Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
KÁTIA MARIA MULLER ANÁLISE DA PROPOSTA EDUCACIONAL ANTIPOFFIANA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DIDÁTICO CAMPO GRANDE – MS 2011 2 KATIA MARIA MULLER ANÁLISE DA PROPOSTA EDUCACIONAL ANTIPOFFIANA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DIDÁTICO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, como parte dos requisitos para obtenção de grau de Licenciado em Pedagogia. Sob a orientação da Profª Drª Samira Saad Pulchério Lancillotti. CAMPO GRANDE – MS 2011 3 KATIA MARIA MULLER ANÁLISE DA PROPOSTA EDUCACIONAL ANTIPOFFIANA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DIDÁTICO Trabalho de Conclusão de Curso objetivando a obtenção do grau de licenciado em Pedagogia à banca Examinadora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, área de Educação. Aprovada em___/___/___ _______________________________________ Profª Drª Celi Corrêa Neres _______________________________________ ProfªMSc. Mariuza Aparecida Camillo Guimarães _______________________________________ Profª Samira Saad Pulchério Lancillotti (Orientadora) 4 Dedico este trabalho a Profª Drª Samira Saad Pulchério Lancillotti, que tem me acompanhado desde o início e muito contribui para o meu desenvolvimento profissional e pessoal, tornando-me uma Pedagoga responsável e comprometida. 5 Agradecimento especial a minha família que junto a mim trilhou estes quatro anos de Academia. 6 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo estudar a Organização do Trabalho Didático (OTD) presente na proposta pedagógica Antipoffiana para a educação de alunos com deficiência mental (excepcionais orgânicos). Para isso utilizamos como objeto de estudo a obra de Helena Antipoff e seus colaboradores, particularmente os manuais Educação do Excepcional I e II, de Ottilia Braga Antipoff. Como base para a análise fizemos uma retrospectiva histórica indicando o processo de transformação do trabalho didático na escola moderna que foi do ensino preceptorial ao simultâneo, passando pelo mútuo. Essa retrospectiva permitiu comparar a OTD da escola comum com a da proposta Antipoffiana para alunos com deficiência mental, na qual predominou o ensino individualizado. Conclui-se que para a educação de hoje atender com qualidade na mesma sala de aula pessoas de características tão heterogêneas, é necessária uma profunda transformação na Organização do trabalho didático vigente, senão, corre-se o risco de reforçar a exclusão social por detrás de discurso de inclusão. Palavras-chaves: Organização do trabalho didático, educação especial, pedagogia Antipoffiana, deficiência mental, inclusão. RESUMEN El objetivo de esta monografía es estudiar la Organización del Trabajo Didáctico presente en la propuesta pedagógica “Antipoffiana” para la educación de estudiantes con deficiencias mentales (excepcionales orgánicos). Para eso el objeto de estudio utilizado fue la obra de Helena Antipoff y sus colaboradores, en particular los manuales Educação do Excepecional I e II, de Ottilia Braga Antipoff. La base de nuestro análisis es una retrospectiva histórica que indica el proceso de transformación del trabajo didáctico en la escuela moderna, que fue de la enseñanza maestral hacia la simultánea, pasando por la mutua. Esta retrospectiva ha permitido comparar la Organización del Trabajo Didáctico de la escuela común con la propuesta “Antipoffiana” para estudiantes con deficiencias mentales, que predominaba en la enseñanza individualizada. Llegamos a la conclusión de que la educación de hoy, para atender con calidad ninõs con características tan distintas en la misma sala de clases, es necesaria una profunda transformación en la organización del trabajo didáctico actual, de lo contrario hay un riesgo de reforzar la exclusión social que hay detrás del discurso de inclusión. Palabras claves: organización del trabajo didáctico, educación especial, pedagogía Antipoffiana, deficiencias mentales, inclusión. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................. 08 CAPITULO 1 FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DIDÁTICO NA ESCOLA MODERNA.............................................. 13 1.1 COMÊNIO E O ENSINO COLETIVO................................................ 14 1.2 JEAN JACQUES ROUSSEAU E O PRECEPTORADO........................... 17 1.3 JOSEPH LANCASTER E O ENSINO MÚTUO...................................... 20 CAPITULO 2 A EDUCAÇÃO DOS EXCEPCIONAIS ORGÂNICOS NA PROPOSTA DE HELENA ANTIPOFF – O TRABALHO DIDÁTICO SOB INFLUÊNCIA DA VERTENTE EDUCACIONAL PSICOPEDAGÓGICA.......................................... 24 2.1 JOHN DEWEY ............................................................................................. 24 2.2 EDOUARD CLAPARÈDE ........................................................................... 26 CAPITULO 3 ANÁLISE DO TRABALHO DIDÁTICO NA PROPOSTA ANTIPOFFIANA A PARTIR DOS MANUAIS “EDUCAÇÃO DO EXCEPCIONAL” I/II............................................. 32 3.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO DEFICIENTE MENTAL .......... 32 3.2 A PROPOSTA ANTIPOFFIANA DE EDUCAÇÃO PARA O DEFICIENTE MENTAL ........................................................................................................... 35 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 48 REFERÊNCIAS................................................................................ 51 8 INTRODUÇÃO Era uma pessoa inteligente, muito criativa, exigente com ela mesma e com todos os que a cercavam no ambiente de trabalho e de um senso de responsabilidade social muitíssimo desenvolvido [...]. (BESSA, 2009, não paginado). Este é um dos muitos elogios tecidos a Helena Antipoff, em sua longa carreira de contribuições à educação e à psicologia. Nascida a 25 de março de 1892, em Grodno-Rússia, diplomou-se no Curso Normal de São Petersburgo, transferindo-se para Paris, onde obteve o bacharelado de Ciências em 1911. Mudou para o Brasil, em 1929, veio a convite do estado de Minas Gerais, para organizar o ensino público e orientar o trabalho das classes para alunos retardados. Antipoff influenciou intensamente a educação especial, no Brasil, especialmente a educação das pessoas com deficiência mental, sendo que sua força se faz sentir até os dias de hoje. Criou a Sociedade Pestalozzi (1932) e a Escola de Excepcionais da Fazenda Rosário (1940), entidades que tinham como objetivo e preocupação a educação dos deficientes, menores abandonados e a educação rural, sendo que essa última atingiu seu reconhecimento mundial e hoje se encontra em todo país. Esta iniciativa pioneira destaca Antipoff no âmbito da história da educação especial no Brasil, e justifica o aprofundamento de análises com vistas a compreender sua proposta e a importância de seu papel na configuração da educação de alunos com deficiência mental no país. Alguns estudos já foram feitos nesse sentido, com destaque para a dissertações de mestrado: Helena Antipoff:pensamento e ação pedagógica à luz de uma reflexão crítica, de Maria Helena Pereira Dias, defendida no programa de pós- graduação da Universidade Estadual de Campinas, em 1995. Para a dissertação de mestrado: Educação Especial na Rede Pública de Belo Horizonte: redescobrindo Helena Antipoff, defendida no programa de pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas, em 1997, por Maria Imaculada Campos. E para a tese de doutorado: Helena Antipoff, as Sociedades Pestalozzi e a Educação Especial no Brasil, defendida no Programa de Pós Graduação em Educação, da Universidade Federal de São Carlos,em fevereiro de 2011, por Heulalia Charalo Rafante 9 Esses trabalhos permitiram resgatar o papel de Helena Antipoff no cenário da educação especial brasileira. Este estudo, para além desse resgate, objetiva a análise da organização do trabalho didático proposta para os excepcionais orgânicos, termo utilizado pela autora para referir-se aos alunos com deficiência mental. A organização do trabalho didático é uma categoria de análise proposta por Alves, segundo ele: No plano mais genérico e abstrato, qualquer forma histórica de organização do trabalho didático envolve, sistematicamente, três aspectos: a) ela é, sempre, uma relação educativa que coloca, frente a frente, uma forma histórica de educador, de um lado, e uma forma histórica de educando (s), de outro; b) realiza-se com a mediação de recursos didáticos, envolvendo os procedimentos técnico- pedagógicos do educador, as tecnologias educacionais pertinentes e os conteúdos programados para servir ao processo de transmissão do conhecimento; c) e implica um espaço físico com características peculiares, onde ocorre. (ALVES, 2005, p. 10-11, grifos do autor). O autor destaca que a organização do trabalho didático que prevalece na escola moderna é mediada pelo manual didático, quadro negro, dentre outros instrumentos adequados para o ensino simultâneo, os alunos são distribuídos em salas de aula seriadas, sendo que o professor fica à frente dos alunos, ministrando práticas coletivas rotineiras, homogeneizando assim o ensino. Diante destas constatações, notamos que a escola contemporânea mantém ainda as características impostas por seu criador, Comenius, no século XVII, na obra Didática Magna. Devemos salientar que este modelo pedagógico se deu pela organização manufatureira do trabalho, que emergiu nessa época1. O livro ”A produção da escola publica contemporânea” [...] constatou, por meio de uma análise retrospectiva, que a organização do trabalho didático, vigente nas escolas de nosso tempo, foi fundada por Comenius no século XVII, pela inspiração da organização manufatureira do trabalho. Constatou também, que, depois de instaurada, essa organização se petrificou [...] (ALVES, 2005, p.63). 