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DIDIER ANZIEU OS MÉTODOS PROJETIVOS Tradução Maria Lucia do Eirado Silva CONTRIBUIÇÕES EM PSICOLOGIA, E PSIQUIATRIA 1 Coordenação Jane Russo Departamento de Psicologia da Universidade Santa Instituto BIBLIOTECA Editora Campuscabe apenas decifrar para conhecer o homem inteiro". Tal é a teoria projetiva, em toda a sua generalidade. Há cerca de quinze anos, Rapaport propôs uma teoria mais es- pecífica, à qual recorre: à organização dinâmica da memória, à ação CAPÍTULO 3 TESTE das motivações e repressões sobre a recordação, sobre sua distorções, DE RORSCHACH seu esquecimento; à força do ego capaz de permitir ao sujeito a manutenção da atitude exigida pelas instruções do teste; aos meca- nismos de formação de conceitos e de sua antecipação (estando a or- ganização conceitual ligada à neutralidade afetiva). Dentro de uma tal perspectiva, considerar teste de Jung como uma prova de associação de palavras seria empobrecê-lo. Trata-se muito mais de uma prova de "completamento" (cf. as provas derivadas deste tipo, p. 167). Os fecentes progressos da sem dúvida levarão a 1. A repensar a teoria do teste. o caminho foi aberto por uma pesquisa de Noizet e Do ponto de vista em que se colocam, Herman Rorschach (1884-1922) nasceu em Zurique, no seio de a relação entre a palavra indutora e palavra induzida pode ser de velha família suíça no cantão da Turgóvia. Filho mais velho de um ordem sintagmática ou de ordem paradigmática. No primeiro caso, a pintor e professor de desenho, perde seu pai em 1903: Nessa época, palavra indutora, ao lado da induzida, visa à constituição de um encerrava com sucesso seus estudos na escola secundária de Schaffhou- enunciado narrativo, no qual os diversos termos se posicionam em se, onde o pai ensinava desde 1886. Muito bem dotado para o desenho, função da semântica (p. ex., cachorro induz late.) No hesita entre a carreira artística e a grande biólogo Haeckel segundo caso, a palavra induzida realiza um equivalente da palavra ajuda-o a decidir pela Realiza sua formação em diversas indutora: posiciona-se em termos de similaridade semântica (o que universidades, como de hábito naquele tempo: Berlim, abrange a tautologia, a dissemelhança, a sinonímia, a antonímia) Berna e principalmente Zurique (1904-1909). a colônia por exemplo, cachorro induz gato. Retomando a distinção fundamen- russa de Zurique, entusiasma-se pela língua e pela literatura russas; tal que se deve ao lingüista Jakobson, o embasamento da primeira passa suas férias na Rússia em 1906 e 1910, casando-se com uma escolha é a metonímia e o da segunda, a metáfora, colega nascida nesse país, Olga Stempelin. Planeja instalar-se lá e Pode-se-á empreender a validação estatística da freqüência das trabalha de dezembro de 1913 a junho de 1914 em território russo, categorias lingüísticas por classe de idade, nível sócio-cultural e gran- mas, por motivos ainda ignorados, volta definitivamente para a Suíça. des síndromes mentais, já que a aplicação das mesmas ficará mais Nesse meio-tempo, especializara-se em psiquiatria, tomado pelo en- segura para os psicólogos. tusiasmo reinante em Burghölzi, clínica psiquiátrica da universidade de Zurique dirigida por Eugène Bleuler, onde brilha Jung, inventor do teste de associação de palavras e onde se aplicam às psicoses, pela primeira vez, as concepções Exerce sua profissão nos hospitais de Münsterlingen (1909-1913), Münsingen (1913), Waldau, Cf. H. ELLENBERGER, The life and work of Hermann Rorschach, Bull. Menninger Clin., 1954, 18, 173-219. W. MORGENTHALER, La Ba- G. C. PICHEVIN, Organization paradigmatique et organization taille pour la publication du Psychodiagnostic, Rorschachiana, anexo à Rev. syntagmatique du discours, Ann. 1966, 66, I, 91-110. psych. diagnost., 1954, 3, II, 42perto de Berna (1914-1915) e no de Herisau, do qual é diretor-adjun- abril de 1922), Rorschach é morto, em vinte e quatro horas, por uma to (1915-1922). Tem dois filhos um menino (1917) e uma menina peritonite não-operável. (1919). Pode parecer surpreendente a descoberta do teste de Rorschach Em 1912, defende sua tese em medicina sobre as alucinações "Foi elaborada longe das universidades, dos laboratórios, das grandes reflexas e fenômenos associados. Embora não submetido a uma psi- bibliotecas, em um pequeno hospital psiquiátrico, por um homem que canálise prévia o que era raro então realiza curas psicanalíticas não estudara a psicologia, não congressos em seus doentes e adquire a compreensão da doença mental em pers- nem conquistara títulos oficiais" escreve seu biógrafo Ellenberger. pectiva psicanalítica. De 1909 a 1913, freqüenta o grupo psicanalí- Uma convergência de fatores, no entanto, preparara esta descoberta. tico de Zurique (Bleuler, Jung, Maeder, Binswanger, Pfister) e publica Em primeiro lugar, os dons artísticos e clínicos de Rorschach se numerosos artigos, notas e relatórios no Zentralblatt für Psychoanalyse. completavam com um estilo projetivo de pensamento. Interessava-se A separação de do movimento psicanalítico freudiano, e depois por exposições de pintura, apaixonando-se pela maneira com que a guerra, dispersam o grupo. Quando se funda, em 1919, uma Socie- pessoas diferentes reagiam diante do mesmo quadro; desenhava ex- dade Suíça de Psicanálise, reunindo Oberholzer, Zulliger, Pfister etc., traordinariamente bem seres humanos em movimento e desenhava a Rorschach é o seu vice-presidente; apresenta nesta Sociedade várias si mesmo como era visto pelos outros; conseguira a compra de um macaco para o hospital psiquiátrico de Herisau, a fim de observar comunicações sobre seu teste, tornando adeptos ativos os dois men- as reações dos esquizofrênicos frente à gesticulação Nesta cionados em primeiro lugar. Os outros principais discípulos são seus época, pairava no a concepção projetiva entre os colegas de Waldau (Morgenthaler, Fankhauser) e de Herisau (G. desde Jung. Silberer (1912-1913) provocava as associações inconscien- Roemer e Behn-Eschenburg), assim como A. Friedmann atual tes de seus sujeitos por meio da lecanomancia antigo método de secretário-geral da sociedade internacional de Rorschach e Manfred, adivinhação em que se olha fixamente uma bacia cheia d'água e filho de Bleuler. De fato, Rorschach possuía uma personalidade cati- comparava os resultados com os do teste de associação de palavras de vante: doce, quase tímido, culto, brilhante e profundo, desde que a Jung. conversa lhe interessasse, reservado nos primeiros contactos, mas Pfister (1913) transformara-se no campeão do criptograma: pedia muito afável com os amigos e os seus, emanava o próprio tipo de in- a seus clientes de análise para produzirem palavras e rabiscos sem troversivo criador por ele mesmo descrito. sentido e identificava seus complexos a partir das associações subse- A grande obra à qual se dedica após a tese médica refere-se à próprio Rorschach conta sua esposa sentiu-se es- psicologia religiosa, obra interrompida brusca e definitivamente em tupefato um dia em que liam junto a obra de Dmitri Merejkowski fins de 1917 pela improvisação do seu Psychodiagnostik. Teria cons- sobre Leonardo da Vinci. Tratava-se de um trecho do diário de tituído uma ampla síntese de observações patológicas e de pesquisas Boltraffio, no qual este relata como surpreendeu seu mestre, uma tarde, sociológicas sobre certas seitas suíças. Um dos fundadores das mesmas debaixo da chuva, em estado de contemplação diante de uma parede estivera internado em Münsingen (estabelecera o culto de seu próprio manchada pela umidade. Da Vinci lhe descreveu uma esplêndida pênis, dava sua urina em comunhão e expulsava os demônios através quimera de goela escancarada tendo acima um anjo gentil com do coito). A origem de tais seitas recuava até a Idade Média, sempre cabelo encaracolado, delineando-lhes o contorno com dedo; em se- nas mesmas famílias de tecelães das mesmas regiões. Seus profetas guida, explicou que muitas vezes lhe ocorria ver lindas paisagens ou que, sem exceção, pregavam o incesto pareciam ser, segundo cenas nas rachaduras dos muros, em rugas à superfície de águas para- Rorschach, neuróticos ou psicóticos e sua mitologia expressava, de das, nas brasas recobertas por fina camada de cinzas, na forma das forma comunicativa, complexos pessoais e arquétipos do inconsciente. nuvens; ou que, ouvindo o som de um sino longínquo, era Psychodiagnostik aparece em 1921. Pouco