Prévia do material em texto
O uso de imagens nas práticas de ensino de História Abordar a importância do uso dos documentos iconográficos no processo de pesquisa histórica e no processo de ensino - aprendizagem da disciplina na esfera do Ensino Básico. Observar as particularidades das várias linguagens (fotografia, pintura, cinema, televisão) promotoras de imagens que se constituem como fontes de análise. A História e os documentos iconográficos As concepções de estudo da História a partir do século XX implicaram em novas concepções quanto às fontes históricas e quanto à metodologia de análise. Especialmente, a partir da produção da Escola dos Annales, passou-se a considerar pertinentes para a escrita da História, ou seja, para a produção do conhecimento histórico, uma ampla gama de documentos, além dos escritos. As novas considerações sobre o documento na pesquisa relacionam-se aos novos interesses em relação às sociedades analisadas. Diferentemente dos metódicos positivistas que abordavam o movimento de indivíduos das elites sociais na história, a historiografia do século XX, especialmente desde os anos de 1930, defendeu a importância de uma análise que abarcasse a atuação de todo o conjunto social na história. Enquanto aqueles se concentravam em estudar um seleto grupo, especialmente, o que atuara à frente das principais instituições, baseando-se, para tanto, em documentos que foram sendo preservados e catalogados pelo Estado, ou seja, documentos oficiais, a partir dos Annales, em função dos novos objetivos, fez-se necessário recorrer à outra qualidade de fontes, que permitissem questionar a participação dos grupos que não estavam envolvidos diretamente nos "grandes acontecimentos" ou nos eventos considerados "especiais", principalmente, de caráter político, mas que, também, exercem cotidianamente, absoluta influência sobre os rumos da história. Desde então, os historiadores passaram a fazer uso de objetos materiais, orais e imagéticos, além dos escritos, para desenvolver seus conhecimentos sobre as sociedades analisadas. Reconheceu-se, também, a importância de problematizar a confecção desses objetos na perspectiva de conhecer os processos históricos nos quais estiveram envoltos. Essa postura, sobretudo, afastou-se daquela que compreendia as fontes como verdades absolutas; defendeu assim, um trabalho analítico que tenciona atingir aquilo que não está explícito na documentação. Deste modo, mais do que a observação sobre o que há de voluntário num registro histórico, procura -se alcançar os interesses de várias ordens que determinaram as produções humanas em suas próprias épocas, e fundamentalmente, os interesses de caráter involuntário que as cercam: Os historiadores, então, passaram a buscar na documentação aquilo que não fora premeditado por seus autores, aquilo que eles não tinham consciência de estar registrando sobre seu próprio tempo; sobre sua sociedade, ou seja, sobre sua classe, seu grupo ou seu gênero. Esse comportamento tem pautado a análise de toda sorte de documentos. O objetivo desta disciplina é oferecer instrumentos para que o professor de História do Ensino Básico possa utilizar documentos iconográficos (desenhos, gravuras, ilustrações, fotografias, pinturas e filmes) em suas práticas de ensino. Em meio às vastas possibilidades de análise iconográfica, privi legiaremos as linguagens pictórica, fotográfica, cinematográfica, televisiva e publicitária. Para que o professor aborde os documentos envoltos em tais linguagens é preciso que ele tenha conhecimentos das metodologias adotadas pelos historiadores para a análise deste tipo de fontes. Ou seja, é fundamental que ele saiba que tipo de informações os historiadores extraem destes materiais e sob que parâmetros o fazem. A iconografia tem permitido que se alcance, de acordo com hipóteses levantadas no presente, o caráter involuntário das produções humanas do passado: as ideologias, as mentalidades e o imaginário no qual estavam inseridas; fundamentalmente, elementos culturais de uma sociedade. Muito do que se sabe, por exemplo, sobre os pensamentos da sociedade medieval está embasado em análises desse tipo de fontes que incluem iluminuras, retábulos, bem como vitrais e pinturas parietais das igrejas. Assim também, importantes reflexões sobre a mentalidade que se desenvolveu sobre o processo de modernização no Brasil, no início do século XX, tiveram a contribuição de estudos que envolveram a análise de fotografias produzidas no período, principalmente, em torno dos centros políticos e econômicos como São Paulo e Rio de Janeiro. Aliás, a linguagem fotográfica que nasceu no século XIX tem se mostrado de grande valia para a compreensão da modernidade. Na mesma linha, os audiovisuais têm possibilitado entrever concepções de mundo e ideologias dos universos sociais onde são produzidos. Esse tipo de documentação ganha enorme importância, especialmente, quando se leva em conta que o século XX fechou suas portas com o epíteto de "século da imagem" e que o século XXI está ampliando este título a limites inimagináveis. Os audiovisuais são possuidores de marcas que falam de seu tempo e dos homens que o produzem incessantemente. Assim, eles tornam-se um meio essencial para a reflexão sobre a realidade histórica. Os documentos iconográficos e suas especificidades Para que o historiador faça uso desses variados documentos, é preciso que se leve em conta suas especificidades. Assim, a maneira como se analisa uma pintura requer, portanto, conhecimentos pertinentes a tal linguagem, bem como a observação de um filme necessita de atenção sobre os elementos próprios da cinematografia. No caso da pintura, é importante que o estudioso saiba reconhecer os mecanismos estéticos empregados nas obras que geram determinadas imagens, como: a precisão das linhas ou o desenho; o emprego das cores; a profusão de planos; ou o uso da perspectiva. A observação destes aspectos formais, concomitante à identificação dos locais ocupados por essas obras, e aos questionamentos sobre as condições de sua produção, permite concluir, por exemplo, se uma forma pretendia ser uma exaltação de determinada realidade ou uma crítica a ela. A fotografia e o cinema têm especificidades que precisam ser dominadas pelo historiador que as toma como fontes de pesquisa. O uso e a posição da câmera, assim como a iluminação dos ambientes fotografados ou filmados comunicam mensagens peculiares sobre as realidades representadas. A televisão também usa mecanismos próprios ao veicular programas de tipos variados, incluindo -se os publicitários, produzindo conteúdos eivados de ideologias e mentalidades que requerem habilidades para servirem como instrumentos de análise da história contemporânea. O professor do Ensino Básico que opte por fazer uso da iconografia em suas aulas, tanto recorrendo às imagens oferecidas pelos materiais didáticos disponíveis no mercado quanto se servindo das imagens que fazem parte dos acervos públicos, ou mesmo das que são veiculadas pelas mídias, também deve ter domínio sobre a particularidade das linguagens aqui mencionadas. Esse domínio deverá permitir a ele questionar com seus alunos o conteúdo das imagens para compreender seus sentidos em suas próprias épocas, garantindo, assim, que sejam vistas como representações ou interpretações da realidade. Desse modo, poderá oferecer instrumentos para que se perceba, por exemplo, que a realidade não era tão bela quanto ostentavam as pinturas renascentistas; que suas figurações buscavam exaltar as potencialidades humanas ofuscando um olhar crítico sobre a participação e a dominação da burguesia na sociedade europeia entre os séculos XVI e XVII. Pretende-se, em última instância, nesta disciplina capacitar os futuros professores de História a levar os alunos à percepção crítica das imagens produzidas no tempo presente. A observação e a análise das produções de outras épocas deverão servir para que os filmes, os programas televis ivos, ou oshttp://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/diplomacia-cultural-mre/20793-independencia-ou-morte-grito-do-ipiranga-estudo Obra estudo para Independência ou morte, óleo sobre tela (1886) Obra Independência ou morte, óleo sobre tela (1888) Do conjunto iconográfico representando a independência do Brasil, a imagem mais conhecida é possivelmente a tela “Independência ou morte”, de Pedro Américo. O grande formato (415 x 760 cm), de 1888, está exposto desde 1895 no Museu Paulista, da Universidade de São Paulo (USP). Ainda em 1886, mesmo ano em que assinou o contrato para a produção da obra, o artista realizou o estudo que se encontra no Palácio Itamaraty em Brasília. Para esse trabalho, Américo aprofundou-se na pesquisa de época, estudando o movimento independentista, entrevistando testemunhas e buscando indumentárias originais, atenção ao detalhe que transparece tanto no estudo como no trabalho final. A construção da imagem, a distribuição dos personagens na tela e suas posturas apontam para a elevação de D. Pedro I ao status de herói nacional e à ideia de construção da identidade e do patriotismo por meio do passado glorioso e suas representações épicas. Ambas as telas foram pintadas em Florença, onde o artista residia à época. A obra final foi exibida inicialmente na Academia Real de Belas Artes daquela cidade. Estavam presentes à apresentação e assistiram ao discurso de Pedro Américo, o imperador D. Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina e outros monarcas europeus. O estudo que faz parte do acervo do MRE mede 146 x 237 cm e apresenta algumas diferenças em relação à tela principal, como os personagens retratados; entre eles, o próprio artista, que se colocou, no grande painel, em trajes civis no agrupamento em frente ao casebre. Não há registro de data ou forma de incorporação à coleção, mas sabe-se que a pintura estava originalmente na sede do Ministério no Rio de Janeiro, até ser transferida para o Palácio Itamaraty em Brasília, para compor a Sala D. Pedro I. O Embaixador Wladimir Murtinho, um dos responsáveis pela construção e ambientação do Palácio costumava dizer que “O ‘Grito do Ipiranga’ (...) que está lá, do Pedro Américo, é o verdadeiro. O que está em São Paulo é uma ampliação, que não tem a (mesma) qualidade pictórica.” Pedro Américo de Figueiredo e Melo (29 de abril de 1843 – 07 de outubro de 1905) Pintor brasileiro nascido na Paraíba, considerado um dos mais importantes artistas plásticos da história do país, fez parte do Romantismo, caracterizando suas obras com uma visão heroica e seguindo em máximo a realidade. Foi aluno na Escola Nacional de Belas Artes de Paris, sendo instruído pelo pintor do neoclassicismo francês Jean-Auguste-Dominique Ingres. Em seguida estudou arqueologia e se tronou bacharelo em ciências sociais. Sua mais famosa obra a tela “Independência ou morte” mais conhecida por “grito do Ipiranga”, assim como diversas outras como: • Fausto e Margarida; • Tiradentes Esquartejado; • Batalha do Avaí; • Paz e Concórdia. Pedro Américo e a crise do Império no Brasil Problematizaremos, nesta aula, o quadro Independência ou morte! (1888-1889) de Pedro Américo a fim de perceber as concepções e as práticas que determinaram sua produção. Iniciaremos a reflexão com base nas análises de Cláudia Valladão de Mattos que o considera parte de um projeto político ideológico do Império na época. A consideração de Mattos se fundamenta numa pesquisa que realizou sobre o percurso da Academia Imperial de Belas Artes desde o momento em que foi concebida em 1816 até o final do século XIX, o que a fez reconhecer uma mudança que se deu a partir da regência de D. Pedro II. Apesar dos esforços de D. João e de D. Pedro I no sentido de constituir uma instituição que atendesse aos seus interesses ideológicos, afirma ela, foi somente a partir dos anos de 1850 que se desenvolveu um efetivo "sistema de produção de imagens adaptado às necessidades políticas do Império" (MATTOS, 1999, p. 80): O novo monarca havia recebido uma educação cunhada em moldes europeus e ocupava-se seriamente com a questão do papel que as artes deveriam assumir na construção do imaginário da nação, refletindo, nesse contexto, também