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"Não deixem cair a profecia". Desafios da teologia cristã latino-americana no
início do século XXI.
Chapter · January 2012
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1 author:
Roberto Marinucci
Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, CSEM
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“NÃO DEIXEM CAIR A PROFECIA” 
Desafios da teologia cristã latino-americana no início do século XXI 
Roberto Marinucci
*
 
 
Na segunda metade do século XX, a América Latina elaborou uma aprofundada e 
relevante reflexão teológico-pastoral, pondo fim a séculos de dependência das igrejas 
européias. Desse novo pensamento teológico, caracterizado por um método indutivo, pela 
opção pelos pobres e pela utilização das ciências sociais, brotou uma renovada presença 
pública das comunidades eclesiais que abandonaram as pretensões saudosas de cristandade, 
aceitaram os pressupostos da modernidade e assumiram as lutas dos movimentos populares. 
No entanto, as mudanças ocorridas a partir dos anos 80, tanto no âmbito eclesial 
quanto naquele político, econômico e social, desencadearam, por diferentes razões, um 
processo de profunda revisão. A Teologia latino-americana (TLA) viu-se na necessidade de 
repensar prioridades e objetivos a fim de permanecer fiel a seus princípios básicos: o que 
significa optar pelos pobres no contexto de um mundo globalizado? De que forma alimentar a 
esperança das vítimas do sistema? Quem são, hoje, as vítimas do sistema? Existem reais 
alternativas? As igrejas cristãs e, mais em geral, as religiões, podem aportar alguma 
contribuição relevante para o desenvolvimento integral das sociedades contemporâneas? E, 
por outro lado, quais elementos da atual conjuntura provocam e enriquecem a reflexão 
teológica? 
Surge, em outras palavras, o desafio de perscrutar os sinais dos tempos, interpretar a 
nova realidade a partir dos princípios evangélicos e buscar caminhos de transformação 
(Gaudium et spes, n. 4.11). Não se trata apenas de aplicar a TLA às novas realidades, mas 
repensar suas prioridades, mediações e paradigmas à luz dos novos desafios. O que é 
fundamental e, portanto, irrenunciável, é não deixar cair a profecia, como ensinou Dom 
Hélder Camara.
1
 
Neste artigo, após um histórico do nascimento e evolução do pensamento teológico 
cristão do continente, vamos apresentar alguns dos principais desafios da sociedade latino-
americana – e também mundial – que, em nossa opinião, interpelam a teologia, exigindo dela 
 
*
 Mestre em teologia, pesquisador do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios d Brasília, diretor da Revista 
REMHU; e-mail: robertoro66@bol.com.br . 
1
 “Não deixem cair a profecia” são as últimas palavras de dom Hélder Camara ao monge Marcelo Barros, poucos 
dias antes de falecer. 
mailto:robertoro66@bol.com.br
uma tomada de posição firme e profética. Nossa referência principal – embora não exclusiva –
será a teologia cristã/católica, não por uma questão axiológica, mas apenas por termos dela 
um conhecimento mais aprofundado. 
 
1. Pressupostos do surgimento da TLA 
A TLA não caiu do céu. Ela brotou do encontro entre o evangelho de Jesus de Nazaré 
e a realidade histórica do continente latino-americano. Instaurou-se um círculo hermenêutico: 
os desafios históricos interpelaram e provocaram a teologia que, por sua vez, iluminou a 
realidade a partir dos princípios evangélicos. Houve uma mútua fecundação que deu origem a 
uma nova teologia. 
É bom frisar, contudo, que nem sempre o encontro entre o Evangelho e a realidade 
histórica produziu novas teologias. Isso ocorreu na América Latina em decorrência de um 
conjunto de fatores eclesiais e sociais. Entre eles gostaríamos de sinalizar três: o fim do 
padroado, o Concílio Vaticano II e a aproximação da Igreja aos movimentos populares. 
Por séculos, a reflexão teológica do catolicismo latino-americano conservou um rosto 
especular, limitando-se a reproduzir elementos da teologia europeia. No século XIX, de forma 
específica, houve uma tentativa, em diferentes países da região, de implantar o catolicismo 
tridentino como resposta ao processo de laicização do Estado e ao fim do padroado. Esse 
processo de secularização, por um lado, acarretou o fim dos privilégios do catolicismo, mas, 
por outro lado, garantiu-lhe uma maior liberdade e autonomia em relação ao poder político. 
Agora a igreja católica podia planejar a própria presença sócio-pastoral visando apenas suas 
finalidades. Na ótica da assim chamada diferenciação funcional do mundo moderno, o poder 
político deixou de interferir em questões religiosas, limitando-se em garantir a liberdade de 
crença e de culto, enquanto as tradições religiosas assumiram sua missão espiritual sem 
interferir diretamente em questões políticas.
2
 
Após alcançar uma maior autonomia em relação ao Estado, o catolicismo latino-
americano conseguiu reduzir também sua dependência da teologia europeia, sobretudo a partir 
do Concílio Vaticano II, que ocorreu em Roma entre 1962 e 1965. Esse evento eclesial 
desencadeou uma radical transformação do catolicismo, até então profundamente atrelado a 
heranças tridentinas. Duas categorias teológicas podem resumir as novidades trazidas pelo 
 
2
 Na realidade, esse processo, de um ponto de vista prático, desenvolveu-se de forma bastante complexa e até 
conflitiva. As interferências recíprocas continuaram. As relações entre os diferentes atores envolvidos foram se 
construindo a partir de complexos processos de negociação e renegociação. 
Concílio: serviço e diálogo. Os padres conciliares reinterpretaram a presença pública eclesial 
em termos de serviço ao ser humano contemporâneo. Em outros termos, é a Igreja que deve 
estar a serviço da sociedade e não vice-versa (Gaudium et Spes, n. 3). É por isso que Paulo 
VI, no final do Concílio, podia falar de uma Igreja “perita emseus lares, trabalhadores irregulares, jovens em busca de perspectivas, vítimas 
de tráficos de pessoas para fins de trabalho escravo ou exploração sexual, atingidos por 
barragens, refugiados ambientais, deslocados em decorrência de conflitos armados. 
Enfim, estamos diante de um fenômeno marcante, tanto em termos quantitativos que 
humanitários. A TLA, que nasceu como resposta aos clamores do povo sofredor, não pode 
ficar indiferente diante do clamor dessas multidões de migrantes e de suas famílias. 
Em segundo lugar, o universo migratório possui um acentuado potencial libertador. A 
imagem do migrante, em passado, teve conotações bastante negativas (DURAND, 2007): a 
saída da própria terra era interpretada, não raramente, como ato de traição ou deserção 
(MARMORA, 2001). O migrante era aquele que foge diante de uma situação de crise em 
busca de soluções individuais para problemas coletivos. 
No entanto, nos últimos anos, esta visão tradicional está sendo questionada e superada 
por dois importantes fatores: em primeiro lugar, o crescimento, em numerosos países, de 
associações e grupos organizados de imigrantes; em segundo lugar, as grandes manifestações 
de protesto – sobretudo desde o primeiro de maio de 2006 – nos EUA, que evidenciaram de 
forma contundente o potencial político, reivindicativo e conscientizador desses grupos 
organizados.
12
 
A figura do migrante passivo, apático e individualista deixou o passo à figura do 
migrante ativo, consciente e protagonista, enfim, ao migrante agente social de transformação, 
preocupado não apenas em resolver seus problemas imediatos, mas à construção de uma 
sociedade mais justa, participativa, plural e solidária. Portanto, numa época de crise dos 
sindicatos e dos movimentos populares, o mundo das migrações parece possuir um potencial 
libertador incomum, principalmente em se considerando a pluralidade das áreas de sua 
atuação: econômica, política, legislativa, jurídica, cultural e religiosa. 
Finalmente, enquanto desdobramento dessa carga libertadora, vale a pena enfatizar o 
potencial utópico das migrações. Na atualidade, é comum falar da crise ou do fim das utopias. 
Desde que Fukujama vaticinou o “fim da história”, tornou-se cada vez mais difícil defender a 
 
12
 De acordo com José Carlos Luque Barzán, em 2006, ocorreram manifestações de protestos contra leis 
imigratórias ou violações de direitos humanos de migrantes também em Argentina, Chile e França. Em sua 
opinião, “un rasgo común de todas estas acciones políticas radicó en el hecho de que fueron impulsadas por 
asociaciones de migrantes y apuntaladas por otras asociaciones civiles del país de residencia” (LUQUE 
BARZÁN, 2007, p. 122). 
 
