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1-Neutralidade da ciencia

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1 
 
1 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 
Escola de Ciências e Tecnologia 
Ciência, Tecnologia e Sociedade 
 
Capítulo I: A Questão da Neutralidade da Ciência 
 
Sumário 
1.0 Apresentação .......................................................................................................................... 2 
2.0 Objetivos ................................................................................................................................. 2 
3.0 A construção da ciência moderna ........................................................................................... 2 
4.0 A Neutralidade da Ciência ....................................................................................................... 5 
5.0 Crítica da Neutralidade da Ciência .......................................................................................... 6 
6.0 Nova concepção da Ciência ................................................................................................... 10 
7.0 Política Científica e Tecnológica ............................................................................................ 10 
8.0 Considerações Finais ............................................................................................................. 11 
9.0 Resumo .................................................................................................................................. 11 
 
 
 
 
 
Autor: Guilherme Reis Pereira 
 
 
 
Natal, 2011 
2 
 
2 
 
1.0 Apresentação 
 
Neste capítulo vamos discutir a ideia de neutralidade da ciência, partindo das origens da 
ciência moderna constituída a partir do século XVI. A questão da neutralidade da ciência está 
no centro do debate entre os estudos sobre as características da ciência e seu papel na 
sociedade. A questão principal do debate é se a ciência é ou não influenciada pelo contexto 
sócio-cultural, valores sociais, interesses políticos e econômicos. Tal discussão é importante 
porque a visão da ciência neutra tem implicações na escolha dos temas, na política que define 
as prioridades de pesquisa e influencia as relações entre o ambiente científico e os outros 
setores da sociedade. Faremos um breve resgate das raízes da ideia de ciência neutra, 
autônoma e universal a partir do processo de formação da ciência moderna. A questão da 
neutralidade da ciência está relacionada a um modo de produzir conhecimento sobre os 
fenômenos da natureza baseado na matemática, que procurou definir leis gerais de alcance 
universal para controlar e transformar a natureza. Este modo de fazer ciência separa a 
natureza (objeto) da sociedade (sujeito). 
Veremos que a visão dominante de ciência neutra, autônoma e universal está sendo negada 
pelo próprio avanço do conhecimento, com o surgimento de novas teorias nas ciências 
naturais que superam as anteriores, e por fatos históricos que estão relacionados ao uso da 
ciência para fins político-militares no desenvolvimento de armas e aplicação no processo de 
produção capitalista. 
 
2.0 Objetivos 
 
Apresentar, de forma sucinta, o debate sobre a questão da neutralidade da ciência que é uma 
das características da ciência moderna. A visão dominante da ciência tem recebido muitas 
críticas por diversos autores ao longo do século XX . 
 
 
3.0 A construção da ciência moderna 
 
Desde o século XVI a ciência moderna foi se formando de acordo com um modo de produzir 
conhecimento que deveria se diferenciar do conhecimento da época que estava ligado ao 
pensamento religioso. Este pensamento justificava a ordem feudal e o exercício do poder. De 
acordo com Hessen (p.50), as universidades eram o centro das tradições feudais, onde o 
sistema pedagógico era escolástico fechado e toda a ciência era baseada na lógica aristotélica. 
3 
 
