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Livro de Formação Continuada Linguagens e suas Tecnologias CAMINHOS PARA A PRÁTICA DOCENTE LINGUAGENS dasTRAMAS Gerson Rodrigues • Pâmella Cruz TeatroTeatroTeatro Livro do Professor ENSINO MÉDIO CAPA_PV_Objeto3_PNLD21_T.indd 3CAPA_PV_Objeto3_PNLD21_T.indd 3 1/13/21 12:30 PM1/13/21 12:30 PM Linguagens e suas Tecnologias CAMINHOS PARA A PRÁTICA DOCENTE LINGUAGENS dasTRAMAS GERSON RODRIGUES Mestre em Artes (Pedagogia do Teatro) e licenciado em Educação Artística pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Artes Visuais, Intermeios e Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP). Pesquisador na Escola Currículo e Conhecimento (ECCo) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Membro da Comissão de Especialistas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental, componente Arte (1ª e 2ª versões). Docente na rede municipal de ensino de Guarujá (SP). Ator, diretor teatral e gestor cultural. PÂMELLA CRUZ Licenciada em Arte-Teatro pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp-SP). Mestra em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP). Arte-educadora na rede municipal de ensino de São Paulo. Artista e pesquisadora, integra projetos artísticos autorais. TEATRO 1a EDIÇÃO São Paulo - 2021 Livro do Professor ENSINO MÉDIO Frontis_Objeto3_PNLD21_T.indd 2Frontis_Objeto3_PNLD21_T.indd 2 1/13/21 12:29 PM1/13/21 12:29 PM Presidência: Paulo Serino Direção editorial: Lauri Cericato Gestão de projeto editorial: Alice Ribeiro Silvestre Coordenação editorial: Mirian Senra Edição: Andréia Szcypula, Natalia Vianna, Andréia Tenório e Kátia Scaff Marques Planejamento e controle de produção: Vilma Rossi e Camila Cunha Revisão: Lilian Semenichin (coord.), Aiko Cristina Mine Cavalcante, Ana Cristina Garcia, Ana Maria Alves Curci, Cárita Ferrari Negromonte, Daniela Gomes Uemura, Evelize Pereira Alves Bernardes, Fernanda Guerriero Antunes, Giovana Bomentre, Janaína Taís da Silva, Jeferson Paiva dos Santos, Maíra de Freitas Cammarano, Maria Gabriela Rodrigues de Castro e Pedro Paulo da Silva Arte: Claudio Faustino (ger.), Erika Tiemi Yamauchi (coord.), Luiza de Oliveira Massucato (edição de arte), Arte4 Produção Editorial (diagramação) Iconografia e tratamento de imagens: Roberto Silva (coord.), Evelyn Torrecilla (pesquisa iconográfica), Emerson de Lima (tratamento de imagens) Licenciamento de conteúdos de terceiros: Fernanda Carvalho (coord.), Erika Ramires e Márcio Henrique (analistas adm.) Design: Flávia Dutra, Tatiane Porusselli e Noctua Art (proj. gráfico), Noctua Art (capa) Foto de capa: LightField Studios/Shutterstock Todos os direitos reservados por Editora Ática S.A. Avenida Paulista, 901, 4o andar Jardins – São Paulo – SP – CEP 01310-200 Tel.: 4003-3061 www.edocente.com.br atendimento@aticascipione.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua - CRB-8/7057 2021 Código da obra CL 720090 CAE 753864 (PR) 1a edição 1a impressão De acordo com a BNCC. Envidamos nossos melhores esforços para localizar e indicar adequadamente os créditos dos textos e imagens presentes nesta obra didática. Colocamo-nos à disposição para avaliação de eventuais irregularidades ou omissões de créditos e consequente correção nas próximas edições. As imagens e os textos constantes nesta obra que, eventualmente, reproduzam algum tipo de material de publicidade ou propaganda, ou a ele façam alusão, são aplicados para fins didáticos e não representam recomendação ou incentivo ao consumo. Impressão e acabamento 2 FC_TEATRO_g21At_002_Credito.indd 2FC_TEATRO_g21At_002_Credito.indd 2 14/01/2021 14:3514/01/2021 14:35 S U M Á R I O Carta ao Professor ...........................................................5 Introdução ao volume de Teatro ...................................6 Abordagem teórico-metodológica geral da obra .....................................................................7 Abordagem de cada dimensão .....................................9 Dimensão 1 – O conhecimento de si e trajetória profissional .................................................. 9 Dimensão 2 – O conhecimento sobre teatro posto em debate .............................................. 9 Dimensão 3 – O trabalho interdisciplinar por área de conhecimento .................................................... 10 Dimensão 4 – Por uma avaliação mediadora ................. 11 A Base Nacional Comum Curricular e Arte no currículo integrado ...................................... 12 Organização da obra ..................................................... 14 Unidade 1 .......................................................................... 14 Unidade 2 ......................................................................... 14 Unidade 3 ......................................................................... 15 Bibliografia comentada ................................................. 17 UNIDADE 1 – O TRABALHO DOCENTE E A MEDIAÇÃO CULTURAL: POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS ........... 18 Para começar... ............................................................... 19 CAPÍTULO 1 – NA TRILHA DO TEATRO .................... 20 Sensibilização ..............................................................................21 Compreensão expandida de teatro ..................................23 O teatro na cultura de massa ..............................................27 Para além do espetáculo ...................................................... 30 Em ação! – Indústria cultural e cotidiano .......................32 Reverberações – Avaliação diagnóstica em Teatro ......33 Bibliografia comentada ................................................ 34 CAPÍTULO 2 – TEATRO E COLETIVIDADES ..............35 Sensibilização .............................................................................36 Teatro: uma arte essencialmente coletiva ......................37 O caráter lúdico do teatro ....................................................37 Espaços de formação ............................................................40 Projetos universitários interdisciplinares .........................41 Mestres da cultura popular: ancestralidade e tradição ..................................................... 43 Experimente! .............................................................................. 44 Teatro e atuação comunitária ............................................. 45 O arte-educador e sua atuação social ........................... 46 Em ação! – Cartografia teatral afetiva ............................ 49 Reverberações – Mapeamentos – caminhos possíveis .................................51 Bibliografia comentada .................................................52 CAPÍTULO 3 – MEDIAÇÃO CULTURAL COMO PROJETO DOCENTE .........................................53 Sensibilização ............................................................................ 54 O que é, para que serve e como se faz mediação cultural? .........................................55 Mediação teatral ....................................................................... 60 Em ação! – Projeto de mediação teatral .........................62 Reverberações – Relatório de percurso/pesquisa ................................................................... 64 Bibliografia comentada ................................................ 65 CAPÍTULO 4 – TEATRO NA ESCOLA: BREVE CONTEXTO ....................................................... 66 Sensibilização .............................................................................67 Teatro no ensino: contextualização ................................. 69 Ensino de Teatro na escola e a cultura na contemporaneidade ..........................................72 Experimente! ...............................................................................74mas transversais, que constituem o centro das preocupações atuais da nossa vida em sociedade. Pense nas possibilidades de tempo, espaço e recursos que terá de ar- ticular para realizar essa empreitada, quais os parceiros imediatos e aqueles que você pode convidar ao longo do processo, como operacio- nalizar as atividades nas dinâmicas de sua escola e as pesquisas neces- sárias para tratar de determinadas temáticas. Lembre-se de que você deve buscar essa postura investigativa, mediadora, criativa e artística em sua jornada como docente, contribuindo para o desenvolvimento do ensino de arte em nosso país. 200 A RODA DE CONVERSA COMO TÉCNICA DE AVALIAÇÃO QUALITATIVA Assim como as histórias passadas de geração em geração pelas tradições orais, as rodas de conversa fazem parte das atividades humanas desde os primórdios das sociedades. Elas são utilizadas, há séculos, para passar conhecimentos, informações estratégicas, tomar decisões, resolver conflitos de forma coletiva, promover a inte- ração social, a diversão etc. Seu formato permite o desenvolvimento da oralidade, da escuta individual e coletiva, do senso de pertencimento a um grupo, da troca de olhares e gestos que podem ser percebidos por todos, sem barreiras físicas, e o desenvolvimento de habilidades como a capacidade de reflexão, investigação, orga- nização, respeito às opiniões divergentes e a pontos de vista diversos. Em sua prática docente, você já deve ter proposto ou participado de uma dessas rodas, e, portanto, deve ter alguma familiaridade com os aspectos descritos acima. Podemos dividir uma dinâmica com roda de conversa em cinco etapas: organização, sensibilização, reflexão, sistematização e avaliação. Na organização, você deve se- guir os procedimentos adotados para a contação de histórias da seção “Em ação!”. Conduza a mediação dos trabalhos, faça combinados no início da sessão sobre como dar ou pegar a palavra, pedir silêncios coletivos, estabelecer médias de tempos para as falas (caso necessário), bem como sobre a duração geral do encontro. Enfim, pro- mova meios para garantir que as opiniões e conclusões sejam ouvidas e registradas para que nenhuma informação importante se perca. É aconselhável que uma ou mais pessoas da roda façam o registro escrito ou gravado e a síntese das conversas. No início da roda, proporcione um momento de sensibilização com os materiais que você selecionou (imagens, sons, cheiros etc.), tal como no início da contação de histórias. Oportunize aos participantes um ambiente de abertura e aproximação do tema que será tratado. Em seguida, abra o espaço para as reflexões a partir de uma pergunta mobilizadora que suscite as opiniões e o debate entre os participantes. Se for necessário, faça considerações ou comentários que liguem as opiniões ou que abram novos subtemas do assunto principal. Ao final do período combinado para reflexões e debates, peça as derradeiras considerações dos participantes e que as pessoas que estavam fazendo os registros compartilhem com todos a síntese do que foi conversado. Agradeça e finalize a sessão. Por fim, faça a avaliação do encontro a partir de suas anotações e impressões, das anotações das pessoas que estavam responsáveis pelos registros, dos comentários dos participantes ou de outras produções que eles, porventura, tenham deixado após o encontro (por exemplo, uma avaliação escrita do encontro). Analise esse conjunto de dados em relação a seus objetivos iniciais, veja se atingiu suas metas de discussão e compreensão do assunto, se o grupo conduziu a con- versa para outros temas, que podem ou não estar relacionados à proposta inicial, e pense em quais ações precisa implementar para continuar conduzindo o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes. R E V E R B E R A Ç Õ E S 99 PARA RECOMEÇAR... Ao longo da unidade, você pôde refletir sobre as formas teatrais em diversos contextos históricos e aproximá-las de temáticas atuais. Foram estudados as práticas teatrais, os encenadores e os grupos em diferentes momentos, com análise das principais características e relações com as formas de pensamento e organização social da- queles contextos. O percurso permite um diálogo efetivo entre Arte, História, Sociologia, Filosofia e Língua Portuguesa, compreendendo que o teatro é fonte documental e objeto de pesquisa. Além disso, as práticas com os estudantes ampliam os caminhos para o trabalho com os temas contemporâneos transversais propostos pela BNCC, as pesquisas e os exercícios colaborativos, dialógicos e fomentam a consciência crítica. CICLO DE DEBATES: TEATRO HOJE A proposta para fechamento desta etapa é construir coletivamente, com os(as) demais professores(as) da escola e com os estudantes, um ciclo de debates com temas pertinentes sobre o teatro hoje. É um interessan- te momento para relacionar as práticas teatrais, espetáculos e atuações de grupos com assuntos que mobilizam a sociedade, por exemplo, tratar da representatividade negra na cena contemporânea; falar sobre a pre- sença das mulheres na trajetória teatral brasileira; pesquisar os grupos atuantes na América Latina. OBJETIVOS Organizar um ciclo de debates sobre assuntos pertinentes ao teatro atu- al em consonância com as culturas juvenis, promovendo uma constru- ção interdisciplinar e com envolvimento efetivo dos estudantes. JUSTIFICATIVA Construir espaços de diálogos na escola é fundamental para o exercício do protago- nismo juvenil, fortalecendo as trocas de sa- beres e vivências, exercendo a empatia e o respeito à diversidade. O evento do ciclo de debates em teatro é uma possibilidade de trabalho interdisciplinar em que Arte, Lín- gua Portuguesa, História e Filosofia podem colaborar na criação de uma programação com temáticas pertinentes aos contextos de nossa sociedade e das culturas juvenis, Alunos no pátio da Escola Estadual Alfredo Paulino durante debate com professores, São Paulo (SP), 2017. R u b e n s C h a v e s /P u ls a r Im a g e n s indo além da visão eurocêntrica e questio- nando os conflitos e as relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando a pluralidade de ideias e a busca por representatividade dos diversos grupos identitários. A proposta mobiliza as compe- tências gerais 1, 2, 4, 7, 9 e 10 e as competên- cias específicas 1 e 2. MATERIAIS Cartazes ou folders on-line para divulgação. Registros em foto e vídeo do evento. TEMPO ESTIMADO Trinta dias para a pré-produção e uma semana para o evento, com palestras diárias. PROCEDIMENTOS Etapa 1 – Pré-produção A etapa de pré-produção do ciclo de deba- tes deve ser pensada um mês antes do even- to, permitindo a organização entre os(as) professores(as) e os estudantes, definindo quais serão os eixos temáticos do evento e quais as comissões responsáveis por cada função. A definição das temáticas é fundamental para mobilizar os interesses dos participantes e das reflexões pertinentes ao contexto sociocultu- ral que vivemos. Você pode propor um diálo- go entre Arte, Língua Portuguesa, História e Filosofia, construindo coletivamente com os estudantes as abordagens para os debates, por exemplo: ■ Representatividade das mulheres no teatro contemporâneo; ■ Os grupos teatrais de periferia; ■ Vozes negras: o espaço na cena teatral bra- sileira etc. Etapa 2 – Produção Definidos os eixos temáticos, organize como será o formato do ciclo de debates, por exem- plo, uma mesa-redonda por dia durante os cin- co dias da semana. Defina, também, a duração de cada debate, por exemplo, 2 horas, sendo 40 minutos para perguntas do público. Você também pode incentivar apresentações artís- ticas para cada dia, como leituras dramáticas, pequenas cenas. Monte as equipes responsáveis por cada ciclo de debates, definindo os mediadores e debate- dores, fazendo os devidos convites. Caso não haja pessoasda cena teatral, monte as mesas com estudantes e professores que vão apre- sentar suas pesquisas sobre o tema e faça uso de vídeos caso seja possível na escola. Não se esqueça de criar a divulgação do even- to, produzindo cartazes ou folders eletrônicos. Estabeleça com a gestão escolar se o evento será apenas para os estudantes ou aberto à co- munidade. Na semana que antecede o evento, intensifi- que a divulgação e incentive a participação de todos. Distribua as funções necessárias, garantindo a organização do espaço, a es- trutura de som e as equipes destinadas ao registro em fotos e vídeos, que podem ser compartilhados virtualmente ao vivo ou pós- -evento. Etapa 3 – Avaliação Após o ciclo de debates, faça uma roda de con- versa e avalie o evento com os professores e estudantes que participaram da organização. É importante estabelecer quais foram as difi- culdades encontradas no percurso e os pontos positivos da ação. Isso contribui para repensar as práticas coletivas na escola e organizar futu- ras edições do evento. 147146 Para saber mais sobre características técnicas da iluminação teatral, leia algumas dicas do lighting designer Valmir Perez. ■ PEREZ, Valmir. Dicas de iluminação cênica. Campinas, SP: IA-Unicamp, [s. d.]. Disponível em: https://hosting. iar.unicamp.br/lab/ luz/todasasdicas. pdf. Acesso em: 9 dez. 2020. Leia alguns artigos sobre iluminação cênica contemporânea no site da Universidade do Estado de Santa Catarina. ■ UDESC. Centro de Artes. Luz Laboratório. 2016. Disponível em: https://www. udesc.br/ceart/luz/ artigos/iluminacao. A P R O F U N D A R P A R AE X P E R I M E N T E ! Os espetáculos geralmente possuem mapas de luz que indicam as zonas do palco que serão iluminadas durante a apresentação. Essas zonas são divididas em quadrantes, conforme a imagem a seguir: Esquerda alta Central alta Direita alta Esquerda média Central média Direita média Esquerda baixa Central baixa Direita baixa Frente da cena Retome a planta baixa que você fez para a cenografia do texto que criou no capítulo sobre dramaturgias, faça uma cópia e imagine, sobre ela, os focos de luz que gostaria de colocar na cena. Pense no tamanho, no formato e nas co- res, depois represente esses focos sobre a planta baixa, desenhando círculos, quadrados e outras formas geométricas. Dê nome para cada foco de luz (por exemplo: foco da mesa, luz geral etc.). Ao fazer isso, você praticará o pensamento de um iluminador ao criar a luz de um espetáculo. Leia seu texto novamente e identifique em que trecho (fala, movimentação ou música) entrará cada foco de luz. Anote essa se- quência na lateral do texto e você terá um roteiro básico de iluminação. Outra forma de fazer a re- presentação dos pontos de luz que serão utilizados em uma peça é criando um mapa com a disposi- ção dos refletores (geral- mente esse tipo de mapa vem acompanhado do tipo de refletor utilizado e a quantidade). Essa lista de equipamentos é chama- da de rider técnico (lê-se “raider”) de luz e a mesma ideia é utilizada para des- crever os equipamentos de vídeo e áudio necessá- rios para a apresentação. O rider técnico de um es- petáculo teatral é compos- to pelos riders de luz, som e vídeo. Mapa de luz sobreposto à planta baixa cenográfica. A área destacada em cinza é a área cênica. Ilustração de Juliana Semeghini, 2016. J u lia n a S e m e g h in i/ C o le ç ã o p a rt ic u la r 179 ção de imagens (se houver), instrumentos musicais e outros, a depender do tipo de atividade que você optar em realizar para promover a sensibilização dos estudantes. PROCEDIMENTOS: 1 Realize o mapeamento das possibilidades cul- turais de sua região a partir das informações encontradas nos materiais de divulgação que você pesquisou. 2 Converse com outros professores e com a equipe gestora da escola para definirem qual atividade ou espaço cultural é propício para vocês estabelecerem parcerias pedagógicas e logísticas. 3 Estude com a equipe gestora da escola as pos- sibilidades de transporte, alimentação, segu- rança e demais aspectos necessários para a ida ao local da apresentação. 4 Contate a instituição ou grupo a qual vocês pretendem visitar, negocie condições, datas e horários. Quanto à programação, geralmen- te é feito um agendamento para grupos es- colares. 5 Estabeleça objetivos para a atividade, de pre- ferência em conjunto com professores de ou- tros componentes curriculares. 6 Selecione ou elabore atividades de sensibiliza- ção e trabalhe com os estudantes. Se possível, combine com outros professores para fazer o mesmo de maneira integrada e interdisciplinar. 7 Utilize os materiais fornecidos pelas insti- tuições ou grupos teatrais, alguns elaboram “cadernos de formação” com as principais in- formações do evento, em conjunto com seu próprio conhecimento artístico e cultural para criar as atividades. 8 Organize a ida ao espaço cultural, peça apoio a outros funcionários da escola antes e no dia do evento. 9 Faça acordos com os estudantes e os acompa- nhe, promovendo explicações pontuais que re- forcem as sensibilizações e a contextualização feitas durante a etapa de pré apresentação. 10 Prestigie a apresentação ao lado dos estudantes e contribua para que eles possam fruir o aconte- cimento teatral da melhor maneira possível. 11 Caso conste em seu planejamento uma con- versa com os artistas após a apresentação, atue de modo a promover e estimular o prota- gonismo dos estudantes em relação às falas e questionamentos. 12 Motive os estudantes a fazerem anotações de suas impressões sobre a peça. 13 Proponha em seu projeto e organize, junto com os professores e estudantes, atividades para o momento pós-apresentação. Como já foi men- cionado, essas atividades podem ser intra ou extraclasse. 14 Procure estabelecer novas conexões entre o contato com o teatro, os temas abordados e a vida dos jovens. 15 Dê devolutivas aos estudantes de como foi a participação deles em todo o processo de me- diação. 16 Faça registros em foto, vídeo ou áudio dos mo- mentos de interação entre os estudantes, com o espaço e com a apresentação em si. 17 Finalize as atividades sinalizando possibilida- des de outros eventos. Tempo estimado: 300 minutos – 6 aulas. Duas aulas de sensibilização; duas aulas de parti- cipação na apresentação; duas aulas de atividades pós-apresentação. Nesses tempos não constam as horas de mapea- mento das possibilidades, contato com as institui- ções ou grupo e preparação das atividades pré e pós-apresentação. E M A Ç Ã O ! PROJETO DE MEDIAÇÃO TEATRAL Nesta seção, você irá mobilizar os estudos deste capítulo para desenvolver um projeto de mediação cultural que poderá aplicar com suas turmas. Trata-se do levantamento das possibilidades de acesso e interação com espaços culturais, grupos e artistas locais, seguido do planejamento logístico e pedagógico, das ações pré-evento, da proposta de interação no acontecimento teatral e das ações de reverberação pós-apresentação. Na impossibilidade de realizar o pro- cesso de mediação com um evento teatral, você poderá escolher outra atividade cultural de sua região. Esta proposta de elaboração de projeto de mediação teatral dialoga com as competências gerais 9 e 10 da BNCC, uma vez que serão mobilizados saberes pedagógicos, artísticos e habilidades de se relacionar com as pessoas de forma empática para promover os encontros. A partir de sua mediação, é importante garantir que os participantes, por meio de ações coletivas e que potencializem as reverberações das vivências artísticas, expressem livremente suas interpreta- ções e pontos de vista sobre uma delas. A n d re B o rg e s /A g ê n c ia B ra s íli a Reveja suas anotações do caderno de registros e siga os passos a seguir. MATERIAIS EFONTES: Sites, jornais, panfletos, cartazes, sinopses, vídeos, músicas e outros materiais que forneçam informações sobre os espaços e a programação cultural de sua região. Ferramentas pedagógicas como lousas, aparelhos de som e de proje- Estudantes do Ensino Fundamental da rede pública no Museu Vivo da Memória Candanga, em 2017, Brasília, DF. No local eles assistiram ao espetáculo teatral Saci é uma peça!, da Andaime Cia. de Teatro, e viram a exposição permanente Poeira, Lona e Concreto, que reunia objetos da história de Brasília. 6362 Experimente!: Apresenta propostas de atividades mais pontuais relacionadas às temáticas do capítulo para serem realizadas entre os professores ou com estudantes. Nesse momento são indicadas as competências gerais e específicas da BNCC, bem como as dimensões de formação docente. Para encerrar o volume de Teatro: Finaliza o volume sugerindo um olhar para a própria trajetória traçada por meio da proposta da obra. Nessa seção, são indicados os caminhos para a construção de um planejamento sob a perspectiva de integração curricular. Em ação!: Ao final de cada capítulo é apresentada uma proposta de atividade, um momento de experimentação dos conteúdos tratados, conectando-os às suas vivências pessoais. As proposições, que assumem, na maioria das vezes, caráter interdisciplinar, podem ser realizadas com os estudantes, mobilizando as competências socioemocionais presentes na BNCC, que são indicadas na seção em conjunto com as dimensões de formação docente. Para recomeçar: Ao final de cada unidade, é apresentada uma proposta de ação para ser conduzida e realizada com os estudantes e demais professores da escola. Reverberações: Esta seção é dedicada às reflexões sobre os instrumentos de avaliação na abordagem formativa. Bibliografia comentada: Encerra os capítulos e apresenta comentários sobre as referências bibliográficas. COURTNEY, Richard. Jogo, teatro e pensamento. São Paulo: Perspectiva, 2003. Neste livro, Courtney apresenta argumentos para demonstrar a importância das práticas teatrais de livre improvisação na formação educacional, que já foram empregadas em diferentes tempos históricos. O autor coloca questionamentos sobre o porquê de tais práticas teatrais ainda não terem sido adotadas nos sistemas educacionais, dadas as evidências, também históricas, da eficácia das pedagogias teatrais na escola. GRIMAL, Pierre. O Teatro Antigo. Lisboa: Ed. 70, 1989. O livro trata dos fundamentos históricos e da herança deixada pelo teatro antigo, cujo desenvolvimento se deu nas civilizações gregas e romanas durante cerca de seis séculos. GRUBER, Jussara Gomes (org.). O livro das árvores. Benjamin Constant: Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues, 1997. Este livro é fruto de uma intensa pesquisa sobre o povo Ticuna, trazendo imagens e informações valiosas para entender as práticas e a cultura dos Ticuna. KERBRAT-ORECCHIONI, C. Análise da conversação: princípios e métodos. São Paulo: Parábola, 2006. Catherine Kerbrat-Orecchioni analisa as práticas da conversação verbal, destacando os aspectos que as compõem. Trata-se de uma obra interessante para se compreender como essas relações baseadas em conversas acontecem, bem como as maneiras de melhorá-las. PACHECO, Líllian. Pedagogia griô: a reinvenção da roda da vida. Lençóis, Grãos de Luz e Griô, 2006. Disponível em: http://graosdeluzegrio.org.br/ files/2017/06/Livro-Pedagogia-Gri%C3%B4.pdf. Acesso em: 28 nov. 2020. O livro mostra as possibilidades de diálogo entre a tradição oral e a educação formal a partir das interações pedagógicas entre as comunidades tradicionais, seus saberes e o espaço escolar formal. PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. Um dos mais importantes dicionários de verbetes teatrais. Nele, é possível encontrar um panorama dos conceitos e definições da linguagem. TRABULSI, José Antonio Dabdab. Dionisismo, poder e sociedade na Grécia até o fim da época clássica. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2004. Como o próprio título indica, o livro trata da importância dos cultos a Dionísio na sociedade grega e seus ecos nos tempos atuais. WARSCHAUER, Cecília. Entre na Roda! A Formação humana nas escolas e nas Organizações. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2017. A autora faz um panorama dos benefícios das formas de convivência baseadas no respeito e no diálogo. BIBLIOGRAFIA COMENTADA 100 16 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 16FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 16 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 ARROYO, Miguel. Os jovens, seu direito a se saber e o currículo. In: DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo; MAIA, Carla Linhares (org.). Juventude e ensino médio: sujeitos e currículos em diálogo. Belo Horizonte: UFMG, 2014. No texto o autor defende o direito dos jovens do Ensino Médio de participar das decisões do currículo e da avaliação. BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2008. A pesquisadora discute o papel da arte na educação contemporânea. BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002. Disponível em: https://www. scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782002000100003%20 &script=sci_arttext. Acesso em: 2 jan. 2020. O texto trata sobre a relação entre experiência e educação. BONDÍA, Jorge Larrosa. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. São Paulo: Autêntica, 2017. O autor aponta direções de outras formas de pensar e escrever em Pedagogia. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB, 2018. A Base Nacional Comum Curricular estabelece e baliza a elaboração dos currículos da Educação Básica. COUTINHO, Rejane Galvão. O educador pesquisador e mediador: questões e vieses. PÓS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG, [S. l.], v. 3, n. 5, p. 45-55, maio/out. 2013. Disponível em: https://periodicos. ufmg.br/index.php/revistapos/article/view/15462. Acesso em: 20 nov. 2020. A pesquisadora traça reflexões sobre o papel do educador como pesquisador e mediador. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. O filósofo expõe sua crítica teórica sobre consumo, sociedade e capitalismo. DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do espectador. São Paulo: Hucitec, 2003. O autor pensa o espectador como protagonista de um teatro, em que a dimensão educativa é primordial. DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006. Reflete sobre as pedagogias teatrais e o caráter dialógico presente nestas práticas pedagógicas. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (org.). Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1993. A coletânea de textos aborda distintas práticas interdisciplinares na educação. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 13. ed. Campinas: Papirus, 2006. A pesquisadora traça o caminho da interdisciplinaridade e sua relevância no ensino contemporâneo. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. Nesta obra, Freire traz propostas de práticas pedagógicas como forma de construir a autonomia dos educandos. HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Mediação, 2009. A autora traz a noção de avaliação mediadora e como construí-la no ensino atual. KOUDELA, Ingrid Dormien. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 2007. A obra apresenta as peças de Brecht como um caminho para participação crítica do público e ferramenta pedagógica. KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1998. A autora refletee oferece caminhos do ensino de teatro por meio dos jogos teatrais. LEHMANN, Hans-Thies. O teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2008. O autor alemão conceitualiza e caracteriza o que ele entende como teatro pós-dramático. LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem componente do ato pedagógico. São Paulo: Cortez, 2011. O livro oferece subsídios para aprofundar as reflexões sobre o ato de avaliar na educação. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez/Brasília: UNESCO, 2000. Esse livro aborda os saberes necessários à educação do futuro por meio das discussões sobre o que são interdisciplinaridade e complexidade do pensamento. NÓVOA, Antônio (org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2000. Nesse livro, o pesquisador francês discute a concepção e as estratégias formativas que devem orientar a profissionalidade docente. OLIVEIRA, Édson Trombeta. Projetos e metodologias ativas de aprendizagem. São Paulo: SENAC, 2019. (Série Universitária). A obra apresenta o conceito de metodologias ativas e possibilidades de seu uso em processos de ensino- -aprendizagem. PERFEITO, Neide Célia. Avaliação escolar e formação continuada dos profissionais da educação: uma relação necessária. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. O professor PDE e os desafios da escola pública paranaense: produção didático- pedagógica, 2008. Curitiba: SEED/PR, 2011. (Cadernos PDE). O documento fundamenta aspectos sobre a avaliação no processo de ensino-aprendizagem. ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. A obra descreve os processos de trabalhos de diretores e encenadores vanguardistas em diferentes tempos e espaços históricos. RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar: práticas dramáticas e formação. São Paulo: Cosac Naify, 2009. Ryngaert trata da prática teatral como essencial para formação de qualquer indivíduo que se desenvolve pela relação consigo mesmo, com o outro e com o inesperado. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. Nesse artigo, discute-se papel da pesquisa na prática e na formação docente. BIBLIOGRAFIA COMENTADA 17 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 17FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 17 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782002000100003%20&script=sci_arttext https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782002000100003%20&script=sci_arttext https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782002000100003%20&script=sci_arttext https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistapos/article/view/15462 https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistapos/article/view/15462 O T R A B A LH O D O C E N TE E A M E D IA Ç Ã O C U LT U R A L: P O S S IB IL ID A D E S E P E R S P E C TI VA S U N ID A D E 11 O espetáculo Próspero e os Orixás: A Tempestade é uma adaptação da peça A Tempestade, de William Shakespeare, apresentado no Festival de Teatro de Curitiba em 2017, Curitiba, PR. 18 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 18FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 18 1/15/21 12:00 PM1/15/21 12:00 PM PARA COMEÇAR... O teatro vai muito além da relação ator-espectador, tampouco trata- -se de algo definitivo e delimitado. O teatro está presente nas mais diversas manifestações culturais, seus elementos e características apoiam outras linguagens e também se alimentam delas. A compreen- são desse movimento inerente, dessa dinamicidade e das estratégias de elaboração dessa arte auxilia o(a) professor(a) a refletir e analisar suas vivências para aprimorar seu processo de ensino-aprendizagem, permitindo uma troca de saberes fundamental para uma formação continuada. E o objetivo desta unidade é iniciar uma jornada explo- rando essa linguagem artística e, sobretudo, propor uma troca, uma construção coletiva para a prática docente. O percurso da unidade inicia com a proposta, no capítulo 1, de refletir como a indústria cultural influencia o imaginário sobre a concepção do que é teatro. Ainda são abordadas as relações do teatro com a arte contemporânea. No capítulo 2 são estudados os diferentes espaços, formas de ação teatral nas comunidades e a valorização dos saberes da tradição po- pular na educação formal e no teatro comunitário. Já o capítulo 3 traz o conceito de mediação cultural e as possibilida- des de suas práticas integrarem o projeto de vida profissional docente. O capítulo 4 traz um breve contexto do teatro na Educação Básica no Brasil e as possibilidades de utilização da linguagem teatral na escola em uma perspectiva crítica, que promove os conhecimentos dessa linguagem articulados a outros campos do conhecimento. A dimensão 1 é abordada ao convidar a refletir sobre as vivências e saberes, ampliando possibilidades de atuação e estudos ao pensar sobre a mediação cultural, o teatro na escola e as experiências no território. A dimensão 2 é trabalhada ao se apresentar os elementos próprios dessa linguagem, refletindo sobre quais deles, e em quais formatos, são mais praticados. A dimensão 3 é acionada ao se trazer propostas de atividades com as demais linguagens artísticas e componentes curriculares, visando a um trabalho dialógico e integrado pelas propostas de práticas da unidade. Por fim, a dimensão 4 é mobilizada em todos os capítulos com a indicação de recursos de avaliação que contribuem para a re- flexão sobre o processo de ensino-aprendizagem em teatro, enten- dido como uma trajetória de constantes trocas entre os envolvidos. R e in a ld o R e g in a to /F o to a re n a 19 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 19FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 19 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 1C A P ÍT U L O U M NA TRILHA DO TEATRO OBJETIVOS ■ Compreender o conceito de teatro e a diversidade de acontecimentos teatrais. ■ Compreender o conceito de indústria cultural. ■ Analisar a influência da indústria cultural na criação de padrões esté- ticos para consumo e entretenimento. ■ Promover diálogos sobre a influência da indústria cultural no âmbito escolar e profissional docente. ■ Debater o acesso a espaços e bens culturais. ■ Evidenciar a avaliação diagnóstica como forma de aferir a com- preensão preliminar dos estudantes sobre processos teatrais de ensino/aprendizagem. JUSTIFICATIVA A compreensão de como as práticas de ensino/aprendizagem teatrais podem acontecer na escola é determinada pela concepção do que é teatro e de como se faz teatro. Dessa forma, é importante refletir so- bre esses pontos e debater quais são as influências internas e externas ao contexto escolar que direcionam, quando não moldam, a definição de teatro na escola e suas possibilidades pedagógicas. Nesse contexto, dialogar sobre as origens históricas que colocaram as narrativas dramá- ticas em destaque, em detrimento de outras formas teatrais, e como os meios de comunicação em massa atuam para consolidar esse tipo de narrativa no imaginário coletivo, por meio de filmes, novelas, séries etc., é fundamental para ampliar as possibilidades de ações e acontecimentos teatrais realizados com os estudantes para além dos padrões estéticos hegemônicos. Ampliar o olhar para as possibilidades de ação com teatro permite ex- pandir as perspectivas de atuação e aprimoramento do projeto de de- senvolvimento profissional e pessoal. Neste capítulo, será possível com- preender alguns dos mecanismos da indústria cultural na divulgação e consolidação de padrões estéticos e culturais, e como os indivíduos são estimulados a não refletirem sobre a influência desses padrões de con- sumo em suas vidas. 20 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 20FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 20 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 REGISTROS C A D E R N O D E 1 Qual a sua concepção do que é teatro? 2 Converse com outros(as)professores(as) e com pessoas de seu convívio e pergunte qual a concep- ção que elas têm de teatro. 3 Quais são os principais elementos dessa linguagem? 4 Vocês têm acesso a manifestações teatrais em sua cidade? Como são essas manifestações? E na escola, praticam teatro? Neste capítulo, vamos tratar desses e de outros assuntos sobre teatro, suas diversas formas e como a indústria cultural atua em nossas vidas. Anote as respostas em um caderno de registros ou em um arquivo digital, ele será um instrumento de análise e reflexão ao longo das propostas de formação deste livro. S E N S I B I L I Z A Ç Ã O Espectadores assistindo a uma apresentação teatral nos moldes convencionais palco-plateia. P a v e l L P h o to a n d V id e o /S h u tt e rs to c k 21 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 21FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 21 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 A gravura de 1888 representa um espetáculo teatral com os elemen- tos que normalmente costumamos associar ao teatro como lingua- gem e estrutura: atores em um espaço delimitado (palco) represen- tando um texto para uma plateia, com figurinos, cenários, entre outros elementos. Se imaginarmos uma peça de teatro na atualidade, é pro- vável que a imagem mental formada corresponda a essa disposição dos elementos. Esse tipo de construção e organização teatral com delimitações espe- cíficas de espaços para atores e espectadores, de modo a diferenciar os papéis de quem faz e de quem vê as apresentações, e para propor- cionar condições técnicas para uso de luz, som e cenários, caracteriza um formato que, como sabemos, está bem estabelecido e difundido por uma tradição de séculos do fazer teatral, como é mostrado na gra- vura da peça Rei Lear. Da mesma forma, esse formato, chamado de “caixa preta”, geralmente está associado a um tipo de peça cujo texto escrito e decorado pelos atores é o principal componente mobilizador da cena, da criação de personagens etc. Contudo, há outras práticas, formas de criar, participar e prestigiar (fruir) eventos teatrais. Se olharmos além da tradição eurocêntrica, por exem- plo, para países do Oriente, como Japão, China e Índia, encontraremos manifestações tradicionais de se fazer teatro baseadas não no texto teatral, mas na movimentação corporal precisa e simbólica dos atores. Da mesma forma, se observamos muitas apresentações contemporâ- neas, a separação entre atores e plateia desaparece, transforma-se num espaço coletivo de interação entre atores e espectadores. Amplie seus conhecimentos sobre o teatro oriental, acesse o artigo “Teatro kabuki – das origens à contemporaneidade”, da pesquisadora Michele Eduarda Brasil de Sá. • SÁ, M. E. B. de. Teatro Kabuki: das origens à contemporanei- dade. Estudos Japoneses, [S. l.], n. 38, p. 97-108, 2017. DOI: 10.11606/ issn.2447-7125. v0i38p97-108. Disponível em: http://www.revistas. usp.br/ej/article/ view/148814. Acesso em: 17 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A Gravura de 1888 da apresentação da peça Rei Lear, de William Shakespeare, no Teatro da Corte Real, em Munique, na Alemanha. B A O /i m a g e B R O K E R /F o to a re n a /C o le ç ã o p a rt ic u la r 22 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 22FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 22 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 http://www.revistas.usp.br/ej/article/view/148814 http://www.revistas.usp.br/ej/article/view/148814 COMPREENSÃO EXPANDIDA DE TEATRO O docente que atua no ensino de teatro no contexto escolar enfrenta vários desafios. Um deles é desmistificar a ideia de que o teatro é uma atividade dispendiosa e, portanto, elitista. Também há uma compreen- são generalizada de que diversas práticas teatrais estão distantes da realidade de muitos(as) professores(as), percepção que é acentuada com a difusão do que se acostumou chamar de “teatro convencional” pela grande mídia. Basta fazer uma breve consulta em sites na internet com a expressão “espetáculo teatral” que serão mostradas, em sua maioria, fotos de ensaios e apresentações nesse formato convencional. A cristalização da concepção do fazer teatral somente nesses moldes é pedagogicamente prejudicial para a compreensão de que há diver- sas formas de praticar e fruir teatro, dentro e fora da escola. Além dis- so, geralmente nessa concepção há o entendimento de que fazer teatro requer uma capacidade extraordinária de decorar textos, uma grande dose de extroversão, recursos materiais e financeiros consideráveis para produzir cenários e figurinos, percepções que, como veremos ao longo deste livro, tendem a ser enfraquecidas com a compreensão e prática de outras possibilidades de ação teatral. Há ainda necessidade de driblar a falta de informações nos grandes veí- culos de comunicação sobre essa diversidade de produções e formatos teatrais, e de acesso a eles. Claro que é preciso considerar a desigualda- de social no Brasil e a falta de acesso de grande parte da população a opções de produção e fruição teatral, mas é possível exercitar práticas pedagógicas diversificadas e prestigiar companhias de teatro locais que realizam trabalhos diferenciados, com apresentações a preços acessí- veis ou até gratuitas. A internet é uma grande aliada nessa busca por ou- tras compreensões, possibilidades artísticas e pedagógicas sobre teatro, inclusive para acesso a processos didáticos e de criação, e a espetáculos disponíveis nos canais de compartilhamento de vídeos. REGISTROS C A D E R N O D E 1 Você conhece outros formatos de manifestações teatrais? 2 Como teve acesso a elas e com que frequência? Anote suas respostas no caderno de registros, elas irão colaborar na compreensão de outras formas de produção teatral e de suas maneiras de interação com os espectadores. A partir dessas anotações começaremos reconhecer outras possibilidades pedagógicas do trabalho com teatro na prática escolar. Com o início da pandemia de Covid-19 em 2020, muitas companhias de teatro começaram a desenvolver peças virtuais ao vivo ou gravadas para serem disponibilizadas em plataformas digitais, uma dessas iniciativas é a do Sesc (Serviço Social do Comércio) que criou a hashtag #EmCasaComSesc e uma playlist em seu canal de vídeos com peças como Alma Despejada, com Irene Ravache, Contos Negreiros do Brasil, com Rodrigo França, entre várias outras. 23 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 23FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 23 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 P A R A R E F L E T I R Pense sobre sua relação com o teatro como professor(a) e como espectador(a). Para ampliar sua perspectiva sobre o tema, faça as perguntas abaixo para você mesmo e para outros(as) professores(as) e estudantes. Anote suas res- postas no caderno de registros. 1 Com que frequência você costuma assistir a peças teatrais? De forma vir- tual ou presencial? 2 Qual valor, em média, você costuma gastar com essa atividade por mês? 3 Quantos teatros existem em seu bairro, cidade ou região? 4 Os teatros costumam apresentar valores acessíveis? 5 É possível utilizar esses espaços para realizar apresentações de grupos estu- dantis ou não profissionais? 6 Você conhece o trabalho de grupos teatrais de sua região? Em muitos casos, as respostas a essas perguntas sobre acesso e uso dos espaços teatrais quase sempre são negativas. É fato que muitos(as) professores(as) e estudantes brasileiros nunca tiveram contato com tea- tro, seja ele convencional, ou com qualquer outro tipo de acontecimento teatral. Enquanto as respostas sobre as condições de criação e de pro- dução de teatro na escola geralmente vão pelo caminho de atender às demandas das datas comemorativas. A partir das respostas do boxe Para refletir acima, analise a possibilida- de de dialogar com a comunidade escolar sobre os itens a seguir: ■ Ações que podem ser feitasindividual e coletivamente para aumentar a frequência ao teatro. ■ Teatros e espaços culturais que oferecem desconto para grupos. ■ Formas de intercâmbio com outras escolas para promover festivais, partilha de relatos de experiências teatrais, disponibilização de espaço para ensaios. ■ Relações entre a comunidade escolar e as produções dos artistas locais. Ainda pensando no contexto escolar, em que o ensino do teatro é mobi- lizado pela realização de montagens e apresentações, é possível dividir a prática dos(as) professores(as) entre os(as) que privilegiam a encenação de textos já conhecidos e a divisão das personagens segundo a indicação do texto dramatúrgico, seguido de leituras e ensaios e marcações da mo- vimentação cênica (teatro convencional), e entre aqueles(as) que buscam trabalhar a partir de improvisações e processos de criação coletiva. 24 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 24FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 24 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 Independentemente desses aspectos que diferenciam as formas de fazer e fruir teatro, há uma característica que define a essência dessa lingua- gem: o teatro é uma arte coletiva que se efetiva na relação direta entre as pessoas, seja atuando ou como plateia. A plateia, por sua vez, pode ser contemplativa, buscando histórias e personagens criados por um dramaturgo, com o intuito de causar identificação e catarses, ou uma plateia interativa em que o espectador ajuda a criar os acontecimentos cênicos em conjunto com os artistas. Esse potencial de criar diferentes formas de interação entre as pessoas é capaz de produzir experiências sensíveis que colaboram para a com- preensão de si, do outro e da relação que se estabelece nesse cami- nho, e para a percepção e relação com os mundos material, imaterial e simbólico. Por ser a arte que se efetiva no encontro entre as pessoas, é efêmera por natureza, mesmo para os que são realizados por meios virtuais, já que não há momento que se repita da mesma forma, nos mesmos moldes. O teatro é um campo de interdisciplinaridade por excelência. Nele, há es- paço para as diversas manifestações artísticas e tecnologias dialogarem, criando linguagens e poéticas híbridas onde os temas das diferentes áreas do conhecimento humano são utilizados como mobilizadores de investigações, debates, contestações e proposições de mundo, por meio da inventividade teatral. Desse universo de possibilidades de relações humanas, de interdisci- plinaridade dos saberes, de afloramento de sensibilidades, inventivida- des e percepções de si, do outro e do mundo, das questões pessoais, sociais, econômicas e culturais, nascem as diferentes formas ou poéti- cas teatrais: dramas, comédias, tragicomédias, melodramas, peças pós- -dramáticas, teatro-documentário, autobiográfico, teatro de sombras, teatro de animação de objetos e manipulação de bonecos, contação de infindáveis histórias, teatro-dança, happenings etc. Essas poéticas teatrais são materializadas por artistas e espectadores no teatro da caixa preta (ou convencional), mas também na rua, em pre- sídios, hospitais, comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas, em instituições religiosas de todos os credos, em escolas, na sua casa e em REGISTROS C A D E R N O D E Com qual desses grupos você se identifica e por quê? Anote suas respostas. 