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Neves, António Castanheira - Apontamentos Complementares de Teoria do Direito Sumários e Textos

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A. CASTANHEIRA NEVES 
 
 
APONTAMENTOS COMPLEMENTARES 
 
DE 
 
TEORIA DO DIREITO 
 
(SUMÁRIOS E TEXTOS) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 1 
O FUNCIONALISMO TECNOLÓGICO-SOCIAL 
 
1. Movimento precursor – a “sociological jurisprudence”. 
 
A “sociological jurisprudence” – a que de modo eminente vai associado, como 
caput Scholae, o nome de ROSCOE POUND, professor de Harvard (1870-1964) – tem 
claras afinidades com a germânica Interessenjurisprudenz – afinidades que não 
resultaram só do conhecimento directo que POUND teve desta jurisprudência, mas 
sobretudo da comum e decisiva inspiração em IHERING e ainda em BENTHAM (cfr., por 
todos, FIKENTSCHER, ob. cit., 233, ss.), este último de evidente influência em POUND e 
também não negável em HECK – e que se traduzem no comungarem ambas no princípio 
fundamental de que o jurídico, na sua compreensão geral, criação prescritiva e 
realização concreta, seria determinado (mais geneticamente em HECK, mais 
funcionalmente em POUND) e teria os seus critérios práticos nos interesses socialmente 
relevantes. O que não exclui diferenças importantes, todavia mais de expressão 
metódica do que a implicarem divergências decisivas quanto ao sentido e à intenção 
fundamentais. Assim, anotaremos entre essas diferenças: 1) Uma menor acentuação na 
sociological jurisprudence da perspectiva de “conflito de interesses”, a favor antes da 
ideia de um correlativo equilíbrio ou do maior possível reconhecimento e satisfação 
global de todos os interesses (no que logo se verá mais a presença do sistemático 
utilitarismo de BENTHAM do que o agónico teleologismo de IHERING) – pois, se referia 
também POUND “the balancing of competing interests”, a solução que visava com essa 
ponderação era menos uma decisão de preferência em que o conflito constitutivamente 
persistisse, como em HECK, do que uma totalizante integração social que superasse a 
competição inicial. 2) Uma evolutiva distanciação relativamente às instâncias jurídico- 
-autoritárias de criação do direito e assim a tendência a irrelevar a mediação 
institucional, fosse legislativa ou judicial, na constituição e manifestação do direito –
mediação que, aliás, o jurista deveria em princípio pressupor, como acentuava sobretudo 
a Interessenjurisprudenz através do princípio da obediência à lei e da autonomização do 
Gebotseite. Distanciação e tendência essas que concretamente se exprimiam na tentativa 
de inferir da própria análise sociológica dos interesses a solução jurídica, convertendo 
deste modo imediatamente o sociológico em jurídico – sentido final da sociological 
jurisprudence de POUND que ultrapassou uma algo distinta primeira fase (esta mais 
 2 
próxima de HECK e em que o postulado principal era o de que a criação, a interpretação 
e a aplicação do direito não poderiam realizar-se sem a consideração dos “social facts”, 
sem o estudo da realidade social relevante – cfr. DIAS, ob. cit., 596; KANTOROWICZ, ob. 
loc. cits., 102) e nos leva a pensar, não obstante todas as mais diferenças, em GÉNY e na 
sua “livre investigação científica do direito”. 3) E daí uma base e uma investigação 
sociológicas bem mais amplas em POUND, a objectivarem-se na sua “Theory of Social 
Interests”, em que a distinção básica entre interesses individuais, públicos e sociais se 
prolonga numa larga especificação analítica (para uma informação geral, v. 
FIKENTSCHER, ob. cit., 229, ss.) e na qual se procura o próprio fundamento-critério de 
juridicidade – “a theory of interests as a criterion of justice” (J. STONE, Human Law and 
Human Justice, 273). 4) Por último, e como a mais saliente diferença, a ideia do 
pensamento jurídico como uma “social engineering” – ideia por que se assume pela 
primeira vez nesse pensamento uma intenção estritamente tecnológica, e em que o juízo 
normativo (a implicar a relação entre um fundamento axiológico-normativo e uma 
consequência-conclusão judicativamente prática, numa racionalidade de validade) cede 
o lugar a um juízo tecnológico (a implicar a relação entre fins e meios, numa 
nacionalidade de eficácia e de eficiência); intenção na verdade mais sugerida do que 
realizada por POUND, mas que havia de conhecer toda a sua projecção depois dele, 
particularmente nos nossos dias. 
Neste quadro se propôs, com efeito, a reconstituição da jurisprudence numa 
perspectiva sociológica, cujo sentido seria exactamente o seguinte. O direito devia ser 
concebido e o pensamento jurídico constituído “como meio de um fim social e como 
instrumento do desenvolvimento social” (FRIEDMANN, ob. cit., 297), ou seja, deveriam 
ser pensados e organizados como um sistema de “contrôle social” que visasse obter, 
mediante o reconhecimento e a correlativa delimitação dos interesses, o equilíbrio 
dinâmico de todos os tipos de interesses socialmente discrimináveis e relevantes 
(interesses individuais, públicos e sociais), estabelecendo simultaneamente os meios 
adequados à garantia desses mesmos interesses assim reconhecidos e delimitados. 
Trata-se de uma “concepção do direito segundo a qual ele tem fins exclusivamente 
sociais, da doutrina segundo a qual o direito existe para garantir interesses sociais, 
públicos e individuais, exigindo que os juristas estejam em contacto com a realidade – 
considerações abstractas e teóricas não bastam para justificar uma norma jurídica” (R. 
POUND, Lo spirito della “Common Law”, trad. it., 178). E a implicar um “sistema 
jurídico, não como um sistema de limites negativos dirigidos a garantir o mero exercício 
 3 
dos direitos, mas antes como uma instituição social com o fim de conseguir 
positivamente a realização dos fins sociais” (Ibid., 178). É que, como expressamente 
acentua POUND (Introdução à Filosofia do Direito, trad. port., 49), “no final do século 
passado e princípio do actual” ter-se-ia desenvolvido “um novo método de pensar: os 
juristas começaram a pensar mais em termos de necessidades, desejos ou expectativas 
humanas do que de vontades humanas; principiaram a cogitar que o que lhes competia 
fazer não era simplesmente igualar ou harmonizar vontades, mas, se não pudessem 
igualar, pelo menos harmonizar a satisfação de necessidades; (...) começaram a pensar 
na finalidade da lei, não como um máximo de auto-afirmação, mas como um máximo de 
satisfação de necessidades”. Mudança de atitude em que, como se vê, ecoa 
manifestamente a influência tanto de BENTHAM como de IHERING, e que, acabando 
verdadeiramente por significar a intencional superação de uma perspectiva político- 
-social e juridicamente liberal por uma perspectiva orientada já por um compromisso e 
empenhamento sociais (v., aliás, expressamente POUND, Lo spirito, cit., 176, ss., ao 
acentuar que “o direito está a entrar numa nova fase de desenvolvimento (...) uma fase 
de socialização do direito”), se traduzia num expressamente assumido “utilitarismo 
social” (Lo spirito, cit., 185, ss.) que convocava um pensamento de finalismo 
instrumental – “um ponto de vista instrumental” (POUND, Las grandes tendencias del 
pensamiento jurídico, trad. esp., 198) – e em que “as instituições legais e as doutrinas 
jurídicas constituem os instrumentos de uma forma especializada de controlo social” 
(POUND, Sociología y Jurisprudencia, in G. GURVITCH/W. E. MOORE, La Sociología del 
Siglo XX, I, 275). De que modo, no entanto, se haveria de constituir metodicamente o 
pensamento jurídico para obedecer àquela concepção e realizar este objectivo? O 
sentido da resposta era inequívoco e nele se tocava o ponto decisivo: se “o problema da 
ética, da jurisprudência e da política” teria sido “um problema de avaliação, um 
problema de encontrar critériospara julgar o valor relativo de interesses” (Introdução, 
cit., 49), agora, e no pressuposto de um fundo cepticismo “a respeito das possibilidades 
de um juízo absoluto de valor” (Ibid., 52), tratar-se-ia antes de “o problema de um 
equilíbrio compatível com a manutenção de todos os interesses, com a resposta a todas 
as necessidades e exigências, a todas as expectativas que estão envolvidas na existência 
social civilizada”, ou, de outra forma, e que BENTHAM poderia subscrever, impor-se-ia 
um modelo de direito “em que se dê satisfação no máximo que for possível ao todo de 
necessidades humanas, com um mínimo de sacrifícios” (Introdução, cit., 54) – “Não 
acredito, insiste POUND (Ibid., 52), em que o jurista tenha algo mais a fazer do que 
 4 
reconhecer o problema [da dificuldade quanto aos critérios de valor] e compreender que 
este se lhe apresenta como sendo uma questão de garantir todos os interesses sociais, 
enquanto puder, de manter o equilíbrio ou harmonia entre esses interesses, enquanto for 
compatível com a garantia de todos eles”; pelo que “a ordem jurídica consiste no 
processo de ajustar pretensões contraditórias e de encontrar soluções de compromisso 
entre necessidades ou desejos contrapostos, num esforço para dar eficácia a tantos 
