Buscar

Pensando_Geografia_Brasileira

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1
2
PENSANDO A GEOGRAFIA BRASILEIRA DO COMEÇO DO SÉCULO XXI
Conferência proferida no 4o Encontro Nacional da ANPEGE (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia), São Paulo, 23 de março de 2002.
Roberto Lobato Corrêa
Departamento de Geografia
UFRJ
	Pensar o futuro é sempre uma tarefa difícil. Constitui-se em ato político porque envolve, direta ou indiretamente, as condições de existência e reprodução de seres humanos. Pensar o futuro no plano da vida de uma comunidade acadêmica nos impõe um auto-exílio, isto é, o dever, ou ao menos o esforço, de não pensá-lo com base em nossos valores, crenças e expectativas, mas de acordo com os interesses e contradições de uma comunidade, a dos geógrafos, que se caracteriza pelo pluralismo. Contudo, no processo de se pensar o futuro a nossa marca, constituída por um conjunto de valores, crenças, expectativas e limites, deverá fazer-se presente nesse pensar.
	Esta conferência está dividida em três partes. A primeira diz respeito às bases para se pensar o futuro, tentando evitar que isto se transforme em um ato leviano e inconseqüente. A segunda refere-se a três pontos, de natureza metodológica, que julgamos relevante ressaltar. Finalmente, na terceira parte apresentaremos uma proposição de eixos temáticos, visando a reflexão e a crítica por parte da comunidade geográfica.
I – Para se Pensar o Futuro
	Três pontos devem ser considerados para se pensar o futuro em termos da geografia brasileira. Certamente outros poderão ser levantados mas os que serão considerados ajudam a encaminhar a proposição dos eixos temáticos que em breve será feita.
	Para se pensar a geografia brasileira do futuro próximo, mas também a de outros países, é fundamental levar em conta o processo de globalização. Esta é entendida como sendo a fase superior da espacialidade capitalista, na qual toda a superfície terrestre está, de modo desigual, afetada pela ação de grandes conglomerados financeiros a industriais, capazes de remodelar a organização sócio-espacial herdada de um passado não muito longínquo. Associada à ação das grandes corporações multifuncionais e multilocalizadas está uma política aparentemente neo-liberal, envolvendo poderosas entidades supranacionais e Estados leves e dóceis na maioria dos casos.
	Ao remodelar a organização espacial, muitas vezes, de modo dramático e traumático, a globalização acaba obrigando os geógrafos a repensar a geografia que produzirão; na verdade muitos já o fazem. Temas associados às transformações no mundo agrário e na rede urbana, por exemplo, estão impregnados de efeitos advindos da globalização. As brutais transformações envolvendo o mercado de trabalho também dela decorrem.
	Pensar o futuro implica também em se estabelecer um limite de tempo, no qual o pensar faz sentido, estando assentado em uma realidade que pode se reproduzir. Acreditamos que 15-20 anos seja um limite aceitável para se pensar o futuro, em um mundo que gira cada vez mais rápido, em que o ritmo das mudanças, ainda que desigual segundo diferentes sujeitos e objetos, é enorme. O prazo de 15-20 anos foi considerado em virtude de dois aspectos. Primeiramente, porque neste prazo as formas espaciais criadas pela ação humana em um passado mais ou menos próximo – algumas há muito tempo – ou a serem imediatamente criadas, estarão em plena funcionalidade, cumprindo papéis para as quais foram concebidas e criadas. Mesmo refuncionalizadas, suas localizações serão mantidas. As formas espaciais, como afirma Milton Santos, desempenham um significativo papel no devir imediato. Em segundo lugar, 15-20 anos em razão de que muitos de nós, nossos discípulos e os discípulos destas, estarão em plena atividade, ensinando e pesquisando. Há, assim, uma real possibilidade de se pensar na prática profissional que vigorará em um futuro acessível. Mas nós somos responsáveis pelo futuro. Ao menos em parte, por intermédio de nossa prática, daquilo que estaremos difundindo, daqueles que contribuiremos para formar. Parafraseando o filósofo, que o futuro, ao convocar o passado para julgar o presente, não nos coloque no banco dos réus. Como o futuro é, em parte, construído pelo presente, a nossa responsabilidade é enorme.