25 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 25FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 25 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 muitos outros lugares e espaços não convencionais. Dessa forma, pode- -se dizer que o teatro faz parte da essência do ser humano desde os primórdios de sua humanização, por isso ele não deve ser limitado ou compreendido apenas por uma de suas formas. Cena do espetáculo Próspero e os Orixás: A Tempestade. Festival de Teatro de Curitiba, em 2017, Curitiba, PR. Ensaio da peça BR3, do grupo Teatro Vertigem, encenada dentro de uma embarcação, no Rio Tietê, em 2005, São Paulo, SP. O público acompanha a peça dentro de outra embarcação. Apresentação teatral em homenagem ao Dia Internacional da Mulher na Escola Estadual Quilombola Professora Tereza Conceição de Arruda, em 2020, Nossa Senhora do Livramento, MT. R e in a ld o R e g in a to /F o to a re n a Cesar Diniz/Pulsar Imagens Caio Guatelli/Folhapress 26 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 26FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 26 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 O TEATRO NA CULTURA DE MASSA Se o teatro apresenta essa multiplicidade de formas e estéticas, por que a maioria das pessoas acaba tendo contato apenas com o teatro que chamamos aqui de convencional? Uma parte da resposta está ligada à tradição de séculos em que o teatro vem sendo praticado nesse formato, desde a Grécia antiga, o que faz com que essa estrutura esteja consolidada em muitas sociedades. Outra parte da resposta, que ajuda a explicar o desconhecimento dos outros formatos teatrais por boa parte da população, está ligada às mudanças ocorridas nos meios de comunicação e na indústria cultural na primeira metade do século XX, com a difusão de produtos e serviços culturais ho- mogêneos, que buscam ocupar nosso tempo livre e moldar nosso ima- ginário social, criando estereótipos e reforçando apenas alguns padrões estruturais e estéticos das artes. A indústria cultural é caracterizada pela criação de estímulos artificiais para o consumo em massa de produtos e serviços culturais, por meio da grande mídia (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Nesse contexto, as produções artísticas foram transformadas em mercadoria a serem re- produzidas e vendidas de acordo com a lógica capitalista. Tal fenômeno, aliado ao crescente fluxo de informações que passaram a ser gerados e a circular com grande velocidade na sociedade, produz nos indivíduos percepções de mundo superficiais e uma espécie de alienação em mas- sa que, quase sempre, faz com que aceitem e consumam os discursos e padrões midiáticos hegemônicos. Em grande parte, é em função dessa produção maciça de produtos culturais em filmes, novelas etc., com estruturas narrativas semelhantes, que naturalizamos a produção teatral em apenas uma de suas formas: teatro dramático feito no espaço teatral convencional. Essa estrutura narrativa é a forma que melhor propicia condições para a construção de histórias nos meios de comunicação em massa que geram um efei- to catártico capaz de inibir a capacidade crítico-reflexiva das pessoas sobre a vida cotidiana. Tais histórias são produzidas com o intuito de criar imaginários idealizados para gerar mais entretenimento e prazer do que autorreflexão. Ao mesmo tempo, muitos grupos e coletivos teatrais permanecem pro- positalmente alheios a produções midiáticas e realizam importantes pesquisas e inovações cênicas. Quase sempre trabalhando com dificul- dades financeiras em função da insuficiência de políticas de fomento para contemplar mais grupos e por não estarem expostos nos circuitos culturais das grandes mídias, com atores de televisão sendo chamariz para suas produções. Ainda como característica desse processo de mercantilização das pro- duções, do qual muitos artistas estão de fora, nota-se o fato de que 27 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 27FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 27 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 a vida tem sido apresentada de forma espetacularizada nos meios de comunicação, caracterizando o que o escritor e filósofo francês Guy De- bord (1931-1994) chamou de “sociedade do espetáculo”. E as relações sociais passaram a ser mediadas por imagens em uma sociedade em que a espetacularização das coisas banais se tornou sinônimo de cultu- ra, onde a lógica do “ser alguém”, foi substituída, por meio da publicida- de e da propaganda, por “ter algo” e, em seguida, por “parecer com algo ou alguém” (NOVAES, 2004). Você deve ter percebido esse processo de espetacularização da vida comumem seu dia a dia, na televisão, nos jornais sensacionalistas, na internet, nos reality shows, nas postagens e propagandas das redes so- ciais. Também deve perceber o apelo pelo consumo desenfreado e pela exploração de um estilo de vida feliz, sem conflitos, mas fictícios, “fa- bricados” por imagens que nos são apresentadas e substituídas inin- terruptamente sem que tenhamos tempo para refletir sobre elas. Pense sobre isso, como essa lógica influencia a forma de perceber, estar e se relacionar com o mundo. É nesse sentido que as possibilidades de conhecermos as formas de arte e teatro não hegemônicas, que nos levem à reflexão e à crítica, vão sendo limitadas pela ação dessa indústria do entretenimento e do ima- ginário coletivo, que é capaz de fabricar industrialmente e fazer chegar até nós apenas os signos, as estéticas e os formatos hegemônicos que moldam inúmeras identidades, estilos, pensamentos e compreensões de mundo em torno da obtenção do lucro da venda de produtos para en- tretenimento alienante. O mecanismo de alienação dos sujeitos da indústria cultural parte do pressuposto de que consumir determinadas imagens-padrão é a atividade fundamental para trazer as satisfações e realizações da existência humana, consumo e felicidade são unidos e evidenciados nas produções midiá- ticas: minisséries, filmes, novelas, propagan- das, videoclipes etc., onde os personagens aparecem felizes e realizados por terem ad- quirido algum produto e as histórias têm um final feliz ou de redenção. As narrativas comercializadas pela indústria cultural servem de “pseudoexemplo” de que é possível obter determinadas conquistas, inde- pendente do contexto individual das pessoas. Via de regra, essas narrativas e personagens são construídas com base em processos de imita- ção de realidades que, na verdade, também fo- ram fabricadas por essa indústria. Algo como se Darren Baker/Shutterstock A indústria cultural costuma fabricar padrões estéticos hegemônicos e vender um estilo de vida que pretende parecer perfeito, influenciando hábitos de vida e consumo em massa. 28 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 28FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 28 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 essa indústria criasse os produtos, as histórias e os sonhos, e também os perfis de pessoas para consumi-los. O cinema estadunidense foi a primeira grande “indústria de sonhos” a operar nesses moldes, desde o início do século XX. Nesse contexto, celebridades da música, in- fluenciadores digitais, jornalistas, médicos fa- mosos, apresentadores, esportistas, políticos e artistas em geral vendem suas imagens colabo- rando para promover valores, padrões e mode- los, cujo comportamento é objeto de consumo por meio de um tipo de identificação com o ídolo, personalidade ou herói. O carisma e a credibilidade desses profissionais se vinculam fortemente aos produtos e empresas, favore- cendo o consumo por meio de suas imagens- -mercadorias, signos capazes de moldar inú- meras identidades, estilos e grupos ao redor do planeta (GUÉNOUN, 2004). Uma das consequências desse processo é que estamos perdendo nossa capacidade de refle- xão, de estabelecer relações e de criar novos significados para nossas vidas, em função da catarse midiática e anestésica de sentimentos como piedade, compaixão, terror, repugnân- cia, raiva, alegria, medo, que experimentamos de forma banalizada e espetacularizada, em uma única passada de olhos pela televisão. E ainda somos hiperesti- mulados a conseguir refúgio e alívio dessa enxurrada de informações por meio do consumo de produtos vendidos como fórmulas da felici- dade na publicidade veiculada, antes ou depois da exibição de filmes no cinema, no meio dos vídeos das redes sociais ou das plataformas de compartilhamento de áudio e vídeo. Provavelmente é nesse contexto que você, professor(a), se encontra com os estudantes na escola, trazendo consigo as marcas dessa in- fluência externa de uma sociedade contemporânea que se caracteriza por incertezas sobre as noções de ética, moral, justiça, razão, virtudes, confiabilidade em instituições públicas, civis e privadas. Uma aparente crise de identidades (que passaram a ser fabricadas pelas mídias), em que os padrões canônicos, as tradições, culturas, as verdades, as rela- ções sociais, econômicas e de produção estão fragilizadas, voláteis e líquidas, como afirma o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Assista ao vídeo A indústria cultural da felicidade em que a filósofa Márcia Tiburi fala sobre a relação da indústria cultural e a produção de experiências baseadas no consumo para gerar uma falsa sensação de felicidade. • A INDÚSTRIA cultural da felicidade. [Brasília, DF]: TV Câmara e Associação Sempre Um Papo, 2012. 1 vídeo (11 min). Disponível em: https://www.camara.leg.br/tv/227621-marcia- tiburi-filosofa-e-escritora-a-industria-cultural- da-felicidade-bl-3/.Acesso em: 1 nov. 2020. O professor Rodrigo Duarte expõe os princípios que mobilizam o futuro da indústria cultural e nos faz compreender os mecanismos de funcionamento dessa indústria no vídeo O futuro da indústria cultural. • O FUTURO da indústria cultural. Porto Alegre: TEDx, 2018. 1 vídeo (13 min). TEDx Talks. Disponível em: https://youtu.be/z-1wSDWyhiE. Acesso em: 1 nov. 2020. Esta atividade promove relações com a competência geral 8 da BNCC por meio da reflexão sobre a relação entre os padrões de consumo midiático e a noção de felicidade imediata. Tais temas podem influenciar suas decisões relacionadas ao plano de desenvolvimento pessoal e profissional. A P R O F U N D A R P A R A 29 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 29FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 29 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 Essa perspectiva de criar espectadores passivos e padrões de narrativas dramáticas baseadas na identificação das pessoas com ícones e perso- nagens e, por extensão, com personalidades e produtos vendáveis por meio do entretenimento, aliada ao enorme fluxo de informações a que somos expostos atualmente pelos inúmeros meios de comunicação, nos traz certa apatia e carência de conhecimento, de variedades estéticas e culturais, de possibilidades de sonhar, perceber e entender o mundo. Em último grau, nos aliena. Por isso, conhecer outras formas de agir artisticamente no mundo, tal como o trabalho dos grupos teatrais que não estão na grande mídia, facilita a compreensão e utilização de práticas pedagógicas com teatro que também passam ao largo das convenções hegemônicas sobre tea- tro e, por isso, podem ajudar a promover a formação crítica e reflexiva tanto dos(as) professores(as) quanto dos estudantes. PARA ALÉM DO ESPETÁCULO A arte contemporânea, antenada com o momento atual, procura ir além de padrões midiáticos, cria e recria suas próprias poéticas, ao mesmo tempo em que procura meios de sensibilizar e mobilizar as pessoas para se desvencilharem, pelo menos em parte, dessa passividade/atividade consumista. Radicalizando as práticas artísticas de interação propostas na arte mo- derna, em que as obras provocavam o espectador para que elaborasse reflexões críticas, em alguns casos fazendo dessa interação uma espécie de coautoria, a arte contemporânea leva ao extremo essa ideia, propon- do ao espectador que ele próprio crie a obra a partir de estímulos ofe- recidos pelo artista. Nesse sentido, a fragmentação de informações, narrativas e ideias, característica do mundo contemporâneo, é ponto de partida para as criações teatrais. O trabalho de configuração e síntese é deixado para os espectadores e suas subjetividades, ampliando as possibilidades de criação e interpretação de um tema, não necessariamente de uma obra. Nesse sentido, o trabalho teatral contemporâneo procura ser composto de forma híbrida entre fragmentos de informações da rea- lidade, as provocações feitaspelos artistas, a participação ativa e crí- tica dos espectadores na formatação individual e subjetiva do evento teatral. Todas essas partes se justapõem de maneira desordenada, sem necessariamente compor uma sequência ou linha dramática de acon- tecimentos ou personagens acabados. Forma-se uma multiplicidade de estilos agrupados em um único evento teatral cujo sentido final fica a cargo das participações e conexões subjetivas feitas pelos próprios participantes “expec-atores”, como diria Augusto Boal (1931-2009) em 30 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 30FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 30 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 seu teatro do oprimido. Sobre esse tema, citamos o pesquisador Des- granges (2002, p. 224) “Não se trata mais de uma obra desobstruída, pronta para ser remontada, e sim de uma obra explodida, que provoca o receptor a concebê-la.” Esse hibridismo no teatro contemporâneo é composto ainda por uma “polifonia de vozes cênicas”, em que os elementos da linguagem tea- tral (iluminação, cenografia, sonoplastia, o trabalho do ator etc.) ganham tanta ou maior importância do que o próprio texto teatral, em que os diferentes pontos de vista sobre determinado assunto devem e são esti- mulados a compor essa cena polifônica. Como você pode perceber, as possibilidades de trabalho com a lin- guagem do teatro no contexto escolar, a se espelhar nas práticas da criação teatral contemporânea, vão além do modelo tradicional de decorar textos dramáticos. Nesse sentido, promover a ampliação do seu olhar para outras possibilidades de compreensão e interlocu- ções entre o conhecimento teatral em si com os diversos fenômenos históricos e práticas artísticas, culturais e sociais inerentes, colabora para que você trabalhe com a competência geral 1 da BNCC, tanto em função de seu desenvolvimento profissional, quanto para promo- ver a formação de estudantes que saibam entender e explicar suas realidades por meio das práticas artísticas. Para conduzir processos de criação e mediação cultural/teatral nessa concepção integrada de ensino por área é preciso se preparar, conhe- cendo e praticando a linguagem teatral, e preparar os estudantes para que possam ter acesso, compreender e contextualizar as mais variadas manifestações teatrais contemporâneas, estabelecer conexões entre as práticas de teatro do passado e do presente com os aspectos políticos, culturais, econômicos e sociais de cada período histórico, e saber facili- tar a experiência dos estudantes em seus processos artísticos pedagó- gicos com teatro, de maneira que eles desenvolvam o senso estético e crítico pela linguagem e o pratique em interações do dia a dia, ou em suas próprias produções teatrais. REGISTROS C A D E R N O D E Reflita sobre as colocações acima e relacione suas conclusões com as práticas teatrais que você de- senvolve ou pode vir a desenvolver com os estudantes. Pense em como esses assuntos influenciam seus objetivos profissionais. Anote seus apontamentos no caderno de registro. 31 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 31FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 31 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 E M A Ç Ã O ! INDÚSTRIA CULTURAL E COTIDIANO O objetivo desta proposta é promover a reflexão, o debate e a ampliação sobre o conhecimento das ca- racterísticas e da influência da indústria cultural no de- senvolvimento do seu projeto profissional, bem como na vida dos estudantes e de outras pessoas da comu- nidade escolar. As competências gerais 4, 6 e 9 serão trabalhadas ao se promover tais reflexões e debates por meio do uso de diversos suportes e formatos (verbal, digital, escrita etc.), valorizando a diversidade, o diálogo, a troca de saberes e vivências que colabo- rem com seu entendimento sobre as relações do tra- balho docente, de modo a ampliar suas possibilidades de escolhas e estratégias de atuação profissional. Utilize os trechos a seguir, escritos pelo filósofo e in- fluenciador digital Michel Aires de Souza, como mo- tivadores iniciais: Nesta sociedade o consumo é instantâneo e a remoção é também instantânea de seus objetos. Novos objetos e necessidades surgem a todo momento e são consumidos ininterruptamente. É uma profusão de instantes que se repetem através das mesmas ações e atividades que se equivalem. Com a perda da noção de tempo o indivíduo encontra-se alienado em relação a sua própria vida e a sua interioridade, vive-se ape- nas para o trabalho e para o consumo. SOUZA, Michel Aires de. A sociedade do consumo e a vida do espírito. Ecodebate, [S.l.], 2011. Disponível em: https://www.ecode- bate.com.br/2011/11/01/a-sociedade-do-con- sumo-e-a-vida-do-espirito-artigo-de-michel -aires-de-souza/. Acesso em: 1 nov. 2020. As relações humanas tornaram-se relações me- diadas por mercadorias. Essas relações reificadas produziram inevitavelmente o egoísmo, a com- petição insaciável, o individualismo exacerbado, a ausência de sentido e de objetivos. Neste pro- cesso o homem se aliena de sua própria vida. A busca desenfreada pelo dinheiro, a competição, o consumo compulsivo, a busca de reconhecimen- to simbólico, a labuta do dia a dia não permitem ao homem determinar sua própria vida como projeto, como determinação consciente. Ele dei- xa de ser livre, impedindo de realizar suas poten- cialidades, sua autonomia e sua autodetermina- ção. Sua vida deixa de lhe pertencer, assim como seu tempo, sua interioridade e seus projetos. SOUZA, Michel Aires de. Indústria Cultural e Semiformação: a produção da subje- tividade. FilosofoNet, [S. l.], 2011. Dispo- nível em: https://filosofonet.wordpress. com/2011/04/27/industria-cultural-e-semi- formacao-a-producao-da-subjetividade/. Acesso em: 1o nov. 2020. MATERIAIS E FONTES: Artigos e sites da internet e outros meios de pesqui- sa; suporte físico ou digital para redação. PROCEDIMENTOS: 1 Além dos textos e dos vídeos indicados no boxe Para aprofundar, faça buscas sobre indústria cultu- ral em outros sites e artigos confiáveis, selecione e analise as principais características desse conceito. 2 Dialogue com outros(as) professores(as), pro- movendo um grupo de debates na escola sobre o assunto. 3 Experimente ficar um período longe de algum canal em que a indústria cultural atue, por exem- plo, da televisão. Verifique se haverá e quais ti- pos de mudanças acontecerão ao praticar esse distanciamento. Registre suas impressões. 4 Elabore um texto a partir dessa experiência e para responder à seguinte pergunta: Como a indústria cultural e os padrões de consumo em massa influenciam sua vida? 5 Compartilhe suas reflexões escritas e verbais com os(as) demais professores(as) e peça para que ele(as) façam o mesmo. 6 Você pode propor essa atividade para os estu- dantes, promovendo rodas de conversa com as turmas. Tempo estimado: 150 minutos 32 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 32FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 32 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 https://www.ecodebate.com.br/2011/11/01/a-sociedade-do-consumo-e-a-vida-do-espirito-artigo-de-michel-aires-de-souza/ https://www.ecodebate.com.br/2011/11/01/a-sociedade-do-consumo-e-a-vida-do-espirito-artigo-de-michel-aires-de-souza/ https://www.ecodebate.com.br/2011/11/01/a-sociedade-do-consumo-e-a-vida-do-espirito-artigo-de-michel-aires-de-souza/ https://filosofonet.wordpress.com/2011/04/27/industria-cultural-e-semiformacao-a-producao-da-subjetividade/ https://filosofonet.wordpress.com/2011/04/27/industria-cultural-e-semiformacao-a-producao-da-subjetividade/ AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA EM TEATRO Que tipo de avaliação foi priorizada neste capítulo? Como você avalia as reflexões expostas neste texto? Com que critérios? Qual seu grau de conhecimento sobre os assuntos no início e ao final deste capítulo? O que fará para melhorar o entendimento dos pontos que julgar neces- sário? Essas perguntas pretendem mobilizar não só suasconclusões sobre o que você viu até agora, mas também para começarmos a pensar processos de avaliação em práticas teatrais. Dentre os aspectos importantes para realizar avaliações em teatro estão a sensibilidade de seu olhar para compreender o ponto de partida do conhecimento teatral de seus estudantes e o quanto eles assimilaram ao longo do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, há três aspectos que te ajudarão a realizar essa análise: o conhecimento con- ceitual (teórico); o conhecimento procedimental (práticas/saber fazer) sobre teatro; e o de- senvolvimento de atitudes e posturas (socioemocional) que os estudantes devem adquirir durante as experimentações cênicas. Tais aspectos devem ser avaliados no início, ao longo e no final dos trabalhos. Em relação ao período em que as avaliações são aplicadas (no começo, ao longo ou no final do processo), geralmente podemos dividi-las em quatro tipos específicos, com funções dife- rentes: as avaliações diagnósticas que visam mapear o conhecimento inicial dos estudantes; as avaliações formativas, cujo objetivo pontual é checar a compreensão de determinado as- sunto durante a aula; as avaliações comparativas, em que se checa o conhecimento assimila- do pelo estudante ao término dos estudos de determinado tema; e as avaliações somativas, aplicadas ao final do ano, período letivo, ou curso com a intenção de aferir os conhecimentos gerais dos estudantes. Agora voltaremos às perguntas realizadas ao longo do texto deste capítulo e às suas anota- ções sobre elas. Você certamente percebeu que as questões buscavam reunir informações preliminares sobre sua relação com o teatro e como você desenvolve as práticas teatrais com os estudantes e com seus colegas, qual sua compreensão sobre a influência da indústria cul- tural em sua vida. Todas essas perguntas estão relacionadas à avaliação diagnóstica de seus conhecimentos conceituais sobre teatro, suas formas de fazer (ou não) teatro e seu compor- tamento (relação) frente aos acontecimentos teatrais, dentro e fora da escola. A avaliação diagnóstica é muito utilizada no início de processos de ensino-aprendizagem para a compreensão das condições prévias de conhecimentos, das competências e habilidades dos estudantes. Ela é fundamental para ajudar a traçar objetivos e etapas de trabalho com cada turma ou estudante, orientando o planejamento das aulas. Por isso, não deve ser composta por notas ou menções conclusivas, quando muito, por classificações que visam apenas traçar as melhores estratégias para desenvolver determinados assuntos com a turma, para conhecer o perfil dos estudantes e determinar as causas de suas dificuldades de aprendizagens e para pensar ações preventivas que auxiliem os processos educativos. Sugerimos que você aproveite as sugestões dos temas, debates, questionamentos e avaliação diagnóstica, feitos neste capítulo, para praticá-los com os estudantes. Essas são as primeiras vivências que você terá sobre o trabalho com teatro na escola, como já foi dito, trata-se de uma arte coletiva, efetivada no encontro entre as pessoas, então nada melhor do que praticar com seus estudantes ou com outros(as) professores(as). R E V E R B E R A Ç Õ E S 33 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 33FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 33 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. Nesse livro, Adorno e Horkheimer reúnem suas principais análises sobre o surgimento e o funcionamento da indústria cultural a partir da primeira metade do século XX. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. Zygmunt Bauman apresenta nessa obra os argumentos do que ele define como modernidade líquida no mundo globalizado: as relações humanas, em diversas dimensões, sendo pautadas por uma liquidez e volatilidade que desorganizam e dificultam a criação de laços sólidos entre as pessoas e as instituições. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. Nessa obra, Debord analisa como a espetacularização da vida social se desenvolve subordinada e a serviço das regras de mercado, de maneira a transformar nossas horas livres em tempos disponíveis para o consumo. DESGRANGES, Flávio. O espectador e a contemporaneidade: perspectivas pedagógicas. Sala Preta. São Paulo, v. 2, n. 2, p. 221-228, 2002. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v2i0p221-228. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/ view/57094. Acesso em: 30 nov. 2020. Nesse artigo, Desgranges sintetiza a relação do espectador com a arte moderna e seus desdobramentos na arte contemporânea a partir das falhas do projeto iluminista da modernidade. GUÉNOUN, Denis. O teatro é necessário? São Paulo: Perspectiva, 2004. Partindo dessa pergunta intrigante, Guénoun analisa como o cinema tomou conta do imaginário do espectador ao saciar seu desejo por identificação, função exercida pelo teatro antes da invenção da sétima arte. O autor destaca que a criação do cinema evidenciou o caráter de jogo, troca, interação presencial e efêmera inerente ao teatro. NOVAES, Adauto. Muito além do espetáculo. São Paulo: Senac, 2004. Esse livro organizado por Adauto Novaes alerta para a influência de “mensagens invisíveis” capazes de afetar nossa compreensão de mundo e o uso ético dos mecanismos de produção, difusão e manipulação da nossa capacidade de distinguir o real da ficção num mundo regido por imagens. BIBLIOGRAFIA COMENTADA 34 FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 34FC_TEATRO_g21At_018a034_U1_C1.indd 34 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57094 https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57094 2C A P ÍT U L O D O IS 2C A P ÍT U L O D O IS TEATRO E COLETIVIDADES OBJETIVOS ■ Analisar os diferentes espaços e formas de ação teatral. ■ Refletir sobre a teatralidade presente nas manifestações culturais bra- sileiras. ■ Valorizar os saberes populares na sociedade e na educação formal. ■ Conhecer o teatro comunitário e a atuação social do arte-educador. ■ Utilizar a cartografia afetiva como ferramenta de investigações no ter- ritório. ■ Compreender os mapas mentais e afetivos como instrumentos do processo de pesquisa e avaliação. JUSTIFICATIVA A apreensão que o teatro tem uma natureza coletiva ajuda a compreen- der como essa linguagem se desenvolve no cenário artístico-cultural e sua articulação com projetos de desenvolvimento social de variados grupos e comunidades. Esse tipo de articulação também é papel da es- cola, que deve se ocupar como instituição que visa não só o ensino, mas também realiza um projeto de integração e sociabilização da comunida- de em geral. O reconhecimento e o debate sobre as diversas formas de ação teatral abrigam inúmeras possibilidades de atuação do arte-educa- dor, seja no ensino formal, seja no não formal. Além disso, a reflexão para teatro e território faz com que se compreenda e se valorize a articulação da escola com os saberes populares bem como com a realidade por meio da arte. 35 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 35FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 35 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 REGISTROS C A D E R N O D E Para iniciar o trabalho, vamos explorar os elementos da imagem. 1 Você acha que a recepção do espectador no teatro de rua é diferente da recepção no teatro con- vencional? 2 Relate as vivências que já experimentou nesse tipo de manifestação teatral. Faça suas anotações em seu caderno de registros. Você vai retomá-las ao fim do capítulo. S E N S I B I L I Z A Ç Ã O O teatro se manifesta de forma diversificada e plural. Além das apresentações na caixa-preta, também temos a tradição do teatro de rua e popular, que reúne um grupo distinto de pes- soas e narra os acontecimentos cotidianos e lendas, as históriaslocais. O espaço público – ruas, praças, feiras, parques – se transforma em palco para as apresentações, que, por excelên- cia, é democrático, ao se configurar como um convite aberto à participação, independente de questões socioeconômicas. Além do teatro de rua e as manifestações po- pulares, o teatro pode ser realizado em diver- sos espaços e em diferentes formas de atua- ção. Este é o foco do capítulo, em que você é convidado a ampliar a pesquisa e a reflexão sobre a presença do teatro em sua região ou cidade, os espaços institucionais e de forma- ção existentes, conhecer mais sobre os grupos atuantes e explorar os diálogos com as cultu- ras juvenis locais. Esse trabalho permitirá a criação, com os cole- gas de docência, de uma cartografia teatral da região, em que serão mapeadas as ações cul- turais, pensando na multiplicidade de espaços e agentes no território, traçando diálogos com sua própria jornada e articulando aos projetos pedagógicos escolares. Espetáculo Essas Mulheres. Grupo Teatral Aslucianas. Praça Santos Andrade, em 2017, Curitiba, PR. G u ilh e rm e A rt ig a s /F o to a re n a 36 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 36FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 36 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 TEATRO: UMA ARTE ESSENCIALMENTE COLETIVA Sabemos que o teatro é uma arte essencialmente coletiva, em que os participantes assumem diversas funções para desenvolver uma obra ou um processo criativo nessa linguagem. Os diferentes elementos que compõem a linguagem teatral, como dramaturgia, atuação, direção, cenografia, sonoplastia, iluminação e produção, caminham de forma conjunta na criação da obra. Essas diferentes partes definem funções e áreas de atuação profissional, que também envolvem estudos siste- matizados de outras linguagens artísticas, por exemplo, um cenógrafo precisa de conhecimento das visualidades da cena. Assim, as diferentes partes e funções dialogam em prol de um objetivo comum em um pro- cesso constante de trocas de saberes, vivências e o exercício da escuta. O caráter dialógico do fazer teatral – que muitos grupos trabalham mais intensamente, o que chamamos de processos colaborativos e coletivos de criação – é o que permite que a sala de aula seja um campo para experimentações que vai além do domínio de técnicas e conhecimentos propriamente da linguagem e se configura como espaço de vivências em um exercício constante de alteridade e respeito mútuo. Por isso, devemos reforçar o ensino do teatro na escola, além de campo de saber em si, como parte de uma formação cidadã, em uma perspec- tiva crítica e atuante, em que o convívio e o respeito às pluralidades de pensamento e culturas ocupam a centralidade do processo de ensino e aprendizagem. Além disso, as formas teatrais, os vários grupos e suas obras revelam pertinentes questões socioculturais de seus tempos, sen- do importantes objetos de estudo de narrativas históricas. O CARÁTER LÚDICO DO TEATRO Vamos retornar para a imagem da Sensibilizacão. Nela, conseguimos perceber a construção coletiva dentro de certas regras compartilhadas: os atores, que criam ações – representações, valendo-se de vestimentas próprias em um espaço delimitado –, e o público, que aprecia o espetá- culo em um espaço determinado. Além dos outros elementos que estão implícitos na imagem, como sonoridade e gestualidade própria. Por isso, podemos compreender essa apresentação teatral como um jogo, uma atividade ou ocupação voluntária, em que os participantes comungam certos combinados e que tem uma finalidade: compartilhar histórias/ ideias acompanhadas de uma excitação emocional, sentimentos de apreensão, surpresa, alegria, e que, por fim, extrapolam a “vida cotidia- na”, ainda que proporcionem uma consciência dessa própria vida. Para o holandês Johan Huizinga (1872-1945), um dos historiadores da his- tória da cultura do século XX, o jogo é um elemento central da cultura do homo ludens. Em sua obra de mesmo título, ele coloca o jogo como uma Amplie seus conhecimentos sobre o teatro de rua com a entrevista do diretor de teatro Amir Haddad, idealizador do grupo Tá na Rua, que debate, entre outras questões, o espaço físico e símbolo do teatro. ■ “ATOR sem papel”: entrevista com Amir Haddad. SRzd. [S. l.], 2013. Disponível em: https:// www.srzd.com/ entretenimento/ ator-sem-papel- entrevista-com- amir-haddad/. Acesso em: 19 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A 37 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 37FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 37 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 https://www.srzd.com/entretenimento/ator-sem-papel-entrevista-com-amir-haddad/ https://www.srzd.com/entretenimento/ator-sem-papel-entrevista-com-amir-haddad/ das noções mais primitivas e enraizadas de toda realidade humana. Assim, do jogo nasce a cultura. O jogo como uma realidade originária tem como objetivo disputar algo ou representar algo, trazendo as questões de com- bate e divertimento no foco das atividades voluntárias humanas. O fazer teatral e a apresentação de uma obra, incluindo os trabalhados no espaço escolar em sua prática docente, têm em sua base a noção de jogo, uma atividade coletiva com delimitação espaço-temporal e que propõe regras, tendo a finalidade de divertimento, não apenas na banalização da palavra como alegria, mas no sentido de proporcionar um estado de es- pírito extracotidiano, uma excitação coletiva, além das funcionalidades da vida comum. O caráter lúdico proporciona uma vivência compartilhada entre os participantes, ainda que assumam distintas funções. Aqui, temos um ponto de convergência com os jogos corporais do âm- bito da Educação Física, dos esportes e das experiências em dança, a lu- dicidade e o jogo como experiências da cultura corporal, que permitem que os sujeitos vivenciem atividades voluntárias, capazes de absorver os jogadores em uma suspensão da vida real. O jogo tem um objetivo comum e cria estratégias e formas de ação entre os sujeitos. No esporte, podemos pensar nos vários jogos de com- petição; no teatro e na dança, nos jogos de representação. E para to- dos eles há a formação de grupos que atuam para além das próprias partidas/apresentações. O jogo, seja ele ficcional, seja competitivo, cria um movimento interno nos jogadores-espectadores-públicos, porque acompanham o desafio extracotidiano dos jogadores-atuantes. Estabe- lecemos um fazer comunicativo entre os que participam jogando e os que participam observando o jogo. O público não apenas se diverte e se emociona, ele é um conhecedor das regras, um especialista ali. No teatro, o jogo instaurado tem uma dimensão poética ou ficcional e uma dimensão regulamentada. Independente do teatro que está sendo proposto, o espectador é um jogador, ele deve conhecer os elementos, as regras e vivenciar o acontecimento, entrando em um campo imagi- nário, ilusório. Além disso, as diversas formas de encenações permitem diferentes posturas do espectador enquanto jogador. Você verá, mais adiante, como o teatro épico de Brecht rompe com um ideário contem- plativo e de reconhecimento emocional do espectador no drama bur- guês e propõe uma postura crítica diante da narrativa apresentada. Já formas contemporâneas teatrais podem incluir o espectador no pró- prio ato teatral, tornando-o coparticipante da apresentação. Assim, o jogo teatral e suas regras se estabelecem no momento único e vivo entre seus jogadores (atores e plateia). Um exemplo é o espetáculo de palha- ços Jogando no Quintal, em que o público é dividido em duas equipes e há um árbitro-palhaço e uma banda ao vivo. O espetáculo que retoma uma partida de futebol consiste na disputa de cenas de improvisação entre as equipes com todos os temas sendo sugeridos pela plateia, que ao final decide qual time é o vencedor. O holandês Johan Huizinga (1872-1945) é um importante historiadorUm olhar para os espaços da escola ...............................75 Experimente! ...............................................................................76 Em ação! – Encontro cultural ...............................................77 Reverberações – A importância do registro no processo de ensino-aprendizagem ........................... 80 Bibliografia comentada ................................................. 81 Para recomeçar... Rede de articuladores culturais – diálogos e ações no território ..................82 UNIDADE 2 – O TEATRO E AS SOCIEDADES ................................................ 84 Para começar... ...............................................................85 CAPÍTULO 5 – A TEATRALIDADE NOS RITOS ANCESTRAIS ............................................ 86 Sensibilização .............................................................................87 Ritos e mitos iniciais ................................................................88 Ecos de ancestralidade – rituais teatralizados de hoje .............................................................. 90 Experimente! ...............................................................................93 O teatro grego ...........................................................................95 Tragédia ....................................................................................... 96 Comédia ........................................................................................97 Experimente! ...............................................................................97 Em ação! – Contação de histórias e ritos ancestrais .......................................................................... 98 Reverberações – A roda de conversa como técnica de avaliação qualitativa ........................................ 99 Bibliografia comentada .............................................. 100 CAPÍTULO 6 – O TEATRO REVELA QUESTÕES SOCIAIS .....................................................101 Sensibilização ........................................................................... 102 O teatro na Idade Média ......................................................104 As influências medievais no teatro .................................106 Experimente! ............................................................................. 107 A Renascença e o teatro de Shakespeare ...................108 Experimente! .............................................................................109 3 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 3FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 3 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 A Commedia dell’arte – teatro popular .........................109 Experimente! .............................................................................. 110 O drama burguês ..................................................................... 110 Teatro épico: quebra ficcional ..............................................111 Teatro épico na América Latina ........................................ 113 Em ação! – A peça O Círculo de Giz Caucasiano .......................................................................... 114 Reverberações – Revisão bibliográfica: um instrumento investigativo ............................................. 116 Bibliografia comentada ................................................ 117 CAPÍTULO 7 – PLURALIDADE DO TEATRO BRASILEIRO ................................................... 118 Sensibilização ............................................................................ 119 Primeiras funções do teatro no Brasil ............................ 120 A chegada da família real .................................................... 121 Experimente! ............................................................................. 122 Teatro de revista ..................................................................... 123 As escolas do teatro brasileiro contemporâneo ................................................... 125 Experimente! ............................................................................. 126 Um tempo de resistência e arte engajada ................... 128 Em ação! – Seminários sobre a história do teatro brasileiro ................................................130 Reverberações – Avaliação de seminários ................... 132 Bibliografia comentada ............................................... 132 CAPÍTULO 8 – HIBRIDISMOS CONTEMPORÂNEOS – TEATRO E OUTRAS LINGUAGENS ................................................................. 133 Sensibilização ........................................................................... 134 O teatro pós-dramático ....................................................... 135 Do happening às ações intervencionistas ................... 137 Teatro e performance: zona de fronteira ..................... 138 Teatro e território ....................................................................140 Experimente! ............................................................................. 143 Em ação! – Podcast – Teatro hoje: zona de fronteiras ......................................... 143 Reverberações .......................................................................... 145 Bibliografia comentada ............................................... 145 Para recomeçar... Ciclo de debates: Teatro hoje .......146 UNIDADE 3 – ELEMENTOS DA LINGUAGEM E PEDAGOGIAS TEATRAIS......................... 148 Para começar.................................................................149 CAPÍTULO 9 – JOGOS IMPROVISACIONAIS: EXPRESSIVIDADES AMPLIFICADAS ........................150 Sensibilização ............................................................................ 151 Jogos teatrais – improvisação para o teatro .............. 152 Experimente! ............................................................................. 154 Poéticas do ator: construção de personagens .......... 156 Experimente! ............................................................................. 157 A caracterização cênica ...................................................... 158 Em ação! – Entrevista com a personagem .................. 159 Reverberações – A avaliação dos jogos teatrais ..........160 Bibliografia comentada ...............................................160 CAPÍTULO 10 – DRAMATURGIAS: UM CAMINHO PARA NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS ................. 161 Sensibilização ........................................................................... 162 Dramaturgia: conceito clássico ......................................... 163 Experimente! ............................................................................. 164 Experimente! ............................................................................. 165 Dramaturgia e práticas teatrais contemporâneas ......... 165 Grupo Espanca! e a dramaturgia de Grace Passô ......... 166 Experimente! ............................................................................. 166 Teatro documentário ou teatro da não ficção ........... 167 Experimente! ............................................................................. 169 Drama como prática de ensino: uma pedagogia teatral ................................................................... 169 Em ação! – Narrativa autobiográfica na escrita teatral ...................................................................... 170 Reverberações – Autoavaliação ........................................ 171 Bibliografia comentada ............................................... 172 CAPÍTULO 11 – VISUALIDADES, SONORIDADES E TECNOLOGIAS ............................. 173 Sensibilização ........................................................................... 174 Cenografia: composição espacial da cena .................. 175 Experimente! ............................................................................. 176 Iluminaçãoda cultura do século XX. Seus livros centram os debates sobre os padrões de cultura, estudando pensamentos e sentimentos por meio das materializações em obras de arte, literárias e expressões dos povos. Em Homo Ludens, reconhece o jogo como algo inato de animais e homens e retrata como ele se torna elemento central da cultura humana, recorrendo aos estudos de sociedades distantes até a vida moderna. 38 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 38FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 38 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 A TEATRALIDADE NOS FOLGUEDOS POPULARES Os folguedos são festas populares brasileiras, muitas vezes de cunho religioso ou ligadas às datas comemorativas, que reúne as pessoas em brincadeiras tí- picas, com caráter lúdico, artístico, unindo danças, músicas e encenações, em uma visualidade típica. Por exemplo, o bumba-meu-boi, em que a narrativa folclórica de um boi mágico, que morre e ressuscita, é contada por meio de diversos personagens em suas danças e canções. Essas manifestações populares guardam um forte significado das tradições e da di- versidade da formação do povo brasileiro, são brincadeiras coletivas que agregam a população local e os olhares do público externo. Em sua origem, revelam sincretismo religioso, as memórias do cotidiano de cada região. Há nelas uma forte mescla das linguagens artísticas e da teatralidade, com representações de personagens popula- res e folclóricos. O cavalo-marinho é um folguedo que integra os ciclos de festejos natalinos realizados, principalmente, em Pernambuco, Alagoas e Agreste da Paraíba. Essa brincadeira popular, que deriva do bumba-meu-boi, reúne uma série de danças, declamações (loas) e toadas (cantos) aliada aos improvisos em uma roda fixa em que o público pode participar com os brincantes, que são aqueles que criam e conduzem todo folguedo. C e s a r D in iz /P u ls a r Im a g e n s P A R A R E F L E T I R Cia. Mundu Rodá de Teatro Físico e Dança apresenta a dança Cavalo Marinho, em 2013, São luiz do Paraitinga, SP. 39 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 39FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 39 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 ESPAÇOS DE FORMAÇÃO O teatro é uma linguagem artística e um campo do saber, uma área de conhecimento e pesquisa. Agora, vamos analisar os caminhos possíveis para a formação dos profissionais ligados a essa área do conhecimento. Para formação artística, profissional e acadêmica, há os espaços formais e informais. Nas universidades e faculdades, encontramos os cursos de licenciatura e de bacharelado, como sabido, o primeiro voltado para a docência e o segundo, para uma atuação mais ampla de acordo com a função escolhida. Nas mesmas instituições de ensino superior, há cursos de pós-graduação para pesquisas sistematizadas academicamente no campo teatral, que muitas vezes são articuladas aos outros campos do saber, por exemplo, Literatura ou Sociologia. Os cursos técnicos são voltados para capacitar os profissionais em de- terminadas funções, como os cursos de interpretação, que já se expan- dem para atuação em cinema e/ou para televisão, os cursos de drama- turgia, cursos de direção, cursos de cenografia, sonoplastia, iluminação, cenotécnica, produção e tantas outras funções que instrumentalizam e formam os profissionais da cena teatral. Também temos disponíveis os cursos livres que criam linhas específicas de estudo e prática dentro des- se amplo universo. O espetáculo revela mais de setenta personagens que representam as figuras históricas, religiosas e folclóricas com vestimentas coloridas. Entre elas, duas personagens que interagem com o público: Mateus e Bastião, interlocutores conduzindo a narrativa. Ambas as figuras estão presentes em outras manifes- tações populares do Brasil, são personagens cômicos, pessoas do povo, traba- lhadores astutos que interligam os fatos e se comunicam diretamente com o público. A encenação pode durar mais de oito horas, envolvendo toda comu- nidade em uma rica gestualidade, corporeidade que rememora e atualiza as histórias do povo brasileiro. 1 Você conhecia o cavalo-marinho? Que outras manifestações da tradição popular você conhece? Participa de alguma? 