quantos possamos no aqui e agora em que as necessidades se impõem” (Las grandes 
tendencias, cit., 207, s.). E daí a proposta, decerto a mais original, de converter o 
pensamento jurídico numa “engenharia social” ou de reestruturá-lo segundo uma 
modalidade de “engenharia social” – compreendendo a ordem jurídica “como a tarefa 
ou uma série de grandes tarefas de engenharia social, como um meio de eliminar 
fricções e evitar desgastes, na medida do possível, e satisfazer as inumeráveis 
necessidades humanas com base numa reserva relativamente pequena de bens 
materiais”, e nessa linha igualmente o direito como “o conjunto de conhecimentos e de 
experiência com cuja ajuda esta parte de engenharia social pode levar-se a cabo” (Las 
grandes tendencias, cit., 206). Ideia que POUND retoma no último capítulo do seu The 
Spirit of the Common Law, dedicado à “razão jurídica”, nestes termos: “Consenti que 
use termos de engenharia, que fale de uma passagem de uma interpretação política ou 
idealístico-moral a uma engenheirística; consenti que considere o problema do fim do 
direito em termos de uma grande obra ou de uma série de grandes obras de engenharia 
social; consenti que diga que esta mutação consiste em pensar não numa abstracta 
harmonização da vontade de cada indivíduo, mas numa concreta garantia e realização 
dos interesses humanos. De um ponto de vista humano a tragédia central da existência é 
a de que os bens materiais dessa existência não são suficientes para todos, que enquanto 
os desejos e as exigências de cada indivíduo são infinitos, os meios materiais para os 
satisfazer são limitados (...). O fim da ordem jurídica só pode ser, pois, o de impedir o 
desencontro entre as classes e de eliminar o desperdício dos recursos garantindo-lhes a 
mais larga distribuição, de modo tal que, se não tudo o que se deseja possa ser 
assegurado, ao menos que seja distribuído a cada um o máximo possível; e 
considerando o discurso nestes termos, procuramos satisfazer o maior número de 
exigências e necessidades humanas – i. é, grande parte do global complexo dos 
interesses – com o mínimo sacrifício desses mesmos interesses” (segundo a trad. cit., 
177). 
 5 
Proposta a que POUND não logrou dar, todavia, uma base teórica concludente e 
projectar num modelo metodicamente eficaz. A nível teórico terá de dizer-se que a 
ambiguidade básica deste pensamento, que tendia afinal a confundir, como resulta dos 
enunciados transcritos, a intencionalidade jurídica com a intencionalidade económico- 
-social, não foi de todo eliminada ao considerar POUND o sentido específico desta 
“engenharia social” (“termo utilizado no mesmo sentido que „engenharia industrial‟”, 
esclarece em Sociología y Jurisprudencia, loc. cit., 275). O pensamento jurídico deveria 
realizar essa “engenharia social” no modo de uma “ciência aplicada”, que pressupõe 
uma “ciência da sociedade” (“Na jurisprudência sociológica o problema reveste um 
aspecto particular, ou seja: como realizar esta tarefa de engenharia social mediante a 
ordem legal, esse conjunto de normas estabelecidas (...). Trata-se de um problema ao 
mesmo tempo jurídico e prático que exige, por assim dizer, uma ciência aplicada. E, no 
entanto, a jurisprudência sociológica, no seu sentido mais amplo, não considera este 
problema como exclusivamente seu. O direito, qualquer que seja o significado que se 
lhe dê, constitui só uma fase muito especializada do que – num sentido amplo – 
designamos a “ciência da sociedade” ” – Ibid., 75). Depois, essa “teoria da sociedade”, 
que assim se esperaria e seria capital, não foi em POUND além de uma “teoria dos 
interesses”, e esta não passou do que já se disse: uma distinção especificante entre 
interesses individuais, interesses públicos e interesses sociais. E se podemos aceitar que 
uma teoria dos interesses tinha em todo este pensamento a importância de um elemento 
nuclear, tudo estava, porém, em passar dessa teoria à sua operacionalidade prática, 
convertendo-a justamente numa “engenharia”, num método finalisticamente técnico- 
-social, já da prescrição e institucionalização, já de decisão. E nesse ponto a 
inconcludência ainda foi maior. 
Com efeito, a referência, que se pretendia essencial, a interesses – em lugar da 
referência a valores, própria esta do pensamento prático tradicional –, e enquanto eram 
os interesses entidades ou factores empíricos (psicológica e sociologicamente 
empíricos) que determinariam os homens uns perante os outros na convivência social e 
por isso exigiam uma qualquer ordenação (“Definimos o interesse como um desejo ou 
uma necessidade que os seres humanos, já individual, já colectivamente, procuram 
satisfazer e, portanto, implicam a regulamentação das relações e condutas humanas” – 
Sociología y Jurisprudencia, loc. cit., 304), esperaria coerentemente uma de duas 
soluções metódicas. Ou um método de ponderação dos interesses que permitisse decidir 
da sua opção ou delimitação relativa, fosse em geral, fosse em concreto; ou um método 
 6 
de organização dos mesmos interesses que num reconhecimento compossibilitante lhes 
garantisse instrumentalmente a maior eficácia (os melhores efeitos de realização). O 
primeiro método culminaria decerto nos critérios justificativos da decisão-opção e o 
segundo traduzir-se-ia numa técnica de estruturação e realização consequencialmente 
adequada – aquele ainda poderia dizer-se na continuidade dos objectivos práticos 
tradicionais do jurídico, posto que no plano das intenções determinantes o axiológico- 
-normativo se disse substituído pelo funcional-sociológico empírico; mas este remetia- 
-nos de todo a um outro mundo e a um outro discurso, ao mundo da técnica (não da 
prática e da inter-acção) e a um discurso de eficácia (não de validade e de 
fundamentação), que efectivamente se poderia qualificar de “engenharia”. E o certo é 
que nem um, nem outro desses métodos POUND logrou oferecer-nos – nem mesmo 
sabemos qual deles estaria realmente na sua preferência, pois da expressão do seu 
pensamento tanto se pode admitir a intenção quer a um, quer a outro. Quanto ao 
primeiro método, deverá reconhecer-se que a sua recusa inicial de considerar o 
problema da valoração – decerto numa preocupação estritamente empírico-sociológica, 
na linha da Wertfreiheit de todo o pensamento cientista – não foi compensada pela 
definição de critérios de outra índole – critérios de que se não poderia prescindir tanto 
no reconhecimento comona ponderação dos interesses e que da análise, classificação e 
discriminação só sociológica desses interesses a reconhecer e a ponderar, em que 
POUND fundamentalmente se manteve, se não podiam decerto inferir. Daí que se tenha 
POUND limitado neste ponto decisivo – e a que, expressamente reconhecia, o 
pensamento jurídico não pode escapar (“Difficult as it may be, the problem of values is 
one from which the science of law cannot escape” – Social Control through Law, 103, 
apud FIKENTSCHER, ob. cit., 237, n. 52) – a dizer que para a ponderação e determinação 
dos interesses se devia ter em conta a experiência e a observação dos efeitos, o processo 
do trial and error, a experimentação, o fair play e ainda, concessão aqui ao pensamento 
tradicional, as representações de valor dominantes na comunidade (cfr. FIKENTSCHER, 
ob. cit., 231, e ainda 234-236). Lacuna metódica a fazer com que a sua “jurisprudência 
sociológica” fosse afinal mais “sociológica” (ou sociologia) do que “jurisprudência” – e 
que é, aliás, comum a todos os pensamentos jurídico-metodológicos de perspectiva 
sociológica, pois todos eles, ao imputarem aos interesses ou a factores sociologicamente 
análogos o relevo e a função determinantes, tendem sempre a ver neles simultaneamente 
o “objecto de valoração” e o “critério de valoração”. Erro ou impossibilidade metódica a 
que, como sabemos, também não ficou imune a própria Interessenjurisprudenz. Quanto 
 7 
ao segundo método possível, aquele a que apesar de tudo não pode deixar de associar-se 
POUND, o certo é que o grande jurista americano pouco mais fez do que dar-lhe o nome, 
“social engineering”, e sugerir o seu sentido geral, mas sem o ter na verdade definido 
no seu concreto modelo metódico. 
Deve todavia anotar-se que, na linha do que pudemos dizer um possível primeiro 
método da sociological jurisprudence, um outro autor significativo, e que vemos 
sempre associado a essa perspectiva do pensamento jurídico americano, concorreu de 
modo importante para suprir até certo ponto as carências que apontámos a POUND 
relativamente a essa modalidade metódica. Referimo-nos a BENJAMIN N. CARDOZO e 
aos quatro critérios ou “métodos” pelos quais, segundo ele, se deviam normativamente 
determinar as decisões jurídicas concretas – e que enunciou especialmente nos seus 
livros The Nature of the Judicial Process, 1921, e The Growth of the Law, 1924, 
resultantes de uma série de conferências proferidas em Yale (utilizámos as traduções 
portuguesas sob o título A natureza do processo e a evolução do direito). Mediante uma 
análise do efectivo “judicial process” ou do modo específico do decidir judicial, que se 
