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PASSO-A-PASSO HUMANÍSTICAS VOLUME 1- FILOSOFIA DO DIREITO CONTEÚDO E ROTEIRO DE ESTUDOS DE ACORDO COM O EDITAL DO VI CONCURSO PARA O CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO FEDERAL www.cursocliquejuris.com.br Cliente De acordo com o Edital nº 2, de 29.6.2017 Material elaborado pelo Curso Clique Juris Vedada a comercialização e compartilhamento 1 CPF Sumário Orientações Gerais .................................................................................... 2 PASSO-A-PASSO FILOSOFIA DO DIREITO ............................................... 11 1 Conceito e tarefa da Filosofia do Direito. ......................................... 12 2. História da Filosofia do Direito no Brasil: ........................................... 15 2.1 Teoria Tridimensional do Direito ....................................................... 27 3.1 Teoria da Norma Jurídica ................................................................. 31 3.1.1 Divisão estrutural entre regras e princípios ................................. 38 3.1.2 Conflito de normas e colisão de princípios ................................ 42 3.2 Teoria do Ordenamento Jurídico .................................................... 44 3.3 O Positivismo Jurídico e seus críticos ............................................... 48 4. Modelos Teóricos do Direito ............................................................... 51 4.1 Normativismo de Hans Kelsen .......................................................... 51 4.2 O debate entre Herbert Hart e Ronald Dworkin .......................... 56 4.3 O Pós-Positivismo ................................................................................ 60 5. Relações entre Direito e Moral .......................................................... 61 5.1 Deontologia Jurídica ......................................................................... 66 6. A Intepretação do Direito ................................................................... 68 6.1 Métodos tradicionais de interpretação ......................................... 69 6.2 Originalismo e Principialismo na interpretação constitucional .. 74 7. Teorias contemporâneas da Justiça ................................................ 78 7.1 O utilitarismo ........................................................................................ 78 7.2 O Liberalismo-igualitário de John Rawls ......................................... 80 7.3 O Libertarismo ..................................................................................... 83 7.4 O Comunitarismo ............................................................................... 85 8. A desobediência Civil ......................................................................... 87 2 CPF Orientações Gerais Queridos alunos. É com grande satisfação que apresentamos a vocês o Passo- a-Passo – Humanísticas (PAP HUMANÍSTICAS). O material foi elaborado pelo professor Igor Peçanha Frota Vasconcellos, bacharel em Direito pela UFF, advogado e mestrando em Ciências Jurídicas e Sociais (PPGSD/UFF). No material apresentado selecionamos o que é fundamental para fazer a prova da DPU/CESPE no que tange às humanísticas que englobam três disciplinas do grupo IV do edital, a saber: (1) noções de ciência política; (2) noções de sociologia jurídica; e (3) filosofia do direito. São basicamente as disciplinas consideradas da área de Humanas, à exceção daquelas estritamente jurídicas. O que são as humanísticas (aonde vivem, o que comem)? É bem verdade que durante a faculdade costumamos não dar muita atenção para as matérias chamadas propedêuticas ou zetéticas (dois nomes que podem aparecer nas provas como sinônimos desse conjunto de disciplinas). Por aqui já fica uma primeira dica, no sentido de que a denominação propedêutica não é uma unanimidade porque refere-se à ideia de “conhecimentos mínimos” (ou “conhecimentos introdutórios”), e para muitos estudiosos dessas disciplinas, 3 CPF considerar que elas são apenas introdutórias e não centrais para o entendimento do direito já revela uma visão distanciada dos saberes críticos ou não dogmáticos. Assim, antes de entrar nos conteúdos propriamente ditos temos que dar dois passos: a) entender como abordar os temas que são essenciais para a prova; e b) aprender a diferença entre as disciplinas. O conteúdo do edital A maneira como o edital é construído, incluindo essas disciplinas na mesma lógica que as disciplinas jurídicas, amplia a dificuldade de estudo delas, uma vez que os temas são muito amplos e, ao contrário das disciplinas dogmáticas (opõe-se a zetéticas), não é habitual a produção de manuais sobre elas. Costumo dizer em sala de aula que poderia abordar cada tema do edital com pelo menos 10 autores diferentes e por um semestre inteiro num curso universitário. No que diz respeito à extensão do conteúdo podemos comparar com a Faculdade de Direito: já pensou de uma vez só (e pela primeira vez na vida) aprender todo o Direito Privado (que em muitas faculdades estudamos por dez períodos), com o agravante de que tanto na filosofia quanto nas ciências sociais (aqui incluídas a ciência política, a sociologia e alguns temas de antropologia que adentram o edital de sociologia) cada autor costuma cunhar seu próprio conceito sobre um 4 CPF assunto ou criar novos conceitos a partir de conceitos de autores pré-existentes, os quais não estão sistematizados em manuais e não há uma bibliografia-base para a prova o que seria o mais adequado para esse tipo de prova para essas disciplinas (como acontece na Defensoria de São Paulo, v.g.) Nesse sentido, fica uma segunda dica de que ao invés de se propor a decorar todos os conceitos específicos para as “categorias”1, autores e obras, busque organizar os seus estudos relacionando uns aos outros, porque o que a banca tentará fazer é confundir a ideia principal sobre aquele tema, tornando possível deduzir as questões que estão erradas ou certas quando se compreende como é o pensamento do autor ou em que contexto se mobiliza determinado conceito ou categoria. Um outro ponto importante a ser destacado novamente é ficar atento aos temas que atravessam as diferentes disciplinas, especialmente aqueles que estão no mesmo grupo das humanísticas (Constitucional, Direitos Humanos e Internacional). É bastante possível que nas questões discursivas os temas das humanísticas estejam articulados com temas dessa disciplina. 1Conceito muito importante para as ciências sociais, pois são os recursos explicativos utilizados para construir determinada teoria ou explicar uma determinada situação fática observada pelo cientista social – por exemplo, “trabalho” é uma categoria utilizada por Marx para explicar a sociedade capitalista. Ou ainda, “dominação” é uma categoria utilizada por Weber para explicar o estado e a sociedade burocrático-legal em que vivemos. 5 CPF Sobre as disciplinas que abordaremos a seguir, dentro das humanísticas temos “noções de sociologia jurídica” e “noções de ciência política”, ao passo que “filosofia do direito” não vem com essa ideia de conceitos introdutórios (a disciplina não é noções de Filosofia do Direito), o que pode implicar numa cobrança mais aprofundada dessa disciplina. Por fim, chamo a atenção para o momento político que vivemos, com “golpes”, “crises”, “impeachment”, reparem que todos os tópicos incluídos nos programas de humanísticas tem alguma relação com essa temática (direito e revolução em sociologia jurídica, as origens do poder político do estado em ciência política e desobediência civil em filosofia do direito, entre outros em que essa associação não é tão evidente, mas nos parece bastante claro que os examinadores estão com essaquestão da legitimidade e da ruptura democrática em mente. Fiquemos atentos!) O que é o que é: Noções de Ciência Política (NCP), Noções de Sociologia Jurídica (NSJ) e Filosofia do Direito (FD)? Como diferenciar o objeto de estudos das nossas disciplinas? Distinguir as disciplinas é essencial e nos serve primordialmente para duas coisas, são elas: 1) organizar os conteúdos na nossa cabeça (como se fosse guardar o arquivo na pastinha certa), o que nos ajuda a aglutinar os assuntos em um mesmo grupo 6 CPF de conceitos e saber quais são mais facilmente associáveis a outros, ou não são possíveis de serem associados. Conhecer a organização temática da disciplina é mais um recurso que facilita o processo de associação de conteúdos e rememoração destes. Isto é, melhor que saber o conteúdo de uma disciplina é “saber de uma forma organizada”. 2) orientar a utilização dos conceitos e interpretação das questões, pois quando aprendemos a diferença entre as disciplinas fazemos associações que nos permitem recorrer aos conceitos, categorias e institutos mais adequados para compreender aquele contexto (no caso do concurso, a questão). As três disciplinas que estamos aprendendo juntos tem objetos distintos e, portanto, abordam os problemas colocados para elas de formas diferentes, muito embora esses objetos e reflexões se atravessem. A (I) Ciência Política (CP), dessa forma, preocupa-se com o estudo do poder e com o Estado (sua organização, divisão em poderes, etc.), uma vez que é neste que o poder é exercido “oficialmente” e com todas questões que daí decorrem: “soberania”, “território” e “povo”, “sistemas de governo”, “regimes de governo”, etc. Essa ciência, portanto, comumente estuda os partidos políticos, os sistemas eleitorais, as eleições, bem como os processos de governo. 