1 Manufatureira por dizer respeito à manufatura, forma de organização do trabalho na qual a divisão do trabalho é marcante. Segundo Marx (1984): “A manufatura, portanto, ora introduz a divisão do trabalho num processo de produção ou a aperfeiçoa, ora combina ofícios anteriormente distintos. Qualquer que seja, entretanto, seu ponto de partida, seu resultado final é o mesmo: um mecanismo de produção cujos órgãos são seres humanos (p. 389). 10 Esclarecer que Comenius foi motivado por uma necessidade social quando criou a “Didática Magna”, a impossibilidade dos pais assumirem a educação dos filhos, aliada à mudança do feudalismo para o capitalismo e o início da manufatura, fez com que sua proposta de “ensinar tudo a todos” não dispusesse de todos os mecanismos necessários para contemplar efetivamente todos os alunos, é o caso dos alunos com deficiência. Apesar de sua defesa para que todos fossem à escola, ele deixava claro que nem todos alcançariam o progresso desejado, tornando assim o ensino, no caso especifico dos deficientes mentais, mais um mecanismo que favoreceria a adaptação social. Ele considerava que o ensino seria muito proveitoso para eles e para sociedade como forma de abrandar possíveis posturas mais inadequadas, bem como aprender os costumes desta nova sociedade. [...] assim também os débeis e os estúpidos, mesmo que nos estudos não façam nenhum progresso, tornam-se, todavia, mais brandos nos costumes, de modo a saberem obedecer às autoridades políticas e aos ministros da Igreja [...] (COMÉNIO, 1996, p.140). Assim a educação desses alunos se deu em separado, desde a origem da escola moderna, já que respondia a objetivos diferentes. Ao longo da história, vemos que a sociedade gera novas necessidades, essas precisam ser respondidas para que se mantenha o equilíbrio de uma sociedade sempre em movimento. Atualmente não poderia ser diferente, e a questão que nos interessa no bojo desse movimento é a proposta de inclusão dos deficientes mentais no ensino regular, o que nos impõe inúmeras perguntas, uma delas é: como poderemos fazer com que esta inclusão não seja excludente? Professores apavorados com esta nova realidade alegam seu total despreparo para lidar com tal situação. Para compreender o desafio que enfrentam é preciso entender como a educação especial dos alunos com deficiência mental se estabeleceu historicamente. Quais as suas características? Como se organizou a didática desse atendimento? No que se diferencia do atendimento da escola comum? É necessário compreender as diferenças entre esses atendimentos educacionais se quisermos encontrar formas de atender alunos com deficiência mental nas classes comuns. A análise da proposta didática de Helena Antipoff e de 11 seus continuadores poderá nortear as discussões pertinentes à educação especial dos deficientes mentais e sua inclusão. O estudo da proposta Antipoffiana tem a intenção de apreender como a educação especial se configurou no Brasil, desde sua base. Pretende-se oferecer elementos para compreender o que há de especial na educação especial, a partir da análise da organização do trabalho didático. A resposta dessa questão é fundamental para o entendimento de quais as dificuldades implicadas na inclusão do aluno com deficiência mental na escola comum. A proposta deste trabalho será desenvolvida em três capítulos e considerações finais. No capítulo 1 será abordado o processo histórico de estruturação da organização do trabalho didático, que marca a escola moderna, passando pelo ensino preceptorial e mútuo e se caracterizando, finalmente, pelo ensino coletivo, nos moldes pensados por Comenius no século XVII. O capítulo 2 abordará a proposta de individualização do ensino, que é pensada a partir do movimento da Escola Nova e que servirá de base para a proposta educacional desenvolvida por Helena Antipoff para os excepcionais orgânicos. Suas observações e experimentações foram de grande valia, sendo que até hoje são praticadas em beneficio dos “excepcionais”. O capitulo 3 traz uma análise da Organização do Trabalho Didático na proposta Antipoffiana, tal como aparece na obra de Ottilia Braga Antipoff, nora de Helena, que junto de Daniel Antipoff e mais alguns colaboradores objetivaram parte do ensinamento de observação e experimentação de Helena em manuais intitulados: “Educação do Excepcional- Manual para Professores, volumes I e II. Estas obras nasceram da necessidade de formar e orientar professores, bem como uma sociedade que ainda pouco conhecia a respeito da educação do excepcional, tanto em classes especiais, criadas nas escolas públicas, como em instituições especializadas, foi da observação e experimentação de Helena Antipoff na Fazenda Rosário, Sociedade Pestalozzi, Instituto Pestalozzi, que surgiuesta obra que ainda permanece atual, na medida em que traz a base sobre a qual foi fundada a Educação Especial para alunos com deficiência mental no Brasil. Para que vão servir essas observações? A conhecer as crianças, em primeiro lugar, e antes mesmo disso, esse treinamento vai nos ensinar a observar. A observação é o método mais fértil da psicologia. Que conseguiríamos saber, se nos limitássemos somente 12 às experiências, somente ao teste? Nada. (ANTIPOFF,Helena apud CAMPOS, 1997, p.219). Como conclusão geral desse estudo podemos afirmar que a organização do trabalho didático voltado para os excepcionais orgânicos se estabeleceu, na pedagogia Antipoffiana, de uma maneira diferente daquela que caracteriza o ensino ofertado para os alunos normais, nas escolas comuns. A relação educativa é mais individualizada, o espaço educativo é menos rígido e os conteúdos são diferentes, mais práticos, voltados para a vida. É importante considerar esses aspectos quando se projeta uma escola inclusiva. 13 CAPITULO 1 FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DIDÁTICO NA ESCOLA MODERNA Todavia porque tendo-se multiplicado tantos os homens como os afazeres humanos, são raros os pais que, ou possam, ou pelas muitas ocupações, tenham tempo suficiente para se dedicarem a educação dos filhos, desde há muito, por salutar conselho, se introduziu o costume de muitos, em conjunto, confiarem à educação de seus filhos a pessoas escolhidas, notáveis pela sua inteligência e pela pureza de seus costumes. A esses formadores da juventude, é costume dar o nome de preceptores, mestres, mestre-escola e professores; os locais destinados a esses exercícios comuns recebem nome de escolas, institutos, auditórios, colégios, ginásios, academias, etc. (COMÉNIO, 1996, p.134). Nas palavras de Comenius, vemos a transformação de uma sociedade que, até então, se organizava pelo trabalho artesanal para uma sociedade que passa a ocupar mais trabalhadores na organização manufatureira, quem vem utilizando mais e mais a mão de obra tantos dos pais como das mães de famílias, deixando assim, cada vez mais, a educação dos filhos a cargo de pessoas estranhas. Este capítulo tem por objetivo esclarecer as propostas de Coménio - de ensino simultâneo ou coletivo -; de Jean Jacques Rousseau, com o ensino preceptoral e de Joseph Lancaster, com o ensino mútuo, todos procurando atender as necessidades desta nova ordem social, o capitalismo, que começa a se fortalecer a partir do século XVI. É preciso entender que a escola sob o capitalismo também adquiriu traços manufatureiros, deixando de ser artesanal, fato este exemplificado na introdução, com apoio em Alves (2005), discussão posta em seu livro “Trabalho Didático na Escola Moderna: formas históricas”, dando-nos parâmetros, e ferramentas teóricas para entender como se dá este trabalho. De posse destas informações, podemos analisar as propostas descritas pelos autores citados. 14 1.1 COMÉNIO E O ENSINO COLETIVO Jan Amós Komenský nasceu na cidade de Uherský Brod (ou Nivnitz), na Morávia a 28 de março de 1592. Criador da “Didática Magna” foi o primeiro educador e reformador no ocidente a se interessar pela relação de ensino e aprendizagem, defendendo a pedagogia de ensinar tudo a todos. Sua preocupação era que sem distinção todos recebessem educação e pudessem aproximar-se mais de Deus, para adquirir espírito de fé e ações virtuosas. Morreu a 15 de Novembro de 1670, em Amsterdã. Coménio tem por objetivo em sua proposta ensinar tudo a todos. No capitulo XVI de sua obra Didáctica Magna, “Requisitos gerais para ensinar e para aprender com segurança, de modo que seja impossível não obter bons resultados”, ele vem apontando que, se levar mais ao natural se obterá melhores resultados, sendo o professor um semeador de conhecimento, respeitando o tempo de cada coisa. Para ilustrar sua proposta, ele vem apresentando exemplos da natureza que devem ser imitados, apontando as aberrações encontradas por ele na educação e, com base na natureza, indica a devida correção. 