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Cadernos CTS – Capítulo III Tecnologias Sociais e Desenvolvimento Por Guilherme Reis Pereira1 1. Apresentação Neste capítulo vamos explicar o que são tecnologias sociais, para que servem, qual é seu público-alvo e como elas estão sendo desenvolvidas no Brasil. Para isso, é feita uma comparação entre as características das tecnologias sociais e das tecnologias capitalistas e suas funções, onde a primeira é apresentada como alternativa a segunda. Procuramos mostrar que a utilização das tecnologias sociais está associada a um modelo de desenvolvimento alternativo que promove a inclusão social. Vamos esclarecer que as pessoas envolvidas no desenvolvimento e difusão das tecnologias sociais são pesquisadores e lideranças de movimentos sociais e organizações não-governamentais. Para exemplificar são apresentados alguns casos dessas tecnologias que foram desenvolvidas em diferentes regiões do país. 2. Objetivos a. Discutir o conceito de tecnologias sociais e que são os sujeitos envolvidos. b. Mostrar a possibilidade de um modelo de desenvolvimento alternativo baseado em tecnologias sociais. c. Apresentar o estágio de desenvolvimento destas tecnologias no Brasil. 3.0 Conteúdo 3.1 Introdução Quando se fala em Tecnologia, a noção mais corriqueira é o produto inovador que acaba de ser lançado nos Estados Unidos ou Japão. Muitos se esquecem que várias tecnologias fazem parte de nosso cotidiano como a luz elétrica, telefone, TV, internet, antibiótico, etc. Nesse mesmo raciocínio, o entendimento mais comum sobre desenvolvimento tecnológico se refere aos esforços relacionados às guerras e ao processo de industrialização do sistema capitalista nos países desenvolvidos. A literatura que trata da inovação tecnológica analisa a trajetória das 1 Sociólogo, doutor em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 2 grandes empresas sediadas, em grande parte, nos países desenvolvidos. Isto não quer dizer que não tenha havido tentativas de buscar desenvolvimento tecnológico alternativo compatível com a realidade social e econômica de países subdesenvolvidos, pensando na satisfação das necessidades básicas da sociedade como água tratada, alimentação, energia, emprego e renda ou melhorar os processos produtivos de pequena escala. Desse modo, a finalidade deste capítulo é mostrar que há possibilidade de desenvolver tecnologias adequadas à realidade de países subdesenvolvidos, onde as necessidades básicas da maioria da população não foram atendidas, visando o desenvolvimento social. Da mesma forma que houve a política da Big Science com a orientação da pesquisa para fins militares, também pode haver política da “Small Science” voltada para as demandas sociais. Desde já colocamos algumas questões que precisam ser discutidas levando em conta as potencialidades da ciência e tecnologia. Cabe lembrar que a história nos mostra que esforços concentrados em pesquisa e desenvolvimento (P&D) resultaram em transformação do mundo em que vivemos, mesmo que estes esforços tenham atendido interesses econômicos e ou políticos de busca de hegemonia através do poder militar. Será que as profundas desigualdades entre as pessoas tendem a se cristalizar ou poderemos vislumbrar um cenário em que o abismo socioeconômico seja reduzido? É possível construir um modelo de desenvolvimento que procure reduzir a pobreza humana e ausência de cidadania se valendo do avanço do conhecimento e desenvolvimento de tecnologias? Para tentar responder estas questões trataremos de discutir o conceito de tecnologias sociais. Desenvolvimento desigual Existem países e regiões que não atraem o interesse das grandes corporações para realização de investimentos e promoção do desenvolvimento tecnológico, econômico e social. Estes enclaves que estão na periferia do sistema capitalista mundial têm processos produtivos que utilizam técnicas tradicionais, implicando em baixa eficiência e produtividade, degradação ambiental e, conseqüentemente, qualidade de vida precária. Nesse sentido, em lugares que não interessam ao capital há uma demanda por desenvolvimento tecnológico adequado às características econômicas, sociais e culturais do local. Neste caso, o Estado pode estabelecer políticas que promovam um desenvolvimento tecnológico alternativo para pequenos empreendimentos de regiões menos desenvolvidas como o Nordeste do Brasil. Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 3 Para você entender melhor, vamos lembrar que ao longo do século XX no Brasil a intervenção do Estado foi no sentido de fortalecer os setores produtivos mais dinâmicos e promover a concentração industrial no Sudeste, o que fez aumentar a desigualdade regional. Como o Estado não conseguiu estimular o desenvolvimento de todas as regiões do país simultaneamente por meio de políticas federais, outros sujeitos ligados à sociedade civil começaram a se articular com universidades e centros de pesquisa para desenvolver tecnologias que visam a inclusão social e melhoria das condições de vida nas regiões subdesenvolvidas. Esta mobilização de instituições da sociedade civil em parceria com determinados segmentos de pesquisadores é um fenômeno recente que merece nossa atenção, uma vez que procuram orientar a ciência e tecnologia para o desenvolvimento social. Tais experiências apontam a possibilidade do fortalecimento de um modelo de desenvolvimento descentralizado baseado em pequenos empreendimentos familiares e solidários com uso de tecnologias de baixo custo adequadas às características socioeconômicas locais. Reforça essa ideia, a evidência da impossibilidade de universalizar o padrão de consumo dos países desenvolvidos devido à limitação dos recursos naturais existente no planeta Terra. Desde a década de 1970, autores como Celso Furtado (1974) no livro Mito do Desenvolvimento, e o Clube de Roma já afirmavam que não era viável estender o padrão de consumo dos países desenvolvidos para o restante do planeta e falavam da necessidade de crescimento zero por causa da insuficiência dos recursos naturais disponíveis. É cada vez mais urgente a necessidade de se pensar em novos modelos de desenvolvimento que procure conciliar a geração de riqueza (econômico) com a ampliação da melhoria das condições de vida para toda a população (social) de forma sustentável para garantir que as próximas gerações possam ter acesso aos recursos naturais (ambiental). Pensar em soluções para estes problemas envolve necessariamente a orientação do desenvolvimento científico e tecnológico de modo que possa responder aos desafios que estão postos no contexto atual. No caso do Brasil, a tentativa de copiar o elevado padrão de consumo de países como os Estados Unidos levou a um modelo de desenvolvimento que concentrou a renda e aumentou a desigualdade social e regional. Só para você ter uma noção desse modelo de desenvolvimento desigual, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste alguns indicadores sociais são comparáveis a países africanos. Menos de 20% da população nestas regiões tem acesso a saneamento básico e água tratada. No Nordeste cerca de 30% da população está abaixo da linha da pobreza. Em 2008, a taxa de analfabetismo na região Nordeste era de 17,7%, sendo Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 4 que na Paraíba, Piauí e Alagoas fica entre 19 e 24%, enquanto que nas regiões Sul e Sudeste as taxas eram de 5% e 5,4%, respectivamente (IBGE/PNAD, 2009). O Estado do Rio Grande do Norte contava com uma população de 3.137.541, segundo o último censo do IBGE, sendo 45% de pessoas de 0 a 24 anos. Em 2008, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade era de 20 %, dos quais 52,1 % são pessoas com mais de 60 anos. 56% das famílias com crianças de 0 a 6 anos de idade,tem rendimento familiar per capita até 1/2 Salário Mínimo. Os domicílios que possuem microcomputador com acesso à Internet representam 13,56%. Apenas 17,68 % dos domicílios possuem serviços de rede coletora de esgoto e 30% fossa séptica (PNAD, 2008). Planejar soluções para estes problemas requer necessariamente a utilização da base científica e tecnológica de universidades como a UFRN e outras instituições de pesquisa. O capítulo está organizado da seguinte forma. Na primeira parte será feita uma breve discussão da trajetória das tecnologias alternativas em contraposição à tecnologia capitalista até chegar ao conceito de tecnologias sociais. Na segunda parte será associada a emergência das tecnologias sociais no Brasil à organização de entidades da sociedade civil. Na terceira, serão apresentados casos de tecnologias sociais que foram desenvolvidas por instituições de pesquisa, ONG, associações de trabalhadores