7 CPF Há um sentido mais amplo do termo “política” - além do que estamos acostumados a utilizar ligado a política institucional- partidária – que pode ser simplificada na ideia de gestão da coletividade e das diferentes opiniões na sociedade (como saber qual prevalece, de que forma é legítimo que uma prevaleça sobre a outra, como chegar a consensos, consensos são necessários, não são necessários). Reitero: são sempre questões orientadas para como o poder é colocado e exercido na sociedade. Pois bem, se a CP está preocupada com o “poder” e o Estado, com que está majoritariamente preocupada a Filosofia do Direito? Existe uma ideia básica que aprendemos desde a escola de que a Filosofia é “amor à sabedoria” e como tal seu propósito seria o próprio exercício do pensamento. Desse modo, a (II) Filosofia do Direito tem por objetivo constituir um saber crítico (contrário à dogmática, portanto) sobre as construções jurídicas (sejam elas ideias ou práticas de atores do direito), buscando seus fundamentos, sua natureza, procurando entender suas estruturas. Outra importante dica é que para a Filosofia, ao contrário da Ciência Política e da Sociologia, o aspecto do “axiológico” (relativo ao valor) é deveras importante, de forma que para o conhecimento filosófico será importante questionar-se acerca do que seria justo, injusto, sobre as dimensões da moral no direito e vice-versa. 8 CPF Neste passo, quase todas (senão todas) as ciências modernas têm alguma âncora em alguma reflexão da filosofia grega - boa parte das grandes teorias explicativas do mundo (atomística na química, a física newtoniana, entre outras) constituíram-se a partir das concepções aristotélicas ou de outros filósofos gregos, ainda que para desconstituí-las. Por fim, vamos caracterizar a (III) Sociologia Jurídica como aquela ciência que está preocupada com a ordem social, isto é, preocupada com explicar a sociedade moderna. Como existimos enquanto sociedade, porque continuamos a viver juntos, reproduzindo comportamentos, hábitos, o quê de exterior (fora do campo da psicologia, por exemplo) é possível verificar que faz as sociedades, os grupos sociais existirem enquanto tais, o que o fundador da Sociologia enquanto disciplina, Émile Durkheim (“as regras do método sociológico”), chamou de “fato social”, por exemplo. A Sociologia Jurídica, portanto, vai preocupar-se com essas questões com relação ao mundo jurídico ou a respeito de qual é o papel que o Direito exerce nessa conformação social mais ampla. É essencial distinguir essa “ordem social” da “ordem jurídica”, definitivamente não se trata da mesma coisa. A referência ao conceito de “ordem pública” está relacionada ao Direito e ao campo normativo, preocupando-se com o que o Direito diz que é a ordem, com o cumprimento das leis ou não (ou com o que determinados agentes autorizados dizem que é o [des] 9 CPF respeito a elas). Por outro lado, a Sociologia preocupa-se com como se dá a reprodução das práticas sociais, como os atores/sujeitos sociais as interpretam e se adequam ou opõe- se a elas, como as compreendem, e ainda como são constituídas as ações desses sujeitos, como eles escolhem e orientam suas ações e reproduzem e/ou adaptam seu modo de vida. É claro que há muitas nuances em cada uma dessas disciplinas as quais vão, inclusive, depender de que linha de pensamento/pesquisa orienta as percepções que temos sobre cada um desses campo, mas por ora e para o nosso objetivo essas diferenciações permitem que possamos interpretar melhor as questões que nos sejam apresentadas na prova! Vamos ao edital Finalizando o começo, eu gostaria de lembrá-los que a maioria dos concorrentes não tem aptidão com essas matérias, não tem disposição para estudá-las e comumente deixam elas ao sabor da sorte ou as ignora, colocando na conta do que não vai ser marcado ou será chutado. Estudando adequadamente para elas você terá um diferencial e é isso que nós estamos propondo no CURSO CLIQUE JURIS: uma preparação adequada nessas disciplinas como vocês fariam em qualquer uma das outras. 10 CPF Como eu já disse no blog em outra oportunidade, o que esperamos, honestamente, é fazer diferença na preparação de vocês para que vocês façam diferença na vida de todas as pessoas que vão lhes encontrar nas defensorias da vida! Igor Peçanha Frota Vasconcellos. 11 CPF PASSO-A-PASSO FILOSOFIA DO DIREITO Especificamente em relação ao tempo que se deve destinar ao estudo da disciplina Filosofia do Direito, cujos principais aspectos de cada um dos pontos do Edital 02, de 29.6.2017, foram tratados adiante, orientamos que sejam destinadas, no mínimo, 6 horas de estudos, divididos da seguinte forma: Dia 1 - 2 horas de estudos. Páginas 11 a 42. Pontos 1 a 3.1.2. Dia 2 – 2 horas de estudos. Páginas 43 a 67. Pontos 3.2 a 5. Dia 3 – 2 horas de estudos. Páginas 67 a 91. Pontos 6 a 8. 12 CPF FILOSOFIA DO DIREITO 1 Conceito e tarefa da Filosofia do Direito. Esse ponto do edital de FD nós já começamos a abordar quando diferenciamos o objeto de cada disciplina, essa diferenciação é especialmente importante para o edital de Filosofia do Direito, pois, como já dissemos, se a Filosofia representa o “amor a sabedoria” (ou seja, a reflexão e o questionamento), ela encara como um dever intrínseco à disciplina pensar sobre si própria. A Filosofia é então o exercício do pensamento pelo próprio exercício do pensamento (evidentemente não se limita a isso e há filósofos críticos a isso), de modo que podemos dizer o papel/tarefa da Filosofia é pensar sobre a natureza das coisas, e no caso específico da Filosofia do Direito, sobre a natureza da justiça. Eduardo Bittar e Guilherme Almeida2 propõe que a Filosofia do Direito é um saber crítico a respeito das construções jurídicas erigidas pela Ciência do Direito e pela própria práxis do Direito. Mais que isso, é sua tarefabuscar os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as estruturas do 2Curso de Filosofia do Direito, 12ª edição, 2016, São Paulo, editora atlas. 13 CPF raciocínio jurídico, provocando, por vezes, fissuras no edifício que por sobre as mesmas se ergue. A Filosofia do Direito, portanto, critica o conhecimento imposto pela doutrina como uma maneira de frear o automatismo de pensamento, isto é, preocupa-se em colocar em perspectiva os valores que estão em jogo cotejando o caráter lógico- jurídico das decisões e resoluções com sua justeza e adequação social. Por outro lado, embora a justiça muitas vezes pareça “questão de bom senso” nas situações concretas a justiça muitas vezes é o justo oposto, é contrário do que parece óbvio ou lógico. Serve, então, a Filosofia do Direito esse papel de pensar e refletir sobre as questões que atravessam o campo jurídico e que pode redundar na construção de novos entendimentos que provocam a transformação do Direito. Um belo exemplo de uma concepção filosófica que gerou claros desdobramentos na dogmática do direito é o trabalho de Ronald Dworkin. Como seria o Direito que conhecemos hoje em dia sem sua teoria acerca dos princípios? Podemos pensar que seria melhor ou pior (sem problemas quanto a isso!), mas certamente seria outro Direito. Concordam? Outro exemplo é a ideia do Direito como um conjunto hierárquico e coerentemente organizado de normas formulado por Kelsen, sequer conseguimos pensar no Direito 14 CPF hoje sem essa noção, pois bem, mas ela nem sempre existiu, no entanto resistiu as concepções que criticaram o positivismo. Do mesmo modo, mais tarde, pensando nas consequências históricas e práticas do positivismo jurídico a Filosofia traz de volta ao debate a questão do justo, do valor da moral e isto torna a ser importante para o Direito (como por exemplo, na teoria dos direitos fundamentais). E por aí vamos! A Filosofia do Direito, pois, exige que o filósofo tenha a capacidade de mobilizar uma imensa gama de fatores históricos, culturais, valores que dão substância ao Direito. A tarefa da filosofia é estabelecer as conexões entre os valores sociais implicados na atuação judicial. Mesmo que o ofício de um aplicador das normas não seja questionar os valores, isso acaba forçosamente acontecendo na prática. A percepção do Direito como um espaço conservador isolado das relações sociais revela seu aspecto político porquanto trarão à tona reflexões não só sobre o Direito como sobre o Estado que o produz/impõe e como ele o produz. 