apoiava particularmente na sua própria experiência de juiz e se orientava pela intenção 
última de conciliar a vinculação da normatividade jurídica vigente com a realidade, os 
interesses e aspirações sociais, que permitisse uma adequada evolução do direito, 
propôs-se obter resposta para uma série de questões metódicas, expressamente 
formuladas nestes termos: “Que faço eu quando decido uma causa? A que fontes de 
informação recorro como guia? Em que proporção permito que contribuam para o 
resultado? Em que proporção deveriam elas contribuir? Se um precedente é aplicável, 
em que circunstâncias me recuso a segui-lo? Se nenhum precedente é aplicável, de que 
modo alcanço a regra que se tornará um precedente para o futuro? Se estou a procurar a 
consistência lógica, a simetria da estrutura legal, até onde estenderei as minhas 
investigações? Em que ponto será detida a investigação por algum costume discrepante, 
por alguma consideração do bem-estar social, pelos meus próprios ou pelos comuns 
standards de justiça e de ética?”. Perguntas que um jurista e juiz europeu continental 
também se poderia pôr, se a referência directa aos precedentes fosse substituída por uma 
referência a normas jurídico-legais, e a que BENJAMIN N. CARDOZO tentou responder 
com a sua particular proposta metodológica. Assim, começa por dizer que por vezes é 
óbvia a fonte do direito que o juiz “incorpora no seu julgamento”: “a regra que se ajusta 
ao caso pode ser fornecida pela constituição ou pela lei; se assim acontece, o juiz não 
vai além; verificada a correspondência, o seu dever é obedecer – a constituição supera a 
 8 
lei, mas esta, se conforme à constituição, supera o direito dos juízes; neste sentido, o 
direito criado pelos juízes é secundário e subordina-se ao direito criado pelos 
legisladores”. Pode verificar-se, todavia, que este ius scriptum, ainda que devidamente 
interpretado e integrado, não ofereça o exigível e adequado critério jurídico do caso 
decidendo, e nessa hipótese “o juiz deve dirigir a sua atenção à common law” na procura 
de um precedente “adaptável ao ponto em questão”, já que “stare decisis é, pelo menos, 
a norma operante diária do nosso direito” – não deixe de se ter presente que era no 
universo jurídico da common law que CARDOZO pensava. Simplesmente, “o problema 
enfrentado pelo juiz é, na realidade, um problema duplo: ele deve, em primeiro lugar, 
extrair dos precedentes o princípio já assente, a ratio decidendi; e, a seguir, determinar o 
sentido ou a direcção em que este princípio deverá mover-se e desenvolver-se, pois de 
outro modo perderá toda a sua força e morrerá”. E o que se diz para as rationes 
decidendi dos precedentes, dir-se-ia analogamente para as normas do ius scriptum: os 
imediatos critérios jurídicos que de umas e de outras se obtenham deverão remeter-se 
aos princípios que exprimem e esses princípios só quando compreendidos nas suas 
possibilidades de desenvolvimento e evolução são susceptíveis de revelarem toda a sua 
verdadeira “força normativa”. Justamente aqui interviriam os quatro métodos 
decisivamente a ter em conta: “a força normativa de um princípio pode ser exercida ao 
longo da linha da progressão lógica: esta eu chamarei a regra da analogia ou o método 
da filosofia; ao longo da linha do desenvolvimento histórico: esta eu chamarei o método 
da evolução; ao longo da linha de costumes da comunidade: esta eu chamarei o método 
da tradição; ao longo das linhas da justiça, bem-estar moral e social, os mores actuais: a 
este eu chamarei o método da sociologia”. Se o método lógico-filosófico ou da 
congruência lógica, com a sua revelação das analogias e das simetrias, exclui o arbítrio 
e garante a imparcialidade e a igualdade, o certo é que, por um lado, “a uniformidade 
deixa de ser um bem quando se torna uniformidade de opressão”, e, por outro lado, “a 
tendência de um princípio a expandir-se até ao limite da sua lógica pode ser 
contrabalançada pela tendência a confinar-se dentro dos limites da sua história” –
“algumas concepções do direito devem a sua actual forma quase que exclusivamente à 
história; só podem ser compreendidas quando encaradas como uma evolução histórica; 
na sucessão destes princípios, a história é capaz de prevalecer sobre a lógica ou a 
simples razão”. Depois, “se a história e a filosofia não bastam para fixar a direcção de 
um princípio, o costume pode fornecer-nos elementos para isso” – identificado o 
costume, neste sentido, com “a moralidade dos costumes, o standard dominante do 
 9 
procedimento, os mores da época”, mores que, por sua vez, encontrarão expressão nas 
“exigências da religião, da ética ou do sentido social da justiça, formuladas em credo ou 
em sistema, ou imanentes na consciência comum”. Estes métodos podem, no entanto, 
concorrer uns com os outros, além de que é necessário determinar os limites da sua 
correspectiva relevância – para resolver esta questão, e mesmo como ultima ratio 
metodológica, tem então lugar o método sociológico. É ele “o árbitro entre os outros 
métodos, determinando, em última análise, aescolha de cada um, pesando os seus 
pedidos concorrentes, colocando limites às suas pretensões, balanceando-os, 
moderando-os e harmonizando-os”, e isto porque “a causa final do direito é o bem-estar 
da sociedade”: “a lógica, a história e o costume têm o seu lugar; faremos o direito 
conformar-se a eles quando pudermos, mas apenas dentro de certos limites; o fim que o 
direito serve dominará todos eles”; “quando as necessidades sociais exigem uma forma, 
de preferência a outra, acontece algumas vezes termos de vencer a simetria, ignorar a 
história e sacrificar o costume a fim de atingir outros fins mais amplos”. Sendo o 
fundamento para tanto “a concepção segundo a qual o fim do direito determina o rumo 
da sua evolução”, pois essa concepção “que foi a grande contribuição de IHERING para a 
teoria da jurisprudence, encontra o seu meio, o seu instrumento, no método sociológico; 
o principal não é a origem, mas o fim; não pode haver sabedoria na escolha de um 
caminho, a menos que se saiba até onde ele conduz; a concepção teleológica da função 
do direito deve estar sempre no espírito do juiz”. A análise do “processo judicial” vem 
pois a dar no seguinte: “a lógica, a história, o costume, a utilidade e os standards aceites 
do comportamento correcto são as peças que, separadamente ou em combinação, 
impulsionam o progresso do direito – qual dessas forças dominará num caso concreto, 
eis o que dependerá, largamente, da importância ou do valor comparado dos interesses 
sociais que, em consequência, serão promovidos ou prejudicados”. “E se perguntardes 
como saberá o juiz que um interesse sobrepuja outro, poderei responder-vos apenas que 
o seu conhecimento deverá provir das mesmas fontes que inspiram o legislador, a 
experiência, o estudo e a reflexão – em resumo, da própria vida”. 
Neste pensamento, assim sintetizado, não podemos ver já um pensamento 
jurídico de radical redução sociológica, mas antes um pensamento jurídico normativo de 
orientação sociológica. O que o especifica não é uma redução do jurídico à factualidade 
social, e sim a tentativa de vencer a indeterminação, que todo o direito vigente revelará 
na sua realização concreta, mediante uma determinação integrante e evolutivamente 
reconstrutiva de sentido predominantemente social e que haveria de ser possibilitada já 
 10 
pelo próprio desenvolvimento lógico da juridicidade institucionalizada, já pelo apelo ao 
ethos socialmente dominante, já pela intenção subordinante e decisiva de um 
utilitarismo e finalismo sociais de que o direito haveria de ser instrumento. Só que esses 
utilitarismo e finalismo sociais, que seriam a ultima ratio da juridicidade, acabam por 
remeter-se tão-só à teleologia dos “interesses sociais” – no que vemos a reafirmação da 
nota caracterizadora de todo o sociologismo jurídico – e interesses sociais para os quais 
vêm também a faltar os critérios normativos da sua ponderação jurídica: a 
“experiência”, “o estudo e a reflexão”, a “própria vida” têm decerto a ver com essa 
ponderação, mas não lhe oferecem sem mais os critérios metodológica-normativamente 
exigidos e fundados. Estamos assim perante um pensamento jurídico que no plano 
filosófico assume uma concepção finalístico-instrumental do direito e que no plano 
metodológico estrito, e como consequência daquela concepção, ou acaba por se mostrar 
com a mesma carência de fundamentos e critérios normativos de que padece todo o 
sociologismo jurídico, de que afinal fundamentalmente se não afasta, ou, na lógica dos 
seus utilitarismo e finalismo sociais, aponta implicitamente para a social engineering. 
Pois se esta não foi assumida metodicamente de modo expresso e mesmo em alguns 
pontos a vemos contrariada – assim particularmente no apelo aos critérios de valores 
ético-culturais ou na pressuposição de uma referência axiológico-comunitária, que 
exigirá um discurso de validade e excluirá um discurso simplesmente instrumental – 
não pode também negar-se que ela vai naquela linha de coerência ou no quadro do 
desenvolvimento lógico e no sentido último deste pensamento. 
 
