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3 Vicosidade de um fluido Os fluidos reais, tanto líquidos como gases, apresentam viscosidade. A viscosidade resulta de forças de atrito entre camadas adjacentes do fluido e surgem quando estas se deslocam umas sobre as outras. Em líquidos, a viscosidade é principalmente devida às forças de ligação entre moléculas. Em gases é sobretudo devida às colisões entre as partículas. Havendo forças resistivas ou de atrito, estas forças realizam trabalho dissipativo e, portanto, a energia mecânica já não se conserva. Nesta situação a equação de Bernoulli (24.2) que, recordamos, exprime a conservação da energia mecânica, já não se pode aplicar rigorosamente (embora se possa considerar muitas vezes como aproximação a uma situação real). Claro que a viscosidade não é a mesma para todos os fluidos, e, por isso, se define a grandeza coeficiente de viscosidade a que nos referiremos de seguida. Consideremos a seguinte experiência. Coloca-se uma pequena camada de fluido entre duas placas, como se mostra na Fig. 24.3. v � F � l gradiente de velocidades Figura 24.3 A placa de cima é posta em movimento, sob a acção da força F � , adquirindo a velocidade v� . A placa de baixo permanece em repouso. As camadas do fluido junto às placas permanecem em contacto com estas devido às forças de adesão entre o fluido e as placas. Assim, a camada superior do fluido move-se com a velocidade da placa, cujo módulo é v, e a camada junto à placa inferior não se move. De cima para baixo as diferentes camadas de fluido apresentam um contínuo de velocidades entre v e 0, como se mostra na Fig. 24.4. Figura 24.4 A razão entre a velocidade e a espessura do fluido, lv / é uma medida quantitativa deste “gradiente de velocidades” (variação da velocidade segundo a vertical). Manter a placa superior em movimento com velocidade v requer uma força de intensidade F. 0 �� =v v � l Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf 4 Verifica-se experimentalmente para muitos fluidos que esta força é proporcional a lv / , além de ser, naturalmente, proporcional à área A da superfície de contacto da placa com o fluido: l vAF ∝ . (24.6) Verifica-se ainda experimentalmente − o que seria, de resto, de esperar − que a força depende também das características intrínsecas do fluido. Essa dependência entra como factor de proporcionalidade na expressão anterior, a qual se passa então a escrever l vAF η= , (24.7) onde η é o coeficiente de viscosidade. Resolvendo em ordem a este coeficiente, obtém-se Av Fl =η . (24.8) No SI a unidade de viscosidade é o pascal segundo (Pa s). No sistema CGS a unidade de viscosidade denomina-se poise (P) em homenagem ao cientista francês Poiseuille. O centipoise (cP) é uma unidade muito utilizada (1 cP = 10-3 Pa s). Fluidos newtonianos e não-newtonianos Um fluido cujo coeficiente de viscosidade só dependa da temperatuara e da pressão, mas não de outros factores como, por exemplo, a velocidade do próprio fluido, diz-se newtoniano. Como já dissemos, o coeficiente de viscosidade depende, em geral, da temperatura e de pressão. Na tabela seguinte listam-se alguns coeficientes de viscosidade. Em geral, a viscosidade diminui com a temperatura para os líquidos mas aumenta para os gases. Substância Temperatura / ºC Coeficiente de viscosidade / Pa s Água 0 3108,1 −× Água 20 3100,1 −× Água 100 3103,0 −× Sangue 37 3104 −× Plasma 37 3105,4 −× Ar 20 31008,0 −× Uma definição mais formal de fluido newtoniano está relacionada com a dependência da força com a variação da velocidade segundo a vertical (Figs. 24.3 ou Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf 5 24.4). Designemos antes por v0 a velocidade da placa de cima e por v a velocidade do fluido numa “lâmina” qualquer à altura z (estamos sempre a considerar regime laminar). l v � 0v � z v � 0v � z (a) (b)l Figura 24.5 Na situação (a) da Fig. 24.5 a variação da velocidade com a altura (gradiente da velocidade) é constante e podemos escrever l v z v 0 d d = (24.9) ou também dv/dz = v / z, a qualquer altura da placa imóvel. Diz-se, neste caso que o fluido é newtoniano. Na situação como a que se mostra na Fig. 24.5 (b) o fluido diz-se não newtoniano. Neste caso, a sua viscosidade depende de mais factores para além da temperatura e