15 CPF 2. História da Filosofia do Direito no Brasil: A fundação dos cursos jurídicos no Brasil data do século XIX (na Faculdade de Direito de Olinda e na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, criadas simultaneamente em 1827, começando os trabalhos no ano posterior), vindo a se consolidar no século seguinte. De antemão, cumpre destacar a forte influência que a formação jurídica brasileira sofreu do modelo coimbrão, uma EM POUCAS PALAVRAS: Basicamente a crítica filosófica se dirige ao Direito Positivo, já que se trata da forma tradicional e hegemônica de se pensar o Direito, motivando a reflexão filosófica sobre quais seriam os fundamentos cognitivos do Direito efetivamente aplicado. O filósofo do Direito busca, fundamentalmente, problematizar as questões que aparentemente seriam incontroversas. Isto é, está construída como um saber crítico que se opõe metodologicamente a um saber dogmático. Tarefas/Objetivo da Filosofia do Direito (BITTAR): 1. Proceder à crítica das práticas, das atitudes e atividades dos operadores do direito; 2. Avaliar e questionar a atividade legiferante, bem como oferecer suporte reflexivo ao legislador; 16 CPF vez que os primeiros bacharéis brasileiros foram formados em Portugal. A preocupação com uma formação que não fosse estritamente técnica, mas que contemplasse as questões sociais do homem já aparecia por lá e influenciaram a criação das faculdades de direito por aqui, de modo que desde o século XIX já temos presenças de disciplinas com conteúdos de filosofia do direito, ora associados a disciplinas sobre a História do Direito, ora a disciplinas relacionadas a questões sociais. Cumpre duas observações sobre esse ponto: 1) Ambas faculdades fundadas em 1827 foram nominadas como “Faculdades de Ciências Jurídicas e Sociais”; 2) Não existia o campo disciplina da Sociologia, então o que se entende por ciências sociais é algo diverso do que conhecemos hoje por esse nome. Em termos de conteúdo registre-se que durante os séculos coloniais o conhecimento “jusfilosófico” (refiro-me a concepções acerca de leis, justiça etc.) guardavam relação com o conhecimento teológico, especialmente representado pelas ideias de São Tomás de Aquino conhecido por apresentar uma filosofia mediadora entre o cristianismo revelado e o racionalismo aristotélico. Após isto, podemos citar o poeta Tomás Antônio Gonzaga que escreveu um “Tratado de Direito Natural” (ainda no século XVIII) que, segundo Wolkmer, não se distanciava muito do jusnaturalismo teológico. 17 CPF O conhecimento filosófico – modernamente entendido como instrumento para emancipação humana - é fundamentalmente influenciado pelas matrizes eurocêntricas, seja de cunho jusnaturalista, seja de cunho juspositivista, sendo produzido em associação ao racionalismo iluminista ao longo do século do século XIX. Deste modo vamos enumerar algumas ideias e correntes de pensamento jusfilosófico que podem porventura aparecer na prova: 1) Nosso primeiro professor de Direito José Maria de Avelar Brotero (1798-1878), era português, por decreto de 12 de outubro de 1827, foi nomeado pelo Imperador para reger a cátedra de Direito Natural da recém-criada Faculdade de Direito de São Paulo, cabendo-lhe a honra de proferir a aula inaugural dos cursos jurídicos, em 10 de março de 1828 (Cf. Machado Neto) 2) O Ecletismo (inspirado no historicismo espiritualista francês) - que consistia em uma reunião de vários sistemas filosóficos justapostos em todos os pontos em que eram passíveis de conciliação, partia, portanto, do pressuposto de que todas as filosofias eram sistemas parciais de verdade, de modo que a lógica permitiria encontrar um 18 CPF sistema filosófico (e uma verdade) mais ampla e única – seu nome mais representativo foi Victor Cousin. O pensamento de Cousin foi trazido ao Brasil por Antônio Pedro de Figueiredo (professor da Faculdade de Direito do Recife). Este paradigma é importante pois a ele é atribuído a representação histórica do que Roberto Gomes (apud Wolkmer) chama de mito brasileiro da imparcialidade [que, por sua vez, pode ser associado com a questão da negação do conflito] 3) O pensamento filosófico na República – isto é, final do século XIX até aproximadamente 1925/1930 – foi dominado pelo positivismo e pelo evolucionismo (veja que o lema da nossa bandeira “ordem e progresso” é positivista). O positivismo mais ao sul, do Rio “para baixo” pelo que destacamos, entre vários outros, os professores da Faculdade do Largo de São Francisco (em SP) Pedro Lessa e João Arruda que durante a primeira metade do século defenderam um Estudo científico do Direito inspirado no positivismo comtiano. Na Escola de Recife criou-se espaço para o evolucionismo, 19 CPF sendo que muitos dos professores dessa escola fizeram uma transição de um para o outro. 4) Francisco Campos, autor da Constituição ditatorial de Vargas e do Ato Institucional n. 1 da Ditadura Militar foi um defensor de um “estadoforte” com traços filosóficos relacionados ao positivismo e com orientação cientificista. Ele, junto com uma série de outros autores de sua época, integrou o que se chamou de pensamento nacionalista autoritário que consistia em linhas gerais num pensamento que considerava “o povo” incapaz de conduzir seus próprios caminhos precisando de um estado “forte” que indicasse por deveriam seguir a nação. 5) Culturalismo jusfilosófico Dentre todos os movimentos/pensamentos talvez seja o que tenha sido o mais robusto e importante para o pensamento filosófico nacional. Essa corrente entende que o Direito pertence ao reino da cultura - compreendida como objetivação de valores ou sentidos – exigindo, portanto, conhecimento distinto das ciências naturais. O Direito está no mundo construído pelo homem, 20 CPF está na História, com um sentido atribuído. Isto é, nas ciências naturais preocupa-se em explicar as causas de um determinado fenômeno, ao passo que o Direito deveria ser compreendido a partir de seus sentidos (ou valores). Como desdobramentos dessa teoria podemos mencionar o “vitalismo do direito”, a “teoria egológica do direito” e a “teoria tridimensional do direito” (TTD) encabeçado por Miguel Reale, a partir de quem surge o Instituto Brasileiro de Filosofia e a Revista Brasileira de Filosofia. Miguel Reale é sem dúvida o jurista mais destacada do pensamento jusfilosófico nacional, sua TTD ao unir de forma umbilical fato (a partir de um sociologismo), valor (idealismo) e norma (formalismo) representou um avanço na superação do direito dogmático-tradicional do Brasil, especialmente em seus aspectos liberais idealistas e empíricos-formais (isto é, ou se atribuía ao direito um caráter liberal desconectado da realidade sem considerar, por exemplo, as estruturas de poder ou se atribuía um viés empírico que se limitava a dizer que o direito é a forma é aquilo que o Estado diz que é). Do ponto de vista de Wolkmer embora num primeiro tenha 21 CPF sido renovador o pensamento da TTD foi sendo incorporado pelos juristas transformando-se em uma mitigação fática do idealismo e do formalismo [mais ou menos como o que aconteceu com o ecletismo, uma espécie de conciliação, num mau sentido, das diferentes perspectivas]. Em outras palavras, continuou sendo um saber normativo, inescapável do Estado e seu direito positivo, muito embora Reale tenha afirmado que em sua dialética da implicação-polaridade o Direito não deve separar as três dimensões de forma estanque (como Kelsen) pois elas estão implicadas. 6) Com a predominância da TTD e sua apropriação ao senso comum teórico dos juristas, várias teorias antidogmáticas surgiram, como o sociologismo estrutural-funcionalista de José Eduardo Faria, o formalismo retórico da teoria da decisão jurídica de Tércio Sampaio Ferraz Jr e a semiologia- discursiva de Warat, após um tempo várias dessas correntes de pensamento aglutinaram no que foi chamado de pensamento crítico ou “teoria crítica do Direito” com inspiração na Escola de Frankfurt e no Brasil na obra de Michael Miaille. 22 CPF 7) Tendo ganhado corpo a ideia a respeito do papel conservador (e reacionário) que o Direito, sob a forma da dogmática, exercia, desempenhando um papel de legitimação de uma estrutura política desigual, desenhou-se um projeto de ideia jusfilosófica de cunho interdisciplinar tendo como principal mote contrapor-se a racionalidade do dogmatismo positivista em vigor, denunciando a função político-ideológica dessa maneira de pensar o Direito. O pensamento crítico é entendido por Wolkmer como “à formulação "teórico-prática" que se revela sob a forma do exercício reflexivo (operacionalizar uma nova mentalidade) capaz de questionar o que está ordenado e oficialmente consagrado (no conhecimento, no discurso e no comportamento) em uma dada formação social e a possibilidade de conceber outras formas diferenciadas, emancipadoras e pluralistas de prática jurídica”, visando também dessacralizar as crenças teóricas dos juristas. Em suma, esse pensamento procura propor a substituição da racionalidade supracitada por uma que seja emancipadora [e, portanto, de acordo com os postulados da modernidade] e 23 CPF por uma ética da alteridade, “expressando novas práticas sociais participativas. Um complemento sobre esse último ponto é que muito dos movimentos que conhecemos nas faculdades de Direito no final da década de 80 e durante a década de 90 inspiraram- se nessa corrente de pensamento, a exemplo do “Direito Alternativo” (que representamos pela figura de Amilton Bueno de Carvalho) e do “Direito Achado na Rua” (do professor Roberto Lyra Filho), sendo o primeiro destacada por reconhecer a possibilidade de o juiz encontrar o direito fora das margens normativas do Estado em nome de princípios de justiça ao passo que no segundo afirma que a normatividade não é encontrada somente no Estado, mas nas ruas, nas prática sociais e populares que reconhecem e produzem novos direitos, e por fim no tão falado pluralismo jurídico o qual vamos aborda em seguida. Sobre o pluralismo jurídico. A noção de “Pluralismo jurídico” está associada a uma oposição ao “Monismo Jurídico” - o monopólio da produção jurídico-normativa pelo Estado. Podemos deduzir, então, que a questão central dentro de um recorte jurídico está relacionada as “Fontes do Direito”. Há uma dimensão do pluralismo que está relacionada a outros povos que vivem dentro do território de um determinado 24 CPF Estado e que por possuírem diferentes culturas, possuem diferentes normatividades. Poderíamos pensar, no caso do Brasil, em referência aos povos indígenas, por exemplo. Nesse sentido, o Pluralismo tocaria mais a questão da “autodeterminação dos povos” e do respeito a alteridade [lembrem-se que o “pensamento crítico” defende uma ética da alteridade, ou seja, um proceder ético que respeite a existência do outro como ela é, na sua diferença], ou seja, de que cada povo tem direito de viver segundo suas próprias regras/normas sejam elas “Direito” no sentido em que atribuímos ou não. Noutro sentido, podemos pensar numa dimensão mais relacionada a legitimidade das normas produzidas pelo Estado para regular a convivência social, aqui entra uma dicotomia trabalhada nesse ponto referente a “autonomia” e “heteronomia”, ou seja, se as normas/regras (e no caso de um Estado [democrático ou não] de Direito as leis) decorrem dos próprios destinatários das normas ou decorrem de outrem. Podemos discutir aqui a questão da titularidade do poder pelo povo e a legitimidade da produção normativa, ou seja, os cidadãos reconhecem que as normas legais como oriundas de suas escolhas/vivências sociais. Assim, autonomia é a própria norma (aquela decorre de si próprio – podemos pensá- la numa dimensão individual ou coletiva) ao passo que 25 CPF heteronomia é a norma que vem do outro (hetero + nomus), no fundo trata-se de uma questão de legitimidade. No Brasil temos um histórico de prevalência do Estado sobre a sociedade, ou em outras palavras podemos dizer: foi o Estado que criou a sociedade e não a sociedade que criou o Estado. As leis, portanto, decorrem dos aparatos legislativos pouco importando se elas de fato refletem o desejo e a concepção da sociedade sobre aquele âmbito da vida social. Podemos ter como exemplo as atuais reformas da previdência e trabalhista, por mais que as pessoas discordem dos seus termos o que parece é que a sociedade (toda a sociedade, incluindo aqui os setores menos abastados economicamente) não se sente efetivamente capaz de influir nos rumos do processo que irá determinar conteúdo das leis que são em termos simples as regras de convivência em sociedade dentrodo paradigma do estado moderno, mesmo, em tese, sendo representantes dela que irão votar e negociar seus conteúdos (uma situação de heteronomia, portanto). Assim, o “Pluralismo Jurídico”, associado aos outros movimentos do chamado “pensamento crítico” - como os já mencionados “Direito Alternativo” e o “Direito Achado na Rua” -, trata da dimensão normativa que as relações sociais por si produzem. O jurista-sociólogo português, Boaventura de Souza Santos (muito importante para nosso concurso, pois ele é muito utilizado nas faculdades de direito, especialmente pelos 26 CPF juristas-sociólogos), escreveu sua tese de doutorado sobre essas relações na favela do Jacarezinho (Rio de Janeiro) destacando outras dimensões de normatividade fora do campo estatal (VER Notas sobre a História Jurídico-Social de Pasárgada” – disponível na internet), nesse estudo empírico ele destaca que a vigência de mais de uma ordem jurídica num mesmo espaço geopolítico pode decorrer de diversas questões sociais, como questões de exclusão racial, econômica, etc. Cumpre ainda destacar que dentro dessa dimensão de uma “ordem paralela”, essas dimensões de normatividade podem acontecer de forma contra legem (isto é, contrariando diretamente o sistema jurídico estatal vigente) – e estas podem ser mais ou menos legítimas porque podem decorrer de acordos sociais legítimos ou de imposições diferentes da imposição estatal (tais como as normas impostas pelo tráfico ou pelas milícias). Podem elas também ser praeter legem (além da lei), ou seja, simplesmente estar regulando dimensões da vida que o direito silencia ou torna-se inerte (o que já rende outra boa reflexão sobre aquela história do Estado cria a sociedade ou a sociedade que cria o Estado). Há ainda a hipótese do pluralismo jurídico institucionalizado na forma do Estado Moderno, como é o caso das Constituições da Bolívia e do Equador que preveem em seus textos o reconhecimento dos povos indígenas e criam diversos 27 CPF mecanismos de representatividade e inclusão desses povos, seus saberes e normatividades na construção da institucionalidade estatal. Por fim, para não deixar de mencionar, embora menos trabalhado pelos autores de Sociologia, alguns manuais de Sociologia Jurídica mencionam como exemplo de “pluralismo jurídico” o direito desportivo que de alguma forma não funciona integralmente dentro do marco normativo do Estado, uma vez que possui uma justiça a parte que “não pode” ser questionada no Judiciário tradicional. 2.1 Teoria Tridimensional do Direito Há várias teorias sobre a suposta tridimensionalidade do Direito. Inclusive, é a ela atribuída a necessidade de dar a cada disciplina o seu objeto de estudo próprio (ou seja, observa-se a cada uma das três dimensões de maneira estanque). O Direito, pois, sendo composto de valor, fato e norma deveria ter esses elementos estudados, respectivamente, pela Filosofia do Direito (valor, justiça, sentido axiológico da norma), pela Sociologia Jurídica (fato, eficácia social, legitimidade) e pela Teoria do Geral do Direito (norma, validade, tecnicidade). Em suma, a o Direito seria composto dessas três dimensões, essa é a abordagem, por exemplo, de Norberto Bobbio, entre outros importantes autores desta seara. 28 CPF Miguel Reale cunhou sua própria teoria tridimensional do Direito que, prima facie, distingue-se das teorias anteriores sobre o direito ser fato, valor e norma porque considera-os inseparáveis. Assim, se a concepção exposta por Bobbio identifica essas três dimensões e atribui o estudo de cada uma delas a uma disciplina – demonstrando uma teoria abstrata e genérica sobre as três dimensões do direito -, para Reale é impossível segmentar as três dimensões cabendo ao estudioso de qualquer das três áreas mencionadas (filósofos, sociólogos ou juristas) estudar o direito fato-valor-norma. Esta concepção realiana implica em entender que o direito existe em cada uma das três dimensões num momento jamais estático e acabado (um de cada vez), ao contrário presume uma correlação que é permanente e progressiva, pois “só tem plenitude de significado na unidade concreta da relação que constituem, enquanto se correlacionam e dessa unidade participam” (REALE, Teoria Tridimensional do Direito, 4ª ed. Saraiva, 1989). O Direito para ele é experiência! Neste sentido, é da tensão entre fato e valor que surge a norma, existindo aqui uma relação de polaridade (entre fato e valor) e uma relação implicação (norma) de modo que os fatos e valores na medida em que se modificam lidam com a norma outrora criada, originando possivelmente novas normas. Dentro do campo da Filosofia, cumpre salientar, que a teoria de Reale, embora dialética (que ocorre nessas idas e vindas 29 CPF de fato e valor) não admite a norma como síntese (“resultado”), na verdade o que ele propôs é o que se chama de “historicismo-axiológico”, isto porque leva em conta, a um só tempo, a questão dos valores e a historicidade dos fenômenos. Neste ponto cumpre ressaltar que os valores para Reale pertencem a esfera do dever-ser, no entanto possuem uma dimensão histórica já que de que ele reconhece que os valores são marcados pela história e marcam a história. No que tange a validade do direito: “portanto, passa pela necessária apuração da vigência, enquanto obrigatoriedade formal dos preceitos jurídicos; da eficácia, como efetiva correspondência social ao seu conteúdo; e do fundamento como o conteúdo axiológico que legitima a vigência” Por fim, os três elementos englobam ao mandamento normativo da norma, a recepção social dessa ordem e reconhecimento do valor tutelado. É assim, em linhas gerais, que a Teoria Tridimensional do Direito explica o fenômeno jurídico. Tratando-se de um tópico incluído para esse certame destaco atenção a questão relacionada a recepção social da norma e valor juridicamente tutelado, uma vez que em um contexto de tantas reformas constitucionais e “instabilidade” da ordem 30 CPF constitucional e democrática a questão pode vir nesse sentido. A título de ilustração, a “reforma trabalhista” como podemos refletir sobre ela a partir deste paradigma, quais são os valores tutelados (ou que deixaram de ser tutelados) por essa mudança normativa e qual a realidade fática que ela retrata, é recepcionada no meio social? 3. A Estrutura do Direito A questão que está colocada neste ponto é que tipo de norma é jurídica? É o conteúdo, é a sua forma, sua estrutura linguística é o fato de pertencer a um conjunto de outras normas com iguais características, o que afinal nos permite identificar uma norma como direito? É a partir de perguntas como estas, por vezes bem simples e por outras mais complexas que as teorias sobre o direito são produzidas. Introdutoriamente podemos lembrar Norberto Bobbio3 quem afirma que a teoria do ordenamento jurídico “constitui uma integração da teoria da norma jurídica”, isto é, que a ideia do Direito como um sistema de normas estruturado complementa/aperfeiçoa a teoria da norma jurídica, preocupada com as características da norma em si. 3Autor de Teoria da Norma Jurídica e Teoria do Ordenamento Jurídico (reunidas em Teoria do Direito), obras fundamentais para o estudo da Teoria do Direito, bem como da Filosofia do Direito que podem integrar nosso plano de estudos, ainda que de forma complementar. 