0 autor ainda cita que as escolas pecam de duas maneiras no fundamento natural: ao não aproveitar o momento favorável para exercitar as inteligências, e por não organizar cuidadosamente os exercícios para que sejam aplicados segundo uma regra fixa, devendo-se educar na juventude, quando seria melhor o aproveitamento. Como solução ele recomenda que a educação seja feita pela manhã, sendo organizados os estudos de acordo com a idade e ainda na juventude. Uma de suas principais preocupações é com a falta de organização dos estudos e falta de material didático para apresentação de conteúdos, e também com a orientação de que os alunos têm que aprender antes para que depois possam falar deles. [...] não se preocupam em ter sempre preparados todos os utensílios - livros, quadros, mapas amostras, modelos, etc. - para deles se servirem quando preciso, mas só quando esta ou aquela coisa é precisa só então a procuram, a fazem, ou a ditam, ou copiam etc. [...] (COMÉNIO, 1996, p.210). 15 Para o autor, a escola deve receber todo o tipo de alunos, é importante que os alunos sejam assíduos, e a escola deve tirar qualquer tipo de impedimento que possa atrapalhar sua concentração, é preciso que os alunos ocupem-se de uma matéria de cada vez. Comenius afirmava que, professores mal preparados, que não estão capacitados para atender a juventude, acabam por fazê-los apenas decorar a matéria sem ao menos entender do que se trata, reforçando a idéia de que se aprende antes de conhecer. O ensino fragmentado e a falta de regras para estudar ciências e línguas é outro fator que acaba por atrapalhar o desenvolvimento do educando. Ele ainda aponta que se as dificuldades forem colocadas gradativamente, se for esboçado um panorama geral da matéria antes de serem afinadas às regras, e se o trabalho for realizado por professores comprometidos, os problemas descritos seriam sanados. De onde se segue que o ensino das ciências é mal feito quando é fragmentário e quando não se começa por um prévio esboço geral de todo o programa, e que ninguém pode ser perfeitamente instruído numa ciência particular, se não tem uma visão geral de outras ciências. (COMÉNIO, 1996, p.220). Como correção também seria adequada à distribuição de estudos no tempo, não invertendo as matérias e observando o tempo necessário para aquisição de cada conhecimento. Ele defende o uso de textos sem controvérsias, não apresentar outros livros aos alunos além dos da sua classe e não deixar companhias dissolutas perto das escolas. ”Se todas estas regras forem observadas escrupulosamente, será quase impossível que as escolas falhem na sua missão.” (Ibid. p.226). No capitulo XVII, “Fundamentos para ensinar e aprender com facilidade” Comenius vem abrindo a discussão indicando que não basta ensinar com segurança, mas também procurar facilitar o aprendizado e lhe dar prazer, apontado alguns fatores que contribuem para esta facilitação: começar o ensino precocemente, incentivar aos estudos, gradação dos conteúdos mais fáceis aos mais difíceis, avançar progressiva e lentamente, fazer uso dos sentidos, usarem um método padronizado, não tendo vários professores, nem métodos diferentes, devendo-se começar pela moral, não forçando, mas respeitando a natureza de cada um. 16 A própria escola deve ser um local agradável, apresentando, no exterior como no interior, um aspecto atraente. No interior, deve ser um edifício fechado, bem iluminado, limpo, todo ornadode pinturas, quer sejam retratos de homens ilustres [...]. No exterior, adjacentes à escola, deve haver, não só um pedaço de terrenos destinado a passeios e a jogos (que, de quando em quando não devem negar-se às crianças, como veremos em breve), mas também um jardim aonde em certos momentos, os alunos deverão ser conduzidos para recrearem os olhos com a vista das árvores, das flores e das plantas [...]. (COMÉNIO, 1996, p.235). Defende que o aprendizado seja agradável e sem mágoas, infundindo o desejo do estudo, espaço físico agradável, o ensino agradável, o mais natural e ordenado, o uso de meritocracia, poucos princípios básicos, ensino pautado em cima de conhecimentos práticos, jornadas de quatro horas, respeitando a capacidade de cada um e o aluno não deve ser punido pelo professor caso o desempenho não seja a contento, mas que ele aprenda com clareza. Os livros didáticos utilizados devem ser da mesma edição mantendo uma uniformidade, com uma abordagem que seja útil para o presente e para o futuro, pois a importância do conhecimento se dá na sociedade, Comenius destaca para não se ensinar individualmente o aluno, propõe a separação em classes, o professor deve ficar num pedestal para ter uma visão privilegiada dos alunos, assim ele conseguirá atender plenamente um grande coletivo Se nunca se instruir um aluno sozinho, nem privadamente fora da escola, nem publicamente na escola, mas todos ao mesmo tempo e de uma vez só. Por isso, o professor não deve aproximar-se de nenhum aluno em particular, nem permitir que qualquer outro aluno, separando-se dos outros, se aproxime dele, mas, mantendo-se na cátedra [...]. (COMÉNIO, 1996, p. 281) O autor também propõe a adoção de materiais para o aluno em linguagem simples e com ludicidade, cartazes, alfabetos, murais, lousa, resumos, destaca ainda a necessidade de exercitar o conhecimento através do diálogo. Será da maior utilidade, para o nosso objetivo, que se pinte nas paredes das aulas o resumo de todos os livros de cada classe, tanto texto (com vigorosa brevidade), como ilustrações, retratos e relevos, pelos quais os sentimos, a memória e a inteligência dos estudantes sejam todos os dias estimulados. (COMÉNIO, 1996, p.291). 17 Comenius institui em sua proposta os mesmos critérios da manufatura, ou seja, o trabalho que era feito por um único mestre passa a ser dividido por vários professores, sendo colocado um professor para atender um coletivo de alunos, o material didático (instrumentos de trabalho) passa a ser uniformizado e personalizado para cada série, o trabalho acontece num espaço físico fechado (salas de aulas) e adaptado para o ensino simultâneo, tudo visando à economia de tempo e de fadiga. Ainda que tenha sido formulada no século XVII a proposta de Comenius só foi se difundir na passagem do século XIX para o XX, quando a educação escolar passou a ser necessária para o desenvolvimento social e a sociedade apresentou condições materiais que permitiram sua expansão. 1.2 JEAN JACQUES ROUSSEAU E O PRECEPTORADO Jean-Jacques Rousseau nasceu a 28 de junho de 1712, filósofo, escritor e teórico político, sua ideologia era pautada em: visão de total liberdade no estado de natureza do homem, vontade geral, educação centrada na criança, amor-próprio, soberania do povo, liberdade positiva. Liberdade esta que para ele era nato da natureza humana, faleceu em 02 de julho de 1778, hospedado num castelo em Erminonville, mas ainda hoje é um provocador de idéias sobre a bondade natural humana. O preceptorado era uma forma de organização do trabalho didático que já existia desde a antiguidade e se manteve como alternativa para a educação da elite, mesmo depois de formulada a proposta do ensino simultâneo, por Coménio, no século XVII. Exemplo disso é a proposta educacional de Jean Jacques Rousseau, que fica muito clara em sua obra, particularmente em um de seus livros mais conhecidos: Emílio ou da Educação. No preceptorado a relação educativa era individualizada e se dava entre o mestre e seu discípulo, sendo, no caso do Emílio, uma educação que não era formal, geralmente em locais abertos e variados como jardins, varandas, salas. O mestre era detentor de toda a sabedoria da época,quando contratado por famílias ricas, mudava-se para casa destes, e mantinha-se lá por longos anos, 18 acompanhando o crescimento de seu discípulo desde a tenra idade até a fase adulta, em todas as áreas de conhecimentos. Jean Jacques Rousseau se destacava por não aceitar que as crianças fossem tratadas como adultas, lançando então uma proposta pedagógica que atendesse de modo naturalista a criança, com melhores condições de higiene e atenção. Propunha que fosse respeitada a maturação da criança e com isso ela mesma desenvolveria curiosidade pelos estudos, sendo apenas mediada pela ação de um adulto. Rousseau criou várias obras para programar sua proposta, a mais destacada delas foi Emilio ou da educação, dividido em cinco livros. Nessa obra ele representava o aluno ideal, argumentava que a criança nascia livre, sem pecado e era corrompida pela sociedade. Seu primeiro livro tratava da educação até dois anos de idade, apontando a necessidade de maiores cuidados com a higiene da criança, e negando o pecado original, e destacando a importância de se educar ainda na tenra idade. Tudo é certo em saindo das mãos do Autor das coisas, tudo degenera nas mãos dos homens [...] Antes de falar, antes de entender ele já se instruiu [...] a única arte útil da Medicina é a Higiene. (ROUSSEAU apud ROSA, 2001, p.194-195). O segundo livro abrange a idade que vai dos dois anos até os doze anos, e era considerado o período em que se terminava a infância, contudo ainda existia a ausência de uma educação formal, levava-se em consideração que a criança aprendia sozinha e que se deveria deixar que ela fosse descobrir naturalmente intervindo-se o mínimo possível, esta fase era destinada para o cuidado com o físico. “O ensino deve ser dado através da experiência direta: em qualquer que se possam ter, sem idéia das coisas representadas, os signos representantes não são nada” (ROUSSEAU, apud ROSA, p. 195). No terceiro livro o período de doze anos aos quinze anos, começaria a educação formal, mas ainda baseada na curiosidade do aluno, o preceptor deveria apenas colocar os problemas ao alcance para que aguçasse a curiosidade do aluno. Não seria permitida a adoção de livros, o fundamento moral era utilitarista, e seria 19 iniciada pelas ciências físicas, astronomia, aprenderia através de viagens, e não por mapas ou globos terrestres. O quarto livro atendia alunos de quinze anos a vinte anos, nesta época o aluno já seria amoroso e obediente, e começava uma educação mais formal, que viria para reforçar a formação moral do aluno, alegando que a sensibilidade seria cultivada á partir do flagelo do outros, a pena seria uma premissa para se colocar no lugar dos outros, que deveríamos julgar pelas ações e não pelas palavras. Já o quinto livro era praticamente destinado à educação feminina, ou de Sofia, futura mulher do personagem criado, Emilio, esta seria uma mulher submissa e prendada, despojada de qualquer tipo de vaidade. [...] Sofia é bem nascida, não é bela, gosta de atavios e entende disso; mas, detesta vestidos ricos. Sabe cortar e costurar seus vestidos conhece a cozinha e a copa, sabe os preços dos mantimentos, conhece-lhes as qualidades, sabe fazer suas contas. Tem espírito agradável sem ser brilhante. È modesta e reservada, dócil e obediente. Tem religião baseada na razão, ama a virtude, é casta e honesta. Tem pouca pratica na sociedade, mas é prestativa, atenciosa e põe graça em tudoque faz. [...] (ROUSSEAU, apud ROSA, 2001, p. 197). Rousseau na obra Emilio afirma que a educação vem de três mestres: da natureza, que não depende de nós, dos homens, que seria a única forma sobre a qual seriamos realmente responsáveis, e das coisas, que não dependia, a não ser em certos pontos, dos homens. A natureza seria um hábito e nunca seria mudada à força ou por instituições. As crianças não tendo ainda juízo, não teriam memória, apenas retinham sons, figuras, sensações, mas nunca as ligariam a idéias, por este motivo a educação não deveria ser iniciada antes dos doze anos, pois não teriam domínio de duas línguas, apenas a repetiriam. Com o estudo individualizado do preceptor, seria trabalhado do particular para o geral. [...] Seus dois primeiros anos de geografia serão a cidade onde mora e a casa de campo de seu pai, em seguida, os lugares intermediários, depois os rios da vizinhança, finalmente o aspecto do 20 Sol e a maneira de orientar-se. [...] (ROUSSEAU, apud ROSA, 2001, p.206). Não deveria ser feita a correção do material do aluno, deixando que ele percebesse o próprio erro com o tempo, nunca ensinar, só colocar idéias claras para que ele aprendesse com seus erros. Vindo da premissa natural, Rousseau explicita qual seriam o papel e as necessidades do homem e da mulher, sendo que cada um deveria desempenhar o seu papel sem adentrar ao papel do outro, já que o homem seria apenas dependente de seus desejos, e a mulher dependente dos desejos e necessidades, pois seria apenas educada o suficiente para atender os filhos. [...] nós subsistiríamos mais sem elas que elas sem nós. Para que tenham o suficiente, para que estejam em seu estado, é preciso que nós lhe demos, que nós as estimemos dignas disso. Elas dependem de nossos sentimentos, do preço que damos ao seu mérito, do caso que fazemos dos seus encantos e de suas virtudes. Pela própria lei da natureza, as mulheres, tantos elas mesmas como por seus filhos, estão à mercê do julgamento dos homens [...] (ROUSSEAU, apud ROSA, 2001, p.207). A proposta de Rousseau, de ensino individualizado, não prevaleceu na educação moderna, é uma proposta que só teria validade para uma elite muito restrita, mesmo no seu tempo. Entretanto, suas idéias pedagógicas influenciaram muitas das propostas educativas que surgiram no século XX, especialmente as que se colocaram no movimento da Escola Nova. 1.3 JOSEPH LANCASTER E O ENSINO MÚTUO Com a expansão do capitalismo e a disputa pedagógica, houve também a necessidade de uma universalização da escola, vindo estes fatores a criar uma nova proposta de organização do trabalho didático, chamada de ensino monitorial ou mútuo, que foi formulada por Lancaster e Bell, e que procuraram aproveitar o trabalho dos melhores alunos. Lancaster nasceu em 25 de novembro de 1778, em Southwark, sul de Londres. Precursor da primeira escola gratuita em Borough Road, Southwark, usou como destaque um sistema monitorial, em que o aluno aprende o material a ser estudado e é recompensado ao repassar seus estudos a outros alunos. Sua idéia 21 de r ensinar numa escala bem maior que a proposta comeniana, foi colocada em prática em muitos lugares. Morreu em 23 de outubro de 1838, em Nova Iorque, após ter sofrido ferimentos decorridos de seu atropelamento por uma carruagem. A relação educativa no ensino mútuo se dava entre um professor especializado que atendia os monitores, alunos de maior expressão, que acabariam por se responsabilizar pela educação e bem estar dos outros alunos menos avançados. Havia monitores gerais para cada classe (as classes eram níveis de ensino diferenciados dentro de um mesmo espaço físico) e estes poderiam contar com a ajuda dos decuriões, sub-monitores que se responsabilizavam por ensinar pequenos grupos de dez alunos (decúria). Também havia monitoria para outras atividades escolares, como a vinda da casa até a escola, por exemplo. Contava como material de aprendizagem: a lousa; cartazes e caixas de areia, para exercícios de escrita. O professor encarregava-se de fiscalizar e ensinar os monitores mais velhos decidia quais alunos estavam aptos para passar à outra classe, independentemente do período anual, e definia também a permanência dos alunos nas classes. Lancaster aperfeiçoou o método até atingir uma marca que ultrapassaria o milhar de crianças, seu interesse estava em melhorar o ensino dos filhos de trabalhadores, já que a carência de professores para atendimento estava muito grande. Ele encontrou uma deficiência que afastava os professores preparados: a falta de remuneração adequada. Deve-se lamentar a ausência de lei que fixe, efetivamente, o pagamento dos professores da juventude, para que possam estar seguros de comer o pão pelo qual trabalharam com tanta labuta (LANCASTER apud LANCILLOTTI, 2008, p.3). A grande diferença entre o ensino mútuo de Lancaster e o coletivo de Comenius foi à divisão do trabalho entre os monitores, alunos de maior destaque, mas sem tirar o papel de importância do professor, que escolhia os alunos monitores 22 e os preparava para as funções de monitor além de manter seus estudos em dia, até que fossem realizados exames que o elevassem à classe seguinte. Os monitores por sua vez, recebiam ajuda dos decuriões, que auxiliavam a fiscalizar o avanço dos alunos. As classes poderiam se localizar num salão de igreja ou barracão de fábrica, geralmente lugares grandes e sem divisão para que pudesse alojar oitos classes de estudos, em que os alunos eram agrupados por grau de conhecimento, assim variando a quantidade de alunos por classe. A programação de estudos contava inicialmente com leitura, cálculo, ensino religioso e escrita, sendo que esta última começava pelas caixas de areia em que o aluno copiava com o dedo a letra ensinada pelo monitor, só após bastante treinamento é que se passava ao papel e lápis. Com o tempo as disciplinas foram sendo alteradas e acrescentando desenho para os meninos e costura para as meninas, e ainda o canto, gramática e redação, todas para atender às novas necessidades da sociedade vigente. O ensino mútuo teve ampla propagação na Europa e no Novo Mundo, para muito além das fronteiras inglesas. França, Portugal, Itália, Estados germânicos, Grécia, Bulgária, Dinamarca, Suécia e Rússia o adotaram. Também foi implantado nos Estados Unidos, Canadá, México, Venezuela58, Argentina, Peru e Brasil, e esteve presente na Austrália e no continente africano (Serra Leoa e Senegal), além da Índia. (LANCILLOTTI, 2008, p. 139). Entretanto, em meados do século XIX o ensino mútuo começou a ser criticado devido à falta de formação adequada dos monitores, que acabavam por repassar um conhecimento superficial e mecanizado, não oferecendo meios de avanços aos alunos. Mas não podemos de todo desmerecer este tipo de ensino que emergiu da expansão do capitalismo e a necessidade de novos professores que acabaram sendo formados a baixos custos nas novas escolas. Ao longo do século XIX vigoravam o ensino coletivo e o ensino mútuo, ambos tentando atender as necessidades da expansão escolar. Enquanto o ensino coletivo poderia permitir o atendimento de algumas dezenas de alunos, o ensino mútuo permitiria o de algumas centenas enquanto o preceptorado só servia ao atendimento de um número reduzidíssimo, sendo comum atender apenas um aluno, este último não vingou até porque não atendia as necessidades da sociedade que 23 necessitava muita força de trabalho com instrução elementar para a produção capitalista. O preceptorado permitia atender apenas os filhos da classe alta, enquanto os outros dois modos de ensinar visavamatender os filhos dos trabalhadores que se tornariam mais força de trabalho no futuro. Na transição do século XIX para o XX o Ensino Coletivo ou Simultâneo (Comenius) prevaleceu como forma mais avançada de educação, a mais adequada ao capitalismo, tanto é assim que a organização do trabalho didático das escolas de hoje ainda se mantém no modelo do ensino coletivo, pensado por Comenius no século XVII. Mas, isso não significa que não foram levantadas novas disputas no século XX. A mais marcante delas é a crítica do movimento da Escola Nova ao ensino tradicional e coletivo. Uma das principais críticas é de que a educação coletiva não permite o atendimento das necessidades individuais dos alunos, sendo todos educados da mesma maneira. É nesse movimento que pode ser inserida a obra de Helena Antipoff, autora dedicada à educação de crianças com deficiência mental, abordada nesse estudo. Na educação desses alunos as características individuais são muito consideradas. A psicologia é uma das principais ciências que servem para pensar essa educação individualizada. Jannuzzi (apud, Lancillotti, 2008) aponta essa como sendo uma característica da vertente psicopedagógica em educação especial, na qual Antipoff se encaixa. Vamos procurar indicar que a ênfase psicológica influencia na forma de organização do trabalho didático, ou seja, tem impactos na relação educativa, nos elementos de mediação (conteúdos e instrumentos didáticos) e no espaço físico onde ocorre a educação. 