em interação com as comunidades de diversas regiões do país. 3.2 Trajetória da tecnologia alternativa Na Índia do final do século XIX houve a tentativa de lutar contra a injustiça social do sistema de castas e do domínio britânico através do desenvolvimento das tecnologias tradicionais. Gandhi procurou despertar a consciência da população hindu sobre a possibilidade de ser dona de seu destino (autodeterminação do povo) por meio da popularização da roca de fiar manual. A estratégia se baseava no desenvolvimento tecnológico a partir da base técnica existente e não através de importação de um padrão tecnológico europeu. A proposta de desenvolvimento de Gandhi era a popularização da máquina de fiar e o melhoramento das técnicas locais tendo como objetivo final a transformação da sociedade hindu. A ideia de tecnologia alternativa foi aplicada na República Popular da China e influenciou pesquisadores que estavam preocupados com o desenvolvimento econômico nos países periféricos e percebiam que as tecnologias convencionais das empresas capitalistas não eram Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 5 adequadas a estes países por terem um custo elevado (intensiva em capital) e por gerar desemprego. Um economista alemão - Schumacher - cunhou a expressão “tecnologia intermediária” para designar uma tecnologia de baixo custo de capital, pequena escala, simplicidade e respeito ao meio ambiente. Para o autor, esta tecnologia, também conhecida como tecnologia apropriada, seria mais adequada aos países pobres (Dagnino, Brandão e Novaes, 2004: 20). Durante as décadas de 1970 e 1980, cresceu o número de partidários da tecnologia apropriada, pensando na redução da pobreza nos países periféricos e em fontes alternativas de energia para os países avançados. Os pesquisadores que procuravam pensar em alternativas de desenvolvimento tecnológico criticavam também o contexto socioeconômico e político no qual eram construídos os artefatos e processos. Passava-se a refletir nova relação entre ciência, tecnologia e sociedade (CTS), incorporando a questão da participação de diferentes grupos sociais no processo decisório de escolha tecnológica baseado em critérios de baixo custo dos produtos e do investimento, pequena ou média escala, facilidade de operação e, principalmente, geração de benefícios sociais para as comunidades envolvidas. Os pesquisadores preocupados com a temática do desenvolvimento tecnológico para inclusão social nos países periféricos questionavam o modelo linear de inovação segundo o qual o desenvolvimento social seria uma conseqüência do progresso técnico baseado na ciência básica. Este modelo ainda está arraigado entre os cientistas e burocratas. Nos anos 1990, o movimento intelectual que procurava refletir sobre um novo estilo de desenvolvimento baseado nas noções de tecnologia apropriada, também chamada de democrática, popular, libertária, limpa, etc, entrou em refluxo em função da hegemonia do pensamento neoliberal e do processo de globalização que provocou o aumento da competitividade das empresas, reorganização da produção em escala mundial e reestruturação industrial em países como o Brasil. A reestruturação produtiva na indústria brasileira combinada com a abertura comercial e baixa taxa de crescimento econômico aumentou o desemprego e enfraqueceu o movimento sindical que passou a ter uma postura mais defensiva de preservação de emprego. A adesão ao pensamento neoliberal resultou na renúncia a um projeto nacional baseado em uma trajetória própria mediante a busca de maior autonomia tecnológica. Os programas tecnológicos nas áreas estratégicas (espacial, defesa, aeronáutico) foram sucateados com a redução de recursos disponíveis. Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 6 Na última década, a estabilização macroeconômica, crescimento e redução da dependência externa criaram as condições para investir mais em ciência e tecnologia com a expectativa de gerar impactos no desenvolvimento do país. Em função disso, o dispêndio em C&T triplicou nos últimos dez anos no Brasil, acompanhando uma tendência dos países desenvolvidos e os chamados emergentes. No entanto, a pobreza, a desigualdade regional e o uso predatório dos recursos naturais ainda não são tratados como problemas centrais da política de ciência, tecnologia e inovação. Em 2008, apenas 1% dos recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia foi destinado à rubrica desenvolvimento social. Obstáculos para uma política de CTI voltada ao desenvolvimento social Existem vários fatores que contribuem para que a política de CTI fique circunscrita ao mundo científico ou, como denominam os especialistas tecnocratas, ao sistema de ciência, tecnologia e inovação. Um dos principais fatores é a permanência da concepção de ciência autônoma e neutra associada aos interesses das elites do ambiente científico de preservação do prestígio social, do capital científico, em uma palavra do status quo. O ambiente científico é conservador e tem uma estrutura desigual. A agenda de pesquisa está mais condicionada à lógica interna do ambiente científico que procura estar na fronteira da ciência universal e, por isso, é pouco contextualizado. Na maioria das vezes, as prioridades para o desenvolvimento científico e tecnológico financiadas pelo Estado não respondem aos problemas reais de países periféricos como a pobreza e a baixa qualidade de vida. Outro fator que está relacionado à forma de organização autônoma do ambiente científico e o distanciamento das demandas sociais, é a limitada percepção pública da temática ciência e tecnologia e a dificuldade de levar à “academia” as demandas mais prementes da população para o processo decisório. Existem fóruns e conferências na área de C&T que, em tese, deveria debater os problemas e estabelecer diretrizes para alocação de recursos, mas mantém espaço privilegiado para os cientistas. Contudo, paulatinamente, tem havido um avanço na participação de organizações da sociedade civil e movimentos sociais na proposição de prioridades visando a inclusão social e os problemas mais imediatos da sociedade. Esta mobilização de novos atores da sociedade civil na criação de fóruns e conferências possibilitou a inclusão de propostas relacionadas ao incentivo e financiamento do desenvolvimento de tecnologias sociais na política de CTI expressa no Livro Azul, divulgado em 2010. Este documento sinaliza para o aumento de aporte de recursos para ações e estratégicas que procurem orientar a geração de conhecimento científico e tecnológico para o desenvolvimento Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 7 social. No contexto desta mobilização de entidades da sociedade civil, tem sido elaborado o marco analítico-conceitual da tecnologia social como uma alternativa mais eficaz na solução de problemas sociais, que procura estabelecer uma nova relação entre ciência, tecnologia e sociedade. Até poucotempo, as políticas de combate à pobreza tinham um caráter assistencialista que não promovia a emancipação. Outra característica das instituições que trabalham com o conceito de tecnologias sociais é a forma de organização em rede, visando reutilizar soluções tecnológicas em diferentes locais que tenham a mesma necessidade. Tecnologias sociais entendidas como processo de construção social Quando falamos em tecnologia como processo de construção social, queremos dizer que as características de um determinado artefato tecnológico é fruto de negociação de diferentes grupos sociais que têm preferências e interesses. Desse modo, o tipo de tecnologia está relacionado aos interesses políticos, econômicos ou sociais. Para alguns autores (Pinch e Bijker, 1990; Feenberg, 1999) a decisão sobre o desenho da tecnologia passa pelo crivo da escolha social, reflete as práticas sociais e culturais de um determinado período e local. Esta concepção pode ser verificada no conceito de tecnologias sociais. Os próprios atores da sociedade civil concebem as tecnologias sociais “como aquelas que compreendem produtos, técnicas e metodologias desenvolvidas na interação dos saberes científico e popular e que representam efetivas soluções de transformação da sociedade” (RTS, 2010). A perspectiva destes atores parte da premissa de que a sociedade também tem um conhecimento baseado na experiência de vida e que, em interação com pesquisadores que detém um conhecimento científico, produzem soluções para os seus problemas relacionados ao processo produtivo ou para o atendimento de necessidades básicas como acesso a água, tratamento de doenças, alimentação, etc. Desse modo, tal perspectiva é diferente da visão de que o único detentor de conhecimento é o cientista ou engenheiro. Ao