2 Como você identifica os elementos teatrais nessas manifestações? 40 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 40FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 40 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 O teatro é uma potente ferramenta não só para pensar a sociedade, a cultura, como também para promover desenvolvimento das habilidades comunicativas dos sujeitos, portanto, ele pode ser utilizado em traba- lhos de cunho social, inclusivos, educacionais ou mesmo comercial, pos- sibilitando aos participantes se apropriarem de determinadas técnicas e conhecimentos para seu próprio desenvolvimento. Um exemplo muito comum são aulas de teatro para a área de gestão e vendas como formas de melhorar estratégias de falar com uma grande audiência. PROJETOS UNIVERSITÁRIOS INTERDISCIPLINARES Sabemos que as linguagens artísticas e as atuações profissionais a partir delas são um campo fértil de interdisciplinaridade, que vai além do conhe- cimento de outros campos, mas também nas diferentes possibilidades de atuação profissional. Assim, um diretor teatral pode dirigir um espetáculo musical, um artista visual criar a cenografia, como é recorrente pesquisa- dores acadêmicos de área criarem investigações de dramaturgias teatrais. Esses cruzamentos permitem, em sala de aula, um trabalho conjunto en- tre os componentes curriculares e abre espaço para que os estudantes, com base nas vivências, se aproximem de determinadas funções nos projetos propostos. REGISTROS C A D E R N O D E Projetos colaborativos em que duas ou mais instituições os fomentam é prática comum no cenário artístico brasileiro. Um exemplo é a MT Escola de Teatro, um dos principais espaços de formação cê- nica no estado de Mato Grosso. Vinculada à Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel), a escola é gerida em parceria com a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), a Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap) e a Associação Cultural Cena Onze. O MT forma profissionais graduados que queiram atuar no campo das artes cênicas e amplia suas ações com cursos de extensão voltados à comunidade. ■ Agora, escolha e acesse os links de duas instituições de ensino superior e pesquise cursos, projetos de extensão e grupos de pesquisa na área de Comunicação e Artes. Além de analisar possibilidades para ampliação de sua própria jornada de estudos, é uma oportunidade para orientar estudantes que também tenham interesse e curiosidade na área. Registre os cursos do seu interesse, reflita sobre os objetivos que deseja alcançar com eles, os temas que mais chamam sua atenção e de que forma esses cursos vão ajudar na prática profissional e/ou no seu desenvolvimento pessoal. 41 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 41FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 41 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 Vale ampliar a discussão para a importância de investimentos na área de pesquisa e criação em projetos artísticos e a formação de público. As uni- versidades, as instituições públicas e as secretarias de cultura precisam injetar verba para ações culturais, fomentando as criações e a circulação da arte em nosso país. Os investimentos públicos na tríade pesquisa, produção e circulação de obras artísticas fomentam a formação efetiva de profissionais da área e de público. Além disso, vai na contramão da indústria cultural, que massifica os interesses e os produtos artísticos, tornando o mercado do entretenimento algo para um grupo específico de produções e artistas. Garantir uma política pública cultural que visa fomentar e subsidiar produções e pesquisas artísticas brasileiras se faz fundamental na meta de diminuir as desigualdades socioeconômicas, democratizandoo acesso aos equipamentos e saberes culturais. De acordo com a constituição federal brasileira, a cultura é considerada um bem e direito de todo cidadão, mas ainda vivemos um contexto em que investimentos em cultura não são prioridades na macroeconomia. Um reflexo disso ainda são os dados divulgados em 2019 pelo IBGE: apenas 23,4% dos municípios do país possuem teatros ou sala de es- petáculos e 39,9% das pessoas moram em cidades sem ao menos uma sala de cinema. Assim é preciso um debate coletivo sobre as formas de incentivo e fomento à cultura no Brasil. Para ampliar o debate, veja a reportagem e os vídeos do Jornal da USP sobre a necessidade de democratizar o acesso ao teatro no Brasil e as dificuldades dos grupos e artistas em se manterem profissionalmente. ■ APROXIMAR-SE da população é um dos desafios do teatro no Brasil. Jornal da USP, [S. l.], 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/ atualidades/aproxi mar-o-espetaculo- da-populacao-e- um-dos-desafios- do-teatro-no-bra sil/. Acesso em: 19 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A Veja um dos projetos universitários da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o show musical Entremeios, resultado das composições e arranjos do aluno de música Matheus Crippa, com o colega Guilherme Sakamuta e o trio Retrato Brasileiro. O grupo pesquisou ritmos brasileiros como samba, afoxé, maracatu e capoeira, criando arranjos para as heranças musicais afro-brasilei- ras. Para viabilizar o projeto, eles foram contemplados em um edital da própria universidade destinado aos estudantes artistas-criadores. Assista ao espetáculo musical Entremeios: ■ ENTREMEIOS. [Campinas]: TV Unicamp, 2018. 1 vídeo (64 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=re9KX0_v4aY&feature=youtu.be. Acesso em: 2 nov. 2020. Assista também ao depoimento dos músicos sobre o projeto: ■ REGISTRO geral: entrevista musical Entremeios. [Campinas]: TV Unicamp, 2018. 1 vídeo (7 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p- xIupuSyTA&feature=emb_logo. Acesso em: 2 nov. 2020. Se possível, faça uma pesquisa nos sites das universidades de seu conhecimen- to e de sua região, busque projetos interdisciplinares que fomentam a pesquisa e a criação em arte. Você pode conhecê-los virtualmente ou presencialmente e, quem sabe, propor uma conversa entre os responsáveis e sua equipe docente. É uma boa oportunidade para os diálogos entre universidade e ensino básico em uma perspectiva das práticas interdisciplinares. P A R A R E F L E T I R 42 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 42FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 42 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 https://jornal.usp.br/atualidades/aproximar-o-espetaculo-da-populacao-e-um-dos-desafios-do-teatro-no-brasil/ https://jornal.usp.br/atualidades/aproximar-o-espetaculo-da-populacao-e-um-dos-desafios-do-teatro-no-brasil/ MESTRES DA CULTURA POPULAR: ANCESTRALIDADE E TRADIÇÃO A aprendizagem por meio do conhecimento popular em ambientes das próprias comunidades e grupos identitários determina os espaços não formais, em que os aprendizes aprendem com os mais velhos, aqueles que guardam e propagam certos saberes, chamados de “mestres” das culturas populares. Os mestres da cultura popular possuem uma forte relação com a comu- nidade e a cultura local e perpetuam conhecimentos, técnicas, modos de fazer e pensar. No cotidiano e na informalidade, a aprendizagem, que prescinde de um currículo ou diploma, carrega em si a herança ancestral e perpassa as experiências de vida. Os conhecimentos desses mestres fazem parte de um patrimônio de tradições que se transmite oralmente e é constantemente atualizado pelos costumes da comunidade local. Os mestres detêm as tradições e memórias socioculturais de sua comunidade. Atualmente, dentro do âmbito da educação formal, há leis que fundamen- tam a importância de reconhecer e trabalhar com conhecimentos elabo- rados fora da pedagogia clássica, trazendo para escola os saberes popu- lares e legitimando mestres, mestras e brincantes da cultura brasileira. A própria educação básica como princípio universal e democrático é re- cente, sendo garantida em lei na Constituição Federal Brasileira de 1988. E é a partir de 1996, com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que o país passa a investir no ensino público e desenvolvê-lo, garantindo o acesso a todos e, consequentemente, incorporando na prática educa- tiva conhecimentos fora da pedagogia clássica, inclusive, por meio de novas leis, projetos e ações governamentais. Uma importante ação no reconhecimento dos saberes e vivências popu- lares é o decreto n° 3.551, que instituiu o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial – PNPI em 2000, investindo em projetos de inventário, registro e ações de proteção aos bens culturais imateriais, ou seja, aquilo que não é tangível e material como saberes, celebrações e formas de expressão. Outra lei nessa perspectiva que legitima as culturas populares brasileiras é a n° 10.639 de 2003, que prevê no âmbito escolar o ensino da história e das culturas africanas e afro-brasileiras, que foram silenciadas por sécu- los em nosso país, assim como a lei nº 11.645 de 2008, que complemen- tou a lei n° 10.639 ao prever a inclusão das culturas indígenas. Além dis- so, o projeto de lei n° 1.176 instituiu o programa de proteção e promoção dos “mestres dos saberes e fazeres das culturas populares”, garantindo reconhecimento, suporte financeiro e técnico para subsistência própria e das atividades das quais são portadores. 43 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 43FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 43 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 E X P E R I M E N T E ! OS GUARDIÕES DOS SABERES DA MINHA COMUNIDADE Você conhece algum mestre da cultura popular de nosso país? Inúmeros são os exemplos que conquistam projeção por meio das mídias e pesquisadores, como Maria Madalena Correia de Nascimento (1944-), conhecida como Lia de Itamara- cá, a cirandeira de Pernambuco, moradora da Ilha de Itamaracá, que leva a tradi- ção da ciranda para fora do país e foi considerada Patrimônio Vivo de seu estado. Já ouviu falar de Manuel dos Reis Machado (1899-1974), o baiano Mestre Bimba, responsável por criar a capoeira regional e tirar a prática da marginalidade? Nesta proposta, que também pode ser levada para sala de aula, você vai pes- quisar quem são os mestres da sua comunidade. A proposta com os estudan- tes mobiliza as competências gerais 1, 3 e 6 e as competências específicas 1, 2 e 6 da área de Linguagens ao tratar dos saberes e das manifestações da tradição popular e como se dão as interações entre as pessoas e o território, refletindo sobre identidades e atuações cidadãs plurais. Materiais: equipamentos com acesso à internet. PROCEDIMENTOS 1 Converse com colegas de trabalho e seus familiares sobre quais são os saberes, as celebrações e as formas de expressão populares de sua região ou cidade. 2 Pesquise quem são os mestres, os guardiões de tradição cultural. 3 Feita a pesquisa inicial, faça uma entrevista ou busque por materiais na internet, em sites, revistas, jornais e crie um perfil de um dos mestres de sua comunidade/cidade. 4 Você pode criar um roteiro prévio de questões para nortear a atividade. 5 Se for viável, organize um encontro na escola. Será um momento impor- tante para efetivar os diálogos entre o conhecimento formal e os saberes populares. Tempo estimado: 150 minutos Desdobramentos: pesquisar e promover um encontro com mestres da cultura popular da comunidade é uma boa oportunidade para integrar os campos do saber, pensando o conhecimento e as ações culturais locais por meio da pers- pectiva da cultura corporal, presente na Educação Física e Dança. O desenvolvimento das leis e ações permite que as culturas locais e os seus agentes sejam legitimados e considera a escola como local de di- álogosdas diversas formas de expressão, valorizando a pluralidade da cultura brasileira, articulada às múltiplas realidades em uma perspectiva crítica e de atuação cidadã. Para conhecer mais sobre os mestres de nossa cultura popular, acesse o site do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que objetiva conceder espaço aos saberes das culturas afrodescendentes, indígenas e populares na universidade no âmbito da pesquisa e de experiências de ensino. No link a seguir, é possível assistir a vídeos retratos de alguns mestres e mestras. ■ SABERES TRADI- CIONAIS UFMG. Vídeo retratos. Dis- ponível em: https:// www.saberes tradicionais.org/ category/video- retratos/. Acesso em: 3 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A 44 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 44FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 44 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 https://www.saberestradicionais.org/category/video-retratos/ https://www.saberestradicionais.org/category/video-retratos/ https://www.saberestradicionais.org/category/video-retratos/ TEATRO E ATUAÇÃO COMUNITÁRIA O teatro, apesar da aura ainda elitizada, é uma manifestação popular que também é usada como elemento de inclusão social e se faz presente em territórios de populações menos privilegiadas economicamente. O espaço de atuação do teatro é ampliado por meio de projetos socioculturais rea- lizados por artistas, universidades, ações governamentais e não governa- mentais. Entre essas atuações, destaca-se o teatro comunitário, situado dentro de um espaço geográfico comum, com peculiaridades no âmbito cultural e econômico. Os agentes teatrais e os arte-educadores se tornam articula- dores da linguagem artística com a comunidade local, dando voz àquela população e representatividade às questões ali presentes. No teatro comunitário, as pessoas estão vinculadas por objetivos comuns, proximidades territoriais, afinidades sociais e culturais. Os agentes tea- trais podem ser moradores do território, como podem ser catalisadores de relações entre os habitantes da região e o fazer teatral, utilizando a expressão artística como potência comunicativa e promotora de transfor- mações sociais. Segundo Nogueira (2007), o teatro comunitário pode ser pensado de três maneiras: a primeira seria o teatro para comunidade, em que os artistas vão até as regiões para apresentar seus espetáculos e oferecer cursos, independente do conhecimento prévio daquela realidade; o se- gundo seria teatro com comunidade, em que as pesquisas e práticas partem ou dialogam com os contextos locais; já o terceiro é o teatro por comunidade, em que as próprias pessoas das comunidades são inclu- ídas na criação teatral, fortemente influenciado pelas práticas e siste- matizações de Augusto Boal (1931-2009), importante figura do teatro brasileiro, que foi dramaturgo, diretor e ensaísta, defensor do teatro na perspectiva de uma ferramenta para emancipação política, criando o Teatro do Oprimido. Para Boal, a participação popular é elemento fundamental na constru- ção de uma sociedade efetivamente democrática, em que as camadas menos favorecidas possam se desenvolver em todos os âmbitos. O te- atro possibilita criar processos comunicativos, dar voz aos silenciados, dar ao sujeito o direito de falar, ocupar, existir. Para o teatrólogo, não se tratava apenas de produzir ideias, e sim de transformá-las em atos con- cretos, de impacto social. ■ Qual é sua experiência em projetos de teatro comunitário em sua prática educativa? P A R A R E F L E T I R 45 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 45FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 45 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 O teatro realizado com os membros de uma comunidade cruza as fron- teiras da idade, abarcando em seus projetos as vozes de crianças, ado- lescentes, adultos e idosos, colocando em pauta discussões e conflitos do próprio contexto do território e buscando, por meio da expressão teatral, ampliar as reflexões e as formas de atuação cidadã. Portanto, é comum, no terceiro setor, as organizações não governamentais uti- lizarem essa linguagem artística como instrumento de prática social e inclusiva, assim como articular esses projetos às escolas, já que é função dos espaços educacionais acolherem comunidades e promover o desen- volvimento integral de crianças, jovens e, por vezes, adultos, envolvendo familiares em diálogo com poder público. O ARTE-EDUCADOR E SUA ATUAÇÃO SOCIAL Nomeamos de arte-educador o profissional que trabalha com as lin- guagens artísticas, podendo se especializar em uma delas, no viés edu- cacional, seja no âmbito da educação formal, seja não formal. Nas es- colas de educação básica, o componente curricular Arte normalmente é assumido pelo professor licenciado em Educação Artística, a antiga formação polivalente, e por docentes com formação específica em uma das linguagens artísticas, mas é sabido que inúmeras são as realidades das escolas brasileiras e das possibilidades de formação docente. Tam- bém, é recorrente que os projetos socioculturais presentes em comu- nidades tenham a presença de arte-educadores, que desempenham o papel de articular as demandas do próprio território e seus moradores com o universo artístico, usando a expressividade, a comunicação e a historicidade como ferramentas para estabelecer diálogos, propor re- flexões e fomentar a atuação crítica e cidadã dos participantes. Sabe-se que, em nosso país, há enfrentamentos diários quanto aos mo- dos de vida consequentes da desigualdade social e vulnerabilidade de determinados grupos. O espaço institucional da escola, o ensino formal e o arte-educador, nesse contexto, desempenham papel fundamental quanto à promoção de uma educação crítica, que insere o estudante como protagonista do processo de ensino e aprendizagem e estabelece relações profícuas com a realidade local e global. No entanto, a própria estrutura escolar impõe limites. Por isso, as políticas públicas para in- vestimento no sistema público de ensino e a formação continuada são fundamentais para o desenvolvimento de educação integral e inclusiva. Compreender o arte-educador em sua função social, atuando além de uma fundamentação dos conhecimentos próprias das linguagens ar- tísticas, faz-se necessário na busca de uma inclusão socioeducativa de crianças, jovens e adultos, construindo caminhos que usam a arte para desenvolver oportunidades, partindo da percepção subjetiva e das vivên- cias dos próprios estudantes, bem como das experiências de vida do pro- fessor para criar processos de mediação cultural-social por meio da arte. 46 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 46FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 46 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 REGISTROS C A D E R N O D E O Grupo Código é uma associação cultural com mais de quinze anos de atuação na cidade de Japeri, Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, com três frentes de trabalho: uma companhia artística profissional de teatro, um espaço cultural e oficinas de teatro para a comunidade. O grupo busca fortalecer as relações das pessoas com o território por meio da arte, criando vínculo de pertencimento e promovendo ações de cidadania. O grupo nasceu de um projeto de teatro chamado Nós do Morro, que atua no Morro do Vidigal no Rio de Janeiro desde 1986, com intuito de formar atores e técnicos, fomentando o interesse pelo teatro na comunidade. O Nós do Morro já criou diversas montagens, desde textos clássicos teatrais até projetos autorais desenvolvidos por meio de jogos de improvisação com os participantes. Já o Teatro na Quebrada é uma ação que mapeou, articulou encontros e produziu conteúdos digitais sobre sete companhias que atuam nas periferias da cidade de São Paulo. O objetivo é olhar para as relações entre criações artísticas e território, entendendo a cidade como local deprodução de conhecimento e circulação de pensamentos. O Grupo Pombas Urbanas é uma dessas companhias que iniciou seu trabalho em 1989 no bairro de São Miguel Paulista, extremo da zona leste da capital paulista e, desde 2004, desenvolve ações no bairro Cidade Tiradentes, realizando atividades e programações culturais em sua sede, o Centro Cultural Arte em Construção. Para conhecer mais sobre esses grupos e ações, acesse os links a seguir: ■ GRUPO CÓDIGO. Disponível em: http://grupocodigo.org.br. Acesso em: 3 nov. 2020. ■ GRUPO POMBAS URBANAS. Disponível em: http://grupopombasurbanas.com.br/sobre-o-grupo/. Acesso em: 3 nov. 2020. ■ TEATRO na quebrada: Grupo Pombas Urba- nas. [S. l.]: Sesc, 2020. 1 vídeo (17 min). Sesc Pinheiros. Disponível em: https://www.you tube.com/watch?v=Kt2Nz6OH-Mo. Acesso em: 3 nov. 2020. Após acessar os sites e o vídeo, responda às questões e registre-as: 1 O fazer teatral se constitui enquanto exercício de diálogo, cidadania, criando laços entre as pessoas, as memórias e o cotidiano? 2 Quais são as semelhanças e as diferenças entre os grupos e as atuações nas comu- nidades quanto às pesquisas, poéticas e papéis que desempenham no território? Você pode levar essas experiências para reflexão com seus colegas e com os pró- prios estudantes em sala de aula. Peça teatral realizada pelo Movimento Organizado Moinho Vivo, na favela do Moinho, em 2013, São Paulo, SP. A Mostra faz parte da jornada de luta por água, esgoto, energia elétrica, hidrantes e a permanência da comunidade no local, em uma demonstração de que arte e cultura também fazem parte da construção da cidadania. L e o n a rd o S o a re s /F o lh a p re s s 47 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 47FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 47 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 https://www.youtube.com/watch?v=Kt2Nz6OH-Mo https://www.youtube.com/watch?v=Kt2Nz6OH-Mo E M A Ç Ã O ! CARTOGRAFIA TEATRAL AFETIVA Nesta proposta, você vai construir uma cartografi a teatral afetiva do bairro, re- gião ou cidade em que a escola está inserida. Para isso, você pode usar um suporte físico, como papel Kraft, ou suporte digital, explorando plataformas pró- prias para mapeamentos. O trabalho também pode ser desenvolvido em conjun- to com outros colegas. O intuito é explorar quais espaços, projetos e grupos que utilizam o teatro ou se dedicam ao fazer teatral no território, considerando as múltiplas possibilida- des como as que foram vistas até o momento. Após a elaboração da cartografi a, faça sua divulgação, compartilhando as informações na comunidade escolar. A atividade também pode ser utilizada com os estudantes em projetos de mapea- mento de ações culturais, integrando outras linguagens artísticas, ações que en- volvam as modalidades esportivas e também literárias. Ao propor a cartografi a M a ri a n a C o a n /A rq u iv o d a e d it o ra Exemplo de mapa afetivo. 48 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 48FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 48 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 teatral afetiva com os estudantes e considerando o olhar sensível do cartógrafo, as subjetividades dos agentes sociais e fazendo uso de ferramentas digitais, são contempladas as competências gerais 4 e 5, as competências específi cas 6 e 7 e o trabalho com a dimensão 3. A cartografi a afetiva é um modo de observar e representar o território de uma forma mais aberta e poética, trazendo consigo as inquietações e impressões subjetivas dos próprios projetantes, ou seja, incorpora no mapeamento os usos dos espaços e a exteriorização das relações cotidianas, invisíveis que acontecem nele. Nesse sentido, a cartografi a, que é uma ferramenta comum na Geografi a para re- gistar e acompanhar as mudanças na paisagem e nos espaços, ganha um caráter mais sensível, em que traços simbólicos e subjetivos são incorporados às repre- sentações. A cartografi a afetiva busca outras camadas de existência e relação com o território. Para isso, reúnem-se entrevistas, desenhos e depoimentos das pessoas que são as agentes inseridas no recorte estudado. Por esse potencial lúdico e subjetivo, essa maneira de cartografar tem sido aplicada como prática educacional e de pesquisa. Veja um exemplo de mapeamento da cidade do Rio de Janeiro, em que se pesquisam os usos dos espaços coletivos da cidade por meio de apropriações espontâneas, festas e ações artísticas (defi nidas como intervenções temporárias). A pesquisa é do Laboratório de Intervenções Temporárias e Urbanismo Tático (LabIT) do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em parceria com Escola de Belas Artes – UFRJ e Escola de Artes- -Design da PUC-Rio. O intuito é construir constantemente uma cartografi a do temporário, dedicado aos estudos de ações que transformam positivamente a cidade. ■ INTERVENÇÕES TEMPORÁRIAS. Disponível em: https://intervenco estemporarias.com. br/. Acesso em: 3 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A 49 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 49FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 49 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 https://intervencoestemporarias.com.br/ https://intervencoestemporarias.com.br/ Aqui, pode-se trazer a referência de “cartografia sentimental” (2011), de Suely Rolnik, em que o cartógrafo-pesquisador não se coloca em uma relação dis- tanciada de seu objeto de estudo, pelo contrário, ele é aquele que busca por meio de suas vivências olhar, captar e interpretar as narrativas, usos, imagi- nários que fogem a um mapeamento mais técnico. Ela também sugere para coleta de dados o uso de registros variados como fotografia, relato e o diário de bordo do pesquisador. Assim, o intuito de uma cartografia teatral afetiva é investigar e fazer emergir quais são os processos de prática teatral no território, como os espaços se tor- nam lugares de criação de espetáculo e como os agentes sociais atuam em uma perspectiva artística e sociocultural. MATERIAIS: Para produção impressa: papel Kraft ou papel cartão; papéis diversificados; ca- netas hidrográficas e/ou tintas; cola; tesoura; régua, equipamento com acesso à internet para pesquisa e mapa da região. Para produção virtual: equipamento com acesso à internet para pesquisa e softwares gratuitos de mapeamentos e cartografias. PROCEDIMENTOS: 1 Definição da região geográfica e do suporte: defina a extensão territorial para cartografia teatral e o suporte utilizado: impresso ou digital. Com a definição, comece a divisão de tarefas em sub-regiões caso a proposta seja coletiva. 2 Coleta de dados: faça pesquisas, por exemplo, no site da secretaria de cul- tura da cidade e por meio de conversas com pessoas da comunidade para mapear os espaços culturais, as instituições de ensino, as sedes de grupo e os projetos sociais que usem a linguagem teatral. Você pode usar essas dis- tinções para criar categorias caso julgue interessante. 3 Saberes e experiências: inicie a segunda etapa de pesquisa, analisando os saberes e as experiências articulados com o território. Para isso, analise en- trevistas, depoimentos, relatos dos envolvidos e crie uma lista de palavras com base em sua interpretação dessas experiências. 4 Composição visual da cartografia: com o material coletado, é o momento de compor a cartografia. Use o mapa geográfico como base e crie símbolos, desenhos, trajetórias, destaque palavras que representem as atuações e os espaços teatrais. Você pode criar legendas para acompanhar e, caso use o ambiente virtual, algumas plataformas permitem inserir vídeos e áudios a que o visitante terá acesso ao navegar. 5 Compartilhando a cartografia teatral afetiva: estabeleça um plano de divul- gação para compartilhar a cartografia com a comunidade escolar, permitin- do a circulação das informações e reflexões. Se for possível, promova umaroda de conversa com os envolvidos na proposta e convide alguns artistas, arte-educadores e gestores do território para o momento. Tempo estimado: 200 minutos Suely Rolnik é uma pesquisadora transdisciplinar que atua nos campos da cultura, da arte e da psicanálise. Ela estuda as políticas de subjetivação no campo social, privilegiando o olhar das micropolíticas. Tem sólida formação em Ciências Humanas com titulações em Sociologia, Filosofia e Psicologia Social. Integrou, entre 2007 e 2015, o corpo docente do Programa de Estudos Independentes do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona. 50 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 50FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 50 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 R E V E R B E R A Ç Õ E S MAPEAMENTOS – CAMINHOS POSSÍVEIS Vimos que a cartografia afetiva pode ser uma ferramenta para mapear os terri- tórios, revelando percepções pessoais e coletivas. Elas são cada vez mais incor- poradas como práticas educacionais, seja no âmbito formal, seja no não formal, pois têm a potência de fazer emergir questões subjetivas e de pertencimento com os espaços. Em sala de aula, com projetos interdisciplinares, é possível utilizar os mapas mentais e as cartografias afetivas como instrumentos de identificação dos cami- nhos, das vivências e dos aprendizados, bem como refletir sobre as experiências e traçar objetivos comuns. Esses recursos produzidos pela comunidade ou por determinado grupo, com base nas experiências e nas interações dos indivíduos com o ambiente vivido, parte de um olhar individual, em que são simbolizados os trajetos es memórias dos sujeitos. Essa forma de registro dos afetos é muito aplicada em estudos de certos contextos. É uma maneira para se pensar o espaço escolar e seu entorno, investigando além do espaço geográfico, a memória social e subjetiva, uma visão mais ampla da identidade do território e da noção de pertencimento. Os mapas mentais e afetivos podem ser usados para sua própria reflexão e junto à sua equipe, como pode ser aplicado em sala de aula para sondar, registrar e refletir. Veja, a seguir, perguntas norteadoras para pensar a realidade da escola e as relações ali estabelecidas: 1 Quais são os espaços mais significativos da escola? Atribua uma cor e sen- sação para cada um. 2 Qual seu trajeto até chegar à escola? Quais pontos se destacam no caminho? 3 Qual local é agradável, confortável? E qual local é o oposto? Realize e proponha a construção de um mapa e a criação de desenhos para lugares com base nas percepções individuais e coletivas e desenvolva e in- centive a criação de símbolos, a alteração das proporções e dos tamanhos de acordo com os significados e do que é mais relevante nas vivências de cada um. Por fim, dialogue com a equipe ou com a turma o que é revelado por meio dessa produção e como ela pode indicar pistas para definir objetivos co- muns de ações pedagógicas. 51 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 51FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 51 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido: e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. Nesse livro, o teatrólogo Augusto Boal traz pontos relevantes da história do teatro para fundamentar seu potencial político, trazendo a metodologia de seu Teatro do Oprimido como ferramenta para democratização dos meios de produção e transformação da realidade. CARMO, Ricardo; AVELAR, Katia; DE MIRANDA, Maria Geralda. “Mestres populares” e a escola no Brasil. Caderno Seminal Digital. Rio de Janeiro, v. 17, n. 17, p. 202-211, jan.-jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.12957/cadsem.2012.11016. Disponível em: https://www.e-publicacoes. uerj.br/index.php/cadernoseminal/article/view/11016. Acesso em: 3 nov. 2020. O artigo trata da importância dos mestres da cultura popular e as razões de sua marginalização histórica, que levam ao distanciamento dos saberes populares com as aprendizagens do sistema educacional brasileiro. MARIANO, Everton de Lima. Experienciando o teatro comunitário: a função social do arte- educador comunitário. 2015. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Teatro) – Centro de Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2015. O Trabalho de Conclusão de Curso centra suas discussões em experiências de teatro comunitário e reflete sobre a função social do arte-educador em comunidades. MARINHO, Anderson da Silva. A cartografia afetiva na leitura do espaço escolar: compreendendo olhares e subjetividades. 2018. 37f. Artigo (Licenciatura em Geografia) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2018. Disponível em: http://www.repositorio.ufc. br/handle/riufc/42060. Acesso em: 3 nov. 2020. O artigo reflete sobre a cartografia afetiva como instrumento de leitura do espaço escolar, envolvendo os estudantes em um processo de construção coletiva. NOGUEIRA, Márcia Pompeo. Tentando definir o teatro na comunidade. In: Reunião Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, 4, 2007, Campinas-SP. Anais ABRACE – IV Reunião Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. Campinas: Unicamp, 2007. Revista eletrônica. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/ index.php/abrace/article/view/1179. Acesso em: Acesso em: 3 nov. 2020. A pesquisadora busca definir o que é o teatro na comunidade e como ele se torna uma opção de atuação crítica e social em bairros e contextos de populações menos favorecidas da sociedade. NOGUEIRA, Márcia Pompeo. A opção pelo teatro em comunidades: alternativas de pesquisa. Revista Urdimento, Florianópolis, v. 1, n. 10, p. 127-136, dez. 2008. DOI: https://doi. org/10.5965/1414573101102008127. Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/ urdimento/article/view/1414573101102008127. Acesso em: 3 nov. 2020. Nesta publicação para a Revista Urdimento, a autora reflete sobre o teatro em comunidades como uma das alternativas para pesquisa acadêmica e docente, centrando atenção nos casos de comunidades menos favorecidas e a relevância sociocultural do teatro na região. ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, 2011. Rolnik, em seu livro, traz a cartografia sentimental como uma prática que extrapola o registro técnico de territórios e insere a subjetividade do próprio cartógrafo como um investigador busca compreender e representar as diversas dinâmicas e forças que operam além do visível, o que ela denomina de corpo vibrátil (afetos, movimentos de desejos). BIBLIOGRAFIA COMENTADA 52 FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 52FC_TEATRO_g21At_035a052_U1_C2.indd 52 14/01/2021 14:4214/01/2021 14:42 https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/cadernoseminal/article/view/11016 https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/cadernoseminal/article/view/11016 http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/42060 http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/42060 https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/1179 https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/1179 https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101102008127 https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101102008127 MEDIAÇÃO CULTURAL COMO PROJETO DOCENTE 3 OBJETIVOS ■ Compreender as características do trabalho de mediação cultural. ■ Estabelecer relações do trabalho docente e seu projeto de desenvol- vimento profissional com as práticas de mediação cultural. ■ Elaborar um projeto de mediação teatral. ■ Compreender a estrutura e os usos de relatórios como ferramentas de registro e avaliação. JUSTIFICATIVA Compreender as manifestações artísticas em toda sua potencialidade estética e sensível passa, quase sempre, pela necessidade de conhecer os códigos e símbolos das diversas formas de arte e por acesso aos locais e eventos culturais. Quanto mais se domina esse conhecimento,melhor pode ser a fruição e o estabelecimento de sentidos e relações com diversas dimensões da vida e da arte. Nesse sentido, os processos de mediação cultural se tornam indispen- sáveis para promover meios de auxiliar professores, estudantes e as pessoas em geral a comporem significações para suas experiências com arte. O professor exerce papel indispensável nesse processo, ao conduzir ações pedagógicas que aproximam a escola do universo artístico, ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento cognitivo, estético, sensível e imagético dos estudantes. C A P ÍT U L O T R Ê S 53 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 53FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 53 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 REGISTROS C A D E R N O D E Observe a imagem acima. Os estudantes estão participando de um acontecimento teatral em que são colocados em interação direta com os artistas, proporcionando uma experiência estética que envolve seus sentidos e seus corpos por inteiro. Agora, faça o registro: 1 Que tipos de sensações e emoções você acha que experiências como essa podem suscitar? Por quê? 2 Defina como você acha que deve ser feita a preparação e a sensibilização para esse tipo de atividade. Faça suas anotações em seu caderno de registros. Se possível, faça também um relato verbal para outros professores e ouça os relatos deles, de modo que vocês tenham um panorama de memórias sobre suas participações como espectador em eventos culturais em geral e em eventos teatrais em particular. S E N S I B I L I Z A Ç Ã O Apresentação da peça A viagem de uma estrela, produzida pela Via Certa Teatral, em uma escola municipal em Itapevi, SP, em 2019. F e lip e B a rr o s /E x L ib ri s /P re fe it u ra M u n ic ip a l d e I ta p e v i Voltando à situação apresentada na imagem, reflita sobre as ações e etapas necessárias para os estudantes chegarem à vivência, imaginando a preparação em relação à contextualização inicial, à logística de deslo- camento, às parcerias firmadas com as instituições culturais e com os artistas para que eles recebessem os estudantes, bem como os desdo- bramentos pedagógicos da ação. Analise a importância dessas etapas e o planejamento para realizá-las. Pense nesse processo como sendo característico de uma mediação cul- tural e, depois, elabore uma possível sequência de ações pedagógicas 54 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 54FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 54 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 que você julgue necessárias a fim de criar oportunidades para que os estudantes fruam, interajam e vivenciem ao máximo atividades como essa. Indique como você poderia colaborar com o trabalho e anote suas reflexões em seu caderno de registros. Este capítulo visa colaborar com o entendimento sobre o que é media- ção cultural e sua importância na formação dos estudantes. Pretende-se apontar, ainda, as possibilidades que a mediação cultural oferece para você ampliar suas ações como professor e, por extensão, seu projeto de desenvolvimento profissional. O QUE É, PARA QUE SERVE E COMO SE FAZ MEDIAÇÃO CULTURAL? A mediação cultural pode ser compreendida como um conjunto de ações e processos de interação que visa colaborar para que as pessoas possam ampliar suas experiências sensíveis, estéticas e cognitivas ao entrarem em contato com manifestações culturais e obras de arte das mais diversas épocas e linguagens. Tais processos também tem o intuito de formar espectadores e públicos permanentes, ou seja, sujeitos capa- zes de fruir e produzir arte e cultura ao longo de toda vida, de maneira consciente e autônoma (COELHO, 2004). Como desdobramento da ideia de difusão cultural, cujo alcance, de certo modo, limitava-se a propagar informações sobre artistas, obras e mani- festações culturais, a mediação cultural ganha força na segunda metade do século XX, a partir da necessidade de instituições culturais, como o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC-USP), por exemplo, de promover curadorias e instrumentos de facilitação, contextualização e leitura de obras das artes visuais, capazes de atender as necessidades do público sobre recepção e apropriação dos signos artísticos. Essas ações ajudaram a compor estruturas e processos de ações educativas, amplamente disseminados nas instituições a partir dos anos de 1990, que atuam preenchendo o espaço existente entre a produção artística e a recepção das obras (BARBOSA; COUTINHO, 2009). Se pensarmos no contexto da arte contemporânea, em que o público é convidado não só a ler e interpretar, mas a participar da própria criação e consolidação das propostas artísticas, colaborando com suas subjeti- vidades por meio de ações interativas, é possível compreender por que várias instituições culturais possuem estruturas e sistemas de mediação especializadas em formular projetos culturais relacionados a diferentes pú- blicos e faixas etárias, com atividades e metodologias que propiciam aos participantes a construção de conhecimentos e experiências estéticas que podem marcá-los por toda vida. Espaços que, em última análise, fazem do ato de mediar uma oportunidade de auxiliar as pessoas a melhor compre- enderem e até mesmo interagirem com obras artísticas e eventos culturais. Leia o texto do pesquisador e diretor Clóvis Domingos, publicado em 2019, sobre a experiência da mediação cultural nas Artes Cênicas. ■ DOMINGOS, C. No- tas sobre crítica e mediação cultural em Artes Cênicas: uma experiência com o Palco Gira- tório. Horizonte da Cena, [S. l.], [2018]. Disponível em: https://www.hori- zontedacena.com/ notas-sobre- critica-e-mediacao- cultural-em-artes- cenicas-uma- experiencia-com- o-palco-giratorio/. Acesso em: 23 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A 55 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 55FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 55 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 https://www.horizontedacena.com/notas-sobre-critica-e-mediacao-cultural-em-artes-cenicas-uma-experiencia-como-palco-giratorio/ REGISTROS C A D E R N O D E Verifique se há iniciativas do poder público para o desenvolvimento da cultura em sua região e se elas proporcionam espaço, autonomia e empoderamento cultural aos cidadãos. Anote os resultados. A promoção de cursos de arte, oficinas de produção cultural, a manutenção de espaços culturais públi- cos, a existência de fomentos ao trabalho de artistas locais e formas de circulação de suas produções são alguns exemplos de ações do poder público em prol da realização de medições culturais. Compreendemos que a democratização e acesso a bens culturais são responsabilidade do Estado, da lógica de mercado da indús- tria cultural e de outros segmentos da socie- dade, como Organizações da Sociedade Civil (OSCs), sindicatos, escolas, fundações etc., de- monstrando sua importância na configuração de redes de articulação cultural nos territórios que envolvem e geram trabalho e renda para diversos profissionais, como artistas, técnicos, produtores, distribuidores, difusores culturais, professores entre outros. Nessa perspectiva de interação territorial entre grupos, artistas, instituições e poder público, as ações de mediação cultural adquirem mais uma função, em conjunto com os instrumentos de aproximação e facilitação das experiências com arte. Essa interacão também pode promover ar- ticulações políticas que fortalecem o tecido so- cial e cultural desses territórios. Nesse contexto, o poder público possui especial destaque ao estabelecer políticas de democratização, aces- so, difusão e produção artística e cultural que atendam às necessidades da população. Os museus foram as primeiras instituições culturais a organizarem atividades e estruturas para oferecer ações voltadas à mediação cultural ao público. Abaixo estão os links de algumas instituições culturais. Acesse para conhecer mais sobre as propostasde mediação cultural dessas instituições. ■ MUSEU GOELDI – PA. Disponível em: https://www.museu-goeldi.br/. ■ MUSEU DA GENTE SERGIPANA – SE. Disponível em: http://www.museudagentesergipana.com.br/. ■ ESTAÇÃO CABO BRANCO – PB. Disponível em: https://joaopessoa.pb.gov.br/estacaocb/. ■ MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE GOIÁS – GO. Disponível em: http://www.ccon.go.gov.br/. ■ MUSEU AFROBRASIL – SP. Disponível em: http://www.museuafrobrasil.org.br/educacao. ■ MUSEU DE ARTE MODERNA – RJ. Disponível em: https://www.mam.rio/educacao/. ■ INHOTIM – MG. Disponível em: https://www.inhotim.org.br/. ■ FUNDAÇÃO CATARINENSE DE CULTURA – SC. Disponível em: https://cultura.sc.gov.br/. ■ MUSEU OSCAR NIEMEYER – PR. Disponível em: https://www.museuoscarniemeyer.org.br. Acessos em: 23 nov. 2020. Existem muitas outras instituições que disponibilizam informações na internet, inclusive com tours virtuais. Faça uma pesquisa e visite mais instituições, pois elas podem servir de fontes de referências, fornecer ideias para o desenvolvimento de projetos, além de permitir o acesso ao conteúdo dos acervos. O tema da mediação cultural propicia o trabalho com a competência específica 1 ao fornecer mecanismos para que o professor conheça o funcionamento de processos culturais existentes em diferentes linguagens artísticas. A P R O F U N D A R P A R A 56 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 56FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 56 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 As Organizações da Sociedade Civil (OSCs) também desempenham um papel importante na elaboração de ações de mediação cultural. Geral- mente, essas instituições conseguem maior acesso a determinadas ca- madas da população do que o poder público, atuando em comunidades e populações economicamente mais vulneráveis. Muito provavelmente, neste momento, uma dessas OSCs deve estar trabalhando em sua região com projetos que potencializam o contato, a compreensão, a valoriza- ção e a produção de manifestações artísticas e culturais com crianças, jovens e adultos, ou seja, fazendo um trabalho de mediação cultural. In- forme-se sobre esse tipo de articulação, que podem ampliar o repertório para favorecer o seu trabalho com a formação dos estudantes. Temos ainda as iniciativas de mediação promovidas por instituições pri- vadas (fundações, empresas etc.). Normalmente, essas instituições pos- suem grande capacidade de aporte de recursos financeiros e atuam tan- to nos grandes centros urbanos, mantendo programações artísticas e de formação educativa em espaços culturais modernos, quanto, em alguns contextos, financiando projetos desenvolvidos por OSCs ou apoiando artistas e grupos locais ao ceder espaço, dar apoio logístico e técnico, materiais e verbas para que seus trabalhos possam alcançar maior pro- jeção e visibilidade social. Boa parte da verba dessas instituições desti- nadas aos projetos são provenientes de abatimentos fiscais utilizados como contrapartida social pelas empresas. As comunidades, grupos de artistas e mestres das manifestações cultu- rais tradicionais que mantém a histórias, os hábitos, as danças, as músicas, as festas populares e folclóricas, como as congadas e outras expressões artísticas citadas no capítulo anterior, representam e possuem outras im- portantes formas de realizar ações de mediação cultural. As atividades desses grupos conseguem tamanho destaque em seus territórios que, quase sempre, são permeadas por ações como oficinas, palestras, visitas guiadas etc., realizadas por integrantes dos próprios grupos, ou por outros mediadores culturais, com o intuito de divulgar e valorizar suas tradições e preparar o público para compreender, acompanhar e fruir as atividades. REGISTROS C A D E R N O D E Provavelmente, em sua região, existem grupos culturais tradicionais. Como é sua interação, dos es- tudantes e a da própria escola com esses grupos? Vocês planejam e realizam atividades culturais em conjunto? Com que frequência? Organizam alguma sequência pedagógica, em conjunto com os grupos, com o objetivo de potencializar as vivências dos estudantes ou são apenas eventos para en- tretenimento? Reflita sobre essas perguntas e anote suas respostas. 