24 CAPITULO 2 A EDUCAÇÃO DOS EXCEPCIONAIS ORGÂNICOS NA PROPOSTA DE HELENA ANTIPOFF – O TRABALHO DIDÁTICO SOB INFLUÊNCIA DA VERTENTE EDUCACIONAL PSICOPEDAGÓGICA O movimento da Escola Nova foi considerado o movimento mais forte de renovação pedagógica, desde a criação da escola pública burguesa. Ele valorizava a autoformação e a atividade espontânea da criança. O aluno deveria ser o autor da sua própria experiência através dos métodos ativos e criativos, que significaram o maior avanço da Escola Nova. John Dewey (1859-1952), Adolphe Ferriére (1879- 1960), foram considerados os pioneiros desta educação, mas muitos nomes se destacaram pela criação de métodos como: Kilpatrick (1871-1965), com o Método de Projetos; Decroly (1871-1931), com o Centro de Interesses; Edouard Claparède (1873-1940), com a Educação Funcional; Maria Montessori (1870-1952), com o método montessoriano; Jean Piaget (1896-1980), com o construtivismo e Roger Cousinet (1881-1973) com o Trabalho por Equipes. Neste trabalho, iremos mostrar dois destes teóricos, John Dewey e Edouard Claparède. Com eles veremos a diferença da escola tradicional e o escolanovismo, que influenciou grandemente a educação em geral e o trabalho de Helena Antipoff, em particular. 2.1 JOHN DEWEY Nasceu em 20 de outubro de 1859 em Vermont, Burlington filósofo e pedagogo, Dewey foi reconhecido como fundador da escola filosófica de Pragmatismo e pioneiro da psicologia funcional. Seu pensamento era desenvolvido em cima de uma educação centrada e desenvolvida em cima do raciocínio e espírito critico do aluno. Suas obras são um tanto densas e de pouco entendimento o que muitas vezes foram mal interpretadas e de prática sempre problemática, mas suas teorias serviram de base para a chamada Educação Progressiva. Escreveu até as vésperas de sua morte em 01 de junho de 1952. 25 Primeiro a formular um novo ideal pedagógico, embasando que o ensino deveria se dar pela ação e não pela instrução, que a educação deveria ser posta no concreto de forma ativa e produtiva, pragmática e instrumentalista. Experiência e Educação é a obra que define sua posição diante da educação tradicional, apontando-lhe as virtudes e defeitos, e está dividida em oito capítulos: Compõem-se de oito capítulos, a saber: 1. A educação tradicional frente à educação progressiva; 2. Necessidade de uma teoria da experiência; 3. Critérios da experiência; 4. Controle social; 5. A natureza da liberdade; 6. O sentido do propósito; 7. Organização progressiva das matérias de estudo; 8. Experiência: os meios e objetivos da educação. (DEWEY, 1967, p.297) A idéia básica do pensamento de John Dewey sobre a educação está centrada no desenvolvimento da capacidade de raciocínio e espírito crítico do aluno. O autor compreende que a educação é um processo de vida e não uma preparação para vida futura e a escola deve representar a vida presente tão real e vital para o aluno como a que ele vive em casa ou no seu bairro. [...] A criança vive em um mundo em que tudo é contacto pessoal. Dificilmente penetrará no campo de sua experiência qualquer coisa que não interesse diretamente seu bem-estar ou de sua família e amigos [...] Opondo-se a isso, o programa de ensino que a escola apresenta, estende-se, no tempo, indefinidamente para o passado, e prolonga-se, sem termo, no espaço. A criança é arrancada de seu pequeno meio físico-familiar _ um ou dois quilômetros quadrados de área, se tanto _ e atirada dentro de um mundo inteiro, até os limites dos sistema solar. A pequena curva de sua memória pessoal e a pequena tradição vêem-se assoberbadas pelos longos séculos da historia de todos os povos. (DEWEY, 1967, p. 300) Com isso Dewey, coloca como prática suas experiências, introduzindo o compromisso com a liberdade e a democracia, propondo que a criança venha para a escola resolver problemas presentes sem pensar em uma escola do futuro. Experiência é uma fase da natureza uma forma de interação pela qual dois elementos que nela entram - a situação e o agente - são modificados. A experiência inteligente participa o pensamento a perceber as relações e continuidades não percebidas anteriormente, esses princípios, baseados no pensamento de Rousseau, orientam a visão de Dewey sobre a educação. 26 A atividade livre e o aprender mediante experiência, eis mais dois pontos que a educação nova tomou emprestado de Rousseau. Senão, vejam; ‘[...] conceder as crianças mais liberdade verdadeira e menos voluntariedade, em deixá-las com que façam mais por si mesmas e exijam menos dos outros’. Op.cit; p.50 ‘Não deis ao vosso aluno nenhuma espécie de lição verbal; só da experiência ele deve receber’ Id, ibid, p. 78. ‘[...] ponde todas as lições aos jovens em ações e não em discurso; que nada aprendam nos livros do que a experiência lhes pode ensinar’. Id, ibid, p. 287. (DEWEY, 1967, p. 301). Para o autor, a educação que a sociedade se perpetua, é pela educação que se transmite à geração mais nova, crenças, costumes, conhecimentos e práticas da geração adulta. A educação é o processo pelo qual a criança cresce, desenvolve- se e amadurece. No processo educativo o individuo e o meio social são fatores harmônicos e ajustados, a escola não deve ser a oficina isolada onde se prepara o indivíduo, mas o lugar onde, numa situação real de vida, o individuo e a sociedade constituem uma unidade orgânica. Dewey acredita que só se aprende o que se pratica, mas não só isso, se aprende com a associação, não se aprende uma única coisa, todo aprendizado tem que estar integrado à vida. O educando deve adquirir uma experiência real, onde o que foi aprendido tenha o mesmo lugar e função que tem na vida. Sua obra ficou mais no campo filosófico, indicando caminhos para o que seria um ensino de qualidade, mais adequado às necessidades da sociedade contemporânea. Ele estabeleceu novos princípios educacionais que vieram servir de base para propostas educacionais que fazem a crítica do ensino coletivo, forma dominante de organização do trabalho didático na educação contemporânea. 2.2 EDOUARD CLAPARÈDE Nascido em Genebra a 24 demarço de 1873, Claparède foi um neurologista e psicólogo do desenvolvimento infantil, que se destacou pelos seus estudos nas áreas da psicologia infantil, da pedagogia e da formação da memória, tendo suas teorias grande repercussão nos movimentos de renovação pedagógica na primeira metade do século XX. Fundou, em Genebra, o Institut Jean-Jacques Rousseau uma escola voltada para investigação da psico-pedagogia, destacando-se que Helena 27 Antipoff nosso objeto de estudo, foi uma das seguidoras de Claparède nesta escola. Morreu em 29 de setembro de 1940, ainda em Genebra. Claparède destaca-se não só pela sua obra Educação Funcional, mas porque sua influência tanto filosófica quanto científica, acabou por desenvolver uma das mais importantes linhas educacionais conhecidas do século XX, o cognitivismo de Jean Piaget, que norteia até hoje a formação pedagógica. Ele começa por alertar que a pedagogia prática não deve acostumar-se com discussões em torno da mesa, mas aprofundar-se em fatos psicológicos e experiências, não se cristalizando em forma de lei, mas fazendo ensaios e tornando- se maleável em vários segmentos. A existência no homem e na criança de aptidões individuais, bem visíveis já que decorrem de uma disposição natural para compreender ou sentir, seriam variáveis de acordo com alguns fatores: sexo e idade. O autor destaca: 1. Existência de diversidades individuais nas aptidões; 2. Necessidade pedagógica de lhes dar atenção; 3. Maneiras de levá- las em conta, reformas por fazer; 4. Maneiras de determiná-las; diagnóstico e seleção. (CLAPARÈDE, 1959, p.140.) Claparède enfatiza a importância da aptidão e do gosto (ou interesse). Se um indivíduo tivesse gosto por determinado trabalho, sem ter a necessária aptidão para isso, ou se tivesse aptidão sem ter gosto, isso faria com que se desenvolvessem maus pintores, maus poetas, ou no caso do aluno, poderia tomar aversão a certa matéria para a qual fosse pouco dotado. Ainda segundo o autor, as aptidões apresentam diferenças de quantidade e qualidade, por isso há alunos que desenham muito bem e outros que seriam verdadeiros poetas, a escola não ignora as aptidões quantitativas, pois em exames e concursos dá notas e classifica o aluno pelo seu trabalho, mas acaba por esquecer- se das diferenças qualitativas que são tão importantes. Ele considera que as escolas vivem num contraponto, enquanto procuram o desabrochar de novas aptidões, não conseguem definir se elas são reais ou aparentes, cita o exemplo mais comum, o aluno que não gosta de matemática, ele não teria aptidão ou algo fez com que repugnasse sua aptidão. Dentro desta premissa encontramos várias aptidões que poderiam se contrapor. 