possibilidade de “alternativas” ao sistema neoliberal hegemônico. O Fórum Social Mundial 
surgiu, em 2001, em Porto Alegre, com o lema “um novo mundo é possível”, justamente 
como tentativa de resistência diante do “pensamento único”. 
O que nos interessa sublinhar neste âmbito é que, por diferentes razões, as migrações 
possuem um importante potencial utópico. A essência desse potencial está na não aceitação 
do status quo por parte de todos aqueles que resolvem iniciar uma jornada migratória. O homo 
viator – para utilizar uma expressão característica da tradição cristã – é aquele que percebe a 
precariedade e a mutabilidade de qualquer construção social. Numa linguagem teológica 
poder-se-ia falar em potencial anti-idolátrico das migrações, considerando a idolatria como 
um processo que sacraliza – e, portanto, torna imutável – uma construção social. 
No âmbito da sociologia da religião, Peter Berger tem sustentado que o contato com 
construções sociais diferentes enfraquece as estruturas de plausibilidade da sociedade 
estabelecida (BERGER, 1985). Em outras palavras, o migrante, ao introduzir outras maneiras 
de nomizar a realidade, se torna um fator de desestabilidade da ordem vigente da sociedade de 
chegada. A sacralização do status quo e sua obviedade são questionadas em decorrência do 
pluralismo provocado pela imigração. Pela sua mera presença – enquanto alteridade –, os 
migrantes parecem gritar: “outro mundo é possível”. 
Além de questionar a ordem vigente, as pessoas em mobilidade podem se tornar 
também agentes de construção de outra ordem mundial: ao desafiar o fechamento das 
fronteiras entre países, questionar a sacralização das identidades nacionais, denunciar as leis 
que violentam a dignidade das pessoas e, sobretudo, a reificação e mercantilização do ser 
humano, eles apontam para a utopia da “família humana”, tão presente no ensino social 
católico e na tradição cristã. 
Enfim, as migrações podem assumir uma função “sacramental”, sendo “sinais” e 
“instrumentos” da construção de uma sociedade realmente planetária, em que cada pessoa é 
considerada “humana” por ter como sua pátria o humus, a terra, o planeta terra, verdadeira e 
única pátria temporal da humanidade. Desta forma, uma TLA das migrações pode se tornar 
um importante caminho para denunciar as estruturas idolátricas que dividem e violentam a 
humanidade e anunciar a utopia de uma “grande família terrenal” (BOFF, 1996, p. 126). 
 
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View publication stats
https://www.researchgate.net/publication/304015278humanidade”, uma igreja que 
compartilha as dores, os sofrimentos, as esperanças e as aspirações da sociedade 
contemporânea, colocando-se a seu serviço a partir das riquezas de sua tradição. 
Esse serviço, no entanto, não é mais entendido numa ótica diretiva, autoritária ou 
unidirecional. A igreja, reconhece seus erros e limitações (Lumen Gentium, 1964, n. 8) e, ao 
mesmo tempo, busca valorizar as riquezas presentes fora de suas fronteiras (Gaudium et spes, 
1965, n. 44). Por isso, o serviço será orientado pela lógica do diálogo, ou seja, pelo 
reconhecimento dos valores presentes no mundo moderno, nas culturas e nas demais tradições 
religiosas. A ação eclesial – sustentam os padres conciliares – na pode ser interpretada como 
imposição da redenção cristã – assim como aconteceu reiteradas vezes no decorrer da 
primeira evangelização do continente – e sim como dinâmica dialogal em que as riquezas dos 
interlocutores são partilhadas para o recíproco crescimento. 
Essa renovada perspectiva tem profundas repercussões em âmbito teológico: o 
Vaticano II atribuiu maior valor e autonomia às igrejas particulares – as várias dioceses 
espalhadas pelo mundo – orientadas a perscrutar os sinais dos tempos e, a partir deles, 
elaborar suas prioridades teológicas e pastorais. A missão da igreja deve ser encarnada em 
cada contexto histórico e social. Cabe às Conferencias Episcopais de cada pais, portanto, 
promover um processo de “recepção criativa” do Concílio, a fim de responder aos próprios 
desafios. Abrem-se, assim, as portas para a formulação de novos enfoques teológicos. 
A maior autonomia do poder político e a reduzida dependência teológico-pastoral da 
Europa se acompanharam a um terceiro fator determinante para o surgimento da TLA: a 
aproximação com as camadas mais pobres e oprimidas da sociedade. Historicamente, o 
mundo eclesiástico latino-americano esteve atrelado aos segmentos mais poderosos e ricos do 
continente. Parecia quase que natural a postura “intrasistêmica” da ação eclesiástica. 
No entanto, as coisas começaram a mudar a partir do anos 60 do século passado. Para 
a finalidade desse estudo é suficiente lembrar como a crise do modelo desenvolvimentista e a 
difusão de regimes militares no continente – inicialmente até invocados e apoiados por 
algumas Conferências Episcopais da região – acabaram, com o tempo, transformando a 
separação entre Estado e Igreja em uma verdadeira ruptura. As ilusões de rápido 
desenvolvimento e ideologia da luta sagrada contra o comunismo não conseguiram legitimar a 
violência contra as populações e, inclusive, contra lideranças eclesiais engajadas na defesa 
dos direitos humanos. A Igreja aliada ao poder transformou-se, embora gradativamente e de 
forma não homogênea, numa igreja popular, próxima e solidária com o povo violentado e 
explorado (DUSSEL, 1993; RICHARD, 1982). 
Esses três fatores – autonomia do Estado, menor dependência teológico-pastoral da 
igreja europeia e aproximação das camadas pobres da sociedade – representam os 
pressupostos e o ponto de partida da reflexão teológica do continente. 
 
2. Uma teologia relevante para a América Latina 
Após o Concílio, a igreja latino-americana não mediu esforços a fim de elaborar uma 
“recepção criativa” das intuições conciliares: como evangelizar o homem contemporâneo 
“latino-americano”? O que significa a Boa Nova de Jesus de Nazaré para as populações 
sofridas da região? A preocupação dos bispos, bem como dos teólogos, era eminentemente 
pastoral, visando responder aos reais desafios sociais do continente. A este propósito, vale a 
pena citar as palavras do teólogo Hugo Assmann que, na época, insistiu muito na necessidade 
de libertar a teologia do “cinismo” que a caracterizou por muito tempo. Trata-se de um texto 
paradigmático escrito em 1973: 
 
Se a situação histórica de dependência e dominação de dois terços da humanidade, com seus 30 
milhões anuais de mortos de fome e desnutrição, não se converte no ponto de partida de qualquer 
teologia cristã hoje, mesmo nos países ricos e dominadores, a teologia não poderá situar e 
concretizar historicamente seus temas fundamentais. Suas perguntas não serão perguntais reais. 
Passarão ao lado do homem real. Por isso, como observava um participante do encontro de Buenos 
Aires, „é necessário salvar a teologia do seu cinismo’. Porque realmente frente aos problemas do 
mundo de hoje muitos escritos de teologia se reduzem a um cinismo (apud MO SUNG, 2008). 
 
A teologia foi por muitos anos uma disciplina desligada da vida concreta das pessoas, 
ou, como sublinha Tamayo Acosta (2000, p. 210), “inocua en el concierto de los saberes, 
insignificante desde el ponto de vista social y sin apenas relevancia fuera de las murallas de 
la ciudadela eclesiástica”. Um saber introvertido e “intransitivo”, elaborado num espaço social 
distante da realidade, num idioma morto e mediante um léxico anacrônico. O contato das 
populações católicas com fragmentos do saber teológico era reduzido à catequese, em que os 
catequizandos eram obrigados a memorizar respostas – por vezes, incompreensíveis – de 
estranhas perguntas. 
Visando a superação desse “cinismo”, em 1968, na Segunda Conferência do CELAM, 
em Medellín, os bispos latino-americanos tomaram uma posição muito clara em defesa das 
camadas exploradas e oprimidas da população do continente. A Igreja manifestava sua 
proximidade com “o homem latino-americano”, para libertá-lo de todas as escravidões a que o 
pecado o sujeita: “ a fome, a miséria, a opressão e a ignorância, numa palavra, a injustiça que 
tem sua origem no egoísmo humano” (CELAM, 1977). 
Uma grande novidade dessas afirmações é que a igreja não está apenas interessada em 
distribuir promessas escatológicas, e sim trabalhar para o estabelecimento de uma ordem 
histórica que permita às populações da região a passagem “de condições menos humanas para 
condições mais humanas”. Essa transformação social – e aqui está outro ponto essencial da 
TLA – se dá pelo reconhecimento e a superação de uma situação de “violência 
institucionalizada”, que ocorre quando, “por defecto de las estructuras de la empresa 
industrial y agrícola, de la economía nacional e internacional, de la vida cultura y política, 
„poblaciones enteras faltas de lo necesario, viven en una tal dependencia que les impide toda 
iniciativa y responsabilidad, lo mismo que toda posibilidad de promoción cultural y de 
participación en la vida social y política‟, violándose así derechos fundamentales” (CELAM, 
1977)
3
. Em outros termos, há causas estruturais – políticas e econômicas – que produzem essa 
situação de injustiça. Cabe também às comunidades eclesiais lutar contra essas estruturas de 
pecado. 
A opção pelo ser humano latino-americano injustiçado converte-se, quase que 
inevitavelmente, pela assim chamada opção pelos pobres. Na Conferência do CELAM de 
Puebla, em 1979, os bispos, num conhecido trecho do documento final, afirmaram que a 
situação de extrema pobreza adquire “feições concretíssimas”: crianças golpeadas pela 
pobreza; jovens desorientados e frustrados; indígenas e afro-americanos vivendo segregados e 
em situações desumanas; camponeses explorados e sem terra; operários com dificuldade de 
defender seus direitos; subempregados e desempregados; pessoas marginalizadas e 
amontoadas nas cidades; anciãos postos à margem da sociedade do progresso. Nessas feições 
é possível “reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor (que nos questiona e 
interpela)” (CELAM, 1979 n. 31-39). 
 