57 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 57FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 57 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 Os atores sociais mencionados anteriormente podem se tornar parceiros de sua escola, que, por sua vez, também podem integrar essa rede que articula estratégias e fomenta práticas cul- turais em seu território. Caso isso já aconteça, de forma bem articulada e efetiva, com a troca de experiências, informações e planejamentos entre vocês, essa é uma ótima evidência de que sua comunidade escolar deve estar bem inte- grada ao universo artístico-cultural de sua lo- calidade. Fato que, em última análise, contribui muito para a formação integral dos estudantes. Ao promover ou participar dessas articulações territoriais, você e a escola em que atua esti- mulam fortes laços de pertencimento comuni- tário, uma vez que os saberes artístico-culturais existentes no entorno da escola, provenientes dos conhecimentos tácitos da comunidade, faz parte, em conjunto com os saberes dos com- ponentes curriculares, dos planejamentos e atividades pedagógicas desenvolvidas com os estudantes. O potencial dessas relações culturais dentro/ fora da escola se faz ainda por sua forma cola- borativa e participativa, no qual artistas e gru- pos locais, instituições privadas e públicas e a comunidade escolar contribuem, cada qual à sua maneira, para a realização das parcerias: os grupos e instituições culturais fornecendo informações preliminares sobre os eventos, a escola promovendo a sensibilização dos es- tudantes a partir dos dados disponibilizados, todos (instituições/grupos culturais e escola) cuidando para que a vivência estética e sen- sorial durante o contato com a obra ou acon- tecimento artístico possa proporcionar apren- dizagens significativas aos participantes e, de volta à escola, o conjunto dessas experiências sendo objeto de reflexão ligada às realidades sócio-econômica-cultural dos estudantes, de modo a ampliar suas compreensões sobre a linguagem artística vivenciada e a suas formas de atuação na sociedade. Dessa forma, podemos destacar as seguintes etapas e estratégias da mediação cultural, que visam proporcionar experiências estéticas (vi- vência artística) e educativas (vivência peda- gógica) para o público: ■ ações de contextualização e preparação para os eventos; ■ acompanhamento pedagógico durante a vi- sitação ou apresentação artística; ■ atividades de reverberação, que colaborem para a compreensão e reflexão sobre a expe- riência estética vivenciada. P A R A R E F L E T I R O conceito de apropriação cultural carrega consigo forte teor de imposição de uma cultura hegemônica sobre outra, que é inferiorizada, muitas vezes causando danos graves aos significados, símbolos, costumes e tradições ao grupo minoritário. A apropriação cultural, em outras palavras, é uma estratégia de domina- ção de uma cultura sobre a outra. Por ser tão delicado, esse tema precisa ser tratado com os estudantes de modo a promover a valorização e proteção da diversidade cultural dos povos e seus saberes. Acesse o link a seguir para ler várias reportagens sobre o tema: ■ GELEDÉS. Disponível em: https://www.geledes.org.br/tag/apropriacao-cultural/. Acesso em: 28 nov. 2020. Converse com professores de Sociologia e de outros componentes curriculares e pensem em estratégias para trabalhar o assunto com os estudantes. 58 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 58FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 58 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 O mapa conceitual a seguir mostra os vários e múltiplos campos do sa- ber em que a mediação cultural pode estar presente. O artigo “A mediação sob o olhar da ciência da informação em Portugale no Brasil” traz ‘o estado da arte’, um panorama sobre algumas formas de medição e sua importância na sociedade atual. Vale a leitura e reflexão: ■ BORGES, L. et al. “A mediação sob o olhar da ciência da informação em Portugal e no Brasil”. Páginas a&b. s.3, n. 10, p. 17-32, 2018. | https://doi. org/10.21747/21836 671/pag10a2. Disponível em: https://www.resear chgate.net/publica tion/330015092_ A_mediacao_sob_ o_olhar_da_ciencia _da_informacao_ em_Portugal_e_no _Brasil. Acesso em: 11 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A As reflexões propostas até o momento dialogam com as competências gerais 1 e 3 da BNCC, uma vez que são estímulos para a compreensão das origens dos conhecimentos sobre mediação cultural e seu uso para promover o acesso, a difusão, a valorização e a produção de manifesta- ções artístico-culturais de sua realidade. Vejamos como você pode cola- borar nesses processos, ao mesmo tempo em que amplia seu conjunto de ações como professor mediador em seu território. O PROFESSOR MEDIADOR O professor possui papel estratégico nesse circuito de mediação cultural com um trabalho, em muitos momentos, correlato ao do mediador, com a função de sensibilizar e contextualizar os estudantes sobre a experi- ência artística na fase preparatória, orientá-los durante o contato com a obra ou evento cultural e fomentar reflexões e debates após a expe- riência. Ao acionar diversas práticas de linguagens para realizar esses trabalhos, você estará em consonância com as competências específicas 3 e 6 da área de Linguagens, mobilizando seus conhecimentos artísticos para facilitar os processos de fruição e contextualização dos estudantes. Apropriação cultural Cultura Comunicação Memória Ciência da informação Patrimônio Informação Artística Cultural Comunitária Inclusivo Museologia Em museus Local Virtual Intercultural Não formal Museu Curadoria Educação Infoeducação Dispositivos internacionais Práticas culturais Formação artística Fotografia Acessibilidade cultural Mediação cultural Animação cultural Conhecimento Mediação cultural Instituições culturais Exposição de arte Fonte: (BORGES et al. 2018, p. 23.) 59 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 59FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 59 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 http://ojs.letras.up.pt/index.php/paginasaeb/article/view/5022/4911 http://ojs.letras.up.pt/index.php/paginasaeb/article/view/5022/4911 https://www.resear https://www.resear Com sua influência e conhecimento artístico, pode ainda exercer o papel de articulador entre alguns atores culturais de sua região, conversando com grupos e instituições para acertar visitas e encontros entre os es- paços culturais, os artistas e os estudantes. Pode fazer parte de órgãos colegiados, como comissões e conselhos, que propõem ações e estraté- gias de democratização e acesso aos bens culturais da região ou, ainda, colaborar na elaboração de políticas públicas voltadas às necessidades culturais da população. Dessa forma, o professor mediador é aquele sujeito que promove a ligação cultural entre o ambiente interno e externo à escola. É um agu- çador de imaginações, de vontades, de percepções estéticas, de curio- sidades artísticas, sociais e culturais, sem, contudo, forçar os estudan- tes a chegarem a entendimentos e percepções preconcebidas sobre o contato que terão com os acontecimentos e obras artísticas. Para tanto, é necessário manter sempre tangível a sensibilidade estética e a empatia para com os outros, o espírito criativo inquieto, que inspire, oriente e encoraje os estudantes a se abrirem às percepções subjetivas, muitas vezes sutis, que o encontro com a arte é capaz de promover. É preciso ser, em essência, um professor/artista/pesquisador de sua própria poética, de sua forma de ser, estar e interagir no e com mundo, sempre em busca de novos saberes que possam compor o desenvolvi- mento profissional e pessoal. São por esses motivos que os campos da mediação cultural em geral e o da mediação teatral em particular se apresentam como propício para você ampliar ou até mesmo mudar suas perspectivas de atuação dentro e fora da escola, relacionado conceitos artísticos, culturais, políticos, so- ciais, éticos e estéticos para intermediar as possibilidades de integração entre a arte e os estudantes e destes com a sociedade. Promovendo: a organização deste potencial de sentidos, que surgem na experiência, a elaboração de significações que constituem o ato pessoal e intransferível do espectador, [que] como sabemos, não se limitam a um talento natural, mas precisam ser antes de tudo compreendidas como conquistas culturais. (DESGRANGES, 2008, p. 80-81). O papel do professor mediador é indispensável para que os estudantes consigam alcançar boa parte dessas conquistas culturais. MEDIAÇÃO TEATRAL Agora falaremos sobre a mediação no contexto do teatro na escola, os princípios da mediação cultural e suas possibilidades de interação com os diferentes campos do conhecimento, uma vez que esses elementos constituem a base quando se olha para as práticas teatrais. Acesse as videoaulas em que a professora Rosa Iavelberg, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, faz colocações sobre o trabalho do professor com temas como: o direito e a necessidade de se aprender sobre patrimônio e diversidade cultural nas escolas: ■ O PAPEL do pro- fessor na mediação cultural. Videoaula por Rosa Iavelberg. Portal e-Aulas USP. 1 vídeo (13 min). Disponível em: http://eaulas.usp. br/portal/video.act ion;jsessionid=CA5 66AE57643A767D 6ED2B5FED78915 E?idPlaylist=6363. Acesso em: 8 nov. 2020. ■ O PROFESSOR e a diversidade cultu- ral na sala de aula. Videoaula por Rosa Iavelberg. Portal e- Aulas USP. 1 vídeo (12 min).Disponível em: http://eaulas. usp.br/portal/video. action;jsessionid=0 689F742639183FF2 FAD4554932A4185 ?idItem=627. Aces- so em: 8 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A 60 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 60FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 60 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 http://eaulas.usp.br/portal/video.action;jsessionid=CA566AE57643A767D6ED2B5FED78915E?idPlaylist=6363 http://eaulas.usp.br/portal/video.action;jsessionid=0689F742639183FF2FAD4554932A4185?idItem=627 http://eaulas.usp.br/portal/video.action;jsessionid=0689F742639183FF2FAD4554932A4185?idItem=627 http://eaulas.usp.br/portal/video.action;jsessionid=0689F742639183FF2FAD4554932A4185?idItem=627 Nessa perspectiva de interações e construções de significados por meio da linguagem teatral, podemos destacar que a mediação teatral é um espaço de negociação entre quatro identidades: o objeto cultural mediado; as representações, as crenças e os conhecimentos; as experi- ências do mediador e o destinatário da mediação; e o mundo cultural de referência [dessas pessoas]. (DARRAS, 2003, apud BORGES et al., 2018, p. 22). Seus conhecimentos culturais, teatrais e pedagógicos, mais uma vez, são indispensáveis para a realização desse trabalho de articulação entre tantas identidades. Por isso, uma das funções dessa obra é proporcio- nar meios para a reflexão sobre a formação e vida profissional e, a par- tir dela, aprofundar conhecimentos, instrumentos, técnicas e formas de atuação dentro e fora da escola. O trabalho com mediação teatral pode ser pensado em duas principais vertentes que se complementam: o acesso físico aos espaços e aconte- cimentos teatrais e o acesso linguístico, ou seja, a compreensão dos có- digos da linguagem teatral (DESGRANGES, 2008). Na primeira vertente, encontram-se as iniciativas tanto do poder público quanto da iniciativa privada em promover ações que facilitem o baixo custo dos ingressos, os meios de transporte até os equipamentos culturais ou a ida das peças até as escolas, as formas de divulgação das informações sobre osespe- táculos, entre outras ações. Quanto ao acesso linguístico, trata-se da gradual aquisição de conhe- cimentos teóricos e práticos sobre teatro, do entendimento sobre as técnicas, formas e procedimentos estéticos que compõem o universo da linguagem teatral, de maneira a fornecer possibilidades e condições para os estudantes construírem seus olhares, autônomos e críticos, so- bre os eventos teatrais que vivenciarem. Desgranges (2008) faz outra distinção entre essas duas vertentes de mediação teatral. Para ele, projetos que tenham como objetivo o aces- so físico aos espaços culturais e às apresentações teatrais, podem ser considerados projetos de formação de público teatral, cujo propósito é ampliar o hábito de ir ao teatro. Já projetos que visam o acesso linguístico, ou seja, o domínio e uso da linguagem teatral pelos estudantes para compreenderem sua individua- lidade e subjetividade em relação com o outro e com o mundo, em pro- cessos de criação artística, são definidos pelo pesquisador como proje- tos de formação de espectadores. Ambas as propostas – formação de público e formação de espectadores – podem e devem caminhar juntas nos processos educacionais e criati- vos conduzidos no espaço escolar. O professor Flávio Desgranges é um dos principais pesquisadores sobre formação de público e recepção teatral no Brasil. Seus trabalhos buscam compreender como se dá a relação das pessoas com os eventos teatrais e as formas de mediar tais relações. É autor dos livros A inversão da olhadela: alterações no ato do espectador teatral, Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo, A pedagogia do espectador, entre outras publicações. Você pode conhecer mais sobre o trabalho do pesquisador nas páginas a seguir: ■ INERTE. Disponível em: http://www2. eca.usp.br/inerte/ page/investigacao. ■ DESGRANDES, F. Currículo do siste- ma Currículo Lat- tes. [Brasília, DF], 13 out. 2020. Disponí- vel em: http://lattes. cnpq.br/336530572 7140974. Acessos em: 12 nov. 2020. 61 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 61FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 61 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4765064P7 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4765064P7 http://www2.eca.usp.br/inerte/page/investigacao http://www2.eca.usp.br/inerte/page/investigacao E M A Ç Ã O ! PROJETO DE MEDIAÇÃO TEATRAL Nesta seção, você irá mobilizar os estudos deste capítulo para desenvolver um projeto de mediação cultural que poderá aplicar com suas turmas. Trata-se do levantamento das possibilidades de acesso e interação com espaços culturais, grupos e artistas locais, seguido do planejamento logístico e pedagógico, das ações pré-evento, da proposta de interação no acontecimento teatral e das ações de reverberação pós-apresentação. Na impossibilidade de realizar o pro- cesso de mediação com um evento teatral, você poderá escolher outra atividade cultural de sua região. Esta proposta de elaboração de projeto de mediação teatral dialoga com as competências gerais 9 e 10 da BNCC, uma vez que serão mobilizados saberes pedagógicos, artísticos e habilidades de se relacionar com as pessoas de forma empática para promover os encontros. A partir de sua mediação, é importante garantir que os participantes, por meio de ações coletivas e que potencializem as reverberações das vivências artísticas, expressem livremente suas interpreta- ções e pontos de vista sobre uma delas. A n d re B o rg e s /A g ê n c ia B ra s íli a Reveja suas anotações do caderno de registros e siga os passos a seguir. MATERIAIS E FONTES: Sites, jornais, panfletos, cartazes, sinopses, vídeos, músicas e outros materiais que forneçam informações sobre os espaços e a programação cultural de sua região. Ferramentas pedagógicas como lousas, aparelhos de som e de proje- Estudantes do Ensino Fundamental da rede pública no Museu Vivo da Memória Candanga, em 2017, Brasília, DF. No local eles assistiram ao espetáculo teatral Saci é uma peça!, da Andaime Cia. de Teatro, e viram a exposição permanente Poeira, Lona e Concreto, que reunia objetos da história de Brasília. 62 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 62FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 62 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 ção de imagens (se houver), instrumentos musicais e outros, a depender do tipo de atividade que você optar em realizar para promover a sensibilização dos estudantes. PROCEDIMENTOS: 1 Realize o mapeamento das possibilidades cul- turais de sua região a partir das informações encontradas nos materiais de divulgação que você pesquisou. 2 Converse com outros professores e com a equipe gestora da escola para definirem qual atividade ou espaço cultural é propício para vocês estabelecerem parcerias pedagógicas e logísticas. 3 Estude com a equipe gestora da escola as pos- sibilidades de transporte, alimentação, segu- rança e demais aspectos necessários para a ida ao local da apresentação. 4 Contate a instituição ou grupo a qual vocês pretendem visitar, negocie condições, datas e horários. Quanto à programação, geralmen- te é feito um agendamento para grupos es- colares. 5 Estabeleça objetivos para a atividade, de pre- ferência em conjunto com professores de ou- tros componentes curriculares. 6 Selecione ou elabore atividades de sensibiliza- ção e trabalhe com os estudantes. Se possível, combine com outros professores para fazer o mesmo de maneira integrada e interdisciplinar. 7 Utilize os materiais fornecidos pelas insti- tuições ou grupos teatrais, alguns elaboram “cadernos de formação” com as principais in- formações do evento, em conjunto com seu próprio conhecimento artístico e cultural para criar as atividades. 8 Organize a ida ao espaço cultural, peça apoio a outros funcionários da escola antes e no dia do evento. 9 Faça acordos com os estudantes e os acompa- nhe, promovendo explicações pontuais que re- forcem as sensibilizações e a contextualização feitas durante a etapa de pré apresentação. 10 Prestigie a apresentação ao lado dos estudantes e contribua para que eles possam fruir o aconte- cimento teatral da melhor maneira possível. 11 Caso conste em seu planejamento uma con- versa com os artistas após a apresentação, atue de modo a promover e estimular o prota- gonismo dos estudantes em relação às falas e questionamentos. 12 Motive os estudantes a fazerem anotações de suas impressões sobre a peça. 13 Proponha em seu projeto e organize, junto com os professores e estudantes, atividades para o momento pós-apresentação. Como já foi men- cionado, essas atividades podem ser intra ou extraclasse. 14 Procure estabelecer novas conexões entre o contato com o teatro, os temas abordados e a vida dos jovens. 15 Dê devolutivas aos estudantes de como foi a participação deles em todo o processo de me- diação. 16 Faça registros em foto, vídeo ou áudio dos mo- mentos de interação entre os estudantes, com o espaço e com a apresentação em si. 17 Finalize as atividades sinalizando possibilida- des de outros eventos. Tempo estimado: 300 minutos – 6 aulas. Duas aulas de sensibilização; duas aulas de parti- cipação na apresentação; duas aulas de atividades pós-apresentação. Nesses tempos não constam as horas de mapea- mento das possibilidades, contato com as institui- ções ou grupo e preparação das atividades pré e pós-apresentação. 63 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 63FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 63 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 R E V E R B E R A Ç Õ E S RELATÓRIO DE PERCURSO/PESQUISA Dentre os instrumentos de avaliação que você pode adotar em seus projetos de mediação, como parte da avaliação dos estudantes, está o relatório. O re- latório consiste em um texto ou relato verbalsucinto, utilizado para reportar informações, sejam elas descrições de alguma atividade cultural, resultados de pesquisas, projetos, experimentos, visitas técnicas, participações em congressos, simpósios ou outras práticas sociais, com o intuito de prestar contas a alguém. Por ser considerado profissionalmente uma escrita técnica, regulamentada pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), o relatório possui alguns for- matos pré-definidos (chamados de pré-textuais, textuais e pós-textuais). Con- tudo, a depender de sua utilização em contextos que vão dos mais informais ao rigor acadêmico dos que utilizam as normas da ABNT, há certa flexibilidade nessa estrutura. Em geral, os relatórios são compostos da seguinte forma: Acesse o site da ABNT para conhecer mais sobre o trabalho dessa instituição. ■ ABNT. Disponível em: http://www. abnt.org.br/. Aces- so em: 23 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A Cabeçalho/Capa: com o nome da instituição, o(s) autor(res), data de produção e o assunto. Título: remetendo ao tema. Objetivos: gerais e específicos da produção do relatório. Introdução: contextualização do que é relatado; fundamentos teóricos. Desenvolvimento: descrição das informações, dos métodos e instrumentos e dos conceitos utilizados. Resultados: apresentação dos resultados alcançados ou pretendidos e reflexão sobre eles. Conclusão: síntese conclusiva do que foi exposto no relatório. Referências: relação das obras utilizadas para a produção do relatório. No caso de relatórios escolares, é interessante que, aos poucos, os estudantes se familiarizem com essa estrutura geral, tendo em vista a possível necessidade de precisarem redigir relatórios baseados em normas rigorosas como as da ABNT ao entrarem no mercado de trabalho, bem como no âmbito acadêmico. No entanto, alguns itens podem ser dispensados se a atividade realizada pres- cindir deles no relatório. Essa dispensa deve ser analisada por você e acordada com os estudantes em cada caso. De qualquer forma, é importante utilizar uma redação que siga a nor- ma padrão, geralmente com verbos no passado (afinal, diz respeito a um relato de fatos ocorridos), haja vista que se trata de um documento que apresenta dados verdadeiro e que pode ser aproveitado em diferentes tipos de avaliação (diagnóstica, formativa ou somativa). Por fim, cabe destacar que a redação pode seguir um estilo crítico, em que a pessoa expõe suas opiniões sobre os fatos e atividades; ser uma síntese dos acontecimentos e, portanto, mais curto; ou ter caráter formativo, com uma ex- tensa descrição das ações desenvolvidas. A partir desta descrição do formato e função dos relatórios, retome suas anotações, fotografias, filmagens, áudios e demais registros de sua ação de mediação teatral e produza um relatório com- pleto sobre ela. 64 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 64FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 64 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 http://www.abnt.org.br/ http://www.abnt.org.br/ BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. A mediação cultural é social. In: BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. (orgs.). Arte/Educação como mediação cultural e social. São Paulo: Unesp, 2009. As autoras apontam assuntos ligados à experiência de mediação cultural a partir das práticas artístico-pedagógicas realizadas em museus. O texto faz parte de uma coletânea que aborda as relações de mediação cultural desde seus aspectos gerais até questões específicas como a medição âmbito da educação formal. BORGES, Leonor Calvão; ALMEIDA, Patrícia de; FREITAS, Cristina Vieira; CARDOSO, Sílvia. A mediação sob o olhar da ciência da informação em Portugal e no Brasil. Páginas a&b: arquivos e bibliotecas, [S. l.], n. 10, p. 17- 32, 2018. DOI: 10.21747/21836671/pag10a2. Disponível em: https://www. researchgate.net/publication/330015092_A_mediacao_sob_o_olhar_da_ ciencia_da_informacao_em_Portugal_e_no_Brasil. Acesso em: 12 nov. 2020. As autoras apresentam uma importante síntese do estado da arte sobre os tipos de mediação e as pesquisas sobre elas até 2018. COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 2004. Teixeira Coelho evidencia relações entre a arte e a cultura de uma forma muito singular nesta obra, a partir de ideias ligadas a políticas culturais. DESGRANGES, Flávio. Mediação Teatral: anotações sobre o Projeto Formação de Público. Urdimento: Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 10, p. 75-83, dez. 2008. Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/ urdimento/article/view/1414573101102008075/8864. Acesso em: 12 nov. 2020. Neste artigo, Desgranges faz uma síntese das principais características da mediação teatral a partir de sua experiência com projetos de formação de público na cidade de São Paulo. DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006. Flávio Desgranges apresenta, neste livro, importantes reflexões sobre as relações artísticas e pedagógicas estabelecidas com e para o espectador a partir das mudanças de paradigmas da arte na contemporaneidade. OLIVEIRA, Ney Wendell Cunha. A mediação teatral na formação de público: o projeto Cuida Bem de Mim na Bahia e as experiências artístico-pedagógicas nas instituições culturais do Québec. 2020. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) – Escola de Dança/Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador- BA, 2011. Disponível em: http://www.repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/9436. Acesso em: 8 nov. 2020. WENDELL, Ney. Cuida Bem de Mim: teatro, afeto e violência nas escolas. Ilhéus- BA: EDITUS, 2010. Nessas obras, Ney Wendell apresenta e descreve mais de uma década de seu trabalho de pesquisa e atuação com mediação teatral dentro e fora da escola, comparando contextos culturais do Brasil e do Canadá. BIBLIOGRAFIA COMENTADA 65 FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 65FC_TEATRO_g21At_053a065_U1_C3.indd 65 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 4C A P ÍT U L O Q U A T R O OBJETIVOS ■ Conhecer e analisar a trajetória do teatro na educação básica bra- sileira. ■ Refletir sobre o teatro como campo do saber dentro do ensino formal. ■ Fomentar territórios lúdicos e de trocas artísticas e literárias na escola. ■ Utilizar os registros como instrumento para reflexões dos processos criativos e de ensino-aprendizagem. ■ Compreender os registros como documento de investigação do pro- cesso de ensino-aprendizagem. JUSTIFICATIVA Compreender a trajetória do teatro no ensino formal brasileiro possi- bilita um olhar crítico para o desenvolvimento dessa linguagem nos dias atuais, entendendo como as pedagogias teatrais constituem uma finalidade em si, com conhecimentos próprios e como podem estar ar- ticuladas a um projeto que visa à educação integral, ao protagonismo juvenil e às constantes reflexões do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Revisitar momentos da história educacional das artes no país e pensar nos caminhos para o futuro é fundamental para promover o desenvolvimento da educação e, por consequência, da sociedade, auxiliando professores(as) e estudantes a refletirem sobre suas experi- ências e seus processos criativos, autorais e coletivos, em diálogo com o mundo contemporâneo. TEATRO NA ESCOLA: BREVE CONTEXTO 66 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 66FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 66 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 REGISTROS C A D E R N O D E Observe a imagem. Ela retrata estudantes durante uma atividade de experimentação teatral baseada na interação com movimentos corporais. Sobre essa relação entre a vivência teatral na escola, res- ponda às questões a seguir e anote suas reflexões: 1 Como é a relação dos estudantes com o teatro no ambiente escolar? Na sua resposta, considere a receptividade, postura e disponibilidade para participar das atividades. 2 Quais memórias e saberes você guarda de suas experiênciasteatral: dando movimento ao espaço cênico............................................................................ 176 Experimente! ............................................................................. 177 Equipamentos de iluminação cênica ................................ 178 Experimente! ............................................................................. 179 Sonoplastia: a arte de preencher os espaços invisíveis da cena ..................................................180 Brecht e a quebra das convenções teatrais: a proposta didática do Teatro Épico .............................. 181 Experimente! ............................................................................. 182 Instalações na cena teatral contemporânea ............... 182 Em ação! – Produção de instalação cênica ................. 184 Reverberações – Avaliação mista .................................... 185 Bibliografia comentada ............................................... 185 CAPÍTULO 12 – PRÁTICAS TEATRAIS COMO ESPAÇO DE DEBATE SOCIAL ....................... 186 Sensibilização ........................................................................... 187 Três perfis de condução da cena teatral ...................... 188 Experimente! .............................................................................190 Augusto Boal: um artista além de seu tempo ............. 191 As técnicas do Teatro do Oprimido ............................... 193 Em ação! – Práticas com Teatro Fórum e Teatro Imagem ...................................................... 195 Reverberações – Escrita crítico-reflexiva ..................... 197 Bibliografia comentada ............................................... 197 Para recomeçar... Montagem de espetáculo teatral ........................................................ 198 PARA ENCERRAR O VOLUME DE TEATRO .............................200 4 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 4FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 4 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 CARTA AO PROFESSOR Caro(a) professor(a), Com este livro pretendemos contribuir para a sua formação e atuação docen- te. A obra espelha nossa trajetória como professores, artistas e pesquisadores comprometidos e empenhados eticamente com a qualidade do ensino da Arte e da linguagem teatral no contexto escolar. Nosso objetivo é colaborar para que você aprimore seu trabalho docente por meio da compreensão das práticas com pedagogias teatrais, relacionando-as com diferentes tempos históricos e com a sociedade atual, em diálogo com as cultu- ras juvenis. Esse desenvolvimento profissional passa, também, por experimentar, pesquisar, criar e refletir junto com seus colegas de docência e com os estudantes. Compartilhamos com você reflexões e experiências que vivenciamos em nossa prática profissional, com intuito de promover discussões pertinentes ao Novo Ensino Médio, ao currículo integrado por áreas de conhecimento e à impor- tância de uma proposta pedagógica que considere os jovens protagonistas, reconhecendo suas singularidades e projetos de vida como aspectos indispen- sáveis para formá-los como sujeitos éticos, críticos e atuantes na sociedade. Entendemos o Teatro como uma das linguagens artísticas que possuem suas especificidades dentro do componente Arte, uma importante área do conhe- cimento humano. Por meio dele é possível se expressar, se comunicar e inven- tar outras formas de intelecção das realidades. Esperamos que, ao aprofundar seus conhecimentos e realizar vivências e reflexões sobre o teatro, você possa olhar para sua própria jornada de vida, sua trajetória docente e construir novos caminhos que contribuam para um futuro melhor. A arte de nosso cotidiano, sociedade e cultura demonstra, cada vez mais, uma inter-relação entre os diversos campos do conhecimento, saberes e novas tecnologias digitais. Assim, desejamos que os temas aqui abordados e a ex- periência com a pluralidade das formas teatrais possibilitem uma percepção igualmente plural da sociedade contemporânea e dos anseios das juventudes. O Ensino Médio é uma etapa em que os jovens se sentem inquietos, com mui- tas dúvidas sobre seus projetos de vida diante dos desafios da sociedade con- temporânea. Ao mesmo tempo é um período instigante, de muita criatividade, sonhos, descobertas e construções. Acreditamos que as vivências e conheci- mentos teatrais, integrados aos componentes da área de Linguagens e suas Tec- nologias e ao projeto político pedagógico da escola, podem contribuir para o desenvolvimento integral dos jovens estudantes nesse momento de suas vidas. Por último, ansiamos que as propostas deste livro possam envolvê-lo em um trabalho integrado com a área de Linguagens e que somem esforços para no- vas reflexões e práticas educativas com os jovens na busca de um presente e futuro melhor em nosso país. Desejamos que o percurso de formação continu- ada, a partir desta obra, fomente férteis processos de criação teatral, bons de- bates artístico-pedagógicos e ótimas contribuições para sua jornada docente. Os autores 5 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 5FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 5 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 INTRODUÇÃO AO VOLUME DE TEATRO Esta obra é destinada à formação de professores(as) da área de Linguagens e suas Tecnologias, em es- pecial, no componente da Arte, com o intuito de ampliar os saberes e reflexões sobre o Teatro como linguagem artística praticada no Ensino Médio, em consonância com as propostas da Base Nacional Comum Curricular. Espera-se contribuir para a for- mação docente entendendo-a como processo con- tinuado que envolve a atualização das práticas pe- dagógicas à luz das pesquisas recentes no campo do teatro-educação e da Arte, considerando as sin- gularidades e desejos do(a) próprio(a) professor(a) em seu projeto de vida profissional. Tendo em vista a pluralidade das formas teatrais contemporâneas, a diversidade de culturas e a re- levância das artes como meios de expressão e co- municação humana, esta obra traz reflexões e pro- postas de vivências que também visam contribuir com práticas pedagógicas promotoras do desen- volvimento integral do estudante, que, no século XXI, passou a desempenhar forte protagonismo nos processos do ensino-aprendizagem com uma postura participativa, dialógica, empática e crítica. São objetivos gerais desta obra auxiliar o(a) professor(a) a: 1 compreender as especificidades do Teatro como linguagem artística dentro do componen- te curricular Arte, em diálogo com as demais artes e componentes da área de Linguagens e suas Tecnologias; 2 analisar o modo como a linguagem teatral con- tribui para o desenvolvimento das competên- cias gerais e para as competências específicas da área de Linguagens e suas Tecnologias, pre- sentes na Base Nacional Comum Curricular, eta- pa do Ensino Médio; 3 entender e praticar os hibridismos contempo- râneos das manifestações artísticas e teatrais, e suas possibilidades pedagógicas; 4 adotar caminhos interdisciplinares integrados à realidade da sociedade atual, das culturas ju- venis e com possíveis diálogos com os temas contemporâneos transversais, por meio de vi- vências, pautadas nas metodologias ativas, que contribuam com o desenvolvimento integral dos estudantes; 5 olhar para sua própria jornada docente e pro- jeto de vida profissional, possibilitando que vi- vencie novas práticas e reflita sobre as possibi- lidades de ampliação de seus caminhos futuros; 6 identificar e utilizar diferentes instrumentos de avaliação em práticas educacionais com teatro. Para tanto, a obra foi elaborada com base em qua- tro dimensões da formação docente: • a dimensão 1 abarca o conhecimento do(a) professor(a) sobre si mesmo, sobre o outro e a interação entre eles, de modo que possa refletir sobre seus próprios interesses, limitações e pers- pectivas de trajetória deteatrais em sua prática docente? 3 Quais são os desafios encontrados no cotidiano escolar para criar ambientes educativos propícios ao fazer teatral? 4 É possível pensar em soluções para os desafios do seu trabalho com práticas teatrais no contexto escolar? Quais? S E N S I B I L I Z A Ç Ã O H ill S tr e e t S tu d io s /D ig it a l V is io n /G e tt y I m a g e s Estudantes durante atividade teatral. 67 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 67FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 67 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 O teatro é uma linguagem artística que se tornou parte do currículo obrigatório a partir da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), quando a arte foi reco- nhecida como área de conhecimento no currículo escolar. As práticas teatrais – com jogos de improvisação, atividades corporais, processos de criação e montagem de peças, experiências de fruição e reflexão ar- tísticas individuais ou em grupo – ainda se configuram como atividades diferenciadas e distantes das formas clássicas e convencionais de en- sino-aprendizagem, baseadas em aulas expositivas e conteudistas. Por isso, desenvolver acontecimentos pedagógicos teatrais na escola ainda pode ser um desafio diante da duração das aulas e de estruturas físicas pouco adequadas a essas atividades, além das turmas que geralmente ultrapassam 30 estudantes. Como dito, o processo do fazer teatral é distinto de aulas com enfoque mais transmissivo e verbal. Para trabalhar com a linguagem do teatro, é fundamental que os estudantes sejam protagonistas das dinâmicas de ensino-aprendizagem, vivenciando com seu próprio corpo e expressivi- dade os jogos e situações improvisacionais. Por essa razão, é necessário pensar o ambiente educacional como um campo aberto para a experi- mentação e comunicação expressiva, rompendo com a antiga ideia de escola como um ambiente de ordem disciplinadora dos corpos, onde os estudantes permanecem grande parte do tempo sentados ou imersos em seus próprios registros. O caráter coletivo e de expressividades amplificadas do teatro exige que gestores, docentes e toda a comunidade da escola compreendam a ne- cessidade de o ambiente escolar ser um espaço aberto aos diálogos, onde estruturas físicas e conteúdos possam ser constantemente pen- sados, avaliados e ressignificados simbólica e esteticamente em grupo, com base na realidade local e nas contribuições criativas dos estudantes durante a atividade teatral. Dessa forma, é preciso haver um empenho constante, em vários âmbitos da educação, para qualificar os ambientes da escola, os recursos e o aprimoramento da formação continuada dos(as) professores(as) para o trabalho com o teatro. Este capítulo visa contribuir com essa tarefa, disponibilizando, no primeiro momento, os principais pontos da histó- ria do teatro no ensino brasileiro. Depois, você será convidado a pensar como as práticas teatrais podem estar articuladas ao desenvolvimento socioemocional dos estudantes, os protagonistas do processo de ensi- no-aprendizagem em consonância com a educação integral e inclusiva. Por fim, convocamos você a criar uma proposta de encontro cultural em que docentes, gestores, estudantes e membros da comunidade escolar possam compartilhar suas criações e produções em um contexto e pers- pectiva interdisciplinar. Saiba mais sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: ■ BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 dez. 1996. Dis- ponível em: http:// www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/ l9394.htm. Acesso em: 24 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A 68 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 68FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 68 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm TEATRO NO ENSINO: CONTEXTUALIZAÇÃO Apesar das dificuldades, o teatro na escola é uma prática recorrente e apli- cável a muitas situações, em especial para montagem de peças com temas específicos em datas comemorativas ou como oficina extracurricular. Historicamente, a prática teatral foi utilizada no início da colonização brasileira como parte de um projeto de evangelização, uma ferramenta dos jesuítas para doutrinar na moral cristã os grupos indígenas origi- nários. O potencial lúdico e imagético que compõe a ação dramática permitia uma comunicabilidade com os habitantes da colônia, fazendo com que premissas católicas europeias fossem inculcadas nos nativos. Assim, as missões jesuíticas da Companhia de Jesus usaram amplamen- te o teatro como instrumento pedagógico de ensino religioso com pre- tensão “civilizatória”, suas peças eram encenadas em locais como co- légios, pátios das igrejas e espaços abertos, muitas vezes inseridas em festividades e datas do calendário católico. Nessas missões, um nome que se destacou foi o do padre José de An- chieta (1534-1597), que, de 1561 até sua morte, se dedicou a desenvolver textos teatrais e encenações com o objetivo de catequizar a população do chamado “Novo Mundo”, contribuindo para formação da literatura e da cultura brasileira. Suas peças mesclavam as línguas e os elementos das culturas indígenas com os da igreja católica, como forma de atrair as pessoas e didatizar os ensinamentos cristãos. As peças eram faladas em latim, português, espanhol e tupi, com personagens de santos e de indígenas. Durante o período colonial brasileiro até o século XIX, os registros his- tóricos enquadram as atividades teatrais no âmbito escolar atreladas a datas comemorativas e festividades. É certo que, com a vinda da corte portuguesa em 1808, houve um intenso investimento e o desenvolvi- mento da arte em geral para atender aos desejos da corte aqui insta- lada. Com isso, teatros, casas de óperas, liceus de ofícios e instituições de ensino, como a Academia Imperial de Belas Artes, foram construídos como desdobramentos do projeto da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, aprovado em decreto de 12 de agosto de 1816. Contudo, o ensi- no em geral era algo exclusivo de classes dominantes e o processo de democratização e universalização do ensino formal começou a ocorrer no final do século XIX, consolidando-se apenas na segunda metade do século seguinte, depois de constantes lutas de movimentos sociais e da garantia estabelecida no texto da Constituição Federal de 1988. Nessa transição do século XIX para o XX, há registros de reflexões so- bre o teatro e a ideia de educabilidade de crianças, por meio de peças didáticas curtas, encenadas em datas cívicas e do calendário cristão- As missões nas terras recém-descobertas fizeram com que a Companhia de Jesus implantasse o sistema de ensino religioso europeu em nosso território, denominado por eles de “Novo Mundo”. Essa Ordem, fundada por Inácio de Loyola em 1539, foi importante no contexto da Contrarreforma para deter os avanços dos protestantes, em um período em que a Igreja Católica perdia sua força na Europa devido à consolidação da vertente religiosa protestante, liderada por Martinho Lutero a partir de 1517. Como meio de manter o controle e poder, a Contrarreforma criou ordens religiosas, como a Companhia de Jesus, e depois instaurou formas mais severas de censura, como a Inquisição e suas perseguições àqueles que se opunham aos princípios católicos. 69 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 69FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 69 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 -católico, como peças natalícias e como ferramenta de aprendizagem de outros conteúdos. Nesse momento, emerge a teoria evolucionista de Darwin, assim como as ideias de Rousseau para a educação, segundo as quais a criança deve estar no centrodo processo de aprendizagem e cada fase de seu desenvolvimento deve ser estimulada, contribuindo mais adiante para teorias que fundamentam o jogo dramático e o jogo teatral como procedimentos de aprendizagem. Na abertura para a democratização do ensino na primeira metade do século XX, no início da República no Brasil, o desenvolvimento econômi- co industrial e a crescente urbanização fizeram surgir novas demandas educacionais com uma perspectiva de ensino tecnicista, visando à for- mação de mão de obra qualificada em novas funções que a sociedade industrial impunha. Nesse contexto, destaca-se a Escola Nova, um mo- vimento de renovação de ensino que impactou países da Europa e da América. Esse movimento, ligado aos avanços científicos nas áreas de Biologia e Psicologia, teve início no final do século XIX e propunha uma mudança na forma de ensinar e pensar dos educadores, questionando a passivida- de das crianças na escola tradicional e buscando uma perspectiva ativa do aluno no processo de aprendizagem. Um dos pensadores da Escola Nova foi o francês Célestin Freinet, que defendia métodos mais ativos, respeito às fases de desenvolvimento de crianças e jovens, além de con- siderar as particularidades de cada indivíduo nesse processo. O escola- novismo defendia que a educação era o caminho para a construção de uma sociedade democrática, com sujeitos atuantes e nela inseridos. Os escolanovistas no Brasil trouxeram importantes discussões sobre a edu- cação ligada aos processos sociais, buscando uma forma mais crítica e dialogada de tratar muitos temas. Com o ideário da Escola Nova presente em nosso país entre 1920 e 1970, o teatro na escola ganha uma abordagem pedagógica com foco no de- senvolvimento do estudante, na livre expressão de sua imaginação cria- tiva, tendo o jogo como um dos elementos da aprendizagem. Outros pensadores posteriormente reverberaram esses pensamentos, como o pedagogo e teatrólogo inglês Peter Slade (1912-2004) que, em sua obra Child Drama (1954), defende que o jogo dramático é uma atividade ine- rente à criança e que faz parte das etapas de desenvolvimento, favore- cendo também o conhecimento e o controle emocional. Para Slade, o teatro na escola deveria ser colocado como componente curricular e não apenas como ferramenta a serviço de outros conteúdos. Segundo Japiassu (2009), O drama infantil de Slade é uma obra fundamental ao trazer uma abordagem pedagógica para o teatro na escola, em que a linguagem passa a ocupar centralidade no currículo. Com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (LDB n. 4.024/1961), a disciplina Arte Dramática é colocada como um componente optativo no currículo 70 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 70FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 70 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 escolar, sendo incorporada por alguns colégios. Já em 1971, com LDB n. 5.692, a “Educação Artística”, que englobava artes visuais, dança, mú- sica e teatro, é colocada como atividade escolar obrigatória, mas não como disciplina do currículo. Essa polivalência acarretou uma formação docente superficial e deficitária na área, já que é um desafio o docente ter o domínio das diversas linguagens artísticas. Somado a esse con- texto, a própria estrutura escolar pública, voltada à qualificação de mão de obra para uma crescente sociedade industrial, fez com que, muitas vezes, se privilegiasse as artes visuais e manuais segundo uma perspec- tiva dirigida para o mundo do trabalho, valorizando desenhos técnicos, geometria e/ou artes manuais, distinguindo, inclusive, tarefas de jovens mulheres das tarefas de garotos. Também é importante destacar que, no período ditatorial brasileiro, muitos(as) professores(as) e grupos de Arte Dramática de algumas es- colas sofreram censuras e intervenções após o Ato Institucional n. 5 de 1968, tendo suas atividades interrompidas. Outro aspecto é que o tra- balho integrado após a LDB de 1971 acabou por reduzir a carga horária de Arte em algumas instituições que anteriormente dedicavam horas específicas para cada linguagem. Durante esse período, era comum colocar as atividades artísticas em duas possíveis abordagens, conforme aponta Koudela (1992): uma mais “espontaneísta”, voltada para livre expressão, e outra mais “instrumen- tal”, em que a arte é usada na educação com objetivos de auxiliar as demais disciplinas ou formações para a sociedade. Koudela defende a linha “essencialista”, em que a arte é vista como um conhecimento em si, sendo reconhecidas as especificidades de cada linguagem artística. Ingrid Koudela foi responsável por trazer para o Brasil o sistema de jogos teatrais de Viola Spolin, desenvolvido na década de 1960 a partir dos jogos regrados. A estadunidense Spolin criou uma metodologia para o trabalho pedagógico com teatro em que os estudantes se apro- priam dos elementos da linguagem teatral progressivamente, amplifi- cando sua expressividade, sua comunicação e o domínio prático e es- tético da linguagem por meio da discussão e da reflexão sobre o fazer teatral. Nesse sistema de jogos, os participantes improvisam situações e atuam criativamente a partir de regras pré-estabelecidas, com a me- diação de um(a) coordenador(a) ou professor(a)-mediador(a). Essa proposta vem sendo usada amplamente no país por professores de teatro, atores e não atores. Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a escola torna-se obrigatória, laica e gratuita, e a escola pública atende um número cada vez maior de crianças, jovens e adultos vindos de distintas realidades. A década de 1980 é marcada pelos movimentos em busca de igualdade de direitos e pela valorização dos saberes populares(as). Nesse contex- to, surge o movimento “Arte-Educação”, pensado para refletir sobre o Viola Spolin (1906- 1994), nascida em Chicago (EUA), foi autora e diretora teatral e criou um sistema de jogos improvisacionais para treinamento de atores e não atores. Seu sistema é amplamente usado não apenas no teatro, mas também na educação de crianças, adolescentes, adultos e em programas voltados para saúde mental. O potencial lúdico e coletivo dos jogos teatrais reafirma o caráter social que os jogos podem ter, facilitando a comunicação, a integração e o desenvolvimento do trabalho em grupo. Entre seus livros, destacam- se Improvisação para o teatro, de 1963, publicado no Brasil em 1978 e Jogos Teatrais: o fichário de Viola Spolin publicado no Brasil em 2000, que fundamentam os elementos principais para improvisação teatral por meio dos jogos e trazem uma série de exercícios para serem realizados pelos grupos de pessoas. 