28 [...] os observadores, que tem o espírito voltado para o mundo exterior, e os refletidores, cuja inteligência, ao contrário, se volta sobre si mesma; os intelectuais, sempre com o nariz nos livros, e sempre perguntando, e os manuais que gostam acima de tudo ‘fabricar’, e de criar. E os intelectuais podem por sua vez, subdividir- se em críticos, e em imaginativos (que tem espírito de argúcia) e em lógicos (que manifestam espírito de geometria). Oswald, como se sabe, dividiu os espíritos em clássicos (eruditos, perseverantes, de produção consideravelmente lenta) e em românticos (originais, de reações rápidas). (CLAPARÈDE, 1959, p. 142). Para ele, o professor não observa sistematicamente seus alunos, atém-se à inteligência global, que se determina tirando a média, sem levar em consideração aptidões particulares, tornando o aluno mediano, a escola transforma isso em algo totalmente nocivo, pois não separa a diversidade de alunos, tratando todos da mesma forma. [...] Esta determinação é, para ela, um ponto de chegada, quando deveria ser um ponto de partida: os fortes, os medíocres, e os fracos não são tratados diferentemente, são obrigados a andar no mesmo ritmo, o que é nocivo, a uns e outros. [...] Não parece suspeitar que uma notação de um processo didático. Uma nota baixa pode às vezes, estimular um zelo de um preguiçoso inteligente. De modo algum, não poderia socorrer uma inteligência insuficiente. (CLAPARÈDE, 1959, p.145.). Claparède desenvolve uma teoria do que seria a “Escola sob Medida”, mas no decorrer de sua obra, ele acaba por notar que nem tudo pode ser aplicado, tentando em si mostrar os pontos positivos e negativos, para que possam ser criados novos mecanismos ou aprimorados os seus. Sua idéia central é assegurar que sejam respeitados todos os tipos de aptidões, numa escola ideal, com programas inteligentes, dando maior liberdade ao aluno. Para que isso aconteça propõe algumas alternativas, como as classes paralelas, subdividindo cada classe em uma classe mais forte, para os mais inteligentes e uma classe mais fraca para os que têm maiores dificuldades em segui- la, sendo que a classe A segue métodos mais abstratos e a classe B métodos mais concretos, mas sempre dialogando consigo. Penso poderem ser imediatamente tentados ensaios e experiências deste gênero, sem que fosse preciso mudar nada em qualquer lei, nem em qualquer regulamento e, somente a condição de que dois 29 professores de classes paralelas, ou professores especiais funcionando nas mesmas classes [...] (CLAPARÈDE, 1959, p. 151). Classes móveis, sistema que permite ao aluno seguir em graus diferentes nas diversas matérias, o aluno que fosse forte em matemática avançaria, enquanto que se ele tivesse dificuldades em latim, freqüentaria uma classe mais fraca que atendesse suas necessidades, em contrapartida ele alega que esse sistema traria dificuldades de aplicação, de horário e de promoção. As seções paralelas seriam a criação de seções clássicas, real, técnica, pedagógica, e em paralelo a instituição de escolas profissionais, de artes e ofícios, e comércio etc., com isso possibilitaria escolhas e beneficiaria a cultura de aptidões, levando a caminhos e desenvolvimentos diferentes. As opções, os meios demonstrados até aqui só satisfazem metade das aspirações de uma escola ideal, já que ela é feita para o aluno médio. Para Claparéde o individuo é tudo na sociedade e no interesse da coletividade, por isso seria necessário maior rendimento possível, em suma, o indivíduo trabalharia para a sociedade e esta trabalharia para o individuo. A escola, feita para a média, levará algum dia em conta os casos individuais? Não se pode também ter uma escola para cada aluno! E, no entanto, é preciso resolver este problema, pois, enfim, nas nossas sociedades, o indivíduo é tudo. No próprio interesse da coletividade, é necessário ser o individuo capaz do maior rendimento possível. (CLAPARÈDE, 1959, p.157). Claparède afirma que a escola acaba por adaptar a mentalidade do aluno, e usa a metáfora do alfaiate, que antes fazia as roupas sob medida, e agora, ao contrário, os professores colocam um mesmo tamanho para todos os alunos, trabalhando sem respeitar o indivíduo. A solução seria que fosse permitido o aluno agrupar elementos favoráveis ao desenvolvimento futuro, diminuir consideravelmente o número de horas obrigatórias para a semana, deixando margem para combinações. Tomando por base vinte horas semanais, poderiam ser ofertadas dez horas de ensino, comuns a todos os alunos, nas quais os alunos teriam acesso a conteúdos básicos. Estas seriam combinadas com dez horas de atividades que seriam escolhidas pelo próprio aluno, em cursos gerais que se ajustassem ao seu gosto. 30 A inteligência tem um mesmo mecanismo geral, mas as matérias a que se aplica variam muito e às vezes isso causa dificuldades, pois nem todas as matérias acompanhama aptidão do aluno, nem oferecem meios favoráveis para desenvolver a inteligência e desenvolver o indivíduo para a sociedade. A psicologia propõe técnicas para atingir a criança, o método dedutivo é impregnado de incertezas, o desenvolvimento da criança só pode ser verificado por experiência, substituir a lógica adulta, pela psicologia infantil, e o trabalho individual, pelos trabalhos coletivos, já visando sua convivência em sociedade. O mestre sai da frente e passa aos bastidores, organizando o meio favorável para despertar o aluno para suas necessidades intelectuais e sociais. Para se realizar uma reforma, seriam necessárias duas coisas: pesquisa científica e preparação de professores para a observação e experimentação. 1. Intensificação das pesquisas cientifica relativa á criança e ao desenvolvimento mental; 2. Preparação especial dos futuros educadores, e isto sob o duplo ponto de vista: primeiro para conservá-los cientes dos resultados das pesquisas psicológicas e das novas normas decorrentes para a educação e a instrução; e, em segundo lugar, para dar aos próprios educadores, tanto quanto possível, o espírito cientifico, isto é, a aptidão de se espantar diante dos fatos de sua vida quotidiana, e o desejo de inquirir esses fatos e procurar obter deles uma resposta, aplicando-lhe a observação metódica e a experimentação. (CLAPARÈDE, 1959, p. 166.) A flexibilidade seria o fator mais importante para desencadear o desenvolvimento, cristalizar um sistema seria negar a liberdade, Claparède esteve atento às críticas de que os métodos da Escola Nova deixariam as crianças “fazerem tudo o que querem”, e salienta que não há nada de errado em deixar fazer tudo que se quer, se tudo estiver certo, deseja-se que as crianças atuem e não que sejam atuadas, isso desenvolverá sua personalidade. Claparède atua em uma época em que a infância estava em alta como objeto de estudo científico de uma sociedade de processo industrial e disseminação do interesse das redes públicas de ensino, fazendo com que muitos aderissem às suas idéias, é o caso de Helena Antipoff, nosso objeto de estudo, nas experiências advindas de sua temporada como discípula de Claparède, no Instituto Jean Jacques Rousseau. 31 Como se viu, a partir do movimento da Escola Nova, principalmente do pensamento de Dewey, surge um grande esforço dos educadores de transferir o centro do processo educacional do professor para o aluno, a psicologia começa a ganhar destaque como ciência de apoio da pedagogia. Esse movimento tem grande impacto sobre a educação do deficiente mental, que se faz sentir até os dias de hoje. Sobre essa base foi elaborados manuais para professores que atenderiam os alunos com deficiência, assunto que trataremos no próximo capitulo. 