3 
 
“Tudo que não fosse encontrado em Aristóteles não existia”, diz Hessen. As universidades 
ligadas à Igreja não davam espaço para o desenvolvimento das ciências naturais. Enquanto os 
filósofos buscavam a verdade nos textos, os cientistas naturais buscavam a verdade no mundo, 
na natureza inspirados pelos problemas técnicos da nascente burguesia mercantil. 
As grandes descobertas deste período como o Heliocentrismo de Copérnico, os estudos de 
mecânica de Galileu e Newton convergiam para uma lógica da 
investigação na qual a matemática era um instrumento de análise e 
também fornecia um modelo de representação da própria estrutura da 
matéria. Com base na matemática era feita observação e 
experimentação para se alcançar um conhecimento profundo e rigoroso 
da natureza. Naquela época, o novo modo de fazer ciência teve a 
contribuição das reflexões filosóficas de Descartes, que também fundou 
a geometria analítica. Descartes introduziu um racionalismo radical no 
qual as ideias eram colhidas independentemente da experiência. Esse 
modo de fazer ciência se inicia com idéias claras e simples e não do sensível e dos fatos. Essas 
ideias são as ideias matemáticas que podem ser comprovadas. Para Galileu, o livro da 
natureza está inscrito em caracteres geométricos. Desse modo, a matemática vai propiciar um 
caráter racional para a ciência fazendo assim uma distinção hierárquica entre conhecimento 
científico e conhecimento vulgar. Como conseqüência, para conhecer é preciso quantificar e o 
rigor científico é verificado pelo rigor das medições. Era considerada boa ciência as hipóteses 
que pudessem ser comprovadas. 
Outra característica do método científico, que é a base da ciência moderna, é a simplificação 
da realidade porque a mente humana não consegue compreender a totalidade. Isto quer dizer 
que, para conhecer é preciso dividir e classificar e depois estabelecer relações sistemáticas. A 
primeira divisão é separar as leis da natureza das condições iniciais presumindo que estas leis 
têm uma ordem e estabilidade, isto é, elas não mudam com o tempo, é invariável e 
determinante. Em função disso, pode-se fazer previsões, controlar e transformar a natureza. A 
ciência moderna procura saber a causa formal dos fenômenos naturais, ou seja, como 
funcionam as coisas sem se preocupar com a finalidade das coisas. Diferente do conhecimento 
prático no qual a causa e a intenção convivem. 
A ideia do mundo-máquina presente no determinismo mecanicista1 se tornou na hipótese 
universal da época moderna e foi um dos pilares da ideia de progresso que surgiu no contexto 
da ascensão da burguesia e revolução industrial no século XVIII. A capacidade de entender leis 
da natureza que apresentam a ordem e estabilidade do mundo vai permitir a transformação 
tecnológica da realidade, do mundo. Como exemplo do avanço da ciência que propiciou a 
transformação da sociedade foi a descoberta da Termodinâmica que permitiu a introdução da 
máquina a vapor na produção industrial que aumentou o ritmo do trabalho e impulsionou o 
sistema capitalista industrial. 
Como o determinismo mecanicista das leis de Newton possibilitava dominar e transformar a 
natureza, era uma forma de conhecimento que teve grande aceitação na época pela sua 
 
1
 O determinismo mecanicista é a ideia de que o mundo estático da matéria é susceptível de ser determinado 
através de leis físicas e matemáticas. 
 
4 
 
4 
 
utilidade e funcionalidade em pleno período de transformação da sociedade industrial. O 
estudo dos fenômenos da natureza atendia os interesses da burguesia de expansão econômica 
transformando matéria-prima em produtos industrializados. As demandas por certos 
conhecimentos, colocadas pela indústria da época, eram objeto de estudo dos físicos e 
matemáticos. Se o contexto histórico estabelece os desafios para a ciência, não há 
neutralidade. A racionalidade da ciência é adequada aos interesses de crescimento da 
economia capitalista e também contribuiu para a consolidação do Estado Moderno2 através 
das aplicações militaresdo conhecimento. 
Da mesma forma que era possível conhecer as leis da natureza, alguns intelectuais 
acreditaram que era possível investigar as leis que determinam a forma de organização da 
sociedade e prever os resultados das ações coletivas. O método das ciências naturais foi 
utilizado pelos pesquisadores que queriam entender o funcionamento da sociedade. A 
aplicação deste método nos estudos sobre a sociedade do século XIX foi chamado de 
positivismo lógico e foi compartilhado por vários pensadores entre eles Saint Simon, August 
Comte, Spencer, Durkheim e outros intelectuais do Círculo de Viena. 
Entre muitos cientistas formou-se um consenso de que era possível explicar os fenômenos da 
natureza identificando leis invariáveis que não dependiam da ação humana. As regras de como 
produzir conhecimento passa uma visão determinista do mundo e um discurso da neutralidade 
da ciência para se justificar como verdadeira. 
De acordo com Lowy, entende-se por positivismo lógico: 
“A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis invariáveis, 
independentes da vontade e ação humanas; na vida social, reina uma 
harmonia natural. As ciências da sociedade, assim como as da 
natureza, devem limitar-se à observação e à explicação causal dos 
fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor 
ou ideologias, descartando previamente todas as prenoções e 
preconceitos.” 
 