sobre a importância fundamental de seu mecenato. ((MATTOS, 1999, p. 81)) Especialmente a partir da nomeação de Manuel Araújo Porto-Alegre para a direção da Academia, em 1855, teve início uma reforma que "poria a academia diretamente a serviço da construção do imaginário do Império" (Idem, p. 83). A partir desta época procurou-se desenvolver um projeto nacionalista, principalmente, reforçando a imagem de D. Pedro II como estadista por meio da fixação de um universo iconográfico que ligava a figura do imperador a "elementos típicos da paisagem local: índios, abacaxis, folhas de café e tabaco, de forma a construir imagens evocativas da nação" (Idem, p. 84). Tal iconografia se mantinha de acordo com o modelo da figuração barroca acerca dos homens do Estado; uma figuração que buscava afirmar as monarquias de caráter divino em consonância com o ideário do "Antigo Regime", especialmente, da sociedade da corte de Luís XIV: Assim, tal qual o rei da França que aparecia em suas representações cercado por flores-se-lis e outros símbolos da nação francesa, Pedro II fazia-se retratar como rei tropical, incorporando atributos e alegorias da terra às representações do Império. ((Idem, p. 84)) É somente no final do século XIX que esta forma de representar os estadistas do Império sofre uma alteração; sobretudo após 1870, é perceptível a valorização de uma imagem que exalta, prioritariamente, o imperador em função de seus atos de coragem e de liderança. Esse novo padrão de figuração foi influenciado pelo modelo da iconografia de exaltação de Napoleão Bonaparte. Desde então, investiu-se em imagens das "batalhas e de seus heróis" que "passam a povoar as cenas patrióticas dos quadros oficiais" (Idem, p. 88). Isso de deveu, segundo Mat tos às circunstâncias políticas da época, pois, trata-se de um período em que a monarquia vinha sofrendo muitas pressões; cuja principal força encontrava-se no movimento republicano. Após a Guerra do Paraguai, questionado em várias instâncias sociais, o Império, a partir da Academia de Belas Artes, investe em imagens que tencionam afirmar sua importância na história pátria. É neste contexto que se produz a tela Independência ou morte! de Pedro Américo. Diferentemente do quadro de François-René Moreaux, Proclamação da Independência (1844), em que D. Pedro I é apresentado como "o consumador de um ato de caráter divino", na obra de Pedro Américo ele é exposto como um líder fundamental em meio à Guarda Imperial no processo que selou a Independência política da nação. Mattos defende tal posição observando os elementos estéticos da obra tais como: a distribuição geométrica das figuras, que implicaram na confecção de dois semicírculos nas laterais inferiores: à esquerda, constituída por um carroceiro e sua tropa, e à direita, por um grupo de oficiais da Guarda Imperial; esses grupos funcionam como acessórios, já que obrigam o observador a mirar a figura que se posiciona ao centro, D. Pedro I imponente, num plano superior, em seu cavalo, no alto da colina e empunhando uma espada, numa atitude segura e corajosa em companhia de outro grupo que o segue apreciando -o fixamente. Desse modo: Pedro Américo (...) procura ver em D.Pedro I o equivalente de um Napoleão. O artista apresenta-o como um estadista determinado, que não mede o custo dos sacrifícios necessários para a realização de seu ideal, elevando-o tão somente, pela coragem de seu ato, acima da posição ocupada pelos homens comuns. Na composição propriamente dita, a representação de sua grandeza concretiza-se pelo desnível (real e simbólico) criado pelo artista entre nossa figura de identificação e o príncipe. ((Idem, p. 90).) Portanto, de acordo com Mattos, o quadro de Pedro Américo constitui -se em uma ação do governomonárquico que, em um momento de crise, retomou um acontecimento do passado da história nacional, o ato da proclamação da Independência (1822) para se autoafirmar no contexto da época. Independência ou morte: elemento para o estudo da crise do Império Apresentamos uma visão historiográfica acerca da obra de Pedro Américo que atualmente ocupa o salão nobre do Museu Paulista na cidade de São Paulo. Nosso objetivo agora é pensar formas de abordar esta representação de acordo com esta visão. Faz-se importante reconhecer que tal figuração deve ser abordada pelo professor no momento em que estiver discutindo a fase final do Império no Brasil. Propomos que ele adote, por exemplo, as análises de Catelli Junior e a de Schwarcz que observam as oposições ao governo monárquico na época, em concomitância com a adoção do quadro Independência ou morte! para que se conclua sobre o caráter ideológico apontado até aqui. De acordo com Catelli, autor de livros didáticos de História, a Guerra do Paraguai ocorrida entre 1864 e 1870 exerceu impacto bastante negativo para o governo, pois: Provocou grande endividamento do Estado, as denúncias de corrupção e ineficiência da máquina administrativa, incapaz até mesmo de controlar os gastos de guerra, aumentaram. Imerso em enorme crise financeira, o Estado majorou tarifas aduaneiras e outros impostos, elevando o custo de vida. Após o final da guerra, um novo ator incorporou-se ao cenário de crise da monarquia: o Exército. A grande projeção alcançada pelos militares com a prolongada luta externa não correspondeu a uma participação efetiva da corporação no jogo político interno.((CATELLI JUNIOR, 2006, p. 434)) Também, os oficiais do exército, assim como os republicanos, "passaram a identificar a monarquia como um regime de privilégios, corrupto e administrativamente incompetente". Além disso, insatisfações populares vinham se manifestando há tempos, combinando, ainda, com pressões do Movimento abolicionista que se expressavam desde 1880. Lilia Schwarcz, por sua vez, aponta que: (...) A década de 70 significou uma guinada na pacata política imperial: o soberano participaria de modo ativo do conflito com o Paraguai e assumiria no campo da política a centralidade que já vinha obtendo na área cultural. Paradoxalmente, se a Guerra do Paraguai representa o apogeu do Império de D.Pedro, o momento de maior maturidade, significa, também, mesmo que visto de forma retrospectiva, o início da queda. O professor pode adotar esses pontos de vista sobre a situação do Império no Brasil após 1870 e pedir que os alunos, após a análise formal do quadro de Pedro Américo, estabeleçam uma associação entre os textos historiográficos e o documento iconográfico com base na tese de Claudia Mattos. Pretende-se com esta atividade possibilitar que os alunos reconheçam as intenções em se defender o heroísmo da família real em torno de um fato passado naquele contexto de fortes críticas à monarquia. Propomos, ainda, que no processo de análise dos aspectos formais do quadro, para que se chegue à imagem em questão, se efetue a comparação da obra de Pedro Américo com a obra de François- René Moreaux. Desse modo, os alunos poderão observar as mudanças na forma de apresentação de D.Pedro I, reconhecendo a necessidade de se afirmar a importância do imperador em função de uma atuação mais incisiva sobre os destinos da nação em função de sua delicada situação no final do século XIX. 1. Acesse o site do Itaú Cultural para ver a imagem Proclamação da Independência François René Moreaux. Disponível em: www.itaucultural.org.br/aplicexternas . Acesso em: 29 nov. 2013. 2. Acesse o site do Itaú Cultural para ver a imagem Independência ou morte! Pedro Américo. Disponível em: www.itaucultural.org.br/aplicexternas . Acesso em: 29 nov. 2013. A ideologia da elite cafeeira em São Paulo (XIX-XX) Propiciar a observação do quadro Independência ou morte! (Pedro Américo), à luz de uma abordagem que o considera como um reflexo dos interesses da elite agrária cafeeira paulista na transição da Monarquia para a República no Brasil. Pedro Américo e a "invenção da tradição" paulista Na aula anterior, abordamos o quadro Independência ou morte! (1888-1889) de Pedro Américo sob a perspectiva de análise de Claudia V. Mattos; nesta aula, trataremos da mesma obra, porém, sob o olhar de Caleb Faria Alves. Segundo esse autor, diferentemente do que defende a estudiosa, aquela representa um investimento ideológico da elite paulista que se dedicava a produção e comercialização do café no final do século XIX no Brasil. Alves sustenta que esta tela foi encomendada, em 1885, pela Comissão que na época era responsável pela construção do Monumento do Ipiranga que, mais tarde, foi destinado a abrigar o Museu Paulista (1893). Tal encomenda teria se dado "no berço do movimento republicano" paulista. Contrariamente a Mattos que, como se viu, defende que a obra em questão significou uma ação do governo imperial para se autoafirmar ao retomar um evento do passado da história nacional exaltando a figura de D. Pedro I na imagem, Alves entende que Pedro Américo se afastou, em alguns aspectos, da estética neoclássica ao dar grande destaque a uma figura popular que nela se apresenta: o tipo caipira à frente do carro de bois que representa o habitante de São Paulo. Essa figura ou retrato dos habitantes de São Paulo, bem como a paisagem da região teria aparecido pela primeira vez numa grande pintura a óleo, segundo o estudioso. A pesquisa revelou que até então, essa http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_idioma=28555&cd_item=3&cd_verbete=1831 http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/Enc_Obras/dsp_dados_obra.cfm?cd_obra=1431&st_nome=Am%E9rico,Pedro&cd_idioma=28555 figuração só tinha se dado em aquarelas ou em pinturas a óleo sobre papel, de tímidas dimensões, como o trabalho de Hercule Florence, O caipira paulista (1831). O quadro Independência ou morte! teria atendido aos anseios dos paulistas que vinham buscando afirmar uma imagem positiva sobre si mesmos no contexto nacional, já que no conjunto do país, eles eram descritos como habitantes de um lugar atrasado, onde imperavam hábitos e moradias simplórios". Desde o século XVIII, em São Paulo, em oposição a essa visão, se desenvolvia uma produção ideológica que visava fixar uma imagem valorosa em torno dos habitantes locais ressaltando sua bravura, coragem, integridade e liderança. No final do século XIX, essas características foram imputadas aos sertanistas no período colonial, que passaram a ser chamados de bandeirantes, especialmente na produção dos escritos do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e através da constituição do acervo do Museu Paulist a. Sobre a primeira instituição assim se refere Schwarcz: Fruto dos primeiros anos da República, o IHGSP buscava no ‘destemido aventureiro’, em um evento remoto, legitimação para a origem próxima. Na defesa do branqueamento racial e na seleção do bandeirante como tipo local, o IHGSP encontrava certezas diferentes. Na primeira, a pretensão de um futuro determinado; na segunda, a estabilidade de uma origem comum e digna, de um passado glorioso para essa elite recente. ((SCHWARCZ, 1993, p. 133) ) De acordo com essa ideologia, os bandeirantes teriam sido os responsáveis pela conquista do território nacional devido às suas atitudes corajosas pelo sertão, atitudes essas que teriam se dado de modo independente do projeto colonizador português. Desenvolveu-se uma ideia de que os paulistas sempre estiveram mais voltados para os interesses do interior do que para os da metrópole. Em suma, a presença dos bandeirantes no processo de "desenvolvimento" do país foi supervalorizada e, por consequência, seus descendentes que, aliás, naquele momento, encontravam-se a frente da bem sucedida economia cafeeira. Alves afirma que a inserção da figura do caipira na obra deAmérico reflete a intenção dos paulistas em reforçar sua importância para a continuidade do "progresso" da nação iniciado pelos bandeirantes; o que concordava com os investimentos que vinham se dando nos textos historiográficos e na literatura regional. O carroceiro em meio a um acontecimento tão fundamental para a história nacional como a Independência objetivava posicionar os paulistas num momento crucial para a história pátria. Assim, Américo manteve a importância do ato de desligamento do Brasil em relação a Portugal por meio de