depois, em Herisau (2 de escutar-se nome ou a palavra em que se quisesse pensar. Em outrotrecho, Da Vinci atribui a Botticelli a autoria dessa idéia. A senhora Rorschach contou então que, quando criança, ela e seus amigos se divertiam olhando as nuvens para descobrir perfis. Nesse ponto, seu marido teria mergulhado em profunda meditação. Rorschach, por outro lado, parece ter ignorado tudo a respeito da teoria gestaltista, cuja descoberta, um pouco anterior à sua, deveria logicamente tê-lo influenciado. Também não pertence a Rorschach a idéia de elaborar um teste de manchas de tinta. Referindo-se explicitamente a Leonardo da Vinci, Binet e Simon publicam um instrumento desse tipo em 1895, em L'Année psychologique. Consideram-no uma prova de imaginação. A partir daí, diversos psicólogos experimentam tais provas. Nos Es- tados Unidos, Dearborn (1897) constrói uma primeira série de man- chas experimentais, com a qual ele mesmo, Kirkpatrick e Sharp rea- lizam pesquisas (1898-1900). Whipple (1910) refaz uma série de 20 manchas, padronizando-a; ao contrário de seus predecessores, não li- mita o tempo de apresentação das manchas; coloca em evidência dife- renças individuais nítidas. Ainda em 1910, o psicólogo russo Rybakoff publica um Atlas de oito manchas com as quais avalia a força, a riqueza e a acuidade da imaginação, como também a realidade das imagens interiores. Finalmente Bartlett, na Inglaterra (1916), é o pri- meiro a introduzir as cores na técnica das manchas. Parece, porém, que Rorschach não ouvira falar de seus antecessores, quando fez suas primeiras pesquisas. Não foi confirmada a versão segundo a qual Rorschach teria trabalhado com Rybakoff em Moscou, no ano de 1913, sendo assim iniciado neste tipo de teste, pois permaneceu na Rússia muito menos tempo do que se supunha. Como todas as crianças de seu tempo, leu certamente a Klecksographie de Kerner (1817) equivalente alemão do Sapeur Camembert e de La famille Fenouillard constituída por 50 manchas de tinta, cujas formas sinistras eram comentadas pelo poeta em versos melancólicos. Rorschach, sem dúvida, brincou de fazer uma mancha de tinta sobre uma folha, dobrando-a em dois, para tentar obter uma forma de animal ou de objeto jogo derivado da mesma idéia. Mais extraordinário é o apelido premonitório que Hermann recebeu em 1903, primeiro ano de seu curso secundário, ao ser admitido em uma confraria de estudantes: Klex, isto é, mancha de tinta, borrão! Manchas de tinta análogas às do teste de Rorschach 46Seria alusão aos "rabiscos" do pai, ou ao gosto do filho pelo desenho, pela primeira vez a uma autópsia. À noite sonha, com sensações ou pela klecsographie? Reencontramos Rorschach, psiquiatra, mos- muito precisas de queda, que seu cérebro está sendo cortado em fatias trando manchas de tinta aos seus doentes. Mas agora procede com transversais, caindo cada uma sucessivamente para a frente. Tal sonho espírito científico; compara as respostas dos clientes com as de pessoas é a origem de sua tese de medicina (1912). Rorschach não formula as normais, as de crianças com as de adultos. Trabalha, em 1911, em questões, já colocadas por Freud, referentes ao conteúdo do sonho colaboração com um antigo colega, Konrad Gehring, o qual se tor- e seu Conhece as interpretações psicanalíticas, considerando- nara professor em uma cidade vizinha e aplica o teste aos seus alunos. as como definitivas. Talvez saiba que Freud decidiu publicar sua objetivo da pesquisa que se tornou um fracasso era chegar depois de sonhar com a dissecação da sua própria a diferenciar os alunos mais e menos bem-dotados, do ponto de vista bacia. 0 sonho de Rorschach anuncia sua orientação neuropsiquiá- da imaginação. Às vezes os próprios sujeitos fabricavam as manchas, trica, o esforço para cortar a personalidade nos seus elementos essen- às vezes lhes eram apresentadas as manchas já prontas. Rorschach ciais. Mas Rorschach se questiona sobre outra coisa: como é possível, utilizava ainda desenhos bizarros como estímulos: gato verde, ver- em sonho, experimentar a sensação de um movimento, quando não melha, lenhador canhoto, etc. Em geral, os resultados eram confron- há movimento correspondente na realidade atual? Como podem per- tados com os do teste de Jung. As primeiras manchas de Rorschach cepções de uma natureza serem transformadas em percepção de uma infelizmente se perderam. outra esfera ótica em cinestésica, acústica em cinestésica, A estimulação decisiva veio da tese (1917) de um estudante ótica em acústica, inversamente? A resposta é que o homem dispõe polonês, Szymon Hens, que acabava de concluir os estudos de me- de um registro de imagens mais amplo do que aquele do qual se dicina em Zurique, na clínica de Com oito pranchas contendo serve na vida quotidiana; que, ao lado do modo de ligação de uma manchas de tinta, Hens tinha testado 1.000 crianças, 100 adultos percepção a outra por associação, existe um modo mais direito: o normais e 100 psicóticos, pretendendo investigar a imaginação. Ana- sistema cinestésico. As percepções visuais são conservadas logo abaixo lisava somente o conteúdo das respostas e não encontrou qualquer di- do limiar da consciência, sob forma de imagens cinestésicas; tais forença entre as dos normais e as dos psicóticos. No final de seu perceptos podem ser conscientemente reexperimentados como per- estudo, colocava algumas questões cuja leitura foi decisiva para cepções cinestésicas, ou inconscientemente retraduzidas em imagens vi- Rorschach: certos sujeitos interpretam toda a mancha e outros so- suais. As manchas de tinta serão como um espelho onde os estímulos mente detalhes este fato terá algum significado? Todas as manchas visuais ativam as imagens cinestésicas do sujeito, as quais são pro- eram em preto e branco que resultados seriam obtidos com manchas jetadas sobre as manchas e, por sua vez, percebidas como reflexos coloridas? Este método serviria para o diagnóstico das psicoses? enviados de volta pelo espelho. A obra de Mourly Vold sobre os A originalidade de Rorschach está em ter transformado a prova sonhos, recém-publicada na época (1910-1912), permitiu a Rorschach de manchas de tinta em teste de personalidade, e não mais de imagi- dar um passo adiante. Mourly Vold consagrara sua vida ao estudo nação, e em ter encontrado a chave para a nova interpretação: as experimental dos efeitos de sensações tácteis e musculares sobre os respostas de figuras em movimento expressam a introversão do sujei- sonhos. Pedira, por exemplo, a 19 de seus alunos que dormissem e as respostas que aproveitam a cor, a extratensão. Rorschach tinha com o tornozelo esquerdo amarrado e todos os sonhos consecutivos lentamente amadurecido tal descoberta. Certamente estava familiariza- incluíram movimentos vivos: caçadores perseguindo lebres saltitantes; do com a tipologia de Jung opondo introvertido a extrovertido, mas dois irmãos correndo atrás de um rebanho de vacas em fuga sobre os seus conceitos têm significado diverso. ponto de partida reside uma colina; escalada de um pico inacessível; sobrevoar em cima de em um sonho, como aconteceu a Freud, no caso da descoberta da ruas Rorschach adota várias conclusões de Mourly Vold: as per- psicanálise, com sonho da injeção dada em Irma (julho de 1895). cepções cinestésicas constituem uma parte importante da personalida- Por volta de 1904, jovem estudante de medicina, Rorschach assiste de; reprimidas pela consciência em estado de vigília, alimentam os 49sonhos durante sono; são antitéticas dos movimentos reais: o so- de dilatação ou de concentração. "tipo de indicado pelo nhador pode conservar o sonho em seu espírito se, ao despertar, per- teste de Rorschach, designa a proporção entre estas duas funções, manecer completamente imóvel ao primeiro movimento, o sonho característica do testando. Rorschach dizia que a introversão constitui desaparece; quanto mais inibida a atividade muscular, mais ativas se o fundamento da cultura, e a extratensão o da civilização. Seria pos- tornam as imagens cinestésicas; quem sonha projeta suas imagens sível outro paralelo, com a caracterologia de Heymans e Wiersnia: o cinestésicas, sonhando com movimentos imaginários, seja de si mesmo, extratensivo reage de imediato às estimulações de fundo emocional seja de outros seres humanos ou mesmo de animais; finalmente, as nele a repercussão é "primária"; no introversivo a repercussão é re- atividades estáticas nos sonhos são