 
 
2. Redução científico-tecnológica do pensamento jurídico (“social 
engineering”). 
 
Lançada a ideia, nos termos expostos, do pensamento jurídico como uma 
“engenharia social”, só nos nossos dias deparamos todavia com a tentativa de a 
estruturar de modo metodicamente consequente. O objectivo é o que sabemos: trata-se 
de convocar o pensamento jurídico (encarne ele no legislador, no juiz ou no jurista em 
geral) à preparação ou definição, através do direito, das soluções socialmente mais 
convenientes – não as soluções axiológico-normativamente válidas e normativamente 
fundadas e sim as soluções finalístico-programaticamente mais oportunas ou úteis e 
 11 
instrumentalmente adequadas ou eficazes – no pressuposto de uma básica preferência 
pela pragmática utilidade (e a sua racional eficiência) relativamente à axiológica justiça 
(e à sua apelativa normatividade): o técnico-sociologismo é sempre um utilitarismo (cfr. 
H. BATIFFOL, Problèmes, cit., 90, ss.; sobre a alternativa, no sentido aludido, entre a 
“justiça” e a “utilidade”, v. o conjunto dos ensaios que o tomo 26, 1981, dos Archives 
de Philosophie du Droit, agrupou sob o título L'utile et le juste). Aquele objectivo com 
esta preferência, e em que o jurista, de “prudente” ou sujeito de juízos práticos de 
validade e normativos, passaria a “engenheiro” ou técnico social, tem a ver com a actual 
opção fundamental que já conhecemos quanto ao sentido da praxis e no domínio dos 
problemas práticos, e particularmente prático-sociais, em que os valores se substituem 
pelos fins (subjectivos) e os fundamentos (normativos) pelos efeitos (empíricos), em 
que a legitimação axiológica (por valores e princípios normativos) cede o lugar à 
legitimação pelos efeitos. 
E deste modo também o entendimento de todo o universo jurídico se 
transformaria: o direito em si compreender-se-ia como uma estratégia político-social 
funcional e finalisticamente programada, a decisão concreta como uma táctica de 
realização ou execução consequencial, a própria função judicial como uma instituição 
funcionalmente adequada a essa estratégia táctica. E dispomos já de modelos metódicos 
especificamente dirigidos a cada um desses momentos da jurídica engenharia social. 
α) Quanto ao direito em si, consideremos o modelo que HANS ALBERT, 
assumindo as sugestões de POPPER, propõe para uma por ele dita prática racional (H. 
ALBERT, Traktat über rationale Praxis, 1978). Trata-se, no fundo, da aplicação ao 
domínio jurídico-social do modelo epistemológico, e de racionalidade, definido pelo 
“racionalismo crítico”. Segundo esse modelo, como se sabe, a ciência é a resolução de 
problemas pela formulação de hipóteses sistematicamente explicativas (teóricas), 
sujeitas não a uma directa comprovação ou verificação (que seria impossível, por razões 
que aqui se omitem), mas a urna crítica “falsificação” (invalidação) através de 
experiências decisivas que solicitariam outras hipóteses-explicações alternativas com 
que as primeiras se haviam de confrontar. Abandona-se deste modo tanto a ideia 
clássica da metafísica “fundamentação absoluta” como o racionalístico “princípio da 
fundamentação suficiente” (relativamente aos quais se mostraria insuperável o “trilema 
de Münchhausen”: essa ideia e esse princípio ou exigiriam um regresso ad infinitum, ou 
acabariam por fechar-se num círculo lógico, ou teriam de aceitar a interrupção da 
justificação infinita por uma decisão dogmática), a favor de uma “ideia de exame 
 12 
crítico” (exame racional-crítico de hipotéticas soluções propostas sempre em alternativa 
com outras hipotéticas soluções possíveis); e substitui-se igualmentea concepção 
meramente contemplativa e passiva da ciência pela concepção do “carácter activo do 
conhecimento”. A ciência será uma prática criadora (constitutiva de conhecimentos ou 
soluções de problemas), cujo directo objectivo metódico é menos a verdade, no seu 
também clássico e metafísico entendimento, do que a crítica denúncia do erro, num 
falibilismo fundamental em que as soluções são sempre criticamente provisórias e 
revisíveis. Modelo este, epistemológico e de racionalidade, que HANS ALBERT considera 
efectivamente aplicável ao universo prático, à resolução dos problemas da prática 
social, permitindo uma crítico-racional organização e orientação sociais (uma social 
Steuerung) – pelo que, como também afirma, não haveria fundamento para uma 
distinção essencial, em perspectiva metódica, entre a razão teórica e a razão prática. 
Modelo aí aplicável no modo seguinte. 
No pressuposto do contexto histórico-cultural, que se assumiria num pluralismo 
aberto à discussão crítica, determinar-se-iam heuristicamente os “fins” e as “ideias” 
regulativas que a sociedade se proporia e que lhe constituiriam a sua concepção ou o seu 
plano de sociedade (o seu “programa político”). Para a realização desses fins e o 
cumprimento dessas ideias, pela resolução dos problemas que provocassem, constituir- 
-se-iam metodologicamente modelos (modelos institucionais) ou projectos de solução – 
perante soluções alternativas sempre a ter presentes – que deviam obedecer tanto ao 
princípio da congruência (ou da possibilidade sistemática das soluções no quadro do 
global contexto científico-cultural) como aos princípios da realizabilidade e da 
explicabilidade. O princípio da realizabilidade, para aferir da possibilidade da solução 
proposta relativamente às circunstâncias a que vai referido, já que “dever implica 
poder”; o princípio da explicabilidade, para que a construção e a aplicação da solução 
fossem esclarecidas pelo conhecimento científico (a obter por conhecimento 
monológico ou de legalidades naturais) dos seus elementos constitutivos, e assim tanto 
da condicionalidade empírica (positiva ou negativa) como das consequências desses 
elementos – “explicar um fenómeno sobre base monológica significa mostrar como ele, 
em princípio, pode ser evitado ou provocado”. Modelos e soluções deste modo 
construídos cuja aceitação se haveria de decidir, em último termo, pelos efeitos que 
deles resultassem, em confronto com os efeitos de que seriam susceptíveis os modelos 
de soluções alternativas. E seriam sobretudo duas as conclusões a sublinhar nesta 
proposta de uma prática racional que o direito e o pensamento jurídico deveriam 
 13 
também assimilar. Por um lado, as soluções assim oferecidas seriam só soluções 
hipotéticas (não dogmáticas) sempre submetidas a uma “experimentação racional 
social” (ou uma “falsificação”) em função das suas condições de realização e dos seus 
efeitos; por outro lado, estaríamos perante uma tecnologia social sem carácter 
normativo, a qual, se satisfazia as exigências da ciência (ou as exigências do nosso 
tempo de ciência), levaria simultaneamente superado o tipo de pensamento teológico- 
-dogmático que sobreviria, segundo H. ALBERT, no tradicional pensamento prático- 
-normativo. 
β) Quanto à decisão concreta, consideremos o modelo de decisão jurídica 
definido, entre outros, por THOMAS W. WÄLDE (Juristiche Folgenorientierung, 1979) e 
WOLFGANG KILIAN (Juristiche Entscheidung, 1974) – e que resulta da aplicação à 
decisão jurídica da “teoria da decisão” (teoria teórico-analítica da decisão, já atrás 
referida). Começa-se aí por observar que o tradicional método dogmático-normativo 
não seria na realidade o determinante das soluções-decisões concretas, que não passaria 
esse método de uma forma de justificação ou legitimação a posteriori dessas decisões, 
obtidas na verdade por pragmáticas ponderações teleológicas aferidas pelos efeitos, e 
daí desde logo que fosse lícito pensar a substituição daquele método tradicional por 
esquemas metódicos da racionalidade deste tipo de ponderações – o que seria 
justamente conseguido pela aplicação à decisão jurídica da científico-analítica “teoria da 
decisão”. E o próprio sistema jurídico actual justificaria essa substituição, com a sua 
contínua “passagem de leis conservadoras e orientadas por regras para leis de sentido 
evolutivo e orientadas pelos efeitos” (WÄLDE), com “o avanço de leis orientadas 
planificado-funcionalmente e o recuo de leis constituídas clássico-condicionalmente” 
(KILIAN). Como ideia básica dessa aplicação, teríamos que “a alternativa jurídica na 
concreta situação consiste em regra na decisão sobre a questão de saber se um 
determinado conceito jurídico pode ser ou não considerado como preenchido”, e a 
resposta afirmativa ou negativa resultaria de saber que efeitos uma ou outra dessas 
respostas provocaria e se esses efeitos, referidos ao fim da norma e segundo a 
perspectiva do decidente (já que “ele tem o poder de dar uma interpretação autêntica ao 
conceito”), seriam ou não desejáveis. Nesse sentido, tudo dependeria da determinação 
concreta das “condições de aplicação” do conceito-norma, já que só em referência a 
essas condições se poderiam definir as alternativas da norma na situação concreta. Mas 
essa determinação, que coincidiria com a “significação pragmática” do conceito naquela 
situação, apenas se poderia realizar mediante uma selectiva valoração das circunstâncias 
 14 
concretas (no quadro embora das condições de aplicação admissíveis em geral pelo 
conceito ou tendo em conta que essas condições admissíveis e ainda não concretamente 
valoradas oferecem “em termos ideais todos os pontos de vista relevantes para a 
interpretação”) que seja orientada pelos efeitos da decisão, os quais, por sua vez, seriam 
ou não desejáveis em referência ao fim da norma. Ou seja, o fim da norma (“a situação 
descrita ou descritível que deve ser imediatamente alcançável com uma norma 
concreta”) permitirá ajuizar positiva ou negativamente dos possíveis efeitos alternativos 
e esses efeitos ajuizados serão o crédito da valoração que levaria ou não a reconhecer 
verificadas as condições de aplicação da norma. Deveria, pois, reconhecer-se uma 
“conexão entre situação concreta (Sachverhalt), fim da norma e efeitos da decisão, 
constituída pragmaticamente através das condições de aplicação”; depois, os efeitos da 
decisão, considerados segundo a sua probabilidade, deveriam submeter-se aos 
conhecidos axiomas, próprios daquela “teoria da decisão”, da “comparação”, da 
“assimetria” e da “transitividade” para ser crítico-racionalmente possível a escolha 
alternativa; e esta escolha, se deveria orientar-se pelo fim da norma, caberia em último 
termo à responsabilidade decisória do julgador, que também não ignoraria as regras 
teórico-analíticas da decisão (desde logo, as minimax e maximax). Este método não se 
proporia, assim, oferecer um “algoritmo de solução” enquanto reconhece a intervenção 
pessoalmente decisiva do julgador – pelo que “a decisão plenamente racional continua a 
ser só uma concepção desejável” –, mas enunciaria as condições da sua máxima 
racionalidade, e com essas condições a possibilidade do seu intersubjectivo contrôle: 
situar-se-ia “num grau intermédio, mas mais próximo da prática, entre a utopia de um 
sistema de decisão axiomático-dedutivo e a „arte‟ da obtenção heurística do direito pela 
aplicação do „método jurídico‟”. 
γ) Relativamente à função judicial, é bem elucidativo o modelo de juiz 
tecnocrata (“normativo-tecnocrático”) proposto e caracterizado, p. ex., por F. OST (Juge 
pacificateur, juge-arbitre, juge entraîneur – Trois modèles de justice, in Fonction de 
Juger et Pouvoir Judiciaire, Bruxelles,1983). O modelo de “justiça científica”, que “é 
essencialmente funcional, teleológica, instrumental, evolutiva e pragmática”, e segundo 
a qual “é tida como justa a solução mais adequada ao objectivo proposto pelo 
planificador social, sendo neste caso secundária a consideração de valores materiais ou 
de regras formais”. Será este um “modelo post-liberal”, que consagraria “o declínio da 
rule of law”, ou onde “the rule interpretative model” – modelo de decisão de casos 
concretos pela aplicação de valores ou regras gerais pré-estabelecidas – se superaria por 
 15 
“the judicial-power model” (PH. SELZNIK), aquele em que o juiz seria constitutivamente 
interventor, criador autónomo das soluções exigidas pelos fins e interesses sociais. 
Neste sentido se diz que um “juge-entraîneur” se substituirá ao “juiz-árbitro” do 
sistema legalista-liberal, e que lhe competirá “participar na realização de políticas 
determinadas e assegurar, desse modo, a melhor regulação dos interesses em causa; e se 
lhe cabe ainda pôr fim a diferendos fazendo a aplicação da lei, deve dizer-se que a sua 
intervenção pode, no entanto, situar-se também tanto antes como depois da decisão 
proferida nesse sentido – antes que uma controvérsia se forme, o juiz é investido de uma 
missão de prevenção, de conselho, de orientação; depois que as medidas tenham sido 
sugeridas ou ordenadas, o juiz mantém-se responsável pelos interesses em causa e pode, 
a todo o momento, rever as soluções, que não foram dadas senão rebus sic stantibus”. É 
que a sua “nova missão” imporia ao juiz que actue “para além do campo fechado dos 
direitos subjectivos determinados pela lei – ele é responsável pela conservação e a 
promoção de interesses finalizados por objectivos sócio-económicos e regulados por 
sistemas de normas técnicas correspondentes”, compete-lhe um “instrumentalismo 
dinâmico” e de oportunidade que o afasta do “aplicador passivo de regras e princípios 
pré-estabelecidos” e o faz “colaborar na realização de finalidades sociais e políticas: o 
seu papel consiste em comparar sistematicamente objectivos alternativos com vista aos 
seus resultados respectivos e aos valores que lhe estão subjacentes”. 
O que não seria senão uma consequência do Estado-providência da sociedade 
post-industrial (Estado do “intervencionalismo sob a forma de redistribuição, de 
planificação, de subsidiação, de contrôle, de orientação, de investimento, etc.”) e 
igualmente de um direito correlativo, onde “as obrigações cujo respeito o juiz deve 
assegurar tomam a forma de directivas flexíveis ou de standards, onde os direitos 
subjectivos aos quais ele assegura a sanção tomam a forma de simples interesses e onde 
conceitos precisos como os da „cessação de pagamentos‟ ou de „culpabilidade‟ são 
substituídos por outros como a „viabilidade duma empresa‟ ou a „perigosidade‟ de um 
indivíduo”. Pois tudo isso obrigaria o juiz a decidir “inspirando-se nas finalidades 
sociais e políticas que presidam às instituições e mecanismos no seio dos quais se 
oferecem estes standards, interesses e conceitos”. E daí “uma mutação fundamental que 
transforma progressivamente o juiz em administrador”, que o convoca a “operar como 
agente da mudança social”, segundo um “método substancial, pragmático e 
instrumental”, e mediante o qual ele resolve os conflitos de interesses “inspirando-se 
nas finalidades económicas, sociais, etc., que lhe parecem dever prevalecer”. Assim 
 16 
como uma “instrumentalização do direito”, que o converte numa “técnica de gestão que 
visa promover o desenvolvimento económico e social óptimo da cidade”. E na base de 
tudo “a ideologia tecnocrática”, com a sua “legitimação pela performance ou a 
eficiência: uma coisa é boa se ela se mostra adequada ao fim prosseguido e este fim é 
ele próprio desejável se produz resultados que satisfaçam uma finalidade mais geral; 
pouco a pouco constitui-se um sistema finalizado no seio do qual a lógica da 
performance acaba por sobrepor-se à própria desejabilidade do objectivo prosseguido, 
de sorte que uma relação instrumental ou causal (a relação meio-fim) acaba por se 
substituir a uma relação valoradora ou normativa – o conhecimento das relações entre 
os elementos do sistema e a técnica da sua manipulação eficiente ocupam o lugar da 
ética”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 17 
 