pressão. Em particular, depende do gradiente de velocidades que se estabelece entre as duas placas. Consideremos agora o escoamento de um líquido em regime laminar. A força que uma lâmina de área A exerce numa lâmina adjacente, separada de uma distância dz é (Fig. 24.6) z vAF d dη= , (24.10) sendo dv a velocidade relativa das duas lâminas. Na figura representa-se a força que a lâmina de cima exerce na de baixo. A de baixo exerce na de cima uma força igual e oposta. dz vv �� d+ v � F � Figura 24.6 A Eq. (24.10) é conhecida por lei de Newton para fluidos viscosos em regime laminar. Como já se disse, se a força for independente do gradiente de velocidades, ou seja, se esse gradiente for a constante dada pela Eq. (24.9) o fluido diz-se newtoniano. Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf 6 Escoamento viscoso em tubos de secção cilíndrica Analisamos agora o escoamento de um fluido, em regime laminar, através de tubo de secção cilíndrica constante. Se a secção do tubo for constante e o fluido incompressível a velocidade será a mesma em qualquer ponto ao longo do tubo. Além disso, não havendo viscosidade, a velocidade também é a mesma em qualquer ponto da secção recta (Fig. 24.7). A v � A v � Figura 24.7 Para um tubo horizontal, não há variação de energia potencial gravítica do fluido e da equação de Bernoulli (24.2) conclui-se que a pressão é a mesma em qualquer ponto do tubo. Mas sabemos que isto não acontece com fluidos reais! Só poderia acontecer com fluidos de viscosidade nula (também chamados superfluidos). Para que haja escoamento é sempre necessária uma diferença de pressão entre os pontos ao longo do tubo. A necessidade desta diferença de pressão para o fluido se mover tem a sua origem na viscosidade do próprio fluido. Se tal diferença de pressão não existisse, o fluido não escoaria. A diferença de pressão é necessária porque há forças de atrito entre as diferentes camadas do fluido (mesmo em regime laminar). Na secção recta de um tubo cilíndrico a velocidade de escoamento aumenta da periferia (junto às paredes do tubo) para o centro do tubo. O “perfil” das velocidades é aproximadamente parabólico (ver Fig. 24.8) e depende de vários factores. v � L ∆P 1 r 2 R Figura 24.8 Consideremos um tubo (ou uma parte de um tubo) horizontal cujo raio da sua secção recta é R, de comprimento L, e no qual se estabelece uma diferença de pressão P∆ . Neste tubo flui, em regime laminar, um fluido de viscosidade η . A velocidade do fluido a uma distância r do eixo do tubo é dada por Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf 7 �� � � �� � � − ∆ = 2 22 1 4 R r L RP v η . (24.11) Como mostra esta expressão (que não deduzimos), junto às paredes do tubo )( Rr = a velocidade é nula. Num qualquer ponto do tubo, a velocidade é proporcional à diferençade pressão, e à área da secção recta do tubo (dependência com R2), e é inversamente proporcional ao coeficiente de viscosidade e ao comprimento do tubo (ou da parte do tubo que se está a considerar). A velocidade máxima do fluido (eixo do tubo, 0=r ) é dada por L RP v η4 2 máx. ∆ = . (24.12) Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf 1 25ª aula Sumário: Resistência ao escoamento em regime laminar, equação de Poiseuille e aplicações. Transição de regime laminar para regime turbulento e número de Reynolds. Viscosidade do sangue. Lei de Stokes e aplicações. Resistência ao escoamento em regime laminar, equação de Poiseuille e aplicações Consideremos de novo a situação descrita na aula anterior. Num tubo horizontal de secção constante (Fig. 25.1) passa um fluido viscoso em regime laminar. v � L ∆P 1 2 R Figura 25.1 O tubo cilíndrico tem comprimento L e secção recta de raio R. Entre os pontos 1 e 2 existe a diferença de pressão 21 PPP −=∆ devida à qual o fluido, de viscosidade η escoa, sendo Vq o caudal. Verifica-se experimentalmente haver, em muitas situações, uma relação directa entre a diferença de pressão e o caudal, o que se exprime formalmente por VqP ξ=∆ , (25.1) onde o factor de proporcionalidade ξ pode ser visto como uma “resistência” ao escoamento do fluido. A Eq. (25.1) é fisicamente aceitável pois será de esperar que a uma maior diferença de pressão corresponda um maior caudal. A dependência linear da diferença de pressão no caudal (se ξ só depender das características geométricas do tubo e da viscosidade do fluido) faz lembrar a Lei de Ohm, IRV e=∆ , onde V∆ é a diferença de potencial nos terminais de uma resistência1 Re percorrida por uma corrente eléctrica de intensidade I (Fig. 25.2). I Re ∆V Figura 25.2 1 Para a resistência eléctrica, usamos Re em vez de simplesmente R para não haver confusão com o raio R do tubo cilíndrico da Fig. 25.1. Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf 2 A analogia entre o escoamento de um fluido com a corrente num circuito é total. A diferença de potencial V∆ corresponde à diferença de pressão P∆ ; a intensidade de corrente I corresponde ao caudal qV; a resistência eléctrica Re corresponde à resistência ao escoamentoξ . O cientista francês Poiseuille, que se interessou bastante por questões relacionadas com a circulação sanguínea, determinou experimentalmente como variava o caudal de um fluido incompressível num tubo cilíndrico nas condições mencionadas relativamente à Fig. 25.1, tendo chegado à conclusão que L PRqV η pi 8 4∆ = . (25.2) Esta é a expressão matemática da lei de Poiseuille. A dependência com o inverso da viscosidade e do comprimento do tubo são naturais: quanto mais comprido for o tubo, para uma mesma diferença de pressão, menor deverá ser o caudal. O mesmo se aplica à dependência com a viscosidade: quanto mais viscoso for o fluido, menor deverá ser o caudal. Curiosa é a dependência do caudal volumétrico com o raio da secção recta ser com a quarta potência de R! Da conjugação das Eqs. (25.1) e (25.2) obtém-se uma expressão para a resistência: 4 8 R L pi ηξ = . (25.3) Esta expressão traduz quantitativamente a dependência da resistência com a viscosidade, η , o comprimento do tubo, L, e o raio da secção recta R. É útil fazer a analogia com a dependência da resistência de um condutor óhmico com a sua resistividade, ρ , e suas características geométricas (comprimento L e raio R para condutor de secção recta cilíndrica): 2R LR pi ρ= . A semelhança com (25.3) é grande, notando-se a diferente dependência com o raio da secção recta. A dependência da resistência com R4 no caso de um fluido não deixa de ser surpreendente e de ter, de resto, importantes consequências. Se a secção de um tubo passar para metade, para a mesma diferença de pressão o caudal passa para 1/16! No caso de haver um constrangimento numa artéria, o coração terá de criar uma maior diferença de pressão para manter o caudal de sangue. A distribuição de sangue é controlada por músculos nas arteríolas. Pequenas contracções ou distensões destes músculos podem fazer variar o caudal de sangue de forma significativa, em virtude da sua dependência com R4. É interessante obter a velocidade média do fluido que escoa no tubo da Fig. 25.1. Como a velocidade não é a mesma em todos os pontos da secção recta do tubo, o caudal teria de ser determinado pelo integral (24.5). Em vez disso, podemos pensar que todos os elementos do fluido têm uma mesma velocidade, vm (velocidade média), sendo portanto o caudal dado pelo produto da área A da secção recta por esta velocidade [ver Eq. (24.3)]): m2m vRAvqV pi== . Combinando esta equação com a lei de Poiseuille (25.2), vem Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf 3 L PR vR η pi pi 8 4 m 2 ∆ = (25.4) donde se conclui que a velocidade média do fluido é L RP v η8 2 m ∆ = . (25.5) Se compararmos com (24.12), vemos que esta velocidade média é metade da velocidade do fluido no eixo do tubo cilíndrico (sítio onde a velocidade é máxima). Transição de regime laminar para regime turbulento e número de Reynolds Quando a velocidade de um fluido que escoa num tubo em regime laminar excede um certo valor crítico, o regime pode passar a turbulento. Há outras características do fluido como a sua densidade ou a sua viscosidade que poderiam igualmente alterar o regime de escoamento, mas tanto ρ como η não variam significativamente de ponto para ponto. Em escoamento turbulento, o movimento do fluido é muito irregular, sendo caracterizado por vórtices locais (ver Fig. 22.4). Em consequência destas irregularidades no movimento do fluido, a resistência ao escoamento aumenta muito (o que faz diminuir o caudal para a mesma diferença de pressão). Mas junto às paredes do tubo, onde a velocidade é