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42 psique ciência&vida
Por Marco 
Montarroyos Callegaro
O inconsciente
Uma abordagem 
cognitiva de um 
conceito tão 
discutido na teoria 
psicanalítica
Freud - 150 anos
cognitivo
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psique ciência&vida 43 
Marco Montarroyos Callegaro 
é psicólogo, Mestre em Neu-
rociências e Comportamento 
pela Universidade Federal 
de Santa Catarina - UFSC. 
Psicoterapeuta Cognitivo-
Comportamental e Diretor 
do Instituto Catarinense de 
Terapia Cognitiva - ICTC. Pro-
fessor pesquisador do curso 
de Psicologia do CESUSC, 
Integrante do conselho edito-
rial do periódico científi co 
Neurociências. Professor 
em diversos cursos de pós-
Graduação e de formação em 
Terapia Cognitiva e Neuropsi-
cologia. Presidente Fundador 
da Associação de Terapias 
Cognitivas de Santa Catarina 
(ATC/SC). Membro fundador 
e integrante da comissão 
científi ca da Sociedade 
Brasileira de Estresse (SBE). 
Autor do livro “O Inconsciente 
Cognitivo” (em fi nalização). 
Membro da Sociedade 
Brasileira de Terapia 
Cognitiva - SBTC.
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reud comparou o impacto de suas ob-
servações sobre o inconsciente no pensa-
mento humano a duas outras revoluções 
paradigmáticas: a derrubada do geocentrismo 
e do antropocentrismo. Segundo Freud, a hu-
manidade sofreu o abalo de reconhecer que a 
terra não é o centro do universo, e que o ho-
mem não é o centro da evolução. 
A terceira revolução seria, para Freud, a 
remoção da vida mental consciente do centro 
da atividade psíquica através das descobertas 
da psicanálise, que ressaltaram o papel das 
motivações inconscientes na determinação do 
comportamento humano.
O gênio literário de Freud e o vigor de sua 
capacidade argumentativa fascinam até hoje 
gerações de estudantes interessados em enten-
der o comportamento e suas torrentes subter-
râneas inconscientes. A descrição perspicaz de 
casos clínicos, entremeada de teorização sobre 
os mecanismos psicodinâmicos inconscientes, 
popularizou as obras de Freud como a principal 
referência sobre o inconsciente. Nenhuma teo-
ria ou sistema em Psicologia ofereceu, na épo-
ca, visão alternativa comparável à Psicanálise na 
sua tentativa de elucidar o inconsciente.
No entanto, é inexato afi rmar que Freud 
“descobriu o inconsciente” – embora este seja 
um equívoco comum, é uma suposição que 
desconsidera a história do pensamento huma-
no. A discussão sobre motivações inconscien-
tes tem pelo menos dois mil anos na literatura 
e fi losofi a. Antes de Freud, dezenas de pensa-
dores já haviam se debruçado sobre esta fa-
ceta enigmática do comportamento humano, 
levantando hipóteses ricas e interessantes. 
Podemos sustentar que Freud é o pai do 
conceito de inconsciente Freudiano (ou dinâ-
mico) – foi realmente ele quem enunciou hi-
póteses sobre a atividade psíquica consciente 
e inconsciente que hoje estão no cerne do que 
conhecemos como teoria psicanalítica. A ori-
ginalidade da obra freudiana está em oferecer 
uma concepção própria dos processos incons-
cientes, pois o tema em si era discutido com 
freqüência na literatura por fi lósofos, drama-
turgos, poetas e romancistas. 
Apesar da imensa infl uência na cultura 
ocidental, do conjunto de hipóteses levanta-
das por Freud sobre os mecanismos mentais 
inconscientes, o inconsciente dinâmico da 
Psicanálise foi rejeitado pela maior parte da 
comunidade científi ca pela difi culdade de ve-
rifi cação empírica. O conhecimento sobre o 
inconsciente foi assim relegado aos domínios 
da Psicanálise, isolando-se cada vez mais do 
corpo do conhecimento científi co corrente, 
particularmente das neurociências. 