3
 A citação do Documento de Medellín, neste caso, refere-se à versão em espanhol, pois a tradução oficial em 
português omite alguns dos trechos da frase. 
A TLA, portanto, nasce como superação do difundido “cinismo teológico” e assume 
como seu eixo a indignação ética e profética diante da violência coletiva provocada por 
estruturas de pecadono continente. Nessa perspectiva, o mundo dos pobres e dos oprimidos 
se torna “lugar epistemológico central”, pois “o pobre constitui o lugar a partir do qual se 
procura pensar o conceito de Deus, de Cristo, da graça, da história, da missão das igrejas, o 
sentido da economia, da política e o futuro das sociedades e do ser humano” (BOFF, 1996, p. 
121). 
Nesta ótica, só quem se coloca “no lugar do pobre” (BOFF, 1984) é que pode entrar na 
lógica dessa teologia: “só os explorados e os que se colocam em seu lugar social podem ver a 
perversidade do sistema. Fora desse lugar não é possível dar-se conta: a maldade do sistema – 
que é ruim mas muito inteligente – está muito bem dissimulada. Somente no lugar dos pobres 
é que se dá a perspectiva que deixa ver sua maldade, sua injustiça, sua negação radical da 
vontade de Deus” (VIGIL, 1992, p. 72).
4
 
Cabe ressaltar novamente que o objetivo da TLA não é a mera reflexão sobre a 
realidade, e sim sua transformação ou, na linguagem teológico-bíblica, a construção do Reino 
de Deus na história. Para que isso aconteça, não precisa invocar a ação direta ou mágica de 
Deus ou buscar apenas a conversão individual dos “pecadores”. A transformação passa pela 
promoção de uma práxis social protagonizada pelas vítimas do sistema, visando atingir as 
estruturas políticas e econômicas que geram dependência e opressão. Em termos teológicos 
fala-se em “lei da encarnação” ou “escatologia realizada”: Deus atua na história mediante a 
ação humana e não diretamente como causa primeira. A construção do Reino na história se 
realiza, assim, pelo compromisso histórico de eliminação das causas reais da opressão. Para 
que isso aconteça é fundamental um conhecimento adequado da realidade, que pode ser 
proporcionado apenas pela inserção no mundo dos pobres e pelo recurso às ciências sociais. 
Já falamos da importância de assumir o lugar do pobre. Quanto às ciências sociais, 
será suficiente salientar que o método teológico latino-americano consta de três momentos, 
assim como sistematizados por Clodovis Boff (1978): a mediação sócio-analítica, a mediação 
hermenêutica e a medicação prática. Tendo como ethos de referência o “horizonte da fé 
cristã”, a TLA interpreta a realidade da opressão e exploração a partir da “inserção profética” 
e, também, mediante o recurso às ciências sociais que, desta forma, acabam contribuindo na 
 
4
 Esta opção ainda hoje desperta rejeição por parte de não poucos segmentos eclesiais. Na ótica de José Maria 
Vigil, a intelecção dessa categoria teológica implica a assunção de uma abordagem dialética da realidade, que 
interpreta de forma causal o nexo entre a maioria empobrecida e as elites opulentas: há pobres porque há ricos. 
Portanto, a opção pelos pobres não é a opção por um grupo de pessoas, mas a opção pela causa dos pobres, que é 
a causa da justiça, da dignidade humana, da vida plena para todos e todas (VIGIL, 1992). 
formulação do objeto material que será, posteriormente, interpretado à luz da revelação cristã 
– mediação hermenêutica – com vistas à transformação – mediação prática. A TLA se 
constrói, portanto, no eixo “práxis-teoria-praxis” (LIBÂNIO; ANTONIAZZI, 1984, p. 28), 
com a fundamental contribuição da ciências sociais. 
Aqui entramos num último aspecto extremamente importante: a TLA é apenas uma 
vertente de um movimento libertador muito mais amplo, que abrange também uma vertente 
eclesiástica – a ação das conferência episcopais e, sobretudo, das pastorais sociais – e uma 
vertente popular – as Comunidades Eclesiais de Base e os movimentos populares. A dimensão 
teológica, na realidade, é interpretada como “ato segundo”, pois o primeiro passo é 
constituído sempre pela práxis libertadora junto aos pobres em sua experiência de cativeiro 
(BOFF, 1980) e em suas lutas históricas pela libertação integral. A teologia, antes de ser 
sistematizada, deve ser praticada. 
A TLA, a partir dessas suas orientações, alcançou seu objetivo de evitar o “cinismo 
teológico”? Levando em conta as fortes reações que provocou, a resposta pode ser 
substancialmente positiva. Nos anos 60 e 70, por exemplo, nos Estados Unidos houve 
reiteradas manifestações de inquietação. O relatório Rockfeller, em 1968, e o assim chamado 
Comitê de Santa Fé, em 1980, atestam, de forma contundente, as preocupações norte-
americanas com os rumos anticapitalistas do catolicismo latino-americano. Não é por acaso 
que, nos Estados Unidos, surgiram tentativas de criar uma teologia alternativa, visando 
idealizar o sistema capitalista enquanto encarnação mais exitosa do Reino de Deus, como 
testemunhado pela produção teológica de Michael Novak (1985). 
Reações violentas contra a TLA ocorreram também em América Latina. A extensa 
lista de mártires confirma o quanto esse movimento libertador incomodou. Será suficiente 
citar os assassinatos do bispo salvadorenho Oscar Romero, do teólogo Inácio Ellacuria, do 
jesuíta Juan Bosco Burnier ou, mais recentemente, da Irmã Dorothy Stan. Esses mártires são 
apenas a ponta do iceberg de uma lista que envolve milhares de agentes de pastoral que 
passaram também pelo martírio ou por diferentes formas de perseguição. 
Houve também uma intensa reação à TLA dentro da igreja católica. Se Paulo VI 
conseguiu dosar com equilíbrio os questionamentos (1975) e as manifestações de apoio ao 
movimento libertador, João Paulo II assumiu uma postura extremamente crítica e 
intransigente, cerceando com veemência a liberdade de expressão dos principais teólogos – 
sobretudo o brasileiro Leonardo Boff e o peruano Gustavo Gutierrez – e orientando de forma 
diretiva as Conferências Episcopais da região. 
Mas além das reações contrárias que recebeu, o maior impacto da TLA se deu na vida 
das comunidades mais pobres do continente que, sustentadas pela inserção solidária de 
religiosos, religiosas e agentes de pastoral inspirados pela TLA, experimentaram uma nova 
maneira de vivenciar a fé cristã e, sobretudo, uma presença social mais protagônica e crítica. 
Finalmente, cabe lembrar como algumas das categorias teológicas da TLA – por 
exemplo, a opção pelos pobres, o pecado social ou a libertação integral – tiveram uma 
repercussão universal, influenciando não apenas a teologia católica de outros continentes, 
mas também teologias de outras denominações cristãs, de outras religiões e, inclusive, o 
magistério de Roma. 
 
3. Desafios contemporâneos da TLA 
Em sua origem, a TLA desenvolveu-se em reposta aos desafios da extrema miséria dos 
povos do continente e da opressão dos regimes militares. Com o tempo, sua reflexão incluiu 
também o clamor de outros sujeitos sociais, como as mulheres, os povos indígenas e afro-
americanos, bem como o planeta terra. O elemento de continuidade nesse processo é 
constituído pelo método indutivo e pelo sujeito epistêmico: parte-se sempre da realidade 
histórica interpretada na ótica das vítimas. 
No começo do século XXI, no entanto, surgem novas perguntas: quais são os desafios 
da América Latina que hoje interpelam a teologia? Quais as vítimas do atual sistema mundial? 
Quais as contribuições que a TLA pode aportar para um continente que se debruça cada vez 
mais na realidade da globalização neoliberal? Vamos apresentar, a seguir, sete desafios da 
realidade latino-americana e planetária que, em nossa opinião, interpelam a teologia e exigem 
dela uma resposta profética. 
 
3.1. Busca de novas proximidades com o povo 
Conforme Pablo Richard (1982), a “Igreja popular” – e correspondente teologia – 
surgiu de um gradativo processo de superação do modelo eclesial da “Nova cristandade”. Este 
modelo era caracterizado pela aliança entre a Igreja hierárquica e as classes dominantes com 
vistas à “cristianização” da sociedade. Nas palavras de Richard, para os defensores da Nova 
cristandade “toda ruptura com o Estado ou com as classes dominantes é entendida e pensadacomo um perigo grave para a Igreja, como uma exclusão da Igreja da sociedade civil” 
(ibidem, p. 163) . A sobrevivência do catolicismo estava necessariamente relacionada com a 
preservação por parte do Estado dos “direitos da Igreja”, sobretudo no âmbito da educação. 
Seria inconcebível, portanto, uma Igreja com posturas antissistêmicas. 
O surgimento da “Igreja popular” passou, segundo Pablo Richard, pela ruptura com 
esse modelo da “Nova cristandade” e o estabelecimento, gradativo e parcial, de uma nova 
aliança com os movimentos populares. Aquela Igreja que outrora buscava o apoio do Estado 
para a preservação de seus direitos, assume como tarefa prioritária a promoção dos direitos do 
ser humano. Substituiu-se a ligação com as classes dominantes com uma aliança com as 
classes populares e seus movimentos de libertação. 
Aprofundado essa questão, o historiador Riolando Azzi (1977) também sustenta que o 
novo modelo eclesial – denominado por ele de “Igreja Povo de Deus” – identificou-se com as 
classes mais pobres e assumiu uma postura de defesa dos direitos humanos e de “denúncia da 
violação desses direitos decorrentes da própria ordem estabelecida no campo político, 
econômico e social” (ibidem, p. 122). A prioridade não é mais defender os direitos de Deus – 
como na época colonial – ou os direitos da Igreja – como na época do surgimento da 
República – e sim os direitos da população oprimida e explorada. Enfim, a TLA brotou de um 
distanciamento das classes dominantes e, concomitantemente, de uma incomum aliança com 
as classes mais pobres e os movimentos populares de libertação. Estes não representaram 
apenas o braço social da hierarquia católica, mas o berço da própria elaboração teológica, o 
locus theologicus a partir do qual da TLA desenvolve sua reflexão. 
Aqui surge o primeiro grande desafio: se nos anos 60, 70 e 80 a Igreja assumiu – 
mesmo em suas limitações e contradições – a causa das camadas populares, recebendo apoio e 
legitimação delas, na atualidade parece que essa aliança entrou em crise. Vários fatores 
contribuíram para isso, como o fim da violência dos governos militares, a crise dos 
movimentos populares, a implosão dos países socialistas, bem como a acirrada oposição do 
Vaticano. 
Seja como for, a gravidade da crise da TLA pode ser resumida por estas palavras de 
José Castillo: 
 