Os pioneiros do positivismo, Condorcet e Saint-Simon, faziam a defesa da neutralidade ciência 
em relação às paixões e interesses das classes dominantes da época. Os positivistas se 
colocavam contra as doutrinas religiosas e o argumento de autoridade da ordem feudal-
absolutista. A intenção dos positivistas era livrar o conhecimento da influência das crenças e 
da política feudal e absolutista. 
Diferente dos pioneiros que atacavam os preconceitos do Antigo Regime, Comte e Durkheim 
são autores positivistas que assumiram uma posição de defesa da ordem estabelecida ao 
reconhecer a ideia de lei social natural, isto é, a existência de elementos imutáveis na 
sociedade. Eles se tornaram conservadores da ordem estabelecida ao atacar os chamados 
preconceitos revolucionários do Iluminismo, as ideias socialistas e o marxismo. 
 
2
 O Estado Moderno é entendimento por um conjunto de instituições que procura manter a ordem e o bem estar 
social, bem como promover o desenvolvimento socioeconômico. 
5 
 
5 
 
A influência do positivismo de analisar a realidade de forma objetiva baseada na comprovação 
das hipóteses com dados empíricos, livre dos preconceitos, interesses e ideologias continuou 
no início do século XX com os autores do Círculo de Viena. O Círculo de Viena era um 
movimento a favor da concepção científica do mundo em termos de seu conteúdo lógico, 
epistemológico e metodológico e contra a teologia e a influencia da Igreja Católica. Na medida 
em que os autores positivistas davam um papel de destaque para a ciência no projeto político 
de uma sociedade em transformação, reconhecem que a ciência pode ter um impacto na 
sociedade. Então, como fica a ideia de neutralidade da ciência? Vamos discutir este ponto na 
seção a seguir. 
 
4.0 A Neutralidade da Ciência 
 
O debate sobre se a ciência deve ser neutra, livre de valores e interesses vai perpassar todo o 
século XX. Alguns autores vão defender que a ciência deve ser descompromissada e não pode 
sofrer influência externa dos políticos e da cultura na qual o cientista está 
imerso, enquanto outros autores argumentam sobre a necessidade de 
orientar o desenvolvimento da ciência para atender interesses econômicos, 
políticos e sociais. Mas antes de entrar neste debate, você precisa entender 
o que se entende por ciência neutra. 
A ideia da neutralidade significa que a ciência não é influenciada pelo 
contexto social, político e econômico. Existe uma muralha separando a 
comunidade científica que protege a produção de conhecimento científico das interferências 
dos interesses econômicos e políticos. Também não pode haver uma influência dos valores da 
sociedade onde vive o cientista na pesquisa. A imagem clássica do cientista é de um sujeito 
genial que fica em uma torre de marfim isolado da sociedade. Os dados do objeto da pesquisa 
precisam ser analisados objetivamente sem ser contaminado pelo olhar do que a sociedade 
considerar bom ou mau. Uma vez que a ciência não sofreu nenhum tipo de influência externa 
ao ambiente científico ela é considerada neutra, porque se criou uma barreira virtual entre a 
ciência e a sociedade. Nesta concepção, a produção de conhecimento científico tem um 
desenvolvimento livre e espontâneo em busca da verdade. 
Apesar de alguns autores, como os humanistas ingleses, defenderem um direcionamento da 
ciência para atender objetivos sociais, econômicos específicos, era dominante no início do 
século XX a visão da ciência neutra. Só para citar alguns nomes, Polanyi, em sua conferência 
Autogoverno na Ciência, se opõe a ideia da ciência dirigida e defende a comunidade científica 
baseada na concepção de liberdade da ciência e sua desvinculação de interferências políticas e 
religiosas. Outro autor importante foi Merton que, em 1942, introduziu a ideia de que o 
cientista deve desempenhar suas atividades de acordo com um conjunto de normas e valores 
específicos, entre elas o desinteresse. É importante lembrar que o mundo estava em plena 
Segunda Guerra Mundial e sob regimes totalitários, como o nazismo, que obrigava os 
cientistas a fazer pesquisa para produção de armas de destruição em massa. A intenção de 
 