D. Pedro I, mas o evento só ganhou real significado porque se dera em solo paulista onde os indivíduos estavam em constante movimento pelo progresso e engrandecimento da nação; os paulistas continuavam atuando para isto, mesmo diante de atitude tão gloriosa: (...) o carroceiro é desligado e estranho aos outros grupos que se lhe seguem, ?como se tivessem uma ação e vida independentes da ação geral?. Nada o liga de maneira imediata ao grito, nenhum gesto, nenhuma consequência ou exigência repentina. A sua importância, no entanto, é crucial. Ali está projetado o paulista, retratado pela primeira vez em uma tela de tal importância realizada por um dos pintores mais renomados do país. ((ALVES, 2003, p. 187) ) Alves defende que a obra de Américo foi financiada por membros da elite paulista tais como o Barão de Bom Retiro e o Barão Homem de Melo, e observa que é importante levar em conta tal tipo de informação matizando a tese de que "a tela está ligada a um projeto de ?propaganda do Imperador?"; é preciso considerar: "as ligações de Pedro com outros círculos de poder, e quais os grupos que se identificaram e quais se sentiram atingidos por todo esse processo e pela forma final da tela" (Idem, p. 189). O estudioso toma documentos que confirmam as condições de encomenda da obra, e, também, faz uma análise formal da mesma para defender seu ponto de vista. Observa que, o carroceiro não funciona como um mero acessório, já que, apesar de orientar o espectador a olhar para o plano superior onde está D. Pedro, aparece em destaque: no primeiro plano (canto esquerdo da tela), ele é o único indivíduo que aparece numa grande dimensão; é mesmo dado a observar em suas minúcias, mais do que Pedro I. Alves reforça sua tese retomando os acontecimentos da "Exposição Geral da Academia de Belas Artes" em 1879 no Rio de Janeiro. Naquele ano, dois reconhecidos pintores, Vitor Meirelles e Pedro Américo, oriundos da Academia, tiveram seus quadros no gênero de pintura histórica expostos lado a lado: A Batalha de Guararapes e A Batalha do Avahy, respectivamente. A pintura histórica era considerada como um gênero "hierarquicamente superior aos outros – retrato, natureza-morta, paisagem – porque os engloba todos, numa articulação complexa, arduamente obtida" (COLI, 2000, p. 376), e por isso, as obras de Meirelles e Américo foram observadas com minúcias pelos críticos de arte da época. Na ocasião, um segmento da crítica expressou grande descontentamento em relação à obra de Pedro Américo, reconhecendo-a como um desvio quanto aos padrões academicistas. Observaram que nela "o artista abandonou as cediças linhas da composição acadêmica". Para alguns constituía "um imperdoável erro", porque desprezava "os mais austeros princípios da arte" (ALVES, 2003, p. 147), que os levava a afirmar que o artista "não respeita os cânones sagrados da hierarquia entre as figuras, seja pela composição, seja pela perspectiva" (Idem, p. 158). Também, o excesso de movimento na obra gerou muitos incômodos. Na opinião do autor, essas considerações sobre a pintura de Pedro Américo o fazia apto a assumir a incumbência de pintar um quadro histórico sobre o grito da Independência do Brasil que se desviasse do padrão neoclássico, permitindo, assim, a exaltação de uma figura popular tal como o carroceiro que funcionaria como o representante do paulista valoroso que temos apontado aqui. Américo teria se adaptado à nova situação sócio-política no país atendendo no momento em que pintara Independência ou morte! aos interesses da nova elite que vinha assumindo papel de destaque no conjunto da nação, o que se confirma com a ascensão de Prudente de Moraes, primeiro presidente paulista no governo republicano em 1894. Independência ou morte! Documento acerca da história regional (São Paulo) Na aula anterior, propusemos uma atividade didática sobre a obra de Pedro Américo de acordo com uma visão que a tomara como um documento promovido pelo governo imperial. Agora, sugerimos que o professor a aborde em sala de aula com base na reflexão de Caleb Alves que afirma sua adesão ao projeto ideológico da classe de cafeicultores que em São Paulo despontou a partir dos anos de 1870, e que ganhou projeção nacional no contexto da Primeira República. Assim como o fizemos na aula 19, apresentamos, aqui, um texto de livro didático para a promoção da reflexão em questão: A representação mais consagrada e difundida da Independência surge no quadro Independência ou morte, de Pedro Américo. Apresentado pela primeira vez em 1888, ele se transformou na versão oficial do gesto que funda o país. (...). De acordo com esse quadro, o brasileiro passa ao largo da ação, pois negligentemente contorna a colina do Ipiranga com seu carro de boi, sem perceber a magnitude do evento. ((COTRIM, Gilberto. História Global - Brasil e Geral. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 408)) Neste caso, estamos propondo que se observe duas visões diferentes acerca do indivíduo que na tela aparece no canto esquerdo inferior. Como se vê, na concepção de Cotrim, o carroceiro a frente do carro de bois no contexto da obra simboliza a marginalização do homem do povo no ato da proclamação da Independência. O professor pode questionar, então, se o trecho retirado do livro didático para o Ensino Médio referindo- se à imagem que sobressai da tela de Pedro Américo está de acordo com a visão que foi apresentada com base na tese de Caleb Alves. Espera-se que o aluno, então, seja capaz de concluir que Cotrim tem uma visão diferente da visão que aqui se apresentou, já que esta não concebe que o carroceiro representa "o brasileiro", e que não ocupa uma posição tão marginal no contexto da obra. Referências • ALVES, Caleb Faria. Benedito Calixto e a construção do imaginário republicano. Bauru, SP: EDUSC, 2003. • COLI, Jorge. A pintura e o olhar sobre si: Vitor Meirelles e a invenção de uma história visual no século XIX brasileiro. In: FREITAS, Marcos Cezar. Historiografia Brasileira em perspectiva . São Paulo: Contexto, 2000. • SCHWARCZ, Lil ia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil ¿ 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. • BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. • BLOCH, Marc. Introdução à História. Lisboa: Europa-América, s/d. • BURKE, Peter. A Escola dos Annales – a Revolução francesa da historiografia (1929-1989). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. • CATELLI JUNIOR, Roberto. História- texto e contexto. São Paulo: Scipione, 2006. • MATTOS, Claudia Valladão. Independência ou Morte!: O quadro, a Academia e o projeto nacionalista do Império. In: MATTOS, Claudia Valladão; OLIVEIRA, Cecília Helena (orgs.). • O Brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp , Museu Paulista da USP, 1999. • SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Bárbas do imperador. D. Pedro, um monarca nos trópicos . São Paulo: Companhia das Letras, 1998. • MATTOS, Claudia Valladão. Independência ou Morte!O quadro, a Academia e o projeto nacionalista do Império. In: MATTOS, Claudia Valladão; OLIVEIRA, Cecília Helena (orgs.). O Brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, Museu Paulista da USP, 1999. • NAVES, Rodrigo. A Forma difícil ¿ ensaios sobre arte brasileira. 2. ed., São Paulo: Ática, 1997. • TIRAPELI, Percival. Arte Imperial: do neoclassicismo ao ecletismo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006. • ARGAN, Giulio Carlo.Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. • COLI, Jorge. Da luz e da sombra. Folha de São Paulo , 02 de outubro de 1987. (B-3 a B-7). • FEBBRARO, Flavio; SCHWETJE, Burkhard. Cómo leer la história en El arte. Barcelona: Electa, 2010. • GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993. • FRIEDLAENDER, Walter. De David a Delacroix. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. • SAINT-JUST, Louis. O espírito da revolução e da constituição na França. Tradução: FACHIN, Lídia. São Paulo: Ed.Unesp, 1989. • STAROBINSKY, Jean. 1789 – Os emblemas da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. • A VINCI, Leonardo. Tratado de La Pintura . In: BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo; MARQUES, Adhemar. História moderna através de textos . São Paulo: Contexto, 1989. • HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998. • SEVCENKO, Nicolau. Entrevista In: BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo; MARQUES, Adhemar. História moderna através de textos. São Paulo: Contexto , 1989. • CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense, 1984. • FRANCASTEL, Pierre. A Realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1982. • GOMBRICH, E. História da arte. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. • SANTOS, Maria das Graças Proença. História da arte . 16. ed. São Paulo: Ática, 2003. • ARGAN, Giulio Carlo; FAGIOLO, Maurízio. Guia de História da arte. Lisboa: Estampa, 1977. • BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004. • FOCILLON, Henri. A vida das formas. Lisboa: Edições 70, 1988. • GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. • GOMBRICH, E. História da arte. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. • PANOFSKY, Erwin. Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte do renascimento. Lisboa: Estampa, 1986. • RAMOS, Francisco Régis L. A danação do objeto: o museu no ensino de História. Chapecó: Argos, 2004. • FAURE, Élie. A arte antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1990. • GOMBRICH, E. Histór ia da arte. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. • SANTOS, Maria das Graças Proença. Histór ia da arte. 16. ed. São Paulo: Ática, 2003. • VICENTINO, Cláudio. Atlas Histór ico: Geral e Brasi l. São Paulo: Scipione, 2011.painéis eletrônicos de nossa época sejam questionados enquanto elementos que participam de tramas complexas da vida social. A televisão, por exemplo, como um veículo de comunicação de massa que alcança, hoje, praticamente todas as residências no Brasil, necessita ser problematizada em sala de aula para que se supere a visão de que ela se constitui num mero veículo de entretenimento. Assim, também, o cinema que, muitas vezes, é subutilizado pelo professor, ao entrar no programa de ensino, geralmente, para ilustrar certas realidades históricas. É, no entanto, preciso fazer reconhecê-lo como um objeto que pode carregar ideologias de acordo com interesses de grupos particulares no âmbito de ordens sociais determinadas, revelar mentalidades e imaginários acerca do conjunto da sociedade. Em suma, as aulas que aqui se apresentarão deverão auxiliar os professores do Ensino Básico a exercerem suas práticas de ensino utilizando documentos iconográficos de acordo com as discussões realizadas nas práticas de pesquisa na área da História. As artes plásticas e o ensino de História Chamar a atenção para as possibilidades da adoção das artes plásticas, notadamente as pinturas, nas práticas de ensino. Elucidar a importância desses documentos iconográficos para a compreensão da cultura das sociedades na História. As abordagens da obra pictórica e os estudos históricos A importância dos variados documentos iconográficos para a pesquisa histórica e para o ensino de história já vem sendo ressaltada ao longo das aulas anteriores. A partir desta aula trataremos, particularmente, das possibilidades de análise da arte pictórica, ou seja, das pinturas para a historiografia e para o ensino de História. Como já foi observado na apresentação desta disciplina, cada tipo de fonte imagética requer conhecimentos específicos para sua adoção no âmbito da pesquisa e do ensino. Chamamos aqui a atenção para a existência de múltiplas abordagens das artes plásticas no âmbito das ciências humanas. Argan (1977) discorre sobre quatro metodologias de análise: a formalista, a semiótica, a sociológica e a iconológica. Suas considerações sobre cada uma delas levam a concluir que as duas primeiras não atendem aos interesses dos historiadores já que levam à observação das formas ou das estéticas, sem vinculá-las aos seus contextos de produção e sem atentar para as permanências ou rupturas que revelam nesses contextos. A historiografia