31 CPF 3.1 Teoria da Norma Jurídica Primeiramente, a discussão sobre o que é a norma jurídica e sobre o Direito visto como um conjunto de normas jurídicas não é dogmática, e sim zetética, ou seja, é uma discussão feita de forma aberta considerando a maneira como o autor/filósofo percebe essas normas e o Direito e o que pensa sobreelas, e não uma verdade ou conceito pré-estabelecido sobre elas. Rudolf von Ihering, importantíssimo jurista alemão, nos diria que: "A definição usual de direito reza: direito é o conjunto de normas coativas válidas num Estado, e essa definição a meu ver atingiu perfeitamente o essencial. Os dois fatores que ela inclui são o da norma e o da realização por meio de coação. O conteúdo da norma é um pensamento, uma proposição (proposição jurídica), mas uma proposição de natureza prática, isto é, uma orientação para a ação humana; a norma é, portanto, uma regra conforme a qual nos devemos guiar." (em “a finalidade do direito”). Na Teoria do Direito4, com Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2003) apresentamos três concepções possíveis para normas jurídicas, 4Que não é sinônimo de Filosofia do Direito, ao contrário é algo que se coloca entre o direito dogmático em sua abordagem mais dogmática, isto é, não preocupado com os temas de direito dogmáticos em si, mas com uma discussão técnica acerca da norma e do Direito. Na prova, temas de Teoria do Direito podem aparecer cobrados como Filosofia do Direito, por isto nos assuntos em que é mais difícil distingui-las vamos dar algumas pitadas de teoria do Direito. 32 CPF a saber: 1) norma como proposição; 2) Norma como prescrição; 3) Norma como comunicação. A (I) norma como proposição é considerada um juízo lógico hipotético ou imperativo condicional com proposição hipotética. A qual pode ser representada pela FÓRMULA: Se A, então deve ser S Ou seja, nesse caso A é uma conduta hipotética e S é uma sanção prevista, o dever-ser, por sua vez, é o elo de ligação entre os dois termos da equação. Já (II) norma como prescrição é compreendida como um impositivo, uma imposição de vontade, sendo essencial que a vontade seja legítima (por legítima deve-se entender a existência de autoridade, a qual significa força para impor o comando). Assim, nesta concepção, normas são imperativos ou comandos de uma vontade institucionalizada (mormente do Estado). Por fim, a (III) norma como comunicação é vista como uma mensagem, mas não só, é também um modo de comunicar que permite a determinação das relações entre os comunicadores: subordinação, coordenação, etc. (relações hierárquicas, respeito a autonomias independências funcionais, por exemplo). Neste sentido, é ainda percebida como um complexo comunicativo, tornando-se o centro de uma série de problemas: a determinação da vontade 33 CPF normativa (teoria das fontes do direito), a determinação dos sujeitos normativos (teoria dos direitos subjetivos, capacidade, competência, responsabilidade), a determinação das mensagens normativas (teoria das obrigações, das permissões, das faculdades, das proibições normativas), entre outras. Há, contudo, algo em comum entre elas, como propõe Tércio Sampaio Ferraz Junior, que é o fato de: “o conceito de norma jurídica é um centro teórico organizador de uma dogmática analítica. Mesmo sem desconhecer que o jurista, ao conceber normativamente as relações sociais, a fim de criar condições para decidibilidade de seus conflitos, também é um cientista social, há de se reconhecer que a norma é seu critério fundamental de análise, manifestando-se para ele o fenômeno jurídico como um dever ser da conduta, um conjunto de proibições, obrigações, permissões, por meio do qual os homens criam entre si relações de subordinação, coordenação, organizam seu comportamento coletivamente, interpretam suas próprias prescrições, delimitam o exercício do poder etc.”. Em suma, a norma jurídica é aquilo que orienta e permite a atividade do jurista enquanto alguém que procura 34 CPF estabelecer critérios e condições de decidibilidade para um conflito que foi institucionalizado – num processo penal, por exemplo, tanto acusação, quanto defesa mobilizarão normas jurídicas no intuito de tornar o conflito apto a ser decidido (seja pela absolvição, seja pela condenação). A norma jurídica, a partir destes pontos de vistas, existe então para: a) prescrever comportamento/conduta humana; b) estabelecer a ordem social; e c) possibilitar a decidibilidade do conflito jurídico. Outro tema importante no que diz respeito a teoria da norma jurídica é a questão da sanção. Na sua obra teoria da norma jurídica, Norberto Bobbio distingue as sanções jurídicas das sanções morais e sociais – o que possibilita a distinção entre as normas jurídicas e as normais morais e sociais. A sanção jurídica, portanto, distingue-se da sanção moral porque é sempre uma resposta de grupo, ao passo que se diferencia da sanção social, porque é regulada em geral com as mesmas formas e através das mesmas fontes de produção das regras primárias. Em outras palavras, a sanção jurídica é externa e institucionalizada, sendo sempre uma sanção de grupo (diferente da moral) e é produzida pelas mesmas fontes e segundo os mesmos critérios que as normas primárias (normas de comando) – diferente da social. 35 CPF Seguindo com Bobbio, outra classificação importante que o autor faz das normas jurídicas que vez por outra aparecem nos concursos e que precisamos saber é aquele que separa as (a) normas hipotéticas: que determinam que uma ação deve ser realizada uma vez que outra condição se cumpra e as (b) normas categóricas: que estabelece que uma determinada ação deve ser cumprida, mas não impõe condições e nem sanções (por exemplo, um serventuário do tribunal de justiça deve observar as normas de organização judiciária, estabelecimento de custas, mas se não as cumprir não necessariamente será sancionado). Então, explica-nos Bobbio que: A rigor, todas as normas reforçadas por sanções podem ser formuladas com proposições hipotéticas no sentido em que se pode considerar a admissão ou a recusa das consequências imputadas pela norma sancionadora como uma condição para a realização da obrigação imposta pela norma primária, segundo a fórmula "Se você não quiser sujeitar-se à pena Y, deve cumprir a ação X (Teoria da Norma Jurídica, p. 188, ed.) 36 CPF De um ponto de vista menos próximo da Teoria do Direito e mais próxima Filosofia do Direito5 propriamente dita podemos dizer que a teoria da norma jurídica possui três critérios essenciais de valoração da norma são eles: A) justiça; B) validade; e C) eficácia. O problema da (A) justiça dá lugar a todas aquelas investigações que visam elucidar os valores supremos a que tende o direito, em outras palavras, os fins sociais, cujo instrumento mais adequado de realização são os ordenamentos jurídicos, com seus conjuntos de leis, de instituições e de órgãos. Nasce daí a filosofia como teoria da justiça (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Edipro, 2014, p.53). Chama-se de questão “deontológica” (dever ser) aquela que persegue o ideal de justiça. Desse debate decorre a Filosofia do Direito como teoria da justiça! O critério da (B) validade quer saber se uma regra está juridicamente apta a produzir seus efeitos, pensar a questão da validade é pensar um juízo de fato. Ou seja, se a regra realmente existe como regra juridicamente mobilizável para a resolução de um caso concreto. “Questão ontológica”, portanto, é o debate em torno da validade da norma: o que é valido como direito ou não. 5Importante ficar atento a esses limites para discutir, por exemplo, problemas acerca de anulação de questões. 37 CPF O problema da validade constitui o núcleo de investigação que pretende determinar em que consiste o direito enquanto regra obrigatória e coativa, quais são as características peculiares do ordenamento jurídico que o distinguem dos outros ordenamentosnormativos (como a moral), e, portanto, não os fins que devem ser realizados (como na questão da justiça), mas os meios cogitados para realizar esses fins, ou o direito como instrumento de realização da justiça. Desse debate nasce a filosofia do direito como teoria geral do direito! (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Edipro, 2014, p.53). No que toca a (C) eficácia a questão, ainda com Bobbio, é se as pessoas (os destinatários) a quem a norma é dirigida a seguem e se ela é imposta pelos meios coercitivos autorizados. Para o autor há normas que: i) são universalmente seguidas (essas são as mais eficazes); ii) seguidas na maioria das vezes quando providas de coação; iii) violadas ainda que dotadas de coação; iv) violadas e que nem sequer cogita-se a coação (menos eficazes). Desse debate nasce o problema fenomenológico do direito! Vale destacar que o próprio filósofo ressalta que essa investigação tem caráter muito mais histórico-sociológico do que filosófico. Assim, quando uma corrente filosófica se funda na questão da validade, diz-se que se trata de uma vertente do “positivismo jurídico” ao passo que quando se centra na questão da justiça 38 CPF são chamados os jusnaturalistas (sejam a natureza de origem divina ou da razão humana). Por fim, sobre a teoria da norma jurídica podemos salientar que existe um pressuposto hipotético, que teóricos como Hans Kelsen não se demoraram muito a investigar sua origem histórica, o qual guarda relação com a pergunta “em que se baseia a norma fundamental? ”. Sobre isso Norberto Bobbio diz: Esta norma-base não é positivamente verificável, visto que não é posta por um outro poder superior qualquer, mas sim suposta pelo jurista para poder compreender o ordenamento: trata-se de uma hipótese ou um postulado ou um pressuposto do qual se parte no estudo do direito. (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Edipro, 2014, p. 201). 