A. P. 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