contemporânea tem, portanto, adotado as metodologias sociológica e iconológica no processo de pesquisa. A partir da primeira objetiva-se avaliar as condições de produção das obras; dela decorre questionamentos sobre a condição social de seus autores, os mecanismos de encomenda das obras, os movimentos do mercado artístico, a crítica de arte e os in teresses que podem ser de ordens variadas e que determinam certas ideologias. O método iconológico impulsiona questionamentos sobre o sentido das imagens em suas próprias épocas, quer dizer, dele se apropriam estudiosos que tencionam atingir as mentalidades ou o imaginário das sociedades nas quais foram produzidas tais imagens. Concebe que a atividade artística resulta de impulsos no nível do inconsciente individual e coletivo, podendo revelar, assim, as concepções de "uma época, uma nação, uma classe, crença religiosa ou filosófica" (PANOFSKY, 1986, p. 22) e que as imagens produzidas no interior de uma formação social podem se propagar no tempo, assumindo significados novos, de acordo com as condições nas quais se inserem. Daí decorrem, inclusive, análises que se propõem a discutir a recepção das obras em diferentes contextos históricos. Essa última postura analítica resulta em trabalhos que têm buscado alcançar, fundamentalmente, elementos da cultura das sociedades estudadas. Tanto a abordagem sociológica quanto a iconológica não prescindem da observação dos aspectos formais das obras para os objetivos a que se propõem. Especialmente, a iconologia considera como etapa preliminar da análise a identificação dos "motivos artísticos", que no caso da pintura diz respeito aos elementos que a compõem: o tipo de desenho, a coloração, a variedade de planos ou o tratamento da perspectiva. Entende que é por meio da associação das formas com os temas representados que se pode atingir o fundamental: o "significado intrínseco" das obras em suas épocas. De acordo com essa concepção, deve-se observar não apenas o tema ou o assunto que está sendo representado, mas também a forma como ocorre a representação para atingir o objetivo em questão. Por exemplo, se compararmos as representações da Virgem e do Menino feitas na Idade Média com as que foram produzidas no Renascimento, notaremos imagens muito diferentes. Tomemos como exemplo a obra de Maestro Del Bigallo (c. 1275) e a obra de Giovanni Bellini (c.1488), ambas do acervo do Museu de Arte de São Paulo. Enquanto a primeira foi desenvolvida em um único plano, com linhas simples, sem muita proporcionalidade entre as figuras e com pouca gradação de cores, a outra ostenta um desenho mais complexo, com extrema proporcionalidade e uma multiplicidade de cores que causam uma ilusão muito grande de realidade ao exibir uma forma bastante volumosa. Apesar de o tema ser o mesmo, a maneira diferente com que é representado revela as diferenças de mentalidade entre as duas épocas. Na Idade Média não havia tanta preocupação em mostrar figuras tão "humanas" quanto no século XV, isto porque era importante que as pessoas visualizassem essas figuras do modo mais sagrado possível; tanto é que, na maioria das vezes, elas eram colocadas em planos dourados que significavam uma esfera distante da Terra. Em contrapartida, no Renascimento as figuras representadas passaram a adquirir feições e corpos humanizados. Essa humanização das figuras sacras (Virgem, Cristo, anjos, santos, apóstolos) relaciona -se, segundo estudiosos, à nova mentalidade que se desenvolveu a partir da ascensão da classe burguesa, que passou a investir em novas imagens em oposição à sociedade marcadamente teocêntrica da Idade Média. O antropocentrismo da época levou os artistas a posturas b em suas composições. Nessa fase os homens sentiam-se os seres mais privilegiados em meio às criações de Deus, já que podiam compreender todas as demais criações e, inclusive, intervir sobre elas. Esta mentalidade se expressa na máxima de Descartes: "Penso, logo, existo". Segundo analistas dessas representações do Renascimento, baseando-se na abordagem iconológica, a representação das figuras sacras serviu para comunicar ideias muito distintas da cultura medieval. Acima de tudo, o homem renascentista preocupou-se em demonstrar sua capacidade de dominar a natureza, e nisso se incluíam as artes, pois por meio dela demonstrava-se a destreza em registrar ou copiar minuciosamente a realidade. Assim, nestas aulas, concordando com a importância da arte e, em especial das pinturas para a compreensão das sociedades e de seus processos históricos, adotaremos o padrão sociológico e iconológico de análise, estendendo-o às práticas de ensino de História. As artes plásticas no ensino de História Reproduções de imagens tornaram-se correntes nos livros didáticos. Em sua maioria, além de fotos, caricaturas e ilustrações, eles contêm reproduções de pinturas brasileiras e estrangeiras, dispostas ao longo de seus vários capítulos. No entanto, nem sempre essa documentação tem sido satisfatoriamente utilizada. Como observado, os historiadores extraem informações valiosas desses materiais e, na maioria das vezes, nas obras didáticas, as imagens são apenas expostas e destituídas de questionamentos e considerações que seriam muito significativas para a compreensão da História. O objetivo das aulas que seguem é o de instrumentalizar o professor a tomar as imagens pictóricas como objeto de reflexão em suas práticas de sala de aula, quer seja por meio dos materiais didáticos qu e as apresentam em circunstância quenão consideram seu potencial, quer seja para que ele próprio inclua esses documentos em suas pesquisas, respaldando sua atividade docente, ou ainda, para que possa propor e desenvolver projetos que envolvam a observação direta em museus e acervos que contenham tais objetos. A propósito desse último caso, é importante que o professor reconheça a relevância de promover o contato direto dos alunos com as obras, possibilitando, assim, a observação de todos aqueles elementos formais que as envolvem e facilitando compreensão das conclusões a que se pode chegar sobre elas. Além disso, estará também colaborando para desfazer preconceitos em torno das artes plásticas, como o que insiste em reconhecê-las como participantes de um universo elitista, portanto, vedadas à assimilação do conjunto da sociedade. É importante que o professor reconheça a necessidade de planejar as visitas aos acervos e que elas estejam completamente relacionadas às aulas e ao programa de ensino, ou seja, fazer do contato com esses materiais um momento de estudos e reflexões. Para isso, muitos métodos podem ser adotados. De qualquer modo, é fundamental a proposição de atividades bem orientadas, a fim de que o trabalho realizado fora da sala de aula seja bastante proveitoso. O ideal é a confecção de um material que leve os alunos a observar minuciosamente obras pré-selecionadas, para que possam ser vinculadas ao trabalho desenvolvido em torno de determinadas temáticas. Conforme o que fora tratado aqui, deve-se explorar todos os aspectos formais das obras, relacionando-os aos temas que representam para o alcance de seu significado em sua época. Além disso, é pertinente observar a localização das obras em suas sociedades de origem, bem como a reflexão sobre os p rocessos de produção que as cercam. Portanto, as reflexões e as propostas que aqui se apresentam em torno das pinturas tencionam chamar a atenção do professor para que elas não se transformem em meras ilustrações em suas práticas e, portanto, para fazer com que seus alunos reconheçam seu potencial documental. 1. Várias instituições na cidade de São Paulo contêm acervos significativos para o desenvolvimento de atividades com base em documentos pictóricos. Visite o Museu de Arte de São Paulo (MASP), a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu Paulista, o Museu de Arte contemporânea da USP e o Museu de Arte Moderna de São Paulo. 2. Acesse o site a seguir do Museu da Arte de São Paulo para visualizar a pintura Virgem em Majestade com o menino e Dois Anjos, de Maestro Del Bigallo. Disponível em: masp.art.br. Acesso em: 30 out. 2013. http://masp.art.br/masp2010/acervo_detalheobra.php?id=50 3. Acesse o site do Museu da Arte de São Paulo para visualizar a pintura A Virgem com o Menino de Pé, Abraçando a Mãe, de Madona Willys. Disponível em: masp.art.br.Acesso em: 30 out. 2013. Chegamos ao fim desta aula. Agora, faça os exercícios propostos. Caso fique alguma dúvida , leve a questão ao Fórum e divida-a com seus colegas e professor. A arte do Paleolítico como objeto de pesquisa e ensino Oferecer instrumentos para que as pinturas rupestres sejam adotadas como objeto de análise nas práticas de ensino de História. Entendendo o efeito "realista" das pinturas no Paleolítico Temos chamado a atenção, até aqui, sobre o objetivo do historiador frente aos objetos iconográficos, como o de recuperar o sentido das imagens em suas próprias épocas. Para que cheguemos a isso, devemos observar os temas contidos nas representações imagéticas e, sobretudo, as formas com que eles são apresentados. Nesta aula, abordaremos as pinturas rupestres da época do Paleolítico superior (aproximadamente 35.000 a. C. – 10.000 a. C.), a fim de observar o que os analistas concluem sobre as suas motivações, buscando refletir sobre o uso dessas imagens nas práticas de ensino de História. Os estudiosos afirmam que foram feitas nas profundezas das cavernas, portanto, nas áreas mais escuras, o que se fez sob a luz das chamas do fogo e com tintas extraídas do sangue dos animais e das substâncias da natureza, como clara de ovos, carvão, óxido de ferro. Ressaltam a preponderância de figuras de animais e, analisando os elementos formais dessas pinturas parietais, destacam a precisão de seus desenhos, o uso da perspectiva e as regras da proporcionalidade que as revestem. A maneira como foram aproveitados os relevos das paredes, gerando uma ilusão de movimentação às figuras retratadas também é observada. Associando os conhecimentos que se tem acerca das condições de vida desses primeiros agrupamentos humanos, os pesquisadores que adotam esses documentos iconográficos atentam para o efeito "realista" provocado pelas imagens produzidas pelos "homens das cavernas". Questionando tal efeito, muitos têm defendido que essas representações de animais, expostas com tamanhas minúcias e movimentos, revelam a crença daqueles homens no poder das imagens. O domínio delas, segundo essa visão científica, implica na crença do domínio sobre o próprio objeto representado. De acordo com Gombrich: O ato artístico, de acordo com essa visão, fora fomentado pela necessidade de sobrevivência naquele período. Observar seus resultados implica em acessar a mentalidade dos primeiros agrupamentos humanos de que se têm notícias: Defende-se, portanto, que aqueles homens figuraram animais, quase que exclusivamente e de modo tão realista, porque acreditavam que ao captá-los em seus movimentos, desenhando-os e pintando-os, eles os possuiriam verdadeiramente, os conquistariam em suas caçadas, a fim de garantirem o primordial para suas vidas. Desse modo, encontrou-se uma resposta para a "perfeição" com que esses grupos figuraram os animais com os quais conviveram, privilegiando-os em detrimento da figuração dos próprios homens e mulheres da época. É o fato de terem optado por representar bisões, cavalos, cabras e da maneira peculiar com que o fizeram que levam a concluir que, na maior parte do tempo, a condição de sobrevivência ocupou a mente dos homens, o que determinou certa forma de religiosidade e de expressão artística. O uso das imagens rupestres no ensino O interessante em utilizar este tipo de documentação nas práticas de ensino é fazer com que os alunos observem as imagens, orientando-os na direção dos nossos objetivos. É fundamental que apresentemos questões que os levem a refletir sobre os temas, as formas e a localização das figurações, para que acompanhem o raciocínio dos estudiosos que as analisaram com profundidade. Assim, sugerimos que o professor crie oportunidades para que o aluno exercite seu olhar antes de lhe entregar a "chave" da compreensão das imagens; que lhe ofereça exercícios