 
3. O pensamento tecnológico-social económico – a “análise económica do 
direito” (Law and Economics) 
 
 
1. Tópicos gerais 
 
a) Trata-se de submeter o jurídico a uma perspectiva económica (de análise e de 
solução dos problemas jurídicos na perspectiva da ciência da economia), em todos os 
níveis do jurídico (prescritivo-legislativo e doutrinal e decisório-judicial). Numa dupla 
intenção, já numa intenção teorético-descritiva e de análise crítica (momento teorético 
ou positivo), já numa intenção reformadora e regulativa (momento normativo), e em que 
a determinação última e decisiva fosse no sentido da eficiência (económica). Que tanto 
é dizer: aos valores e outros factores a que tradicionalmente se imputava a determinação 
do direito substituía-se nessa mesma determinação um valor ou factor económico, o da 
eficiência definido pela economia. 
 
α) Segundo PARETO (o “óptimo” de PARETO): um estado de coisas 
(P) é superior a outro estado de coisas (Q), se, e só se, ao verificar-se a 
transformação de P a Q, não fica nenhum indivíduo pior do que antes e 
se verifica que pelo menos um deles melhora de situação (segundo a sua 
própria concepção do bem-estar) – a transformação social que produza 
este resultado é uma transformação eficiente; 
β) As dificuldades de avaliação e de cálculo que o critério de 
PARETO implicaria determinou a sua correcção por um critério de 
“compensação potencial”, segundo KALDOR-HICKS (Welfare 
Propositions of Economics and Interpersonal Comparisons of Utility, in 
Economic Journal, 49, n.º 549, 1939): um estado de coisas (P) seria agora 
eficiente, se, e só se, a sua transformação em outro estado de coisas (Q), 
e posto que sempre se verificam ganhadores e perdedores, tivesse por 
resultado que os ganhadores de algum modo compensem socialmente os 
perdedores; 
γ) Com o objectivo de superar tanto as dificuldades de cálculo que 
persistiam como as considerações subjectivo-individuais dos dois 
critérios anteriores, e numa alternativa mais objectiva que tivesse antes 
em vista o aumento da “utilidade total”, RICHARD A. POSNER, Economic 
Analysis of Law, 4.ª ed.; The Economics of Justice (col. de estudos); 
Some Uses and Abuses of Economics in Law, in The University of 
Chicago Law Review, vol. 46, n.º 2, 1979), propôs o critério da 
“maximização da riqueza” (wealth maximization) – sendo que “riqueza é 
o valor em dólares ou em moeda equivalente (...) do todo na sociedade; 
 18 
mede-se pelo que as pessoas estão dispostas a pagar por algo ou, se já o 
possuem, o que exigiriam em dinheiro para desfazer-se dele; a única 
preferência que conta num sistema de maximização da riqueza é, 
portanto, aquela que é sustentada pelo dinheiro, por outras palavras, 
aquela que se regista no mercado”, de modo que através dessa 
maximização a eficiência se definiria nestes termos: “„eficiência‟ 
significa fruição dos recursos económicos de um modo tal que „o valor‟ – 
i. é, a satisfação humana medida pela vontade do consumidor de pagar 
por bens e serviços – é maximizado”. Pelo que a maximização da riqueza 
verificar-se-ia quando os recursos acabam por pertencer àqueles que mais 
os valorizam, posto que “determinada pela vontade de pagar”. 
 
Não se trata, pois, do direito da economia ou sequer das relações entre o direito ea economia, mas de pensar o direito segundo a economia – de ajuizar e de orientar o 
direito de um ponto de vista económico. 
 
b) Se o conceito de economia postulado é o que se tornou comum depois de 
ROBBINS – a economia como ciência que estuda os comportamentos humanos referidos 
à relação entre fins e meios escassos, a implicar, por isso, escolhas ou utilizações 
alternativas, ou, na própria formulação de POSNER (Economic Analysis of Law, cit. 3), 
“economics is the science of rational choise in a world, our world, in which resources 
are limited in relation to human wants” –, importa sublinhar que a perspectiva aqui 
especialmente em causa é a do neoclássico marginalismo, ao seu nível microeconómico, 
e orientada para uma economia de bem-estar (Welfare economics). Pelo que o relevante 
e o referente de análise são as decisões particulares no mercado em ordem à utilidade 
individual – é o cálculo dessa utilidade, nesse sentido e termos, que haverá afinal de ser 
considerado no juízo sobre a eficiência. 
 
c) Quanto ao seu campo de aplicação, há que considerar que, partindo de alguns 
problemas particulares – o problema jurídico-social dos acidentes, por GUIDO 
CALABRESI (Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts, in Yale Law 
Journal, 70 (1951), 499, ss.; e sobretudo a monografia The Cost of Accidents, A Legal 
and Economic Analysis, 1970), e o dos “custos sociais”, por RONALD COASE (The 
Problem of Social Cost, in Journal of Law and Economics, 3 (1960), 1, ss.) – a Law and 
Economics, ou a “análise económica do direito”, alargou-se, com POSNER e a partir 
dele, a todos os problemas e domínios jurídicos, do direito civil (propriedade, contratos, 
responsabilidade civil, família) ao direito penal, do direito comercial ao direito 
 19 
financeiro, do direito público em geral ao processo civil e penal, etc. (v. assim in R. A. 
POSNER, Economic Analysis of Law, cit., passim). 
Se conjugarmos o objectivo referido na al. a), com este campo de aplicação, 
compreende-se que se impute ao movimento em causa o “ideal de uma economização 
do direito” (ERICH SCHANZE, Ökonomische Analyse des Rechts in den U. S. A.: 
Verbindungslinien zur realistischen Tradition, in HEINZ-DIETER ASSMANN, CHRISTIAN 
KIRCHNER, ERICH SCHANZE, Hrsg., Ökonomische Analyse des Rechts, 15). O direito, o 
universo jurídico, não teria a ver só exclusivamente com interesses, mas ainda, de um 
modo mais específico, com interesses apenas economicamente entendidos. 
 