A oferta da satisfação imediata apresentada pelo mercado neoliberal demonstrou ser muito mais forte 
e determinante para o comum dos mortais do que as ofertas feitas pelos movimentos sociais e as 
religiões. Por isso explica-se que haja muitas pessoas que estão cansadas de conhecer as manipulações 
do mercado, que não estão de acordo com atrocidades como estas, e no entanto se sentem satisfeitas 
neste modelo de economia e de sociedade e não querem que as coisas mudem. Porque, na vida do 
comum dos mortais, é mais decisiva a satisfação das necessidades do que a coerência das idéias 
(CASTILLO, 2004, 39; grifos do autor). 
 
Nas décadas anteriores a população do continente clamava por mudanças. Já na 
atualidade, na ótica de Castillo, muitas pessoas “não querem que as coisas mudem”, não 
almejam mudanças estruturais, mas apenas melhoras biográficas. Em outros termos, aquela 
teologia que, há alguns anos atrás, tornou-se “a voz dos sem voz”, a caixa de ressonância dos 
clamores populares, hoje se tornou objeto de desconfiança não apenas dos segmentos mais 
abastecidos da sociedade – o que não representa uma grande novidade – mas também das 
camadas populares. Com efeito, no imaginário de grande parte da população, as promessas ou 
os compensadores neoliberais tornaram-se muito mais atrativos do que o realismo dos 
movimentos ou pastorais sociais. Como diz Castillo, as ilusões de consumo ilimitado atraem 
muito mais do que a austeridade invocada pela promoção da justiça social e da 
sustentabilidade do planeta. 
Portanto, aquela teologia, outrora alimentada e até orientada pelo povo e seus 
movimentos, hoje parece não se identificar mais com as aspirações hegemônicas no meio 
popular. O discurso sobre o protagonismo transformador dos pobres e excluídos 
(GUTIÉRREZ, 1983) foi, em parte, substituído pela constatação do poder manipulador do 
mercado neoliberal. Aquelas utopias que orientaram a caminhada histórica de libertação e não 
sucumbiram diante da “violência institucionalizada”, estão fraquejando diante das ilusões de 
consumo da globalização neoliberal. 
Resumindo nossa reflexão, a TLA, após rejeitar a aliança com as classes dominantes e 
ver reduzido, a partir do pontificado de João Paulo II, o apoio da Igreja institucional, agora 
passa por uma crise em sua ligação com as camadas populares, devido a um processo, talvez, 
de recíproco afastamento: por um lado, como vimos, um povo menos atraído pelas utopias 
sócio-transformadoras e, por outro, um universo teológico que, talvez, perdeu sua ligação com 
a práxis. 
Com esta afirmação queremos dizer que nos últimos anos verificou-se um 
deslocamento gradativo do lugar social prioritário da TLA: dos movimentos populares, do 
povo excluído e das comunidades de base para o mundo universitário. Uma razão dessa 
transformação é representada, talvez, pelo orientação conservadora de amplos segmentos do 
mundo eclesial: muitos teólogos viram-se quase que “expulsos” da vida paroquial e das 
pastorais sociais. 
Além disso, há alguns anos, as ciências da religião tiveram uma acentuada difusão no 
meio universitário. Muitos teólogos, que outrora costumavam freqüentar as camadas 
populares e seus movimentos, atuam hoje na área acadêmica e buscam nelas seus principais 
interlocutores. O mundo universitário parece mais receptivo às interpelações por mudanças 
estruturais do que os próprios movimentos populares. Na universidade a teologia pode 
dialogar melhor com as ciências sociais – o que representa um fortalecimento de um elemento 
estruturante da TLA – e inclusive estar em contato com influentes pensadores das sociedades 
contemporâneas. 
Por outro lado, é evidente que o novo lugar social dificulta o contato direto com o 
povo. O risco é estabelecer uma barreira com aquelas camadas da população que representam, 
como vimos, o “lugar epistemológico central” (BOFF, 1996) da TLA. Perde-se a proximidade 
com o mundo dos refugos da humanidade (BAUMAN, 2004), justamente numa época 
caracterizada pela “crescente demanda por distância”, pela “morte do próximo” (ZOJA, 2009, 
p. 17-18) e pela generalizada construção de muros e barreiras que geram exclusões. Será que 
paira novamente o espectro de um “novo cinismo teológico”? Como recuperar a proximidade 
com as vítimas do sistema? 
 
3.2. Denunciar a idolatria do consumo 
Num continente em que, segundo os dados do BID de 2010, cerca de 182 milhões de 
pessoas ainda vivem abaixo do nível de pobreza parece paradoxal apontar o consumo como 
desafio teológico. Estamos diante de um “novo cinismo”? Acreditamos que não. 
O tema do consumo é extremamente complexo e abrangente, envolvendo não apenas 
questões de ordem econômica, mas também antropológica, social e, até, religiosa. Embora 
haja ainda milhões de latino-americanos abaixo do nível da pobreza, em muitos países da 
região aumenta o número de pessoas, inclusive das camadas menos abastecidas, que integram 
o mercado de consumo. No Brasil, por exemplo, conforme dados da ANATEL, em junho de 
2011 havia 111 aparelhos celulares por cada 100 habitantes: o país tem mais celulares que 
pessoas! Como interpretar essa realidade? Por que segmentos da população do continente 
preferem abrir mão de mercadorias supostamente necessárias a fim de alcançar os almejados 
objetos de consumo? 
O teólogo Jung Mo Sung, em seus preciosos trabalhos sobre o assunto, tem 
evidenciado como na sociedade atual a dignidade do ser humano é medida a partir da 
quantidade e qualidade de seu consumo. O ato de consumir, antes que finalizado a satisfazer 
necessidades, visa o status,a auto-estima, o reconhecimento social. Mediante a ostentação de 
determinados produtos realiza-se, simbolicamente, a mobilidade social ascendente (MO 
SUNG, 2005), pois o consumo é um investimento “que serve para o „valor social‟ e a auto-
estima do indivíduo” (BAUMAN, 2008, p. 76). 
Essa dinâmica não é exclusiva dos segmentos mais pobres da sociedade, mas abrange 
também as camadas mais ricas do continente. Conforme Mo Sung, quando as elites desses 
países “em desenvolvimento” desejam imitar os padrões de consumo dos países mais ricos e 
distanciar-se dos patrícios “pobres”, eles “impõem todos os tipos de ajustes e políticas 
econômicas que sacrificam o povo, mas lhes permitem usufruir do consumo conspícuo” (MO 
SUNG, 2005, p. 67). 
De um ponto de vista teológico, essa “cultura do consumo” se torna extremamente 
problemática por diferentes razões: porque estimula a depredação de recursos naturais não-
renováveis e, com isso, coloca em crise a sustentabilidade do planeta; porque alimenta 
modelos econômicos que privilegiam a produção voltada para o consumo das elites, muitas 
vezes em detrimento de produtos menos rentáveis mas essenciais para as necessidades vitais 
ou o bem-estar da maioria; e, sobretudo, porque, sustenta uma visão antropológica em que a 
dignidade do ser humano é medida pela quantidade e qualidade do consumo: “diga-me o que 
consome e te direi quem és”. A dignidade deixa de ser algo inerente à condição humana, para 
tornar-se algo adquirido – sempre provisoriamente – mediante o consumo. 
Um exemplo típico dessa cultura do consumo é representado pelo assassinato do índio 
Pataxó Hã-Hã-Hãe Galdino de Jesus que ocorreu em Brasília em 1997. Na ocasião, cinco 
jovens brasilienses atearam fogo no índio que estava descansando abaixo de um cobertor 
numa parada de ônibus do Plano Piloto. Um dos criminosos, logo após a detenção, assim 
justificou o ato: “Não sabíamos que era um índio, pensávamos que era só um mendigo”!! A 
lógica é clara: a dignidade do ser humano pode ser quantificada e mensurada pelo tipo de 
consumo. Quem não consome nada – como no caso do mendigo – tornam-se “massa 
sobrante”, “dispensável”. Nas palavras de Zygmunt Bauman, os “consumidores falhos”, que 
são “donos de recursos demasiado escassos para reagirem de forma adequada aos „apelos‟ dos 
mercados de bens de consumo, ou mais exatamente a seus passes sedutores, são pessoas 
„desnecessárias‟ para a sociedade de consumidores, que estaria melhor sem elas” (BAUMAN, 
2008, p. 88) 
Enfim, num contexto de hegemonia do mercado neoliberal, é o próprio sistema 
econômico que determina o valor do ser humano a partir dos critérios da produtividade, 
consumo e vendabilidade (BAUMAN, 2008, p. 75-76). Existem duas categorias de pessoas 
incluídas no sistema – embora provisoriamente: os produtores e os consumidores. Nenhum 
latino-americano emigrante é desprezado na terra de chegada caso seja um bom produtor – 
veja-se, por exemplo, o brain gain – ou um ótimo consumidor. Caso a pessoa não se encaixe 
nessas duas categorias, pode ser parcialmente incluída do outro lado da vitrine, enquanto 
mercadoria, pessoa vendável – veja-se, por exemplo, o tráfico de pessoas para fim exploração 
sexual ou trabalho escravo. No entanto, se esta terceira opção não for possível ou desejável, a 
pessoa se torna “massa sobrante” ou, como diria Bauman (2004), mero “refugo humano”. 
A “cultura do consumo” tem outros aspectos profundamente desafiadores. Caso seja 
interiorizada, essa lógica leva as camadas mais empobrecidas – as vítimas do sistema – a 
reconhecer sua “inferioridade humana” e emular os padrões de consumo das elites. As vítimas 
inocentes assumem a própria culpabilidade e, ao mesmo tempo, identificam o caminho de sua 
libertação não mais na organização popular com vistas à transformação da sociedade, e sim no 
aumento do consumo. 
 Além disso, essa lógica corre o risco de ultrapassar o âmbito meramente econômico e 
entrar indevidamente, por exemplo, no âmbito das relações humanas que, nessa abordagem, 
começam a seguir os mesmo padrões das relações entre consumador e mercadoria: o parceiro 
tem valor na medida em que traz satisfação – como um objeto de consumo – podendo ser 
descartado em qualquer momento. 
A TLA não pode ficar indiferente diante da difusão capilar dessa “cultura de 
consumo”. Uma teologia que nasceu do encontro – ou, melhor, do choque – entre o 
Evangelho libertador de Jesus de Nazaré e a desumana realidade de opressão e exclusão 
social, é chamada, hoje mais do que nunca, a denunciar profeticamente a reificação do ser 
humano e anunciar a incomensurabilidade e inviolabilidade da dignidade de cada pessoa. Na 
linguagem bíblica, a humanidade toda é criada a “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,26) 
e, por isso, é portadora de uma dignidade inalienável. 
Na realidade, desde os anos 80 do século passado, alguns teólogos– por exemplo, 
Franz Hinkelammert, Hugo Assmann, Jung Mo Sung, Pablo Richard – têm trabalhado num 
enfoque teológico que aborda essas questões na ótica da idolatria (HINKELAMMERT, 
ASSMANN, 1986): o mercado neoliberal, ao determinar o que é humano, não-humano ou 
sub-humano tornou-se um ídolo, pois, mesmo sendo uma mera construção social, atribui-se 
prerrogativas divinas. A TLA é chamada a fortalecer esse enfoque teológico, anunciar a 
necessidade de um consumo crítico e optar por outra espiritualidade, como assevera Mo Sung: 
Os cristãos e os seguidores de outras religiões devem enfrentar o desafio de gestar e viver 
continuamente uma espiritualidade que não seja centrada na emulação, na concorrência e na 
inveja, mas sim no reconhecimento de que a nossa humanidade se realiza no encontro com o outro, 
reconhecido como outro e não transformado em um instrumento ou em inimigo (MO SUNG, 
2005, p. 71). 
 