movimentos reprimidos. Segundo tardada, "secundária". Rorschach, o símbolo surge na interseção do material cinestésico des- Em 1918, Rorschach elabora as pranchas do teste, experimen- crito por Mourly Vold, com os fatores dinâmicos postos em evidência tando-as com os doentes do hospital de Para sua pesquisa, por material cinestésico é projetado nos símbolos do sonho, testa uma população compreendendo 288 doentes mentais 117 in- na alucinação reflexa da psicose, nas respostas de movimento frente divíduos normais (enfermeiras, estudantes, crianças). Seleciona 15 às manchas de tinta, nas atividades de criação. Caracteriza a introver- pranchas, ou em preto, ou em preto e vermelho ou coloridas. As exi- são criadora. indivíduo "cinestésico" ou "introversivo" é reservado, gências do impressor reduzirão este número a 10, tendo sido recusado desajeitado, tímido; inibe os movimentos reais; sua inteligência é in- o trabalho por todos os outros editores contactados. Em 1919, Ror- dividualizada; é capaz de imaginar e criar; possui intensa vida interior; schach continua a aplicação do teste e elabora a teoria do suas reações afetivas são estáveis e as relações com outras pessoas, Pronto em outubro de 1920, seu livro aparece em mais profundas do que numerosas; é bastante conciente de si mesmo. fins de junho de 1921. A cinestesia, portanto, reflete uma vida emocional interiorizada. Durante todo esse tempo, Rorschach ficou privado de suas Por outro lado, Rorschach constata que as respostas determina- pranchas. Auxilia seu discípulo Behn-Eschenburg a construir uma série das pela expressam, de forma complementar, uma exteriorização da paralela, o Behn-Rorschach (Bero), publicada em 1941. A impressão vida emocional. Formula a idéia de relacionar o vermelho à impulsi- das manchas de tinta originais é desastrosa: o formato fica reduzido, as vidade e o azul ao Sensível à cor, o extratensivo dispõe cores modificadas e o negro parece desbotado. o gênio de Rorschach de uma inteligência do tipo reprodutivo, é mais adaptável, mais habi- transforma esse fato negativo em nova vitória: às suas descobertas, lidoso, mais ativo; suas reações afetivas são abundantes e as relações acrescenta a das respostas de esfumaçado. Fala a respeito, por ocasião com os outros, superficiais. Inspirando-se em tais hipóteses, Fank- de seu comunicado à Sociedade psicanalítica suíça, no dia 18 de hauser, colega de Rorschach em Waldau, publica já em 1919 uma fevereiro de 1922, procedendo à interpretação às cegas do protocolo obra sobre A significação da afetividade, paralelismo entre as luzes e de um sujeito em tratamento psicanalítico com seu amigo Oberholzer. as cores*, onde estabelece uma representação gráfica das emoções Juntou-se esse texto às edições posteriores do Psychodiagnostik. segundo um esquema em três dimensões, definindo-se cada um por Rorschach estava multiplicando as aplicações do teste em indivíduos duas emoções antagônicas, com base no modelo da esfera de cores normais e de nível superior, quando foi brutalmente interrompido de Wundt. pela morte, A introversão criadora e a extratensão reprodutiva, de acordo A publicação do seu livro, como a da Traumdentung de Freud, com Rorschach, não caracterizam dois tipos de constituição, como torna-se um fracasso completo. Apenas um pequeno núcleo de dis- para Jung. São duas funções psíquicas, coexistindo em graus variáveis Emprega-se aqui a expressão "tipo de vivência", já consagrada no Brasil como equivalente ao Erlebnistypus de Rorschach, de preferência à tradução (N.T.). La signification de l'affectivité, parallélisme entre les lumières et les couleurs literal de "type de résonance intime" (tipo de ressonância íntima), expressão adotada pelos autores de língua francesa (N.T.). 50 512. APLICAÇÃO DO TESTE cípulos fiéis dá continuidade na Suíça à prática do teste, formando alguns alunos. instrumento começou a se expandir dez anos após 0 teste é composto por dez imagens ou pranchas. A primeira a morte de seu inventor. suíço acrescenta as respostas de é de cor negra, as duas seguintes em preto e vermelho, a IV, V, VI, claro-escuro à nomenclatura (1932). introduziu o teste VII, em preto e as três últimas, coloridas. nos Estados Unidos onde começou a aparecer (1933) o Rorschach A aplicação do teste não se acamoda a instruções As Research Exchange (transformado logo a seguir no Journal of Pro- explicações a serem dadas ao sujeito variam conforme a idade, aspec- jective Techniques and Personality Assessment); Klopfer fundou o tos psicopatológicos, grau de instrução. o sujeito deve concordar em Instituto Rorschach de Nova Iorque (1939), liderando uma escola fazer a prova. É possível referir-se às pranchas como manchas de americana que revolucionou a interpretação do teste. o instrumento tinta, mas não é necessário explicar o modo de fabricação das mes- se impôs nos países de língua francesa depois da Segunda Guerra mas. Uma instrução impessoal e no modo condicional tal como Mundial, sob a influência de Marguerite Loosli-Usteri (Genebra), de "pede-se que você diga tudo o que se poderia ver nessas manchas" sua aluna parisiense Nella Canivet, de André Ombredane tradutor é capaz de estimular o sujeito sem orientá-lo. Pode ser útil dei- francês do Psychodiagnostik e de Cécile Beizmann. A primeira xar claro que a duração do teste é livre, que cada um tem liberdade e as duas seguintes definiram, com algumas diferenças pouco impor- para ver o que quiser; que, ao contrário dos testes de aptidão apli- tantes, a terminologia francesa que se situa entre o tradicionalismo cados antes (no caso de um exame geral), não há respostas boas nem e os inovadores americanos. Seguiremos nesta obra más que, em certo sentido, todas as respostas agora são boas. No tal terminologia⁵ (cf. o quadro das pp. 54-57, reunindo as principais entanto, não se deve dar qualquer exemplo de resposta. As pranchas nomenclaturas). Exner, em seu estudo de 1966, classifica cinco gran- têm uma parte superior e uma inferior e, considerando-se isso, devem ser apresentadas na posição correta. Não é preciso induzir sujeito des sistemas de interpretação do Rorschach nos Estados Unidos, obe- a invertê-las, esperando-se que ele o faça espontaneamente ou per- decendo à ordem seguinte (supostamente da "fenomenologia" ao "be- mitindo-o, quando perguntar. 0 examinador anota todas as respostas haviorismo"): Rapaport, Klopfer, Hertz, Piotrowski, Beck sendo, do sujeito, assim como os comentários e seu comportamento, o tem- este último, o que leva mais em consideração o eu e a percepção. po gasto com cada prancha e o tempo de latência, decorrido entre a apresentação da prancha e a primeira resposta dada efetivamente pelo 2 Die im psychodiagnostischen Experiment von Rorschach testando, quadro geral desses tempos permitirá saber, depois, em Arch. Psychiat., 1932. que pranchas o sujeito se afastou sensivelmente de sua média habitual Em a abreviatura Hd (de Helldunkel, claro-escuro) corres- em quais os pontos vulneráveis nele mobilizados. ponde literalmente ao Clob dos franceses. No entanto, as implicações prove- Tal é o procedimento normal de aplicação do teste, adequado nientes da evolução na interpretação, que se subentende de alguns autores fran- ceses como de Morali-Daninos Canivet no seu La technique du test "Z", aos adolescentes e adultos, de inteligência normal e não portadores no atribuírem valor sempre nitidamente patológico às respostas denominadas Clob de distúrbios psíquicos acentuados. Em outros casos, são exigidas va- tem trazido certa confusão quanto ao uso dessa nomenclatura francesa como riantes Para as crianças pequenas, não há necessidade de referindo-se exatamente aos Hd de Binder (Vide a obra citada de Morali-Dani- dar instruções: basta mostrar-lhes as pranchas enquanto brincam, pe- nos e Canivet, à 31 (Centre de Psychologie Appliquée, 1960). comparando com Ewald Bohm Manual del Psicodiagnóstico de Ed. Morata, dindo-lhes para dizer o que vêem. esquizofrênico não escuta as Madrid, ed., 1973, pp. 81 a 84). instruções, devendo-se colocar as pranchas à força diante dele. Os 4 Cf. S. J. Comment le Rorschach arriva aux Etats Unis, trad. neuróticos, cansados devido ao teste e ao inquérito subseqüente, exi- fr. Rev. Psychol. app., 1973, 23, 1. 