	Pensar o futuro da comunidade não pode prescindir de considerar a própria tradição da geografia brasileira. Tradição no sentido do peso dos quase 70 anos de existência enquanto uma disciplina universitária. À tradição acrescenta-se a força de dezenas e dezenas de cursos de graduação e de mais de 20 programas de pós-graduação existentes no país. A diversidade deste universo, segundo objetivos e interesses, e a heterogeneidade, considerada segundo a qualificação profissional de seus membros, devem ser considerados tanto quando se pensa em eixos temáticos, como quando se pensa em uma política de aperfeiçoamento.
	É a partir destas bases que se pode, com alguma segurança, pensar o futuro da geografia brasileira.
II – Três Pontos Metodológicos
Pensar a geografia brasileira do futuro imediato nos leva a considerar, entre possíveis outros, três pontos, visando contribuir para a reflexão necessária sobre a geografia brasileira das duas próximas décadas.
O primeiro ponto refere-se ao pluralismo metodológico. A partir do início da década de 1980, como resultado de um processo em curso na década anterior, verifica-se o fim da ortodoxia nas ciências, em particular nas ciências sociais. Por ortodoxia estamos nos reportando à adoção, por parte dos pesquisadores, de um único modo de se produzir conhecimento científico. Modo este considerado como que estruturalmente pronto, com regras definitivas e plenamente coerente internamente.
A década de 1980 evidenciou a ênfase em heterodoxias, as quais incluíam a possibilidade de um dado pesquisador considerar distintas abordagens e, ao mesmo tempo, um dado campo específico ser passível de diferenciadas abordagens. Paul Feyerbend falaria em “contra o método” e James Duncan referir-se-ia à heterotopia epistemológica em relação à denominada nova Geografia cultural. Paralelamente o mundo real, em rápido processo de transformação, impunha novos questionamentos e novas lógicas espaciais. Tornaram-se claras as inúmeras possibilidades de se analisar o mundo real, sem implicar que o espírito crítico fosse abandonado.
Passa-se a conviver, sem, contudo extinguir os conflitos, com várias abordagens: positivista, neo-positivista, historicismo, neo-historicismo, materialismo histórico e dialético e outras. Os aportes da filosofia e das humanidades são enormes e, sem dúvida, impregnou a geografia. Também novas perspectivas nas ciências naturais beneficiaram a geografia.
A pós-graduação é, sem dúvida, a matriz e o reduto do pluralismo. Este nasce na academia e é nela que se dão os embates e, ao mesmo tempo, nela luta-se para que ele seja preservado. Isto significa dizer que temos que conviver com o pluralismo na geografia, aceitando-o como salutar, como fonte de avanços porque impregnado de contradições. Conceber a geografia monocentrada metodologicamente é pensá-la como se fosse um conhecimento técnico e encaminhá-la para o seu próprio fim. Devemos conviver e respeitar as diferenças. Saibamos conviver com estudos urbanos lefebvrianos e aquelas análises calcadas no geoprocessamento, análises à procura de determinações gerais e análises privilegiando a contingência, análises centradas em explicações e análises centradas na compreensão weberiana, estudos visando a identificação de padrões e processos e estudos privilegiando a análise dos significados, quadros de referência, estudos exploratórios e estudos de casos. Afinal, tudo isto constitui-se em enorme riqueza que permite à geografia inúmeros caminhos para analisar o mundo real. Os nossos caminhos, muitas vezes transformados em roteiros devocionais, não podem ser, de forma nenhuma, impecilhos a aqueles que julgamos diferentes.
É preciso, contudo, ressaltar que o pluralismo não pode ser visto como um fim em si mesmo. Resultado da complexidade do real e das possibilidadesdo pensamento, socialmente criados, o pluralismo deve ser concebido como forma de generosidade, que permite dar conta do multifacetado “mundo da vida”, possibilitando dar inteligibilidade tanto à sociedade como ao indivíduo, lutando contra a desigualdade e a favor das diferenças de modo de vida, contra a homogeneização e a favor da heterogeneidade. Pluralismo e generosidade podem ser vistos como complementares entre si.
O segundo ponto diz respeito à escala dos estudos geográficos. Estamos nos referindo à escala cartográfica e não à escala de conceitualização, ainda que entre ambas existiam pontos comuns, não sendo uma totalmente estranha a outra. Primeiramente é necessário que tenhamos plena clareza da escala adotada e do significado desta adoção, pois escalas cartográficas distintas têm implicações distintas. Lembramos aqui alguns pontos discutidos por Iná de Castro a respeito da escala. O primeiro refere-se a que uma explicação em uma dada escala não se aplica a uma outra. Por outro lado, a complexidade do objeto não é função da escala e, em terceiro, não há a priori uma escala melhor do que outra, isto sendo função de nossos questionamentos. Assim, ao se selecionar uma região ou uma pequena cidade ou mesmo uma única rua, assim decidimos em razão de nossos questionamentos, produtos da combinação de observações iniciais com referências teóricas.