32 CAPITULO 3 ANÁLISE DO TRABALHO DIDÁTICO NA PROPOSTA ANTIPOFFIANA A PARTIR DOS MANUAIS: “EDUCAÇÃO DO EXCEPCIONAL” 3.1 DA EDUCAÇÃO DO DEFICIENTE MENTAL Um breve histórico sobre a educação do deficiente, contida na obra de Otilia Antipoff, mostra que apenas no século XVIII a deficiência mental foi diagnosticada, até então não havia qualquer distinção entre doença, castigo de Deus, ou possessão por espírito maligno, como elementos causadores de deficiência. Embora houvesse uma descrição sobre a Imbecilidade e o Idiotismo, a deficiência mental ainda não era um fato, pois até aquele momento só sobreviviam aqueles que não tivessem uma aparência muito acentuada de anomalia, considerados pela Bíblia e pelo Corão como fracos de espíritos. Encontramos na literatura alusões ao que seriam os “Bobos da Corte” ou Bufões para o divertimento de Nobres e Abastados, estes foram retratados por pintores celebres biógrafos que deixaram para historia alguns como Gabba, Bufão do Imperador Augustus ou o companheiro inseparável do astrônomo Tycho Brache a quem ele dava um alto valor aos seus grunhidos como sendo revelações divinas ou demoníacas. Segundo Ottilia Antipoff, o pior momento da história dos deficientes mentais, ocorreu no Renascimento, mais pontualmente no período da Reforma, quando tornaram-se vitimas do ódio de certas populações que acreditavam serem eles portadores de espíritos demoníacos, infligindo castigos e tratamentos como se fossem apenas “massa de carne sem alma” 33 Tais seres nada mais são do que uma massa de carne sem alma. Faz parte do poder do diabo corromper as pessoas dotadas de razão e de alma quando ele as possui. O diabo ocupa nesses seres o lugar da alma (MISÈS apud TAVARES, 2009, p.3). Só a partir do final do século XVIII é que a medicina começaria a tomar conhecimento da deficiência mental, apesar das informações que em 1534 na Irlanda já conseguiam distinguir o Idiota, deficiência de nascimento, do Lunático, que ficou doente. A palavra Idiota nasceu na Grécia antiga e significava “homem comum, leigo, sem sofisticação”, mais tarde se tornaria em homem “mal informado, ignorante” tornando-se conotação final para os deficientes mentais. O termo Imbecilo vem dos Romanos e significava “homem fraco” para qualquer forma de debilidade, era considerado um comprometimento menor que o idiotismo. A partir do século XIX, houve um aumento significativo de estudiosos na psicologia patológica, permitindo assim o progresso da psicologia experimental. Pinel (1745-1826) e Esquirol (1772-1840), médicos franceses atuantes no inicio do século, dedicaram-se à demência precoce hoje conhecida como esquizofrenia. Na passagem do século XVIII para o XIX o médico francês Jean Marc Gaspard Itard (1774-1838), propôs um programa educativo individual para um menino selvagem que ficou conhecido como Victor de Aveyron2. Edouard Séguin (1812-1880) aluno de Itard foi muito encorajado e elogiado por sua dedicação ao tratamento da idiotia recebendo, em 1842, do governo Frances, a direção do Hospice des Incurables que abrigava e educava dezenas de crianças com problemas de desenvolvimento, em 1846 ele publicou o Traitement Moral, higiene, et education des Idiots, considerado o primeiro manual dedicado à educação do deficiente mental. Séguin dizia que havia dois tipos de idiotia, uma com suscetível melhora quando fossem tratadas as lesões do sistema periférico nervoso ou de seus órgãos 2 Um menino de hábitos selvagens encontrado na virada do século XVIII para o XIX nas florestas do Sul da França, com idade estimada em torno dos 12 – 15 anos de idade, chamado posteriormente Victor. 34 receptores com diversos treinamentos musculares, nervosos, de imitação ou das funções reflexas. Outro tipo de idiotia era intratável quando provocada por deficiências ou lesões do sistema nervoso central, considerava a deficiência como questão institucional, levando assim a França a criar as primeiras instituições governamentais para deficientes em Bicétre e Salpetriére3. No campo da educação Johann Traugott Weise, em 1820, trouxe um trabalho publicado dos meios e métodos da educação da criança retardada, sendo uma das primeiras publicações mais detalhadas da educação da criança com deficiência mental que acabou dando origem a Simpósios e uma serie de publicações a respeito da educação da criança com deficiência mental. Contudo em 1905, Alfred Binet destacou-se ao criar instrumento para a identificação de deficiência mental, a Escala Métrica de Inteligência, a partir desta contribuição, o conceito de idade mental começou a diferenciar os vários graus decomprometimento, até aquele momento só conheciam a diferença entre idiotas e imbecis, tratáveis e não tratáveis. A escala métrica de inteligência passou por varias revisões ao longo dos tempos adequando-se as condições da época sendo utilizada até na 1ª Guerra Mundial, com o intuito de selecionar em menor tempo possível homens para constituir o exército dos aliados, em 1939 somente a escala de Wechsler pode se equiparar e até em alguns casos ultrapassar a primeira escala que havia se tornado um instrumento valioso para medir o desenvolvimento intelectual de crianças e adolescentes, podendo ser utilizado por adultos. Só partir do século XIX com o movimento escolanovista, o processo de educação e saúde obtiveram progressos, a criança passou a ser o centro das atenções e preocupações de como seriam orientados para se tornarem os adultos do futuro. O Instituto Jean Jacques Rousseau se tornou um dos maiores centros de pesquisa sobre psicologia e educação da criança, com inúmeras pesquisas como, Psicologia da Criança e Como Diagnosticar aptidões nas Crianças. 3 Salpetriere abrigava em 1778, cerca de 8000 (!) pessoas entre pobres, doentes físicos e mentais. Assim aconteceu em vários lugares com vários médicos tomando a saúde mental como área de interesse. 35 O suíço Edouard Claparède foi, em 1912, um protetor técnico em prol da educação, orientando em psicologia inúmeros estudantes, como Piaget e Andre Rey, no domínio de inúmeras técnicas para testar crianças comprometidas intelectualmente. Tanto Claparède como Andre Rey estiveram no Brasil a convite da Professora Helena Antipoff, também ex-aluna do Instituto de JJ Rousseau e discípula de Claparède. No Brasil a preocupação com a educação do deficiente mental só foi ganhar maior importância a partir de 1900, quando o Dr. Carlos Eiras apresentou monografia intitulada “Da educação e tratamento médico pedagógico dos idiotas” no 4º Congresso de Medicina e Cirurgia. Somente em 1903 no Brasil, configurou-se o 1º Pavilhão para menores doentes mentais, sob a orientação do doutor Juliano Moreira, um anexo do hospital psiquiátrico da praia vermelha no Rio de Janeiro, transformando se em 1940 no hospital de neuropsiquiatria infantil de Engenho de Dentro, onde se concentrou o tratamento de doentes mentais inclusive com assistência pedagógica. Sendo considerados como pioneiros na efetiva assistência à saúde mental, o Dr. Juliano Moreira, Fernandes Figueira e Basílio de Magalhães tiveram artigos reunidos num só volume que se tornou uma obra de peso do que diz respeito dos problemas dos excepcionais sob o titulo de “Tratamento e educação das crianças anormais de inteligência”. Apesar desses pioneiros, o problema da educação do deficiente mental só se tornaria objeto de atenção pública com a vinda de Helena Antipoff ao Brasil, em 1929. 3.2 A PROPOSTA ANTIPOFFIANA DE EDUCAÇÃO PARA O DEFICIENTE MENTAL Helena Antipoff, durante sua vida, teve um trabalho intenso em prol da educação dos excepcionais, seus princípios inspiraram inúmeras experiências de educação especial em todo país, particularmente para o deficiente mental e 36 inspiraram a elaboração de alguns textos de apoio aos professores que desejavam atender este tipo de aluno. Helena Antipoff, nasceu em Grodno-Russia no dia 25 de março de 1892,em São Petersburgo diplomou-se no Curso Normal, transferiu-se para Paris, onde obteve o bacharelado de Ciências em 1911. Durante as palestras de Pierre Janet e Henri Bérgson, interessou-se pela psicologia, vindo a estagiar no Laboratório Binet- Simon, aonde veio a ser instruída para medir a capacidade intelectual de crianças em idade escolar. Aluna da primeira turma do Instituto Jean Jacques Rousseau-IJJR, em Genebra, diplomou-se psicóloga com especialização em Psicologia Educacional. Assistente de Édouard Claparède aprendeu os preceitos da Escola Nova e do Método da Experimentação Natural4. Convidada pelo então secretário de Saúde Pública e Instrução, de Minas Gerais, Francisco Campos, Helena Antipoff chega ao Brasil em 1929, com a missão de trabalhar na Escola de Aperfeiçoamento dos professores da rede primária. Com a nova proposta de aliar a teoria e a prática - o ensino teórico da psicologia era acompanhado com experiências concretas no laboratório – ela organizava classes homogêneas a partir de testes, visando equalizar o ensino de acordo com o nível de inteligência. Criadora do Teste MM (Minhas Mãos), em 1943, técnica que permitia diagnosticar objetivamente traços da personalidade, verificando assim aptidões, sinais de interesse e sinais de inteligência, um teste simples, de conteúdo universal e aplicável em pessoas de qualquer idade e nível cultural que fossem alfabetizadas. “Excepcional” 5 foi o termo sugerido por ela para se referir às crianças que de certa forma estavam fora da normalidade, já que “retardado” trazia consigo a 4 O método de experimentação natural introduz “[...] uma maior precisão nas observações, forçando o observador a anotações contínuas”. Além disso, partia do pressuposto de que a observação do sujeito em atividade, escolhendo ativamente modos de ação, tornaria mais visível suas inclinações psicológicas. Tratava-se, além disso, de um método que poderia ser utilizado pelos próprios professores, visando ao desenvolvimento de uma verdadeira “pedagogia experimental”, projeto longamente acalentado por Claparède e também por Helena Antipoff. (CAMPOS, 2003, p.216). 