71 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 71FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 71 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 caminho da arte no ensino formal e informal, que teve Ana Mae Barbosa como forte representante e pensadora, instituindo a Abordagem Trian- gular, em que o ensino da arte é compreendido em três grandes eixos: o fazer artístico, a contextualização histórica e a apreciação estética. Foi em 1996, com a nova LDB (Lei n. 9.394/1996), que o ensino da arte como componente curricular se tornou obrigatório nas diversas etapas da educação básica, sendo que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), de 1998, propõem que a Arte na escola seja trabalhada por meio de quatro linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, consideran- do as especificidades de cada uma delas e incorporando no documento a Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa. O Teatro, nos PCNs, é entendido em sua natureza histórica, passando pelas origens de antigas civilizações até os dias atuais, e como jogo utilizado em sala de aula, desenvolvendo a prática artística em si, a educação estética e as capaci- dades socioemocionais dos sujeitos. Atualmente, temos a Resolução CNE/CP n. 2, de 22 de dezembro de 2017, queinstitui e orienta a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual deve ser respeitada obrigatoriamente ao lon- go das etapas da Educação Básica nas redes pública e privada de nosso país. Na BNCC, a Arte está como componente curricular dentro da área de Linguagens e suas Tecnologias, propondo o desenvolvimento de ha- bilidades e competências de caráter socioemocional, que permitem ao estudante compreender e atuar no mundo em sua complexidade, con- textualizar saberes, respeitar as diferenças e a pluralidade cultural, bus- cando um convívio mediado pelos diálogos interculturais. A Arte fica centrada em quatro linguagens: Artes Visuais, Dança, Teatro e Música, que são consideradas em suas especificidades, mas também em sua relação, como manifestações culturais, artísticas, literárias, e em diálogos com estéticas híbridas, como o cinema e as artes circenses. A BNCC também considera que os processos criativos são tão relevantes quanto os eventuais produtos e que as subjetividades, a sensibilidade e a intuição se manifestam como formas de expressão no processo de aprendizagem em arte. ENSINO DE TEATRO NA ESCOLA E A CULTURA NA CONTEMPORANEIDADE Diante de tal perspectiva, cabe pensar: como desenvolver o teatro na es- cola atualmente? Como a linguagem teatral pode ser trabalhada naquilo que lhe é próprio e articulada a uma abordagem interdisciplinar, tendo em vista a formação integral do jovem, das competências socioemocio- nais, de uma atuação cidadã crítica e ligada às novas formas de comu- nicação, aos ambientes virtuais, à rapidez das informações, à liquidez de nossa sociedade? Ingrid Dormien Koudela (1948) é uma pesquisadora brasileira, figura central nos estudos sobre pedagogia e didática do teatro e uma das responsáveis por difundir o sistema de jogos teatrais de Viola Spolin no país, tendo como uma de suas obras principais o livro Jogos Teatrais, com primeira edição em 1984. Para conhecer suas produções, visite seu currículo: ■ KOUDELA, I. D. Currículo do sistema Currículo Lattes. [Brasília, DF], 1 dez. 2020. Disponível em: http://lattes.cnpq. br/42318176273 86327. Acesso em: 10 nov. 2020. 72 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 72FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 72 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4783169D5 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4783169D5 Assim como as demais áreas de conhecimento, o teatro contribui para a formação de sujeitos sensíveis, críticos, solidários e que buscam cons- tante reflexão sobre seus projetos de vida e de sociedade. Nesse sentido, o fazer teatral – experienciar os jogos, personagens, realidades ficcionais –, o contextualizar – compreender os movimentos teatrais, as diversas formas de encenação e literatura dramática a partir de uma ótica histó- rica – e a apreciação estética – assumir o papel de espectador fruidor – permitem que o ensino do teatro desperte o jovem para o mundo, desenvolvendo sua consciência e a capacidade de reflexão sobre sua própria história, suas memórias e acerca da realidade em que vivemos, contribuindo para que ele se torne um agente de transformação social. O contexto ficcional presente na pedagogia teatral traz à tona questões referentes às histórias de vida e aos conflitos humanos, abrindo campo para reflexões sobre contextos históricos e socioculturais e de temáti- cas variadas, com discursos muitas vezes vistos como inquestionáveis. Como contribui Renato Cohen (2002), os artistas não se conformam com a realidade e, por meio de processos de criação, penetram o desco- nhecido, descobrem o novo. O teatro no ensino é uma abertura para re- criar memórias, conflitos, histórias, podendo dilatar as percepções sobre a própria vida e o cotidiano. Dessa forma, o teatro instiga o jovem a pensar sobre seus atos como ser individual e social, nos projetos de vida que estão em jogo e em como estão circunscritos em um contexto sociocultural que determina certas leis e direitos e constrói formas de pensar e agir. O trabalho pedagógico com teatro permeia uma infinidade de manifestações, estéticas e cultu- ras, todo o campo que pertence ao universo do conhecimento simbólico do ser humano. É importante pensar que, dentro dessa infinidade de possibilidades, na contemporaneidade, entendemos o fazer artístico cada vez mais no sen- tido de ação cultural, em um movimento da arte que é levada para as ruas, para todos os públicos, além de espaços institucionalizados. É um modo de fazer que se compromete com os contextos e sujeitos em uma pluralidade de vozes. Assim, o teatro na escola vai além de uma ideia totalizadora de emancipar sujeitos ou propagar verdades. A pedagogia teatral na escola diante da contemporaneidade nos traz as questões próprias de nosso tempo e não pretende romper com o pas- sado, mas visitá-lo para criar outras condições em que a arte é o próprio movimento da vida. Portanto, o teatro contemporâneo é uma linguagem de fronteiras entre real e ficção, entre outras linguagens e saberes. Há uma diversificação das produções e dos processos artísticos, não se tra- balha apenas na ideia de palco e plateia, espaço de representação e de recepção. Muitas obras, coletivos e pedagogias teatrais se configuram como arte pós-dramática, que centra seus esforços no acontecimento, em uma partilha sensível. ANDRÉ, Carminda Mendes. Teatro pós- -dramático na escola. São Paulo: Unesp, 2011. Nessa obra, a professora e pesquisadora Carminda Mendes André traz uma reflexão sobre práticas teatrais contemporâneas na educação, indicando o teatro como uma ação cultural que extrapola a própria sala de aula, conectando-se ao ambiente da escola, às questões da atualidade e da vida comum. Para isso, ela traz contribuições de proposições artísticas como happening, performance e intervenções urbanas, que ela denomina como teatro pós-dramático. A P R O F U N D A R P A R A 73 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 73FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 73 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 E X P E R I M E N T E ! Durante o ano de 2020, devido à pandemia cau- sada pelo coronavírus (Covid-19), todos os países tiveram que restringir atividades de convívio social. Assim, comércios, instituições de ensino, espaços culturais e de lazer foram fechados, trazendo uma nova forma de produzir e se comunicar. As ativida- des teatrais foram fortemente afetadas, já que se trata de uma arte da presença, um acontecimento compartilhado e ao vivo. As limitações impostas pela pandemia trouxeram um novo olhar para as possibilidades de uso de am- bientes virtuais e novas tecnologias nos diversos se- tores, principalmente na educação e no âmbito das produções culturais. Diante disso, os grupos busca- ram alternativas, e um dos caminhos foi a criação e apresentação de projetos teatrais por meio de plata- formas de compartilhamento. Um fator positivo desse contexto foi o compartilha- mento, por grupos e instituições culturais, de gra- vações de espetáculos na internet. Apesar de não ser o evento tal como é, vale pesquisar para assistir produções tão variadas e compartilhar com os es- tudantes em sala em momentos oportunos. Para explorar algumas produções teatrais e outros trabalhos artísticos, siga os passos a seguir: 1 Visite o site do Sesc Digital, que reúne uma sé- rie de arquivos audiovisuais de distintos grupos e artistas (disponível em: https://sesc.digital/ home; acesso em: 10 nov. 2020). 2 Escolha uma peça teatral para ser vista por você e seus colegas. Você também pode escolher uma para trabalhar em sala de aula, conside- rando a classificação indicativa. Caso a propos- ta seja levada para a sala de aula, ela mobiliza competências gerais 3 e 5,as competências es- pecíficas 6 e 7 e o trabalho com a dimensão 3 da área de Linguagens. 3 Depois de assistir ao espetáculo, compartilhe as percepções com seu grupo e reflita: a) O que difere em relação à experiência pre- sencial com o espetáculo? b) Como deve ser o trabalho dos atores e dire- tores ao criarem espetáculos pensados para essas plataformas digitais? Se possível, veja entrevistas e reportagens sobre o assunto para complementar o debate. c) Considerando que o teatro acontece no en- contro de pessoas, como se dá a recepção da obra por meio da mídia digital? R e p ro d u ç ã o /w w w .y o u tu b e .c o m /p la y lis t? lis t= P L 0 a 5 G J 0 V y Q F C c -s Im W tg 1 Z H h e 7 1 u k P 6 C g 74 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 74FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 74 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 https://sesc.digital/home https://sesc.digital/home UM OLHAR PARA OS ESPAÇOS DA ESCOLA Quando se pensa em práticas teatrais na escola, uma das questões é refletir sobre os espaços e seus usos e sobre como criar condições para que os trabalhos com teatro possam ser desenvolvidos. Há uma herança de projeto arquitetônico de escola voltada para desenvolvimento técni- co-industrial e uma estrutura tempo-espacial pensada para disciplinar os sujeitos, para produtividade, que geralmente reduz as possibilidades de ação teatral. Com isso, as necessidades expressivas, sensíveis e co- municacionais dos sujeitos e de seus corpos são colocadas em segun- do plano e só podem ser satisfeitas em momentos de pausa ou de la- zer. Essa herança ainda sobrevive na estrutura física de muitas escolas, exigindo dos(as) professores(as) de arte/teatro inúmeras estratégias e muita inventividade para superar essa limitação físico-estrutural. Além dos espaços físicos, outro desafio de nosso tempo é pensar em formas de criar e ampliar espaços simbólicos em que o entendimento de educação e de escola seja o de um lugar diversificado, aberto para a descoberta, para o convívio plural, conectado aos múltiplos projetos de vida, às realidades e aos contextos sociais locais, em diálogo com questões mundiais. A escola deve ser realizada como um espaço de estudo e desenvolvimento cognitivo e de prazer, pelo afeto do encon- tro das singularidades de cada estudante, por trocas de saberes entre as diversas origens culturais e pela realização de experiências de vida que colaborem para a plena formação dos sujeitos. Nesse sentido, a arte e o teatro são territórios lúdicos, imaginativos, que escapam à ló- gica disciplinadora dos corpos, promovendo olhares de encantamen- to para os espaços físicos e simbólicos da escola e para as pessoas que neles interagem. Ao contrário do que foi dito antes, a escola como espaço institucional que conhecemos atualmente é fruto de um momento histórico do Ocidente em que se buscava a construção de uma sociedade moder- na, em que os sujeitos seriam controlados, se tornando forças produ- tivas, por meio de instituições sociais em uma relação entre poder e conhecimento. Michel Foucault (1926-1984) foi um importante filósofo francês e histo- riador que discutiu em suas obras como são constituídas as formas de pensar do sujeito moderno. Em suas pesquisas, ele percebeu como o controle social se dava por meio de instituições como a escola, as pri- sões e os hospitais psiquiátricos, que criavam formas de normatizar os comportamentos e as ações, criando rigorosos sistemas de vigilância e punição com o intuito de formar “bons cidadãos”. Esse modelo discipli- nar permitia o aproveitamento dos sujeitos como força produtiva e o controle de grandes massas humanas (ideia de população) por meio de um discurso de verdade totalizadora e de submissão ao Estado por um ideal comum. 75 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 75FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 75 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 Quanto às instituições escolares dos séculos XVIII e XIX, Foucault evi- denciava como a construção espacial, a distribuição dos indivíduos e os mecanismos de controle desempenhavam um papel na formação de sujeitos obedientes e produtivos a serviço do capital. Há, nas escolas, um controle permanente dos corpos e dos movimentos com as mes- mas semelhanças de espaços como as fábricas, o exército, as prisões e os hospitais. Apesar de muitas reflexões e avanços no campo educacional, nossas escolas ainda carregam as heranças desse passado, com os espaços compartimentados, as salas com cadeiras enfileiradas, a fragmentação do tempo de aula, as pausas rígidas marcadas pelo sinal e por intervalos curtos, a vigilância dos corredores e das áreas comuns, o espaço reser- vado dos gestores e docentes etc. Como seria pensar uma escola em que o exercício da liberdade, da subjetividade diferenciada se tornasse possível? Não se trata de excluir as formas de organização, mas de pen- sar como os espaços construídos e seus fluxos incidem nas maneiras de existir, de se movimentar, aprender e conviver. E X P E R I M E N T E ! TERRITÓRIOS LÚDICOS Nesta atividade, que pode ser feita individual ou coletivamente, a proposta é olhar para os espaços da própria escola, percebendo como são os mo- vimentos, fluxos corporais e comportamentos em cada ambiente. É possível também fazer o exercício de modo individual, para depois compartilhar com seus colegas, ou ainda ser levado como uma práti- ca com os estudantes. A proposta desta atividade com os estudantes colabora com o desenvolvimen- to das competências gerais 4, 9 e 10. No primeiro momento, faça uma caminhada pela escola observando os ambientes e como são usa- dos; busque refletir sobre a relação corpo-espaço. Você pode fazer anotações, desenhos ou mesmo fotografias como forma de registro. Pense como os lugares são construídos e como afetam sentidos, desejos e movimentos. Na segunda etapa, caso a atividade seja feita em um grupo, compartilhe as impressões e os registros e reflita sobre quais ambientes geram vontade de permanência e quais geram a sensação de descon- forto ou a vontade de não estar neles. Agora, refaça o percurso ou escolha um trajeto co- mum ao grupo para que caminhem e explorem os lugares de forma diferente, variando os estímulos corporais, por exemplo: em extrema lentidão, com velocidade, dançando, dando saltos, deitando e observando tudo por esse ponto de vista, criando uma amarelinha no chão, entre outros. O intuito é permitir outros fluxos corporais e amplificar a per- cepção sensorial. Concluído o trajeto, volte a pensar nos espaços da escola e em como seria cultivar e criar territórios lúdicos, isto é, ambientes mais propícios às expe- rimentações sensíveis, além do usual padrão de sentar-se e escutar. Como seria recompor as dispo- sições de mobiliários e pensar coletivamente jun- to aos colegas, gestores e estudantes em espaços educativos que convidam à ludicidade, receptivos e que possibilitam outras formas de aula, como os jogos teatrais, as vivências corporais em dança, em música, abrindo campo para uma relação mais amorosa e sensível com a escola e a construção dos saberes. 76 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 76FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 76 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 E M A Ç Ã O ! ENCONTRO CULTURAL A proposta de encontro tem como objetivo promover uma troca entre os agen- tes envolvidos na comunidade escolar: estudantes, docentes, funcionários, fami- liares e moradores da região. Você e seus colegas vão mobilizar os estudantes para a realização de um encontro cultural que pode envolver os mais diversos tipos de apresentações: cenas curtas, música, poesia, dança etc. O objetivo é pensar o espaço da escola como território para trocas, abrindo campo para o prazer e potencial lúdico. Essa não deve ser mais uma atividade obrigatória, em que os participantes se sintam avaliados, mas uma experiência de troca, em que todosterão a liberda- de para compartilhar algo de forma horizontal, inclusive os docentes, que po- derão levar suas propostas pessoais de apresentações. Assim, é importante o envolvimento de todos que fazem parte do cotidiano escolar. Além disso, ao desenvolver o encontro cultural em uma experiência de construção coletiva na comunidade escolar, são mobiliza- das as competências gerais 4, 9 e 10 e a competência específica 1 da área de Linguagens. O encontro deve ser um projeto in- terdisciplinar e pode envolver apre- sentações e atividades que foram realizadas dentro e fora do am- biente escolar, podendo abarcar as múltiplas manifestações artísticas e literárias, inclusive apresentações teatrais com cenas curtas, esquetes ou mesmo um espetáculo. Convide os(as) professores(as) de outros componentes curriculares para que mobilizem os estudantes e propo- nham formas de envolver a sua área. O objetivo é criar um projeto que sensibilize a comunidade escolar, fo- mentando os diálogos e o interesse artístico-literário. MATERIAIS: Equipamentos eletrônicos disponíveis na escola (amplificadores, caixas de som, microfones, projetores, câmeras, computadores); material para produção de pe- ças gráficas em suporte físico e/ou digital (papéis variados, marcadores, caneta hidrocor, tinta, aplicativos ou programas de edição de imagem); criação ou aces- so a redes sociais ou blogs da escola e da comunidade. Pedro Ventura/Agência Brasília Alunos de uma escola em Brasília trocam experiências culturais com delegação do Haiti, em 2018, Brasília, DF. 77 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 77FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 77 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 PROCEDIMENTOS: Pré-produção: o planejamento e a prepara- ção do evento Etapa 1 Reúna o grupo de professores(as) e discuta com eles as possibilidades para esse encontro: data, tem- po para preparar o evento, apresentações livres ou temáticas? Uma sugestão é fazer um brainstorm, anotando todas as ideias que venham à mente, para depois selecioná-las e organizá-las de acordo com a reali- dade da escola e o interesse do grupo. Conversem também com a equipe gestora de sua escola para encaixar o evento no calendário escolar. Lembrem- -se de que nesse momento vocês não definirão todos os detalhes do evento, mas apenas o perfil inicial, para então levar a discussão para os estu- dantes, buscando envolvê-los no processo. Etapa 2 Com alguns pontos já alinhados com os(as) demais professores(as) e a gestão, compartilhe a proposta com os estudantes, buscando envolvê-los em todas as etapas do encontro e não apenas no momento das apresentações. Cada professor(a) pode ficar responsável por conversar com uma turma e depois socializar as decisões. Ao apresentar a proposta para os estudantes, per- mita que manifestem suas impressões e opiniões. Peça que façam sugestões e indique as questões: ■ Já participaram de algum tipo de encontro ou sa- rau cultural? ■ Como foi a experiência? ■ Quais tipos de vivências culturais os estudantes da turma têm? ■ O que gostariam de apreciar e o que gostariam de apresentar? ■ Como eles imaginam esse encontro? ■ De que forma podem envolver a comunidade? ■ Que tipo de grupos/espaços/manifestações cultu- rais da região eles conhecem? ■ Qual tema ou nome sugerem para esse encontro cultural? Etapa 3 Ainda conversando com a turma, peça que façam uma lista do que precisa ser feito ou providencia- do para realizar o encontro, pensando em grupos de trabalho que podem ser criados, de acordo com os interesses de cada um. Deixe claro que nem todos precisam fazer uma apresentação, mas que existem diversas formas de se envolver com o evento. Duran- te a conversa com cada turma, faça um registro das sugestões que depois serão socializadas. Etapa 4 Socialize com os(as) demais professores(as) e com a equipe gestora as sugestões de cada turma e observem os pontos comuns. Listem os grupos de trabalhos sugeridos e incluam outros, caso seja ne- cessário. Cada grupo deve ter pelo menos um(a) professor(a) responsável e deve ser montado de acordo com os interesses dos estudantes. Esses grupos terão tarefas diferentes em cada etapa da produção do evento, por isso é importante que seja algo prazeroso e voluntário. Estimule a participação de professores, funcionários e demais agentes da comunidade escolar. Existem alguns grupos de trabalho principais, como os que exemplificamos agora. Dependendo das par- ticularidades do encontro, outros grupos podem ser criados. Programação: responsável por receber as inscrições e definir um prazo para elas de acordo com o tempo disponível até o dia do evento. Caberá a essa equi- pe pensar de que forma as inscrições serão feitas, recolhendo todas as informações necessárias sobre cada inscrito: tempo de apresentação, necessidades técnicas (de acordo com o equipamento/espaço disponível na escola, informado pela equipe técni- ca), tipo de apresentação (cena teatral, dança, mú- sica, leitura de poema, performance, exposição de obras ou artesanatos), entre outras informações que julguem importantes. Essas informações devem ser repassadas para as equipes de divulgação, para que sejam divulgadas as inscrições e, posteriormente, a programação, técnica e de direção de arte, para que se preparem para o evento. Também cabe à equipe de programação organizar a sequência das apresentações da melhor forma. Para tanto, pode-se 78 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 78FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 78 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 responder a questionamentos como os seguintes: Será preciso um intervalo entre as apresentações para trocar equipamentos ou até mesmo para que o público converse um pouco? Existem grupos ou artistas locais que podem ser convidados? Haverá espaço para inscrição no dia do evento? Equipe técnica: é importante saber a disponibili- dade de espaço e de equipamentos da escola para montar a programação e para que os interessados saibam o que têm à disposição. Por isso, essa equipe deve fazer um levantamento de equipamentos, es- paços e materiais disponíveis e informar as equipes de programação e direção de arte. Direção de arte: qual será a visualidade do evento? Caso exista um tema comum, é preciso levá-lo em consideração. Essa equipe pode criar a identidade visual do encontro, pensando em cores, imagens e tipografias que podem ser utilizadas na divulgação e na decoração do evento. Essas informações de- vem ser passadas para a equipe de divulgação, e, da mesma forma, a direção de arte precisa estar em contato constante com a equipe técnica, para saber quais espaços e equipamentos estão disponíveis. Se a escola não tiver um microfone, por exemplo, o ideal é que o evento não seja realizado em um espaço muito amplo, para que seja possível ouvir as apresentações. Esse grupo também pensará na organização espacial do evento, de acordo com os tipos de apresentações que acontecerão (informa- dos pela equipe de programação) e com as possibi- lidades da escola (informadas pela equipe técnica). Divulgação: esse é o grupo responsável por divul- gar tanto as inscrições como o dia do evento em si. Como será feita essa divulgação? Por meio de cartazes espalhados pela escola? Haverá divulga- ção em redes sociais da escola e grupos de bair- ro? Os cartazes podem ser feitos em suporte físico ou digital, de acordo com a visualidade criada pela equipe de direção de arte. As informações sobre inscrições, assim como a lista de apresentações, se- rão passadas pela equipe de programação. Registro: essa equipe é responsável por fotografar e/ou filmar o dia do evento, assim como os prepa- rativos, com fotos das equipes de trabalho se reu- nindo, organizando os espaços e equipamentos ou criando elementos para decoração, que podem ser enviadas paraa equipe de divulgação para serem compartilhadas em redes sociais. Uma opção é que esse grupo também faça um registro escrito. Produção: o dia do encontro Durante o dia do evento, as equipes devem estar ali- nhadas com seu trabalho, auxiliando os participan- tes e recebendo o público. Também é preciso deter- minar quem apresentará o evento, anunciando cada apresentação. A equipe de programação deve estar atenta à se- quência de apresentações, recebendo os partici- pantes e procurando evitar atrasos. Os membros da equipe técnica, por sua vez, estarão responsáveis pela montagem dos equipamentos, pela organiza- ção dos espaços e por auxiliar os participantes. A direção de arte deve preparar e decorar os espaços algumas horas antes, auxiliados pela equipe técnica. A equipe de divulgação, nesse dia, pode auxiliar o grupo responsável pelo registro do evento a foto- grafar e filmar as apresentações e o público. Pós-produção: avaliação e organização dos registros do evento Quando o encontro termina, ainda há trabalho a ser realizado, além da desmontagem e reorganização do espaço. Nos dias seguintes, proponha rodas de conversa com os estudantes para que tragam suas impressões sobre todo o processo de organiza- ção e realização do evento. Organize também uma conversa entre os(as) professores(as) e a equipe gestora para que possam avaliar o impacto desse encontro na rotina escolar e na relação com os es- tudantes e com a comunidade. Da mesma forma, é importante compartilhar os re- gistros do evento, por fotos, vídeos ou textos. Es- ses registros podem ser compartilhados em carta- zes pela escola e/ou nas redes sociais ou blogs da escola e da comunidade. Trata-se de um trabalho da equipe de divulgação, após receber o material da equipe de registro. Tempo estimado: dependendo do formato e ta- manho do encontro que será planejado, o tempo pode variar. É possível planejar algo mais simples, em um bimestre, ou desenvolver um projeto maior, ao longo de um semestre, por exemplo. Defina um cronograma adequado à realidade da escola e ao interesse da equipe. 79 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 79FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 79 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM Ao longo deste capítulo, vimos como o teatro veio sendo progressivamente inserido no contexto edu- cacional brasileiro, consolidando-se como uma lin- guagem dentro do componente curricular Arte, e como as práticas teatrais no ambiente escolar po- dem contribuir com o desenvolvimento integral dos estudantes, valorizando o seu protagonismo. O teatro é uma arte essencialmente coletiva, que acontece na troca entre os sujeitos. É também, por natureza, uma arte efêmera que promove uma vi- vência singular a cada apresentação, ensaio ou jogo. Justamente por esse caráter efêmero e pela necessi- dade de uma troca com o outro, o registro se torna ainda mais relevante para essas práticas. O registro é uma forma de documentar processos e acontecimentos, permitindo que retornemos a eles de forma distanciada, para então avaliar e refletir so- bre os aprendizados, os desafios e as emoções de cada vivência. Em um processo avaliativo, portanto, o registro é um documento fundamental, que possibilita olhar o ca- minho percorrido e verificar que outras possibilida- des são possíveis. No caso do teatro, é apenas o seu registro que pode persistir no tempo – fotos, vídeos, textos, depoimentos –, diferentemente de uma pintu- ra ou escultura, que conta com sua própria materia- lidade como um registro – histórico, social e cultural. Observe novamente os registros que foram feitos do Encontro Cultural. De que forma eles documentam o processo de organização coletiva de um evento? O que foi aprendido nesse percurso? Quais os princi- pais desafios e quais soluções foram encontradas? Que outros caminhos poderiam ter sido seguidos (caminhos que não são necessariamente melhores ou piores, mas apenas diferentes)? Perguntas como essas podem contribuir para a dis- cussão em uma roda de conversa avaliativa com os estudantes, docentes e gestores. Discuta também sobre a importância do registro e sua função docu- mental, principalmente no que se refere a eventos e acontecimentos coletivos. O processo de documentação perpassa três ações estruturantes e inter-relacionadas: observação, re- gistro e reflexão, quando o(a) professor(a) observa e registra os processos de ensino e aprendizagem é capaz de refletir sobre suas concepções, escolhas e ações, tornando mais significativa sua própria prática. O registro permite revisitar as etapas, compreender a vivência de hoje a partir das vivências anteriores. Des- sa forma, teoria e prática constituem uma unidade in- terdependente. O processo de documentação torna- -se um ciclo permanente de investigação: formulação de hipóteses; observação e a análise e interpretação, fazendo uso de aporte teórico e de próprias experiên- cias, o que permite problematizar as aprendizagens, articular novas perguntas e traçar planos de ação. No processo de ensino-aprendizagem em Arte, como na própria prática criativa de artistas, é de estimado valor considerar as formas de registro, criando rastros que não deixem que o que pensamos ou imaginamos com base nas experiências se perca ou fique na su- perficialidade. Conforme contribui Mattar (2017), há concepções ampliadas de registros que geram pos- sibilidades produtivas as quais estão vinculadas aos processos individuais e grupais de aprendizagem e criação articulados aos projetos de vida e aos cam- pos acadêmicos e profissionais. Assim, os instrumen- tos de registro podem colocar o sujeito em relação consigo mesmo e com o mundo. Registrar faz com que o sujeito tome distância das situações criativas e de aprendizagem para pensar, analisar, sentir e então traduzir em algo objetivo, que pode ser revisitado durante o percurso, deixan- do ativa uma relação consigo, com sua própria ca- minhada e em diálogo com o grupo, o meio. Então, não deixe de praticar o registro como instrumento de uma investigação de si mesmo, de suas práticas pedagógicas e busque sistematizar o registro com os estudantes. R E V E R B E R A Ç Õ E S 80 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 80FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 80 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 ANDRÉ, Carminda Mendes. O teatro pós-dramático na escola. 2007. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade de São de São Paulo, São Paulo, 2007. A tese da pesquisadora e professora Carminda Mendes André, também disponível em livro pela editora da Unesp, traz uma reflexão sobre as práticas teatrais na escola, pensando nas contribuições dos processos artísticos contemporâneos. COHEN, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de experimentação. São Paulo: Perspectiva, 2002. O livro promove uma reflexão sobre o caminho da performance como um tempo-espaço de criação, trazendo processos criativos que partem de situações e experiências do próprio artista-criador. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977. O livro do filósofo francês questiona as formas de controle dos indivíduos na sociedade moderna, buscando nas instituições sociais, como as prisões, as formas de vigilância e punição que visam à obediência dos indivíduos. HANSTED, Thalita Cardoso; GOHN, Maria da Glória. Teatro e educação: uma relação historicamente construída. EccoS, São Paulo, n. 30, p. 199-220. jan./abr. 2013. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/715/71525769012.pdf. Acesso em: 10 nov. 2020. O artigo traça um panorama histórico do teatro na educação brasileira. JAPIASSU, Ricardo. A linguagem teatral na escola: pesquisa, docência e prática pedagógica. Campinas: Papirus, 2007. ______, Ricardo. Metodologia do ensino de teatro. Campinas: Papirus, 2009.Nas duas obras, Japiassu contribui para as reflexões sobre a linguagem teatral na escola, como prática pedagógica. KOUDELA, Ingrid Dormien. A nova proposta de ensino do teatro. Disponível em: http://www2. eca.usp.br/ingrid/site/pdf/novapropostadeensino.PDF. Acesso em: 10 nov. 2020. ______, Ingrid Dormien. Jogos teatrais. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. ______, Ingrid Dormien. Texto e jogo. São Paulo: Perspectiva, 1999. A pesquisadora Koudela reflete sobre jogos teatrais como eixo central das pedagogias teatrais no ensino do teatro. MATTAR, Sumaya. Práticas de registro e processos de ensino-aprendizagem da arte. Caderno de Registro Macu (Pesquisa), São Paulo, Teatro Escola Macunaíma, n. 10, 2017. Disponível em: http://www3.eca.usp.br/sites/default/files/form/biblioteca/acervo/producao- academica/002861786.pdf. Acesso em: 10 nov. 2020. O texto de Mattar reflete sobre o registro como prática docente e em processos criativos em arte. SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. Tradução Tatiana Belinky. São Paulo: Summus, 1978. O clássico livro de Slade fundamenta como o jogo dramático é uma experiência do processo de aprendizagem na infância e deve ser utilizado no contexto de ensino. SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. Tradução Ingrid Dormien Koudela e Eduardo Amos. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. Spolin é uma das pesquisadoras mais relevantes a trazer uma sistematização dos jogos de improvisação como prática teatral para atores e não atores. BIBLIOGRAFIA COMENTADA 81 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 81FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 81 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 http://www2.eca.usp.br/ingrid/site/pdf/novapropostadeensino.PDF http://www2.eca.usp.br/ingrid/site/pdf/novapropostadeensino.PDF PARA RECOMEÇAR... Ao longo da unidade, você acompanhou as diversas dimensões que com- põem as dinâmicas culturais e educacionais ligadas ao teatro e também debateu a influência da indústria cultural em nossas vidas. Além disso, pes- quisou e reconheceu a importância das manifestações artísticas tradicio- nais (folguedos, festas, mestres da cultura oral, entre outros), dos grupos de teatro de pesquisa e das comunidades que procuram não operar na ló- gica do mercado do entretenimento. Fez ainda uma cartografia afetiva das ações culturais de seu território, desenvolveu um projeto de apresentações artísticas na escola e de mediação teatral para estimular a visita a espaços culturais e a formação de público entre os estudantes. Por fim, percorreu um percurso histórico do ensino de arte no país, desde a LDB de 1971 até a atual BNCC, refletindo sobre as condições de espaço/tempo disponibiliza- das em muitas escolas para as práticas pedagógicas com teatro. REDE DE ARTICULADORES CULTURAIS – DIÁLOGOS E AÇÕES NO TERRITÓRIO Para conectar todos os destinos dessa trajetória e para ampliar suas práticas profissionais na escola e também para além dela, propomos a articulação desses conhecimentos. A partir de sua realidade, da realida- de dos estudantes, da comunidade escolar e de sua região, convidamos você a iniciar uma rede de articuladores culturais em seu território, pro- movendo encontros culturais, estudos, apresentações e demais ações entre artistas, pesquisadores, mestres do saber, docentes, estudantes e comunidade local. Para isso, você pode mobilizar as experiências que desenvolveu com o estudo deste livro em conjunto com outras que você já possuía, articulando as ações de diversas formas: presenciais, pelo rádio, na grande mídia (caso tenha acesso a ela), mídias e ambientes virtuais e outras maneiras acessíveis a você. OBJETIVOS Construir uma rede de articuladores culturais em seu território, fomentan- do os diálogos e as práticas entre diversos campos de atuação: artístico, cultural, educativo, entre outros, de modo a favorecer constantes trocas de saberes, aprendizados, experiências artísticas, encontros, debates, apre- sentações, exposições e demais ações que dialoguem com diversas faixas etárias e grupos identitários, com ênfase em sua cultura local, mas abertos a interações respeitosas e igualitárias com outras culturas. JUSTIFICATIVA Iniciar a construção de uma rede de articuladores do território possibilita criar caminhos para a prática efetiva de diálogos entre escola, docentes, artistas, espaços culturais e população, buscando possibilidades de trocas, constru- ções coletivas, sistematizações de estudos e processos de criação artística. 82 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 82FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 82 14/01/2021 14:4314/01/2021 14:43 F o ra d o E ix o /F li c k r Veja o exemplo do Coletivo Sarau do Binho, uma iniciativa presente na periferia da zona sul da ci- dade de São Paulo que há muitos anos promove atividades culturais no território, principalmente saraus, festivais literários, publicações de livros de poetas independentes, ações nas escolas e em es- paços públicos da região. O Coletivo foi fundado por Robinson Padial, mais conhecido como Binho, e se tornou uma referência de mobilização cultu- ral e conscientização política e cidadã. (físico ou virtual). Uma possibilidade é criar uma página de divulgação na internet e escrever uma carta-convite com formulário de interesse, que também pode ser uma ferramenta de levanta- mento inicial dos interessados. Estabeleça um canal de comunicação entre o grupo e crie uma comissão organizadora para o primeiro encontro. É interessante criar uma forma de compartilhar os projetos dos envolvidos. Você pode estabe- lecer um documento comum a ser preenchido pelos integrantes, que, de forma sucinta, des- crevem o trabalho, as produções, os interesses e os links para vídeos, áudios ou imagens. ORGANIZAÇÃO DO PRIMEIRO ENCONTRO Defina data e horário para o primeiro encontro e como será seu formato (físico ou virtual). Escolha o local e dê tempo para articular produção, orga- nização técnica, apoio, divulgação etc. Estabeleça com a comissão organizadora como será o evento: um grupo de debate, uma pa- lestra com momento aberto para reflexões, um momento para apresentações artísticas dos participantes etc. Organize uma grade de horário das falas e apre- sentações para o dia do evento; use as infor- mações para criar um material de divulgação, distribuir aos interessados e em pontos estraté- gicos de seu território. O ENCONTRO E AS PERSPECTIVAS FUTURAS Não se esqueça de registrar o encontro por meio de gravações, fotos, áudios, depoimen- tos e escritas. Peça autorização por escrito das pessoas para fazer esses registros. Agende uma reunião de avaliação das ações, a fim de saber o que é preciso fazer para melhorá-las. Projete as possíveis ações futuras do grupo, crie frentes de trabalho e promova o diálogo com os agentes culturais e educacionais: o im- portante é trocar saberes e fortalecer as práti- cas coletivas no território. PROCEDIMENTOS É possível projetar um encontro inicial, físico ou virtual, definindo necessidades e desejos que serão estabelecidos por esse coletivo e, depois, estudando meios de realização de debates, ações formativas no território, entendendo a escola como espaço primordial de confluência de pautas socioculturais, que promove o de- senvolvimento dos sujeitos para sua participa- ção cidadã, pautada na ética e no respeito à diversidade de manifestações culturais. MAPEAMENTO E CONVITE AOS INTERESSADOS Inicie a organização da rede de articuladores culturais do território: faça uma lista de grupos, espaços, instituições, pesquisadores, artistas, produtores e docentes. Para isso, recupere a car- tografia realizada no capítulo 2 e envie o convite, estabelecendo os objetivos do primeiro encontro Edição especial do Sarau do Pinho, em 2012, na USP, Universidade de São Paulo. 83 FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 83FC_TEATRO_g21At_066a083_U1_C4.indd 83 14/01/2021 14:4314/01/202114:43 O T E A T R O E A S S O C IE D A D E S U N ID A D E 22 O Shakeapeare Globe Theatre, em Londres, é uma construção que reproduz o antigo e icônico Globe Theatre, contruído em 1599 e destruído em 1613 por um incêndio. 84 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 84FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 84 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 PARA COMEÇAR... O teatro é uma arte coletiva, uma forma de expressão social e política da humanidade. Por isso, ele pode ser usado como fonte documen- tal em pesquisas históricas, permitindo criar profícuas relações entre as práticas teatrais e os contextos socioculturais. Esta unidade traz essas relações e aponta caminhos para diálogos com temáticas da contemporaneidade. No capítulo 5, são estudados os ritos e a ancestralidade, buscando compreender a maneira pela qual a teatralidade se manifesta nas práticas culturais de diferentes grupos sociais e a importância dos mitos gregos na constituição da linguagem teatral como entende- mos até hoje no pensamento ocidental. No capítulo 6, são revisi- tados determinados contextos históricos, como a Idade Média e a constituição de um imaginário católico, presente, ainda hoje, na li- teratura e em manifestações populares brasileiras; a transição para os pensamentos humanistas do Renascimento e a vivacidade da Commedia dell’arte em seu jogo cênico de improvisação; o legado de Shakespeare e sua forte presença nas versões cinematográficas; o drama burguês e a verossimilhança e identificação no processo de recepção da obra, tal como são mobilizadas nas telenovelas e seriados atuais; e, por fim, o Teatro Épico de Brecht e a postura crí- tica diante dos fatos representados. Já o capítulo seguinte traz os hibridismos na arte contemporânea, para, então, no último capítulo, traçar o caminho do teatro brasileiro. A unidade traz com força a dimensão 2 ao tratar da historicidade do teatro ocidental, as formas teatrais, suas características e prin- cipais grupos e teóricos. A dimensão 3 está presente nos diálogos possíveis entre Teatro, Literatura e as formas de pensamento, abrin- do campo exploratório em História, Filosofia e Língua Portuguesa com os estudantes. Além disso, as vivências propostas por capítulo são projetadas como construções coletivas entre professores(as) e estudantes, em uma perspectiva de metodologias ativas, com- partilhando os saberes e vivências. Os instrumentos de avaliação e pesquisa são tratados em todos os capítulos, desenvolvendo a dimensão 4 na compreensão de que o ensino-aprendizagem é um processo dialógico e que a avaliação é contínua, formativa e com- preendida pelos estudantes. P e te r P h ip p /T ra v e ls h o ts .c o m /A la m y /F o to a re n a 85 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 85FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 85 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 5C A P ÍT U L O C IN C O OBJETIVOS ■ Aprofundar conhecimentos sobre as origens ancestrais das manifes- tações teatrais. ■ Analisar os elementos que compõem a teatralidade de ritos e cerimo- niais. ■ Conhecer manifestações culturais do povo dogon, do Mali, e da etnia ticuna, do Brasil. ■ Valorizar a figura e a pedagogia griô como meio de integrar os sabe- res acadêmicos e tradicionais no ambiente escolar. ■ Analisar a origem e características do teatro grego. ■ Praticar uma técnica de criação de máscaras teatrais. ■ Reconhecer as dinâmicas da roda de conversa como meio de avalia- ção qualitativa. JUSTIFICATIVA O teatro clássico tem sua origem atribuída ao território da península Áti- ca, em Atenas, na Grécia antiga. Contudo, há registros de manifestações teatrais ligadas a ritos e cerimônias religiosas egípcias para o deus Osíris, que datam de 3000 a.C. Mais antigas ainda são as marcações rupestres de rituais de caça, colheita e danças encontradas em cavernas espalha- das pelo mundo. Essas evidências demonstram que as atividades tea- tralizadas são tão antigas quanto a formação das sociedades humanas, colocando sob reflexão a ideia eurocêntrica de que o teatro nasce na Grécia. Ao se analisar os elementos que compõem essas manifestações ancestrais, é possível perceber que eles ainda estão presentes em muitas liturgias e rituais da atualidade. Este capítulo visa evidenciar as origens desses elementos dramáticos, como eles evoluíram e foram sintetizados para moldar a configuração do teatro que vem influenciando as criações e os gêneros teatrais como conhecemos no Ocidente desde aqueles tempos antigos. Conhecer tais elementos e suas origens é fundamental para compreender como eles se manifestam na sociedade, como um todo, e no ambiente escolar, em particular. A TEATRALIDADE NOS RITOS ANCESTRAIS 86 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 86FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 86 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 REGISTROS C A D E R N O D E Observe a imagem acima de pinturas rupestres encontradas na Tailândia e responda às questões a seguir. Anote as respostas em seu caderno de registros: 1 Especula-se que os grupos humanos desse período criaram ritos para pedir proteção, para pedir uma boa caçada etc. Qual conexão é possível estabelecer entre esses ritos ancestrais com o que entendemos como teatro? 2 Quais eventos contemporâneos guardam características da teatralidade dos ritos ancestrais da humanidade? S E N S I B I L I Z A Ç Ã O Pintura rupestre de cerca de 4 000 anos na caverna de Khao Chan Ngam, Nakhon Ratchasima, Tailândia, representa rituais que são a base das ações dramáticas. C h a iw u t/ S h u tt e rs to c k Essa imagem é uma reprodução do interior da caverna Khao Chan Ngam, na Tailândia. Podemos observar as figuras humanas em diferen- tes atividades: caçando, dançando, brincando, entre outras. As pinturas rupestres são os vestígios pictóricos mais antigos de manifestações ri- tualísticas e representações sobre as origens das sociedades humanas no período pré-histórico em todo o mundo. 