7-13. gem diplomacia e firmeza; os deprimidos, apoio e Os dé- N. Avant-propos sur la terminologie et les beis, os maníacos, os doentes com quadros orgânicos cuja atenção symboles, in BOCHNER et HALPNER, V-XXIII à p. 134).QUADRO DAS SIGLAS EMPREGADAS NOS DIVERSOS PAÍSES PARA A CLASSIFICAÇÃO DO TESTE DE RORSCHACH França: Ombredane e Canivet Países Categorias de Rorschach [entre colchetes colchetes as Estados Unidos: Estados Unidos: respostas siglas acrescentadas as siglas acrescentadas Loosli-Usteri Klopfer Beck depois] por Número total de respostas R Antw. R R R Tempo total T T T Tempo por resposta T/R T/R T/R Localização das respostas Localização Lokhalisation Location Location Tipo de apreensão Tipo de apreensão Erfassung typus Modo de apreensão Manner of approach Manner of approach Resposta global G G G W W (Z: coeficiente de organização) Resposta global cortada r ou WX Resposta global confabu- DG DG DG DW DW lada DdG DdG Resposta global integran- do o branco GDbl [DzwG] D D Resposta de detalhe D D(insular) D [DdD, d(pequeno ou peninsular) Resposta de detalhe inte- grando o branco DDbl D,S Dd dd (normal) Dd Dd (normal) Dd de (periferia) Resposta de detalhe pe- Dde (periferia) Dd di (interior) queno Ddi (interior) dr (minúsculo) Ddr (raro) DdDbl Resposta de detalhe pe- queno integrando o branco DdDbl DdDbl Resposta de detalhe em branco Dbl [Ddbl: pequeno Dzw [Ddzw: pequeno Dbl S Ds Dds (pequeno Dbl) Resposta de detalhe oli- gofrênico Do Do Do Hdx, Adx Sucessão Sucessão Sukzession Sucessão Sequence SequenceQUADRO DAS SIGLAS EMPREGADAS NOS DIVERSOS PAÍSES PARA A CLASSIFICAÇÃO DO TESTE DE RORSCHACH França: Países germânicos: Ombredane e Canivet Rorschach colchetes Categorias de Estados Unidos: Estados Unidos: as as siglas acrescentadas respostas Loosli-Usteri Klopfer Beck siglas acrescentadas por depois] Resposta de forma F+, F-, F+ F- F-, Resposta de movimento Cinestesia humana B K M M Cinestesia humana par- cial Kp Bkl Kp Cinestesia animal Kan [FB] FK FM Cinestesia de objeto Kob k mF, mi Resposta de cor FC, CF, C FFb, FbF, Fb FC, CF, C FC, F/C, FCsym, FC, C FC-forçado arbitrário CF, C F, C/F, CFsym, CF-C, Cdes Csym (bólico) Resposta de nomeação de Cn Fb Nennungen Cn Cn Cn cor Resposta de cor negra ou branca [FC',C'F,C'] FC',C'F,C' Resposta de esfumaçado FE, EF, E F(Fb) F(C), (C)F, (C) (sombra, textura) FY,YF, Y (cinza) (Fb)F, (Fb): (panorama, FV,VF, F (perspectiva) Binder) perspectiva) T(textura) Fk,kF,k (três dimensões transformadas em 2) Respostas de claro-escuro FClob, Clob [FHD, HdF, Hd: FClob, ClobF, Clob Binder] Tipo de reatividade Type of experience Tipo de vivência Tipo de ressonância Erlebnis typus Introversive-extraten- Experience balance Tipo de ressonância íntima sive balance Resposta de humano H M H H; I-A (meio humano, H meio animal) Resposta de parte humana Hd Md Hd Hd; Hobj (parte artificial Hd do corpo) Resposta para-humana (H), (Hd) (H), (Hd) Resposta animal A [alguns autores: An] T A A, (A) A Resposta de parte animal Ad [And] Td Ad Ad, Aobj, (Ad) Ad Resposta anatômica Anat Anat Anat At AnatQUADRO DAS SIGLAS EMPREGADAS NOS DIVERSOS PAÍSES PARA A CLASSIFICAÇÃO DO TESTE DE RORSCHACH Ombredane e Canivet Rorschach [entre colchetes Categorias de [entre colchetes as as siglas acrescentadas Estados Unidos: Estados Unidos: respostas siglas acrescentadas por Loosli-Usteri Klopfer Beck Resposta de sangue Sg Blut Sg Blood Blood Resposta de objeto o Obj Objet Obj Obj Resposta de planta ou botânica Bot Plante PI PI Bot Resposta de geografia Géog Geo Géogr Geo Geo Resposta de natureza Nat N N N N Resposta de alimento Alim Essen Food Food Resposta vulgar Ban V Ban P P Resposta original Orig Origé dispersa, devem ser trazidos de volta às pranchas, de uma maneira Para facilitar o trabalho, o examinador pode utilizar folhas de firme. As pessoas com perturbações psicossomáticas e os casos de levantamento já impressas*, contendo a reprodução em miniatura das perícia legal não entendem por que estão sendo testados; por isso, pranchas. convém vencer sua oposição conversando previamente com eles de A duração do Rorschach (teste mais inquérito) varia de apro- modo compreensivo. Mesmo nos casos normais, o aplicador só co- ximadamente meia hora (dependendo da população, por exemplo, em meça o teste depois de estabelecer um contacto humano com o tes- atendimento hospitalar) até duas horas. Logo, antes da aplicação, o tando e, durante a primeira metade do teste, se necessário, encora- examinador deve assegurar-se de que o testando estará livre de com- ja-o sempre a responder. promissos durante todo o tempo necessário. A interpretação bem Uma vez aplicado o teste, o examinador volta a cada uma das aprofundada e a redação de um laudo detalhado podem ocupar até a respostas, para que o sujeito explique onde e como a viu. Trata-se metade de um dia. gasto de tempo requerido por um Rorschach inquérito, indispensável à classificação das respostas nas três co- não deixa de colocar problemas de remuneração (os técnicos não lunas existentes na folha de registro do teste localização, deter- são pagos de acordo com sua qualificação, nem de acordo com o minante, conteúdo (a quarta coluna serve somente para anotar se a trabalho envolvido) e de rentabilidade. Torna-se também difícil, por resposta é vulgar e as tendências encontradas). A arte da condução isso, a realização de levantamentos estatísticos em uma amostra am- do inquérito consiste em obter, por parte do sujeito, um esforço de pla de população. introspecção e análise quanto ao que experimentou no momento da resposta, sem lhe sugerir qualquer coisa. inquérito não diretivo 3. ESPECIFICIDADE DO TESTE pode ser completado em seguida por um inquérito denominado pes- quisa de limites (Klopfer): quando a pessoa testada não viu um de- A especificidade do teste de Rorschach é um problema difícil de talhe importante ou não deu uma resposta habitual, pode-se expli- avaliar. Desse modo, tecem-se, aqui, algumas observações apenas. citamente induzi-lo a isso, de modo a determinar se se trata, seja, Em oposição ao teste de Jung, ao qual sucede do ponto de vista apenas, de um negligência ou de um bloqueio passageiro e superável, histórico e cujo material é verbal, o Rorschach apresenta ao sujeito seja de uma incapacidade psíquica As respostas novas, um material não-verbal e, ainda, desprovido de significados prévios: produzidas espontaneamente durante o inquérito, são reunidas em um manchas de As instruções exigem que o sujeito liquide a não- protocolo complementar distinto. É possível ainda pedir à pessoa para significação do material, adotando uma atitude "semântica": deve for- escolher, entre as 10 pranchas, as duas que prefira e as duas que mular significados. Não se classifica tudo o que é dito pelo sujeito; mais lhe desagradem. no entanto, só o que foi dito por ele pode ser classificado. Esta ma- examinador registra todas as mudanças de posição das pran- neira de ver constitui uma abordagem "lingüística" ao teste de Ror- chas (prancha na posição correta: prancha invertida: V; prancha schach, ainda incipiente (cf. pp. 32-33 e 119-122). o Rorschach pro- virada para a esquerda: ). comportamen- põe uma tarefa de natureza paradigmática; T.A.T., uma tarefa de to de virar as pranchas revela ou um espírito metódico explo- natureza sintagmática. ração sistemática de todas as possibilidades da prancha ou uma atitude de oposição, consistindo em conduzir-se ao contrário do que é proposto. Na França, a exclusividade para a venda das pranchas do teste de Rorschach pertence à Presses Universitaires de Uma ficha de levantamento e um manual de instruções para o uso da mesma, organizados por Cécile BEIZ- Pode-se fazer pesquisa de limites também para precisar a importância da MANN, são editados pelo Centre de Psychologie Appliquée (1966). No na determinação das respostas, levando o sujeito a comparar sua percepção Brasil ainda não são editadas as pranchas, mas pode-se encontrar material au- nas próprias pranchas (onde as cores existem) e na folha de localização (onde xiliar para aplicação e levantamento no CEPA Centro Editor de Psicologia as manchas são reproduzidas apenas em cor preta) (N.T.). Aplicada Rio de (N.T.).têm nível de instrução superior. Alguns indivíduos, inteligentes bem A abordagem fenomenológica, mais antiga, distinguiu no teste de Rorschach a atitude percipiente e a atitude imaginante. D. La- dotados do ponto de vista artístico, tentam esgotar a quinta-essência gache, inspirando-se em Jaspers e Sartre, opôs aos testes de aptidão das manchas, em 10 respostas globais combinatórias, uma em cada diante dos quais