Mais do que querer problematizar a escala, queremos enfatizar a necessidade de que a geografia brasileira realize estudos em múltiplas escalas. A academia, por intermédio de suas teses e dissertações, tende a produzir estudos preponderantemente em escala micro, isto é, pequenas unidades espaciais: uma pequena bacia hidrográfica e não uma grande, uma cidade e não a rede urbana e assim por diante. É compreensível que assim seja em virtude de limitações institucionais e de recursos. Estudos em amplas regiões são raros, assim como quadros de referência espacial abrangendo uma macro-região ou o próprio país. Mas é preciso considerar que a pós-graduação não é apenas o lugar de produção de teses e dissertações, mas também o lugar de pesquisa por parte do corpo docente, que está livre de rígidos prazos a que os alunos pós-graduandos estão submetidos, podendo ainda ter recursos suplementares para pesquisa. Na elaboração de linhas de pesquisas é importante levar em conta estudos em diversas escalas espaciais, nacional, macro-regional, regional, local. As diversas escalas são complementares entre si, estabelecendo-se relações verticais entre elas: como aquilo que foi descoberto para toda uma macro-região ilumina o nosso estudo relativo a um pequeno lugar; inversamente, como os resultados de nossos micro-estudos alimentam o conhecimento a respeito da macro-região?
Dar conta das diversas escalas espaciais constitui-se em um cuidado que devemos ter ao se pensar a geografia brasileira do futuro imediato.
Finalmente, o terceiro ponto, sem dúvida o mais exposto a conflitos, refere-se a alguns aspectos relativos à natureza da produção acadêmica. As observações estão em grande parte assentadas em mais de 25 anos de participação efetiva na pós-graduação em geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Em primeiro lugar lembremos que a produção acadêmica envolve um longo processo de investigação alicerçado por boas e atualizadas bibliotecas. A investigação implica em uma infindável relação entre pesquisa e reflexão, suscitando uma dedicação por parte dos pesquisadores.
No processo de difusão dos cursos de pós-graduação, sobretudo durante a década de 1990 e certamente no futuro imediato, pouca atenção se dá aqueles pontos. E isto com um certo beneplácito dos órgãos de fomento. Os seguintes pontos são levantados visando trazer à discussão alguns problemas relativos à pós-graduação em geografia e à sua difusão.
Cinco recém-doutores é uma condição necessária mas longe de ser suficiente para se criar um curso de pós-graduação.
Via de regra as bibliotecas existentes são extremamente precárias, não possuindo livros em língua inglesa, francesa ou espanhola, nem periódicos estrangeiros. Resulta disto um atraso sobre os avanços da geografia, o uso de idéias produzidas há algum tempo e tidas como novas e a recorrência à literatura não-geográfica para avançar teoricamente. Neste caso não é surpreendente encontrar em teses e dissertações referências apenas em língua portuguesa e, em grande percentagem, de não-geógrafos. Ressalte-se que não se está adotando uma postura de fechamento às contribuições de não-geógrafos, mas, ao contrário, uma postura visando a que mais contribuição dos geógrafos seja incorporada aos trabalhos geográficos. A citação de idéias fundamentais a partir de autores de segunda ou terceira mão é outra conseqüência da pobreza das bibliotecas.
Os problemas advindos da pobreza das bibliotecas resultam, em parte da política de fomento. Gasta-se mais com passagens aéreas e hotéis para que numerosos e muito pouco produtivos congressos sejam realizados. Ao que parece a compra de livros não dá visibilidade, sendo relegada a um plano marginal.
Entendemos que é necessário uma política mais criteriosa, menos afoita, para a difusão da pós-graduação em geografia. Acreditamos ser preferível poucos e bons cursos do que um número excessivo de pós-graduações precariamente constituídas, que estarão cumprindo o papel de melhorar a graduação sem mudar de patamar. Contudo, resta sempre a esperança dessas assertivas estarem erradas.
III – Uma Proposição de Temas
	Na proposição de um temário, que é sempre uma ousadia, é necessário apresentar alguns pressupostos de forma que a proposição possa ter sentido e ser útil. Estamos pressupondo a continuidade do processo de diferenciação espacial que a globalização engendra. Neste sentido, a tese da homogeneização do espaço, fruto da ação das grandes corporações e aceita por vários pesquisadores, não é incorporada e sim rejeitada. O capitalismo necessita de diferenças sociais e espaciais e o que se verifica é uma re-diferenciação do espaço.