d) Em coerência com o objectivo económico, o princípio fundamental da 
racionalidade prática aqui assumida seria o princípio da utilidade – o princípio racional 
da utilidade económico-social em alternativa ao princípio axiológico da “justiça”, posto 
que a economia só pensa em ternos económicos. “Dado que a ciência económica, 
acentua POSNER (ob. cit., 14) não dá qualquer resposta à questão de saber se a 
distribuição actual dos ganhos e da riqueza é boa ou má, justa ou injusta (...), também 
esta não pode portanto dar uma resposta à questão final de se uma eficiente distribuição 
dos recursos é coisa boa, justa ou socialmente ou moralmente desejável”. O que 
significaria, afinal, uma auto-limitação metodologicamente assumida que se converte 
em princípio determinante – sendo certo, como se verá adiante, que o “problema de 
distribuição” não poderá ser posto assim entre parêntesis ou iludido. 
 
Só que com uma especificação também quanto àquele princípio. 
Como se sabe, o princípio da utilidade foi enunciado, pela vez primeira, 
de uma forma expressa e sistemática por JEREMIAS BENTHAM 
(Introduction to the Principles of Morals and Legislation, 1789) e depois 
retomado por J. STUART MILL (Utilitarismus, 1863). E conhece-se 
também o sentido que originariamente lhe foi dado: no pressuposto de 
que o homem se determinaria fundamentalmente na sua vida em ordem a 
evitar a dor e a lograr o prazer, ou à satisfação dos seus desejos e 
interesses, e concebendo nessa base a “felicidade” como o excedente ou a 
prevalência do prazer sobre a dor, BENTHAM entendia, numa estrita 
lógica consequencialista, que qualquer acção ou prática seria boa ou 
correcta se maximizasse a felicidade daquele modo entendida – “A 
natureza, dizia BENTHAM numa formulação impressiva e bem conhecida, 
pôs a humanidade sob o governo de dois senhores soberanos, o prazer e a 
dor; são eles só que indicam o que devemos fazer, assim como 
determinam o que faremos; aos seus tronos estão ligados, por um lado, os 
standards de o correcto e o incorrecto, e, por outro lado, a cadeia de 
 20 
causas e efeitos”. Pelo que o princípio capital de toda a acção e 
igualmente de toda a planificação e organização social seria o “princípio 
da maior felicidade”, nestes termos: deveria pretender obter-se a maior 
felicidade possível para o maior número possível de pessoas, ou, numa 
versão mais elaborada, a correcção dos comportamentos seria avaliada 
pela contribuição das suas consequências para a felicidade de todos 
aqueles que sejam afectados por essas consequências – ou ainda pela 
“maior soma líquida de satisfação” dos sujeitos a considerar (J. RAWLS). 
Prescindindo de atender aqui a todas as modalidades de que o 
utilitarismo é susceptível (“utilitarismo de actos” e “utilitarismo de 
regras”, “ut. positivo” e “ut. negativo”, etc.) e das inúmeras críticas de 
que a “moral utilitarista” tem sido objecto (uma das ultimamente 
relevantes é decerto a de JOHN RAWLS, A Theory of Justice, 1972, 22, ss., 
183, ss.; na trad. port., 40, ss., 153, ss.), aludiremos apenas às que lhe 
dirige também o movimento Law and Economics, sobretudo por POSNER: 
o problema da medição (como se poderá medir a satisfação subjectiva em 
termos objectivos?), o problema moral do “monstro utilitário” (como 
ponderar as satisfações do criminoso e dos não produtivos?), o problema 
dos limites (de quem são as utilidades relevantes? conta a felicidade dos 
animais? dos estrangeiros? das futuras gerações?) – sobre esta crítica e 
para desenvolvimentos, v. ANDRÉS ROEMER, Introducción al análisis 
económico del derecho, 1994, 29, ss. 
E tanto basta para compreender que POSNER se propusesse 
substituir essa versão originária e criticável do “princípio da utilidade” 
pelo sentido que lhe definiria a “maximização da riqueza” (o “princípio 
da maximização da riqueza”), nos termos atrás enunciados. 
 
e) Na perspectiva cataláxica própria de todo este pensamento, o critério decisivo 
da análise e dos projectos regulativos, i. é, o critério para a solução de todos os 
problemas jurídicos em perspectiva económica, será o da “cost-benefit-analysis”. O 
critério visa o cálculo económico próprio do mercado, não uma valoração axiológica, e 
haveria de reconhecer-se, por isso mesmo, a “função mimética do direito relativamente 
ao mercado” (G. ALPA) – já para corresponder às exigências provindas do mercado, já 
para impor correcções que impedissem o seu funcionamento, e sempre com vista à 
“racional distribuição dos recursos” que o mercado lograria. 
 
f) Perspectiva esta em que vai decerto pressuposta uma muito particular 
concepção antropológica. O homem que habita este universo jurídico-económico será 
um “homem racional”, posto que no sentido estrito de um sujeito e agente que se 
determina pela racionalidade utilitária dos interesses com o objectivo da sua 
maximização, o homo œconomicus em último termo – e a considerar não pelo que ele 
deve fazer, mas pelo que efectivamente faz (realismo antropológico). Por outro lado, o 
 21 
seu comportamento compreender-se-á “behavioristicamente” – o comportamento 
humano concreto será explicável por estímulos e reacções a esses estímulos. Por tudo o 
que se poderá dizer estarmos perante uma concepção radicalmenteindividualística do 
homem. Nem é outro o sentido a inferir desta formulação de POSNER (ob. cit., 3): “The 
man is a rational maximizer of his ends in life, his satisfactions – what we shall call his 
„self-interest‟”. 
 
g) Quanto à concepção do direito, as coisas não são menos evidentes. O direito 
vai aqui decerto concebido tão-só como uma técnica ou operador regulativo, 
institucional e decisório funcionalmente instrumentalizado à eficiência económica – ao 
bem-estar dos membros da sociedade, enquanto sociedade de desenvolvimento sócio- 
-económico e que procura maximizar a riqueza e os interesses e evitar ou minimizar os 
custos e os danos. E directa e especificamente com a função de criar estímulos e contra-
-estímulos, pelos meios jurídicos, aos comportamentos que o possibilitem. Pelo que, dir-
-se-á com OWEN FISS, se os movimentos da teoria crítica afirmavam que “o direito é 
política”, aqui postula-se que “o direito é eficiência”. 
 
 
2. Problemas exemplares 
 
Em referência aos tópicos gerais que foram enunciados, importa considerar 
agora alguns problemas de que a “análise económica do direito” se tem ocupado e cujo 
tratamento nessa perspectiva nos revela exemplarmente a índole e o modus desse 
pensamento jurídico-económico. 
a) O problema das “externalidades” (“externalities”) ou dos “custos sociais” 
dos “efeitos externos” e o “teorema de COASE” 
………………………………………………………………………………………………………... 
b) O direito privado e o mercado 
……………………………………………………………………………………………. 
c) O direito dos acidentes e a responsabilidade civil 
……………………………………………………………………………………………. 
d) O direito penal 
……………………………………………………………………………………………. 
 
 22 
 
 
 
3. Limites problemáticos e outras direcções 
 
a) O “problema de distribuição” (justiça distributiva) ou os limites impostos a 
uma estrita “análise económica do direito”. 
……………………………………………………………………………………………. 
b) A análise das “public choices” 
……………………………………………………………………………………………. 
c) A perspectiva neo-institucional 
……………………………………………………………………………………………. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 23 
 