testando está como consciência "percipiente" mancha. Também se encontram protocolos de Rorschach com 10 G, o teste de Rorschach, enquanto exigindo uma consciência "ima- no caso de sujeitos que querem bater recordes de capacidade de ginante". Assim, o teste põe à prova a capacidade do sujeito para abstração (F+) e em esquizofrênicos Uma produção inferior à média pode ter diversas significações: sujeito que responde ao teste relaxar o controle consciente e para se deixar levar a uma atitude de de má vontade, bloqueio emocional, depressão, retardamento mental, imaginação, de jogo, de criatividade. Dessa forma, a conduta do su- perturbação psiquiátrica. Muitas vezes uma produção bem acima da jeito no teste manifesta oscilações quanto à concentração e descon- média denota o chamado "complexo de inteligência" (Rorschach): A persistência de uma atitude sistematicamente percipiente desejo de se valorizar e de parecer inteligente aos olhos do examina- caracteriza-se pela abundância de descrições e de impressões, em subs- dor, cooperando ao máximo com este e acumulando respostas (quan- tituição às verdadeiras interpretações das tidade de preferência à qualidade). Dentro de uma perspectiva psicanalítica, o teste de Rorschach, tempo por resposta T/R também denominado tempo apresentando um material informe ao sujeito, provoca nele uma re- gressão profunda e mobiliza os mecanismos de defesa destinados a de reação (expressão capaz de provocar confusões com tempo de lutar contra a angústia mais primitiva. A defesa por meio da forma latência), corresponde em média a 45 segundos. Quando ultrapassa (resposta F), que é a mais comum, tenta dominar esta situação caó- um minuto, configura-se uma lentidão muito provavelmente psico- tica; pelo contrário, as respostas não controladas pela forma (C, E, patológica: inibição grave, debilidade mental, estado pré-psicótico ou pequenas expressam o traumatismo psicológico vivido psicótico, síndrome orgânica. A rapidez excessiva (três respostas ou pelo testando (cf. p. 76, Baer). As manchas, além do mais, evocam mais por minuto, ou seja, menos de 20 segundos para cada resposta) inconscientemente a imagem do seu corpo ao sujeito e as respostas indica debilitamento do controle ideativo: estado con- dadas se originam em um quadro de referências integrado pelos di- duta "imaginante" (Lagache) sobrepondo-se à adaptação à realidade versos estágios de tal imagem. no caso de sujeitos inteligentes, por exemplo, na esqui- zofrênico incoerente. Broman propôs distinguir três T/R: para as res- postas às pranchas em preto; para as das pranchas preto e vermelho; 4. AS CATEGORIAS DE RESPOSTAS E SEU SIGNIFICADO para as das pranchas coloridas. Ainda não se conhecem, entretanto, os resultados estatísticos desse procedimento. 0 examinador anota o número total de respostas R situa-se entre 20 e 30, para tempo gasto pelo sujeito em cada prancha. Morgenthaler recomenda a população geral. Atinge facilmente de 40 a 50, quando os sujeitos a anotação do tempo entre cada resposta (seria o verdadeiro tempo de reação), mas isto atrapalha o sujeito, quando não o próprio 6 D. LAGACHE, La rêverie imageante, conduite adaptative au teste de Ror- examinador. schach, Group. fr. Rorschach, 1957, 9, G. DAUMEZON col., Cada resposta é classificada três vezes, segundo sua localização, Le test de Rorschach et la conscience imageante, Ann. méd. psychol., 1961, seu determinante e seu conteúdo. 5, 833-864. C: resposta determinada apenas pela cor; E: resposta determinada apenas pelo esfumaçado; pequenas cinestesias: respostas "menores" de movimento Para melhor compreensão desta parte do texto, no que se refere às res- (movimento de parte do corpo humano; cena humana em um detalhe pequeno postas globais e F+, o leitor pouco familiarizado com o Rorschach pode con- da prancha, movimentos animais, objetos em movimento) Vide pp. 81, sultar as pp. 69, 79-81 (N.T.). 87, 89 (N.T.). 63Localização das respostas deterioradas; tais respostas são sincréticas, freqüentes na criança pe- quena e patológicas, se não desaparecem aos poucos, extinguindo-se A classificação das respostas por sua localização informa sobre com a idade (p. ex., pr. III: um esqueleto aos pedaços, vermelho o tipo de apreensão do sujeito, ou seja, sobre sua maneira de perce- simboliza seu coração). Nível normal, quando a resposta representa uma forma pre- ber, de entrar em contacto com a realidade, sobre seu relacionamen- to com o mundo. cisa e exata (I e V: morcego, borboleta) mas sem análise das par- tes, nem relacionamento entre elas; trata-se das G não combinatórias A) As respostas globais G são as que se referem à to- (Rorschach), ou G simples (Bohm) ou Gp configurais ou estruturais talidade da mancha negra ou colorida. Podem constituir um sinal de (Beizmann); se forem +. indicam nível intelectual normal. inteligência (capacidade de visualizar as situações globalmente), ou Nível combinatório, quando se esboça uma diferenciação de de debilidade mental (sincretismo, confusão entre todo e parte), ou de repressão (refugiar-se em generalidades para não entrar nos de- detalhes, sempre em um só ato perceptivo: certas G intermaculares talhes significativos em termos de problema). No primeiro caso, tais (GDbl), em que um detalhe branco é integrado intuitivamente no con- respostas são bem vistas (+) e ligadas a determinantes variados junto, e as G bilaterais (I, III, VII,: dois personagens simétricos). (K, FC, FE*); no segundo caso, cerca da metade das respostas glo- Asseguram a transição para as G secundárias combinatórias normais. bais dadas pelo sujeito são F ou sincréticas. Segundo Rorschach, Acontece uma G secundária quando, na elaboração da resposta, o número médio das G varia entre 7 e 10, no adulto normal. Para houve uma sucessão de operações mentais: Beck, este número é de 6. Na opinião de Furrer, tais respostas pro- b) Sendo +, algumas indicam nível normal ou elevado de inte- piciam um verdadeiro alívio ao sujeito, frente ao caos das manchas ligência (faculdade de apreender as coisas de maneira sistemática e no qual ele deve introduzir uma ordem. Seu número cresce em fun- teórica, dentro de situações variadas e difíceis): são as G secundárias ção de um estado de humor eufórico, da ambição ou necessidade de combinatórias; resultam de uma análise da imagem, quanto a seus realização e do treinamento no raciocínio lógico (Bochner e Halpern). principais detalhes e de uma síntese destes, em um conjunto organi- Os trabalhos de G. Dworetzki e C. Beizmann, sobre a evolução zado e novo em relação aos mesmos (I: duas águias levando um da percepção da criança no teste de Rorschach, proporcionaram uma vivo em suas garras). nível intelectual é normal, se a síntese apro- classificação precisa das respostas veita detalhes adjacentes; e é superior, quando se referir a detalhes a) As G primárias apreendem, em um só ato perceptivo, a im- distantes uns dos outros, ou se a resposta é construída nas três di- pressão de conjunto da prancha, sem diferenciação prévia de detalhes. mensões do espaço (III: dois senhores no teatro; os reposteiros ver- São G instantâneas e abrangem três níveis: melhos do camarote ao lado; no fundo, a cena), ou se o branco é Nível primitivo, caracterizando-se a resposta por um conteú- integrado no conjunto (GDbl), indicando a capacidade de superar a do ou forma indeterminada: descrições indiscriminadas (manchas, oposição figura-e-fundo para realizar a fusão da figura e do fundo, chedos, fenda, cortina, casaco, entrada, protuberâncias e cavidade), em uma síntese superior. respostas confusas e imprecisas, ou nas quais domina uma conotação As outras G secundárias não são combinatórias; procedem afetiva (pr. I: oh! um lobo mau muito grande) ou ilógicas, absurdas do pensamento sincrético (indiferenciação do todo e das partes) e só são normais em crianças antes dos dez São as que se seguem: As G por justaposição de detalhes, não se chegando a formar Os determinantes mencionados são definidos pelo autor às 81, 87, 89 (N.T.). um conjunto coerente e adaptado à imagem. Cf. no início do cap. 7, 244 o quadro diagnóstico estabelecido As G em que há um retardamento por enumeração de deta- por C. BEIZMANN com base nesta classificação. G. DWORETZKI, Le lhes, nas quais a justaposição espacial, marcada por uma abundância test de Rorschach et l'évolution de la perception, Arch. psychol., 1939, 27, de com, e, sobre, substitui os nexos lógicos (IX: quatro peles de 107-108, 233-396. 