contrário, o conceito de tecnologias sociais parte do entendimento de que o conhecimento é produzido em diferentes lugares como resultado de interação social e a tecnologia é o resultado de uma construção coletiva que leva em conta os recursos materiais e humanos disponíveis. O conceito de tecnologias sociais tem uma proximidade com estudiosos da tecnologia chamados de construtivistas. É possível identificar uma convergência entre estudiosos da tecnologia da corrente construtivista, de autores do campo de Ciência, Tecnologia e Sociedade e as lideranças das instituições da sociedade civil que trabalham com o conceito de tecnologias sociais. Os pontos Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 8 em comum entre estes três segmentos são: o conhecimento é produzido em diferentes lugares como empresas, hospitais, ONGs, não sendo exclusividade da universidade; o processo de construção de tecnologia é um processo participativo que envolve diferentes grupos sociais, inclusive aqueles que detêm o saber popular. Esta visão estabelece forte vínculo entre democratização e desenvolvimento tecnológico, na medida em que o desenho da tecnologia se dá num processo de interação do conhecimento científico e popular, o que requer formas de organização mais democráticas. A visão de tecnologias construídas a partir das demandas sociais se aproxima da teoria crítica da tecnologia de Andrew Feenberg (1999). Segundo o autor, a concepção de neutralidade da tecnologia desconsidera que está enraizada nela valores anti-democráticos comum à lógica capitalista que visa o controle dos trabalhadores e recursos para aumento de eficiência e lucros. Para Feenberg, o poder tecnocrático está presente nas decisões sobre o desenho da tecnologia, em função da necessidade de controle do processo produtivo. Nesse sentido, existe uma dimensão política na construção dos artefatos e processos tecnológicos. O conceito de tecnologias sociais considera esta dimensão e se caracteriza por ter relação estreita com a prática democrática de envolver as comunidades no desenvolvimento da tecnologia levando em conta o saber popular para atender suas necessidades. Para você entender as principais diferenças entre as tecnologias empregadas nas grandes empresas e as tecnologias sociais é feita uma comparação no quadro 01. No contexto do sistema capitalista mundial, as tecnologias convencionais visam a maximização do lucro, o que não significa bem estar social. Como exemplo, podemos destacar o caso do Fordismo, como uma tecnologia de processo que maximizou o volume de produção e do lucro, desqualificou a mão-de-obra com a subdivisão do trabalho e reduziu o trabalho humano a movimentos repetitivos. Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 9 Quadro 01 – Características das tecnologias Tecnologias Capitalistas Tecnologias Sociais Utilizada na propriedade privada. Utilizada na propriedade coletiva, cooperativas e associações. Voltada para produção em grande escala. Os empreendimentos são pequenas unidades produtivas Poupadora de mão-de-obra. Geradora de ocupação e renda. Controle coercitivo do trabalho. Autonomia no trabalho e estrutura ocupacional homogênea. Segmentada para evitar o controle do produtor no processo de trabalho. Controle social (produtor) do processo produtivo. Visa o lucro em detrimento do social e meio ambiente. Atende necessidades básicas. Fonte: Adaptado de Dagnino, Brandão e Novaes, 2004 O desenvolvimento tecnológico das multinacionais está orientado para o atendimento do mercado formado por pessoas de alta renda. O destino preferencial dos produtos de alta tecnologia são os países desenvolvidos e as classes mais abastadas dos países periféricos. Vale lembrar que a industrialização no Brasil esteve associada a um processo de concentração de renda para que uma camada privilegiada da sociedade formasse o mercado interno (Furtado, 2003). Somos induzidos a pensar que existe apenas um único caminho de desenvolvimento tecnológico, que é a trajetória dos países desenvolvidos e suas multinacionais, e países como Brasil precisam dar saltos (catting-up) para alcançar este estágio tecnológico. Em outras palavras, segundo a visão dominante, para países como o Brasil ser desenvolvido é preciso dominar as tecnologias dos países avançados, isto é, seguir o padrão tecnológico. A ideia da possibilidade de desenhar alternativas tecnológicas para novos estilos de desenvolvimento fica restrita a poucos pesquisadores e militantes das causas sociais. Perdeu- se a capacidade de criar, imaginar e projetar desvinculado da visão dominante. A ideia da trajetória única dos países desenvolvidos está tão arraigada na mente das pessoas, inclusive na comunidade de pesquisa que procura seguir as tendências dos centros mundiais. O Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 10 determinismo tecnológico não modifica a relação de dependência entre países centrais e periféricos. 