que o permita conquistar paulatinamente o sentido que se atribuiu a tais imagens. Por exemplo, supondo que o Paleolítico já tenha sido abordado pelo professor em aulas anteriores, poderíamos propor as seguintes questões, a fim de observar o conjunto de imagens das cavernas de Lascaux, na França, datadas de cerca de 17.000 a.C: Que figuras são representadas? http://masp.art.br/masp2010/acervo_detalheobra.php?id=62 Resposta: Animais tais como, cavalos, cervos, bisões. a. Estas figuras se assemelham a figuras reais? b. Você acha que a forma como foram feitas colaborou para isso? Resposta: a. Sim, são semelhantes a animais reais. b. Sim, pois os artistas desenharam imitando as formas reais dos animais por meio de linhas arredondadas; fizeram uso da proporcionalidade, por exemplo, desenhando olhos que estão de acordo com o tamanho das faces, assim como pernas e patas que concordam com a dimensão dos corpos. As cores também estão próximas da realidade, não tendo sido usados o vermelho e o azul, por exemplo, para a representação dos corpos. Outro elemento importante é que essas figuras não são estáticas e parecem se movimentar; o modo como foram fixadas de acordo com o relevo das rochas levam a essa sensação. Você acha que outras figuras poderiam tersido desenhadas ou pintadas nessas paredes? Quais? Resposta: Sim. Poderiam ter representado outros elementos da natureza, tais como a vegetação e poderiam ter representado a si mesmos. Quais motivos, então, levaram esses homens a focarem nas figuras observadas na primeira questão? Resposta: A preponderância de representações de animais mostra que eles viviam muitíssimo preocupados com sua sobrevivência, pois eram nômades, coletores e caçadores. A perfeição com que representaram esses animais faz perceber que eles os observavam minuciosamente e que, provavelmente, essas imagens serviam de alguma espécie de culto, que poderia fortalecer os homens em seu processo de sobrevivência. O documentário de Werner Herzog (2010), com duração de 90 minutos, foi filmado em terceira dimensão na Caverna de Chauvet, na França, e aborda o conjunto das mais antigas imagens rupestres conhecidas (33.000 anos). A observação dessas imagens produzidas em tempos tão remotos poderia, ainda, levar a compará-las com outras imagens parietais, na perspectiva de atentar para a variedade dos sentidos em sociedades e épocas distintas. Comparando, por exemplo, as figurações europeias com as que se realizaram no Brasil em tempos posteriores, como as da Serra da Capivara, no Piauí, observa-se que essas últimas trazem outros motivos, tais como figuras humanas em situações que não se apresentam nas pinturas até aqui tratadas. Os estudos acerca dessas imagens ainda estão em fase inicial, mas os analistas já apontam que muitas delas fazem narrativas de rituais e de cenas de convívio envolvendo adultos e crianças, o que expõe grande diferença em relação às pinturas do Paleolítico. Maiores explicações sobre as motivações pa ra tais narrativas ainda estão por vir. Interessante, também, seria abordar as pinturas contemporâneas nos muros das grandes cidades: os grafites. Estes revelam, na maioria das vezes, denúncias contra a ordem estabelecida, contra os governantes ou contra ideias e valores vigentes. Todas essas representações em paredes guardam, portanto, particularidades (especialmente, nos temas e nas formas) que dizem respeito, exclusivamente, às sociedades nas quais foram produzidas. É isso que cabe observar nas práticas de ensino. Revelam-se ótimos exemplos de como a história humana compõe- se de continuidades e de descontinuidades (transformações), afinal, a prática que se iniciou há cerca de 33.000 anos ainda se mantém, contudo, modificara-se, principalmente, em sua estética. Observa-se que o modo "realista" da figuração paleolítica não foi aplicado nas pinturas do Piauí, nem na arte de rua das metrópoles atuais. A civilização egípcia — artes plásticas e ensino de História Atentar para a importância das artes visuais, especialmente as pinturas tumulares para a compreensão da cultura religiosa no Egito antigo, e propor formas para abordá-las no contexto das práticas de ensino. O conhecimento da cultura egípcia por meio das artes Na aula anterior, tratamos das pinturas rupestres e observamos sua ocorrência em diferentes situações históricas apontando as singularidades de suas formas de acordo com as sociedades nas quais foram produzidas. Nesta aula, abordaremos a pintura egípcia da Antiguidade produzida por volta do século XV a.C. Alguns estudiosos, como André Lothe (apud FRANCASTEL, 1982, p. 155-160), observaram suas semelhanças em relação à pintura moderna do século XX, principalmente a pintura cubista na Europa. Esta Imagem faz parte da sequência desta aula e, portanto, é essencial para a aprendizagem. IMAGEM Essa comparação, no entanto, só pode ser feita levando-se em conta os aspectos formais das duas modalidades artísticas. Atentando para a "função" ou o papel que tiveram em suas sociedades reconhecem-se suas profundas diferenças. Daí, concordamos com Pierre Francastel: "É preciso [...] evitar, como se faz algumas vezes, concluir um pouco superficialmente que os princípios que inspiraram essa arte são idênticos aos nossos" (FRANCASTEL, 1982, p. 155). Em que aspectos as formas artísticas das pinturas egípcias e as de Matisse, Cézanne, Gauguin e Picasso se assemelham? A ausência de profundidade, a utilização de poucas cores e a exclusão de movimentos, de perspectiva e de proporcionalidade, expressam tal compatibilidade. No entanto, é preciso levar em conta a localização destas pinturas em suas sociedades de origem, bem como as condições que envolveram as práticas dos artistas para reconhecer as especificidades destas figurações. A pintura egípcia era muito padronizada, ou seja, os artistas não se dedicaram a realizar trabalhos diferenciados entre si. As representações de pessoas, animais, vegetação seguiam sempre os mesmos modelos. Não é o que ocorre na arte moderna na qual os pintores buscam originalidade procurando demarcar formas próprias de expressão. Cabe questionar por que motivos os egípcios mantiveram-se tão presos a modelos pré-determinados em sua época. Recordando o que se viu na aula anterior, podemos concordar com os estudiosos das artes que a humanidade não passou por um processo evolucionista que a tornara mais capacitada tecnicamente a se expressar artisticamente. Lembremos que os homens do Paleolítico desenvolveram figurações muito "realistas", adotando variedade de planos, proporcionalidade, perspectiva que gera, aliás, ilusão de movimento dos objetos retratados. Certamente, os egípcios tinham condições de realizar representações semelhantes àquelas de 33.000 anos atrás. As condições intelectuais e técnicas de sua sociedade se revelaram em muitas atividades, inclusive, nas artísticas como a que se expressou na escultura e na arquitetura; esta última, especialmente explícita nas magníficas pirâmides. Por que, no âmbito das pinturas, os egípcios adotaram formas "simples" e pouco variadas? Para responder, é preciso atentar para os locais onde se encontrava tal arte. Não se destinava à esfera pública; reclusa no interior dos túmulos privados estas pinturas não foram feitas para serem apreciadas. Nas paredes desses túmulos que, aliás, "eram os mais ricos de toda a História humana em oferendas enterradas com defuntos" (CARDOSO, 1984, p. 72), grande quantidade de figuras foi registrada. Representações da vida cotidiana dos homens ricos tais como o convívio em família, atividades de trabalho realizadas por escravos nas propriedades agrícolas, situações de caça e pesca, cenas envolvendo cultos às divindades são alguns exemplos de registros como podemos verificar nos fragmentos das paredes das tumbas de Sobekhotep e de Nebamun (séculos XIV e XV a.C.) expostas no Museu Britânico em Londres. As figuras humanas são sempre representadas da mesma forma. Seguem a lei da frontalidade que "determinava que o tronco da pessoa fosse representado sempre de frente, enquanto sua cabeça, suas pernas e seus pés eram vistos de perfil". (PROENÇA, 2006, p. 19) De acordo com estudiosos, essa figuração seguia esse padrão sem que houvesse modificações porque o que interessava àqueles que contratavam o serviço dos artistas era que eles registrassem nas paredes http://www.centrepompidou.fr/cpv/ressource.action?param.id=FR_R-21846d3a1146db1071487fd621b8eed5¶m.idSource=FR_E-21846d3a1146db1071487fd621b8eed5 dos túmulos o maior número de informações sobre o que cercara suas vidas na ter ra. A eles importava a representação de tudo "o mais claro e permanentemente possível" (GOMBRICH, 1988, p. 34). Por isso, as figuras humanas assumiam sempre a mesma forma; não poderia pairar dúvida de que algo que deveria ser visto como uma mulher, por exemplo, não o fosse. Desse modo, essas pinturas tinham a função de armazenar certas memórias: O que motivava esse acúmulo de informações? Segundo alguns, essa expressão artística relacionava -se à religiosidade; por acreditarem na imortalidade da alma, os egípcios julgavam que aquele que preservasse os registros sobre a vida terrena garantiria que, após a morte, se pudesse continuar usufruindodas condições anteriores. Daí, alguns analistas associam as figuras egípcias das pinturas tumulares às letras do alfabeto. De tão fixas elas podem ser equiparadas a uma espécie de escrita. Aliás, ao lado das figurações era bastante comum a inserção de hieróglifos. Possibilidades de análise da figuração pictórica egípcia no ensino básico O desafio que se apresenta ao professor é o de que desenvolva atividades que incitem os alunos a se questionarem sobre o modo como os egípcios se expressavam artisticamente, mais precisamente por meio das pinturas para que reconheçam, conforme o que se apresentou até aqui, que essa expressão estava fortemente relacionada a um traço dessa cultura, à religiosidade. Pode- se, inicialmente, orientar o olhar para a percepção da particularidade das formas em questão por meio de perguntas, tais como: • Que tipo de figuras eram pintadas pelos egípcios? • Elas são todas proporcionais entre si? • Apresentam-se em perspectiva, ou seja, seus membros concordam entre si quando vistos de determinados ângulos? • Que tipo de cenas são representadas? Na sequência, o professor pode informar sobre a localização dessas pinturas e, também, que, além delas, nos túmulos ainda eram colocados vários pertences do morto. Tais observações tencionam chamar a atenção sobre a importância dada para a reunião de muitos elementos da vida das pessoas que aí eram confinadas após a morte. Por isso, também, buscou-se preservar os corpos dessas pessoas adotando técnicas de mumificação objetivando mantê-los em perfeito estado para a recepção da alma na nova condição. Deste modo, o professor ajudará o aluno a compreender que as imagens estavam a serviço da mesma ideia que orientava aquela prática. É dessa maneira que sugerimos que o professor permita entender como os pesquisadores foram se aproximando da cultura de um povo tão afastado no tempo; relacionando as pinturas com outros documentos, foram concluindo que elas se constituíam em um elemento a mais para a garantia da continuidade da vida nos moldes em que aquela tinha se dado até a morte. As observações quanto às formas deverão levar à conclusão de que os egípcios não se importavam com a "perfeição" das figuras porque seu objetivo era o de registrar o máximo de informações sobre a pessoa em questão e, para isso, não era necessário exibi-las, por exemplo, nos moldes em que fizeram os homens do Paleolítico. É, portanto, fundamental reconhecer que a abordagem das pinturas egípcias no ensino básico só se faz importante quando associada à discussão sobre a religiosidade. Comumente, os livros didáticos tratam separadamente os dois itens: arte e religião. De nada adianta pedir para que o aluno observe as formas das pinturas sem vinculá-las às suas condições de produção e de exposição; conhecimentos sem os quais não se alcança o sentido ou o papel que exerceram em sua época. 1. Acesse o link a seguir do Museu Britânico, para visualizar imagem da Tumba de Sobekhotep (c.1400 a.C.). Parede pintada calcário. Disponível em: http://www.britishmuseum.org/ . Acesso em: 31 out. 2013. 