65porco (rosa) sobre um casaco. não, é uma túnica verde sobre uma versos países nem sempre se baseiam em cálculos estatísticos, sendo calça (laranja), quatro peles de porco em cima de um bastão que a distinção entre cortes freqüente e raramente interpretados mais ou segura a túnica e as calças). menos evidente. Aliás, o critério gestaltista da forma pregnante, que As G confabuladas (DG, DdG), onde ocorre uma generalização se impõe à percepção, tem sido considerado por alguns autores como ou extensão de um só detalhe a todo o conjunto, sem considerar os mais importantes do que um critério estatístico aplicado às outros detalhes (I: primeiro vi as garras (centro alto), depois pensei Por exemplo, a resposta D não está relacionada com a superfície num caranguejo). ocupada pelo corte na mancha: um corte pequeno, porém nítido, As G contaminadas (Beizmann classifica como GG ou DG), fru- será um D; um corte amplo, mas mal delimitado, será um Dd. to da combinação absurda de duas percepções parciais, que o su- Assim as respostas D indicam o gosto pelo concreto, o sentido de jeito não conseguiu distinguir no tempo, nem separar na resposta; realidade, a inteligência prática. Em um protocolo cujo R é normal, são um sinal de esquizofrenia em adultos (p. ex., IV: 0 fígado de o número médio de D se encontra entre 15 e 20. Uma porcentagem um estadista em bom estado de saúde); é como se houvesse uma te- de D maior que 75% faz supor limitação de ordem emocional ou lescopia de duas percepções rápidas e diferentes que se fundem; na intelectual. Uma porcentagem baixa, pelo contrário, nada significa criança, trata-se de condensação sincrética (p. ex., V: uma grande isoladamente, dependendo seu significado da composição restante borboleta-homem, que não tem pés). do tipo de apreensão. As respostas globais por extensão de um detalhe, DG ou DdG, A maioria dos técnicos franceses concorda quanto a uma lista em geral são F e confabulatórias; aparecem com freqüência em provisória de D (cf. o quadro às pp. 69-70, 75-76). psicóticos, orgânicos e retardados; em pessoa normal, indicam ou C) As respostas de pequeno detalhe Dd são representadas falta de julgamento crítico, ou temperamento expansivo que genera- pelos cortes parciais não classificados como D ou que não se refiram liza, sem preocupar-se com uma verificação; alguns artistas ou su- às partes em branco. Klopfer distingue os Dd normais (peninsulares jeitos de inteligência intuitiva formulam DG+: saltam do detalhe ou insulares) mais numerosos, os Dde de periferia, os Ddi interiores, ao todo, sem passar por etapas intermediárias. dentro da massa da mancha raros, porém normais se forem + Na classificação das respostas G, encontram-se algumas varian- e os Ddr, cortes raros, originais ou autistas, típicos do artista As respostas globais das quais é cortado um pequeno detalhe (F+) ou da incoerência esquizofrênica (F-). Os Dd têm um sig- ou G expressam repressão, ou atitude cautelosa, ou uma nificado seja intelectual, seja afetivo, tendo a meticulosidade como ambição acima das possibilidades. característica básica. Os Dd cujo conteúdo é rico provêm de um pen- B) As respostas de detalhe grande D são constituídas pelos samento capaz de analisar pequenos detalhes (capacidade de obser- cortes mais freqüentemente interpretados, em cada prancha. crité- vação incansável, aplicação ao trabalho, perseverança). Os Dd nu- rio estatístico adotado é o seguinte: será D todo corte interpretado, merosos, esparsos e pobres indicam pobreza cultural, ou até mesmo em uma prancha, pelo menos uma vez em 22 ou uma vez em 24, intelectual (pensamento "limitado", infantilismo, escolarização fraca, segundo os Na realidade, as listas de D publicadas em di- debilidade). Os Dd repetidos nas pranchas negras IV, V, VI e nas pranchas coloridas VIII, IX, X constituem um indicador Os resultados da pesquisa realizada no ISOP (Instituto de Seleção e Orien- de angústia, sobretudo se são perfis periféricos: sujeito, emocio- tação Profissional) da Fundação Getúlio Vargas, coordenada pela psicóloga nalmente perturbado pelo problema central que lhe é colocado pela MONIQUE AUGRAS, proporcionam informações seguras sobre o estabeleci- prancha, foge para a periferia e para o detalhe irrelevante. A meti- mento do critério estatístico para determinação dos D: atingindo 4%, ou seja, culosidade obsessiva (que representa uma maneira de evitar mergu- aparecendo vez em 25, uma localização é considerada D. A discussão sobre variedade de critérios existentes e sobre a técnica adotada na pesquisa é lhar no fundo das coisas) se expressa dessa Dde revela que muito informativa. Teste de Rorschach, Atlas e Dicionário, Serviço de Pesquisa sujeito tem vontade de fugir à prancha, não se arrisca e se coloca e Ensino do ISOP FGV, 1969 pp. XII-XV (N.T.). à margem, expressando assim ou seu descontentamento, por vias indi- 66 67retas (caráter obsessivo), ou sua angústia. o Ddi é um índice de ansie- dade, de tentativa débil de domínio interior; é muito raro nos indi- Lista francesa das respostas D* víduos normais. D) As respostas de detalhe em branco Dbl só são assim Cada uma das duas par- mente vista com a prancha vi- codificadas se o corte estiver totalmente situado no branco". Se tes negras. rada para o branco for integrado a uma parte da mancha, anota-se a resposta Vermelho superior (direita e Parte superior. como DDbl ou DdDbl, segundo a importância da parte considerada esquerda) Parte superior, apenas o meio (GDbl se se tratar de toda a mancha), somando-se aos D, Dd ou G. Vermelho inferior negro (serpente). Ponta negra, central. Extremidade superior da linha As respostas Dbl integradas indicam boa capacidade intelectual. As III. Negro central, com ou central, com ou sem os pe- Dbl puras mostram um espírito metódico e inteligente, quando apa- sem o cinza do meio. quenos traços (cabeça da ser- recem ao final da interpretação de uma prancha: o sujeito, tendo Vermelho central (a borbo- pente). terminado com o preto, faz um esforço para continuar a interpretar leta) Grande saliência lateral. (Furrer). De outro modo, o Dbl é um sinal de agressividade incons- Vermelho superior Eixo central ciente; a reversão súbita de figura e fundo obedece ao mesmo desejo Corpo dos "personagens", sem VII. Terço superior. de contrapor-se àquilo que é proposto, presente quando da inversão as pernas, com ou sem a ca- Terço central. rápida das pranchas (não aceitando, o indivíduo, o sentido em que beça Terço inferior. Perna dos "personagens". lhes são apresentadas). o significado do Dbl é um dos mais bem Metade, direita ou esquerda, [N.B.: Os "personagens" sem do terço inferior. validados experimentalmente, assim como pela observação clínica. o vermelho são classificados Eixo central do terço inferior. Rorschach dava-lhe um sentido particular em função do tipo de vi- como VIII. Parte rosa lateral (os vência: no caso do extratensivo, o Dbl significa oposição aos outros: IV. Parte central inferior (a animais). negativismo, espírito de contradição, teimosia; no introversivo, opo- cabeça). Laranja mais rosa no centro. sição ao próprio indivíduo: desconfiança em relação a si mesmo, Todo o eixo central. Rosa central sentimentos de inferioridade, escrúpulos; no ambigual significa ceti- Parte central superior. Cada um dos dois quadrados cismo, indecisão, colecionismo. Outras particularidades foram reco- Cada uma das duas partes late- azuis. nhecidas depois: o Dbl central é indicativo de oposição aberta, fran- rais, ou inteiras, ou os dois Cinza superior. terços inferiores (botas). Parte A "carcaça" ao ca, direta; o Dbl lateral, de oposição dissimulada, indireta, mesqui- clara das botas (embaixo). [N.B.: Pode também ser vista nha; o Dbl nas pranchas coloridas faz supor tendências depressivas. Saliências laterais superiores. como V. Parte central superior. IX. Laranja. Parte central inferior. Verde. Lista francesa das respostas D* As duas asas da borboleta. Rosa. Borda superior da asa, por in- Metade lateral do I. Parte central, com ou sem Parte central, terço superior teiro. Quarto lateral do rosa. o cinza-claro inferior Parte central, dois terços infe- Os dois prolongamentos late- A "pequena cabeça" no mar- Cada uma das duas partes late- riores (sino) rais da asa. ou o maior dos rom esverdeado (veado). rais (as duas asas) Parte lateral, metade superior. dois, somente. A linha média VI. Parte principal inferior [N.B.: A grande figura inter- 8 Beck classifica como Dbl as respostas dadas nos três cortes estatisticamente (o todo, menos o pássaro de macular central é D quando a tão freqüentes quanto os D (espaços interiores das pranchas III, VII e IX) cima). cor intervém como determi- totalizando-os juntamente com os D. As outras respostas em espaços em branco A metade, direita ou esquerda, nante; De outro modo é são, para ele, e somados aos Dd. desta parte principal, geral- X. Verde central inteiro. 