6 
 
6 
 
Merton era mostrar que o nazismo e a ciência não podiam andar juntos. O autor concebe a 
comunidade científica como um subsistema autônomo em relação à sociedade. Dessa forma, 
Merton reforça a tradição da sociologia do conhecimento de que a ciência é neutra, isto é, o 
fenômeno deve ser investigado sem interferência dos valores sociais, interesses e opinião. 
Para fazer ciência a razão precisa estar separada da emoção. 
Como você pode notar, havia um consenso sobre a liberdade e autonomia da ciência em 
relação à sociedade que começou no Iluminismo, nos estudos da sociedade foi denominado 
positivismo e permanece impregnado nas mentes de muitos cientistas no final do século XX. A 
valorização do conhecimento científico baseado na observação dos fenômenos para entender 
a realidade com ela é, colocava a ciência acima sociedade. Os cientistas acreditavam que a 
acumulação pura e simples de conhecimentos científico-tecnológicos seria suficiente para 
garantir o progresso econômico e social de todos. Desse modo, essa visão de ciência introduziu 
a ideia de progresso como um desenvolvimento linear que começa com o avanço do 
conhecimento que transborda e se espalha para a sociedade beneficiando a todos. 
A conseqüência dessa visão de ciência neutra que prega a necessidade de distanciamento em 
relação ao contexto social, político e econômico tornou a ciência um assunto técnico exclusivo 
aos cientistas. Os demais segmentos e pessoas da sociedade não estariam capacitados a 
discutir quais os problemas os cientistas deveriam se debruçar. Isto vez com que a política 
científica, que estabelecia quais eram as prioridades de pesquisa para receber recursos 
públicos, era definida pelos próprios cientistas. Só que o conhecimento científico tornou-se 
importante demais para ser deixado por conta dos cientistas, demasiadamente ocupados em 
fazer ciência. Existem vários exemplos na História que comprovam o impacto causado pela 
ciência na relação entre os países, como o desenvolvimento de armas, por exemplo, a bomba 
nuclear. Você pode perceber o impacto da aplicação da ciência na vida das pessoas com a 
popularização de tecnologias como o automóvel movido a álcool, celular, internet, 
microondas, etc. Ao longo do século XX, a ciência e a tecnologia assumiram umcaráter 
político, ou seja, a ciência e a tecnologia são de interesse público por causa das 
transformações provocadas na vida das pessoas e no desenvolvimento socioeconômico. 
Mesmo com tantas evidências, existe uma tradição entre os cientistas naturais de manter uma 
autonomia e liberdade da ciência pura e resistem às iniciativas do governo de administração e 
direção do desenvolvimento científico. 
Apresentamos para você como se formou a ideia de neutralidade da ciência a partir da 
revolução científica dos séculos XVI e XVII. Na seqüência vamos discutir como esta ideia é 
questionada por diversos autores das ciências naturais e sociais. 
 