O FUNCIONALISMO SISTÉMICO 
 
a) O primeiro ponto a considerar é decerto o novo conceito de sistema que vai 
pressuposto por este funcionalismo. 
Não se trata já de um sistema no seu sentido tradicional: totalidade de uma 
constitutiva unidade entre um todo e as suas partes ou elementos, unidade essa entre 
todo e partes que teria uma índole material e em que o todo seria mais do que as partes e 
a pensar como que numa perspectiva centrípeta ou numa estrita unidade de interioridade 
constitutiva. Trata-se antes de um sistema em que o relevante estará na conjugação de 
duas diferentes notas capitais: por um lado, a sua unidade deixa de ser material para se 
compreender antes em sentido formal, e para pensar simplesmente uma relacionalidade, 
uma estrutura conexionante das relações variáveis ante elementos também contingentes; 
por outro lado, o decisivo estará, não já numa centrípeta interioridade constitutiva, mas 
na diferença e relação (diferença/relação) entre o sistema e o seu meio exterior ou meio 
ambiente, e graças à qual o sistema garantiria a sua identidade e a sua subsistência 
perante esse meio exterior (“diferença de identidade e diferença” – LUHMANN, Soziale 
Systeme, 26). Ou seja, o decisivo não estaria em saber o que constitui a sua unidade 
numa relação interna entre todo/partes, mas referir a sua unidade a uma relacionalidade 
estruturante que lhe garantiria a sua identidade e diferenciação na relação externa com o 
seu mundo exterior, e com essas identidade e diferenciação a possibilidade da sua 
subsistência perante esse mundo. O que, se implicaria uma “mudança de paradigma na 
teoria de sistema” (LUHMANN, Ibid., 15, ss.), seria também a base para a elaboração de 
uma nova “teoria geral de sistema” (L. V. BERTALANFFY, General System Theory. 
Foundations, Development, Applications, 1968). Só que também aqui com uma 
evolução teórica que importa ter presente. Num primeiro momento, a relação entre 
sistema e meio exterior foi pensada segundo o esquema input/output dinamizada por 
uma retroacção (feedback), em último termo segundo um esquema cibernético, pelo 
qual o sistema lograria a sua adaptação (equilíbrio de adaptação) e a sua transformação 
perante o meio exterior, como que num modo de co-produção conjunta entre eles e de 
que o “modelo causal” não estaria ainda de todo ausente. Nessa perspectiva tinha-se por 
capital a distinção entre “sistema fechado” e “sistema aberto” – na qual insistiria 
justamente BERTALANFFY. Num segundo momento acentuou-se a auto-organização (a 
 24 
subsistente auto-organização estrutural) como a característica fundamental em que o 
sistema afirmaria a sua autonomia e preservaria a sua identidade. Característica a que 
foi atribuída uma tal importância e expansão para o entendimento de todas as 
autonomias diferenciadas – inclusive do indivíduo perante as instituições, da sociedade 
civil perante o Estado, etc. – que se pôde falar, como já atrás foi aludido, de uma 
“galáxia-auto”. Com uma radicalização final, todavia, quando à auto-organização 
(estrutural) se refere a própria autoprodução ou autopoiésis dos elementos do sistema 
através dos seus próprios elementos, numa auto-referência de pressuposição e sentido. 
Começando por dever-se à biologia este conceito acabado do sistema auto-referencial 
ou autopoiético (H. R. MATURANA/FRANCISCO J. VARELA, Autopoiesis and Cognition, 
The Realisation of the Living, 1972) – sistema não só auto-organizado como auto- 
constitutivo dos seus próprios elementos numa circularidade de auto-subsistência 
reprodutiva e que também seria assimilado por todos os domínios de inteligibilidade: 
das ciências físico-naturais às ciências da vida, da sociologia à ciência política, da 
antropologia à cultura, etc. – dele se dirá, com LUHMANN (ob. cit., 27) que traduz uma 
“segunda mudança” em que culmina a alteração do paradigma de sistema. Com duas 
notas mais. Por um lado, a auto-referência ou autopoiésis implicaria para o sistema uma 
sua “clausura”, ou em termos de se haver de reconhecer agora nele a índole de um 
“sistema fechado” nessa sua auto-referencialidade constitutiva, posto que sem poder 
também dispensar uma “abertura cognitiva” relativamente ao meio exterior de que se 
alimentaria a dinâmica da sua autonomia. Por outro lado – e a permitir a essencial 
relação deste conceito de sistema com a funcionalidade –, os elementos seriam decerto 
contingentes, já que não importariam eles em si mesmos, mas sim a sua função no 
sistema e como elementos a ele funcionalizados, concluindo-se não apenas por uma 
radical “desontologização” desses elementos, como ainda pela sua fungibilidade de 
meras variáveis, na exigência tão-só de uma “equivalência funcional” ou de uma 
“equifinalidade”. 
 
b) Tudo o que expressamente se pretende projectar nos quadros gerais do 
pensamento jurídico – também o direito se haveria de pensar segundo um sistema 
funcionalmente auto-referencial ou autopoiético. Assim, e por todos, N. LUHMANN, Die 
Einheit des Rechtssystems, in Rechtstheorie, 14 (1983), 129, ss., e G. TEUBNER, Recht 
als autopoietisches System, 1989 (de que há tradução portuguesa, em edição 
Gulbenkian). Pelo que a instrumentalização teleológica, fosse a do finalismo 
 25 
directamente político, fosse a da estratégia imediatamente social e económica, cede a 
uma estrita instrumentalização funcional. Se naquela uma teleologia que se determinava 
por objectivos programados, por fins, por interesses, e se aferia pelos efeitos, conferia à 
instrumentalizaçãocorrelativa um cariz material, agora é a função enquanto tal que se 
torna decisiva e a instrumentalização consequente, que se lhe continua a reconhecer, é já 
tão-só de índole formal. A função avulta como a categoria, não apenas implícita, como 
nas outras duas modalidades de funcionalismo, mas convoca-se explicitamente decisiva 
ao primeiro plano e tudo determina. Pelo que se põe funcionalmente como que entre 
parênteses e releva só funcionalmente a consideração mesma dos objectivos, dos fins, 
dos interesses, etc. – “não a verdade dos fins nem a necessidade dos fins (...), mas a 
função da posição dos fins enquanto redução da infinidade (complexa) deverá ser 
conceitualizada” (N. LUHMANN) –, levando-se assim às últimas consequências, repita- 
-se, a de de-ontologização e de de-substancionalização dos elementos, os quais deixam 
de ser “em si” e passam unicamente a “ser para”. O que subsiste não são os elementos 
numa afirmação e numa coerência materiais, mas o sistema na sua formal e auto- 
-organização e autoprodução funcional e apenas para a subsistente realização dessa sua 
funcionalidade. 
Quanto ao direito, porque estando nas nossas sociedades – assim se postula – 
suprimida sem remédio e irreversivelmente a viabilidade de uma ordem axiológico- 
-materialmente pressuposta, dada a crescente complexidade social e os pluralismos de 
todos os tipos, apenas restaria a solução de uma estrutura normativo-social que pudesse 
ser o indispensável sistematizador da contingência (da possibilidade sempre aberta de 
acções e soluções diferentes entre si) de que dependeria podermos conviver no caos que 
tenderiam a fomentar essa complexidade e esses pluralismos – a única possibilidade, 
dir-se-á, de vencer de algum modo a entropia social. E tudo se traduziria numa auto- 
-referente selecção simplificante, tanto das alternativas contingentes como do tipo e 
número dos problemas a considerar e bem assim das pré-determinações das suas 
soluções (definindo-lhe os critérios no quadro institucional ou estruturalmente funcional 
de uma “coerente generalização” de certas expectativas segundo o esquema lícito/ilícito 
– o seu “código da diferença entre o sim e o não”). Expectativas a reafirmar apesar das 
suas possíveis violações e justamente contra estas – por isso “expectativas normativas” 
ou “contrafactuais” a distinguir das “expectativas cognitivas”, que seriam “factuais” –, 
decididas-constituídas segundo um “processo” que funcionaria mediante um 
“mecanismo-reflexivo” de uma “dupla reflexibilidade” – as regras ou expectativas 
 26 
generalizadas seriam decididas-constituídas em auto-referência aos elementos 
pressupostos do sistema (“o sistema autopoiético constitui os seus elementos através dos 
elementos de que se compõe” – LUHMANN) e as decisões selectivas, que definiriam o 
“programa normativo”, operariam essa sua constitutiva decisibilidade mediante regras 
(e operações) definidas pelo próprio sistema – regras (ou operações) sobre regras – e 
com o objectivo último de se lograr, através dessa selectiva e constitutiva decibilidade 
do programa ou das regras-expectativas funcionalmente adequadas, a identidade 
subsistente do sistema (sistema jurídico) perante os problemas que lhe são postos pela 
dinâmica e as solicitações-informações do social meio exterior. Sistema, por isso, 
“normativamente fechado” e “cognitivamente aberto”. E assim se compreenderá que se 
fale aqui de uma “coacção para a selecção” (Selektionszwang) e se diga também que 
“valores são expectativas contrafactualmente estabilizadas” (LUHMANN). 
Sistémico e estrito funcionalismo jurídico este que, dada a sua abstracção de 
compromissos materiais (teleologicamente materiais) e o abandono da referência 
consequencial para acentuar antes a reflexibilidade autopoiética, a condicionalidade 
processual e a redutividade referenciadora, vemos considerado como um “modelo pós- 
-instrumental do direito” (TEUBNER) – isto decerto porque se pensa a 
instrumentabilidade apenas segundo o esquema meio/ fim e tendo, portanto, sempre 
presente uma material teleologia. Mais importante para nós é, todavia, reconhecer que 
nele se manifesta uma concepção do direito em que há a sublinhar três pontos 
principais, a saber: 
1) Uma recompreensão do “sistema jurídico”, que seria o próprio direito, nos 
termos aludidos – um sistema autopoiético, com uma “constituição de elementos através 
dos próprios elementos”, que não existiria senão na “comunicação” (mediante 
informações, mensagens, compreensões, etc.), e de uma unidade que se identificaria 
com essa autopoiésis, i. é, “a função que assegura a formação da unidade (...) consiste 
na autocriação” (LUHMANN, Die Einheit des Rechtssystems, cit.). Noutros termos, um 
sistema de intencionalidade auto-referentemente constitutiva, cuja unidade não 
resultaria de nenhum principium unitatis, mas da imanente reconstrutiva circularidade e 
recursividade, segundo o esquema binário lícito/ilícito (ou recht/unrecht, legal/ilegal, 
etc.) – em paralelo, mas diferentemente, de esquemas binários próprios de outros 
sistemas, como os do dinheiro na economia, do poder na política, etc. –, e graças ao 
qual ele veria assegurada a sua autonomia e a sua diferenciação perante outros sistemas. 
 27 
2) Um entendimento da função do direito, não já no sentido regulativo- 
-normativo do comportamento (critério materialmente intencional da acção), e antes 
selectivo e estabilizador de expectativas, mediante uma redução da complexidade social, 
numa estrutura formal e de intencionalidade só procedimental (critério tão-só 
estruturante e condicionante da acção). 
3) Uma totalmente distinta concepção da “justiça”, que de todo abandona a sua 
tradicional “intenção de apelo”, intenção axiológica e normativa com o sentido de 
validade legitimante e crítico, para se definir, diversamente, pela adequação da 
complexidade do sistema jurídico – complexidade esta através da sua autopoiésis e da 
sua selectiva estabilização de expectativas – à complexidade social. “De tal modo, 
torna-se problemático que seja possível ver na justiça uma espécie de norma das normas 
que sirva como critério para estabilizar relações; parece antes tratar-se, no caso da 
justiça, de uma expressão global para indicar a complexidade do sistema jurídico que é 
adequado ao seu ambiente social”; “hoje a justiça não pode ser entendida como norma 
jurídica superior, mas só como a expressão de uma adequada complexidade do sistema 
jurídico, especialmente com exigência de aumentar a complexidade na medida em que 
ela seja compatível com um consistente decidir” (LUHMANN, Gerechtigkeit in den 
Rechtssystemen der modernen Gesellschaft, in Rechtstheorie, 4 (1973), 181, ss.; 
Rechtssystem und Rechtsdogmatik, Cap. II). 
O que metodologicamente implicaria um pensamento jurídico determinado por 
duas dimensões muito específicas: a elaboração tanto de uma dogmática como de um 
esquema da decisão que sejam correlativos das referidas índole e função do sistema 
jurídico. Quanto à dogmática, por princípio caracterizada como qualquer outra por um 
Negationsverbot, o seu objectivo será garantir a autonomia actuante do sistema jurídico, 
“a sua função directa é a da manutenção da diferenciação (Ausdifferenzierung) do 
sistema jurídico”, assegurando que o direito seja tratado segundo critérios 
especificamente jurídicos e definindo as relações entre o “programa das decisões 
geralmente válidas” e “as decisões dos casos concretos”. Uma coisa e outra, e 
simultaneamente, seriam possíveis mediante a “dogmatização do material jurídico” (o 
que significará antes de mais “a sua elaboração conceitual e classificatória”), 
“transformando-a assim numa massa dinâmica capazde autocrítica”, pois ao organizar 
“a liberdade de decisão mediante a negação de várias imposições de sentido”, não 
consistiria num vínculo do espírito, mas antes num “acréscimo de liberdade no 
confronto das experiências e dos textos”, consentindo “o aumento das incertezas 
 28 
suportáveis” ou “o aumento da tolerância no confronto da incerteza” – de outro modo, 
definiria “as condições do que é juridicamente possível”, estruturando o direito 
mediante abstractas delimitações conceituais (“a compreensão conceitual dos 
pensamentos jurídicos singulares dos princípios e institutos jurídicos”). Com uma nota 
ainda: o postulado tradicional de uma “dogmática justa”, ou a sua referência última à 
justiça, manter-se-ia, só que agora – de acordo com o sentido sistémico de justiça, 
convergindo na unidade e na complexidade e sabendo que “o critério da justiça se refere 
à unidade do sistema como um todo” –, do que se trata é da imanência do sistema 
jurídico e, exactamente, de “a dogmática enquanto a concepção, interna ao sistema, de 
uma complexidade que como unidade só será representável referindo o sistema jurídico 
ao seu meio (Umwelt) social”. Numa palavra, a dogmática será a sistematização 
conceitual do material jurídico (das “proposições jurídicas”) que não só definiria os 
critérios jurídicos (para que juridicamente se operasse só em critérios jurídicos), como 
delimitaria a juridicidade (“o juridicamente possível”) e a elevaria a um grau adequado 
de abstracção, i. é, simultaneamente enquadrante e possibilitante, no seu quadro 
abstracto, da contingência concreta e portanto de uma correlativa liberdade (resultante 
“do facto que o sistema deve oferecer uma possibilidade de decisão para qualquer caso 
de conflito juridicamente relevante”). Concepção esta da dogmática jurídica que 
naturalmente excluiria – ponto de enorme relevo neste pensamento jurídico sistémico – 
a validade de nela se considerarem “os efeitos como critérios” – os efeitos seriam 
realidades sociológicas, não entidades jurídicas. 
Quanto ao esquema da decisão – e em coerência com as concepções esboçadas 
do sistema jurídico e da sua assunção dogmática em termos aconsequenciais –, o seu 
mecanismo capital seria o da condicionalidade. O sistema jurídico seria um 
Konditionalprogramm e não um Zweckprogramm. Já o sabemos: seria ele 
exclusivamente um programa de condições para as decisões concretas ou de modo que 
estas o seriam segundo uma relação do tipo “se/então”. Verificadas as condições seguir-
-se-ia a decisão no sentido programado, ou com o conteúdo previamente definido, 
abstraindo tanto de qualquer político-sociológica teleologia como de qualquer 
consequencialismo social. Nem a realização de fins (extrajurídicos), nem os efeitos 
(sociais) teriam relevo jurídico, a normatividade jurídica enquanto tal seria estritamente 
condicional, não teleológica ou consequencial. A teleologia e o consequencial seriam, 
repita-se, dimensões sociológicas e não jurídicas – e a preocupação fundamental do 
 29 
funcionalismo sistémico é pensar a autonomia e a diferenciação do sistema jurídico, 
enquanto puramente jurídico. 
 