No entanto, podemos aceitar a idéia de 
processos mentais inconscientes sem recorrer, 
necessariamente, à teoria psicanalítica. Uma 
visão geral dos resultados de pesquisas nas ci-
ências do cérebro e do comportamento revela 
um quadro fascinante sobre o funcionamen-
to da mente humana; a maior parte do pro-
cessamento realizado pelo cérebro humano é 
inconsciente, e só temos acesso consciente a 
um resumo editado e nada fi dedigno destas 
informações. Esta nova visão que emerge das 
neurociências cognitivas converge para uma 
conceituação moderna e cientifi camente testá-
vel sobre o inconsciente – um novo modelo de 
inconsciente, o inconsciente cognitivo. 
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Visão emerge da 
neurociência, de forma 
cientifi camente testável
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Piloto automático
CIÊNCIA COGNITIVA E 
PROCESSOS INCONSCIENTES
A expressão inconsciente cognitivo foi 
cunhada pelo psicólogo John Kihlstrom 
em um artigo publicado na infl uente 
revista Science, em 1987. A teoria com-
putacional, a psicologia cognitiva e as ci-
ências cognitivas forneceram o substrato 
teórico para entender o funcionamento 
consciente e inconsciente, fundando-se 
no conceito de mente como mecanismo 
de processamento de informação. Os 
conteúdos conscientes provêm do pro-
cessamento de informações, mas não es-
tamos conscientes do processamento em 
si, somente do resultado fi nal. 
O funcionamento mental envolve pro-
cessos conscientes e inconscientes, e obvia-
mente não podemos entender a mente sem 
contemplar o processamento inconsciente. 
O inconsciente cognitivo apresentou-
se como um modelo alternativo sobre a 
mente inconsciente. A idéia central do 
modelo cognitivo do inconsciente é a 
de que o cérebro efetua muitas opera-
ções complexas, cujos resultados podem 
se transformar em conteúdo consciente, 
embora não tenhamos acesso às opera-
ções que originam o conteúdo. Ou seja, 
somos conscientes apenas do resultado, e 
não das operações em si.
Neste campo ainda novo, um marco 
importante é o livro organizado por Ran 
Hassin, James Uleman e John Bargh (Has-
sin, Uleman & Bargh, 2005), da coleção 
de Cognição Social e Neurociência Social 
da editora da Universidade de Oxford. 
Neste livro intitulado Th e New Unconscious 
(“O Novo Inconsciente”), pesquisadores 
líderes em suas especialidades examinam o 
novo conceito do inconsciente do ponto 
de vista social, cognitivo e neurocientífi co, 
mostrando um quadro onde os processos 
inconscientes podem realizar processa-
mento complexo de informação, perseguir 
metas e fazer muitas coisas que aparente-
mente dependem, pensava-se, de intenção, 
deliberação e percepção consciente, o que 
dá uma idéia da amplitude da nova concei-
tuação do inconsciente.
De certo modo, todos temos uma espécie de 
“piloto automático”. Nos aviões, os pilotos acio-
nam o mecanismo automático quando o vôo está 
tranqüilo e estável, e as condições são previsíveis 
e regulares, de forma que a manutenção das ro-
tinas, através de equipamentos, é sufi ciente para 
conduzir adequadamente a rota. Da mesma for-
ma, quando enfrentamos problemas de rotina, 
abrimos mão do comando em favor do piloto au-
tomático, deixando nossa consciência livre para 
vagar por paragens mais divertidas. Quase todo 
motorista experiente provavelmente experimentou a 
sensação de subitamente perceber que não estava 
consciente do que se passou na estrada durante 
um bom tempo, enquanto pensava em outros as-
suntos. Isto acontece com mais freqüência quando 
o trajeto é bem conhecido e não existe nenhuma 
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psique ciência&vida 45 psique ciência&vida 45 
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interferência signifi cativa, nada que requeira mudança 
nos procedimentos automatizados. 
Quando surge um problema diferente, o foco da 
consciência recai imediatamente sobre ele, concen-
trando as energias mentais na resolução. O piloto au-
tomático tem o papel de assessorar permanentemente 
o piloto assumindo o grosso das tarefas de rotina e 
deixando liberada a consciênciapara aquelas que re-
querem refl exão, planejamento, inovação e criativida-
de. Sob turbulência, o piloto reassume o controle. 