60Lista francesa das respostas D* a mesma que se acabou de seguir em sua apresentação: G D Dd Dbl. Passa-se um traço embaixo ou em cima das iniciais indica- Azul central. tivas das localizações que se desviam significativamente para mais Verde central, parte clara (ca- beça de coelho.) Azul lateral. ou para menos da média esperada. Sendo R = 30, os padrões são Verde central, parte mais es- Amarelo central. os seguintes: G = 20%; D = 60%; Dd =10%; Dbl = cura (lagartas). Marrom-tijolo lateral inferior. Quando R aumenta, G tende a baixar e D a aumentar. Segundo Verde lateral. Laranja central (cerejas). alguns autores entre eles Rorschach seria a soma Dbl + Dd Cinza superior, com ou sem o Rosa. que se aproximaria de 10%, e não cada um deles "tubo". (N.B.: Qualquer combinação Marrom acinzentado lateral, de dois ou vários D é classifi- G D Dd Dbl: exemplo de tipo de apreensão rico e de capacidade com ou sem o amarelo. cado D). para reestruturar a atitude mental, quando a situa- ção se altera. E) Detalhe oligofrênico Do trata-se de uma invenção do G D: inteligência mais teórica. próprio Rorschach que só é ainda empregada por suíços e franceses. G D: inteligência mais prática (Rorschach). sujeito divide uma área que se lhe apresenta, percebendo apenas uma das partes restantes. Do é um caso particular do Dd e sua Rorschach afirma que "uma combinação de G, D, Dd, a meio classificação exige duas condições: uma relativa ao corte, outra ao caminho da tendência rígida à abstração e do apego aos pequenos conteúdo. Do é um Dd apreendido onde habitualmente todos vêem detalhes, constitui a forma de inteligência que reconhecemos como um D e cujo conteúdo é uma parte do conteúdo normalmente visto equivalente ao julgamento do homem sadio". no D: Em termos psicopatológicos, G predomina no caso de maníacos VI (parte superior): bigode de gato (quando centro superior e de certos esquizofrênicos (maneira fácil e irrefletida de generalizar); é geralmente interpretado como uma cabeça inteira de gato). D predomina em casos depressivos e em outros esquizofrênicos (ri- Rorschach entendeu o Do como sinal de retardamento mental gidez defensiva); Dd é predominante nos débeis mentais (espírito dis- donde o qualificativo oligofrênico, atribuído por ele a este fenô- traído por detalhes insignificantes), nos obsessivos (preocupação com meno. A experiência com teste quase nunca confirmou tal signi- uma série de pequenos aborrecimentos da vida) e, ainda, em certos ficado (um dos raros pontos em que o gênio de Rorschach falhou). esquizofrênicos (dispersão rápida da atenção, à medida que surgem Por outro lado, manteve-se o interesse em classificar o Do, desde estimulações). que se revelou ser um sinal de inibição Do não aparèce A sucessão das respostas em cada prancha se dá na ordem 16- em protocolos normais. encontrado principalmente nas pranchas gica G D Dd Dbl: o sujeito interpreta o conjunto, III, IV e VI. depois os cortes naturalmente existentes, depois alguns detalhes pou- F) Os resultados referentes a localização das respostas geram importantes e, finalmente, o fundo. Este procedimento mostra uma fórmula, chamada tipo de apreensão (T.A.) pelo autor do teste. uma abordagem metódica às situações-problema. Trata-se de um indi- Para representá-la, as siglas correspondentes a cada espécie de loca- cador da disciplina lógica, do rigor de pensamento. lização presente em um protocolo são escritas na sua ordem lógica No Brasil, a prática do teste sugere como "médias" as seguintes poncenta- gens: G = D = 55%; Dd = 10%; Dbl = 10%. Não se dispõe de No Brasil, deve ser consultada, como lista básica, a obtida pela equipe do estudo estatístico a respeito, que possa resolver a questão em definitivo (N.T.). Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), da Fundação Getúlio 9 Rorschach estabelece como média normal, para R = 34: 8 G Vargas (FGV), dirigida por MONIQUE AUGRAS (Ver obra citada, p. 66). 2 Dd, Dbl. Não classificando em separado os Dbl, Beck propõe as médias (N.T.). seguintes: para R = 32, G D 23, Dd = 3.Conforme sua freqüência decrescente de aparecimento, esta su- Mostra a capacidade do sujeito para se orientar na vida, para se cessão lógica pode ser rígida, ordenada, relaxada ou incoerente. In- adaptar à realidade exterior graças à atividade reguladora da razão felizmente, tal cálculo é bastante aleatório, pois deve ser feito em e do pensamento (Loosli-Usteri). Se as respostas F tenderem a ser relação ao número de pranchas nas quais houve de fato sucessão, exclusivas, é possível supor uma asfixia da vida afetiva e pessoal, eliminando-se aquelas cujas respostas se deram dentro de uma mes- uma privação do contacto imediato e espontâneo com o mundo cir- ma categoria (por exemplo, unicamente G). A sucessão indica o grau cundante e consigo mesmo (ibid.), ou ainda tendências depressivas. de controle do ego sobre os processos mentais. Em histéricos, psicóticos, adolescentes rebeldes e, também, nos gran- G) processo Z de organização Classificação inventada por des artistas, o F% se encontra Beck, proporciona informações sobre a compreensão intelectual de importante saber se as formas são correta (F+) ou erronea- relações demonstrada pelo sujeito. Beck registra sempre que duas mente (F-) percebidas. Com referência a este aspecto, existem igual- ou mais partes da prancha são relacionadas na resposta (isto se o mente dois critérios - da freqüência estatística e o gestaltista, sentido, atribuído na resposta a tal combinação, guardar correspon- isto é, o da boa forma. recurso à estatística representa a melhor dência com os elementos combinados). proteção possível contra os riscos de uma apreciação subjetiva: uma Em função da proximidade ou distância dos recortes relaciona- forma é exata quando é vista com muita freqüência pelos sujeitos; dos, ou da inclusão de espaços em branco, o valor de aumenta, uma forma é inexata, quando só é vista No entanto, o Beck preparou uma tabela para cada prancha. número médio de tratamento estatístico com grande número de respostas F e uma amos- Z em um protocolo é de 31. Um elevado denota bom nível inte- tragem relevante de sujeitos exigiria um trabalho demorado em equi- lectual e um baixo, incapacidade de estabelecer conexões, seja por pe, considerável e oneroso, que nunca pode ser Rorschach debilidade mental, seja devido a repressão neurótica, seja em conse- estabelecera sua lista de F+ levantando as respostas dadas "freqüen- qüência de lesão cerebral. temente" por 100 sujeitos normais; não definiu, porém, o que queria dizer com e os autores depois dele também não pre- Os determinantes cisaram qual deveria ser a taxa de freqüência para os F+. A expe- riência dos técnicos, reuniões de discussão entre eles, a compilação que determinou a resposta do sujeito, ou seja, o que desen- de protocolos publicados, tornam possível uma aproximação talvez cadeou a percepção de um certo corte da mancha? Ao responder a satisfatória ao problema. Loosli-Usteri na Suíça e Beck nos Estados esta questão, procede-se a uma segunda classificação das respostas. Unidos publicaram listas de Na França, Cécile Beizman elabo- determinante pode ser a forma, o movimento, a cor ou o esfumaçado. rou uma compilação precisa e detalhada dessas Klopfer re- A) As respostas de forma são as mais numerosas no nunciou à distinção entre F+ e F-, preferindo classificar, para to- teste de A razão deste fato ainda não está bem das as respostas (F ou outras), um nível formal variando entre Esforço para dominar o caráter caótico e mobilizante das manchas por meio de um ato "formativo" (Furrer)? Recurso ao primeiro me- Classificam-se como as respostas nas quais a forma do obje- canismo de defesa do organismo a percepção de formas con- to é, em si mesma, imprecisa e indeterminada como-nuvens, tra a tensão produzida pelo acúmulo de estímulos (Baer)? F% traçado, litoral (porém uma forma precisa em si mesma, percebida F 100 pelo sujeito