	O segundo pressuposto é o da continuidade do processo de criação e manutenção de um mundo socialmente injusto, amplificando as diferenças sócio-espaciais. Mais do que pressuposto, esta é uma constatação. No caso brasileiro as evidências anunciam a continuidade deste processo.
	Os dois pressupostos são importantes no sentido de sugerirem eixos temáticos para o futuro imediato.
	Pressupõe também reconhecer a trajetória da geografia brasileira, a qual fornece-nos indicações úteis para se pensar o futuro. Há que se reconhecer a existência de tradições de pesquisas solidamente estabelecidas no país. Há também que se reconhecer a existência de lacunas na produção geográfica nacional. Os quase 70 anos de existência de uma geografia acadêmica, por outro lado, nos levam a ver na própria geografia brasileira um objeto de estudo. Por outro lado ainda, a geografia possui questões permanentes; o mundo atual provoca na geografia novas questões. Em outras palavras, na proposição temática deverão ser levadas em conta as tradições, as lacunas, a trajetória da geografia brasileira, as questões permanente e as novas questões.
	A proposição, por outro lado, refere-se às diversas e possíveis escalas espaciais. Finalmente, não proporemos temas, o que seria infindável e enfadonho, mas eixos temáticos, abrangentes cada um deles e não de todo excludentes entre eles. Os eixos temáticos, registre-se, são sugestões para reflexão, não sendo a única e correta possibilidade de se definir linhas de investigação.
Processos e formas da natureza
Os 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro constituem-se em fértil e rico campo para os estudos sobre os processos e formas da natureza. A diversidade, neste aspecto, é enorme. Diversos macro-domínios morfoclimáticos suscitaram e suscitam a atenção de geógrafos: a floresta equatorial nos baixos platôs da Amazônia, a caatinga nos amplos pediplanos sertanejos, a floresta tropical das encostas do planalto brasileiro, o cerrado dos chapadõescentrais e os campos meridionais são os principais macro-domínios. Acrescente-se as zonas de tensão ecológica, a exemplo das áreas de mata seca; ‘mata de cipó’, de ‘cerradão’ e, o melhor exemplo, o Pantanal matogrossense. O interesse por esses macro-domínios e zonas de tensão ecológica devem continuar.
	A climatologia é outro campo fundamental, assim como a hidrografia e a biogeografia. Esta não deve tornar-se, objeto de interesse exclusivos de biólogos, e é necessário resgatar a tradição geográfica que houve no passado.
Lembremos a tradição desses estudos no Brasil. E. de Martonne, F. Ruellan, P. Dansereau abriram o caminho que A. Ab’Saber, J.J. Bigarella, G. Osório, A.T. Guerra, A.J. Porto Domingues, Dárdano Lima, C.A. Figueiredo Monteiro e outros prosseguiram, resultando em gerações de geógrafos interessados em tornar inteligíveis os processos e formas da natureza. Se foram parcialmente excluídos da comunidade geográfica, que sejam benvindos à matriz comum por intermédio da ANPEGE.
Impactos ambientais oriundos dos processos sociais
Trata-se de uma tradição ampliada e renovada, vista como estabelecendo uma ponte entre geógrafos, físicos e humanos. Sem entrar nesta discussão, admitimos tratar-se de um campo eminentemente geográfico, que tem as suas origens acadêmicas na segunda metade do século XIX.
	A expansão capitalista no após Guerra ampliou velhas questões e criou novas, envolvendo a degradação da natureza. O que falar da modernização da agricultura e de seus ‘complexos agroindustriais’? Alteram a flora, fauna, solos e os recursos hídricos. E o próprio processo produtivo. Os impactos decorrentes das transformações no mundo agrário estão em pleno curso e certamente prosseguirão pelas próximas duas décadas.
A urbanização, acelerada e desorganizada, tem também provocado inúmeros impactos ambientais. Deslizamentos, enchentes e poluição de toda ordem passaram a se verificar com freqüência assustadora, afetando particularmente, as populações pobres. A verticalização tem gerado impactos na cidade. O impacto das grandes obras, em especial as barragens, são dignos de nota, suscitando estudos sobre eles, envolvendo geógrafos em estudos de avaliação antecipada.