3.1.1 Divisão estrutural entre regras e princípios Inicialmente, sobre este subtópico temos que delimitar brevemente o que podemos compreender como princípios e regras. Os princípios, em termos bem gerais, são as ideias centrais de um sistema (de pensamento, normativo) as quais permitem a melhor compreensão das partes e do todo desse sistema, bem como sua estrutura de organização. Disso decorre que a Teoria 39 CPF do Direito/Filosofia do Direito emprestou diferentes importâncias aos princípios em suas teorias. Para a prova precisamos fixar três formas de abordagem da questão dos princípios, tendo a apenas a última atribuído um caráter estritamente normativo a eles, são elas: a jusnaturalista, a juspositivista e a pós-positivista. A concepção jusnaturalista (de caráter fortemente metafísico e abstrato) atribui aos princípios uma dimensão ético- valorativa, eles são alicerces do Direito, mas não o integra como uma norma jurídica. Por outro lado, do ponto de vista juspositivista os princípios são justamente fontes secundárias que servem para impedir o vazio normativo (colmatação/preenchimento de lacunas, por exemplo), decorrendo da própria lei (já que essa concepção está preocupada com o “primado da lei”. Os princípios aqui já estão inseridos como parte do ordenamento jurídico, mas continuam não sendo reconhecidos como normas jurídicas. É na concepção pós-positivista dos princípios que eles ganham esse caráter de norma jurídica, reconhecendo-se que eles desempenham um papel duplo, qual seja, de norma jurídica propriamente dita (tanto aplicável na resolução de um conflito quanto exigível de um indivíduo submetido aquele ordenamento), bem como parâmetro de intepretação de outras normas jurídicas. 40 CPF A noção das regras jurídicas, sem entrar nos autores propriamente ditos, é mais objetiva, pois são consideradas normas que estabelecem uma exigência (imperativos – fazer ou não fazer) que é ou não cumprida (regra do tudo ou nada). Podemos, por conseguinte, explicitar os critérios de abstração e generalidade para diferenciar as regras dos princípios. Contudo, antes de tudo, é preciso destacar que para a teoria da norma jurídica esses termos são muito caros, vejamos novamente com Bobbio: Ao invés de usar indiscriminadamente os termos geral e abstrato, julgamos oportuno chamar de “gerais” as normas que são universais em relação aos destinatários, a “abstratas” aquelas que são universais em relação a ação. Assim, aconselhamos falar em normas gerais quando nos encontramos frente a normas que se dirigem a uma classe de pessoas; e em normas abstratas quando nos encontramos frente a normas que regulam uma ação-tipo (ou uma classe de ações). O que se conclui que é para uma teoria mais clássica todas as normas possuem um certo grau de abstração e generalidade, sendo que no momento em que reconhecemos princípios e regras como normas, podemos usar o grau de generalidade e 41 CPF abstração como critério de distinção. Sendo, logicamente, as regras aquelas normas que possuem um menor grau de generalidade e abstração. A seu turno, os princípios para Bobbio são “normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais”. Cumpre salientar que a atual compreensão sobre a divisão estrutural entre princípios e normas defende a ideia de que a norma jurídica efetiva surge no momento de sua interpretação; é por isso que não se poderia mais definir abstratamente – sem um fato concreto – o que seriam os princípios e as regras a priori [essa teoria não é majoritária, mas pegadinhas com relação a essa concepção podem aparecer – é preciso estar muito atento a maneira como a questão vai estar organizada]. Assim, não há como precisamente dizer o ponto-limite que separa as duas, podendo de um mesmo texto extrair-se uma norma jurídica considerada regra e outra norma jurídica considerada princípio. Para alguns pós-positivistas contemporâneos, é desta maneira que os princípios e as regras se estruturam na prática: apenas quando há o seu confronto com os casos concretos é que se conseguirá distinguir uma da outra. Noutro giro, o constitucionalista Canotilho ressalta a importância de um sistema de princípios e regras salientando que um sistema só de regras geraria um ordenamento rígido e fechado, ao passo que um ordenamento jurídico 42 CPF exclusivamente principiológico produziria insegurança, haja vista o elevado grau de abstração dos princípios. 3.1.2 Conflito de normas e colisão de princípios O conflito entre “regras” atenderá ao mecanismo já mencionado do “tudo ou nada”, havendo a possibilidade de ser declarada sua ilegalidade, isto é, ou a regra se aplica ao caso concreto ou ela não se aplica ao caso concreto. Os princípios, por sua vez, permanecem inteiramente válidos, ainda que ocorra a colisão entre eles. Eles são sempre aplicáveis concomitantemente, sendo que um prevalece sobre o outro no caso concreto, permanecendo todos válidos. Vamos ilustrar com uma situação corriqueira: imaginemos um processo que veicula uma indenização por danos morais proposto por um ex-cônjuge que foi traído e por conta da intimidade do casal e até mesmo, eventualmente de terceiros, o juiz decreta segredo de justiça. Uma situação perfeitamente possível, certo? Pois então, nesse caso temos no processo de ponderação a prevalência do princípio da intimidade sobre o da publicidade, contudo isso não furtará o Judiciário de dar publicidade em outros sentidos (a movimentação do processo, v.g., continua constando no site do tribunal sem, contudo, nenhuma informação específica das partes). Podemos, então, sistematizar os pontos 3.1.1 e 3.1.2 da seguinte maneira: 43 CPF Regras Princípios Grau de abstração Menor Maior Conflito p/ Dworkin Invalidação Sopesamento Efeitos Jácontidos (sanção prevista) Indeterminados Definição Alexy Mandamentos de definição Mandados de otimização Conflito Regras Subsunção/Declaração de exceção Ponderação Vale, por fim, ressaltar e lembrar que a posição da CESPE é de que não hierarquia entre os princípios, uma vez que gabaritou a seguinte alternativa como ERRADA: 185. Sendo fundamento da República Federativa do Brasil, conforme previsto na CF, o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana é considerado o mais importante de todos os 44 CPF princípios constantes no ordenamento jurídico brasileiro [PROVA DPU 2014]. 3.2 Teoria do Ordenamento Jurídico Em livro nomeado Teoria do ordenamento jurídico, ele afirmou que não lhe foi possível definir o Direito do ponto de vista da norma jurídica considerada de maneira isolada. Segundo ele, importa alargar o “horizonte para a consideração do modelo pelo qual uma determinada norma se torna eficaz a partir de uma complexa organização que determina a natureza e a entidade das sanções, as pessoas que devam exercê-las e a sua execução” Para Bobbio, essa organização complexa é o produto de um ordenamento jurídico e, a partir deste, o Direito pode ser definido. Isso porque, conforme o autor, o problema da definição do Direito é localizado na teoria do ordenamento jurídico, não na teoria da norma. O pensador apresentou essa conclusão baseado na ideia de organização do sistema normativo, extraída da noção de sanção jurídica. 45 CPF Neste sentido, dentre as acepções destacadas na teoria da norma jurídica a teoria do ordenamento jurídico está mais próxima da questão da validade, pois a partir dessa noção de ordenamento (para muitos: sistema de normas) o critério de validade estará ligado à sua relação com as outras normas e seu papel dentro do sistema. Kelsen, como já falamos e voltaremos a falar, dizia que uma norma retira sua validade de uma outra norma superior até a norma fundamental como pressuposto hipotético. Para ele o ordenamento de normas jurídicas possui um caráter lógico- formal faz, inclusive, com que as proposições jurídicas estejam concatenadas entre si, garantindo uma coerência entre elas. Assim, o ordenamento jurídico pode ser compreendido como um complexo de normas estruturado (possui, portanto, hierarquias, competência, regras de validação, critérios de integração e exclusão) que configura um sistema unitário e homogêneo. Para Miguel Reale, como já explicitado no tópico acerca da Teoria Tridimensional do Direito, o ordenamento jurídico é composto de normas, fatos e valores. Neste ponto há um atravessamento com um tópico da disciplina de Ciência Política, pois, poder soberano e ordenamento jurídico são dois conceitos que se referem um ao outro, especialmente no Estado Moderno, que tem por uma 46 CPF de sus principais distinções justamente esse Direito enquanto conjunto de regras estruturado. Por isso mesmo, Norberto Bobbio diz que “Direito” não se confunde com a norma, mas com o ordenamento jurídico que lhe dá substância. Na teoria do ordenamento jurídico, é um conjunto de normas formando uma unidade que dá sentido ao Direito. É evidente que o que levou aos poucos os estados modernos a possuírem ordenamentos jurídicos foram movimentos históricos e políticos, contudo para a Filosofia do Direito explicar (ou pensar sobre) o fundamento racional especulativo que teria originado o ordenamento jurídico (e assim reconstruir sua trajetória - enquanto ideia e não enquanto fato histórico). Um importante conceito (para a ciência política e para a filosofia do direito) é o de “estado de natureza” que é aquela situação hipotética que teria existido antes do advento do Estado. Um ordenamento jurídico teria em algum momento substituído ou eliminado o estado de natureza. Assim sendo, lembremos