3.3 Organização da Sociedade Civil2 e Tecnologias Sociais Para Dagnino, Brandão e Novais (2004) o marco analítico-conceitual das Tecnologias Sociais trata a tecnologia como processo e não como produto. Isto quer dizer que consideram o processo de produção da tecnologia. No caso do conceito de tecnologias sociais, há uma ênfase no processo de produção da tecnologia que considera a interação entre pesquisadores que detêm o conhecimento técnico-científico e a comunidade que participará do desenvolvimento das tecnologias para melhorar sua condição de vida. Este caráter de rede atribuído às tecnologias sociais, que articula diferentes grupos sociais e diversas instituições estabelece um novo padrão de governança no qual o Estado deixa de ter o papel protagonista na consecução de políticas de C&T voltadas para os problemas sociais. A rede é uma forma de organização aberta e descentralizada e não hierarquizada. Concomitantemente à evolução do entendimento sobre a produção de tecnologia orientada para o desenvolvimento social em países periféricos, foram sendo criadas algumasinstituições na sociedade civil para promover o desenvolvimento e a difusão de tecnologias sociais a partir dos anos 2000. Uma das primeiras instituições a atuar na área de tecnologia social foi a Fundação Banco do Brasil (FBB). Dada a ausência de programas, projetos e publicações sobre tecnologias sociais, a Fundação Banco do Brasil resolveu lançar em 2001 o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social e o Banco de Tecnologias Sociais. O Banco de Tecnologias Sociais serve para armazenar soluções, desenvolvidas em um determinado local, para atender as necessidades de geração de energia, acesso a água, educação, habitação, agricultura, renda, e estimular o desenvolvimento de projetos semelhantes em outras regiões que enfrentam os mesmos problemas. 2 Neste trabalho a sociedade civil é entendida como um espaço onde se manifesta os interesses e necessidades de diversos setores da sociedade, incluindo das camadas mais carentes, e ocorre um esforço de geração de consenso e definição de uma direção política no sentido de promover um desenvolvimento qualitativamente distinto do existente. Um projeto político de desenvolvimento que sintetize as necessidades sociais, a vontade coletiva e a garantia da preservação dos recursos naturais para as gerações futuras. Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 11 A partir das iniciativas da FBB surgem outras organizações, como a criação, em 2002, do Instituto de Tecnologia Social; da Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social, do Ministério de Ciência e Tecnologia, em 2003; do Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social, em 2004; e do Centro Avançado de Tecnologias Sociais Ayrton Senna. Tais instituições passaram a se articular e participar de fóruns e conferências que discutem a formulação de política de CTI voltada para o desenvolvimento social. Entre 2000 e 2002, nos preparativos da 2ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, Irma Passoni, uma das fundadoras do Instituto de Tecnologias Sociais, foi convidada pelo ministro Ronaldo Sardenberg para auxiliar na organização do evento e mobilização de parlamentares e movimentos sociais.3 A partir da 2ª Conferência um conjunto de instituições da sociedade civil vem se articulando para contribuir na elaboração da Política de CTI voltada para a inclusão social. Em 2005, as ONGs formularam diretrizes e propostas para a III Conferência. Na ocasião decidiu-se criar um Fórum Nacional das ONGs que atuam com Tecnologia Social para consolidar e aprofundar a participação das ONGs no processo de construção de CTI, no Brasil, em articulação com o poder público, universidades, instituições de pesquisa, agências