A problemática em tela tem garantido, por outro lado, uma expansão do mercado de trabalho para geógrafos junto às empresas de consultoria. Se isto é uma coisa positiva, é necessário, no entanto, que se considere criticamente a natureza e a finalidade dessas consultorias, sob pena de criar um mercado de consultorias inócuas, justificativas a posteiori, de decisões já tomadas e, no pior caso, associada a fraudes.
A trajetória da geografia brasileira
Os quase 70 anos de geografia acadêmica, precedidos que foram por uma prática pré-acadêmica, nos levam a sugerir que a trajetória da geografia brasileira se constitua em eixo temático. Trata-se de um esforço de auto-conhecimento. De se avaliar as origens, os percursos, aquilo que foi produzido, as contribuições efetivas, assim como as possíveis críticas à prática da geografia pela comunidade.
	Quem foram aqueles que, entre 1850 aproximadamente e 1930 produziram um conhecimento que tem um nítido caráter geográfico, a despeito de não terem uma formação em geografia? Quais as contribuições deles? Quem os influenciou? Ressalte-se aqui a recente contribuição de geógrafos em torno da revista Terra Brasiliensis que se dedicam a esta temática. Destaca-se, entre eles, a contribuição de Lia Osório Machado.
A atenção deve focalizar também para os pioneiros, aqueles, estrangeiros ou não, que a partir de 1934 – criação do primeiro Departamento de Geografia, na Universidade de São Paulo e da Associação dos Geógrafos Brasileiros – introduziram a geografia acadêmica e formaram algumas gerações de geógrafos.
As instituições de pesquisa geográfica são numerosas e devem ser analisadas. Entre outras mencionam-se o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os Departamentos de Geografia da USP e da UFRJ e o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais, já desaparecido, da antiga Universidade da Bahia e a própria Associação dos Geógrafos Brasileiros.
Uma questão aparece quando se analisa a já longe trajetória da geografia brasileira. Pode-se falar em uma Escola Brasileira de Geografia? Se aceitarmos o conceito de Escola como constituído por uma dada matriz disciplinária, um líder, um lugar ou um periódico e uma ou duas gerações de discípulos, a exemplo da Escola de Berkeley, em torno de Carl Sauer ou da Escola de Chicago, em torno de Robert Park, ou das Escolas de Frankfurt, Círculo de Viena ou ‘Ecole des Annales’, diríamos que não. No Brasil há, a seu modo, um pluralismo assistemático. Em torno de Milton Santos e de Henri Lefébvre há embriões de Escolas ou de suas extensões. Que possam florescer, assim como outras, ratificando o pluralismo da geografia brasileira.
O passado como objeto de estudo
Auto-conhecimento e conhecimento das geografias passadas são fundamentais para a geografia que se fará no futuro imediato. As geografias do passado infelizmente, constituem uma lacuna na geografia brasileira. Maurício Abreu e Pedro Vasconcellos são as duas exceções, que tentam produzir geografias históricas, respectivamente, das cidades do Rio de Janeiro e Salvador.
	Trata-se de estudos sincrônicos, nos quais uma seção do tempo e um dado recorte espacial são analisados geograficamente. Deste modo não nos referimos às análises diacrônicas, comuns em muitos trabalhos, nos quais resgata-se a trajetória da região ou da cidade desde os seus primórdios. As análises sobre o passado são difíceis, não apenas em relação às fontes, mas também pelo fato de que somos levados a olhar o passado com o olhar do presente, como, entre outros, aponta Maurício Abreu.
	A importância desses estudos reside no fato de ser possível aprender as lições das geografias passadas. Lições para o presente e para o futuro, muito mais do que ver o peso do passado no presente.
	Alguns exemplos indicam a riqueza do eixo temático em questão:
i -	a rede urbana de Minas Gerais em 1920
ii -	a segregação residencial em São Paulo em 1900
iii -	uso da terra e conflitos no vale do rio do Peixe (SC) em 1915
iv -	a geografia da indústria têxtil maranhense em 1900
v -	a espacialidade do sistema de ‘aviamento’ da Amazônia em 1900
Desestruturação e Reestruturação Espacial
Este eixo temático constitui-se em tradição profundamente enraizada na geografia, envolvendo geógrafos de várias gerações. Afinal, o processo de transformação do espaço sempre esteve, de um modo ou de outro, presente entre os geógrafos. A paisagem cultural de Sauer, a seqüência de ocupação de Whittlesey, entre outros, revelam esta preocupação. Do mesmo modo o teor do livro ‘A Condição Pós-Moderna’ de David Harvey.