2. Veja a imagem Estuque e lama pintura de parede no site do Museu Britânico. Disponível em: http://www.britishmuseum.org/. Acesso em: 31 out. 2013. 3. Acesse o site a seguir e visualize imagens da Tumba de Nebamun (c. 1350 a.C.). Disponível em: http://www.britishmuseum.org/ . Acesso em: 31 out. 2013. 4. Acesse o site do Museu Britânico e veja um fragmento de um túmulo-pintura policromada representando Nebamum. Disponível em: http://www.britishmuseum.org/. Acesso em: 31 out. 2013. O Renascimento e a arte moderna Observar as diferenças formais entre as obras de arte renascentistas e as modernas, objetivando tomar os dois conjuntos como fontes de pesquisa e de ensino, reconhecendo-as como representantes de suas específicas épocas. As oposições entre a arte renascentista e a arte moderna Trataremos agora da figuração mencionada na aula anterior, da pintura moderna, a fim de compreender os elementos que a determinaram, especialmente a partir do século XX, no contexto europeu. Para tanto, será necessário evocar a arte pictórica do Renascimento (séculos XV – XVII), já que aquela se configurou como uma oposição declarada aos padrões por ela estabelecidos. Exemplo Tomaremos um exemplar de cada uma dessas manifestações artísticas para proceder à comparação dos elementos formais que as constituem. Observando as obras A Virgem e São João e as Santas Mulheres (c.1480) de Hans Memling e Mulher Chorando (1937) de Pablo Picasso, percebe-se as diferenças quanto aos desenhos, o uso das cores, a presença dos planos, a adoção da perspectiva e a proporcionalidade entre as figuras retratadas. A obra renascentista gera uma forte sensação de realidade, por meio de uma grande multiplicidade de cores, as quais levam à observação de imagens volumosas; também visualizam-se três planos, o que faz enxergar figuras próximas e paisagens mais ao longe, figuras tratadas com o uso de perspectiva. De outra forma, na obra de Picasso não há profundidade e, embora as cores sejam vivas, elas são poucas, o que não colabora para a ilusão de densidade e massa da figura representada, que não se apresenta proporcionalmente e que, aliás, se expõe de modo totalmente embaralhado. Acompanhemos as observações dos historiadores que adotam essas figurações para entender os contextos históricos nos quais se desenvolveram. Sobre a estética renascentista Hauser (1998, p. 281-282) aponta: Segundo o autor, a uniformidade expressa por essa arte estava relacionada ao racionalismo, que na época perpassava todas as instâncias da vida humana: a cultura, a economia, as relações sociais e a política. http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details/collection_image_gallery.aspx?assetId=101661&objectId=117385&partId=1 http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details/collection_image_gallery.aspx?assetId=102727&objectId=124943&partId=1 http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details/collection_image_gallery.aspx?assetId=244332&objectId=112641&partId=1#more-views http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details/collection_image_gallery.aspx?assetId=244330&objectId=119661&partId=1 Os princípios artísticos expressam a aversão pelo "incalculável e pelo incontrolável", estando de acordo com: Esse tipo de análise leva à necessidade de observar, portanto, para além dos temas representados pelos renascentistas na época. Os europeus continuaram a pintar figuras sacras como Cristo, a Virgem, os santos e os apóstolos, porém, o fizeram de modo completamente diferente dos medievais (como já se observou na aula 11). A estética renascentista revela sob essa ótica uma nova postura diante do mundo, estando relacionada às transformações provocadas pela ascensão da classe burguesa, no contexto da transição da visão teocêntrica (Ideia dominante na idade média europeia, que colocava Deus como centro do mundo ) para a antropocêntrica.(Consiste na visão do mundo que tem o homem como principal referencial e está presente em todos os setores da sociedade contemporânea) Também por meio das artes, o homem ostentava a certeza de sua capacidade de dominação e de controle da realidade. A oposição frontal a essa estética ocorreu no século XX, o que se tornou mais evidente com o movimento denominado Cubismo, o qual se afastou por completo da representação que se consagrara no Renascimento, ou seja, da forma de expressão que buscava demarcar as habilidades para representar minuciosamente a realidade. Pablo Picasso e Georges Braque são seus principais representantes e em suas obras recusaram por completo os elementos da estética clássica: A recusa das formas clássicas relaciona-se às posturas que a intelectualidade e os artistas, sobretudo após as duas grandes guerras, passaram a ter em relação às certezasde que a humanidade caminhava em progresso em direção a estágios superiores de civilização. As frustrações e os desencantos em face do mundo deveram-se a certa descrença em manter-se defendendo a primazia dos rumos da história ocidental, já que ela não mais poderia ser apresentada como um exemplo a ser seguido. A visão, portanto, de que também pelas artes confirmavam-se as capacidades humanas caiu por terra a partir desse momento. Desde então, os artistas buscaram contrariar tais convicções, utilizando-se dessa expressão para denunciar a postura arrogante e eurocêntrica diante do mundo. O olhar sobre ele, aliás, multiplicou-se. Por meio das figurações "embaralhadas" objetivou-se apresentar as várias possibilidades de observação dos objetos. A rebeldia quanto ao tratamento da perspectiva revelou-se, assim, um exemplo dessa oposição. A arte de modo geral, a pintura especialmente, passou a ostentar, então, uma rebeldia em face das "verdades" que se vinham afirmando pelo menos desde o século XV. A beleza e o equilíbrio das obras deram lugar a figurações aparentemente confusas e desequilibradas, assimétricas e desproporcionais. O estudo da mentalidade burguesa ocidental e as artes na sala de aula A partir deste conteúdo, o professor encontra-se diante de uma gama de opções para adotar os documentos iconográficos, na perspectiva de fazer seus alunos alcançarem, com base neles, a mentalidade e o imaginário das sociedades ocidentais. Se estiver trabalhando sobre a transição da Idade Média para a Idade Moderna, por exemplo, poderá se fixar nas obras renascentistas e tomar as pinturas em paralelo com documentos escritos, a fim de propiciar reflexões sobre as concepções de mundo da classe burguesa que determinaram práticas de todas as ordens. Um escrito do pintor italiano Leonardo Da Vinci pode ser um excelente documento para a reflexão em questão: 1. Acesse o site Museu de Arte de São Paulo para ver a imagem A Virgem em Lamentação, São João as Pias Mulheres da Galiléia (Hans Memling). Disponível em: http://masp.art.br. Acesso em: 31 out. 2013. http://masp.art.br/masp2010/acervo_detalheobra.php?id=162e 2. Acesse o site TATE para ver a obra de Pablo Picasso. Disponível em: http://www.tate.org.uk/art/artists/pablo-picasso-1767 . Acesso em: 31 out. 2013. O Neoclassicismo europeu Visualizar as possibilidades de abordagem dos documentos pictóricos produzidos na França, entre o final do século XVIII e o século XIX, para a reflexão quanto à promoção do ideário nacionalista da época. Compreendendo a estética neoclássica No século XIX ainda notamos continuidades da estética clássica renascentista nas artes ocidentais: "O modelo clássico permanece como ponto de referência para uma metodologia de projetos" (ARGAN, 1992, p. 22). No entanto, neste período, notam-se, também, novidades em relação a ela. O movimento artístico que daí decorre é intitulado de Neoclassicismo, e sua maior expressão deu-se na França no contexto revolucionário. Estudiosos como Jean Starobinsky (1989) o vinculam aos ideais de defesa dos interesses nacionais do período. Paralelamente à luta dos franceses contra a vigência dos padrões de convívio social do Antigo Regime, desenvolveu-se essa arte em concordância com a filosofia Iluminista que buscava exaltar as condutas voltadas para o bem público, ou seja, aqueles que se dessem em benefício da coletividade. Essas aspirações contrariavam a cultura dos privilégios sociais na administração do Estado, por exemplo. É fundamental lembrar que, às vésperas de 1789, os franceses ansiavam delimitar os poderes da nobr eza que, até então, gozava de condição especial no conjunto social; o que lhe garantia certos direitos, como o de isenção de pagamento dos impostos na época. Portanto, as pressões para que esse grupo alienasse seu poder em benefício da maioria foi uma das premissas para a eclosão da revolução que implicou na contestação ao Absolutismo monárquico e na defesa de um regime político que ampliasse a participação nas decisões do Estado, como se expressa nas palavras de Saint-Just, um dos líderes do movimento revolucionário: As artes do período também expressam este ideal. Aliás, sua função passou a ser a de propagá-lo, daí terem sido criadas as Academias de Belas Artes nas quais as formas eram estudadas minuciosamente para atender aos novos interesses. Em arquitetura, essa postura se revelou nos grandes edifícios voltados para o abrigo dos organismos públicos; o que coincide com o desenvolvimento dos estudos urbanísticos que previam a criação de cidades que tivessem "uma unidade estilística correspondente à ordem social" (ARGAN, 1992, p. 23). No caso da pintura, um gênero específico foi desenvolvido com esta finalidade: a chamada pintura histórica. Os pintores criavam suas obras com base em certos modelos de figuração e, conforme seu desempenho recebiam prêmios em eventos promovidos pelos Estados que estimulavam sua produção objetivando a propagação dos ideais patrióticos. Referindo-se a Jacques Louis David, pintor que perpassou todo o processo revolucionário francês desde o final do século XVIII até a queda de Napoleão Bonaparte, produzindo obras completamente de acordo com o que se coloca, Jorge Coli observa: Observando-se o quadro O Juramento dos Horácios, tem-se a dimensão da empreitada em questão: supervalorizar as atitudes corajosas em defesa da pátria em lugar da aceitação dos interesses privados, o que se manifesta por meio de uma representação que orienta o olhar do espectador para a contemplação do ato dos três filhos diante do pai que, no contexto da Roma republicana da antiguidade, juravam defender a pátria mesmo diante do lamento e sofreguidão das mulheres da família. Todos os recursos formais utilizados por Jacques Louis David confluem para a exaltação deste sentimento: os traçados firmes e vigorosos das figuras masculinas que representam a causa pública; suas cores fortes http://www.tate.org.uk/art/artists/pablo-picasso-1767 e seu posicionamento no centro da obra sufocam a visão do conjunto feminino cujos corpos se apresentam mais opacos, frágeis e débeis de tão afeitos ao espaço doméstico e familiar: As atitudes das figuras humanas nestas obras são sempre exemplares, daí serem expostas em poses. Assim também o demonstra o quadro "Bonaparte atravessando os Alpes" (1801) evocando o militar que veio a se transformar no imperador da França em 1804 e que esteve à frente do projeto de expansão dos ideais da "Declaração dos direitos do homem e do cidadão" pelo território europeu. Nesta obra, ele é representado como alguém completamente seguro de seu papel no comando do impetuoso cavalo branco parecendo estar pronto para dominar qualquer adversidade que lhe pudesse surgir pela frente. Esse tipo de imagem, portanto, exerceu uma função pedagógica em sua época. Ela devia inspirar condutas de amor e de defesa incondicional da pátria. O documento iconográfico e o estudo das ideologias A abordagem dessa figuração produzida na França do século XIX permite ao professor fazer observar o envolvimento das artes em projetos ideológicos. No caso, a intervenção do Estado no processo de produção das obras pode ser fundamental para a observação de mecanismos de controle das ideias a qu e estão sujeitas as sociedades em todas as épocas. Sugerimos a promoção de um exercício onde o aluno possa perceber os investimentos feitos para a criação da imagem de Napoleão Bonaparte no contexto aqui tratado. Por meio de perguntas, o professor pode contribuir para que os alunos reflitam sobre os elementos estéticos presentes na obra de David que convergem para a mitificação do estadista, como: • Qual adjetivo você utilizaria para caracterizar a figura de Napoleão Bonaparte no quadro e por quê? • Se o pintor tivesse a intenção de pintar uma figura com características opostas a que se apresenta, como poderia tê-las colocado na cena por meio do desenho e do uso das cores? Espera-seque o aluno utilize um adjetivo que seja sinônimo de importante, superior, corajoso, para responder a primeira questão. Na segunda, a expectativa é de que ele reconheça que se David quisesse ter passado uma imagem de fragilidade e insegurança de Napoleão, poderia tê-lo apresentado em menos destaque na obra, talvez, misturando-o a outros personagens; poderia tê-lo desenhado em tamanho menor, ou talvez, num plano mais distante; poderia ter usado cores menos fortes. A atividade poderá ser ainda complementada com a análise do texto historiográfico a seguir: A atividade tem como objetivo fazer reconhecer a importância de se avaliar uma figuração para saber compreender que elementos a faz comunicar com certas ideias e ideologias. 