de fomento de CTI e empresas. Entre as propostas apresentadas no “Manifesto do Fórum Nacional de CTI para a III Conferência Nacional”, destacam-se: o fortalecimento da Secretaria de C&T para Inclusão Social (SECIS) como órgão de articulação interministerial e entre governo e sociedade civil para execução das ações de C&T visando a inclusão social; criação de espaços de participação de representantes da sociedade civil em órgãos colegiados como o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, Conselho Deliberativo do CNPq, Comitês Assessores do CNPq e Comitês Gestores dos Fundos Setoriais.4 A questão da necessidade de fortalecimento institucional da SECIS com aumento do aporte de recursos foi levantada novamente na Conferência Regional do Nordeste em 2010. Telles at alli (2010) afirmam que a maior parte dos recursos da SECIS tem como fonte as emendas parlamentares e sugerem a criação e manutenção de um fluxo de recursos orçamentários de forma regular. Desse modo, apesar de haver abertura por parte do governo federal para participação das instituições da sociedade civil no Eixo IV - C&T para o Desenvolvimento Social das Conferências, a mobilização de instituições da sociedade civil e participação nas discussões não implicam na implementação de políticas que orientam a produção e aplicação do conhecimento para gerar desenvolvimento inclusivo e beneficiar os segmentos mais carentes da sociedade. Na 4ª 3 Entrevista da gerente executiva do Instituto de Tecnologia Social concedida a Rede de Tecnologias Sociais. 4 Manifesto do Fórum Nacional de CT&I para a III CNCTI, 2005. Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 12 Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, foi apresentada proposta de criação de um Programa Nacional de Tecnologias Sociais pelo Fórum Brasileiro de Tecnologia Social e Inovação com recursos da Finep para financiar atividades de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias sociais. As propostas do movimento da TS foram atendidas na Política Nacional de CTI. 3.4 Casos de Tecnologias Sociais Nesta seção faremos uma descrição de alguns exemplos de tecnologias sociais que foram finalistas do concurso realizado pela Fundação Banco do Brasil com o objetivo de esclarecer a você, através de casos, o que são tecnologias sociais. Você pode perceber que as tecnologias sociais são desenvolvidas para aperfeiçoar processos produtivos de pequenos empreendimentos, aumentar a renda dos produtores e melhorar as condições de vida das comunidades. Podemos citar como exemplo o projeto da Mini-fábrica de Castanha de Caju - Módulo Agroindustrial Múltiplo de Processamento e Comercialização de Amêndoa de Castanha de Caju realizado no interior do Ceará. A tecnologia visa organizar mini-fábricas para reduzir a quebra de 40% a 45% através da adoção do processo e linha de equipamentos desenvolvidos pela Embrapa em parceria com a iniciativa privada; da formação de um conjunto de mini-fábricas e a implantação de uma unidade central responsável pelo fornecimento da castanha previamente classificada. Com isso, houve o aumento em 50% de amêndoas inteiras. Em 2003, foi premiada a Solução Compacta e de Baixo Custo para Tratamento de Esgotos Domésticos desenvolvida pelo Núcleo de Bioengenharia Aplicada em Saneamento da UFES desde 1995 em Vitória - Espírito Santo. Uma estação de tratamento baseada em tecnologias limpas para aplicação na urbanização de zonas de baixa renda que utiliza um reator anaeróbio no início do tratamento biológico, 70% da matéria orgânica presente no esgoto é removida Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 13 sem consumo de energia. O resultado foi a redução significativa do nível de contaminação dos corpos d’água; eliminação do contato direto da população com o esgoto; redução dos gastos com tratamento médico–hospitalar. A Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da ilha das Cinzas em parceria com a FASE (ONG) e a prefeitura do município de Gupurá – PA implantou um sistema de produção para melhorar a qualidade do Camarão a partir da adaptação das armadilhas introdução de viveiros para estocagem in natura, capacitação das famílias em produção, gestão ambiental e gestão de organizações associativas. Os resultados alcançados foram aumento no tamanho dos camarões comercializados (de 4,5 para 9,2 cm); aumento