praticamente nula, o escoamento permanece laminar. Há uma regra prática para determinar o regime de escoamento, através da análise de uma quantidade adimensional, chamada número de Reynolds, que se define η ρ vRN 2R = . (25.6) A velocidade que aparece nesta expressão é a velocidade média no sentido da expressão (25.5), ou seja a velocidade uniforme em toda a secção recta do tubo que produziria o mesmo caudal. De acordo com os dados experimentais, verifica-se que o escoamento de um fluido é laminar se 2000R <N e é turbulento se 3000R >N . Entre estes dois valores o regime é instável, ou seja, pode mudar de um regime para o outro. A aorta tem raio de 1 cm e a velocidade do sangue é 30 cm/s; a densidade é 1060=ρ kg/m3 e a viscosidade 4=η mPa s. Estes dados conduzem ao número de Reynolds 1590R =N . O regime de escoamento do sangue é, pois, laminar. A febre diminui a viscosidade (ver secção seguinte) o que pode levar à passagem a regime turbulento. Encontra-se um exemplo de passagem de regime laminar a turbulento quando se abre gradualmente uma torneira. Enquanto a velocidade da água for pequena, o fio de água que cai é transparente, sinal de que o fluxo é laminar. Ao abrir mais a torneira a velocidade da água é maior e esta passa a ficar esbranquiçada. É o sinal de que se está em fluxo turbulento. Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf 4 Viscosidadedo sangue A lei de Newton [Eq. (24.10)] e de Poiseuille [Eq. (25.2)] são válidas para fluidos de viscosidade constante em regime laminar. Os fluidos para os quais o coeficiente de viscosidade não é constante (para além das naturais dependências na pressão e na temperatura) − chamados não newtonianos, como dissemos na aula anterior − apresentam comportamentos mais difíceis de descrever matematicamente. Em particular podem apresentar fenómenos de histerese: não recuperam as configurações iniciais quando as condições externas voltam a ser as mesmas. O plasma e o soro são aproximadamente newtonianos mas o sangue não é. O sangue é um fluido complexo, constituído por partículas sólidas de várias formas em suspensão num líquido. Por exemplo, os hemácios (glóbulos vermelhos) são discóides que se orientam ao acaso para velocidades baixas mas passam a orientar-se paralelamente à velocidade do sangue para velocidades altas (o que faz diminuir a viscosidade do sangue). Lei de Stokes e aplicações Do mesmo modo que os fluidos viscosos no seu movimento estão sujeitos a forças de atrito interno, também os objectos com movimento em relação a fluidos ficam sujeitos a forças de resistência. Consideremos uma esfera de raio r, caindo através de um fluido com uma velocidade constante de módulo v, como se mostra na Fig. 25.3. η v � F � gF � r Figura 25.3 A resultante das forças aplicadas à esfera é nula pois a sua velocidade é constante. Uma das forças aplicadas é o peso, gF � . Outra força que actua na esfera é a impulsão (ver Princípio de Arquimedes, aula nº 22). Como não é pertinente para a discussão não vamos considerar esta força (o que é válido se a esfera for pequena). Finalmente, outra força que actua sobre a esfera é a força de resistência exercida pelo fluido, F � . O módulo Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf 5 desta força, F, depende do coeficiente de viscosidade η do fluido, do raio r da esfera e de v para velocidades pequenas. Foi Stokes quem primeiro analisou o problema, tendo descoberto que a força de resistência do fluido sobre a esfera é rvF piη6= (25.7) o que é conhecido por lei de Stokes. Note-se que a única maneira das grandezas η , r e v se combinarem dando uma grandeza com a dimensão de uma força é através do seu produto vrη . A lei de Stokes tem muitas aplicações. Se as gotas de chuva de nuvens localizadas a vários quilómetros de altura não estivessem sujeitas à resistência do ar, atingiriam a superfície terrestre com velocidades enormes (e enormes energias, portanto) capazes de causar danos. Mas a velocidade terminar das gotas de chuva é pequena. Para gotas de 1 mm de diâmetro o módulo da velocidade terminal é 4,3 m/s e para gotas de 2 mm de diâmetro, é 5,8 m/s. Manuel Fiolhais Departamento de Física, FCTUC 2005 http://nautilus.fis.uc.pt/personal/mfiolhais/FGbio/aula23.pdf
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