É interessante notar que no estresse e em muitas 
patologias mentais, os sujeitos parecem agir menos 
guiados pela consciência refl exiva e mais pelo controle 
de automatismos – Freud chamou a atenção para o 
caráter de repetição observado freqüentemente nas 
neuroses (ou aquilo que na época chamava-se de neu-
roses, hoje um conjunto amplo de transtornos mentais 
de acordo com o DSM-IV). 
Se você está dirigindo em um caminho conhecido, 
cujo trajeto já é bem familiar e está assimilado ao seu 
mapa cognitivo do ambiente, então sua mente pode ocu-
par-se de outras coisas enquanto um enorme conjunto 
de mecanismos inconscientes (o piloto automático) 
cuida das tarefas de rotina. Você está com o pensamen-
to consciente voltado para um problema do trabalho, 
enquanto o piloto automático reduz a velocidade no 
semáforo, aciona a embreagem, troca da marchas, ace-
lera, faz curvas e todas as sub-rotinas necessárias para 
chegar ao destino escolhido conscientemente. 
Mas se um fato novo acontece, como uma estrada 
bloqueada ou um pedestre atravessando o caminho, 
entra em ação o controle consciente da situação, que 
requer uso da refl exão e da lógica para solucionar os 
problemas novos. Todos nós temos experiências onde 
realizamos tarefas de forma bastante automatizada, ocu-
pando o processamento consciente com outras coisas 
– um motorista experiente dirige enquanto conversa aca-
loradamente. Já um aprendiz deve se concentrar mais.
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Mente consciente, 
o topo do iceberg
Uma metáfora sedutora nos ensina-
mentos da Psicanálise é a comparação 
da consciência com o topo de um ice-
berg. A maior parte do iceberg está ocul-
to abaixo da superfície da água, embora 
somente o topo (cerca de um décimo do 
volume total) seja visível. No entanto, são 
as correntes subterrâneas que movem 
o bloco de gelo, da mesma forma que 
nossas motivações inconscientes impe-
lem nosso comportamento. Esta visão é 
cativante e é endossada pela neurociên-
cia cognitiva atual – a maioria do que se 
passa em nossa mente está oculta de 
nossa consciência. Como afi rma o neu-
rocientista cognitivo V. S. Ramachandran 
(2002, p.198) “A mais valiosa contribui-
ção de Freud foi a descoberta de que a 
mente consciente é simplesmente uma 
fachada e que você é completamente in-
consciente de 90% do que realmente se 
passa em seu cérebro”.
Freud - 150 anos
O inconsciente cognitivo se refere a um am-
plo espectro de fenômenos orquestrados silencio-
samente pelo nosso cérebro, envolve toda uma 
enorme gama de processamento inconsciente 
que opera quando, por exemplo, nos lembra-
mos de eventos passados, ou falamos utilizan-
do corretamente as regras gramaticais, quando 
nos apaixonamos ou mesmo quando analisamos 
aspectos do mundo físico através de nossos sis-
temas sensoriais. O inconsciente freudiano ou 
dinâmico é um lugar sombrio e misterioso, po-
voado por “pulsões” e memórias emocionalmen-
te carregadas. Já o inconsciente cognitivo não 
tem essa conotação restritiva, é um conceito bem 
mais amplo e abrangente do que o dinâmico – se 
refere à maior parte do que o cérebro faz em cada 
momento de nossas vidas.
A visão cognitiva envolve uma miríade de 
circuitos neurais que se encarregam do trabalho 
rotineiro pesado, deixando a consciência livre 
para focalizar os problemas novos a resolver. Se 
não fosse assim, o monumental trabalho realiza-
do pelo cérebro para computar as características 
físicas dos estímulos externos inundaria nossa 
consciência, tornando-a inoperante e a tentativa 
de apreender o signifi cado da experiência cons-
ciente, uma vertigem caleidoscópica de dados 
desconexos. O simples reconhecimento visual 
ou auditivo de um objeto ou som familiar en-
volve a análise das características físicas do som 
ou objeto, que são comparadas com registros de 
memória de estímulos similares para viabilizar 
o reconhecimento consciente. No entanto, re-
conhecemos uma pessoa ou objeto familiar em 
milissegundos. Você sabe reconhecer um amigo 
quando o vê, mas não sabe como chegou a re-
conhecê-lo. Toda a nossa percepção consciente 
é baseada em um processamento sensorial que 
opera inconscientemente.