 d) Para uma projecção exemplar deste funcionalismo sistémico-jurídico, 
consideremos a sua assimilação no direito criminal, nos termos como o pensam, por 
exemplo, penalistas como AMELUNG e JAKOBS. É certo que é este um caso extremo, mas 
tem para nós a importância de nos mostrar como que as consequências no limite de uma 
concepção estritamente sistémica ou funcionalisticamente sistémica. O direito penal 
seria de sentido exclusivamente preventivo, serviria para a estabilização do sistema 
social definido normativamente, e deveria pensar-se em termos rigorosa e 
sistematicamente funcíonalísticos: segundo o “princípio da danosidade social” (que se 
especificaria numa selecção de “bens jurídicos”), a pena só se legitima pela (e visa 
unicamente) a reafirmação da norma que o sistema exija subsistentemente eficaz na sua 
contrafactualidade de normativa licitude/ilicitude, e a culpa vê-se despida de todo o 
sentido axiologicamente ético para ser só admitida como critério funcionalmente 
justificado (numa linha análoga, compreende-se assim que com ela se faça intervir, 
como faz ROXIN, a “responsabilidade” só penal). A culpa reduz-se à questão de saber 
se, por um lado, a imputação subjectiva é sistémico-funcionalmente ou 
“finalisticamente” (“Zweckbestimmt”) justificada e necessária, para a recuperação da 
eficácia das expectativas garantidas pelo sistema e perturbadas pelo delito, e, por outro 
lado, o agente haverá normativamente de ser visto de modo a ter de suportar as 
exigências sociais da norma-proibição, e bem assim de se ponderar se a sociedade 
haverá ou não de aceitar o fracasso da pressão dessas exigências no agente com os seus 
efeitos desorientadores ou o perigo mesmo de uma desorientação “contagiante” e 
expansiva. A questão é, pois, exclusivamente social, no quadro da relação sociedade- 
-pessoa, e esta tão-só, no fundo, um elemento do sistema com o relevo que este lhe 
confira e a desempenhar papéis funcionalmente determináveis – a “funcionalização da 
pessoa” (HASSEMER). Pelo que a distinção, que não deixamos de ver considerada por 
LUHMANN, entre “pessoa” e “papéis” (Rollen) não teria em princípio aqui grande 
importância, se não fora o entorse, para a coerência sistémico-funcional, do postulado 
constitucional da “garantia do valor autónomo da pessoa” (AMELUNG). 
 
 
 
 30 
 
JUÍZO CRÍTICO SOBRE O FUNCIONALISMO JURÍDICO 
 
A complexidade e a pluralidade de modalidades do funcionalismo jurídico força-
-nos a um juízo crítico também complexo e plural. Desde logo, a dois níveis – a um 
nível geral ou criticamente global de todo o funcionalismo e a um nível especial ou a 
considerar especificamente cada uma das suas modalidades em particular. 
1. Assim, há que ser consciente de que no fundo de tudo se impõe uma capital 
opção antropológico-cultural de que dependerá o sentido do direito e inclusive a sua 
própria subsistência autenticamente como direito. Com efeito, o homem dos nossos dias 
terá de perguntar-se que sentido se propõe conferir à sua prática e, através desse sentido, 
que compreensão assimilará de si próprio na sua existência histórico-comunitária. Uma 
prática referida a uma validade, seja ela porventura problemática mas não prescindindo 
nunca de interrogar por ela, a implicar um fundamento axiologicamente crítico e o 
homem transcendendo-se assim a um sentido materialmente vinculante em que assuma 
o projecto responsabilizante da sua própria humanidade; ou uma prática determinada 
tão-só por estratégias contingentes (políticas ou sociais) e a orientarem-se por juízos de 
oportunidade, a não exigir mais do que programações finalísticas actuadas ou por 
compromissos ideológicos ou por esquemas de uma operatória eficiente, e o homem 
reduzindo-se à imanente titularidade de uma luta ideológica e de estratégias de 
interesses que lhe permitirão uma qualquer vitória na luta social ou um bem-estar 
axiologicamente neutralizante e uma existência interesseiro-racionalmente calculada, e 
nada mais. Uma opção entre a validade (fundamentalmente crítica) e o conflito 
militantemente irredutível), entre o sentido e a eficácia, entre a “justiça” e a “utilidade”. 
E falamos de opção, porque caduca para sempre a pretensão das evidências metafísicas 
de que se alimentou também o jusnaturalismo (no seu postulado de uma normatividade 
ontologicamente necessária, inferida directamente da natureza das coisas ou da natureza 
do homem), o homem terá de decidir-se a si próprio. O que não será diferente de dizer 
que radical no homem é a sua liberdade para se salvar ou para se perder numa 
responsabilidade

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