3.3. Preservar a memória e educar à mobilidade no tempo 
A memória é um elemento essencial de qualquer denominação religiosa. Pertencer a 
uma religião significa, essencialmente, dialogar com uma tradição, entendida como horizonte 
de experiências históricas – coletivas e cumulativas – transmitidas de geração a geração.
5
 
Afiliar-se a uma tradição religiosa implica a adesão a uma “descendência de crentes” 
(HERVIEU-LEGER, 2003, p. 54). 
No cristianismo, os membros das comunidades se reúnem periodicamente para um ato 
de culto chamado “eucaristia” ou “ceia”, em que se realiza o „memorial‟ de um evento 
histórico constitutivo: a morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. A fé dos cristãos se 
fundamenta nesse acontecimento. O próprio conceito de „sacramento‟, frequentemente 
utilizado na teologia e na pastoral cristãs, é entendido como memorial (dimensão 
comemorativa) de um evento histórico, que tem repercussões no presente com vistas à 
consumação escatológica. 
A capacidade de dialogar com o passado, portanto, constitui um elemento vital para as 
religiões, bem como para qualquer povo ou grupo social. Não é por acaso que o caminho da 
opressão dos povos colonizados passou, frequentemente, pelo aniquilamento da memória: 
muitos deles tiveram seus livros queimados, seus monumentos destruídos, suas lembranças 
silenciadas, seus cultos religiosos ou civis proibidos. 
Apesar da memória representar um elementos tão importante para a identidade de 
indivíduos e povos, nos dias de hoje, deparamo-nos com um enfraquecimento dos dispositivos 
intergeracionais de transmissão cultural e com uma exacerbada tendência ao imediatismo. As 
sociedades modernas são cada vez mais voltadas para o presente, para a inovação e, nesse 
sentido, cada vez mais desligadas de suas tradições. Tudo o que é passado torna-se sinônimo 
de antiquado, retrógrado e, portanto, prejudicial para o presente. 
Nas palavras de Bauman (2009, p. 85), o ritmo das mudanças das sociedades 
contemporâneas é tão intenso que “impede que a experiência se cristalize, estabelecendo-se e 
 
5
 No sentidoetimológico, o termo “tradição” vem do latim tradere: entregar, transmitir 
solidificando-se em atitudes e padrões comportamentais, síndromes de valores e visões do 
mundo, próprios para serem registrados como traços permanentes do „espírito da época‟ e 
reclassificados como características singulares e duradouras de uma geração”. A história 
deixa de ser magistra vitae. 
Nessa esteira, a socióloga francesa Daniéle Hervieu-Léger, a partir do contexto 
europeu, infere que as sociedades modernas são areligiosas não por uma questão ideológica, 
mas, antes que isso, porque “são sociedades vítimas da amnésia, caracterizadas por uma 
crescente incapacidade de fazer viver uma memória coletiva portadora de sentido para o 
presente e orientações para o futuro” (2003, p. 55). Sem a capacidade de vivenciar uma 
memória histórica coletiva, torna-se difícil assumir uma identidade religiosa, que se constrói, 
como vimos, na interação com um evento histórico fundante. 
A América Latina corre o risco de cair nessa „ditadura do presente‟ e na amnésia do 
passado? Sabemos que a conquista e a colonização do continente foram caracterizadas pela 
tentativa de gerar uma radical ruptura com o passado dos povos indígenas. A conquista 
religiosa implicava a conversão dos índios e, com ela, a tabula rasa das tradições dos 
colonizados, a aniquilação de tudo o que pudesse manter a memória das religiões ancestrais.
6
 
Mesmo assim, sabemos também que não é tão fácil destruir a memória dos vencidos. Tanto os 
povos indígenas quanto os afro-americanos conseguiram preservar elementos essenciais de 
seu imaginário religioso, ainda que mediante um processo de hibridação com as religiões dos 
conquistadores. 
Mas será que os povos latino-americanos vão conseguir preservar sua memória 
histórica na conjuntura contemporânea? Por paradoxal que possa parecer, a globalização 
neoliberal hodierna, sobre essa questão, parece ser mais perigosa do que a violência dos 
conquistadores e dos escravagistas. A rapidez das mudanças sócio-culturais, o intenso 
processo de urbanização do continente, o amplo e, por vezes, barato acesso a mercadorias 
importadas de outros contextos culturais, o enfraquecimento dos dispositivos de comunicação 
e transmissão intergeracioais, entre outros fatores, representam sérios desafios para a 
preservação da memória histórica e, com isso, das riquezas axiológicas, religiosas e culturais 
do continente. 
 
6
 Vale a pena apenas citar o precioso testemunho de Bernadino de Sahagùn, frei franciscano espanhol que 
chegou em Tenochtitlan, capital do império Asteca, em 1529, logo depois da conquista de Cortez. Em sua 
imensa obra sobre a cultura dos índios astecas o frei franciscano sublinha como os espanhóis “assumiram a tarefa 
de pisotear todos os costumes e todas as formas de governo que tinham os naturais com a pretensão de reduzi-los 
a viver como na Espanha, tanto nas práticas divinas como nas coisas humanas, simplesmente por considerá-los 
idólatras e bárbaros” (apud TODOROV, 2003, p. 234). 
Nessa conjuntura, a TLA é chamada a duas tarefas. Em primeiro lugar, fortalecer os 
mecanismos de transmissão e preservação da memória, tanto para garantir o sentido religioso 
da população, quanto para tutelar a riqueza das tradições culturais e axiológicas da região.
7
 
Não se trata de negar a importância do compromisso com o presente, e sim educar à 
“mobilidade no tempo”, que implica, por um lado, aprender a dialogar com a história, visando 
“educar o olhar para o presente, fortalecê-lo, torná-lo menos ingênuo e crédulo, torná-lo 
livre”; por outro lado, aprender a “ fugir, por quanto possível, dos vínculos da época”, que é a 
mais autêntica forma de liberdade (AUGÉ, 2010, p. 90). 
A segunda tarefa – desdobramento da primeira – é superar qualquer forma de 
interpretação da tradição em termos fundamentalistas ou tradicionalistas. Nos últimos anos, 
em vários países do mundo, talvez como reação às radicais transformações e conflitos da 
conjuntura contemporânea, aumentaram as tendências de idealização ou sacralização de 
eventos ou ideologias antigas: saber dialogar com o passado não significa inventar 
saudosamente antigas “idades áureas”. 
O cristianismo pode e deve contribuir nessa tarefa: em primeiro lugar porque as 
religiões – inclusive o cristianismo – não raramente caem nessa tentação de idealização do 
passado; em segundo lugar, porque é parte da tradição cristã interpretar seu evento fundante 
enquanto ponto de partida de uma caminhada que exige, constantemente, novas traduções e 
recepções criativas. Não se trata de reproduzir o passado, mas estar abertos à ação do Espírito 
vivificador que atua na história (Gaudium et Spes, 1965, n. 4.11). 
A capacidade de dialogar com o passado, portanto, não pode legitimar a sacralização 
de qualquer tipo de tradição. Representa, ao contrário, um caminho fundamental de libertação 
das amarras do presente, um antídoto contra a ditadura do imediatismo. A América Latina, 
que se debruça neste hodierno mundo globalizado, é chamada a construir seu futuro sem 
olvidar as riquezas e o legato de sua preciosa e sofrida história. 
 