O inconsciente cognitivo oferece uma am-
pla visão dos processos inconscientes e reforça 
a hipótese freudiana de consciência como topo 
de um iceberg. Realmente a esmagadora maio-
ria de nossa atividade mental ocorre fora do 
monitoramento consciente. Temos acesso so-
mente ao resultado das operações de uma mi-
ríade de mecanismos altamente especializados 
que fornecem o suporte para a manutenção e 
regulação da vida e dos processos homeostá-
ticos. Nossa própria percepção consciente é 
resultado de um processamento de nível supe-
rior, que só se torna possível alicerçado nas re-
presentações do processamento em nível inicial 
executado pelo maquinário cerebral de forma 
inconsciente. Embora possamos eventualmen-
te descrever através de palavras o trabalho dos 
mecanismos cerebrais que produzem as repre-
sentações conscientes, não podemos ter acesso 
verbal a toda torrente subterrânea de processa-
mento inconsciente.
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psique ciência&vida 47 psique ciência&vida 47 
O acesso 
experimental 
à memória 
inconsciente 
oferece 
evidências 
biológicas de 
sua existência
DIREÇÕES FUTURAS
O novo modelo do inconsciente tem se ex-
pandido em função de estudos realizados em 
várias frentes. As principais linhas de pesquisa 
nesta área envolvem a investigação da memó-
ria implícita ou inconsciente, de pacientes com 
síndromes neuropsicológicas e do fenômeno 
chamado de auto-engano. 
A memória implícita é também chamada de 
inconsciente ou não-declarativa, pois envolve a 
maior parte dos sistemas de memória humanos. 
Somente a memória declarativa ou explícita é 
consciente, no entanto, existe um amplo espec-
tro de experiências que afetam o desempenho 
sem qualquer percepção do sujeito, ou seja, as 
memórias implícitas modifi cam o comporta-
mento sem que a pessoa tenha qualquer cons-
ciência. A descoberta de acesso experimental à 
memória inconsciente foi instigante para a co-
munidade científi ca por duas razões, segundo o 
psicólogo Larry Squire e o neurocientista agra-
ciado com o prêmio Nobel, Eric Kandel:
“Primeiro, ela fornece evidências biológicas 
de que os processos inconscientes existem de fato. 
Freud, fundador da psicanálise e descobridor do 
inconsciente, sugeriu inicialmente que alguns pro-
cessos de memória eram inconscientes. No entanto, 
o que é fascinante em relação à memória não de-
clarativa é que ela apresenta semelhança apenas 
superfi cial com o inconsciente freudiano. O conhe-
cimento não-declarativo é inconsciente, mas não 
está relacionado a confl itos ou a desejos sexuais. 
Ademais, embora alguém desempenhe com sucesso 
as tarefas codifi cadas em sua memória não-decla-
rativa, esse inconsciente nunca se torna consciente” 
(2003, p.36).
Outra linha de investigação ampla do pro-
cessamento inconsciente examina diferentes 
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efeitos de lesões em sistemas neurais e síndro-
mes neuropsicológicas, como, por exemplo, a 
anosognosia (do grego nósos, “doença” e gnôsis, 
“conhecimento”), uma estranha condição encon-
trada em pacientes que sofreram derrame cerebral 
no hemisfério direito. Como o hemisfério direito 
controla o lado esquerdo do corpo, conforme o 
dano provocado pelo derrame e as regiões atin-
gidas, decorre uma paralisia chamada hemiple-
gia. Às vezes, a hemiplegia vem acompanhada da 
anosognosia, que é a negação da paralisia.É difícil 
explicar como pacientes com pensamento lógico 
e racional em todos os domínios negam veemen-
temente a paralisia do lado esquerdo, e em casos 
extremos não reconhecem o braço como seu (so-
matoparafrenia), insistindo que é de outra pessoa, 
como o marido ou o próprio médico. Mais curio-
so, o paciente constrói uma história autobiográfi ca 
“coerente” com sua negação, relatando levar a vida 
normalmente sem paralisia. 