que a hipótese teórica do estado de natureza defendida por John Locke preconizava que antes do contrato social as pessoas já possuíam direitos (vida, liberdade e propriedade) que são confirmados e protegidos pelo contrato social que funda o Estado. Neste sentido, um ordenamento inspirado em concepções jusnaturalistas tentaria preservar as convenções pré-estatais para com elas construir um conjunto de leis, um ordenamento jurídico, capaz 47 CPF de formalizar tais práticas, servindo assim de base para a construção do Estado pós-estado de natureza. Lembremos que o pensamento jusnaturalista preconiza que o retorno à justiça dada pelas condições naturais é o caminho para se chegar a uma justiça essencial. É possível afirmar, pois, que quando um ordenamento se baseia ou é profundamente influenciado pelo direito consuetudinário, tem-se um caso de ordenamento externamente limitado (pelas práticas sociais). Por quê? Se as normas que vigerão em uma sociedade são a formalização de preceitos já há tempos praticados pelas pessoas, então não se pode fazer da liberdade irrestrita do poder soberano. De outra ponta, o positivismo jurídico é a tentativa de isolar o fato jurídico essencial, que não se confunde com elementos históricos ou de quaisquer outras teorias sociais, e assim possibilitar a construção de um estudo autônomo do direito. Fundado em uma estrutura racional, ou seja, a partir da engenhosidade humana, o positivismo entende que quem funda o Direito tal como conhecemos modernamente é o Estado soberano. Comparativamente tomemos outro pensador que mobilizou a ideia de “estado de natureza”, Thomas Hobbes, dessa vez como algo negativo, já que o se caracteriza pela guerra de todos contra todos. ***Hobbes dizia que no estado de natureza 48 CPF não havia direito, pois este surge com o Estado por meio do contrato social***. Isto é, cabe ao soberano/estado garantir o direito (afastando-se das tradições e preceitos antigos, resquícios do estado de natureza), uma vez que o estado surge justamente para garantir a vida (o único direito natural que Hobbes admitia, ainda que indiretamente) e modificar as relações como elas se davam (guerra de todos contra todos). Assim, o direito positivo, em sua instauração pura, não se importa com as tradições, sendo algo que estritamente artificial; uma criação do poder soberano. 3.3 O Positivismo Jurídico e seus críticos O primeiro passo aqui é diferenciar o positivismo jurídico do positivismo sociológico, este trabalharemos mais adequadamente na disciplina de NSJ, mas como diferenciação básica apontamos que a questão básica para Comte (pai do Positivismo) era o conhecimento e os valores humanos ao passo que a questão do positivismo jurídico está relacionada ao direito positivo (ao direito colocado pelo estado). De alguma forma podemos relacioná-las no sentido de que ambas firmam seus paradigmas na ideia de que só é “verdadeiro” (ou só é direito) aquilo que é descritível enquanto tal. Então, para Comte o único conhecimento válido é aquele produzido pela ciência, ao passo que para os positivistas 49 CPF jurídicos o único Direito válido é aquele que está posto/positivado. Contudo, os teóricos do positivismo jurídico O maior expoente do positivismo jurídico foi o alemão Hans Kelsen, nosso conhecido das Faculdades de Direito, que postulou a ideia de estudar o direito com um método científico, assim o positivismo jurídico para ele deve ser separado em duas vertentes: uma da teoria do direito relacionado a ciência política6 e de uma certa ideologia no sentido de pensar os critérios de validade do Direito a partir da positivação; e outra relacionada ao método de estudo do Direito, o qual o qualificaria como ciência. Assim, propôs conceber metodologicamente um “direito livre de valor”, destacando o papel do cientista do direito como o de descrever as normas jurídicas, livre de quaisqueroutros valores ou campos do conhecimento. Deixando outros temas para suas respectivas ciências (por exemplo, o tema da legitimidade democrática ficaria a cargo da (ciência) política – ainda não estava constituída enquanto disciplina -; ou tema da justiça ficaria a cargo da ética ou da filosofia). Outra importante concepção trazida por Kelsen foi de construção escalonada da ordem jurídica, ou seja, de pensa- lo como um sistema hierárquico, homogêneo e, uma vez que 6Kelsen escreveu várias obras que podem ser consideradas de ciência política, discutindo o tema do estado e do poder. 50 CPF organizado logicamente, também coerente e coeso internamente. O que será explorado melhor no próximo tópico. No que toca aos críticos do positivismo, o que é mais propagado e raso (ainda assim pode ser cobrado na prova como uma crítica ao positivismo) é a ideia de que o positivismo defende um direito amoral, ou despreocupado com as questões relacionadas à justiça. Embora essa seja uma interpretação possível da/s teoria/s positivista/s é mais adequado dizer que os positivistas descreviam o direito como um sistema de normas posto e não que o direito deveria ser desse modo. Um crítico específico que vale a menção é Chaim PERELMAN, jusfilosofo belga, que formulou descreveu o positivismo com as seguintes características: a) entende o Direito como expressão do poder do estado; b) ausência da referência à justiça; c) limitação total do poder do juiz. Os contracríticos positivistas argumentam que essa crítica talvez seja adequada as escolas predecessoras ao positivismo (escola da exegese e escola histórica), mas não ao positivismo. De fato, nas minhas palavras, a crítica talvez esteja adequada a uma descrição empírica do que foi feito com o positivismo (das coisas que se fizeram ou construíram em nome do positivismo) do que das teorias positivistas em si. 51 CPF 4. Modelos Teóricos do Direito Os pontos do edital em muito se atravessam, de modo que os conceitos que podem ser trabalhados nesse tópico já foram trabalhados anteriores, como estamos seguindo os tópicos do edital, procuremos não nos repetir muito e destacar fundamentalmente o que diferencia os subitens destacados, quais sejam: a) o normativismo de Hans Kelsen; b) os modelos de direito e o debate entre Hart e Ronald; c) o pós-positivismo em linhas gerais. 4.1 Normativismo de Hans Kelsen Como já colocado anteriormente podemos destacar duas dimensões do normativismo kelseniano7, a saber: a) a norma jurídica como objeto da ciência do Direito – pois, para ele esse é o objeto específico que nenhuma outra ciência estuda, argumento extremamente necessário para qualificar o Direito como ciência autônoma, a qual deveria descrever o caráter objetivo que a norma confere ao comportamento; e b) o método científico balizado na norma jurídica - uma ciência precisa não só ter um objeto próprio, mas um método adequado para seu exercício, de maneira que o método da ciência do Direito é a dogmática jurídica que é a maneira pela qual se estuda a norma jurídica. 7É interessante observar que o movimento teórico feito por Kelsen em termos abertos parece bastante com o que Émile Durkheim fez em relação a sociologia, considerando o fundador da disciplina, ou seja, definindo um método de estudo (no livro “as regras do método sociológico) e um objeto específico, qual seja, o “fato social”. Voltaremos a ele na disciplina de Sociologia. 52 CPF Para Kelsen, então, a Teoria Pura do Direito (nome de uma das suas obras, talvez a mais emblemática) é a forma de estudo do direito desvinculado de outros fatores da vida social, isto é, que começa na norma e termina na norma, isto porque para ele as normas jurídicas mediam o conhecimento do mundo para os juristas. Cada cientista olha o mundo com uma lente preocupado com o entendimento de fatores específicos, relacionados à sua disciplina, o jurista interpreta o mundo a partir da norma jurídica. Sua atividade, então, desempenha-se caminhando de norma em norma até chegar na norma fundamental (como já dito pressuposto lógico do sistema). Na atividade do juiz, por exemplo, ele começa subsumindo o fato à norma (descobrindo qual norma aplica-se ao caso) e proferindo uma outra norma aplicável ao caso concreto. Neste sentido, a intepretação autêntica (realizada por um órgão autorizado/autoridade) sempre cria uma norma jurídica ainda que unicamente válida aquele caso inter partis, vejamos essa questão cobrada na DPGE-PR/FCC: Enunciado: Segundo Hans Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito: a) o fundamento de validade de um ordenamento jurídico é tido como sua norma fundamental, a qual deve ser posta por uma autoridade a ela pressuposta. 