5.0 Crítica da Neutralidade da Ciência 
 
a) Crítica dos cientistas naturais baseada em novas teorias 
7 
 
7 
 
A partir da segunda metade do século XX, a visão de ciência neutra construída a partir das 
contribuições de Galileu, Newton, Descartes e dos positivistas é coloca em dúvida em função 
do avanço do conhecimento com novas teorias que questionam as bases desse modelo de 
ciência e também recebe críticas sociológicas de autores que defendem que existe influência 
do contexto sócio-cultural na produção de conhecimento. Quando teorias que formam as 
bases da ciência são negadas por outras, é uma situação chamada de revolução científica. Se 
as bases da ciência moderna que deu origem a visão de ciência neutra estão sendo 
questionadas, conseqüentemente a objetividade e neutralidade da ciência também caem por 
terra. 
O primeiro abalo no alicerce da ciência está relacionado à teoria da relatividade de Einstein. 
Este cientista detona com a lei da física de Newton sobre as ideias de simultaneidade universal 
e de tempo e espaço absolutos. Einstein distingue a medição de acontecimentos em um 
mesmo lugar de acontecimentos em lugares distantes. Ele questiona como o observador pode 
saber o que aconteceu primeiro em lugares diferentes. Mesmo que o observador souber qual 
é a velocidade da luz não é possível medir porque não sabe qual é a simultaneidade dos 
acontecimentos. Nesse sentido, Einstein conclui que é impossível verificar a simultaneidade 
temporal em espaços diferentes. Se não há simultaneidade universal, a ideia de tempo e 
espaço absoluto de Newton deixa de existir. As leis da física se baseiam em medições locais, na 
têm a abrangência universal. 
 O segundo abalo no alicerce da ciência é o princípio da incerteza de Heisenberg e Bohr na área 
da mecânica quântica. Eles demonstram-nos que o conhecimento que temos da realidade é, 
inevitavelmente, afetado pela nossa interferência no objeto. O que conhecemos do real é a 
alteração que provocamos nele, não é o real em si. Um objeto que sai de um processo de 
medição é diferente de como entrou. Portanto, a mecânica quântica demonstra a interferência 
estrutural do sujeito no objeto. Se o rigor do conhecimento é limitado, as leis da física não são 
mais que probabilidades e, por outro lado, a hipótese do determinismo mecanicista é inviável 
porque a totalidade do real não é a soma das partes que dividimos para observar e medir. 
O terceiro abalo no alicerce da ciência é o teorema da incompletude de Gödel que questiona o 
rigor da matemática. O resultado puramente matemático deste teorema é que prova a 
afirmação de que nenhuma teoria formal pode ser, simultaneamente, poderosa, consistente e 
completa. Diz Boaventura de Souza Santos: “Se as leis da natureza fundamentam o seu rigor 
no rigor das formalizações matemáticas em que se expressam, as investigações de Gödel vêm 
demonstrar que o rigor da matemática carece ele próprio de fundamento.” 
 
b) Crítica dos Cientistas Sociais 
Alguns críticos da ideia de neutralidade da ciência adotam a sociedade como foco da análise 
para afirmar a não-neutralidade da ciência e da tecnologia. Boris Hessen em “Raízes 
Socioeconômicas de principia de Newton” descreve os problemas técnicos colocados pela 
navegação marítima, a indústria de mineração, metalurgia e da guerra que demandavam 
conhecimento de mecânica. Os problemas técnicos da navegação impulsionaram estudos de 
hidroestática, aeroestática e ótica. O problema da trajetória da bala inspirou Galileu a estudar 
8 
 
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o movimento dos corpos, resistência e velocidade, a queda livre dos corpos. O recuo do 
canhão levou ao estudo da lei de ação e reação. Estes são exemplos de que os temas que a 
ciência procurou explicar foram determinados pelas necessidades da nascente burguesia, 
pelos interesses econômicos e políticos. A principal obra de Newton “Principia”, sistematizou 
todos os problemas físicos da mecânica da época numa linguagem matemática abstrata sem 
aparecer as fontes de inspiração. 
Além de Boris Hessen, que descreve o desenvolvimento da física a partir dos interesses 
econômicos e políticos, outros construtivistas mostram com base em estudos de caso que há 
influência das relações sociais e econômicas no desenvolvimento da ciência e tecnologia (C&T). 
Estes autores entendem que a C&T é uma construção social, ou seja, o desenvolvimento 
científico e tecnológico é influenciado pela política, economia e cultura e também produz 
efeitos sociais e políticos. O desenvolvimento tecnológico envolve conflito e negociação entre 
grupos sociais com concepções diferentes acerca dos problemas e soluções. O desenho dos 
artefatos tecnológicos é definido pelas correlações de força entre os diferentes grupos sociais, 
portanto, não é um processo determinista. Um dos exemplos usados pelos construtivistas 
Wiebe Bijker e Trevor Pinch de como os usuários interfere no desenho do artefato, é a história 
da bicicleta que inicialmente tinha a roda dianteira grande e com tração para alcançar 
velocidade que servia como equipamento esportivo, mas não era adequada como meio de 
transporte devido à instabilidade. O desenho da bicicleta gradativamente foi se adequando 
para atender melhor o usuário. 
 