87 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 87FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 87 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 Imagine como seriam ao vivo esses rituais ligados aos ciclos da natureza, aos períodos de fertilidade do plantio e da colheita, às estações do ano, à vida e à morte, a momentos de transição entre etapas da vida, às imita- ções e aos materiais utilizados para simbolizar os animais, às danças em comemoração de uma boa caçada, uma colheita bem-sucedida ou para pedir proteção e apoio a espíritos (ou contra eles), à celebração de uma vitória em algum conflito com outros grupos etc. Idealize como deveriam ser os instrumentos e sons produzidos, as for- mas de brincar e de se relacionar com as pessoas, os meios expressivos para compreender e transmitir ensinamentos para futuras gerações. Se associarmos esses aspectos dos rituais de povos antigos a aspectos das festas tradicionais e dos rituais contemporâneos, à teatralidade co- tidiana e às necessidades de comunicação e expressão do ser humano vivendo em sociedade, você, provavelmente, chegará à conclusão de que a base das manifestações teatrais é tão antiga quanto a própria humanidade. Neste capítulo, você estudará as origens das manifestações teatrais na humanidade, rituais e cerimônias ancestrais que possuem características semelhantes em diversos lugares do mundo, que convergiram na Grécia antiga para o formato de teatro que conhecemos e ainda são identifica- dos em muitas culturas tradicionais da atualidade. Ao final, a proposta é fazer sessões de contação de histórias a partir da pesquisa de narrativas mitológicas, seguidas de rodas de conversa. RITOS E MITOS INICIAIS Geralmente, atribui-se a origem do teatro no Ocidente à civilização gre- ga, uma vez que os elementos teatrais, como os conhecemos, foram agrupados e consolidados na Grécia. No entanto, o que havia antes do teatro grego? A partir de quais fontes ele se consolidou?Há elementos ancestrais da ação dramática que existem desde a origem das socieda- des pré-históricas, como vimos na seção “Sensibilização”. Esses elementos estão na base das representações dramáticas encon- tradas em diversas sociedades, com variações de acordo com as ca- racterísticas de cada território e região, por exemplo o culto a Osíris, no antigo Egito, passando pelo Teatro Noh, no Japão, o teatro-dança Kathakali, na Índia, os rituais das culturas pré-colombianas, a formação greco-romana, na Europa, entre outros povos ao redor do mundo. São danças, gestos, sons, vestimentas, máscaras, pinturas corporais, adornos e adereços utilizados para compor ritos ligados à tentativa de controle de fenômenos da natureza. Por isso, para ter sucesso em uma caçada, o ser humano pré-histórico possivelmente criava ceri- mônias para entrar em comunhão com suas divindades e entidades. O Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, considerado Patrimônio Mundial pela Unesco, possui mais de mil sítios arqueológicos com pinturas e gravuras rupestres. O parque conta com dois museus: Museu da Natureza e Museu do Homem Americano. Para saber mais sobre o parque, visite: http:// fumdham.org.br/. Acesso em: 5 dez. 2020. A P R O F U N D A R P A R A 88 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 88FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 88 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 Ao sacrificar seres humanos, animais e fazer oferendas, ele acredita- va que acalmava os anseios dessas divindades e estabelecia comu- nhão direta com o mundo sobrenatural para garantir a boa caçada ou coleta de alimentos. A transição da vida nômade para a agricultura consolidou as condições necessárias para que os ritos primitivos fossem, aos poucos, se forma- lizando em estruturas cerimoniais mais complexas e estáveis, aproxi- mando-se de práticas religiosas ritualizadas (liturgias). Dessa forma, as ações de imitação que visavam garantir a sobrevivência ganharam novos contornos: o conflito entre o bem e o mal, o sagrado e o profano, trevas e luz, vida e morte. Esses eventos passaram a ser ritualizados com aspectos visuais, movimentos e instrumentos musicais mais ela- borados, sob o comando de um líder espiritual, xamã ou sacerdote, que também era responsável pela condução das demais cerimônias, entre elas a de iniciação nas diversas etapas da vida. Provavelmente, foi da veneração das ações e feitos desses sacerdotes que nasceu a ideia de mito e a mitologia, uma vez que a alternância dos rituais sobre vida e morte foi substituída pelo culto às realizações do sacerdote, rei ou deus (COURTNEY, 2003). Um ser dotado de poderes mágicos capaz de potencializar, explicar e regular os acontecimentos da natureza, da vida, da morte e espiritualidade humana. A civilização egípcia, no norte da África, já possuía rituais e celebrações com essas características cerca de 3000 a.C. Com a deificação dos mitos, rituais e liturgias específicas passaram a se tornar mais complexos e elaborados. As danças, a gestualidade e os demais elementos da encenação, como as más- caras, por exemplo, adquiriram características essenciais para a representação dos deuses. Sur- ge, pois, a partir disso, a necessidade de se ter espaços físicos específicos para o culto às divin- dades e, com ela, o conceito de templo sagrado. Foi dessa forma que, ao longo de séculos, as ba- ses para a configuração do teatro na Grécia foram erguidas, partindo das imitações de fatos cotidia- nos vinculados ao ser humano da Pré-História, passando pela incrementação dos ritos, das dan- ças, das vestimentas e adereços, até a personi- ficação dos mitos a serem cultuados, cujas ma- nifestações no Egito antigo antecederam às do mundo grego. Podemos dividir os ritos antigos em três grandes categorias: os ritos tumulares, de adoração de espíritos ou dos mortos e de encaminhamento das almas; os ritos de fertilidade, ligados a prosperidade, colheita, nascimento, com símbolos fálicos ou sexuais; e os ritos de passagens, que marcaram diversas formas de transições de etapas na vida das pessoas ou a evolução das comunidades. Os cerimoniais sofisticados no Egito antigo são um bom exemplo da evolução dos ritos primitivos, com dança, instrumentos musicais e dramatizações conduzidas por sacerdotes. a k g -i m a g e s /F ra n c is D zi k o w s k i/ A lb u m /F o to a re n a 89 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 89FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 89 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 ECOS DE ANCESTRALIDADE - RITUAIS TEATRALIZADOS DE HOJE Ainda hoje, podemos constatar alguns padrões de manifestações dramá- ticas em diversos povos e grupos étnicos espalhados pelo mundo, como aborígenes australianos, indígenas brasileiros ou alguns povos africanos, como, por exemplo, o povo dogon, que habita uma região desértica do Mali, país localizado na África ocidental, considerada pela Unesco como uma das sociedades com tradições e cultura mais complexas e bem pre- servadas da África subsaariana. Os dogons possuem rituais em que danças sagradas e máscaras são utilizadas de maneira simbólica para representar a cosmovisão, o culto às divindades e os mistérios da morte, além de serem habilidosos arqui- tetos e escultores em madeira, confeccionando estátuas elaboradas que representam sua ancestralidade, seus antepassados e outras divindades de sua cultura. A coreografia Dança das Máscaras é realizada por dançarinos vestidos com roupas decoradas com búzios e palhas. Alguns, inclusive, utilizam pernas de pau que podem chegar a 6 metros de altura. Cada máscara possui um significado cujo objetivo é conectar os mundos do Sol e da Terra, onde a vida e a morte se encontram. Para saber mais sobre o povo dogon, acesse os links a seguir: ■ LEME, José Tiago Risi. Dogon. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, 2013. Disponível em: http://www. arteafricana.usp.br/ codigos/glossa rios/002/dogon. html. ■ PAÍS Dogon. [S.l.]: Afreaka, 2013. 1 vídeo (2 min). Disponível em: https://vimeo. com/86501070. Acesso em: 21 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A No Brasil, muitas manifestações culturais e religiosas também possuem ritos baseados nos elementos fundantes da atividade dramática (re- presentações, mimetizações, danças sagradas, sonoridades, máscaras, adornos, pinturas corporais, templos etc.), os quais são utilizados para finalidades semelhantes às ancestrais. Dança das Máscaras, patrimônio cultural do povo dogon, Mali – África ocidental. Detalhe para a estrutura do rito, composto de dança e instrumentos musicais. Ao fundo, parte da bela arquitetura dogon. T o rs te n P u rs c h e /S h u tt e rs to c k 90 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 90FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 90 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 http://www.arteafricana.usp.br/codigos/glossarios/002/dogon.html http://www.arteafricana.usp.br/codigos/glossarios/002/dogon.html https://vimeo.com/86501070 A etnia ticuna, um dos grupos indígenas mais populosos do Brasil, que habita a região entre o Alto Rio Solimões (AM), no Brasil, o Peru e a Co- lômbia, mantém a tradição da Festa da Moça Nova, nome pelo qual a festa é conhecida em português. Esse ritual acontece ao final do período de resguardo para a primeira menstruação das jovens indígenas. São três dias de festa e música durante os quais as jovens são preparadas e recebem conselhos, por meio de canções entoadas pelas mulheres mais velhas. Durante os ritos, danças sagradas com a participação de pessoas mascaradas representam os “encantados” (ü, üne) e os “bichos” (ngo’o), seres mágicos que fazem parte da mitologia e cosmovisão Ticuna. Acesse os links a seguir para saber mais sobre a Festa da Moça Nova: ritual de iniciação feminina da etnia Ticuna: ■ MATAREZIO FILHO, Edson Tosta. AFesta da Moça Nova: ritual de iniciação feminina dos índios Ticuna. 2015. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em: https://teses. usp.br/teses/ disponiveis/8/8134/ tde-16092015- 164516/pt-br.php. ■ RITUAL Ticuna de iniciação feminina mostra vitalidade da cultura indígena. [S. I.]: Agência Fapesp, 2020. 1 vídeo (5 min). Disponível em: https://youtu. be/-IpgSZwYtyQ. Acesso em: 23 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A P A R A R E F L E T I R Acima, foram colocados dois exemplos de povos que mantêm em seus ri- tuais, na atualidade, características de dramatizações existentes desde os primórdios das sociedades. 1 Quais outras manifestações culturais que você conhece mantêm aspectos desses elementos de representações dramáticas ancestrais? Quais dessas manifestações estão ligadas ao território da escola e ao universo dos es- tudantes? 2 Exponha aos estudantes e colegas os rituais do povo dogon e da etnia ticu- na e peça a eles que indiquem elementos dessa ancestralidade dramática em liturgias, como das missas católicas, das celebrações budistas, entre outros. Analise esses elementos e verifique se essa relação ficou clara. 3 Reflita sobre as possibilidades de associar manifestações e conhecimentos ancestrais a práticas e exercícios teatrais. A Festa da Moça Nova é um ritual da etnia ticuna que celebra a passagem da infância para a adolescência das meninas do grupo, foto de 2018. R e n a to S o a re s /P u ls a r Im a g e n s 91 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 91FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 91 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-16092015-164516/pt-br.php https://youtu.be/-IpgSZwYtyQ Entre a diversidade de características ligadas a representações dramáti- cas das culturas dogon, em Mali, e ticuna, no Brasil, podemos destacar o uso de máscaras e a transmissão oral de suas histórias, valores e formas de compreender o mundo. Estudar e compreender aspectos da cultura africana e indígena dialoga com as definições encontradas nas Leis nº 10.639/03 e 11.645/08, que versam sobre a obrigatoriedade do ensino de temáticas da história e cultura afro-brasileiras e indígenas em todas as etapas da Educação Básica no Brasil. Da mesma forma, ampliar seus conhecimentos sobre a atualidade des- sas culturas, relacionando-as com manifestações culturais do passado e do presente de diversos povos, de maneira igualitária e sem preconceito, de modo a promover a valorização e igualdade entre as diversas cultu- ras, deve ser parte importante do repertório do(a) professor(a), em es- pecial, do(a) professor(a) de Arte, dado que as manifestações artísticas, em geral, e o Teatro, em particular, são parte de seus objetos de trabalho com os estudantes. Nesse sentido, é possível e necessário estabelecer interdisciplinarida- des com componentes curriculares das demais áreas do conhecimento, como Geografia, História ou Sociologia, de modo a ampliar os pontos de vista dos estudantes sobre o estudo e compreensão da diversidade cul- tural existente no planeta. Ao proceder dessa forma, você desenvolverá as competências gerais 1, 3, 6 e 9 da BNCC, as competências específicas 1, 2, 5, 6 da área de Linguagens e suas Tecnologias e a dimensão 3. Vejamos, agora, a importância de dois elementos para o surgimento do teatro: as máscaras e a transmissão oral de conhecimento. A IMPORTÂNCIA DAS MÁSCARAS Compreender o significado das máscaras no contexto sociocultural em que são produzidas é condição fundamental para uma boa contextuali- zação do uso desses objetos mágicos, que, geralmente, possuem signifi- cados maiores do que os de um mero ornamento ou decoração. Infeliz- mente, em muitas escolas, as máscaras são apresentadas e trabalhadas apenas como elementos folclóricos, em datas e períodos comemorati- vos, muitas vezes privando os estudantes de conhecerem as dimensões simbólicas, ritualísticas e demais aspectos culturais, geográficos, econô- micos, bem como o valor para os povos que as produzem. Por isso, ao se trabalhar com máscaras, seja qual for sua origem, é im- prescindível buscar informações e fazer a mediação com os estudan- tes, preparando-os para realmente compreender, respeitar e valorizar essa manifestação cultural que porta tantos signos e significados para suas culturas de origem. Dessa forma, é preciso destacar a qual povo ou cultura e a quais rituais elas pertencem, se representam alguma di- vindade, como são produzidas e com quais materiais, quais poderes A Lei nº 10 639 tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena. Sobre a aplicação dessa lei, acesse a reportagem produzida pelo Canal Futura: ■ EDUCAÇÃO Afro-brasileira – Conexão. [S. I.]: Canal Futura, 2020. 1 vídeo (26 min). Disponível em: https://youtu.be/ VN6ojnCHD50. Acesso em: 28 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A 92 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 92FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 92 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 https://www.youtube.com/watch?v=VN6ojnCHD50&feature=youtu.be seus criadores acreditam que elas possuem e outros aspectos impor- tantes para uma melhor compreensão da máscara. As máscaras teatrais surgiram, no Ocidente, com o desenvolvimento do teatro grego e, desde então, simbolizam diversas manifestações teatrais. Algumas das máscaras mais famosas do teatro foram criadas na Idade Média com a Commedia dell’arte, gênero teatral que será analisado no próximo capítulo desta unidade. A TRADIÇÃO ORAL Outro elemento recorrente entre os aspectos ligados aos ritos ances- trais que formam a base do teatro é a transmissão oral de saberes, costumes, narrativas e informações sobre mitos e divindades. Poste- riormente, essas narrativas foram registradas por escrito, o que deu subsídios para a dramaturgia. Esse tipo de transmissão de informações culturais é responsável por manter vivas, há séculos, a tradição e a mi- tologia de várias sociedades pelo mundo. E X P E R I M E N T E ! Como você viu, existem inúmeras formas e materiais de que as máscaras podem ser feitas. Faça uma pesquisa na internet para descobrir detalhes da enorme variedade de máscaras, seus significados e usos nas diversas culturas e nas manifestações teatrais ao redor do mundo. Proponha em sala de aula a confecção de máscaras com os estudantes. Para isso, acesse os links a seguir para ver uma das muitas técnicas para criar uma máscara teatral. Estimule a criação de padrões estéticos diferenciados, evitando os clichês usualmente encontrados nas escolas, principalmente sobre as máscaras in- dígenas e africanas. Você pode criar uma exposição com as máscaras dos estudantes e, depois, pedir que eles as utilizem para explorar a gestualida- de e movimentação corporal nos jogos improvisacionais. Ao trabalhar dessa forma, você desenvolverá as competências gerais 2, 3 e 4 da BNCC e as competências específicas 6 e 7 da área de Linguagens e suas Tecnologias. ■ CONFECÇÃO de máscara parte 1 – teatro (orientação 4) – GABI ZL4. São Paulo: Programa Vocacional, 2020. 1 vídeo (16 min). Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=sEY_eBQrIdg. ■ CONFECÇÃO de máscara parte 2 – teatro (orientação 5) – GABI ZL4. São Paulo: Programa Vocacional, 2020. 1 vídeo (13 min). Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=ATcwIo9UXtw. Acesso em: 23 nov. 2020. Tempo estimado: 200 minutos (4 aulas de 50 minutos). 93 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 93FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 93 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 Um dos personagens mais emblemáticos des- sas tradições de conservar e repassar as memó- rias coletivas de um povo às futuras gerações são os griots (griôs), anciãos de povos de países africanos responsáveis por narrarvida profissional, bus- cando caminhos para superar suas dificuldades; • a dimensão 2 contempla os saberes próprios do Teatro. Seus aspectos técnicos, conceituais, es- téticos, pedagógicos e históricos são colocados sob reflexão para permitir que o(a) professor(a) possa identificar possíveis conceitos e práticas que tenha cristalizado sobre a linguagem teatral ao longo de sua carreira, mas que, porventura, te- nham sido reformuladas com a evolução das prá- ticas teatrais no decorrer dos tempos. Tal reflexão permitirá que o(a) professor(a) atualize seu en- tendimento sobre teatro e identifique estratégias de ensino e aprendizagem adequadas à sua rea- lidade; • a dimensão 3 está ligada ao trabalho integrado entre os componentes curriculares da área de Linguagens e suas Tecnologias, a partir da trans- versalidade das propostas pedagógicas apresen- tadas na obra. Essa dimensão é parte indispensá- vel do princípio de trabalho por área expresso na Base Nacional Comum Curricular do Ensino Mé- dio e suas possibilidades de percurso para o de- senvolvimento do projeto de vida dos estudantes; • a dimensão 4 trata das diferentes práticas e ins- trumentos de avaliação que podem ser emprega- 6 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 6FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 6 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA GERAL DA OBRA A necessidade da formação continuada para do- centes é preocupação constante e antiga, tendo em vista a complexidade da prática docente em contínua relação com as transformações da socie- dade e dos sujeitos. Atualmente, diante da plura- lidade da vida contemporânea, das novas tecno- logias e dos desafios do Ensino Médio, pensado por área de conhecimento e em uma perspectiva protagonista dos jovens, investir nesse processo de aprimoramento dos saberes ligados à atividade docente é primordial, contribuindo para a promo- ção de aprendizagens significativas. Para que a formação continuada seja efetiva é preciso, sobretudo, ser significativa para o(a) professor(a), bem como ser um valioso percurso composto por espaços em que ocorram trocas de experiências e saberes, que relacione os pressupos- tos teóricos-científicos, a prática e os métodos pe- dagógicos, a realidade dos recursos de ensino e a subjetividade que permeia a ação do docente. A Lei n° 13.415/2017, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/1996), implementa as mudanças na estrutura do Ensino Médio em nosso país. Além da ampliação da carga horária do estudante na escola, define também uma nova organização curricular por habilidades e com- petências a partir de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), tornando-a mais flexível em bus- ca do protagonismo do jovem e de sua formação in- tegral como cidadão crítico e atuante na sociedade. Diante desses novos desafios, o(a) professor(a) precisa trabalhar com temáticas transversais per- tinentes à complexidade da vida atual, exercer os diálogos com os jovens em consonância com as problemáticas da realidade local e os anseios dessa etapa da vida dos estudantes e, ainda, estabelecer relações com a diversidade cultural e de saberes que coexistem no mundo pós-moderno. Conforme aponta Arroyo (2014), nesse contexto o currículo passa a ser pensado considerando as experiências de vida que os estudantes carregam consigo. Dessa forma, o currículo torna-se um documento que visa dar conta de abranger as inúmeras variáveis e a pluralidade que compõem os processos educacionais contemporâneos no Ensino Médio. O percurso formativo apresenta- do nesta obra busca somar esforços com o(a) professor(a) e auxiliá-lo(a) em sua ação docente, que precisa dar conta desse complexo panorama curricular, social e cultural. Esse fato caracteriza as permanentes relações de ensino-aprendiza- gem com os estudantes e demais profissionais da educação. Em uma sociedade marcada pela velocidade da in- formação e de rápida comunicação espetaculariza- da (DEBORD, 1997), é importante compreender a educação como espaço para experiência, no senti- do proposto por Bondía (2009): uma abertura para o desconhecido, para o vir a ser, sem a pressa e automatização que caracterizam a vida contempo- dos nos processos de ensino-aprendizagem em Teatro. Elas estão distribuídas ao longo dos ca- pítulos e oferecem ao(à) professor(a) indicações concretas de como avaliar práticas teatrais. Para cada uma dessas dimensões serão apresen- tadas abordagens teórico-metodológicas que se complementam de modo a colaborar com a jor- nada de formação docente, embasando reflexões e caminhos diante dos desafios do Novo Ensino Médio. Apresentaremos a seguir a fundamentação teórica que sustenta essa formação continuada em Teatro, as intencionalidades que apoiam a escrita da obra, a descrição da estrutura do livro, o foco temático de cada uma das três unidades que o compõem e suas relações com as quatro dimensões. Esperamos contribuir para uma formação em que você possa integrar os conhecimentos teatrais e a área de Linguagens com suas práticas artísticas e pedagógicas de maneira a ampliar suas possibili- dades de atuação profissional. 7 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 7FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 7 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 rânea e a superficial aquisição de conhecimentos. A experiência é aquilo que atravessa o sujeito em toda sua potência e singularidade, é o cultivo do encontro, da escuta, da expansão das vias sensíveis de percepção e expressão, é o pensar com delica- deza, o deixar-se transformar. A aquisição dessas experiências constrói o sa- ber profissional docente, propiciando que o(a) professor(a) desenvolva conhecimento sobre si mesmo, em que relaciona aspectos psicológicos e psicossociológicos com aspectos conceituais, didá- ticos e pedagógicos de seu trabalho. Dessa forma, o saber do(a) professor(a) é um saber experiencial, pois é o somatório da complexidade de relações es- tabelecidas em sua própria trajetória de vida (TAR- DIF, 2002). A concepção de atuação docente aqui adota- da compreende o(a) professor(a) como artista- -pesquisador(a) e mediador(a) cultural, também como aquele que cria suas poéticas em práticas artísticas (COUTINHO, 2013). O mediador é visto como um sujeito ativo pertencente à sua comuni- dade integrativa, aquele que em uma perspectiva dialógica propõe trocas horizontais entre os di- ferentes atores do território, abrindo espaço para múltiplas narrativas e diferentes interpretações em uma cuidadosa escuta e condução do processo de ensino-aprendizagem. Por isso, o aporte teórico-metodológico da obra parte dos estudos sobre a construção de experiên- cias coletivas entre docentes, e destes com os es- tudantes, da troca de saberes e vivências artísticas como premissas para criar caminhos efetivos de trabalho pedagógico em uma perspectiva interdis- ciplinar, dialógica e integrada às demandas atuais da sociedade. Entendendo que os conhecimentos historica- mente construídos e as especificidades de cada campo do saber humano não devem ficar isola- dos em si mesmos ou serem negados, uma vez que, como afirma Edgar Morin (2000), a compar- timentação dos saberes impede a compreensão da complexidade e totalidade das coisas, e não está de acordo com a realidade global, que é uma teia complexa de relações, os saberes devem ser considerados em sua intercomunicação, superando a visão fragmentária em direção a uma visão ho- lística e unitária do ser humano. Nesse sentido, conforme contribui Fazenda (2006), a interdisciplinaridade é compreendida nesta obra como as atitudes das pessoas ante o trabalho, com os conhecimentos conjugados por área, e como elas transformam essas atitudes em fazeres peda- gógicos e práticas sociais, ou seja, como transfor- mam o próprio conhecimento curricular em açõessuas histórias por meio de poemas e canções, acompanhados por instrumentos musicais tradicionais como a kora e o xilofone. Por serem os guardiões das memórias coletivas de seus povos, possuem grande prestígio entre as sociedades da África ocidental. São conhecidos como jeli (ou djéli), em mandês; guewel, em wolof; iggawen, em hassania e arokin, em iorubá. A tradição griô chegou ao Brasil com os povos africanos escravizados e conseguiu permane- cer viva pela resistência da população negra e se propagou através das religiões de matriz africana. Hoje, consideramos “mestres griôs” aqueles cuja sabedoria não advém do conhe- cimento escolar/acadêmico, mas das tradi- ções orais. Entre essas pessoas estão os pajés – autoridades religiosas de matriz africana –, mestres capoeiristas, contadores de histórias, mestres brincantes de folguedos populares, repentistas e rappers (da cultura Hip-Hop), considerados griôs urbanos. Assista ao documentário Sotigui Kouyaté: um griot no Brasil, produzido pelo Sesc SP – TV e dirigido por Alexandre Handfest, sobre o ator, diretor e griô africano Sotigui Kouyaté. ■ SOTIGUI Kouyaté: um griot no Brasil. Direção: Alexandre Handfest. Produ- ção: Antonio Jordão Pacheco. São Paulo: Sesc TV, 2007. 1 vídeo (57 min). Disponível em: https://youtu.be/ sJd1te_3pjI. Acesso em: 23 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A P A R A R E F L E T I R Você já ouviu falar em pedagogia griô? Essa proposta visa unir os saberes das tradições orais com a educação formal, em práticas e vivências que objetivam ampliar e aprimorar as formas de educação. Acesse o site e assista ao vídeo. Depois, promova uma conversa com outros(as) professores(as) sobre o assunto com o intuito de pensarem as possibilidades de trabalhar com princípios dessa pedagogia em sua escola. ■ GRÃOS de luz e griô. Disponível em: http://graosdeluzegrio.org.br/. ■ A UNIVERSIDADE e a Pedagogia Griô – Matéria PGM 2015. São Paulo: TV USP, 2015. 1 vídeo (8 min). Disponível em: https://youtu.be/TCSiE_FH5Jo. Acesso em: 24 nov. 2020. Gravura de 1890, com griôs de Mali. R e p ro d u ç ã o /B ib lio te c a N a c io n a l, P a ri s , F ra n ç a . 94 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 94FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 94 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 https://www.youtube.com/watch?v=sJd1te_3pjI&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=sJd1te_3pjI&feature=youtu.be O TEATRO GREGO Agora que você aprofundou seus conhecimentos sobre os elementos dramáticos ancestrais do teatro, relacionando-os a práticas de povos e culturas da atualidade, vamos entender como esses elementos foram aglutinados no mundo grego e se distanciaram do ritual mágico e reli- gioso primitivo para criar o teatro, do grego théatron: “local de onde o público olha uma ação que lhe é apresentada num outro lugar” (PAVIS, 1999, p. 372), conhecido como teatro clássico. A etimologia da palavra “teatro” já remete a um espaço específico para a realização de um rito, no qual há os atores e a plateia, como pode ser confirmado pela imagem do teatro Epidauros, uma gigantesca cons- trução de pedras calcárias e mármore de, aproximadamente, 20 metros de diâmetro e capacidade para cerca de 14 mil pessoas. Estruturalmente, essas construções monumentais eram concebidas para se harmonizar com o ambiente natural à sua volta e com o espaço ur- bano. Geralmente, eram divididas em três partes: a orquestra, círculo de terra batida, destinada a apresentações dos atores e do coro; a skené, espaço retangular construído de madeira ou pedra, que se dividia em pequenos ambientes cuja função era servir de local para troca de figuri- nos dos atores, e o théatron, local destinado aos espectadores. As atividades que culminaram com a construção desses espaços são atribuídas aos ditirambos (século VI a.C.), festividades compostas, ini- Teatro Epidauros, Argólida – Grécia, construído no século IV a.C., uma das construções teatrais gregas preservadas até nossos dias. Possui uma acústica perfeita para seu estilo arquitetônico em semiarena. s a ik o 3 p /S h u tt e rs to ck 95 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 95FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 95 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 cialmente, de cantos e versos dedicados a Dionísio (Baco para os ro- manos), deus da fertilidade, da paixão, da primavera, do crescimento, do vinho e da veneração aos mortos (COURTNEY, 2003). Ao longo do tempo, foram acrescidas a dança e a música com flautas, cuja estru- turação é atribuída ao poeta Arion, da corte de Periandro, em Corinto, que promoveu a introdução de um coro e um corifeu (responsável pelo coro), produzindo um diálogo de perguntas e respostas entre elemen- tos distintos da encenação. Nesse período, não existia a função de ato- res tal como conhecemos hoje. A evolução dos ditirambos prosseguiu a partir da região Ática, em espe- cial da cidade de Atenas, local de maior concentração cultural da Grécia antiga, e se dividiu em dois grandes grupos: os cultos dionisíacos feitos nas regiões rurais (dionísia rural) e as festas dionisíacas que aconteciam em Atenas e outros lugares urbanos da Grécia (dionísia urbana). As fes- tas dionisíacas eram compostas de concursos públicos de peças e auto- res e duravam cerca de 5 dias. Nesses eventos, era comum os competi- dores apresentarem seus textos. Ao longo da evolução dessas festas, houve a introdução de novos ele- mentos nas apresentações. Téspis de Icária (século VI a.C.) trouxe uma inovação fundamental ao se destacar do coro e do corifeu, atuando in- dividualmente pela primeira vez na história grega ao dialogar, como per- sonagem, com o coro. Por esse motivo é considerado o primeiro ator do Ocidente. Ele foi um dos ganhadores das primeiras competições nas festas dionisíacas em Atenas e são atribuídas a ele a invenção da más- cara teatral grega, um artefato estilizado em proporções ampliadas para melhorar a visibilidade do público, e a evolução do ditirambo cantado para o texto recitado e dialogado. À medida que as representações iam sendo aprimoradas nos concursos, também se distanciavam das cerimônias sagradas a Dionísio, passando a introduzir temas e enredos sobre o cotidiano, críticas aos políticos, pro- blemas emocionais e psicológicos, fatos heroicos, lendas, mitos e home- nagens a outros deuses gregos. Dessa variedade temática nascem os dois principais gêneros do teatro grego: a tragédia e a comédia. TRAGÉDIA Foi desenvolvida antes da comédia, sendo considerada o gênero mais antigo do teatro grego. Tem como principais enredos a saga de heróis, semideuses, deuses, a justiça e o cumprimento de leis, tensões e um final trágico que conduz ao efeito de catarse nos espectadores. Geralmente, possuem cinco partes: prólogo, narrativa que antecede os acontecimentos; párodo, canto coral utilizado para ambientar a cena e trazer o clima; episódios, ações principais da encenação; estásimos, cantos introduzidos entre os episódios para comentários do coro e pre- Para saber mais sobre o mundo grego e Dionísio, leia o artigo a seguir: ■ ALMEIDA, João Estevam de. O Teatro, a pólis: Dioniso e seu espaço norteador da identidade políade. Labeca. São Paulo: MAE/ USP, 2010. Dispo- nível em: http:// labeca.mae. usp.br/media/ pdf/almeida_o_ teatro_a_polis.pdf. Acesso em: 28 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A Catarse: de acordo com o filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), a kátharsis é o processo intenso de liberação de emoções contidas nos sujeitos, a partir de sua identificação, ou não, com os acontecimentos ocorridos com heróis das tragédias gregas. 96 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 96FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 96 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 http://labeca.mae.usp.br/media/pdf/almeida_o_teatro_a_polis.pdf http://labeca.mae.usp.br/media/pdf/almeida_o_teatro_a_polis.pdfparação para os próximos acontecimentos; e êxodo, participações e comentários finais do coro. Os principais autores da tragédia grega são Ésquilo (525 a.C.-456 a.C.), Sófocles (497 a.C.-406 a.C.) e Eurípides (484 a.C.-406 a.C.). COMÉDIA Diferentemente da tragédia, a comédia aborda temas voltados ao co- tidiano, com críticas aos costumes, à moral, às instituições políticas, ou às guerras que ocorreram naquele período da Grécia antiga. Suas bases estão relacionadas à sátira, ao ridículo exagerado e às cerimônias profa- nas do culto a Dionísio, sendo estruturada geralmente da seguinte forma: prólogo, antecipa o enredo da trama; párodo, participação inicial do coro composta por danças e cantos; ágon, a revelação do conflito da cena, há um embate de ideias entre os atores; parábase, intercâmbio de pequenos cantos do coro com falas direcionadas à plateia, e êxodo, que nada mais é do que as ações de saída do coro de cena. São autores da comédia grega: Aristófanes (447 a.C-385 a.C.) e Menandro (342 a.C-291 a.C.). O teatro grego também se valia de máscaras para compor os persona- gens, possibilitando a variação de intenções e expressões, a comunica- ção com o público naqueles espaços monumentais e a representação de papéis femininos, já que as mulheres não tinham o direito de subir ao palco naquela época. E X P E R I M E N T E ! São muitos os autores gregos que se destacam na tragédia, mas, aqui, ressaltamos, especialmen- te, três: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Na comédia, por sua vez, Aristófanes foi um dos poucos autores cujas obras chegaram até nós. Faça uma pesquisa na internet para conhecer a bio- grafia desses autores. Escolha e leia uma tragédia e uma comédia e observe como a temática mitológi- ca e o conflito ser humano × deuses são debatidos na tragédia, enquanto, na comédia, são retratados os costumes e conflitos da vida cotidiana. Em sala de aula, você poder realizar a proposta de leitura de uma tragédia e uma comédia, compreen- dendo as características de cada uma e como se dá a relação entre deuses e seres humanos. É igual- mente válido fazer a contextualização histórica do período. Depois, escolha uma cena de cada peça para uma leitura compartilhada na sala. Se possível, busque uma cena de tragédia que tenha o coro, analisando a sua função, como o coro representa a voz coletiva que manifesta os princípios morais e éticos daquela socieda- de e faz um diálogo direto com o espectador. Já na comédia, solicite que observem como as instituições e temas da vida política eram dis- cutidos pelo humor, muito parecido com o que hoje presenciamos em alguns programas cô- micos. Se houver condições, articule-se com professores(as) de outros componentes curricu- lares, como Língua Portuguesa, História e Filoso- fia, de modo que o trabalho interdisciplinar entre vocês propicie mais oportunidades de os estu- dantes conhecerem o tema. A atividade com os estudantes colabora com a competência geral 3 e a competência específica 6 da área de Lingua- gens e suas Tecnologias. 97 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 97FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 97 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 E M A Ç Ã O ! CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E RITOS ANCESTRAIS Neste capítulo, você aprofundou seus conhecimen- tos sobre a importância dos mitos e narrativas que foram transmitidas oralmente ao longo de séculos como base nos ritos e cerimônias ancestrais que, em conjunto com as danças, a música e as más- caras, compõem os principais elementos para o surgimento de manifestações teatrais em diversas culturas. O objetivo dessa proposta é promover um maior conhecimento dos diversos mitos e narra- tivas tradicionais de diferentes regiões do plane- ta, por meio de sessões de contação de histórias inspiradas na tradição griô, seguidas de rodas de conversa. Esta atividade dialoga com as competências gerais 2, 3, 4 e 9 da BNCC, com as competências específi- cas 6 e 7 da área de Linguagens e suas Tecnologias e com a dimensão 3, ao propiciar a compreensão, fruição e valorização de histórias mitológicas de diversas culturas, seguidas de conversas sobre as características e aspectos fundamentais dessas his- tórias e das culturas em que elas estão inseridas. A potencialidade desta atividade é aumentada com a parceria entre professores(as) de diferentes com- ponentes curriculares, como, por exemplo, Língua Portuguesa, História e Sociologia, que poderão con- tribuir com as contextualizações e demais aspectos inerentes ao trabalho interdisciplinar com mitologias e cosmovisões de mundo. MATERIAIS: Contos e histórias mitológicas tradicionais de dife- rentes culturas; espaço para acomodar estudantes e professores(as) para ouvirem as histórias; equi- pamento de projeção de imagens e sons (se for possível) para ilustrações e ambientação das his- tórias; objetos, adereços e figurinos – caso os(as) professores(as) decidam dramatizar as histórias –; música de ciranda de roda. Convide professores(as) de outros componentes curriculares para participar das atividades e, em gru- po, realizem os procedimentos a seguir: PROCEDIMENTOS: 1 Escolham, em conjunto, as histórias ancestrais e mitos que vocês pretendem contar/debater; vo- cês podem fazer buscas na internet ou em livros para obter as histórias e seus contextos culturais – procurem trabalhar com uma variedade grande de povos e culturas. 2 Façam um cronograma com data e hora das lei- turas seguidas de rodas de conversas; os(as) professores(as) podem se revezar nas contações. 3 Definam se vão utilizar materiais de apoio, como imagens, sons, adereços, figurinos, máscaras, alimentos, texturas, cheiros etc. com o objetivo de aproximar os estudantes da história que será contada. 4 No dia e hora marcada, organizem o espaço em formato de roda ou semicírculo. 5 Se possível, façam uma sensibilização inicial com uma ciranda de roda ou algum som, imagem, ob- jeto, alimento ou cheiro que dialogue com a te- mática tratada na história que será contada. 6 Realizem a sessão de contação. Em seguida, abram a roda de conversa para compartilhar suas impres- sões e entendimentos sobre a narrativa e mito es- tudado. (Lembre-se de anotar os principais pontos da conversa em seu caderno de registro.) 7 Realizem quantas sessões quiserem e na frequên- cia que for viável para o grupo. Tempo estimado: sugere-se que cada sessão tenha 50 minutos entre a contação da história e a roda de conversa. Essa atividade pode ser desenvolvida com os estudan- tes, mantendo o formato e a participação de outros(as) professores(as) nas rodas de conversa. Os estudantes podem preparar e realizar as leituras e as contações de histórias seguidas pelas rodas de conversas. 98 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 98FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 98 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 A RODA DE CONVERSA COMO TÉCNICA DE AVALIAÇÃO QUALITATIVA Assim como as histórias passadas de geração em geração pelas tradições orais, as rodas de conversa fazem parte das atividades humanas desde os primórdios das sociedades. Elas são utilizadas, há séculos, para passar conhecimentos, informações estratégicas, tomar decisões, resolver conflitos de forma coletiva, promover a inte- ração social, a diversão etc. Seu formato permite o desenvolvimento da oralidade, da escuta individual e coletiva, do senso de pertencimento a um grupo, da troca de olhares e gestos que podem ser percebidos por todos, sem barreiras físicas, e o desenvolvimento de habilidades como a capacidade de reflexão, investigação, orga- nização, respeito às opiniões divergentes e a pontos de vista diversos. Em sua prática docente, você já deve ter proposto ou participado de uma dessas rodas, e, portanto, deve ter alguma familiaridade com os aspectos descritos acima. Podemos dividir uma dinâmica com roda de conversa em cinco etapas: organização, sensibilização,reflexão, sistematização e avaliação. Na organização, você deve se- guir os procedimentos adotados para a contação de histórias da seção “Em ação!”. Conduza a mediação dos trabalhos, faça combinados no início da sessão sobre como dar ou pegar a palavra, pedir silêncios coletivos, estabelecer médias de tempos para as falas (caso necessário), bem como sobre a duração geral do encontro. Enfim, pro- mova meios para garantir que as opiniões e conclusões sejam ouvidas e registradas para que nenhuma informação importante se perca. É aconselhável que uma ou mais pessoas da roda façam o registro escrito ou gravado e a síntese das conversas. No início da roda, proporcione um momento de sensibilização com os materiais que você selecionou (imagens, sons, cheiros etc.), tal como no início da contação de histórias. Oportunize aos participantes um ambiente de abertura e aproximação do tema que será tratado. Em seguida, abra o espaço para as reflexões a partir de uma pergunta mobilizadora que suscite as opiniões e o debate entre os participantes. Se for necessário, faça considerações ou comentários que liguem as opiniões ou que abram novos subtemas do assunto principal. Ao final do período combinado para reflexões e debates, peça as derradeiras considerações dos participantes e que as pessoas que estavam fazendo os registros compartilhem com todos a síntese do que foi conversado. Agradeça e finalize a sessão. Por fim, faça a avaliação do encontro a partir de suas anotações e impressões, das anotações das pessoas que estavam responsáveis pelos registros, dos comentários dos participantes ou de outras produções que eles, porventura, tenham deixado após o encontro (por exemplo, uma avaliação escrita do encontro). Analise esse conjunto de dados em relação a seus objetivos iniciais, veja se atingiu suas metas de discussão e compreensão do assunto, se o grupo conduziu a con- versa para outros temas, que podem ou não estar relacionados à proposta inicial, e pense em quais ações precisa implementar para continuar conduzindo o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes. R E V E R B E R A Ç Õ E S 99 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 99FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 99 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 COURTNEY, Richard. Jogo, teatro e pensamento. São Paulo: Perspectiva, 2003. Neste livro, Courtney apresenta argumentos para demonstrar a importância das práticas teatrais de livre improvisação na formação educacional, que já foram empregadas em diferentes tempos históricos. O autor coloca questionamentos sobre o porquê de tais práticas teatrais ainda não terem sido adotadas nos sistemas educacionais, dadas as evidências, também históricas, da eficácia das pedagogias teatrais na escola. GRIMAL, Pierre. O Teatro Antigo. Lisboa: Ed. 70, 1989. O livro trata dos fundamentos históricos e da herança deixada pelo teatro antigo, cujo desenvolvimento se deu nas civilizações gregas e romanas durante cerca de seis séculos. GRUBER, Jussara Gomes (org.). O livro das árvores. Benjamin Constant: Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues, 1997. Este livro é fruto de uma intensa pesquisa sobre o povo Ticuna, trazendo imagens e informações valiosas para entender as práticas e a cultura dos Ticuna. KERBRAT-ORECCHIONI, C. Análise da conversação: princípios e métodos. São Paulo: Parábola, 2006. Catherine Kerbrat-Orecchioni analisa as práticas da conversação verbal, destacando os aspectos que as compõem. Trata-se de uma obra interessante para se compreender como essas relações baseadas em conversas acontecem, bem como as maneiras de melhorá-las. PACHECO, Líllian. Pedagogia griô: a reinvenção da roda da vida. Lençóis, Grãos de Luz e Griô, 2006. Disponível em: http://graosdeluzegrio.org.br/ files/2017/06/Livro-Pedagogia-Gri%C3%B4.pdf. Acesso em: 28 nov. 2020. O livro mostra as possibilidades de diálogo entre a tradição oral e a educação formal a partir das interações pedagógicas entre as comunidades tradicionais, seus saberes e o espaço escolar formal. PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. Um dos mais importantes dicionários de verbetes teatrais. Nele, é possível encontrar um panorama dos conceitos e definições da linguagem. TRABULSI, José Antonio Dabdab. Dionisismo, poder e sociedade na Grécia até o fim da época clássica. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2004. Como o próprio título indica, o livro trata da importância dos cultos a Dionísio na sociedade grega e seus ecos nos tempos atuais. WARSCHAUER, Cecília. Entre na Roda! A Formação humana nas escolas e nas Organizações. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2017. A autora faz um panorama dos benefícios das formas de convivência baseadas no respeito e no diálogo. BIBLIOGRAFIA COMENTADA 100 FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 100FC_TEATRO_g21At_084a100_U2_C5.indd 100 14/01/2021 14:4414/01/2021 14:44 http://graosdeluzegrio.org.br/files/2017/06/Livro-Pedagogia-Gri%C3%B4.pdf http://graosdeluzegrio.org.br/files/2017/06/Livro-Pedagogia-Gri%C3%B4.pdf 6C A P ÍT U L O S E IS O TEATRO REVELA QUESTÕES SOCIAIS OBJETIVOS ■ Analisar formas teatrais em diferentes contextos históricos. ■ Refletir sobre a relação do teatro com a sociedade. ■ Compreender que a história do teatro ocidental ainda está centrada em uma visão eurocêntrica. ■ Identificar as questões sociais presentes nas montagens teatrais. ■ Analisar uma peça épica de Bertolt Brecht e aproximá-la do contexto brasileiro atual. ■ Compreender e utilizar a revisão de literatura em pesquisas. JUSTIFICATIVA Os processos de criação teatral serão sempre afetados pelos movi- mentos sociais e os contextos históricos de quem os realizam. Estu- dar as diferentes formas teatrais exige um olhar investigativo para a historicidade, compreendendo como essas manifestações artísticas revelam questões sociais de seu tempo. Assim, o capítulo apresenta algumas delas em uma perspectiva histórica, evidenciando como o teatro é uma forma de expressão social e política do ser humano e que por meio dele pode-se refletir sobre nosso próprio momento, so- bre nossa condição enquanto sujeito histórico e os caminhos futuros para nossa sociedade. 101 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 101FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 101 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 REGISTROS C A D E R N O D E Para iniciar o trabalho, observe a imagem de uma trupe viajante do século XVII, em uma forma de teatro popular e improvisado, e reflita sobre as informações que podem ser apreendidas. 1 Associe a forma de teatro apresentada com algum grupo ou alguma manifestação teatral da atuali- dade que você aprecie. 2 Quais elementos chamam sua atenção na imagem? Por quê? O que é possível apreender sobre o contexto histórico retratado? 3 Quais são as formas de registro da arte teatral que você teve contato em sua prática profissional? Faça suas anotações em seu caderno de registros. Você vai retomá-las ao fim do capítulo. S E N S I B I L I Z A Ç Ã O R e p ro d u ç ã o /M u s e u d o L o u v re , P a ri s , F ra n ç a . Apresentação de commedia dell’art, de Karel Dujardin, 1657 (Óleo sobre tela, 450 cm × 520 cm – Museu do Louvre, Paris). 102 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 102FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 102 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 Não somente durante a formação do profissional, que trabalha com a linguagem teatral, mas os próprios espectadores e apreciadores podem identificar o teatro como uma forma de expressão social e política. Os textos e as encenações são reflexos do contexto históricos revelando formas de pensamento, de costumes e vivências de sua época. Por isso, tratamos os registros de textos dramáticos e de encenações como do- cumentos históricos, que nos fazem compreender determinados perío- dos e culturas. A encenação teatral é um acontecimento que ocorre ao vivo, em que cada apresentação se diferenciauma da outra mesmo que seja ensaia- da. Por isso, as manifestações populares e a pluralidade de encenações mais antigas se perderam ao longo do tempo. Logo, a sistematização de estudos que nos levam à história do teatro ocidental foi por muito tem- po centrada no texto, o que é natural por ser um registro escrito, o que nos leva mais a pensar sobre o estudo da literatura dramática do que propriamente do teatro. O teatro é, por excelência, uma experiência coletiva que se aproxima da ideia de rito; logo, é essencialmente um acontecimento comparti- lhado. Por essa natureza, é difícil compreendê-lo em sua complexida- de ao longo dos períodos históricos, pois há uma fragilidade de certos registros e a supremacia do texto enquanto elemento que perpassa séculos. Vale ressaltar que muitas das manifestações teatrais popula- res não se tornaram objetos de estudos sistematizados e não chega- ram até nós. Além disso, em termos acadêmicos, temos um domínio das narrativas eurocêntricas e suas categorizações de arte. De toda maneira, são válidos os esforços de entender o teatro e sua histori- cidade para além da centralidade do texto, investigando os registros sobre as encenações, as práticas teatrais populares, as questões de ordem profissional etc., compreendendo a relevância de determina- das formas teatrais, suas influências até os dias de hoje, bem como alargar nosso olhar para as distintas manifestações dessa arte e a importância da pesquisa na área. Neste capítulo, você vai estudar algumas formas teatrais primordiais em alguns momentos históricos, buscando, assim, compreender o teatro em sua diversidade e complexa relação com a história: o teatro e a religiosi- dade na Idade Média; a natureza improvisacional e popular da comme- dia dell’arte; o teatro shakespeariano e os conflitos humanos; a constru- ção do drama burguês, de um ideal de homem universal; o Teatro Épico e a busca pela consciência política proposta por Brecht. O teatro é, simultaneamente, fonte documental, narrativa histórica e ob- jeto de pesquisa, o que exige um olhar transdisciplinar que dê conta dos aspectos múltiplos da experiência teatral em diálogo com momentos históricos. Ao final, a proposta será estudar uma obra brechtiana e sua pertinência ainda hoje. Para ampliar seus conhecimentos dessa complexa inter-relação entre teatro e a história, leia o livro História, teatro e política, organizado pela historiadora Kátia Paranhos. A obra apresenta, por meio de textos de experiências peculiares, um retrato sobre momentos em que teatro e política dialogam, indo além do texto teatral como documento ou fonte, trazendo aspectos das dinâmicas plurais entre o fazer teatral e história, sociologia e antropologia. ■ PARANHOS, Kátia. (org.). História, teatro e política. São Paulo/ Belo Horizonte: Boitempo/ FAPEMIG, 2012. A P R O F U N D A R P A R A 103 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 103FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 103 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 O TEATRO NA IDADE MÉDIA O termo “drama” originalmente vem do grego e significa “ação”, daí a definição de gênero dramático como o texto criado com propósito de ser encenado. O drama, nesse contexto, tem sua origem no século V a. C. na Grécia, em que a poética aristotélica classifica o texto literário em três categorias: lírico, épico e dramático. Daí o uso da palavra “dra- maturgia” para indicar o estudo da construção da narrativa teatral. A palavra, porém, também indica ações conflitantes presentes na histó- ria, seja na literatura, seja no teatro, seja no cinema. Como visto no capítulo anterior, o teatro ocupou relevante papel na vida grega, primeiro como forma de celebração religiosa ao deus Dionísio e, depois, desenvolveu uma função social e cívica. O marco do início da Idade Média na Europa é o ano de 476 d. C. Nes- se período, o teatro no modelo greco-romano quase tinha desapare- cido, já que as histórias daquele período eram centradas nos mitos de deuses considerados pagãos. Há registros de manifestações popu- lares que resistiram com artistas viajantes, chamados de menestréis, que faziam malabares, imitações e usavam temas jocosos. Também havia os trovadores, interpretando suas cantigas, poesias com temas amorosos ou sátiras, acompanhadas de instrumentos musicais. Para apresentar esse período aos estudantes, é possível dialogar com o componente de Língua Portuguesa para estudar as formas literárias medievais. Na Alta Idade Média, com o fortalecimento da produção agrícola, a crescente população e as trocas comerciais realizadas em feiras, o teatro passa a ser visto nessas praças comuns como forma popular de entreter. Assim, também, a Igreja Católica, que ocupa o poder central no período, passa a utilizar recursos teatrais como facilita- dores dos ensinamentos religiosos, desenvolvendo um drama litúr- gico, trazendo as histórias bíblicas e marcando as comemorações de importantes datas do calendário religioso cristão. Vale lembrar do capítulo 4 da unidade 1, em que falamos do teatro como função moralizante utilizada pelos jesuítas no primeiro momento do Brasil colonial. O drama litúrgico servia para divulgar a moralidade e os mistérios da religião dominante. As encenações, primeiro, foram feitas dentro das igrejas, mas depois ocupavam as praças públicas. Eram monta- gens com muitos recursos figurativos e visuais para ensinar a moral cristã. A arte na Idade Média servia como instrumento para difusão das ideias e preceitos religiosos. É por esse domínio católico que as produções greco-romanos ficaram guardadas e condenadas durante esse período histórico. 