O processo de desestruturação e reestruturação tornou-se tanto mais acelerado quanto mais complexo, demandando maior atenção. Especialmente no Brasil, onde a fronteira, desestruturadora e reestruturadora por definição, sempre esteve presente na geografia do país, assumindo novos contornos a partir do início do último quartel do século XX. Prosseguirá, sem dúvida, pelas primeiras décadas do século XXI.
As transformações dizem respeito tanto ao mundo agrário como ao mundo urbano, envolvendo a incorporação de novos espaços ao processo produtivo, a transformação de espaços já incorporados e a relativa cristalização de outros. Os impactos sobre a vida social são enormes.
Esta rica, complexa e densa temática inclui múltiplas escalas, desde as transformações em uma rua de comércio a toda uma ampla região. Certamente análises em múltiplas escalas sobre o processo em questão serão úteis, pois estabelecem uma relação entre processo e escala. Que ganhos poderemos ter de estudos sobre o conjunto do Nordeste, o Agreste e o município de Arapiraca, em Alagoas? A temática envolve diferentes agentes sociais, as corporações, o Estado, os proprietários fundiários, a população trabalhadora e diversas instituições sociais.
Este eixo temático nos leva ao eixo seguinte,o dos conflitos espaciais.
Os conflitos espaciais
A geografia incorporou de modo explícito a partir do final da década de 1970 uma visão crítica, fundada no materialismo histórico e dialético. Nesta visão os conflitos sócio-espaciais aparecem como fundamentais na análise geográfica.
Na geografia brasileira a visão crítica constata-se a partir do final da década de 1970, em um momento em que os conflitos sócio-espaciais se ampliavam e ganhavam visibilidade. São conflitos pela terra no mundo agrário e na metrópole, assim como em torno dos equipamentos de consumo coletivo, da habitação, das terras indígenas, conflitos que envolvem diversas minorias e conflitos que assumem uma dimensão criminosa. Tais conflitos, gestados e amplificados no bojo de uma sociedade injusta submetida a uma política econômica e social cada vez mais excludente, estarão presentes na organização sócio-espacial das próximas duas décadas. Constituem ricos e lamentáveis temas para a pesquisa dos geógrafos, dando continuidade aos estudos que geógrafos como Ariovaldo de Oliveira, Bernardo Mançano e Amélia Damiani, entre outros, já tem se dedicado.
A questão central para os estudos geográficos sobre os conflitos é, no nosso entender, a seguinte: qual a lógica espacial dos conflitos? Por esta via acreditamos ser possível ao geógrafo contribuir para a compreensão dos conflitos sociais.
Práticas espaciais e significados
Velhas e novas matrizes estão embasando a geografia cultural a partir dos últimos 20 anos do século XX. Significado é a palavra chave que revigorou a geografia cultural, dando continuidade à obra dos geógrafos culturais europeus e Carl Sauer. A atenção dos geógrafos vai além da dimensão não-material da cultura, privilegiando os significados que os diversos grupos sociais atribuem às formas e relações espaciais. Trata-se, em realidade, de interpretar como o mundo é experienciado, percebido e interpretado pelos diversos grupos sociais. As crenças, valores, mitos e utopias passam a ser focos de interesse para o geógrafo cultural. A perspectiva em tela, por outro lado, tem um nítido caráter político. Em relação ao Brasil este eixo temático emerge na década de 1990 com a criação do NEPEC (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura), criado no âmbito do Departamento de Geografia da UERJ. As perspectivas para um país caracterizado pela heterogeneidade cultural como o Brasil são enormes. Vejamos alguns temas que poderão, juntamente com outros, enriquecer a compreensão da organização espacial brasileira.
i -	a paisagem natural ou cultural entendida como um texto
ii -	o sagrado e o profano
iii -	o lugar
iv -	identidade e território
v -	memória e espaço
vi -	modos de vida
vii -	regiões culturais
IV – Para Não Concluir
Eis um conjunto de eixos temáticos que oferecemos à comunidade para reflexão. Acreditamos que cobrem parcela muito importante das possibilidades de pesquisa em geografia. Estes eixos, contudo, não podem ser visto como uma receita, mas como uma possibilidade.
Fazemos votos que, com este ou outro conjunto de eixos temáticos, a geografia brasileira, particularmente a pós-graduação, possa realizar um papel crucial de reproduzir com qualidade ampliada a prática da geografia e produzir um rico e diversificado conhecimento sobre o país.

Outros materiais