Evolução da bicicleta 
 
Entre os críticos da neutralidade da ciência, o filósofo Lacey faz uma discussão com foco nos 
valores sociais. Para Lacey, a ciência moderna é conduzida de acordo com estratégias 
materialistas que valoriza o controle dos objetivos naturais. Lacey analisa a questão da 
neutralidade considerando três momentos da atividade científica, a saber: (1) adotar uma 
estratégia, (2) aceitar teorias e (3) aplicar o conhecimento científico e faz uma distinção entre 
valores cognitivos (valor de uma teoria aceita) e sociais. Os valores sociais têm um papel 
importante nos momentos 1 e 3, mas na aceitação de teorias 
Para você entender melhor os conflitos de valores que podem ocorrer com o avanço da 
ciência, vamos tomar como exemplo o caso da pesquisa em genética. A polêmica em torno da 
pesquisa de manipulação genética com embrião humano deu origem a uma discussão sobre a 
9 
 
9 
 
ética na ciência e os limites do desenvolvimento científico. A possibilidade de clonagem 
humana é visto como um risco, principalmente, pelas pessoas ligadas à religião. Mas, por outro 
lado, os resultados da pesquisa podem contribuir para evitar doenças transmitidas de pais 
para filhos, como o câncer. 
“Minha concepção de vida faz com que eu prefira a destruição de um 
embrião à sua instrumentalização como fábrica de órgãos por um 
projeto de pesquisa.” (Arnold Munnich, chefe do serviço de genética 
do hospital Necker, em Paris) 
“Polêmica, que polêmica? Todos os especialistas estão de acordo”. 
(François Thépot, então diretor-adjunto da Agência de Biomedicina 
da França, 2008). 
“Temos receio que seja um golpe contra a continuidade das 
pesquisas”. (A diretora da Agência de Biomedicina demitida pelo 
governo de Nicolas Sarkosy) 
 
Na década de 1970, vários autores passaram a questionar a visão positiva e neutra da ciência e 
denunciavam os impactos negativos que podiam ser observados no uso da ciência e tecnologia 
(C&T). Havia vários casos que evidenciavam os efeitos nocivos da ciência. Só paracitar alguns 
exemplos, os trabalhadores estavam perdendo o emprego por conta da introdução de novas 
tecnologias, o pesticida DDT provocava efeitos prejudiciais à saúde humana, o uso da C&T na 
guerra do Vietnam com as bombas de napalm. Nesse sentido, a degradação ambiental, o 
desemprego tecnológico e o uso destrutivo da C&T vão contribuir para a desconstrução da 
ciência neutra e conter a euforia sobre os resultados do avanço científico e tecnológico. Vários 
autores afirmam que a ciência carrega valores e não isolada da sociedade e muito menos é 
neutra e livre de influências externas ao meio acadêmico. Neste período fortalece o 
argumento de que a ciência precisa ser controlada e dirigida para solucionar problemas 
relevantes da sociedade. 
Já os críticos mais radicais da neutralidade, como os marxistas Coriat e Gorz, vão defender a 
tese de que a C&T é gerada sob a égide da sociedade capitalista e, por isso, é construída de 
forma que seja útil e funcional para aquela sociedade, isto é, ela é faz parte da engrenagem do 
sistema capitalista. A ciência e tecnologia está comprometida com a manutenção da sociedade 
onde foi produzida e, por isso, não seria funcional e nem adequada em um sistema social 
muito diferente, como se imaginava o socialismo. Também não poderia ser utilizada para a 
construção de uma nova sociedade em uma direção diferente daquela que orientou o seu 
desenvolvimento. Os marxistas argumentam que as ciências e as técnicas de produção trazem 
a marca das relações de produção e da divisão de trabalho capitalistas na sua orientação e 
especialização. Para ficar mais claro para você, vamos exemplificar com o caso do socialismo 
da União Soviética. Coriat afirma que um dos principais motivos da falência do socialismo 
soviético foi ter copiado o modelo de organização de produção capitalista. Foi mantida a 
10 
 
10 
 
hierarquia na divisão do trabalho e a burocracia assumiu o papel que era da burguesia no 
capitalismo. 
Assim, pode-se dizer que C&T não existe historicamente de forma abstrata como é ensinada 
nos diversos cursos. A C&T tem características de sua época e da sociedade onde se 
desenvolve. O sucesso do cientista está ligado à utilidade do conhecimento para alcançar os 
objetivos da sociedade que no caso da sociedade capitalista é promover a inovação para gerar 
mais riqueza para as grandes empresas. Desde os tempos de Galileu e Newton, a C&T é a 
ferramenta utilizada no capitalismo para dominar a natureza e explorar os desprovidos de 
meios de produção. Por isso, por mais que a C&T tenha se desenvolvido, isto não implicou em 
desenvolvimento social e nem uma relação sustentável com a natureza. 
 