5 O conceito de excepcional surgiu em 1930 com larga aceitação, por ser mais abrangente e menos pejorativo, afastando assim padrões considerados inadequados. Segundo Ottilia, eram divididos nas seguintes classes: ANORMAL – Utilizado para definir o retardado mental ou o “tarado” da linguagem popular, podendo ser aplicado tanto no superdotado com no infradotado. RETARDADO OU ATRASADO – Expressão ambígua que abrangia uma acepção de ordem administrativa e uma psicológica: a) Retardado Escolar – Aplicado as crianças em comparação com outras da sua idade, apresentam atraso, necessitando de uma educação especializada. b) Sentido 37 estigmatização, situação que, em sua opinião, poderia ser revertida com medidas psicopedagógica adequadas, promovendo programas de reeducação para os excepcionais “orgânicos”, portadores de distúrbios de origem hereditária e os excepcionais “sociais”, aqueles cujas convivências sociais ou familiares impediram uma estimulação adequada para o seu desenvolvimento. Seu trabalho embasado em experimentação e prática detalhava as necessidades e problemas encontrados ao lidar com vários graus de deficiência mental, tornando este atendimento único e individualizado, atendendo assim a necessidade de cada aluno e suas especificidades. Vale dizer que ela trabalhou com alunos que apresentavam anormalidade mental: A anormalidade mental, como certas formas de alienação mental, não são conceitos absolutos e sim relativos. O que torna o individuo anormal e, por mais vezes que ele não se ajeita às condições de sua família, de sua escola, do seu emprego, enfim da sociedade em que está vivendo. E não se ajeita, porque sua inteligência, o seu caráter, as suas aptidões ficam aquém ou além das exigências que o dado meio lhe apresenta. O resultado é uma desadaptação permanente e que se traduz ora por passividade deprimente, ora por uma agitação perturbadora pelas atitudes anti-sociais de brutalidade ou revolta surda, ora por manifestações doentias [...]. Sua característica mental é predominância dos instintos sobre os processos racionais. (ANTIPOFFApud, DIAS, 1995, p.49, grifo nosso). Como já se indicou ela denominou a esses alunos de “excepcionais”, mas estabelecia uma diferença entre os excepcionais sociais e os orgânicos, sendo que os “excepcionais orgânicos” seriam as crianças que tivessem alguma anomalia visual, motriz, de linguagem ou mental de constituição patológica e com perda cognitiva, nervosos ou não. E os “excepcionais sociais” seriam as crianças com mais restrito – Caracteriza crianças portadoras de déficit intelectual, deficiência esta que pode acarretar atraso escolar. DEFICIENTE – Termo ainda utilizado freqüentemente, porém inadequado quando se trata de crianças com problemas de conduta ou doenças mentais, o termo define que a criança é uma exceção, mas não constitui um déficit propriamente dito, melhor se aplica aos surdos, os cegos, e os deficientes sensoriais. IRREGULAR – Expressão utilizada por alguns educadores Belgas. Aplica-se a criança que tende para a delinqüência, bem como para as que apresentam deficiências mentais, tem conotação pejorativa. DESADAPTADA OU DESAJUSTADA – A criança excepcional geralmente é desadaptada, porém é inadequado atribuir uma qualidade inerente sem possibilidade de sofrer modificações, pode-se, ou não, a adaptar-se. 38 anomalias de caráter, sem deficiência intelectual, indisciplinadas, perversas moralmente, nefastos. Neste estudo centraremos a atenção em sua proposta educacional para os excepcionais orgânicos, tal como aparece nos manuais “Educação do Excepcional” (v.1 e v.2), escritos por sua nora Ottilia Braga Antipoff e apresentados pela própria Helena com as seguintes palavras: Há livros que se folheiam rapidamente para logo deixá-los descansar nas estantes mais como ornamentação; outros há cuja a leitura prende de tal modo o leitor que este vem sorvendo seu conteúdo até a última pagina, com crescente interesse;outros livros servem para formar o espírito de quem os possui. São guardados como tesouros, junto aos outros volumes-amigos,mestres de predileção; há obras que nos formam profissionalmente: são repositórios de conhecimento básicos, indispensáveis ao desempenho da profissão; há ainda aqueles que são nossos servidores a toda hora,os vade-mécum, aos quais recorremos para lembrar fatos esquecidos ou que ajudam nas dificuldades com informações praticas”. (ANTIPOFF, H. apud ANTIPOFF,O. B., 1974,p.9). Com esta citação de Helena, começamos a descrever uma obra que foi desenvolvida durante muitos anos com um único propósito: servir de guia à prática educacional para os excepcionais, buscando garantir uma melhora significante da qualidade de vida destes alunos. A obra escrita por Ottilia Braga Antipoff, em dois volumes, foi publicada pela Sociedade Pestalozzi do Brasil, em 1974. A autora contou também com a colaboração de Daniel Antipoff (seu marido e filho de Helena Antipoff) e Eunice Rabelo Mourão; como já se indicou, o trabalho foi prefaciado pela própria Helena Antipoff, que foi a grande estimuladora para a elaboração do trabalho. É o que indica Ottilia Antipoff na introdução da obra: As obras estrangeiras, traduzidas para o português são poucas e nem sempre accessíveis ao professor. Foi, sobretudo, esta a razão que nos levou, estimulados pela grande mestra Helena Antipoff, a reunir neste livro algumas experiências que, sob sua inspiração, foram feitas até então e que poderão ser úteis ao educador. Aqui incluímos noções básicas que ele não deve ignorar, porém, demos maior ênfase aos exercícios e soluções práticas que poderão ser utilizadas no seu dia a dia. (ANTIPOFF,O. B., 1974, p.19). 39 Ottília Antipoff atuou ao lado da precursora em suas experiências na Fazenda Rosário6, seus manuais consistem em material riquíssimo que serve para a análise da organização do trabalho didático da educação especial, pois descrevem claramente métodos, ambientes e materiais, além dos conteúdos a serem utilizados pelos professores que se dedicavam a estes alunos. O primeiro volume de seus manuais traz uma descrição histórica-clínica-pedagógica desta caminhada de Helena Antipoff e dos Excepcionais e, no segundo volume, trata de forma mais detalhada a questão educacional propriamente dita: Educação Perceptiva, Dislexia, Ensino da Matemática, Atividades Artísticas, Exame Vocacional, suas normas e metodologias, dentre outros temas que envolvem as diversas formas de deficiência. Em novembro de 1932, Helena Antipoff fundou a Sociedade Pestalozzi em Belo Horizonte, equipada com médicos, enfermeiras e educadores, esta equipe médico-psico-pedagógico atendia crianças de grupos escolares e seus familiares, com o apoio de médicos amigos que cediam seus gabinetes, deslocavam-se até as periferias para o atendimento quando afastados do centro. Ottilia Antipoff fazia parte desta equipe, vindo a desenvolver mais tarde a obra objeto de nossa análise, semanalmente a equipe reunia-se para ouvir e dar orientação e conselhos a todos os interessados na educação dos anormais, termo ainda usado para designar os deficientes mentais, em 1934 o governo de Minas Gerais atendia as reivindicações da Sociedade Pestalozzi, construindo um pequeno prédio, com 04 salas, gabinetes médico e psicológico, um laboratório para pesquisas clinicas comuns e de endocrinologia repleto de equipamentos e cobaias. Nas amplas varandas e nas áreas descobertas, os alunos selecionados dos Grupos Escolares da Capital e do Abrigo de Menores Afonso de Morais, por incapacidade de aprendizagem ou desajustamento de conduta, completavam suas atividades escolares e de educação psico-motora com atividades manuais e agrícolas em regime de semi-internado. As oficinas, hortas e serviços domésticos 6 A Fazenda do Rosário foi criada por Helena Antipoff em 1940, mantida pela Sociedade Pestalozzi, era um internato de excepcionais, principalmente filhos de pais necessitados ou crianças advindas do abandono social, atendia crianças que se afastavam das “Normas de inteligência”, funções senso motoras desenvolvimento emocional. Sua finalidade não era alfabetizar ou ensinar matemática ou outras noções acadêmicas, mas dar experiências e conhecimentos úteis para sua integração na sociedade sempre de acordo com suas possibilidades. Na Fazenda do Rosário em 1966, funcionava o curso de formação de professores especializados para as classes especiais, eram docentes primárias com no mínimo dois anos de prática de ensino, o tempo de duração do curso era de um ano letivo e caracterizava-se pela seriedade e intensidade dos trabalhos realizados sob a supervisão de Helena Antipoff em Minas Gerais. 40 constituíam parte integrante da educação e pacientes estudos pelo método Lazoursky (experimentação natural) eram submetidos ao rigoroso controle dos estudos científicos. (ANTIPOFF, O.B., 1974 p. 34) O governo de Minas Gerais mantinha financeiramente o trabalho de professores especializados no Instituto Pestalozzi criado em 05 de Abril de 1935 por influência e acompanhamento da Sociedade Pestalozzi que se responsabilizara pela orientação técnica, no intuito de minorar a miséria moral em que se encontravam os menores do Abrigo Afonso de Morais. Com isso a Diretora e educadora Ester Assunção, formada na 1º Turma da Escola de Aperfeiçoamento7, matriculou 50 menores dos mais variados graus de deficiência mental até graus superiores de inteligência que ofereciam condutas anti- sociais e extrema agressividade, mas que se caracterizavam por aptidões especiais na mecânica, pintura, poesia,
Compartilhar