104 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 104FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 104 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 Observando os detalhes da imagem a seguir, que busca reproduzir o teatro ao ar livre na Idade Média, é possível notar que há um forte cará- ter religioso. Havia técnicas e maneiras próprias para encenação. As pe- ças, representadas nas praças, ao ar livre, foram se desenvolvendo e por vezes participavam dezenas de pessoas como figurantes, os membros da igreja como padres e cleros assumiam as personagens principais. E a encenação contava com maquinarias que permitiam o deslocamento aéreo de anjos e o surgimento de demônios por alçapões. A origem des- sa maquinaria foi na Antiguidade greco-latina, recurso dramatúrgico que consistia originariamente na descida em cena de um deus cuja missão era dar uma solução arbitrária a um impasse vivido pelas personagens (deus ex machina). P A R A R E F L E T I R As encenações litúrgicas cumpriam a mesma função das imagens, de reforçar o teocentrismo do ponto de vista da Igreja Católica, ensinando os valores dessa religião em sobreposição às outras maneiras de pensar o mundo. Assim, desen- volveram espetáculos próprios para encenar as histórias bíblicas, como o nas- cimento e a ressurreição de Cristo. As principais formas eram os milagres, que contavam as histórias dos santos católicos em peças curtas. Depois, havia os mistérios, em que o protagonista representava a humanidade, contracenando com outras personagens igualmente simbólicas, como os Sete Pecados Capitais, a Sabedoria, a Caridade, a Morte, a Misericórdia ou a Paz. E, ainda, as moralida- des: peças mais curtas, cujas personagens eram alegorias postas em cena com finalidade doutrinadora ou moralizante. Alegoria: abstrações que personificavam ideias, instituições, tipos psicológicos, vícios e virtudes. É um recurso utilizado não apenas no texto oral e escrito, mas também visual. Na literatura alegórica, como as fábulas, ações, qualidades e sentimentos são seres animados, personagens da história. Representação de Mistério na Idade Média. As encenações eram realizadas em locais públicos. C u lt u re C lu b /G e tt y I m a g e s /C ole ç ã o p a rt ic u la r 105 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 105FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 105 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 O ser humano, o corpo e seus vícios foram constantemente tematizados no teatro medieval, trazendo a ideia de que ceder aos desejos humanos é desobedecer a vontade divina. REGISTROS C A D E R N O D E A Paixão de Cristo, encenada todo ano na Nova Jerusalém, no agreste de Pernambuco, é um exemplo de como mistérios medievais ainda se fazem pre- sente nas tradições populares de nosso país. A encenação feita por atores con- vidados e moradores locais atrai inúme- ros turistas que presenciam a represen- tação da passagem bíblica da morte e ressurreição de Cristo. Pesquise sobre a peça, algumas das encenações podem ser encontradas na íntegra na internet, e preste atenção no texto, nos elemen- tos cênicos, se há recursos tecnológicos etc. Anote suas reflexões. Encenação ao ar livre da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, em 2015, Brejo da Madre de Deus, PE. AS INFLUÊNCIAS MEDIEVAIS NO TEATRO A seguir, vamos retomar a biografia de alguns dramaturgos que dialoga- ram com a estética e com os temas do teatro da Idade Média. Gil Vicente (1465-1536), dramaturgo português que viveu na transição da Idade Média para o Renascimento, escreveu textos teatrais que re- tratam aspectos da sociedade medieval no Ocidente. O dramaturgo é conhecido pelos diversos autos moralizantes e farsas falando dos cos- tumes de sua época, criticando valores e questões sociais. Muitas das personagens típicas desse período estão ainda hoje presentes no imagi- nário popular da cultura ocidental. Sua obra mais emblemática é O Auto da Barca do Inferno (1517), em que duas barcas, uma guiada por um diabo e que leva ao Inferno e a outra guiada por um anjo até o Paraíso, aguardam os passageiros para H a n s V o n M a n te u ff e l/ P u ls a r Im a g e n s 106 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 106FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 106 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 decidir quem entra em cada barca. O texto, de forma irônica e carica- tural, mostra o julgamento final de figuras típicas daquela sociedade, como o fidalgo (nobreza), o parvo/tolo (simples camponês), o padre (Igreja), entre outros. Esse importante trabalho de Gil Vicente passou por incontáveis adaptações ao longo dos anos e, ainda hoje, influencia produções literárias e teatrais. Essas raízes ibéricas medievais dos mistérios, milagres e moralidades, assimiladas pela cultura popular nordestina, continuam a fecundar o teatro brasileiro até os dias de hoje. Um exemplo notório é a peça te- atral O Auto da Compadecida (1955), de Ariano Suassuna (1927-2014), que narra as histórias de Chicó e João Grilo, dois amigos que buscam sobreviver diante da miséria, metendo-se nas mais diversas confusões. Com um tom cômico, o auto, vindo da estrutura medieval, mas adap- tado à realidade nordestina, mostra as influências religiosas católicas e remete às questões do Céu e do Inferno presentes no imaginário popular brasileiro. A história recebeu uma versão para o cinema, muito conhecida, em 2000, com direção de Guel Arraes. O Auto da Compadecida recebeu diversas versões teatrais. Uma delas é a montagem do diretor Gabriel Vilela com o grupo mineiro Maria Cutia, em que são explorados o universo circense, músicas populares brasileiras e temáticas contemporâneas. Navegue no canal do Grupo Maria Cutia e veja trechos musicados da peça com canções marcantes da música popular brasileira. ■ BLOCO na rua – Auto da Com- padecida: Grupo Maria Cutia. [S.I.: s.n.], 2020. 1 vídeo (3 min). Disponível em: https://www. youtube.com/wa tch?v=GV4DqDm Gsvs&list=PLeiq4 S6ZO7vjX27RYfU oc-94w-pNkJuha. Acesso em: 17 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A E X P E R I M E N T E ! As heranças medievais europeias se manifestam ainda hoje na cultura brasi- leira, atravessando os imaginários populares e nossas produções. Ariano Su- assuna revela isso com maestria em O Auto da Compadecida, representando um sertão marcado por relações sociais baseadas em laços de fidelidade e trocas de favores vindas do feudalismo medieval, a aristocracia agrária e seus serviçais. Ao mesmo tempo, Suassuna remete a personagens típicas das histórias populares nordestinas e traz figuras cristãs terrenas e divinas na trama. A cena do juízo final reporta ao julgamento das personagens mortas por Cristo e o Encouraçado (Demônio) para decidir quem tem o direito ao Paraíso, mas a figura de Nossa Senhora aparece como uma advogada dos pobres humanos. A lógica de Suassuna revela aspectos coloniais do nosso país, traz uma crítica social profunda por meio de personagens astutas, vin- das da vida do sertão nordestino. Para analisar essas informações com os estudantes ou colegas, proponha a leitura da peça O Auto da Compadecida, debatendo coletivamente os as- pectos formais e temáticos presentes no texto, observando como se dá a interlocução com o teatro medieval. Depois, faça uma sessão do filme e, se possível, de alguma montagem da peça para que se observe a adaptação da obra para essa linguagem. Essa atividade colabora para as competências gerais 3 e 4 e as competências específicas 1 e 6. 107 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 107FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 107 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 https://www.youtube.com/watch?v=GV4DqDmGsvs&list=PLeiq4S6ZO7vjX27RYfUoc-94w-pNkJuha https://www.youtube.com/watch?v=GV4DqDmGsvs&list=PLeiq4S6ZO7vjX27RYfUoc-94w-pNkJuha A RENASCENÇA E O TEATRO DE SHAKESPEARE Na Inglaterra, sob o reinado de Elisabeth I, o teatro caminhou em uma nova direção artísti- ca: o Renascimento. Lá foi o palco das ence- nações do importante dramaturgo ocidental, William Shakespeare (1564-1616), que, em seus dramas históricos, retrata a visão humanista, os conflitos dos seres humanos diante dessa nova sociedade, as crenças ainda enraizadas no ima- ginário medieval, o jogo de poder, elementos da mitologia e, sobretudo, o tema principal: o indivíduo consciente de si mesmo. Pelo crescimento econômico, o teatro elisabe- tano deixou de ser amador e foi se profissio- nalizando, ganhando um novo papel na socie- dade: ele deixou de ter um papel mais focado no entretenimento e passou a ser espaço para vivenciar e questionar os conflitos humanos. A rainha financiou a construção de espaços te- atrais e as companhias. Com as novas desco- bertas, no Renascimento, o ser humano passa ser o centro da sociedade e abandona a pro- ximidade com a Igreja e sua funcionalidade, e a monarquia começa a exigir um teatro que venha enaltecer a nobreza e o homem venha questionar seus valores e atitudes. A dramatur- gia renascentista, conforme contribui Bertolt, também explicitava críticas à corte e a socie- dade que se formava, mostrando personagens desesperadas em busca de poder ou as perdas afetivas ao buscar justiça. Na imagem que abre esta unidade, você pode ver como era a estrutura física de um dos tea- tros mais tradicionais do período elisabetano, mantido até hoje pela Inglaterra, o Globe Thea- tre em Londres. Reveja a imagem e observe a grandiosidade do espaço. Na parte central, abaixo, ficavam as pessoas de classe mais baixa, assistindo, em pé, já nas galerias laterais, às figuras influentes do Reinado. Foi nesse teatro que Shakespeare e sua companhia fizeram várias apresentações de seus célebres textos. O teatro era acessível a todas as camadas sociais. A dramaturgia de Shakespeare mergulhou na história da própria Inglaterra, trazendo as rela- ções de poder e os problemas vindos daí, como vingança, assassinatos, rivalidades, amores im- possíveis, centrando seu teatro na palavra, nos conflitos entre os indivíduos e do próprio sujei- to com sua consciência. Assim, era uma ence- nação pautada na dramaturgia,no desenvolvi- mento de ricos diálogos, enfatizando esse novo homem que pensa sobre si mesmo, o seu des- tino e quer dominar a sua realidade. Shakespeare criou diversas peças, algumas clássicas, como Romeu e Julieta, Macbeth e, também, comédias, como Sonho de uma Noite de Verão e A Megera Domada, revelando, em sua dramaturgia, o pensamento humanista, os valores de uma nova sociedade e eternizando conflitos humanos. Uma das obras mais conhecidas do autor é Hamlet, com a célebre frase: “Ser ou não ser, eis a questão”. Trata-se da história de um jovem príncipe, Ha- mlet, que após ver o fantasma de seu pai, então rei da Dinamarca, descobre que ele foi assas- sinado por seu irmão Cláudio, tio de Hamlet, que almejava o poder, e se casa com a mãe do príncipe. O drama mostra o conflito de Hamlet entre vingar ou não a morte de seu pai, mas Shakespeare usa essa personagem e seu con- flito como metáfora para as mudanças de seu tempo. A cena em que Hamlet, aflito, reflete se deve ou não vingar a morte do pai ficou consagra- da no universo artístico como uma metáfora do homem que questiona sua existência, colo- cando-se como responsável por seu destino e escolhas. Recebeu várias versões tanto no tea- tro como cinema e em pinturas. Você pode vê- -la na interpretação de Pedro Américo, em sua pintura sobre Hamlet. Perceba a intensidade da ação, colocada no texto e na imagem a seguir, a tormenta do príncipe diante de suas escolhas. 108 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 108FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 108 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 E X P E R I M E N T E ! Proponha a leitura de Hamlet com os estu- dantes e faça uma leitura compartilhada do trecho em que a personagem principal fala a célebre frase “Ser ou não ser, eis a ques- tão”. Depois, faça a análise dos conflitos de Hamlet e estabeleça relações com o pensa- mento renascentista, como as questões exis- tenciais, o indivíduo e seus embates pesso- ais colocados na centralidade da obra. É um bom caminho para chamar o(a) professor(a) de História e Filosofia, ampliando os debates e compreendendo a mudança da visão teo- cêntrica para antropocêntrica. Esta proposta colabora para as competências gerais 1, 3, 4 e 7 e para a competência específica 6. Uma montagem teatral brasileira que ficou muito conhecida e foi aclamada pela crítica é a montagem de Romeu e Julieta do Grupo Galpão, com a direção de Gabriel Vilela. A montagem transpõe a história para o contexto da cultura popular brasileira, trazendo personagens como palhaços em pernas de pau e rica visualidade de tradição cômica circense, mas preservando o texto shakespeariano. A primeira versão foi realizada em 1992 e a montagem também foi realizada no próprio Globe Theatre na Inglaterra em 2000 e 2012. Para saber mais, visite o site do grupo, disponível em: http:// www.grupogalpao. com.br/romeu-julieta/, acesso em: 30 nov. 2020, e veja um trecho da peça no canal do Sesc Belenzinho. ■ ROMEU & Julieta: Grupo Galpão. [S. I.]: Sesc, 2012. 1 vídeo (3 min). Disponível em: https://www. youtube.com/ watch?v=lsCsp- mSuWc. Acesso em: 30 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A Visão de Hamlet, de Pedro Américo, 1893 (óleo sobre tela, 164,5 cm × 97 cm – Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo). A COMMEDIA DELL’ARTE – TEATRO POPULAR A Commedia dell’arte foi uma vertente popular do teatro renascentista. Também chamada de Commedia all’improviso e Commedia a soggetto, ela surgiu entre os séculos XV e XVI, na Itália, país que ainda mantinha viva a cultura do teatro popular da Antiguidade Clássica e se opôs à “Comédia erudita”. Embora tenha surgido na Itália, esse modelo chegou mais tarde à França com o nome “Comédia italiana” onde permanece até o século XVIII, quando ocorreu a reforma da comédia proposta por Carlos Goldoni (1701-1793). Suas apresentações eram realizadas nas ruas e praças públicas e par- tiam sempre de um roteiro, o canovaccio, onde os atores interpretavam suas personagens e contavam uma história usando muitos elementos de comédia, acrobacias, improvisando e interagindo com o público. As personagens da Commedia dell’arte eram caricaturadas, tipificadas e estereotipadas e possuíam três categorias distintas: os enamorados, os criados e os patrões. As personagens condutoras eram: Arlequim, Pantaleão, Capitão, Polichinelo e Colombina. Uma característica muito marcante nas apresentações, além do figurino colorido de suas perso- nagens, era o uso de máscaras e de posturas corporais que desenhavam o tipo social da personagem. R e p ro d u ç ã o /P in a c o te c a d o E s ta d o d e S ã o P a u lo , S ã o P a u lo , S P. 109 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 109FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 109 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 https://www.youtube.com/watch?v=lsCsp-mSuWc https://www.youtube.com/watch?v=lsCsp-mSuWc https://www.youtube.com/watch?v=lsCsp-mSuWc http://www.grupogalpao.com.br/romeu-julieta/ http://www.grupogalpao.com.br/romeu-julieta/ Nas companhias, cada ator era responsável por dar vida a uma única personagem, assim, eram especialistas, criando um universo próprio de gestos, movimentos e ações. Tratava-se de um teatro fortemente improvisacional, em que, com base no roteiro, eram criados espontanea- mente os diálogos e as ações, buscando temas pertinentes à população local, satirizando cos- tumes e acontecimentos. O declínio da Commedia dell’arte chegou no século XVIII, quando foi incorporado o tex- to dramático, perdendo seu caráter popular e improvisado. Aqui estamos diante da reforma goldoniana da comédia, em que o autor de tea- tro Carlos Goldoni utiliza a Commedia dell’arte para criar encenações cômicas; no entanto, ao reconfigurá-la, usando o texto dramático como base, acaba por criar uma outra forma teatral. E X P E R I M E N T E ! Nesta atividade, proponha aos estudantes uma pesquisa sobre as persona- gens típicas da Commedia dell’arte, traçando quais são suas características principais e como se relacionam com figuras sociais do contexto histórico da- quele período. Solicite então que façam grupos e cada um crie uma perso- nagem tipificada para os dias de hoje em nosso país, quais seriam as figuras sociais presentes em nossa vida, etc. Depois, peça para que desenhem sua vestimenta característica e que tracem quais seriam a postura corporal, os gestos, as falas e as ações comuns. Ao final, solicite que socializem as cons- truções com o coletivo. Quem sabe, criar pequenas situações improvisadas com base em acontecimentos do nosso cotidiano. A proposta colabora para as competências gerais 1, 2, 4 e 7 e para as competências específicas 1, 4 e 5. Personagens da Commedia dell’art com figurinos e máscaras. O DRAMA BURGUÊS Na França do século XVIII, surgiu um novo gênero de teatro, o drama bur- guês, no qual se pretendia trazer os novos anseios e pensamentos con- solidados pela ascensão da burguesia no poder e a queda da monarquia. O intuito era representar as histórias não mais dos reis e seus conflitos, e sim a criação de personagens que produzissem um elo empático com o espectador, um envolvimento e identificação com o cidadão comum. A proposta mais conhecida nas teorias do teatro é a do filósofo e es- critor francês Denis Diderot (1713-1784). Ele criou a ideia de que entre D e a P ic tu re L ib ra ry /A lb u m / F o to a re n a /B ib lio te c a d e A rt e d e B e rl im , B e rl im , A le m a n h a 110 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 110FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 110 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 a tragédia e a comédia clássicas deveria ser instaurado um gênero teatral: o drama bur- guês, que deve envolver o público na trama, trazendo personagens individualizados, re- pletos de complexas emoções. Os tiposuni- versais e atemporais devem ser substituídos por personagens com densidade psicológica, resultantes das condições do meio em que vi- vem, mostrando seus conflitos profissionais e sentimentais, conflitos dados no campo das interações sociais nessa nova sociedade que se constituía, exaltando os valores da burgue- sia nascente. O espectador no drama deve estar inteiramen- te absorvido na trama, acompanhando as per- sonagens, identificando-se com os conflitos ali representados, como se ele vivesse a vida da- quelas personagens. Do drama burguês surge o melodrama no sé- culo XVIII, que inicialmente trazia músicas e uma estrutura similar da ópera, mas progres- sivamente se caracterizou por um forte apelo sentimental, dando ênfase às emoções e bus- cando a comoção do público. O melodrama ressalta as características das personagens em suas virtudes e vícios e trabalha com a noção de verossimilhança, isto é, identificação com a realidade, tornar a representação tão crível que ela possa ser tomada como verdade pelo públi- co. Até os dias de hoje, o melodrama influencia as produções da indústria do entretenimento, como as telenovelas. TEATRO ÉPICO: QUEBRA FICCIONAL Com o surgimento das vanguardas artísticas no início do século XX, há uma ruptura com os padrões vigentes até então nas diferentes linguagens da arte. A representação realista passa a ser questionada não apenas nas artes visuais, mas também na linguagem teatral. Nesse sentido, o poeta, dramaturgo e ence- nador alemão Bertolt Brecht (1898-1956), que chegou a fazer parte do movimento expressio- nista, sistematizou o Teatro Épico, uma forma de representação que quebra a quarta pare- de (correspondente ao público), a ilusão de realidade e trata de assuntos questionadores, principalmente sociais e políticos, com o obje- tivo de provocar e, quem sabe, assim, desper- tar uma consciência crítica no espectador, de modo que busque reflexões em suas ações na sociedade. É importante ressaltar que o Teatro Épico de Brecht se vale de certos elementos do gênero épico aristotélico, mas não podem ser confundidos, já que possuem distintas funções. Brecht acreditava que o drama realista no tea- tro, fechado na quarta parede, levava o especta- dor a um estado de fascínio que o tirava de sua realidade, fazendo com que assistisse passiva- mente ao espetáculo sem estabelecer relações de sua vida em sociedade em uma perspectiva analítica. Por isso, defendia que era preciso que- P A R A R E F L E T I R Você assiste ou já assistiu a telenovelas brasileiras? Que funções a telenovela ocupa na vida do cotidiano da população brasileira? Que mecanismos são usados para envolver e conquistar o público? Reflita sobre as questões e aprofunde sua análise com a leitura do artigo: ■ SILVA, Lourdes. Melodrama e telenovela: dimensões históricas de um gênero/formato. 9º Encontro Na- cional de História da Mídia, 2013. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/9o- encontro-2013/artigos/gt-historia-da-midia-audiovisual-e-visual/melodrama-e-telenovela-dimensoes- historica-de-um-genero-formato. Acesso em: 30 nov. 2020. 111 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 111FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 111 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 brar esse efeito anestésico, propondo uma rela- ção de diálogo com o espectador, que deveria ser ativo e assumir uma postura crítica durante a apresentação da temática. Brecht produziu seu teatro durante o período de guerras mundiais e isso se reflete em sua dramaturgia, que traz os conflitos do homem em relação ao poder e à so- ciedade, fazendo uma crítica ao crescente capi- talismo do momento, ao processo exploratório do trabalhador e às lutas de classes. O contexto que Brecht viveu foi fundamental para sua cria- ção. Suas peças e propostas refletem a Alema- nha entreguerras, a ascensão do Nazismo, a de- vastação do território, a perseguição dos judeus e a constante eminência da morte. A função social da arte, para Brecht, é a de li- bertação. Segundo o próprio dramaturgo, “o que permanece inalterado há muito tempo, pa- rece ser inalterável” (BRECHT, 1978, p. 116), por isso, os recursos cênicos eram utilizados com o objetivo de causar um “estranhamento”, o cha- mado “efeito de distanciamento” (Verfremdun- gseffekt, em alemão) no espectador. Brecht se opõe ao efeito catártico no teatro em que o es- pectador expurga seus sentimentos por meio da trajetória do herói, ele apresenta elementos que causam um estranhamento no espectador, algo incomum. Esse incomum gera uma obri- gatoriedade de raciocínio, tentando fazer com que o espectador crie um sentido naquela situ- ação, dessa forma pode analisá-la criticamente e assumir uma posição política diante de sua própria realidade. Ele questionava o que esta- va convencionado, por exemplo, em cena de guerra, onde só há destruição, o que causa mais estranhamento: uma jovem com vestido de de- butante com um rifle ou uma moça de uniforme militar com um rifle? Qual dessas imagens causa mais reflexões sobre o que a guerra destrói? No Teatro Épico de Brecht, os acontecimentos não são mostrados com naturalidade, como um curso comum da vida das personagens, e sim são colocados à prova, exigindo uma explica- ção e uma postura reflexiva do espectador. Ele deixa de se identificar emocionalmente com as personagens e a história e é convocado a anali- sar aquilo que lhe é apresentado na encenação. Para romper com a representação realista e ge- rar esse estranhamento no espectador, a ence- nação épica considera que o público faz parte da história e utiliza diversos recursos cênicos, chamados de recursos de distanciamento. Por exemplo, costuma-se ter a presença de um nar- rador que já conhece a história e se reporta ao público, ora perguntando algo para os espec- tadores, ora voltando no tempo à história re- presentada. Outras vezes, quem cumpre essa função é o coro, que também se vale de can- ções para comentar o que está sendo mostrado, colocando outros pontos de vista ou indaga- ções sobre a cena. Além disso, os próprios ato- res rompem com a representação realista das personagens, direcionando perguntas à plateia e assumindo distintas personagens diante do público com a mudança de figurinos e postura. P A R A R E F L E T I R Para entender melhor como um texto teatral épico é estruturado, busque na internet o excerto “Monólogo de uma atriz enquanto se maquia” de Bertolt Brecht. Leia o fragmento, observando como a personagem se apresenta para o público, e depois reflita sobre o efeito de distanciamento proposto na cena. Quais são as características que definem a personagem? Como você pode observar, Brecht escreve fazendo com que as duas camadas sejam evidenciadas para o espectador-leitor: a personagem ficcional e a atriz com suas escolhas ao representá-la. Enquanto o drama realista, presente nas telenovelas, mostra a personagem em um ponto de ilusão que leva o es- pectador a entender como realidade, o Teatro Épico escancara os próprios recursos da representação e apresenta a personagem em sua perspectiva histó- rica (passado e presente), causando um estranha- mento que convoca um papel reflexivo na plateia. 112 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 112FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 112 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 TEATRO ÉPICO NA AMÉRICA LATINA Na América Latina, o Teatro Épico se desenvolveu a partir da década de 1950, acarretando importantes mudanças na forma de produção teatral do continente. Brecht influencia a dramaturgia, que se volta para temas mais pertinentes à realidade dos países, com abordagens mais sociais com modos de criação coletiva. Há exemplos de dois grupos que ficaram conhecidos por se utilizarem das teorias de Brecht e do Teatro Épico para sua produção. Um, mais antigo, é o Teatro Experimental de Cali (TEC), da Colômbia,fundado em 1955, e o outro é a Companhia do Latão de São Paulo, que surgiu em 1997 pela iniciativa de Sérgio de Carvalho. Ambos os grupos são atuantes até hoje. Uma das muitas peças da Companhia do Latão é A Comédia do Traba- lho (2000), que traz o tema das relações de trabalho, da exploração e dos grandes investimentos e multinacionais. O espetáculo foi apresenta- do não somente em teatros e festivais, mas também em fábricas, esco- las e sindicatos. Narra a história de uma antiga província que, diante de uma crise financeira e o aumento do número de desemprego, lida com a tentativa de suicídio de um homem no alto do prédio em que trabalhou durante dez anos, achando que é sua culpa a demissão. A peça traz as personagens como alegorias, tipos sociais, algo típico do Teatro Épico e das práticas de Brecht, como o desempregado, o ban- queiro, a polícia, tratando de uma temática social pertinente até hoje – as questões do trabalho dentro da sociedade capitalista. O Teatro Experimental de Cali (TEC), por sua vez, foi fundado em 1955, na cidade de Santiago de Cali (Colômbia), por Enrique Buenaventura (1927-2003), dramaturgo, diretor e pesquisador teatral. Apesar da im- portância da figura de Buenaventura, uma das principais contribuições do grupo para o campo teatral é o método de criação coletiva, segundo o qual, dentro da perspectiva épica, todos os envolvidos com o aconteci- mento teatral (não apenas os atores, mas também o público) colaboram com a encenação e com o texto dramático. A forma épica aparece como uma marca nas peças de Buenaventura e na direção de Jacqueline Vidal, pois foi somente com a abertura da cena e a historicidade promovida pelo Teatro Épico moderno que o TEC con- seguiu alcançar seus objetivos. A reflexão sobre a realidade colombiana sempre esteve no horizonte do trabalho do grupo, por isso o tema da violência sofrida pelo país e pelo continente se mostrou necessariamente presente na cena do TEC. O grupo sempre esteve interessado em colocar no palco as forças com- ponentes dessa violência para levantar a discussão da nossa história passada e nosso futuro (CARBONARI, 2006). Conheça o portal Dramaturgia Dialética, do pesquisador Sérgio de Carvalho, que também é encenador e dramaturgo da Companhia do Latão e professor livre-docente na Universidade de São Paulo na área de dramaturgia. Neste site, estão disponíveis diversos de seus textos e entrevistas. ■ SÉRGIO DE CAR- VALHO. Dramatur- gia Dialética. Dis- ponível em: https:// sergiodecarvalho. com. Acesso em: 7 dez. 2020. 113 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 113FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 113 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 https://sergiodecarvalho.com/ https://sergiodecarvalho.com/ https://sergiodecarvalho.com/ E M A Ç Ã O ! A PEÇA O CÍRCULO DE GIZ CAUCASIANO Nesta proposta, que pode ser aplicada para os estudantes, você e seus colegas devem ler a peça teatral O Círculo de Giz Caucasiano (1943-1945), escrita por Brecht. Analisem o texto e criem uma leitura dramática de cenas escolhidas, buscando reconhecer os elementos épicos propostos pelo dramaturgo e, depois, comparar o texto original com a proposta de montagem realizada pela Compa- nhia do Latão em 2006, em que se atualiza a discussão social proposta na peça para o contexto atual brasileiro. S ilv ia C o n s ta n ti /F o lh a p re s s Ensaio da peça O Círculo de Giz Caucasiano, da Companhia do Latão, em 2006, no Rio de Janeiro, RJ. A atividade proposta exercita a leitura de textos teatrais bem como a possibi- lidade de criar momentos de leituras dramáticas na escola. Além disso, é um caminho para aguçar o interesse pela arte teatral e mostrar como textos de outros contextos históricos possuem relevância hoje e são usados por grupos brasileiros em suas montagens, trazendo ao público importantes reflexões de nossa sociedade. Utilizar esta vivência em sala de aula com os estudantes mobi- liza as competências gerais 1 e 3, as competências específicas 1 e 3 e o trabalho com a dimensão 2. O Círculo de Giz Caucasiano dá indícios de que se passa no contexto da Re- volução Russa. Trata-se da disputa de duas comunidades caucasianas (uma agrícola e outra pastoril) pelo direito à terra, após a Segunda Guerra Mundial. É feita uma assembleia para decidir quem são os donos do local, o povo de origem que a abandonou durante a batalha ou quem ali ficou e cuidou do local. Quem media o conflito era um Delegado da Comissão Estatal de Reconstrução da capital. Somada a questão principal, há a história da personagem Gruscha Vaschandze, uma serviçal do reino invadido que criou Miguel, filho do gover- nador morto por sua própria mãe no momento da revolta, portanto a criança herdeira daquelas terras. 114 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 114FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 114 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 Etapa 2 Agora, compartilhe a leitura do artigo da autora Sonia Pascolati sobre a mon- tagem O Círculo de Giz Caucasiano feita pela Companhia do Latão em 2006 e veja, no canal do grupo, o prólogo criado para espetáculo, atualizando as discus- sões sobre o direito à terra nos dias de hoje em nosso país: ■ PASCOLATI, Sonia. O Círculo de giz caucasiano pela Companhia do Latão. Ur- dimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, [S. l.], v. 1, n. 26, p. 235-253, 2016. DOI: https://doi.org/10.5965/1414573101262016235. Disponível em: https://www. revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101262016235. Acesso em: 26 nov. 2016. ■ PRÓLOGO de O Círculo de Giz Caucasiano do Latão. [S. I.]: Companhia do Latão, 2016. 1 vídeo (13 min). Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=lXbkhCaFGGU. Acesso em: 26 nov. 2020. O início da peça traz uma interação em vídeo com a participação do grupo Fi- lhos da Mãe Terra, formado por crianças e adolescentes do assentamento Carlos Lamarca, do MST, em Sarapuí (SP). REGISTROS C A D E R N O D E Discuta o texto e a estrutura épica com base nas seguintes questões e faça suas anotações no ca- derno de registro. 1 Como Brecht apresenta o conflito principal? 2 Como as personagens e suas trajetórias são desenvolvidas? 3 Quais efeitos de distanciamento há no próprio texto teatral? MATERIAIS: ■ Texto teatral O Círculo de Giz Caucasiano e equipamentos com acesso à inter- net para a leitura dos materiais e vídeos propostos. PROCEDIMENTOS: Etapa 1 Com o texto disponível, organize um prazo para que todos possam ler e estimule os estudantes a trazerem seus questionamentos reflexivos ou dúvidas para o momento coletivo em sala. Depois, definam um momento para a leitura compartilhada de algumas cenas que você escolher. Lembre-se que pode ser uma leitura em que se colocam as intenções das personagens, dando vida àquelas histórias. Depois, reflita em gru- po sobre a peça. 115 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 115FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 115 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 https://doi.org/10.5965/1414573101262016235.%20Dispon%C3%ADvel%20em:%20https://www.%20revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101262016235 https://doi.org/10.5965/1414573101262016235.%20Dispon%C3%ADvel%20em:%20https://www.%20revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101262016235 https://www.youtube.com/watch?v=lXbkhCaFGGU https://www.youtube.com/watch?v=lXbkhCaFGGU R E V E R B E R A Ç Õ E S REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: UM INSTRUMENTO INVESTIGATIVO Ao trabalhar a historicidade das formas teatrais diversas, é importante incenti- var a pesquisa como instrumento na construção do conhecimento, entendendo que por meio dela é possível acessar e descobrir antigos e novos contextos. Des- sa forma, incentivar o caminho investigativo e curioso se faz primordial. A pesquisa na aprendizagem deve superar a ideia recorrente de coleta de dados e transmissão passiva de informações. É preciso alargar as possibilidadesinves- tigativas e aguçar o interesse dos estudantes. Dessa forma, o(a) professor(a) tem a função de incentivar, orientar e gerenciar a busca de pesquisas, indicando caminhos, exemplos e subsídios. Uma das formas de pesquisar assuntos sobre as formas teatrais e os momen- tos históricos é a revisão bibliográfica, que se trata de partir de livros, artigos e produções já existentes para então compreender conceitos e se aproximar de tais universos. Oriente-os a buscar fontes confiáveis, como artigos acadêmi- cos, bibliotecas digitais de universidades e instituições da área, como também expandir as possibilidades para produções audiovisuais, como documentários, entrevistas, séries, entre outros. A pesquisa na escola não deve ter apenas a intenção de ocupar o estudante, mas instigá-lo a adotar um caráter curioso e dialógico em sua jornada de vida, buscando fontes confiáveis, exercendo sua capacidade leitora, construindo e compartilhando o conhecimento. Lido o artigo e visto o prólogo em vídeo que era usado pela Companhia do Latão no espetáculo, discuta como o texto de Brecht é encenado com base no contexto da sociedade brasileira e como se dá a transposição do conflito principal, a disputa de terras, para os dias de hoje. Discuta como o uso do pró- logo em vídeos com depoimentos reais acerca do assunto de disputa de terras trazidos nessa peça de Brecht é um dos recursos de distanciamento usados pela Companhia do Latão, levando o espectador a uma abordagem crítica do que será representado. P A R A R E F L E T I R 116 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 116FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 116 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001. Esse livro é uma referência na área ao abordar o teatro em diversos contextos históricos. BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1978. O livro traz a visão de Brecht sobre o fazer teatral e sua experiência com Teatro Épico. CARBONARI, Marília. Teatro épico na América Latina: estudo comparativo da dramaturgia das peças Preguntas inutiles, de Enrique Buenaventura (TEC-Colômbia), e O nome do sujeito, de Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano (Companhia do Latão-Brasil). 2006. Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina) – Integração da América Latina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/ disponiveis/84/84131/tde-12092007-172644/pt-br.php. Acesso em: 26 nov. 2020. A dissertação reflete sobre o Teatro Épico do TEC-Colômbia e da Companhia do Latão-Brasil, analisando espetáculos dos respectivos grupos. LE GOFF, Jacques; TRUONG, Nicolas. Uma história do corpo na Idade Média. Tradução: Marcos Flamínio Pires. Revisão técnica: Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. Os autores investigam historicamente a noção de corpo na história europeia medieval, centrando os interesses na tensão entre corpo e alma trazido pelo catolicismo. PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. O livro traz conceitos-chaves do universo teatral e seus usos e contextos. BIBLIOGRAFIA COMENTADA 117 FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 117FC_TEATRO_g21At_101a117_U2_C6.indd 117 14/01/2021 14:4514/01/2021 14:45 https://teses.usp.br/teses/disponiveis/84/84131/tde-12092007-172644/pt-br.php https://teses.usp.br/teses/disponiveis/84/84131/tde-12092007-172644/pt-br.php 7C A P ÍT U L O S E T E PLURALIDADE DO TEATRO BRASILEIRO OBJETIVOS ■ Aprofundar os conhecimentos sobre o contexto histórico do teatro brasileiro. ■ Analisar as contribuições estéticas e conceituais criadas por artistas ao longo da história do teatro no país. ■ Conhecer os trabalhos de atores, diretores e dramaturgos brasileiros. ■ Conduzir e analisar a apresentação de seminários. JUSTIFICATIVA Conhecer o passado é a melhor forma de entender o presente e projetar ações no futuro. É nesse sentido que as diversas fases históricas do teatro brasileiro são apresentadas neste capítulo. A relação do teatro com as demandas sociais e políticas existem desde a chegada dos portugueses ao Brasil. Ao longo da história nacional, o teatro estabeleceu novas formas de es- tar presente nas ações, representar as ideologias e colaborar com os confrontos de forças na arena pública. Compreender como a linguagem cênica foi modificando e sendo modificada por esses embates é funda- mental para realizar as práticas artísticas e pedagógicas de nossos dias de maneira efetiva e crítica. Da comédia de costumes e seus tipos sociais desenvolvida por Martins Pena no século XIX, passando pelo show de variedades, com músicas, dan- ças e sátiras que faziam retrospectivas dos principais acontecimentos do ano durante as apresentações das vedetes do teatro de revista, na virada do século XIX para o XX, pelas companhias de atores famosos do começo do século XX e suas montagens de textos estrangeiros, pela dramaturgia das peças de tese e suas ideias sobre questões sociais, até o retrato das subjetividades burguesas descrito nas obras de Nelson Rodrigues, só para dar alguns exemplos, temos um valioso panorama das características da sociedade brasileira nos centros urbanos em diferentes períodos históricos. Nessa perspectiva, conhecer a pluralidade do teatro brasileiro hoje requer contextualizá-lo desde sua origem e por diferentes pontos de vista. Daí a importância de pensar esse trabalho em uma perspectiva interdisciplinar que comungue saberes de outros componentes curriculares, como a Lín- gua Portuguesa e Literatura, a História, a Sociologia e a Filosofia. 118 FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 118FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 118 14/01/2021 14:4714/01/2021 14:47 REGISTROS C A D E R N O D E Observe as imagens do espetáculo O Pena Carioca (2015), direção de Daniel Herz, e anote suas percepções. A montagem justapõe elementos de algumas peças de um dos nossos primeiros dramaturgos, Martins Pena, que retratou a sociedade brasileira entre o fim do período de Regência e início do Segundo Reinado. 1 Que tipos sociais estão representados nas imagens? Eles ainda existem na sociedade hoje? 2 Que aspectos mostrados caracterizam esses personagens/tipos sociais? 3 Reflita sobre como o teatro brasileiro vem retratando as variedades de pessoas e temas sociais ao longo da história. 4 Se você fosse criar sua própria peça teatral, que tipos sociais você transformaria em personagens hoje e por quê? S E N S I B I L I Z A Ç Ã O C h ic o L im a /A c e rv o d o f o tó g ra fo C h ic o L im a /A c e rv o d o f o tó g ra fo Cena de O Pena Carioca, de Daniel Herz, Rio de Janeiro, 2015. Outra cena de O Pena Carioca, de Daniel Herz, Rio de Janeiro, 2015. 119 FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 119FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 119 14/01/2021 14:4714/01/2021 14:47 Entre o início das atividades teatrais no Brasil no século XVI, com a chegada dos jesuítas, e a montagem de O Pena Carioca, no século XXI, temos um período de 500 anos de história que nos leva das peças de padre José de Anchieta (1534-1597) às criações teatrais baseadas nas vertentes mais contemporâneas do teatro. Ao longo desse tempo, o teatro brasileiro, que se desenvolveu a partir da evangelização indígena, passou por movimentos artísticos e estéticos como o Romantismo (e a criação de textos que exaltaram as belezas na- turais do país), temas sobre contextos sociais e históricos, como os cos- tumes da população, a ditadura militar das décadas de 1960 e 1970 e a luta pelo empoderamento e pela representatividade social de mulheres, negros, indígenas e movimentos a favor da diversidade de gênero, como temos presenciado nas últimas décadas. Atravessando esses períodos históricos, o teatro se configurou como uma linguagem artística com uma incrível variedade estéticae temática. E, muitas vezes, rompeu completamente com as convenções do teatro clássico, utilizando lugares não convencionais para se manifestar, como barcos, igrejas, praças, hospitais, entre outros espaços, por meio de pro- cessos de criação em que o texto teatral e a encenação são construídos coletivamente e efetivados com a participação e interação ativa dos es- pectadores na realização do acontecimento teatral. Este capítulo tratará dos caminhos de construção desses aspectos his- tóricos do teatro brasileiro. PRIMEIRAS FUNÇÕES DO TEATRO NO BRASIL Entre as ações de catequização organizadas por jesuítas como Manuel da Nóbrega (1517-1570) e José de Anchieta, considerado um dos primei- ros autores e dramaturgos brasileiros, estavam as encenações durante festividades que aconteciam em praças, pátios de mosteiros, escolas e igrejas para mostrar aos indígenas e demais colonos os preceitos e his- tórias religiosas da vida de santos da Igreja Católica, baseados na luta do bem contra o mal, de Deus contra o diabo. Anchieta se destaca por ser o primeiro a mesclar os autos e mistérios em castelhano, formatos teatrais muito utilizados na Europa medieval, com a língua portuguesa e as línguas e narrativas indígenas. Entre suas principais peças, estão o Auto na Vila de Vitória, Auto na aldeia de Gua- raparim e o Auto da Pregação Universal, escritas e encenadas em uma mistura de latim, tupi, língua geral e língua portuguesa. Sábato Magaldi (2004), um dos mais importantes pesquisadores da his- toriografia teatral brasileira, afirma que houve um vazio de dois séculos Para saber mais sobre o trabalho do diretor carioca Daniel Herz com as peças de Martins Pena, assista ao vídeo: ■ DANIEL Herz papeia com Aderbal sobre a comédia de costumes de Martins Pena. [S. l.]: TV Brasil, 2015. 1 vídeo (23 min). Disponível em: https://youtu. be/z_p9qlKUYSU. Acesso em: 10 dez. 2020. A P R O F U N D A R P A R A Língua geral é o termo utilizado para as línguas de base indígena que eram faladas por várias etnias no Brasil durante o período colonial. 120 FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 120FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 120 14/01/2021 14:4714/01/2021 14:47 https://www.youtube.com/watch?v=z_p9qlKUYSU&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=z_p9qlKUYSU&feature=youtu.be entre o término das atividades dos jesuítas e a primeira metade do sécu- lo XVIII, possivelmente provocado pela mudança de perfil econômico no país, com a criação de povoados maiores que não necessitavam da ação de catequização, e pelas batalhas contra os franceses e holandeses, que alteraram as condições propícias para as criações artísticas. Nesse pe- ríodo de aproximadamente dois séculos, há registros históricos de ativi- dades esporádicas ligadas a festividades nas vilas. Na segunda metade do século XVIII, há o surgimento de edifícios tea- trais e casas de ópera em algumas cidades brasileiras, entre elas Rio de Janeiro, Salvador e Vila Rica (atual Ouro Preto). Nesses espaços, eram feitas apresentações de textos de autores estrangeiros, principalmente da França e da Itália, como Molière (1622-1673) e Carlo Goldoni (1707- -1793), cerimônias diversas e acontecimentos políticos. Saiba mais sobre a Casa da Ópera de Ouro Preto: ■ COLEÇÕES: Palcos Brasileiros – Casa da Ópera de Ouro Preto. [S. l.]: SescTV, 2013. 1 vídeo (5 min). Dis- ponível em: https:// youtu.be/R0UdX-_ ke80. Acesso em: 2 dez. 2020. A P R O F U N D A R P A R A A gradativa construção de casas de ópera nas grandes vilas e cidades pelo Brasil afora a partir de século XVIII abriu campo para a consolida- ção de companhias teatrais e longas temporadas, mas ainda com a par- ticipação exclusiva de atores homens e de classes mais baixas. A CHEGADA DA FAMÍLIA REAL Em 1808, a família real portuguesa chega ao Brasil e passa a promo- ver uma sistemática modernização dos hábitos culturais, científicos, educacionais e artísticos na colônia, embora ainda voltados às classes dominantes. Em 28 de maio de 1810, Dom João VI assinou um decreto cujo objetivo era a construção de teatros adequados para a nobreza portuguesa. Tais espaços, e os repertórios neles encenados, eram to- talmente inspirados nos padrões europeus. Um dos primeiros prédios construídos nesses moldes foi o Real Theatro de São João, no Rio de Vista interna da Casa da Ópera de Ouro Preto, atualmente Teatro Municipal de Ouro Preto, o mais antigo teatro em funcionamento das Américas. Construído por João de Souza Lisboa em 1769 e inaugurado nas festividades do aniversário do rei Dom José I, em 6 de junho de 1770. R u b e n s C h a v e s /P u ls a r Im a g e n s 121 FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 121FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 121 14/01/2021 14:4714/01/2021 14:47 Janeiro, inaugurado em 13 de outubro de 1813, que passou por várias mudanças de nome – Imperial Theatro São Pedro de Alcântara (1826) e Theatro Constitucional (1831) – até receber seu nome atual, Teatro João Caetano, em 1923. Do ponto de vista dramatúrgico, foi com o poeta Gonçalves de Maga- lhães (1811-1887) que o Romantismo chegou ao Brasil, e com ele a criação de textos voltados ao nacionalismo, que exaltavam a grandeza e beleza de nosso território. Em 13 de março de 1838, o Theatro Constitucional recebeu a estreia do espetáculo Antonio José ou o Poeta e a Inquisição (MAGALDI, 2004), escrito por Magalhães em homenagem ao drama- turgo e poeta António José da Silva Coutinho (1705-1739), nascido no Brasil, mas que viveu e foi morto numa fogueira pela inquisição católica em Portugal, sob acusação de ser judeu. A peça foi montada pela companhia de teatro do ator e empresário João Caetano (1808-1863), outra figura importante desse período por empreender a criação de uma companhia teatral na cidade do Rio de Janeiro que não dependesse de atores estrangeiros. No mesmo ano da montagem do texto de Gonçalves de Magalhães, a companhia de João Caetano estreou o trabalho de um dos dramaturgos brasileiros mais importantes daquele período, responsável por introduzir a comédia de costumes nos palcos do país: Martins Pena (1815-1848). Martins Pena levou aos palcos, em suas 20 comédias e 6 dramas, temas como a política, a situação do estrangeiro, do sertanejo e do homem da cidade, os tipos e vícios humanos, os clichês das profissões da época, assuntos de família, conflitos de interesses e mais uma gama de temas dos quais até hoje tratamos em muitas montagens contemporâneas. Assista a um vídeo sobre Martins Pena: ■ CIÊNCIA e Letras – Martins Pena. [S. l.]: Canal Saúde, 2015. 