O neurocientista cognitivo V. S. Ramachan-
dran em seu livro Fantasmas no Cérebro (2002) 
rejeita a explicação freudiana sobre anosognosia 
e sustenta que o hemisfério esquerdo produz as 
negações, repressão, confabulações e outras for-
mas de auto-sugestão características da síndro-
me. O neurocientista Antônio Damásio (2000) 
também descarta explicações psicodinâmicas 
com base na observação de que pacientes com 
um padrão diferente de lesão no hemisfério di-
reito têm noção normal de suas defi ciências, e 
aqueles com lesão idêntica, só que no hemisfé-
rio esquerdo, não desenvolvem a anosognosia.
Outra linha de investigação tem base na teo-
ria de evolução, que contribui substancialmente 
para a compreensão da repressão (dentro da óti-
ca do inconsciente cognitivo) com o conceito de 
auto-engano, um mecanismo psicológico que 
pode ter sido selecionado em função das vanta-
gens interpessoais resultantes de mentir melhor 
aos outros por enganarmos a nós mesmos. Es-
conder as nossas verdadeiras intenções e mentir 
é um comportamento muito mais corriqueiro 
do que imaginamos. O fi lósofo e psicólogo 
evolucionista David L. Smith publicou recente-
Diferentes tipos de memórias não declarativas e algumas estruturas neurais das quais elas de-
pendem criticamente no cérebro (Baseado em Squire & Kandel , 2003).
Habilidades motoras – córtex motor e córtemotor suplementar neoestriados
Habilidades sensoriais – maquinaria perceptual do córtex
Priming ou pré-ativação – maquinaria perceptual do córtex
Habituação – depressão das conexões sinápticas
Sensibilização – facilitação das conexões sinápticas
Condicionamento clássico ou pavloviano – cerebelo (respostas motoras)
Condicionamento instrumental ou operante – neoestriado, córtex sensorial e motor
Aprendizado de hábitos – núcleo caudado
Memória emocional – amígdala
Diferentes formas de 
memória inconsciente
Freud - 150 anos
Para alguns, novo 
modelo é evolução 
inevitável de 
sistema freudiano
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mente o interessante livro “Por 
que mentimos - Os fundamen-
tos biológicos e psicológicos da 
mentira” (Ed. Campus, 2006) 
onde apresenta o cenário da 
pesquisa contemporânea do 
auto-engano, argumentando 
que a mentira está profun-
damente arraigada na mente 
humana e acontece de forma 
espontânea e inconsciente, 
mais do que de forma analí-
tica e cínica. Na história evo-
lutiva, ocorreu uma espécie de 
“corrida armamentista” entre a 
capacidade de enganar e a de 
detectar o engodo. A capacida-
de de dissimular as verdadei-
ras intenções mentindo para si 
mesmo acaba sendo uma efi -
ciente estratégia para driblar o 
equipamento de detecção dos 
outros. Não podemos revelar 
nossas próprias intenções ocul-
tas se elas também estão ocultas 
de nosso eu consciente. 
O novo modelo neurocog-
nitivo do inconsciente estimu-
la o debate entre psicólogos, 
psiquiatras, fi lósofos, neuro-
cientistas, cientistas cognitivos, 
psicoterapeutas e psicanalistas, 
que se debruçam sobre a nova 
conceituação do inconsciente. 
Para alguns, o novo modelo é 
visto como uma evolução ine-
vitável do modelo Freudiano, 
uma vez que assimila as hi-
póteses do inconsciente dinâ-
mico que são verifi cáveis, sem 
recorrer a construtos teóricos 
vagos. É um conceito maior 
e mais amplo do que o do in-
consciente dinâmico e engloba 
algumas hipóteses original-
mente formuladas por Freud, 
sem aceitar integralmente sua 
metateoria sobre a mente. 
DAMÁSIO, A. R. O Mistério da Consciên-
cia. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000.
KIHLSTROM, J. F. (1987). The Cognitive 
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LEDOUX, J. O Cérebro Emocional. São 
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entre a capacidade 
de enganar e a de 
detectar o engodo 
seria regida pelo 
sistema
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