1. Acesse o site do Museu Louvre para observar o quadro O Juramento do Horácios. Disponível em: http://cartelfr.louvre.fr/. Acesso em: 0. 2013. Oposições ao neoclassicismo no século XIX Promover a reflexão sobre a vigência de concepções de mundo diferentes em uma mesma época e possibilitar que tal reflexão seja feita no âmbito do Ensino Básico. Objeções às concepções neoclássicas: a arte de Francisco Goya Dando continuidade ao nosso objetivo que é o de oferecer instrumentos para que o professor adote os documentos pictóricos em suas aulas possibilitando aos seus alunos identificar a mentalidade, o imaginário e/ ou as ideologias das sociedades nas quais foram produzidos, propomos nesta aula a apreciação de uma figuração que também se desenvolveu no contexto europeu do século XIX, mas que se serviu de elementos estéticos muito diferentes do neoclassicismo. Trata-se da pintura realizada por Francisco Goya (1746- 1828), pintor espanhol, que assim como Jacques Louis David (1746-1825) chegou a realizar trabalhos sob encomenda para a corte, no seu caso, a corte de Carlos IV. A arte de Goya, segundo estudiosos, pode ser vinculada ao Romantismo, um movimento que também teve sua expressão na literatura. O que nos interessa, aqui, é observar que Goya subverteu a arte neoclássica ao abdicar dos elementos estéticos e, consequentemente, os valores que a sustentavam. Por exemplo, em Os Fuzilamentos do 03 http://cartelfr.louvre.fr/cartelfr/visite?srv=obj_view_obj&objet=cartel_22497_62617_EL090528.jpg_obj.html&flag=true de maio (1814) ao representar a invasão do exército napoleônico na Espanha em 1808, ele destacou no primeiro plano da obra a figura de um homem do povo fazendo incidir sobre ele uma luz muito forte, em sua atitude de resistência perante o inimigo. Como é sabido, os populares espanhóis reagiram à invasão francesa na época e foram massacrados na noite de 2 ao 3 de maio: De modo invertido em relação ao neoclassicismo, os ideais franceses que se expressam na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão são, neste quadro, expostos de modo negativo. A atitude dos soldados que impunham armas impiedosamente àquele que se apresentavam em sua completa fragilidade denotava a covardia do povo francês. Nessa obra, o herói não é o homem do Estado, e sim um simples homem do povo. Não é dado à contemplação um líder do governo como fizera Jacques -Louis David em torno de figuras de seu tempo como Jean-Paul Marat ou Napoleão Bonaparte, ou de figuras do mundo Antigo romano como Brutus ou os Horácios. Assim, as telas de Goya "foram a primeira representação digna de nota na história das artes de uma insurreição popular" ((COLI, 1987, p. B7)) Naquele momento, a obra de Goya representava o desencanto do homem ocidental diante dos rumos que tomara a história francesa; uma frustração ante o ideário propagado a partir dos princípios revolucionários que deram origem a uma postura que legitimara o desejo de intervenção de um povo sobre os destinos de outros. Os franceses julgavam estar possibilitando aos povos que viviam sob a égide do Antigo Regime, como na Espanha, a recusa do obscurantismo e seguir em direção às "Luzes", ao estágio superior de civilização. As representações de Francisco Goya expõem um olhar angustiado e decepcionado quanto aos rumos da civilização ocidental; faz um alerta sobre o descontrole da razão humana, enfim, sobre a perda da racionalidade que os acontecimentos vinham demonstrando: Da série de gravuras "Os Caprichos" sobressai a obra: O sono da razão produz monstros. Segundo Coli, ela revela um receio já que "a razão dorme"; ela "significa um esforço áspero de vigília, enquanto à noite, o obscuro, o monstruoso, nascem naturalmente" e "o homem é assediado pelas trevas." (COLI, 1987, p. B7). Expõe, portanto, um alerta sobre a importância da humanidade não descuidar da razão, pois este descuido pode levá-la a ser acometida por pensamentos e valores negativos. Os trabalhos de Goya, portanto, revelam-se documentos históricos que demonstram uma atitude questionadora em face das certezas do Iluminismo; apontam um receio diante da trajetória que culminara com a opressão militar de um povo que, orientado por seus ideais originalmente legítimos chegou, inclusive, à constituição de um império, o dito império napoleônico que, contraditoriamente, se mostrou atroz em face do diferente. As continuidades na História: a abordagem da sociedade francesa contemporânea no ensino Em sala de aula, o professor poderá abordar a figuração de Jacques Louis David e a de Francisco Goya tencionando expor sobre a convivência de duas visões diferentes sobre as mesmas atitudes humanas em uma época. Como se viu, no contexto do século XIX conviveram dois modos de observar os acontecimentos em torno da expansão do ideário francês, daí decorreram duas formas artísticas diferentes entre si. Enquanto as obras de David refletem as certezas nos rumos da história, especialmente, o rquestrada pelos franceses em prol de uma sociedade avessa ao que se considerou "obscurantista", as obras de Goya mostram grande desconfiança em relação a estas certezas. A soberba com que os franceses se posicionaram no século XIX, de algum modo, ainda se manifesta no tempo presente. Trata-se de um fenômeno cultural que tem suas continuidades no tempo. Muitos aspectos da sociedade francesa se transformaram daquela época para cá, mas é possível flagrar permanências no âmbito de sua mentalidade; no caso em sua forma de se relacionar com o outro, com o diferente. Essa constatação pode ser feita levando-se em conta uma atitude política que resultou na promulgação de uma lei, em 2010, proibindo o uso da burca pelas mulheres muçulmanas no território francês. Propiciar a reflexão desse assunto em sala de aula pode levar os alunos a observar a relação entre o passado e o presente na sociedade francesa. Propomos que o professor o faça após a observação e promoção de exercícios acerca das obras de Goya, e que adote outros dois documentos recentes: um escrito, o artigo de Maíra Kubík Mano publicado na Revista Carta Capital em 2012: "Proibição à burca na França: oprimir para libertar?" e, outro iconográfico, a charge de Ângelo Abu publicada pela Folha de São Paulo em 2011. Na sequência, o professor deve propor, com base no documento escrito que se identifique: Proibição à burca na França: oprimir para libertar? MAÍRA KUBÍK MANO Em 11 de setembro de 2001, terroristas explodiram o World Trade Center, em plena Manhattan, sem dó nem piedade. Em 11 de março de 2004, foi a vez de a Espanha chorar seus mortos. Coincidência ou não, aqui estamos, em mais um dia 11 polêmico para os islâmicos: desde segunda-feira, passou a vigorar, na França, a proibição do uso da burca e do niqab – véu que cobre todo o rosto, deixando apenas um espaço para os olhos – em espaços públicos. “Ajo em nome da dignidade da mulher”, disse o presidente Nicolas Sarkozy. “Esconder o rosto (...) coloca as pessoas em questão numa situação de exclusão e de inferioridade incompatível com os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade afirmados pela República Francesa”, completou o primeiro-ministro François Fillon. O discurso de ambos, assim como demuitos grupos feministas, é de libertação das mulheres, que seriam oprimidas por seus maridos e pelo Islã. A iniciativa convenceu a sociedade, pois, segundo pesquisa realizada pelo Pew Global Attitudes Project, 82% dos franceses aprovam a proibição da burca e do niqab. Mas... será que os franceses perguntaram para as muçulmanas se a burca e o niqab são realmente uma imposição? Não era uma tarefa muito difícil: a estimativa é que apenas 2.000 mulheres portem essa vestimenta no país. Imagino que França teria capacidade operacional de contatar pelo menos 10% delas para uma sondagem inicial. Como a resposta provavelmente seria a de que elas querem usar a burca, os líderes franceses já tinham um discurso na ponta da língua: “Mesmo que essa prática seja voluntária, ela não pode ser tolerada em qualquer lugar público, dado o dano que provoca nas regras que permitem a vida em comunidade. É preciso garantir a dignidade da pessoa e a igualdade entre os sexos”, afirmou o governo, em uma mensagem ao Parlamento. De fato, trata-se de (mais) uma grande lição de intolerância e autoritarismo travestida de “libertação”, algo bem Ocidental ultimamente. Afinal, ao impor a proibição da veste muçulmana, o país não resolve a questão, apenas joga para o âmbito do privado a suposta opressão das mulheres islâmicas. O texto tenta prevenir-se disso. Além de impor uma taxa de 150 euros para quem violá-la, determina que qualquer pessoa que force outra a usar a burca seja punida com um ano de prisão e o pagamento de 30 mil euros. Mas se supondo, claro, que seja feita alguma denúncia, o que eu tendo a achar bastante difícil sem um trabalho prévio, por exemplo, de proteção à vítima. Ou seja, não duvido que elas acabem ficando em casa porque não podem mais caminhar livremente com sua vestimenta, seja ela uma opção ou não. E há ainda uma hipótese pior: e se a comunidade muçulmana decide rechaçar aquelas que seguirem a nova lei, o Estado francês irá intervir aí também? Provavelmente, não. O mais complicado, acredito, é que a França simplesmente desconsidera o fato de que as mulheres muçulmanas têm cérebro. Ainda as vê como submissas e atrasadas, sem acesso à informação. Bem, basta olhar as imagens das revoltas no mundo árabe para perceber que elas estavam, sim, nas ruas, participando ativamente dos protestos e expressando suas vontades. Salvo exceções que remontam a tradições tribais ou a regimes ultra rígidos, como o saudita, as mulheres islâmicas, assim como as mulheres em todo o mundo, têm tido acesso às universidades e estão se organizando para modificar sua condição de vida. Muitas vezes baseadas numa leitura crítica do Corão, e não em sua rejeição. Uma demonstração disso podem ser as muçulmanas que saíram na segunda-feira determinadas a serem presas pelo governo francês. “Eu quero me vestir como bem entender. Não fico reclamando daquelas ocidentais que saem por aí seminuas, por que elas têm que questionar o que eu uso?”, declarou uma delas. É a partir do momento em que as vemos como iguais que podemos debater francamente se o uso do véu é ou não uma opressão, sem imposições legais que atropelem qualquer argumentação. A proibição da burca e do niqab é um atraso no caminho de um mundo com mais equidade porque não é construída por meio do diálogo e do convencimento. Ah, e vamos, por favor, parar de achar que qualquer um que descarregue uma metralhadora no coletivo é muçulmano. Maíra Kubík Mano é jornalista e mantém o blog Viva Mulher. Escreveu este artigo a convite do Opera Mundi. https://operamundi.uol.com.br/autores/1118/maira-kubik-mano http://www.viva.mulher.blog.uol.com.br/ 1. As opiniões dos representantes do governo sobre a lei contra o uso da burca. 