6.0 Nova concepção da Ciência 
 
A ideia da ciência neutra que se desenvolve a partir de uma lógica interna, da curiosidade do 
cientista desprovido de interesse que se isola no laboratório, passou a conviver com a visão de 
que a ciência é condicionada pelo contexto social, pelas circunstâncias do momento histórico e 
orientada por objetivos de desenvolvimento econômico e social. A ciência também deixa de 
ser vista como ponto de partida para se alcançar desenvolvimento tecnológico para atender as 
necessidades dos usuários. Essa mudança de entendimento de como é produzido o 
conhecimento científico e, principalmente dos impactos benéficos ou maléficos que podem ser 
gerados provocou uma mudança da política de C&T na qual as agências de financiamento 
passam a definir temas e áreas do conhecimento que recebem recursos visando o 
desenvolvimento científico e tecnológico em áreas consideradas mais importantes para o país. 
Neste novo contexto do final do século XX, os cientistas continuam a ser os principais atores da 
política de C&T, mas tiveram que dividir espaço com os gestores públicos, os empresários e os 
políticos na definição das prioridades. 
 
7.0 Política Científica e Tecnológica 
 
Agora vamos mostrar como esta mudança da política de seu na prática usando a experiência 
do governo brasileiro. 
No caso do Brasil, foram elaborados os Planos Básicos de Desenvolvimento Científico e 
Tecnológico (PBDCT) a partir da década de 1970 visando a geração e transferência de 
conhecimento científico e tecnológico para diversos setores produtivos nacionais, 
principalmente investir nas áreas de energia, agropecuária, transporte, telecomunicações e 
defesa. Em função da crise do petróleo, o país precisava descobrir nos reservas para diminuir a 
11 
 
11 
 
dependência de importação. Além de financiar pesquisa de fontes alternativas de energia 
como biomassa, geração de energia hidrelétrica e o Programa Nacional do Álcool. 
No final da década de 1990, a Fundação de Amparo à Pesquisa do 
Estado de São Paulo (FAPESP) financiou uma pesquisa científica de 
seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, causadora 
da doença chamada amarelinho que ocorre na produção de laranja. 
A pesquisa foi realizada por uma rede de pesquisadores de 
diferentes áreas do conhecimento. O projeto foi reconhecido por 
duas das mais conceituadas revistas científicas: a americana Science 
e a inglesa Nature publicaram um artigo sobre a pesquisa. 
 
8.0 Considerações Finais 
Quando se faz uma crítica à herança da ciência moderna, não podemos jogar fora a criança 
junto com a água do banho. Quero dizer que devemos reconhecer que a ciência desempenhou 
um papel importante na transformação da sociedade e também passamos a conhecer melhor 
o mundo em que vivemos. A lógica de conhecer para poder dominar os recursos naturais foi 
útil para um estágio de desenvolvimento, mas teve como conseqüência uma relação 
predatória com o meio ambiente. Nos últimos anos, a humanidade tem sido afetada pelos 
desastres naturais que são provocados pela própria ação do homem. Ademais, a visão 
determinista e de neutralidade da ciência mascara a utilização do conhecimento pelo capital e 
dificulta projetar estratégias alternativas de desenvolvimento. 
 
9.0 Resumo 
Você aprendeu que a ideia de neutralidade da ciência tem sua origem no modo de produzir 
conhecimento científico que procurava identificar as leis que determinam o mundo, o que 
permitia que a sociedade pudesse controlar e transformar a natureza. Com isso, as ciências 
naturais foram fundamentais para o desenvolvimento da sociedade industrial. Exemplificamos 
como os estudos da mecânica foram importantes para o desenvolvimento capitalista. 
Entretanto, a ciência moderna deixou como herança uma forma de conceber o mundo na qual 
a sociedade está separada da natureza e o progresso significa controlar e transformar a 
natureza. Também foi passada uma visão determinista e de neutralidade da ciência. 
Mostramos que a ciência não é neutra, isto é, ela é influenciada pelos interesses econômicos, 
políticos e valores de um determinado período. 
 
 
 
 
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Referências 
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