53 CPF b) um sistema de normas cujo fundamento de validade e conteúdo de validade são deduzidos de uma norma pressuposta é um sistema dinâmico de normas. c) a interpretação autêntica feita por um órgão aplicador do Direito, sempre é criadora do Direito mesmo quando cria uma norma individual a um único caso. d) o propósito único e exclusivo da Teoria Pura do Direito é responder à questão: “o que é e como deve ser um Direito legítimo?” e) sendo possível relacionar o conteúdo da norma moral com o da norma jurídica, pode haver hipóteses de aplicação em que uma norma jurídica seja, necessariamente, moral. Há ainda alguns postulados sobre o normativismo kelseniano, como por exemplo a ideia de norma jurídica como uma proposição. Na primeira fase de seu pensamento ele trata como se uma correspondesse a outra, contudo na sua teoria mais consolidada diferenciou utilizando o critério de “prescrever” (autoridade que impõe a regra) e “mencionar” (descreve a norma). Logo, normas são válidas ou inválidas e proposições são verdadeiras ou falsas. Outro ponto importante é que a norma jurídica implica necessariamente em sanção. Uma crítica formulada a sua 54 CPF teoria neste ponto é de que ele teria tratado a obrigatoriedade da norma jurídica como sinônimo de sanção, quando a primeira seria uma característica genérica atribuível a qualquer norma jurídica, ao passo que a sanção seria característica de algumas normas jurídicas específicas e que ainda só se opera com a condição do descumprimento. Sobre a reflexão a respeito da norma fundamental podemos ressaltar que os teóricos do direito contemporâneos, como por exemplo Tércio Sampaio Ferraz Jr. (autor já cobrado em provas CESPE) quem assevera que ela é “intuitivamente simples de ser percebida”, entretanto “difícil de ser caracterizada”. Em outras palavras, se as normas do ordenamento compõem séries escalonadas, no escalão mais alto está a primeira norma da série, de onde todas as demais promanam (isto é fácil de deduzir/intuir), CONTUDO, a questão de seu estatuto teórico é complexa e indefinida: afinal de contas o que ela é? Uma norma? Um ato ou fato de poder? Uma norma historicamente positivada ou uma espécie de princípio lógico que organiza o sistema? Como já dito, para a Filosofia do Direito, prevalece a ideia de que se trata de um pressuposto lógico, mesmo porque Kelsen nunca fez referência a nada fora do direito ao falar da norma fundamental. Por fim, cumpre salientar que Kelsen (bem como a maioria dos positivistas) jamais disse que o Direito em si (substancialmente falando) é ou dever ser descolado de questões morais, de 55 CPF justiça, sociológicas ou antropológicas, sua preocupação era de delimitar os marcos da Ciência do Direito. Para finalizar, vamos conferir alguns dos postulados que aprendemos sobre a teoria kelseniana no que tange especificamente a norma jurídica, cobradas em outraquestão do mesmo concurso mencionado acima: Enunciado: um argumento correto quanto à doutrina da norma para Hans Kelsen é: a) Para Kelsen as normas jurídicas são juízos, isto é, enunciados sobre um objeto dado ao conhecimento. São apenas comandos do ser. b) Para Kelsen, na obra Teoria Pura do Direito, norma é o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita, permitida ou, especialmente, facultada, no sentido de adjudicada à competência de alguém. c) Kelsen não reconhece a distinção entre normas jurídicas e proposições normativas. d) Para Kelsen a norma que confere validade a todo o sistema jurídico ou conjunto de normas é a norma fundamental que se confunde com a Constituição, já que ambas são postas e impostas. 56 CPF e) Segundo Mata Machado, Kelsen, enquanto jusnaturalista, reduz o direito à norma, mas desenvolve a noção de direito objetivo enquanto coisa devida e a de justiça como Direito Natural. 4.2 O debate entre Herbert Hart e Ronald Dworkin Como ponto do edital é o debate vamos focar nos pontos de controvérsia entre os autores mencionados, são eles: a) o papel dos juízes; b) a relação entre o direito e a moral; e c) o próprio conceito de direito. Para Herbert Hart o Direito é como a linguagem – essa associação diz respeito a abordagem que ele faz do problema que poderíamos encarar como generalista (porque preocupa- se com fenômeno do direito “em todas as sociedades” – para ele, esta [a linguagem] é aberta, a qual depende inevitavelmente do intérprete o que se manifesta na forma da discricionariedade do juiz que para Hart ocorrerá. Nisto está o conceito de “textura aberta do direito”, cunhado por ele. Outro aspecto da abordagem hartiana é que ela é descritivista, ou seja, preocupa-se em descrever o fenômeno jurídico, assim para ele há uma clara distinção entre direito e moral – regras jurídicas injustas podem ser consideradas 57 CPF válidas. Ao contrário de Dworkin que considera, inclusive, que uma norma injusta não é jurídica ou não pode ser aplicável – o direito é um fenômeno moral. Diferentemente de Kelsen, Hart propõe que existem outras normas jurídicas que não são prescrições com sanções cominadas. As normas podem ser de 1º grau/primárias (prescritivas de comportamento) e de 2º grau/secundárias (normas de reconhecimento, de modificação e adjudicação), as quais servem, principalmente, para o julgador e o legislador. Neste sentido, para Hart numa situação difícil o juiz pode criar direito para o caso concreto, exercendo sua discricionariedade que deverá ser justificada publicamente. Como já dissemos é de Dworkin o trabalho mais reconhecido quanto aos princípios como norma jurídica, anteriormente os princípios limitavam-se a critérios de interpretação das regras. Para o autor como regras e princípios são normas jurídicas do mesmo patamar, não havendo hierarquia entre elas, há situações em que o caso pode ser decidido apenas com base em princípios. É o Direito como integridade, ou seja, introduz uma racionalidade na tomada de decisão judicial que, ao fim ao cabo, impõe ao juiz uma solução contrária àquela que seria adotada caso sua preferência prevalecesse. Deste modo, para Dworkin a integridade (vista como um princípio) 58 CPF “exige que o governo [estado] tenha uma só voz e aja de modo coerente e fundamentado em princípios com todos os seus cidadãos, para estender a cada um os padrões fundamentais de justiça e equidade que usa para alguns” O tema dos casos difíceis, nomenclatura de Dworkin, ajuda a ilustrar os debates mencionados no primeiro parágrafo. Então, ao contrário de Hart, que argumentou que a depender do intérprete/julgador pode ser encontrada uma solução diferente para integrar o sistema jurídico (exercício da discricionariedade) para Dworkin há uma “resposta certa” (ou única decisão correta) há ser encontrada e juiz Hércules irá encontrá-la, ainda que nos elementos morais compartilhados numa dada sociedade – com limites como a competência do legislador, por exemplo. Vamos conferir uma questão do concurso da DPE- PR/FCC/2017 a esse respeito: Segundo Herbert Lionel Adolphus Hart, no livro O Conceito de Direito: A) é possível questionar a validade de uma dada regra de reconhecimento, sem que, necessariamente, se questione a validade das regras primárias que dela extraem validade. 59 CPF B) a textura aberta do direito privilegia sua aplicação por via de precedentes judiciais, em detrimento da previsão de comandos precisos na legislação positivada. C) uma sociedade em que se faça presente unicamente normas primárias de obrigação apresenta uma estrutura social marcada pela certeza da aplicação destas normas. D) à vigência de uma ordem jurídica, na acepção coercitiva, exige-se uma crença moral de que a desobediência a esta ordem acarretará a execução da ameaça antevista. E) uma decisão errada, segundo padrão normativo vigente, é válida; contudo, a rejeição reiterada desse padrão pelos tribunais acarretaria alteração do sistema jurídico. Vejamos o que está em jogo, na assertiva considerada correta, o que Hart diz é que uma decisão contrária ao padrão normativo (sistema jurídico) pode ser considerada errada com base nele, mas que uma vez que seja por diversas vezes reiterada passa a fazer parte do sistema, modificando-o. Agora a questão que caiu no último concurso da DPU/CESPE para Defensor Federal gabaritada como CORRETA. 60 CPF 186 Herbert Hart considera que o direito é identificado a partir de um critério de validade de regras, enquanto Ronald Dworkin entende ser o direito um conceito interpretativo. 4.3 O Pós-Positivismo Vários aspectos sobre este ponto já foram tratados nos itens acima, mas como a nossa ideia é abordar os pontos do edital, vamos destacar o que tem de mais fundamental sobre esse tema. O pós-positivismo é um empreendimento que propõe uma leitura moral do Direito, sem, contudo, desprezar o direito posto. Então, tem bases no positivismo, mas busca ir além da norma escrita. Neste sentido, defende-se que a interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, não obstante não comportem voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. É marcado, como movimento, por uma reaproximação do Direito e da Filosofia Algumas outras ideias que podem ser associadas a esse paradigma/corrente de pensamento são as seguintes: 1) atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; 2) a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; 3) a formação de uma nova hermenêutica constitucional; 4) desenvolvimento de 61 CPF uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana; 5) E ainda, um pouco mais no terreno normativo, os movimentos relacionados ao chamado neoconstitucionalismo, preocupados sobretudo em dar efetividade as normas constitucionais e sua centralidade no ordenamento jurídico. 5. Relações entre Direito e Moral Dentro os vários aspectos destacáveis podemos salientar que a experiência da moral e a experiência do direito se aproximam, sendo << imperativos abstratos >>, formando junto com a ética propriamente dita a “ordem ética do mundo” (Jhering, em “a finalidade do Direito). Isto é, há uma similaridade entre normas jurídicas e preceitos morais, pois ambos têm caráter prescritivo, vinculam e estabelecem obrigações numa forma objetiva, isto é, independentemente do consentimento subjetivo individual. Em geral, mesmo havendo regras legais (escritas ou não) que proíbam certos comportamentos, estes não deixam de existir em razão da lei. O fato de existirem leis regulando o que deve ser feito e punindo a sua não-observância,
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