1 vídeo (26 min). Disponível em: https://youtu. be/tqTtwU6mbmE. Acesso em: 2 dez. 2020. A P R O F U N D A R P A R A E X P E R I M E N T E ! Leia uma das peças de Martins Pena e reflita sobre a semelhança de sua obra com os tipos sociais da atualidade. Esta atividade, em conjunto com o exposto até o momento, colabora para o diálogo com as competências gerais 1, 2 e 3 da BNCC, com as competências específicas 2 e 6 da área de Linguagens e suas Tecnologias e com a dimensão 3, ao relacionar as peças de Martins Pena com o reconhecimento e a análise dos perfis de comportamentos contemporâneos. Você pode realizar atividades de leitura simples ou leituras dramáticas com os estudantes e promover con- versas sobre o contexto social do século XIX comparado ao nosso momento atual. É interessante pensar em um planejamento em conjunto com os(as) professores(as) de Língua Portuguesa e História para possi- bilitar diferentes pontos de vista sobre as temáticas dos textos de Martins Pena. Nessa perspectiva, vocês ainda podem pesquisar a biografia e obra de outros autores do período, como França Júnior (1838-1890). As peças estão em domínio público e podem ser encontradas pesquisando o nome do autor pelo link: ■ DOMÍNIO PÚBLICO.transformadoras no âmbito da vida social. Diante desta abordagem dialógica e integrada, a avaliação também deve ser mediadora, seu foco não deve estar na verificação somativa de aquisi- ção de informações ao final dos processos educa- cionais, mas, sim, na mediação de tais processos, fornecendo dados contínuos ao longo do percurso formativo para aferir os caminhos, os avanços das práticas de ensino-aprendizagem e as possibilida- des de correções das ações de todos os envolvidos. Para Hoffmann (2009), avaliar envolve valor e va- lor envolve pessoas, portanto, é na perspectiva da construção, da confiança e da autorreflexão que se deve seguir. A natureza transdisciplinar das práticas teatrais no contexto escolar são a base metodológica desta obra, pois favorecem o desenvolvimento de muitos dos aspectos descritos acima, como, por exemplo, oferecer espaços que promovam as colaborações necessárias aos trabalhos com componentes curri- culares integrados. O caráter polifônico das peda- gogias teatrais contemporâneas propicia condições para a troca de experiências individuais e coletivas, criadas pelo encontro entre as pessoas, pelo jogo improvisacional e a interação dialógica com outras artes e tecnologias digitais. As motivações que daí surgem facilitam a criação de ambientes adequados para debates e reflexões sobre os mais diversos assuntos, das culturas ju- venis, passando pela compreensão de aspectos artísticos e culturais que colaboram com a cons- tituição das subjetividades dos indivíduos, entre elas a do(a) próprio(a) professor(a), até o desen- volvimento expressivo e domínio da linguagem tea- tral (DESGRANGES, 2003; 2006; KOUDELA, 1998; 2007; RYNGAERT, 2009). 8 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 8FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 8 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 ABORDAGEM DE CADA DIMENSÃO DIMENSÃO 1 – O CONHECIMENTO DE SI E TRAJETÓRIA PROFISSIONAL A formação é um processo constante de autoconhe- cimento e reflexões; o(a) professor(a), em sua prá- tica pedagógica, deve se reconhecer como sujeito singular e compreender seu papel na sociedade. É uma trajetória que exige um olhar para si mesmo, buscando os significados pessoais e as direções profissionais. A prática docente é uma inter-relação entre o campo que integra a subjetividade do(a) professor(a), tendo em vista sua história de vida, valores, crenças e sonhos, e o campo que integra a vida cotidiana escolar, o sistema de ensino, familiar e social. Portanto, as decisões se dão na relação entre intenções pessoais e as situações contextuais. O trabalho com a dimensão do conhecimento de si possibilita um olhar reflexivo para a própria trajetória de vida, as escolhas, desejos e as direções tomadas a partir da análise das situações contextuais ali presen- tes. Ancorados em Tardif (2002), podemos dizer que o(a) professor(a) constrói seus princípios norteado- res por meio da relação entre seu saber experiencial e o trabalho escolar. Sob essa perspectiva, convidamos o(a) professor(a) a refletir sobre si mesmo, perceben- do-se como sujeito do próprio processo formativo. Esta dimensão do conhecimento de si se faz pre- sente no percurso da obra e nas atividades e refle- xões propostas para que você seja capaz de ela- borar sua própria narrativa pessoal, chamada de autobiográfica, conforme contribui Nóvoa (2000), dando espaço para reconstruir sua história de vida, pensar em sua trajetória profissional, tomar consci- ência das teorias implícitas em sua prática pedagó- gica, superar os medos e criar experiências signifi- cativas, compreendendo, como Bondía (2009) nos diz, que a experiência é aquilo que nos atravessa, que nos transforma. Considerando que a narrativa autobiográfica tem como referência a relação entre a história de vida, o modo de lidar com as emoções, as relações com os grupos de convívio do indivíduo e as institui- ções formadoras do sujeito, ela se torna poderosa estratégia para pensar sobre si mesmo e as esco- lhas, assim, aproximamos esta forma narrativa com uma proposta de dramaturgia teatral na unidade 3, transformando em experimento artístico a própria memória de vida. Tomamos, aqui, a noção de professor(a) pesquisador(a) e mediador(a) cultural de Cou- tinho (2013) ao entender que o docente toma a posição de investigador da prática pedagógica e que não se distancia de sua própria narrativa, pelo contrário, ela indica caminhos possíveis para as reflexões e aponta as mudanças e direções. O(A) professor(a) também é visto como mediador(a) cultural, aquele(a) que, como sujeito de uma co- munidade interpretativa, é capaz de criar uma teia de relações entre os saberes, fazeres, instituições e os jovens em uma perspectiva que se insere na pluralidade da sociedade contemporânea. Assim, pretendemos contribuir para que você, professor(a), possa: • olhar para si mesmo e sua trajetória de vida, iden- tificando seus interesses, necessidades e anseios; • reconhecer-se como sujeito singular, lidando com suas emoções e analisando seu percurso profis- sional e as situações contextuais do momento; • compreender a natureza investigativa, dialógi- ca e processual do trabalho docente, assumindo compromisso com seu crescimento pessoal e profissional; • reconhecer-se como agente social da comunida- de, assumindo o compromisso com o bem comum e buscando superar as próprias dificuldades por meio do engajamento em ações colaborativas com os estudantes, demais educadores e profis- sionais da educação. DIMENSÃO 2 – O CONHECIMENTO SOBRE TEATRO POSTO EM DEBATE Quais conhecimentos teatrais construídos, acumula- dos e organizados curricularmente pela humanida- de ao longo dos séculos são disponibilizados para professores(as) e estudantes nas escolas? De que forma esses conhecimentos são transmitidos? Quais passaram por atualizações ao longo da história do 9 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 9FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 9 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 teatro e como os entendemos hoje? Como podemos avaliar a influência da força dos meios tecnológicos digitais de comunicação que afetam as artes em ge- ral, e o teatro em particular, em nosso contexto pós- -moderno, condicionando mudanças muito rápidas nas formas de perceber e estar no mundo? As questões acima sintetizam o universo da di- mensão 2 sobre o conhecimento disciplinar, com- posta pela reflexão sobre os cânones teatrais que, geralmente, condicionam nosso entendimento da linguagem do teatro em práticas escolares. Nesta obra, tais saberes curriculares sobre o teatro são abordados pela perspectiva pós-dramática, dialó- gica e polifônica dos elementos técnicos, estéticos conceituais e pedagógicos que compõem as ma- nifestações teatrais contemporâneas, descritas por autores como Hans Thies Lehmann (2008). Entendemos que essa perspectiva é propícia, justa- mente, por abrir canais de diálogo, reflexão e práticas pedagógicas entre o passado histórico do teatro, e da sociedade, e as tendências contemporâneas de ensino da Arte. A condição pós-dramática dos acon- tecimentos teatrais, em que os diferentes elementos da cena (atuação, texto, cenografia, iluminação, di- reção etc.) se manifestam em pé de igualdade co- laborativa para a construção de sentidos múltiplos com base na experiência do espectador, conforme descreve Desgranges (2003; 2006), fornece analo- gias e procedimentos artísticos interessantes para se analisar tanto os conhecimentos teatrais em si quan- to as relações interdisciplinares necessárias para a formação do estudante do Ensino Médio. É nessa troca de experiências polifônicas no tea- tro que se cotejam as atividades educacionais do passado e do presente que envolvem as manifesta- ções teatrais na escola. Por meio das propostas de experimentações desta obra, amparadas na con- textualização histórica e dialética,Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 2 dez. 2020. 122 FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 122FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 122 14/01/2021 14:4714/01/2021 14:47 https://www.youtube.com/watch?v=tqTtwU6mbmE&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=tqTtwU6mbmE&feature=youtu.be Após esse momento inicial da dramaturgia brasileira com a comédia de costumes, outros nomes importantes do Romantismo foram se desta- cando, ocupando espaços que eram da literatura portuguesa e escre- vendo peças e textos com características de exaltação e estética na- cional, como Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) e Gonçalves Dias (1823-1864). Nesse período do teatro no Brasil, buscava-se criar uma identidade com base em princípios nacionalistas do Romantismo, seguido pela descrição realista da sociedade, característica do Realismo. Vale destacar a impor- tância de Artur Azevedo (1855-1908) na transição entre o Romantismo e o Realismo, na segunda metade do século XIX. Além do engajamento em diversas atividades teatrais de sua época, também era defensor da abolição da escravidão no Brasil e escreveu as peças O liberato, de 1881, e A família Salazar ou O escravocrata, de 1884, sobre o tema. Outros textos de sua autoria, como O mandarim, de 1884, foram decisivos para o início da consolidação do gênero de teatro de revista e do teatro mu- sical no Brasil. Tais peças, inspiradas no vaudeville francês, passavam em revista, de forma cômica e satírica, os acontecimentos do ano anterior. Artur Azevedo escreveu ainda A capital federal, em 1889, e O mambem- be, em 1904, duas peças ainda muito montadas atualmente. TEATRO DE REVISTA Da segunda metade do século XIX até a primeira metade do século XX, o gênero de teatro de revista figurou nos palcos de grandes cidades brasileiras, em especial do Rio de Janeiro, como uma forma de diver- timento rápido que, muitas vezes, foi classificada por críticos teatrais como acontecimentos que pouco colaboraram para a consolidação do teatro brasileiro. Polêmicas à parte, o fato é que a revista se popularizou com seus números musicais coreografados, repletos de paródias, sátiras e muito humor sobre temas cotidianos do país. Dividida em atos, com prólogos, quadros de comédias, quadros de fantasias luxuosas, cenas de cortina – apresentadas com as cortinas do palco fechadas, nos momentos de transição dos quadros –, entra- das de personagens caricaturados para fazer monólogos, apoteoses conduzidas por uma espécie de mestre de cerimônias, o compére (do francês, compadre), as revistas aconteciam geralmente uma vez por ano. Suas origens remetem à commedia dell’arte, com forte apelo po- pular e muito improviso dos artistas durante as cenas. Seu declínio, no fim da primeira metade do século XX, está ligado à popularização do rádio, do cinema e da TV como formas de entretenimento de massa (VENEZIANO, 2013). Sua história pode ser dividida em três momentos: o primeiro está liga- do às peças de Artur Azevedo; o segundo tem a influência da música Vaudeville é um gênero teatral de origem francesa composto de uma série de quadros musicados justapostos que geralmente faziam sátira a acontecimentos recentes com a finalidade de entreter o público. Também é conhecido como teatro de variedades. 123 FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 123FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 123 14/01/2021 14:4714/01/2021 14:47 norte-americana, país onde a revista também alcançou grande sucesso no começo do século XX, e com o processo de sensualização do corpo feminino a partir da influência da companhia francesa de variedades Bataclan, na década de 1920; e o terceiro momento está relacionado com a produção de grandes e luxuosos espetáculos a partir da déca- da de 1940 sob responsabilidade do premiado produtor Walter Pinto (1913-1994) no Teatro Recreio, na cidade do Rio de Janeiro. Segundo a pesquisadora Neyde Veneziano (1991), o teatro de revista con- tribuiu para que o palco brasileiro conhecesse nossos tipos populares, costumes, formas de divertimento, música, dança e folia carnavalesca, re- velando grandes nomes da cena e da música brasileira, como Carmem Miranda (1909-1955), Dercy Gonçalves (1907-2008), Oscarito (1906-1970), Chiquinha Gonzaga (1847-1935), Íris Bruzzi (1935-), entre outros. Para conhecer mais sobre o trabalho do produtor Walter Pinto, acesse o vídeo: ■ O ACERVO do pro- dutor Walter Pinto na Funarte. [S. l.]: Funarte, 2010. 1 vídeo (9 min). Dis- ponível em: https:// youtu.be/wgpL_ S-ycfI. Acesso em: 2 dez. 2020. A P R O F U N D A R P A R A No início do século XX, no auge do movimento modernista de 1922, o teatro brasileiro se dividia entre as peças de entretenimento das comé- dias de costume e do teatro de revista e os textos conhecidos como peças de tese. Esses textos propunham a defesa de ideias e reflexões fi- losóficas, políticas ou morais (daí o nome “peça de tese”) feitas por seus autores sobre questões sociais do momento, retomaram as sátiras sobre questões nacionais introduzidas por Martins Pena e eram dramaturgi- camente mais elaborados do que o teatro de revista, com indicações precisas de como o texto deveria ser montado. Nesse período, tais montagens baseadas nos textos teatrais que ex- pressavam as teses sociais de seus autores contavam com a parti- Cena de espetáculo de teatro de revista em casa de show na cidade de São Paulo, em 1962. A rq u iv o d o j o rn a l O E s ta d o d e S . P a u lo /A g ê n c ia E s ta d o 124 FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 124FC_TEATRO_g21At_118a132_U2_C7.indd 124 14/01/2021 14:4714/01/2021 14:47 https://www.youtube.com/watch?v=wgpL_S-ycfI&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=wgpL_S-ycfI&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=wgpL_S-ycfI&feature=youtu.be cipação de atores que se tornaram ídolos populares, capazes de atrair grande público pelo simples fato de participar das peças (MAGALDI, 2004). A peça Deus lhe pague, de Joracy Camargo (1898-1973), estreou em 1932 com a companhia de um desses astros da época, o ator e escritor Procópio Ferreira (1898-1979), e é considerada um dos marcos do teatro social na dramaturgia brasileira ao colocar duas personagens moradoras de rua em cena para debater temas da sociedade industrial burguesa que nascia no país. Deus lhe pague foi a primeira peça nacional a ser encenada fora do Brasil. Ainda pertencente à herança do período mo- dernista brasileiro, mas radicalizando na pro- posta de crítica ao contexto político-social de dependência do capital estrangeiro para a in- dustrialização e ascensão da burguesia brasi- leira, temos o caso especial do texto O rei da vela, escrito por Oswald de Andrade em 1933, publicado em 1937, mas encenado pela primei- ra vez somente em 1967 pelo antológico diretor José Celso Martinez Corrêa, Zé Celso, (1937-), do qual falaremos adiante. AS ESCOLAS DO TEATRO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO Em meio a essa efervescência do teatro no Brasil durante a primeira metade do século XX, várias iniciativas de formação de grupos foram criadas pelo país, caracterizando verda- deiras escolas, algumas com o objetivo de for- mar novos profissionais, outras para fomentar atividades teatrais de caráter social, voltadas para pessoas comuns e estudantes. Nascia a vontade de desenvolver no país uma manei- ra de fazer teatro que não fosse pautada pelo domínio das peças de tese, das comédias de costumes e, principalmente, da hegemonia dos grandes atores e atrizes. Nascia o desejo de que as peças fossem pautadas pela figura do diretor/encenador. Em 1938, o diplomata, crítico, autor e diretor teatral Paschoal Carlos Magno (1906-1980) decide criar o Teatro do Estudante do Brasil (TEB), baseado nos exemplos de teatros uni- versitários europeus, com a dupla função de formar estudantesos cânones da linguagem teatral são colocados em debate, como, por exemplo, os perfis da função de diretor teatral (ROUBINE, 1998) e sua relação com o trabalho do(a) professor(a)-mediador(a), ou as práticas de monta- gens de peças baseadas apenas na hegemonia de textos dramáticos, de modo que o(a) professor(a) possa ampliar suas perspectivas de entendimento sobre teatro e suas formas de atuação profissional. Na perspectiva dos estudantes, praticar teatro pelo viés dialógico e dialético permite colocar sob rasu- ra conceitos artísticos que muitas vezes necessitam ser ressignificados no contexto escolar para permi- tir não só a compreensão de si e do outro, como também as relações sociais, culturais e econômicas que afetam diretamente a vida desses estudantes. Um exemplo dessa relação dialética e dialógica com o conhecimento teatral em interação com a vida é a própria noção de construção de personagens, ven- dida pela grande mídia do entretenimento como ti- pos pré-formatados (mocinho, velho avarento, galã, entre outros), e que, nesta obra, é construída por meio da observação atenta da gestualidade, dos padrões vocais, corporais e das memórias dos pró- prios estudantes e professores(as). São objetivos desta obra, para os conhecimentos de teatro: • compreender a origem histórica dos conhecimen- tos teatrais; • analisar suas relações com os diferentes contex- tos sociais; • estudar os elementos constitutivos da linguagem; • conhecer e praticar as pedagogias teatrais na rea- lidade escolar. DIMENSÃO 3 – O TRABALHO INTERDISCIPLINAR POR ÁREA DE CONHECIMENTO Como dito anteriormente, é na prática interdisciplinar e transdisciplinar que a potência do trabalho peda- gógico com teatro pode alcançar sua plenitude na escola. Considerando as origens históricas das disci- plinas escolares e sua importância na sistematização dos saberes da humanidade, tal como aponta Ivani Fazenda (2006), e atentos às reflexões de Edgar Mo- rin (2000) sobre o perigo de os conhecimentos fi- carem isolados e fragmentados em partes que não permitem a compreensão do todo, e sobre o papel da educação contemporânea em evitar tais fragmen- tações e fornecer meios para correlacionar os com- 10 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 10FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 10 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 ponentes curriculares em ações que colaborem no entendimento da complexidade da vida, da natureza, das sociedades e suas culturas e do cosmo, optamos por, nesta obra, enfatizar como as práticas teatrais contemporâneas e pós-modernas colaboram para essa necessária integração entre os campos do saber. São indicações contidas nos textos, nas experi- mentações práticas, nos boxes com informações e sugestões de aprofundamento dos temas, nos de- bates com professores e estudantes, nos registros escritos e nos apontamentos para pesquisas com- plementares que materializam o convite para que o(a) professor(a) trabalhe a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade proposta neste livro sob pers- pectiva teatral. Na troca de experiências e na construção coletiva do conhecimento, manifestadas, por exemplo, du- rante as improvisações, criações e montagens de cenas com base em temas e conceitos originários de diferentes fontes de informação, técnicas digi- tais e linguagens artísticas, que se intercomunicam articuladas nas atividades teatrais, está a predile- ção pelos processos pedagógicos em detrimento dos produtos alcançados. Dessa forma, o ensino por área de conhecimento a partir do teatro, de maneira interdisciplinar e trans- disciplinar, é entendido como meio de proporcionar aos estudantes experiências estéticas, sensíveis e cognitivas que colaboram com a compreensão de diferentes saberes por pontos de vista dialéticos que abrangem dimensões psicológicas, históricas, culturais, e que expandem seus significados na re- lação com a vida social. Do ponto de vista docente, a integração entre os componentes curriculares de forma contextualizada visa facilitar sua compreensão sobre os macropro- cessos educacionais com os quais ele próprio cola- bora em sua comunidade escolar. Tal compreensão facilita o entendimento de seu papel social e a for- mulação de projetos de desenvolvimento profissio- nal que levem em consideração sua própria trajetó- ria de vida, e as formas de interação com os demais professores e conhecimentos. São seus saberes da experiência, conquistados ao longo de sua história, os maiores bens aos quais o(a) professor(a) pode- rá somar os frutos da interação interdisciplinar bem planejada e com os quais ele(a) poderá nutrir as ex- periências de vida de seus pares e dos estudantes. São objetivos sobre integração curricular nesta obra: • apresentar os caminhos para construir a interdis- ciplinaridade curricular por meio da linguagem teatral; • relacionar os saberes específicos do Teatro com as dimensões subjetivas e com contextos socio- culturais; • fomentar as reflexões sobre a importância de tra- balhar temas transversais, pertinentes aos modos de vida da atualidade; • desenvolver processos de ensino-aprendizagem em teatro na perspectiva dialógica, buscando a integração curricular. DIMENSÃO 4 – POR UMA AVALIAÇÃO MEDIADORA Entendemos a avaliação como um ato pedagógi- co que fornece subsídios às decisões do(a) profes- sor(a) e autoconhecimento para o estudante, identi- ficando os interesses, conhecimentos e dificuldades, e indicando direções para o agir pedagógico. Para tal tarefa é necessário criar uma cultura avaliativa, assim adotamos concepção de avaliação formativa e mediadora, que se dá durante todo processo de ensino-aprendizagem. Há uma mudança da pers- pectiva da avaliação como verificação de informa- ções para ser colocada a serviço das aprendizagens, que deve ter significado dentro da realidade local. Centra-se atenção nos sujeitos aprendentes, sendo benéfica para estes, porque os ensina a se avaliarem, e para os(as) professores(as), porque propicia que avaliem, além dos estudantes, a si mesmos. Diversificar os instrumentos de avaliação, adequando às necessidades e pluralidade dos estudantes e con- sonantes a decisões coletivas da escola, um envol- vimento entre equipe gestora e corpo docente, que devem estar engajados na reflexão sobre formas de avaliar e os percursos de aprendizagem. Além disso, as avaliações externas e institucionais precisam ser contextualizadas e seus resultados, refletidos. 11 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 11FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 11 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 Apoiando-se em autores da educação como Lu- ckesi (2011) e Hoffmann (2009), a abordagem da avaliação concentra-se no encerramento de cada capítulo, na seção Reverberações, em que são apre- sentadas as estratégias, instrumentos de avaliação e caminhos reflexivos a partir daí, auxiliando o(a) professor(a) sobre processos avaliativos quando a prática pedagógica está orientada para o desenvol- vimento de competências socioemocionais. Na perspectiva de avaliação mediadora e formativa, as trocas entre professores e estudantes e a relação de confiança estabelecida são fundamentais, pois compartilham de uma jornada de aprendizagem em que ambos devem se auto-observar. A sistematiza- ção da avaliação é a ferramenta que fornece pistas sobre problemas de aprendizagem e como superá- -los, como definir metas coletivas e pessoais, como ferramenta para replanejamento, portanto o(a) professor(a) deve estar aberto(a) à escuta e aos di- álogos com seus pares e com os jovens. São objetivos desta obra sobre a avaliação: • apresentar estratégias e instrumentos de avalia- ção diversificados e adequados às necessidades dos estudantes e ao trabalho pedagógico com teatro; • construir formas de avaliação participativa, con- sonantes às decisões coletivas da escolae em que o estudante se sinta confiante para avaliar o seu próprio curso, buscando superar suas difi- culdades; • compreender a avaliação como ferramenta para refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem, melhorando não só o que se aprende, mas como se ensina; • criar estratégias de avaliação em diálogo com as competências socioemocionais da BNCC, envol- vendo o estudante e promovendo processos que visam ao autoconhecimento e à autonomia para continuar aprendendo. A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E ARTE NO CURRÍCULO INTEGRADO A Base Nacional Comum Curricular 1 é prevista no artigo 26 da LDB 9.394/1996, cuja função é estabe- lecer um documento prescritivo que balize a elabo- ração dos currículos da Educação Básica em todo o território nacional a partir de premissas como o desenvolvimento global e a formação socioemo- cional dos estudantes, por meio de habilidades e competências. Composta por dois documentos distintos e comple- mentares, a BNCC se divide entre seu texto para o Ensino Infantil e Fundamental e o texto para Ensino Médio, homologado pelo Ministério da Educação em 14 de dezembro de 2018. A Base, como ficou co- nhecido o documento, opera por meio de dez com- petências gerais, que perpassam todas as etapas da educação básica; competências específicas de cada área de conhecimento e habilidades, que estão vin- culadas a essas competências específicas. Na BNCC, o conceito de educação é regido pelo desenvolvimento das competências e habilida- des, que pressupõem o desenvolvimento daquilo que os estudantes precisam “saber” e o que eles precisam “saber fazer” em cada etapa educacio- nal, e de acordo com as características de sua fai- xa etária. A BNCC organiza a duração do Ensino Médio em três anos e inclui a possibilidade de escolha de iti- nerários formativos que facilitem o projeto de vida dos estudantes. Além disso, a BNCC prevê que o Ensino Médio se caracterize não apenas pelo apro- fundamento dos conhecimentos desenvolvidos na etapa do Ensino Fundamental, como também es- teja voltado ao aprimoramento e desenvolvimen- to da autonomia e pensamento crítico, de modo a garantir a compreensão dos fundamentos científi- cos e tecnológicos relacionados à teoria e à prática 1 Você pode consultar o documento completo da BNCC por meio do link: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ images/historico/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site_110518.pdf. Acesso em: 19 dez. 2020. 12 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 12FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 12 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 contidas nos componentes curriculares, bem como à preparação para o mundo do trabalho e à forma- ção cidadã. O Ensino Médio está dividido em quatro áreas do conhecimento na BNCC: Linguagens e suas Tecno- logias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, que devem ser trabalhadas de forma individual, mas, principalmente, de maneira que haja o fortalecimento e contextualização das relações curriculares entre elas. A área de Linguagens e suas Tecnologias, composta pelos componentes curriculares Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa, busca pro- mover a integração das propostas de aprendizagem de seus componentes por meio do desenvolvimen- tos de sete competências da área, fazendo uso das habilidades específicas de cada componente, em re- lação aos campos de atuação social: campo da vida pessoal, campo das práticas de estudo e pesquisa, campo de atuação na vida pública, campo jornalísti- co-midiático e o campo artístico-literário. Arte como componente curricular da área de Lin- guagens e suas Tecnologias está inserida na parte comum da BNCC e é composta pelas linguagens ar- tísticas: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, e seus correlatos, como audiovisual e artes circenses. A BNCC considera que os jovens do Ensino Médio, com base em suas trajetórias de vida, aprimorem o autoconhecimento, aprendam a lidar com as emo- ções, identifiquem suas capacidades intelectuais e expressivas sobre seus projetos de vida, o mundo do trabalho e, gradativamente, ampliem a participação na vida pública e na produção cultural. A Arte e suas linguagens permitem olhar as diversas produções que constituem as culturas juvenis, como as danças, música, cultura corporal, a moda, as expressões na internet etc., de forma a promover a reflexão sobre as práticas socioculturais e grupos identitários. Dessa maneira, a BNCC define a Arte como área do conhecimento humano que contribui para o desen- volvimento de projetos autorais, da capacidade refle- xiva, criativa e expressiva dos jovens em consonância com o conhecimento de si e o exercício da alteridade. O documento pontua as relações entre as manifes- tações culturais, as criações artísticas e as conexões com as novas tecnologias que permitem um campo profícuo de diálogos com a sociedade. Assim, pro- cessos criativos e reflexivos na Arte permitem que os sujeitos se tornem abertos às novas percepções e experiências em uma perspectiva sensível. É proposto que os estudantes explorem as lingua- gens artísticas, como teatro, façam conexões com temáticas sociais, com inquietações e interesses pertinentes ao contexto sociocultural, consideran- do as novas tecnologias e seus espaços de com- partilhamento. A BNCC indica algumas abordagens sobre como as artes podem ser trabalhadas: Esses processos podem emergir de temas nor- teadores, interesses e inquietações, e ter, como referência, manifestações populares, tradicio- nais, modernas, urbanas e contemporâneas. [...] No decorrer desses processos, os estudantes podem também relacionar, de forma crítica e problematizadora, os modos como as manifes- tações artísticas e culturais se apresentam na contemporaneidade, estabelecendo relações entre arte, mídia, política, mercado e consu- mo. Podem, assim, aprimorar sua capacidade de elaboração de análises em relação às pro- duções estéticas que observam/vivenciam e criam. (BRASIL, 2018, p. 482-483) Diante disso, a Arte se torna um campo do saber importante para o desenvolvimento integral dos jo- vens, um espaço para percepção sensível, exploran- do o potencial imaginativo, crítico e estabelecendo diálogos com a sociedade. 13 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 13FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 13 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 O R G A N I ZAÇÃ O D A OBRA Esta obra é composta por três unidades que abrangem, cada uma delas, quatro capítulos sobre assuntos relacionados aos temas gerais de cada unidade. Os temas gerais estão divididos em pos- sibilidades e perspectivas do trabalho docente com teatro na atualidade, em contextualizações históricas sobre a atividade teatral em diferentes tempos e espaços, e nas especificidades técnicas e pedagógicas do fazer teatral. Cada unidade e seus capítulos apresentam relações com as dimensões da formação docente, bem como articulam os sa- beres e vivências com as competências gerais e competências específicas da área de Linguagens e suas Tecnologias propostas pela BNCC para o Ensino Médio. Além disso, ao final de cada unida- de, há uma proposta de vivência a ser realizada coletivamente com os estudantes, integrando os conhecimentos abordados. Veja a seguir uma breve descrição das unidades. UNIDADE 1 Esta unidade, intitulada O trabalho docente e a mediação cultural: possibilidades e perspec- tivas, traz reflexões sobre a prática docente e o trabalho pedagógico com o teatro e sua presen- ça na sociedade. É composta pelo capítulo 1, Na trilha do teatro, cujo foco é debater a influência da indústria cultural sobre os padrões estéticos hegemônicos nas artes cênicas. Este capítulo tem entre suas práticas a proposta de criação de um grupo de debates e a compreensão sobre avalia- ção diagnóstica. No capítulo 2, Teatro e coleti-vidades, são abordadas as diferentes formas de manifestação teatral em comunidades, grupos de culturas tradicionais e instituições que dão for- mação teatral. Esse capítulo propõe a criação de uma cartografia sobre as atividades teatrais na localidade do(a) professor(a) e debate a impor- tância dos mapas mentais nos processos de con- solidação e avaliação do conhecimento. O capítulo 3 desta unidade, Mediação Cultu- ral como projeto docente, apresenta e discute a importância dos processos de mediação cultural para a prática docente e propõe o desenvolvimen- to de um projeto de mediação teatral como forma de mobilizar a comunidade escolar. Traz, ainda, o relatório de percurso ou pesquisa como meio de registro e avaliação das experiências vivenciadas pelos professores e estudantes. Já o capítulo 4, Te- atro na escola: breve contexto, apresenta a con- textualização histórica do ensino de Arte e do Te- atro na educação brasileira. Esse capítulo propõe também a organização de um encontro cultural que visa mobilizar artisticamente a escola e res- salta a importância do caderno de registro como instrumento de avaliação para o(a) professor(a). Ao final da unidade a proposta é a criação de uma rede de articuladores culturais do território em que a escola está inserida. UNIDADE 2 Intitulada O teatro e as sociedades, a unidade 2 trata da contextualização histórica do teatro des- de suas origens. O capítulo 5, A teatralidade nos ritos ancestrais, traz os ritos fundantes das ma- nifestações teatrais e mostra como eles estão presentes ainda hoje, mesmo que de forma mo- dificada, nas atividades teatrais contemporâneas. Nesse capítulo é também proposto um ciclo de contações de histórias sobre mitos de diferentes culturas, seguidos de debates. A importância da roda de conversa como instrumento de avaliação qualitativa dos processos educacionais é desta- cada. O capítulo 6, O Teatro revela questões so- ciais, avança pela contextualização histórica do período entre a Idade Média até a Modernidade, mostrando as questões sociais que perpassaram as atividades teatrais desses períodos. O capítulo em questão traz a proposta de leitura dramática como ação integradora e sintetiza os tipos de prá- ticas de pesquisa e seus resultados como meios de aquisição de conhecimentos para professores(as) e estudantes. O capítulo 7, Pluralidade do teatro brasileiro, por sua vez, faz um percurso no teatro brasileiro, focando em grupos, montagens e mar- cos históricos, e propõe, igualmente, a realização de um seminário de pesquisa e os critérios de ava- 14 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 14FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 14 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 REGISTROS C A D E R N O D E Para iniciar o trabalho, observe a imagem de uma trupe viajante do século XVII, em uma forma de teatro popular e improvisado, e reflita sobre as informações que podem ser apreendidas. 1 Associe a forma de teatro apresentada com algum grupo ou alguma manifestação teatral da atuali- dade que você aprecie. 2 Quais elementos chamam sua atenção na imagem? Por quê? O que é possível apreender sobre o contexto histórico retratado? 3 Quais são as formas de registro da arte teatral que você teve contato em sua prática profissional? Faça suas anotações em seu caderno de registros. Você vai retomá-las ao fim do capítulo. S E N S I B I L I Z A Ç Ã O R e p ro d u ç ã o /M u s e u d o L o u v re , P a ri s , F ra n ç a . Apresentação de commedia dell’art, de Karel Dujardin, 1657 (Óleo sobre tela, 450 cm × 520 cm – Museu do Louvre, Paris). 102 liação para a atividade em questão. Já o capítulo 8, Hibridismos contemporâneos – teatro e outras linguagens, trata da cena teatral contemporânea, as formas plurais e os cruzamentos com outras linguagens artísticas. É colocado como ação prin- cipal, nesse capítulo, a produção de podcasts so- bre o assunto e o uso das novas tecnologias como instrumento de aprendizagem. Ao final da unidade a proposta é a produção de um seminário sobre relações entre teatro e sociedade. UNIDADE 3 Elementos da linguagem e pedagogias teatrais é uma unidade dedicada a aprofundar os elementos específicos da linguagem teatral e trazer pedago- gias teatrais pensadas na realidade dos jovens do Ensino Médio. O capítulo 9, Jogos improvisacionais: expressividades amplificadas, tematiza os jogos te- atrais, a abordagem improvisacional e propõe uma vivência com criação de personagens por meio dos jogos de Viola Spolin, bem como suas contribuições quanto à avaliação nessa perspectiva. O capítulo 10, Dramaturgias: um caminho para narrativas auto- biográficas, traz as possibilidades dramatúrgicas e um percurso com narrativas autobiográficas para a escrita teatral, finalizando com a relevância da au- toavaliação durante o processo de ensino-apren- dizagem. O capítulo 11, Visualidades, sonoridades e tecnologias, aborda os elementos específicos da montagem teatral e propõe a criação de instalações que se relacionem com as escritas autobiográficas anteriores e o uso das avaliações mistas como fer- ramentas de reflexão sobre as aprendizagens. O ca- pítulo 12, Práticas teatrais como espaço de debate social, por fim, aprofunda as vivências com as técni- cas do teatro do oprimido, de Augusto Boal, e suas possibilidades em discutir problemáticas sociais. O capítulo também trata das formas de direção teatral, propõe cenas teatrais com base em notícias e o uso do artigo de opinião como ferramenta avaliativa. Ao final da unidade é proposta uma montagem teatral. Sensibilização: No início do capítulo, a seção abre com uma imagem que visa explorar seus conhecimentos prévios, experiências e opiniões acerca do tema abordado. Caderno de registro: O caderno de registro objetiva registrar as observações e opiniões para que sejam revisitadas durante o percurso. 1C A P ÍT U L O U M NA TRILHA DO TEATRO OBJETIVOS ■ Compreender o conceito de teatro e a diversidade de acontecimentos teatrais. ■ Compreender o conceito de indústria cultural. ■ Analisar a influência da indústria cultural na criação de padrões esté- ticos para consumo e entretenimento. ■ Promover diálogos sobre a influência da indústria cultural no âmbito escolar e profissional docente. ■ Debater o acesso a espaços e bens culturais. ■ Evidenciar a avaliação diagnóstica como forma de aferir a com- preensão preliminar dos estudantes sobre processos teatrais de ensino/aprendizagem. JUSTIFICATIVA A compreensão de como as práticas de ensino/aprendizagem teatrais podem acontecer na escola é determinada pela concepção do que é teatro e de como se faz teatro. Dessa forma, é importante refletir so- bre esses pontos e debater quais são as influências internas e externas ao contexto escolar que direcionam, quando não moldam, a definição de teatro na escola e suas possibilidades pedagógicas. Nesse contexto, dialogar sobre as origens históricas que colocaram as narrativas dramá- ticas em destaque, em detrimento de outras formas teatrais, e como os meios de comunicação em massa atuam para consolidar esse tipo de narrativa no imaginário coletivo, por meio de filmes, novelas, séries etc., é fundamental para ampliar as possibilidades de ações e acontecimentos teatrais realizados com os estudantes para além dos padrões estéticos hegemônicos. Ampliar o olhar para as possibilidades de ação com teatro permite ex- pandir as perspectivas de atuação e aprimoramento do projeto de de- senvolvimento profissional e pessoal. Neste capítulo, será possível com- preender alguns dos mecanismos da indústria cultural na divulgação e consolidação de padrões estéticos e culturais, e como os indivíduos são estimulados a não refletirem sobre a influência desses padrões de con- sumo em suas vidas. 20 Abertura de capítulo: Apresenta os objetivos do capítulo,assim como um texto que expõe a importância do conteúdo na formação docente. O T E A T R O E A S S O C IE D A D E S U N ID A D E PARA COMEÇAR...22 O teatro é uma arte coletiva, uma forma de expressão social e política da humanidade. Por isso, ele pode ser usado como fonte documen- tal em pesquisas históricas, permitindo criar profícuas relações entre as práticas teatrais e os contextos socioculturais. Esta unidade traz essas relações e aponta caminhos para diálogos com temáticas da contemporaneidade. No capítulo 5, são estudados os ritos e a ancestralidade, buscando compreender a maneira pela qual a teatralidade se manifesta nas práticas culturais de diferentes grupos sociais e a importância dos mitos gregos na constituição da linguagem teatral como entende- mos até hoje no pensamento ocidental. No capítulo 6, são revisi- tados determinados contextos históricos, como a Idade Média e a constituição de um imaginário católico, presente, ainda hoje, na li- teratura e em manifestações populares brasileiras; a transição para os pensamentos humanistas do Renascimento e a vivacidade da Commedia dell’arte em seu jogo cênico de improvisação; o legado de Shakespeare e sua forte presença nas versões cinematográficas; o drama burguês e a verossimilhança e identificação no processo de recepção da obra, tal como são mobilizadas nas telenovelas e seriados atuais; e, por fim, o Teatro Épico de Brecht e a postura crí- tica diante dos fatos representados. Já o capítulo seguinte traz os hibridismos na arte contemporânea, para, então, no último capítulo, traçar o caminho do teatro brasileiro. A unidade traz com força a dimensão 2 ao tratar da historicidade do teatro ocidental, as formas teatrais, suas características e prin- cipais grupos e teóricos. A dimensão 3 está presente nos diálogos possíveis entre Teatro, Literatura e as formas de pensamento, abrin- do campo exploratório em História, Filosofia e Língua Portuguesa com os estudantes. Além disso, as vivências propostas por capítulo são projetadas como construções coletivas entre professores(as) e estudantes, em uma perspectiva de metodologias ativas, com- partilhando os saberes e vivências. Os instrumentos de avaliação e pesquisa são tratados em todos os capítulos, desenvolvendo a dimensão 4 na compreensão de que o ensino-aprendizagem é um processo dialógico e que a avaliação é contínua, formativa e com- preendida pelos estudantes. O Shakeapeare Globe Theatre, em Londres, é uma construção que reproduz o antigo e icônico Globe Theatre, contruído em 1599 e destruído em 1613 por um incêndio. P e te r P h ip p /T ra v e ls h o ts .c o m /A la m y /F o to a re n a 8584 Abertura de unidade e Para começar...: O início de cada unidade traz a relação dos capítulos com as dimensões da formação docente. A etnia ticuna, um dos grupos indígenas mais populosos do Brasil, que habita a região entre o Alto Rio Solimões (AM), no Brasil, o Peru e a Co- lômbia, mantém a tradição da Festa da Moça Nova, nome pelo qual a festa é conhecida em português. Esse ritual acontece ao final do período de resguardo para a primeira menstruação das jovens indígenas. São três dias de festa e música durante os quais as jovens são preparadas e recebem conselhos, por meio de canções entoadas pelas mulheres mais velhas. Durante os ritos, danças sagradas com a participação de pessoas mascaradas representam os “encantados” (ü, üne) e os “bichos” (ngo’o), seres mágicos que fazem parte da mitologia e cosmovisão Ticuna. Acesse os links a seguir para saber mais sobre a Festa da Moça Nova: ritual de iniciação feminina da etnia Ticuna: ■ MATAREZIO FILHO, Edson Tosta. A Festa da Moça Nova: ritual de iniciação feminina dos índios Ticuna. 2015. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em: https://teses. usp.br/teses/ disponiveis/8/8134/ tde-16092015- 164516/pt-br.php. ■ RITUAL Ticuna de iniciação feminina mostra vitalidade da cultura indígena. [S. I.]: Agência Fapesp, 2020. 1 vídeo (5 min). Disponível em: https://youtu. be/-IpgSZwYtyQ. Acesso em: 23 nov. 2020. A P R O F U N D A R P A R A P A R A R E F L E T I R Acima, foram colocados dois exemplos de povos que mantêm em seus ri- tuais, na atualidade, características de dramatizações existentes desde os primórdios das sociedades. 1 Quais outras manifestações culturais que você conhece mantêm aspectos desses elementos de representações dramáticas ancestrais? Quais dessas manifestações estão ligadas ao território da escola e ao universo dos es- tudantes? 2 Exponha aos estudantes e colegas os rituais do povo dogon e da etnia ticu- na e peça a eles que indiquem elementos dessa ancestralidade dramática em liturgias, como das missas católicas, das celebrações budistas, entre outros. Analise esses elementos e verifique se essa relação ficou clara. 3 Reflita sobre as possibilidades de associar manifestações e conhecimentos ancestrais a práticas e exercícios teatrais. A Festa da Moça Nova é um ritual da etnia ticuna que celebra a passagem da infância para a adolescência das meninas do grupo, foto de 2018. R e n a to S o a re s /P u ls a r Im a g e n s 91 Para aprofundar: Convida o(a) professor(a) a ampliar conhecimentos por meio de referências bibliográficas complementares e de indicações de sites, reportagens e vídeos. Para refletir: Traz questões de apoio à reflexão docente acerca dos conteúdos e propostas metodológicas trabalhadas na obra. 15 FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 15FC_TEATRO_g21At_003a017_INICIAIS.indd 15 14/01/2021 14:4114/01/2021 14:41 PARA ENCERRAR O VOLUME DE TEATRO Ao longo deste livro, você foi convidado a aprofundar seus conhecimen- tos sobre o teatro, suas possibilidades estéticas, conceituais, técnicas e pedagógicas. Ao final desta obra de formação, esperamos ter contribuído com o desenvolvimento da linguagem teatral no contexto escolar pela perspectiva de processos de interação e criação artística com os estu- dantes, que não visam unicamente a apresentação de um produto teatral, mesmo que tenhamos indicado formas de fazê-lo ao longo do livro. Nesse sentido, esperamos que as experiências artísticas que você viven- ciou tenham proporcionado meios para ampliar e sensibilizar suas formas de olhar para o mundo, suas possibilidades de atuação na sociedade, suas perspectivas de projeto de vida profissional e seu domínio da linguagem teatral como instrumento pedagógico de mediação dos processos de for- mação dos estudantes com os quais você trabalha. Ao término das vivências propostas nesta obra, inicia-se outra etapa importantíssima de seu trabalho com Teatro na escola, que deixaremos agora como sugestão de continuidade. Convidamos você a pensar um planejamento em que os saberes que adquiriu nesta trajetória possam ser articulados com os demais conhecimentos de Dança, Música e Artes Vi- suais, com outros componentes curriculares da área de Linguagens e suas Tecnologias e com componentes de outros campos do saber. Faça o exercício de mapear os temas e as práticas teatrais que pode- rá utilizar ao longo do ano letivo, integrados ao trabalho interdisciplinar com outros(as) professores(as), e em diálogo com os objetivos do projeto político-pedagógico e conectados à realidade sociocultural de sua escola. Orientamos que você e os demais docentes façam uma leitura cuida- dosa da Base Nacional Comum Curricular, elencando os princípios nor- teadores e como estabelecer uma proposta curricular com os jovens, integrando os campos do saber, buscando contemplar as habilidades de cada componente curricular e desenvolvendo as competências so- cioemocionais. Busque também traçar metas comuns a partir dos te-