2. A opinião da autora e os argumentos dela sobre a referida lei. Com base no documento iconográfico, deve propor que se observe: 1. A referência aos termos: liberdade, igualdade e fraternidade na bandeira figurada. 2. O sentido da exclusão da liberdade e o modo como se dá esteticamente. Essa atividade deverá permitir observar que, assim como no século XIX os franceses julgaram legítimo intervir sobre outros povos de modo tão truculento, como no caso dos espanhóis, para fazer valer seus ideais, no século XXI continuam considerando superiores suas concepções de mundo; o que se expressa nos documentos atuais. Tanto o artigo quanto a charge fazem críticas a esta postura francesa, assim como Francisco Goya o fizera em seu tempo. 1. Acesse o site do Museu do Prado para ver a imagem Os Fuzilamentos do 03 de maio. Disponível em: www.museodelprado.es. Acesso em: 29 nov. 2013. 2. Acesse o site a seguir para ver a imagem O sono da razão produz monstros de Francisco de Goya. Disponível em: www.cartamaior.com.br. Acesso em: 29 nov. 2013. 3. Acesse o site a seguir para ver O artigo que foi originalmente publicado pelo Jornal âpera Mundi, e na Carta Capital e está disponível em: www.cartacapital.com.br. Acesso em: 29 nov. 2013. 4. Acesse o site a seguir para ver A charge de Angelo Abu. no Caderno Tendências e Debates do jornal Folha de São Paulo. Disponível em: acervo.folha.com.br. Acesso em: 29 nov. 2013. O Neoclassicismo no Brasil Promover a reflexão sobre as artes no contexto do Império no Brasil e capacitar a utilizar as pinturas de Jean -Baptiste Debret nas práticas de ensino de História. A Missão artística francesa e a arte de Jean-Baptiste Debret Voltemo-nos, nesta aula, para a análise da situação em que se produziram obras de arte no Brasil do século XIX. Já observamos em outras aulas o caráter ideológico que uma pintura, por exemplo, pode assumir numa sociedade servindo, em muitos casos, à legitimação de interesses de Estado e de classes sociais. No Brasil, desde sua transferência da Europa em 1808, a corte portuguesa preocupou-se com: "a montagem de todo um sistema de produção simbólica que visava legitimar a nova imagem do Império português." (MATTOS, 1999, p. 80) As artes fizeram parte desse sistema, tanto que em 1816, D. João fez vir da França um grupo de artistas em torno da chamada "Missão artística francesa" que incluía, entre outros, Joachin Lebreton, Auguste - Henri-Victor Grandjean de Montigny, Nicolas Antoine Taunay e Jean-Baptiste Debret. É sobre a produção deste último que trataremos nesta aula. Segundo Percival Tirapeli, ele foi: O mais profícuo dos retratistas dos costumes do cotidiano brasileiro em sua época. Trabalhou na capital do império e também viajou por outras províncias. Ao retornar à França, publicou a obra “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de 1834 a 1839”. (TIRAPELI, 2006, p. 15)) Debret, que era primo de Jacques-Louis David, assim como este, estudou sob os parâmetros do Academicismo, colaborando com o projeto ideológico de Napoleão Bonaparte. É com base nas concepções de Rodrigo Naves que observaremos a particularidade da produção artística de Debret no Brasil. Segundo o estudioso, apesar do artista ter aceitado o convite da coroa portuguesa para, digamos, aplicar seus conhecimentos às necessidades do governo português ao longo de sua permanência no Reino, ele encontrou uma realidade que o impediu de atender plenamente os ideais almejados por aquela. Naves chama a atenção sobre as diferenças entre o contexto sócio-político francês e o contexto do Reino no Brasil. Naquele, o neoclassicismo se desenvolveu a partir do final do século XVIII, de acordo com os ideais revolucionários que procuravam exaltar as ações em prol dos interesses públicos; naquele cen ário, as artes cumpriam um papel pedagógico colaborando para a educação dos cidadãos. Como se viu em http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=es&u=http://www.museodelprado.es/&prev=/search%3Fq%3Dmuseu%2Bdo%2Bprado%26biw%3D1188%26bih%3D521 http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/O-sonho-da-razao-produz-monstros/12/12980 http://www.cartacapital.com.br/internacional/proibicao-a-burca-na-franca-oprimir-para-libertar http://acervo.folha.com.br/fsp/2011/04/23/2/ aulasanteriores, os indivíduos eram incitados a amar e defender a pátria sob qualquer circunstância, ainda que para isto tivesse que condenar a própria vida. Naves observa que, no Brasil, inexistiam condições para desenvolver este modelo de arte. Aqui, vivia-se sob a égide de uma monarquia que governava em benefício de uma absoluta minoria, além do mais, a população era composta majoritariamente por escravos que, por sua posição, não opinavam sobre os destinos da vida pública. Assim, os ideais de defesa da nação e de engrandecimento de líderes que se mostrassem exemplares quanto àqueles não encontravam respaldo no Reino Unido a Portugal: Todos os esforços, porém, traem um desacerto. A natureza positiva da arte neoclássica – muitas vezes abertamente edificante – solicitava uma participação enérgica na vida pública, ainda que por intermédio da evocação de um passado exemplar. Era-lhe impensável uma arte de puro devaneio ou preponderantemente decorativa. Essa intervenção requeria, contudo, a existência de certas condições que o Rio de Janeiro – e, menos ainda, o resto do país – nem de longe possuía. ((NAVES, 1997, p. 65)) É essa situação que, segundo Naves, levou Debret a desenvolver uma estética diversa da estética neoclássica como a que se vê, por exemplo, na pintura intitulada O primeiro impulso da virtude guerreira (1827) a qual representa um grupo de crianças que brincam evocando cenas de um exército. Nela, nenhuma figura se destaca, em particular, como se viu com os "Horácios" ou com "Napoleão Bonaparte" de David; aqui, os soldados são meninos brancos e negros que pisam no chão de modo muito suave; estão muito distantes dos adultos viris e absolutamente seguros de seu papel em defesa da pátria, o que leva Naves a concluir que: Dado o modo com que Debret arma essa aquarela, aquilo que poderia parecer um primeiro movimento em direção ao heroísmo neoclássico se revela uma cena prosaica – embora carregada de significação. Somos devolvidos então a um simples jogo de meninos pobres, movidos por um entusiasmo fugaz. As roupas sujas e rasgadas, os pés descalços não são lembranças de batalhas sangrentas. Foi o que lhes coube. A menção ao ideário neoclássico não indica algo a ser alcançado, estabelecendo antes um contraste irônico. ( (Idem, p. 43-44).) Especialmente a série de aquarelas representando os escravos de ganho que circulavam pela capital do Reino, a cidade do Rio de Janeiro na época, demonstra ainda mais este afastamento estético. A técnica da aquarela permitiu a Debret produzir um grande número de obras, já que "se prestam a uma execução incomparavelmente mais rápida do que a pintura a óleo" (NAVES, 1997, p. 72). Estas, em pequenas dimensões, representam cenas dos escravos realizando variadas atividades que lhes rendiam ganhos diários que eram entregues a seus proprietários, bem como, cenas que retratam encontros fortuitos no espaço citadino. As aquarelas fazem, então, referências ao comércio de doces e qu itutes, ao carregamento de objetos e de animais, à prostituição, às rodas de capoeira e de batuques. A questão para a qual nos chama a atenção Rodrigo Naves é que a maneira como Debret apresentou essas cenas revela uma visão depreciadora em relação à sociedade para a qual se deslocara. Nelas, inversamente ao que se dá com os personagens das figurações neoclássicas, os negros não se apresentavam com linhas contundentes e massa corpórea evidente. Seus gestos e posições implicavam em uma presença quase fugaz; como se tratasse de uma humanidade que não dominava seus próprios atos. Não há incidência de cores fortes para fazer ver alguma atitude exemplar. Os indivíduos não pisavam no chão com a firmeza de quem atua no mundo com convicção. Enfim, "decididamente, a existência da escravidão impedia de vez qualquer tentativa de transpor com verdade a forma neoclássica para o Brasil" (Idem, p. 71). As aquarelas de Debret e o Ensino de História É importante que o professor tenha clareza de que as pinturas de Debret se constituem em documentos exclusivos do século XIX apesar de abordarem a escravidão que, enquanto instituição, vigorou com as mesmas características desde o período colonial. A utilização das mesmas nas práticas de ensino deve, ainda, superar o olhar que tende a reconhecê-las como a realidade absoluta da condição dos negros na conjuntura da sociedade do Rio de Janeiro na época. É preciso fazer com que os alunos observem que Debret partiu de uma situação social concreta, mas que a interpretou de uma maneira específica, a qual representa a postura daqueles que, no contexto do século XIX, levaram adiante as concepções "iluministas" gestadas no final do século anterior. Para o pintor francês, o Brasil não se configurava como modelo algum a ser seguido; s ob a regência de um rei que optara pela fuga ao invés do enfrentamento em face do inimigo e, além disso, por ser um local onde o exercício da cidadania estava absolutamente excluído, não poderia inspirar uma arte nos termos do neoclassicismo. É significativo observar, inclusive, que, ao retornar à França, Debret retomou sua produção artística nos moldes em que se dava antes de sua transferência para o Brasil. O que cabe ao professor, então, de acordo com a visão que buscamos desenvolver aqui, é promover atividades acerca das figurações em questão que levem a concluir sobre as diferenças estéticas entre o que o artista realizou no contexto francês e no contexto do Reino português. Pode-se abordar, por exemplo, as figurações das obras que foram feitas por Debret e por David para o Império Napoleônico e, concomitantemente, abordar as aquarelas de Debret que foram feitas no Brasil fazendo observar os seguintes aspectos em nos dois conjuntos: • Figuras representadas. • Situações representadas. • Tipo de desenhos. • Utilização das cores. • Distribuição das figuras. Essa observação possibilitará avaliar as profundas diferenças formais e, consequentemente, as diferentes imagens produzidas em torno das temáticas representadas. Deverá permitir, sobretudo, que se conclua que o contexto social, político e cultural no qual um artista se insere determina os rumos de sua produção. 1. A imagem O primeiro impulso da virtude guerreira que pertence ao acervo do Museu da Chácara do Céu pode ser vista em: NAVES, Rodrigo. A Forma difícil – ensaios sobre arte brasileira.2. ed. São Paulo: Ática, 1997, p. 40. 2. Como exemplo de figuração de Debret para o governo de Napoleão Bonaparte acesse o site do Museu de Versalhes e, veja a imagem Primeira distribuição das condecorações da Legião de Honra na Igreja dos Inválidos pelo Imperador. Disponível em: www.museehistoiredefrance.fr/index.php?option=com_oeuvre&Itemid=3&view=detail&cid=187 Acesso em: 27 set. 2013. 3. Acesse o site do Instituto Itaú Cultural para ver uma série de aquarelas de Debret representando a escravidão no Brasil. Disponíveis em: www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_obras&ac ao=menos&inicio=9&cont_acao=2&cd_verbete=670 Acesso em: 27 set. 2013. A Academia Imperial de Belas Artes no final do século XIX Propiciar a observação do quadro Independência ou morte (Pedro Américo) à luz de uma abordagem que o considera como um reflexo da crise do Império no Brasil, nas práticas de ensino. Independência ou morte (Grito do Ipiranga) – Estudo A Coordenação-Geral de Patrimônio Histórico (CGPH) publica neste Espaço da Memória informações sobre as obras que podem ser apreciadas no percurso da visita cívica. http://www.museehistoiredefrance.fr/index.php?option=com_oeuvre&Itemid=3&view=detail&cid=187 http://www.museehistoiredefrance.fr/index.php?option=com_oeuvre&Itemid=3&view=detail&cid=187 http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_obras&acao=menos&inicio=9&cont_acao=2&cd_verbete=670 http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_obras&acao=menos&inicio=9&cont_acao=2&cd_verbete=670