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suicidio - conto penélope

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Suicídio é a supressão voluntária e consciente da própria vida, e, por isso, é indispensável que a vítima tenha capacidade de discernimento para entender o ato que pratica.
Tais situações configuram claramente autoria mediata18. Exige-se, para.
Configurar o crime previsto no art. 122 CP, que a vítima seja capaz de praticar o suicídio com vontade livre, não viciada.
"Penélope" tece a própria morte 
Claudiana Soerensen, Mestre em Estudos Literários pela UFPR, Especialista em História do Brasil, Graduada em História e em Letras.
Conta a lenda grega que durante a ausência do marido, Penélope – esposa de Ulisses e mãe de Telêmaco - foi pedida em casamento por diversos pretendentes, prometendo escolher um deles logo que concluísse a peça de bordado que estava tecendo. Acontece que todas as noites ela desfazia o trabalho realizado durante o dia, adiando dessa maneira, indefinidamente, a decisão que os candidatos à sua mão aguardavam ansiosos. E se assim procedia era porque, quando seu esposo partiu para a guerra de Tróia, confiou-lhe a guarda do reino da Ítaca, pedindo-lhe que caso não retornasse, ela não se casasse enquanto Telêmaco fosse jovem.
É com base nessa lenda que Dalton Trevisan escreve o conto “Penélope”, incluso na obra “Novelas nada exemplares”. O enredo gira em torno de um casal de idosos que tem sua vida rotineira abalada por uma série de cartas anônimas que resultam no ciúme paranóico do marido e no suicídio da mulher. O texto é uma intertextualidade com a personagem Penélope, não só pelo nome do conto e da personagem, mas, sobretudo, pela simbologia da fiação. O autor vale-se do mito de Penélope para reinventar a história por meio da inversão irônica e criando uma nova situação condizente com os rumos da sociedade e do homem moderno.
Apesar de Trevisan mostrar o lado funesto e inseguro do ser humano, o autor o faz de uma maneira sutil, pois ele não aponta, não culpa e nem defende o marido por seu ciúme doentio, ele limita-se a apresentá-lo. A apresentação “sem juízo de valor” do drama do marido chega ao leitor pela voz de um narrador onisciente, que penetra na consciência da personagem de tal modo que, em certos momentos, não fica evidente se é a voz do narrador ou o pensamento do marido: “Sábado seguinte, durante o passeio, lhe ocorre: só ele recebe a carta? Pode ser engano, não tem direção. Ao menos citasse nome, data, um lugar.”
A narrativa apresenta o processo de construção do ciúme que vai do fluxo de consciência e da imaginação do marido aos acontecimentos concretos: a série de cartas anônimas deixadas na porta do casal, todos os sábados, enquanto seguiam para o passeio costumeiro. Entre a evidência das cartas e a incerteza da traição, o narrador acompanha o conflito do marido e penetra em seu inconsciente afetado pelo ciúme, mas deixa a mulher numa redoma de mistério.
Os pensamentos de Penélope não são conhecidos já que não é narrado o ponto de vista da mulher. Na maioria das vezes, ela aparece tricotando, com poucas falas durante o enredo. São os ciúmes do marido que indagam as atitudes da esposa: “Voltando as folhas, surpreendia o rosto debruçado sobre as agulhas. Toalhinha difícil, trabalhada havia meses. Recordou a lenda de Penélope, que desfazia de noite, à luz do archote, as linhas acabadas durante o dia e, à espera do marido, assim ganhava tempo de seus pretendentes. Calou-se no meio da história: ao marido ausente enganara Penélope? Para quem a mortalha que trançava? Continuou a estalar as agulhas após o regresso de Ulisses?”
O conto é análogo à lenda pelas associações entre as duas personagens que se chamam Penélope e igualmente aparecem relacionadas às fiandeiras, mas se distanciam pela oposição crucial entre vida e morte. Se no mito o que está em jogo é o amor que leva à vida conjugal, no conto é a morte e a desconfiança que provoca a fatal separação do casal.
O ato de fiar representa um eterno retorno pelo processo de tecer e desfazer o trabalho começado e interminável. A escolha de Penélope por desfazer à noite o que fez durante o dia garante-lhe tempo para fabricar suas próprias defesas contra o destino imposto pelos outros. Também no conto, Penélope é uma tecelã e decide o momento em que o trabalho ficará pronto em que cortará os fios que a prendem à vida, determinando a ocasião de sua morte.
Porém, ao contrário do mito, Penélope não suporta a longa espera, o tempo em que o marido “retornaria” a si, superando o ciúme e reconhecendo sua fidelidade. Antes, decide por fim ao drama, sendo senhora de seu destino ao cortar os fios que a ligam à vida, embora ainda dê um tempo ao marido, pelo processo de fazer e desfazer a toalhinha. Ao fazer isso, ela torna-se uma espécie de fiandeira que tece, mede e corta seu destino. E é por ser uma fiandeira que ela embaralha a vida do marido, pois ele estará condenado ao remorso e à culpa pelo suicídio da esposa, já que as cartas prosseguem após a morte dela: “‘Fui justo’, repetia, ‘fui justo’ –, com mão firme girou a chave. Abriu a porta, pisou na carta e, sentando-se na poltrona, lia o jornal em voz alta para não ouvir os gritos do silêncio.”
Assim como no mito, Penélope tece/borda uma toalhinha, fazendo e desfazendo pontos, num trabalho que exige tempo e paciência. Contudo, se no mito, ao bordar a peça “interminável” Penélope perpetua o amor ao marido que está longe, no conto, Penélope tece, perto do marido, a mortalha para si mesma e da separação eterna: “Entrou na sala, viu a toalhinha na mesa – a toalhinha de tricô. Penélope havia concluído a obra, era a própria mortalha que tecia”.
O conto de Dalton Trevisan faz uma inversão, resgatando e se afastando da lenda grega, ao propor um mito às avessas, em que se observa, em vez da fortaleza conjugal, a fragilidade dos laços matrimoniais e do ser humano.

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