do preço recebido pelos produtores (de R$ 0,80 para R$ 2,5) e da renda familiar mensal oriunda do camarão (de 1/2 para 1,2 salário mínimo); estabilização da produção e, conseqüentemente, da renda anual proveniente do camarão; garantia de mercado para o produto com preço justo, mesmo em época de pico de produção. O Centro de Estudos e Projetos de Energias Renováveis de Recife – PE desenvolveu dispositivo de geração de energia solar para bombeamento de água dos poços em pequenas áreas de irrigação, visando a produção de culturas alimentares consorciadas com frutíferas, melhorando a alimentação e a renda na agricultura familiar de comunidades rurais do semi-árido. A adoção desta tecnologia permitiu o aumento da produtividade nas áreasirrigadas e aumento da renda familiar. Estes são alguns exemplos de tecnologias sociais que foram desenvolvidas com poucos recursos para atender demandas socioeconômicas de comunidades de baixa renda. Conclusão Ainda que a mobilização de diversas instituições para estabelecer uma estratégia alternativa de desenvolvido seja um fenômeno recente, é possível identificar avanços tanto na discussão sobre o conceito das tecnologias sociais quanto nas ações empreendidas de desenvolvimento de tecnologias em interação com as comunidades de diversas regiões. Embora tenha havido uma abertura do governo federal para aproximar a ciência e tecnologia das questões sociais, os dispêndios têm sido muito reduzidos. Iniciativas de gerar tecnologias para inclusão social não têm o peso compatível com as necessidades da população. Numa perspectiva de longo prazo, vislumbra-se a multiplicação de ações de C&T para o desenvolvimento social na medida em que fortaleça as articulações entre as instituições da Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 14 sociedade civil e organizações de pesquisa e avance o processo de democratização do país. De todo modo, está cada vez mais evidente que é preciso investir em trajetórias tecnológicas para pequenos empreendimentos alternativas ao avanço tecnológico das multinacionais para estimular o desenvolvimento de regiões menos desenvolvidas que estão na periferia do sistema capitalista mundial. Atividades 1. Pesquise alguns exemplos de tecnologias sociais que são utilizadas no estado do Rio Grande do Norte. 2. Identifique no seu cotidiano que necessidades poderiam ser atendidas por meio do desenvolvimento de tecnologias sociais. 5.0 Resumo Nesta aula, você aprendeu que existem tecnologias que são desenvolvidas para solucionar problemas sociais, aumentar a eficiência de processos produtivos de pequena escala como as mini-fábricas de castanha de caju e melhorar as condições de vida das comunidades de baixa renda. Você aprendeu também que as tecnologias sociais são fruto da interação do conhecimento popular e científico e os novos atores envolvidos nesse processo são originários de movimentos sociais e ONGs. Estes atores se organizam em rede, isto é, de forma não- hierárquica. Entre as diferenças descritas no texto, as tecnologias sociais possibilitam ao trabalhador o controle dos meios de produção, enquanto as tecnologias capitalistas utilizadas pelas grandes empresas procuram manter o controle sobre os trabalhadores e o processo produtivo para obtenção de lucros. 6.0 Autoavaliação Pesquisa na internet alguns exemplos de tecnologias sociais que estão sendo desenvolvidas no seu estado. _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ Tomando com referência a cidade onde você mora, aponte que demandas poderiam ser atendidas pelas tecnologias sociais. Tecnologias Sociais e Desenvolvimento 15 _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ Referências DAGNINO, R.; BRANDÃO, F. C.; NOVAES, H. T. Sobre o marco analítico-conceitual da tecnologia social. In: Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, 2004. FEENBERG, A. Alternative modernity. Califórnia: University of California Press, 1999. FURTADO, C. O Mito do Desenvolvimento Econômico. RJ, Paz e Terra, 1974. PINCH, T.; BIJKER, W.E. The social construction of facts and artifacts: or how the sociology of science and the sociology of technology might benefit each other. In: BIJKER, W.E. et. Al. The social construction of technological systems. Cambrigde: The MIT Press, 1990. RODRIGUES, I.; BARBIERI, J. C. 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