3.4. Aprender a conviver e dialogar no contexto do pluralismo religioso 
 
7
 Recentemente, por exemplo, a Revista Internacional de Teologia Concilium tem publicado um número sobre os 
“Pais da Igreja na América Latina” (2010), com uma coletânea de artigos sobre a vida e o legato de algumas 
figuras da igreja latino-americana da época pós-conciliar – Dom Hélder Câmara, Dom Leónidas Proaño, Dom 
Oscar Romero. Conforme o editorial da revista, esses pais da igreja, apesar das expressivas mudanças do 
contexto histórico, representam “o presente do passado, ainda susceptível de uma releitura que saiba colher sua 
permanente fecundidade como fonte de inspiração de novos percursos de seguimento evangélico não só na 
América Latina”. 
Em sua presença evangelizadora, o cristianismo na América Latina não se destacou 
pelo respeito e reconhecimento da alteridade. Nos períodos da conquista e da colonização do 
continente, as diferenças culturais dos povos indígenas foram frequentemente interpretadas 
em termos de inferioridade; por outro lado, a igualdade da condição humana, quando 
reconhecida, fomentou os caminhos da assimilação: quem é diferente é inferior; quem é igual 
deve ser assimilado.
8
 
O filósofo e teólogo Enrique Dussel, ao refletir sobre o mito da modernidade, encontra 
sua origem justamente no encobrimento do outro que ocorreu desde 1492. Vale a pena citar 
por extenso estas suas afirmações: 
Por um lado se autodefine a própria cultura como superior, mais “desenvolvida” [...]; por outro 
lado, a outra cultura é determinada como inferior, rude, bárbara, sempre sujeito de uma 
“imaturidade” culpável. De maneira que a dominação (guerra violência) que é exercida sobre o 
Outro é, na realidade, emancipação, “utilidade”, “bem” do bárbaro que se civiliza, que se 
desenvolve ou “moderniza”. Nisto consiste o “mito da Modernidade”, em vitimar o inocente (o 
Outro) declarando-o causa culpável de sua própria vitimação e atribuindo-se ao sujeito moderno 
plena inocência respeito ao ato sacrifical. Por último, o sofrimento do conquistado (colonizado, 
subdesenvolvido) será o sacrifício ou o custo necessário da modernização” (DUSSEL, 1993, p. 75-
76). 
Na lógica desse mito moderno, assim como apresentado por Dussel, não há espaço de 
cidadania para a diversidade. O diálogo, enquanto encontro e reconhecimento da alteridade, 
torna-se uma hedionda omissão diante da urgência de modernizar os bárbaros, civilizar os 
rudes, converter os infiéis. O próprio cristianismo não ficou imune a essa lógica. Por séculos o 
mundo cristão, sobretudo católico, interpretou sua missão como eliminação das religiões 
alheias, equiparadas aos ídolos bíblicos. A violênciacontra as demais tradições religiosas era 
legitimada pela preciosidade da recompensa oferecida – a vida eterna.
9
 
Apesar desse “pecado original”, os diferentes países latino-americanos acabaram 
construindo, com o tempo, suas identidades a partir de contribuições das diferentes 
populações que povoaram suas terras, produzindo uma realidade plural, embora não isenta de 
conflitos e intensas assimetrias. 
 
8
 Como sublinhou muito bem Tzvetan Todorov em relação à figura de Cristóvão Colombo: ou “os índios são 
seres completamente humanos, com os mesmos direitos que ele, e aí os considera idênticos e cai no 
assimilacionismo, na projeção de seus próprios valores sobre os outros; ou então, parte da diferença, que è 
traduzida em termos de superioridade e inferioridade” (TODOROV, 1993, p. 41). 
9
 Sobre essa questão, vale a pena citar o padre e jurista português Manoel Ribeiro Rocha que, no Brasil, em 
1758, escreveu o tratado “Etíope resgatado”. Com esta expressão, o autor refere-se aos africanos escravizados no 
Brasil e duplamente resgatados: no corpo – os escravagistas compravam prisioneiros condenados a morte – e na 
alma – os idólatras foram convertidos e, dessa forma, imunizados da perdição eterna (SUESS, 1992). 
A TLA voltou suas atenções sobre questões culturais sobretudo na época das 
comemorações ligadas aos 500 anos da chegada dos espanhóis e da resistência dos povos 
indígenas e afro-americanos. Os debates eram norteados sobretudo por alguns 
questionamentos, mais ou menos latentes: o cristianismo entende sua missão como eliminação 
da alteridade – conversão dos pagãos e, portanto, eliminação de suas religiões – ou como 
“xenologia” (COLLET, 2004, p. 66), ou seja, caminho de encontro com o 
diferente/estrangeiro, e contemplação da ação universal e totalmente livre do Espírito de Deus 
na história? Nesta última lógica, é possível reconhecer um papel específico das diferentes 
religiões no plano divino de salvação? 
Interpelada por esses questionamentos, a TLA tem mostrado sempre maior interesse 
nas questões do diálogo ecumênico – que visa a unidade dos cristãos –, do diálogo inter-
religioso e, inclusive, intercultural. Alguns autores como Faustino Teixeira, Marcelo Barros, 
José María Vigil, Diego Irarrázaval, Paulo Suess aprofundaram essas temáticas evidenciando 
sua ligação com o tema da libertação: “se as religiões – pondera Vigil – dialogassem entre si, 
se descobrissem o Deus da Vida universal, e pusessem o seguimento de seu mandato de Vida 
e de Justiça como objetivo supremo, nem o conflito Norte-Sul nem o choque de civilizações 
poderiam continuar acontecendo” (VIGIL, 2008, p. 380). Em outros termos, infere o teólogo, 
as religiões devem sair de suas tocas, dos “pequenos mundos” em que nasceram e se 
desenvolveram, para assumir uma abordagem mais planetária e universal, buscando uma ética 
em comum para o bem da humanidade (KUNG, 1992; BOFF, 2004). 
Mas não é apenas questão de juntar forças. A construção de uma sociedade mais justa 
e solidária passa necessariamente pelo reconhecimento do outro enquanto sujeito de direito, 
bem como pelo respeito de sua alteridade. Qualquer ação libertadora que exija a negação da 
alteridade é uma forma, mais ou menos dissimulada, de opressão. Nessa perspectiva, a 
educação – vivencial e teórica – ao diálogo, ao encontro com o outro, talvez represente o 
caminho privilegiado para reduzir as assimetrias sociais. Não é por acaso que os numerosos 
organismos e entidades de cunho ecumênico e inter-religioso – veja-se, por exemplo, o 
CONIC, no Brasil, ou o CLAI, na América Latina – destacam-se, também, por um expressivo 
compromisso sócio-transformador. De fato, na medida em que o outro deixa de ser inimigo e 
se torna parceiro de caminhada, as assimetrias sócio-econômicas tornam-se intoleráveis. A 
educação ao diálogo, portanto, constitui um importante caminho para a reconfiguração das 
relações interpessoais e sociais, um caminho complementar e não substitutivo do tradicional 
compromisso pela libertação das estruturas políticas e econômicas que geram exclusão. 
O tema do diálogo representa, hoje uma prioridade também por outra razão. A 
América Latina, nos últimos anos, viu explodir um intenso pluralismo religioso. No Brasil, 
por exemplo, o Censo de 2000 registrou 35 mil diferentes respostas ao quesito “qual é sua 
religião?”, número reduzido a 5 mil após a eliminação de repetições e equívocos 
(ANTONIAZZI, 2002). Isso aponta claramente o fim do monopólio do catolicismo. A 
“identidade católica” do continente, a que faziam referência os bispos latino-americanos, em 
1979, na Conferência de Puebla (DOCUMENTOS DE PUEBLA, 1979, n. 1099), deixou o 
passo a uma realidade caracterizada pelo “intenso pluralismo” (DOCUMENTOS DE 
APARECIDA, 2007, n. 100), como sublinhado, em 2007, na Conferência de Aparecida. 
Nesta nova conjuntura surgem inevitavelmente as perguntas: de que forma interagem todas 
essas denominações religiosas? Entre elas vige o conflito, o diálogo ou a simples indiferença? 
Nessa nova conjuntura, a TLA contemporânea é chamada a sublinhar a importância do 
“encontro”, da cooperação, da interlocução enquanto caminhos de enriquecimento recíproco. 
O ser humano é um ser intrinsecamente relacional e desenvolve sua plena realização humana 
no encontro com o outro, mesmo quando isso gera algum tipo de sofrimento. Na realidade, 
conforme o sociólogo Ulrich Beck, aqui reside a distinção entre indiferença e tolerância: esta 
começa “quando se experimenta o sofrimento em suportar alguma coisa” (BECK, 2008, p. 
90). Já a indiferença é, basicamente, a eliminação simbólica do outro: viver como se ele não 
existisse. A tolerância implica uma interação, enquanto a indiferença é uma mera fuga. 
A América Latina – região em que muito sangue e lágrimas foram derramados em 
nome da intolerância – é chamada a contribuir ao encontro dialogal das tradições religiosas 
presentes no continente, visando fortalecer o caminho libertador em prol de uma sociedade 
justa, plural e solidária e, ao mesmo tempo, abrindo espaços de convivência e diálogo que 
permitam o enriquecimento recíproco dos interlocutores.
 
 É evidente que esse caminho exige, 
necessariamente, o reconhecendo de iure do pluralismo religioso e, inclusive, do pluralismo 
teológico. 
 
3.5. Educar ao cuidado com o planeta terra 
A crise ecológica talvez seja um dos assuntos mais desafiadores do começo do novo 
milênio. Independentemente da confiabilidade das previsões mais alarmistas, não há dúvida 
de que as mudanças climáticas estão acontecendo e os recursos naturais não renováveis estão 
sendo depredados ou poluídos. Ainda que nos próximos anos não ocorram desastres 
planetários, já neste momento várias catástrofes naturais estão castigando a humanidade, 
sobretudo as populações do planeta mais pobres. Isso não depende da localização geográfica. 
Eventos catastróficos acontecem também nos EUA ou no Japão. No entanto, como afirma um 
informe do PNUD (2004) – “A redução de risco de desastres: um desafio para o 
desenvolvimento” – as catástrofes naturais são, na realidade, antropogênicas, pois o número 
de mortos, feridos e deslocados por elas provocados depende substancialmente da capacidade 
que cada país tem de implementar políticas de prevenção e atendimento às vítimas. O que 
mata, em outras palavras, não são os desastres, e sim a miséria ou, melhor, as desigualdades 
sociais. As ponderações do PNUD geram ainda mais indignação se levarmos em conta que os 
países mais pobres, geralmente, são também aqueles menos responsáveis pela emissão de 
gases de efeito estufa e pela depredação de recursos naturais não renováveis. 
A América Latina não é o continente mais vulnerável em relação às conseqüências das 
mudanças climáticas. Ainda assim, a América Central e o Caribe continuam sendo assolados 
por furacões e terremotos. Episódios de secas einundações são cada vez mais freqüentes na 
América do Sul, onde começam a aparecer também ciclones extratropicais. O aquecimento 
global está provocando o derretimento das geleiras andinas, colocando em crise o equilíbrio 
ambiental da região e comprometendo a sustentabilidade econômica sobretudo das famílias 
dependentes da agricultura pluvial (KAENZIG; PIGUET, 2011). Em nome do agronegócio, 
continua constante o desmatamento da floresta amazônica. Além disso, cabe frisar que, apesar 
da América Latina não ser a região mais atingida, na ótica da interdependência – não apenas 
ecológica, mas também econômico-financeira – qualquer episódio climático ou ambiental que 
ocorra em qualquer lugar do planeta tem repercussões globais. Estamos todos no mesmo 
barco. 
No âmbito teológico, a partir dos anos 90 do século passado, alguns teólogos latino-
americanos começaram a incluir na própria reflexão a questão ecológica. Até então havia 
certa desconfiança em relação a esse assunto, não raramente atrelado ao mundo burguês, mais 
preocupado com a sobrevivência de espécies animais do que com a vida de centenas de 
milhões de seres humanos. No entanto, o agravamento da degradação ambiental e os sinais 
cada vez mais claros das mudanças climáticas despertaram o interesse de alguns segmentos da 
TLA, entre os quais cabe lembrar Leonardo Boff, mas também Antônio Murad, Luiz Carlos 
Susin e Frei Betto. 
Um enfoque teológico da questão ambiental, na realidade, não representava uma 
novidade em nível mundial. A teologia europeia começou a abordar esse tema desde a década 
de 70. A TLA enfrentava, portanto, o desafio de como articular a questão do meio-ambiente 
com sua herança teológica. Ou, em outros termos: o que significa fazer uma teologia da 
ecologia na ótica latino-americana? 
Leonardo Boff é o teólogo mais preocupado em erguer pontes entre o clamor dos 
pobres e o grito da terra. Para o teólogo brasileiro, na ótica latino-americana o tema deve ser 
tratado na perspectiva da ecologia integral,que incorpora três vertentes: a ecologia ambiental, 
social e mental (BOFF, 1996). Não se trata, em outras palavras, apenas de salvar árvores e 
espécies animais em extinção, mas promover o cuidado com todos os seres viventes do 
planeta, inclusive o ser humano. Além disso, na ótica da ecologia mental, cabe também 
despoluir as mentes e os corações das pessoas para que possa ser recuperado um equilíbrio 
ecológico e uma correta relação entre todas as espécies viventes do planeta. 
A TLA, portanto, ao utilizar o enfoque ecológico, tornou-se receptiva do clamor da 
terra: “a criação geme em dores de parto” (Rm 8,22). Não se trata de uma traição, e sim de 
uma ampliação da abordagem teológica tradicional. Assim, por exemplo, o recurso às ciências 
sociais é ampliado mediante o recurso às ciências biológicas; o clamor do ser humano 
oprimido, mediante o clamor do planeta terra; a indignação diante da violência contra o ser 
humano, mediante a indignação pela extinção das espécies e a depredação do meio-ambiente; 
o pobre como sujeito social de transformação, mediante o planeta terra como “terceiro ator” 
(SERRES, 2009, p. 43-44). 
No sentido estrito, na realidade, a questão ecológica está provocando uma verdadeira 
mudança de paradigma na TLA: a questão não é mais o futuro da Igreja de Jesus Cristo ou 
dos pobres, e sim “que futuro terá o planeta terra e a humanidade, que é sua expressão? Em 
que medida o cristianismo e outras religiões com sua bagagem espiritual ajudam a garantir o 
futuro coletivo?” (BOFF, 1996, p. 126). Nesta nova perspectiva, as tradicionais lutas da TLA 
em defesa da dignidade dos pobres assumem uma conotação mais universalista, visando não 
apenas a inclusão dos seres humanos excluídos, e sim o cuidado com a vida de todos os seres 
viventes no planeta. O objetivo não está em permitir às pessoas excluídas de entrar no mundo 
do consumo – o que seria ecologicamente insustentável – mas repensar cabalmente o projeto 
de desenvolvimento contemporâneo. A única solução é uma radical mudança de rumo. 
Portanto, voltando às reflexões de Riolando Azzi, após defender os direitos de Deus – 
na época colonial –, os direitos da Igreja – após o fim do padroado –, e os direitos humanos – 
com o nascimento da Igreja libertadora –, agora, o catolicismo, junto às demais denominações 
cristãs e religiões, é chamado a defender e promover os direitos do planeta Terra e de todas 
as espécies viventes. Para isso, como salientava o pastor Théodore Monod, necessita-se uma 
escolha filosófica: para onde queremos e temos que ir? Temos que continuar sacrificando “a 
felicidade em nome do lucro e do poder”, permanecendo “seres vazios de mãos cheias” ou, 
então, temos que caminhar para outra direção, “aquela que antepõe o ser humano ao lucro, o 
crescimento espiritual àquele do PIB e a verdadeira felicidade à religião da produção?” 
(MONOD, 2004, p. 78). 
 
3.6. Resgatar a credibilidade da religião 
Desde sua origem, a TLA desenvolveu-se num contexto profundamente religioso. 
Antes que gerar ou fortalecer a fé em Deus, a teologia estava preocupada em orientar, 
direcionar o sentido religioso do povo. A pergunta teológica não era: Deus existe ou não 
existe? e sim: em qual Deus estamos acreditando? São bastante conhecidas as palavras do 
peruano Gustavo Gutierrez sobre a distinção entre a teologia europeia e a TLA: 
 
Parece que boa parte da teologia contemporânea baseou-se no desafio lançado ao não-crente. O não-
crente põe em questão nosso mundo religioso, exigindo dele uma purificação e uma renovação 
profunda. Bonhoeffer aceitava o desafio, formulando incisivamente a pergunta que está na base de 
muitos trabalhos teológicos atuais: como anunciar Deus em um mundo que se tornou adulto? Mas, em 
nosso continente como a América Latina, o desafio não vem principalmente do não-crente, e sim do 
não-homem, quer dizer, daqueles que não são reconhecidos como homens pela ordem social 
estabelecida: o pobre, o explorado, aquele que é sistemática e legalmente espoliado de sua qualidade de 
homem, aquele que mal sabe o que seja um homem. O não-homem põe em questão, antes de tudo, não 
tanto nosso mundo religioso, e sim nosso mundo econômico, social, político e cultural; e é por isso que 
leva à transformação revolucionária das próprias bases de uma sociedade desumanizadora. Portanto, a 
pergunta não versará sobre como falar de Deus num mundo adulto, mas sobre como anunciá-lo como 
Pai em um mundo não-humano, sobre as implicações que comporta o dizer ao não-homem que ele é 
filho de Deus (Apud GIBELLINI, 1998, p. 358). 
 
A TLA buscou identificar o rosto do Deus de Jesus Cristo diante dos desafios do “não-
homem”, ou seja, da desumanização do ser humano: como é possível que haja tantas 
desigualdades, violências e opressão em um continente povoado, em sua grande maioria, por 
cristãos? É possível aderir ao cristianismo e, ao mesmo tempo, fomentar estruturas e práticas 
de opressão? Necessitava-se elucidar as implicações sociais da fé cristã, a relação entre a vida 
e o Evangelho. 
No entanto, a conjuntura latino-americana mudou substancialmente na virada do 
milênio. Em primeiro lugar, como já vimos, acirrou-se profundamente o pluralismo religioso. 
Em segundo lugar, aumentou o número de pessoas que se auto-definem “sem religião”. No 
caso do Brasil, conforme o Censo de 2000, mais de 7% do total da população declarou não se 
identificar com nenhuma religião, número confirmado por outras pesquisas nos anos 
posteriores
10
. 
É bom esclarecer que a expressão “sem religião” pode incluir ateus, agnósticos, mas 
também indivíduos que, mesmo tendo alguma fé na transcendência, não se reconhecem em 
nenhuma tradição religiosa. Em outros termos, esses dados podem estar confirmando a crise 
dos vínculos institucionais estáveis, a radicalização do processo de subjetivização e 
desinstitucionalização da dimensão religiosa. Nas palavras da sociólogaGrace Davie, no 
mundo contemporâneo é possível believing without belonging (BERGER; DAVIE; FOKAS, 
2010), mas também, como acrescenta Daniéle Hervieu-Léger, belonging without believing 
(HERVIEU-LEGER, 2005). Ambas as expressões evidenciam uma desregulamentação na 
relação entre crença e pertença: pode-se acreditar em Jesus Cristo sem pertencer a nenhuma 
igreja cristã ou, então, pertencer a uma denominação cristã, mas sem seguir suas orientações 
doutrinais. 
Essa nova conjuntura decorre de numerosos fatores, entre os quais gostaríamos de 
evidenciar a crise de credibilidade do religioso e de suas instituições. Esta crise decorre, em 
parte, do crescente pluralismo religioso que, na opinião de Berger e Luckmann (2010), 
provoca a perda da “obviedade”, inclusive em relação à pertença denominacional: em 
contexto de monopólio religioso é óbvio que a verdadeira religião é a única presente; de 
forma análoga, em contexto de forte hegemonia – como no caso da América Latina até 
algumas décadas atrás – não é difícil para a denominação majoritária demonizar os grupos 
minoritários e garantir a legitimidade da própria visão do mundo. No entanto, em contexto de 
pluralismo as instituições religiosas devem convencer o público alvo acerca da qualidade de 
sua oferta. Nesse sentido, o pluralismo religioso, ao gerar dúvidas e competição, prejudica a 
credibilidade das diferentes religiões, embora, em sentido contrário, empurra as instituições a 
aprimorar a qualidade de seus produtos (STARK; BAINBRIDGE, 2008). 
Em segundo lugar, a crise de credibilidade está relacionada com uma “ampliação” do 
sagrado (ORO, 1997). No processo de secularização do mundo contemporâneo ocidental a 
expulsão de Deus é acompanhada pela sacralização de realidades históricas: ideologias, 
estruturas econômicas, instituições, produtos de consumo, terapias. As duas grandes 
ideologias modernas – o comunismo e o liberalismo – podem ser consideradas reformulações 
 
10
 Por exemplo, a pesquisa do CERIS de 2002 (Desafios do catolicismo na cidade. São Paulo: Paulus, 2002) ou, 
mais recentemente, da Datafolha em 2011 (Folha de São Paulo, 15 de agosto de 2011). 
imanentes da escatologia cristã. Expressões como o “fim da história”, a “guerra infinita”, a 
“mão invisível do mercado” possuem, de forma mais ou menos direta, uma clara conotação 
religiosa. Em outras palavras, antes que de uma crise do religioso, estamos diante de uma 
crise do “religioso transcendente”, substituído pelo surgimento de numerosos pequenos 
deuses imanentes que, em termos teológicos, podem ser chamados de ídolos, a saber, 
construções humanas que recebem atributos e conotações divinas. A sociedade moderna, 
enfim, produziu e produz numerosos sucedâneos de Deus, muito menos exigentes da 
divindade transcendente e, aparentemente, muito mais eficazes. No mundo moderno, Deus 
também tem que lidar com uma forte concorrência!! 
Em terceiro lugar, a crise do religioso é, muitas vezes, crise de suas instituições. Aqui 
entramos num assunto extremamente complexo, sobre o qual não se pode refletir de forma 
superficial e generalizada. Será suficiente enfatizar que os diferentes escândalos – sobretudo 
de ordem sexual e financeira – que envolveram membros de instituições religiosas, afetaram 
profundamente a credibilidade de suas denominações. Além disso, percebe-se certa 
dificuldade em dialogar com o mundo contemporâneo: não raramente, há lideranças religiosas 
que assumem posições doutrinais e uma linguagem pouco compreensíveis na ótica do ser 
humano moderno, o que contribui em gerar uma distância entre o povo e as instituições. 
Enfim, nos anos 60 e 70 a TLA surgiu num contexto de religiosidade difusa e de 
sólida adesão institucional. A preocupação era orientar o povo em relação às implicações 
sociais de sua fé e pertença religiosa. Na conjuntura contemporânea, no entanto, esse quadro 
mudou radicalmente. A invidualização e desinstitucionalização da fé geram novos desafios. A 
TLA é chamada a reinterpretar-se como “teologia fundamental” a fim de buscar os 
fundamentos do cristianismo e fortalecer sua credibilidade. 
Não se trata de um desafio totalmente novo. Em sua história a TLA trabalhou algumas 
categorias teológicas que, neste momento, deveriam ser retomadas e reinterpretadas a partir 
dos novos desafios: por exemplo, a luta contra os ídolos (RICHARD; CROATTO; PIXLEY, 
1982); o diálogo com as culturas autóctones e, principalmente, com o mundo moderno 
(AZEVEDO, 1981); a necessidade da constante renovação interna da igreja – ecclesia semper 
reformanda (BOFF, 1977). Mas sobretudo, o seguimento do Jesus histórico enquanto 
caminho de descoberta da credibilidade do cristianismo e da dimensão religiosa do ser 
humano (SOBRINO, 1983). Estas intuições da TLA podem contribuir a evitar duas tentações 
muito recorrentes no contexto contemporâneo: renunciar à profecia a fim de agradar um maior 
número de pessoas, fomentando espiritualidades desencarnadas, ou, então, renunciar ao 
diálogo e reafirmar, de forma quase que fundamentalista, a solidez inquestionável das 
instituições e de suas doutrinas. 
 
3.7. Assumir a causa e a utopia dos migrantes 
O continente latino-americano, nas últimas décadas, caracterizou-se por um forte 
incremento da mobilidade populacional. O número de migrantes é extremamente elevado em 
quase todos os países da região. Conforme a OIM (2010), entre 2000 e 2010 as correntes 
emigratórias ultrapassaram aquelas imigratórias de 11 milhões de unidades. A América 
Latina, tradicional terra de imigração, transformou-se numa região de expulsão populacional. 
Se, em passado, a TLA respondeu com prontidão às interpelações de outros grupos 
sociais – pobres, operários, camponeses, indígenas, mulheres, afro-americanos – não se 
mostrou suficientemente sensível em relação à realidade migratória, apesar da amplitude e 
intensidade do fenômeno e dos desafios inerentes. 
Excetuando o trabalho de algumas congregações religiosas – trabalho mais de ordem 
pastoral e sócio-transformador do que propriamente teológico – são extremamente reduzidos 
os estudos acadêmicos sobre a questão migratória. Existem algumas pesquisas pontuais, 
relacionadas a realidades específicas, mas não houve, por parte dos principais teólogos latino-
americanos, tentativas de elaborar uma TLA na ótica das migrações. Não seria exagerado 
afirmar que houve mais sensibilidade por parte dos bispos do que do mundo teológico.
11
 Essa 
omissão resulta ainda mais problemática ao se levar em conta as numerosas razões que 
justificariam uma teologização sistemática da mobilidade humana numa ótica latino-
americana. Apontamos a seguir algumas delas. 
O mundo das migrações é, antes de tudo, um lugar social em que, na atualidade, se 
manifesta de forma mais dramática o clamor do povo por dignidade e cidadania. Em termos 
quantitativos, a mobilidade geográfica, intra ou extra-continental, abrange, talvez, a grande 
maioria da população da região, principalmente em se considerando não apenas a pessoa que 
se desloca, mas também sua “unidade social de referência” (SOUZA MARTINS, 2003, p. 
145), ou seja, todas aquelas pessoas próximas do migrante que, mesmo permanecendo na terra 
de origem, padecem, por diferentes razões, as conseqüências do ato migratório. 
Na grande maioria dos casos, as migrações do continente são protagonizadas por 
pessoas em situação de vulnerabilidade, migrantes econômicos ou deslocados forçados que 
 
11
 Pode-se citar, por exemplo, a Conferência de Aparecida do CELAM, em 2007, que dedicou um importante 
espaço às questões migratórias em seu Documento Final (CELAM, 2007). 
lutam e sofrem em busca da inclusão biológica – sobrevivência – e da inclusão social – a 
plena cidadania para si e as próprias famílias. Entre esses migrantes encontramos mulheres 
provedoras de

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