com um sentimento de fluidez ou de ser apenas apro- médio fica entre 60 e 65 (50 nos Estados Unidos*). ximada, deve ser classificada ou como + ou como -). As respostas R No Brasil, ver obra citada à p. 66 (N.T.). No Brasil, este valor parece aproximar-se mais do obtido nos Estados 10 Livret de cotation des formes dans le Rorschach, Centre de Psychologie Unidos (N.T.).em relação às quais é impossível decidir entre + e são classifi- classificados como K, assim como as atitudes corporais (em pé, sen- cadas F simplesmente, ou F? tado, cair morto etc.); c) por outro lado, não se classifica o se o F+% é calculado pela fórmula: movimento enunciado pelo sujeito não é sentido interiormente por ele no caso, por exemplo, do movimento encerrado em um F? queno detalhe (Dd), do movimento de animal ou objeto, de uma 2 sombra, ou se 0 sujeito procede a uma descrição intelectual. Para 2 X 100 Rorschach, a cinestesia revela as tendências introversivas (termo ex- (F+) + (F-) + + (F?) plicado no histórico do teste, pp. 48-49 e 277-279); todo su- e fornece a porcentagem de F+ em relação ao total das respostas jeito inteligente apresenta pelo menos K; os indivíduos com ativi- de forma, valendo meio ponto as respostas e F?. F+% dade motora importante não dão esse tipo de e, final- avalia a aptidão para orientar o pensamento mantendo uma atenção mente, as de extensão indicam vitalidade forte, vida inte- precisa e um julgamento exato (força do ego). Varia, em média, rior desembocando no mundo e constituem, eventualmente, um bom entre 80 e 90% em sujeitos normais, pois um número pequeno de prognóstico de cura em caso de neurose, enquanto que as cinestesias erros de julgamento perceptivo acontece comumente e, assim, o nor- de flexão denotam vitalidade fraca, tendência a se recolher distan- mal é o valor ótimo, e não o Um F+% próximo de 100 ciando-se do mundo e complacência com as dificuldades internas. revela controle rígido, obsessivo do pensamento: devido a sentimen- Beck e os autores suíço-alemães continuaram a respeitar as re- tos de culpa inconscientes, o sujeito não se permite qualquer erro. gras de classificação estabelecidas por Rorschach. Outros técnicos Na histeria, cai para o intervalo 70 60: a exatidão das tendem a classificar como respostas cinestésicas todos os movimentos operações intelectuais é perturbada pelos afetos, mas o sujeito man- percebidos, mesmo os não-humanos, e a classificar a cinestesia hu- tém ligações com o real. to limite crítico se situa em 60% abaixo mana apenas quando explicitamente formulada pelo sujeito durante disso, presume-se uma psicose (ou debilidade mental). o teste ou inquérito. B) As respostas de movimento ou cinestésicas subdividem-se em Começa a tomar corpo a idéia de ponderar as respostas cines- duas categorias: as grandes cinestesias K (ser humano inteiro) tésicas, à semelhança das respostas de cor. W. a e as pequenas cinestesias (partes do ser humano, animais ou classificação FK, KF, K; o K puro designaria movimentos desenca- objetos vistos em movimentos). Sua classificação e interpretação cons- deados (movimento giratório, turbilhão), sinal de de tituem, atualmente, um dos pontos mais controvertidos a respeito do inadaptação; o FK, necessariamente ligado a H+, designaria mo- Rorschach. Para o próprio Rorschach, tudo era muito simples: re- vimento integrado à forma, equilibrado, sinal de maturidade e subli- gistrava um K sempre que o sujeito experimentava se supunha mação. Holtzman, em seu teste inspirado no Rorschach, fixou uma que experimentava) uma verdadeira sensação cinestésica, isto é, quan- escala de classificação das cinestesias em cinco do projetava, sobre a mancha, a imagem de um movimento capaz de Desde Rorschach, também a significação atribuída às respostas ser executado por ele mesmo. Portanto: a) somente uma resposta cinestésicas (inteligência e interiorização) diversificou-se de modo humana completa H pode ser cinestésica, sendo admitidos considerável, tendendo-se hoje em dia a vê-las principalmente como como exceções o urso ou o macaco realizando um movimento per- expressão das motivações do sujeito e dos mecanismos de defesa tencente ao repertório anatômico humano; b) para ser classificado, opostos às mesmas. Pesquisadores Furrer e Binder fo- movimento humano não precisa estar explícito: os personagens ram os primeiros a empreender esse caminho: os outros determinan- percebidos nas pranchas I, II e sobretudo III são automaticamente No Brasil, de modo geral, considera-se "normal" F+% entre 11 Tese de filosofia, Fribourg en Brisgau, 1951. Resumo in Group. fr. Rorschach, 1953, 3, 47-51. (N.T.).tes (forma, cor, esfumaçado) baseiam-se na realidade material das pranchas do teste, enquanto a cinestesia não é dada na prancha; assim ciente (Klopfer)? E prova de controle das emoções e pulsões, de es- tabilidade interior e até de sublimação (Rorschach)? Ou o indício de é uma projeção pura e, portanto, só pode representar uma projeção da vida inconsciente, dos desejos profundos do sujeito. Os Rorschach que a pessoa se deixa levar para uma vida interior puramente ima- de crianças possibilitam dar um passo a mais: as crianças quase não ginária, de que se sente mais feliz em um mundo cercado e separa- do da realidade externa, social e física sendo um grande número apresentam K, seja porque descarregam suas pulsões gradualmente através de atividades motoras (Rorschach), seja porque são obrigadas de sinal de inadaptação (Loosli-Usteri)? Rapaport explica a res- posta cinestésica sob um ponto de vista gestaltista: quando a mancha a resistirem à sua vida interior imaginária e fantasmática, para se apresenta um desequilíbrio muito grande, o sujeito sente a necessi- adaptarem à realidade (Loosli-Usteri). Os K aparecem em quantidade, pelo contrário, no caso de crianças difíceis e nos adolescentes. Logo, dade de percebê-la em movimento para reestabelecer equilíbrio: na III, a separação entre o corpo e as pernas, situados na mancha parecem estar ligados aos conteúdos dos conflitos psíquicos. São, de negra, é a causa principal da resposta K habitual, tratando-se, assim, fato, os desejos não realizados na vida quotidiana, que se expressam de um modo de equilibração a qualquer preço. Dessa forma, K através dos K. A cinestesia representaria a vida imaginária, na me- expressa ao mesmo tempo uma condição do pensamento criador e dida em que esta constitui uma compensação para fracassos, priva- ções e frustrações. Os autores americanos foram mais longe. Com- um mecanismo típico do obsessivo destinado a evitar o surgimento de pulsões. Aliás, máximo de respostas K é próvocado por pran- param a cinestesia ao sonho e aos processos do mesmo, descritos por chas experimentais, sem esfumaçado, onde o contorno é sublinhado Freud, assim como à elaboração das histórias do T.A.T., aplican- a nanquim, com um vazio branco no meio. Os especialistas em Ror- do-lhe as mesmas categorias explicativas: condensação, deslocamento, schach de crianças observam o desenvolvimento dos K dar-se simul- censura, recordações subjacentes, disfarce Por exemplo, a taneamente ao da maturidade do ego, à diferenciação de si mesmo resposta um dançarino que gira sobre si mesmo revelou-se como fi- e dos outros, à consciência da própria personalidade, à interioriza- gurativa de culposos associados à masturbação. proble- ma da auto-referência, ou da referência a personagens importantes do ção estabilizadora. As relações entre os K e a imagem do próprio corpo começam a ser abordadas: o K não procederia dos contornos ambiente, nas respostas cinestésicas será tratado mais adiante, ao se da mancha, mas sim de uma linha interior, invisível, vista em movi- estudarem as respostas H. autor sul-americano, chegou a ne- mento De fato, as manchas são experimentadas gar interesse de se colocarem em oposição respostas de movimen- inconscientemente como imagens do próprio corpo, donde a sensação to e respostas de cor no tipo de vivência do Rorschach; em sua opi- corporal, característica da cinestesia segundo Rorschach; donde, ain- nião, é às respostas de forma que se opõem as cinestésicas as da, o fato dos K serem abundantes no caso de certos esquizofrênicos, cinestesias constituem a evocação inconsciente de traumatismos psí- que abertamente identificam sua imagem corporal com a mancha. quicos sofridos; a forma é a defesa primitiva contra o trauma, o pro- Pesquisas experimentais realizadas nos Estados Unidos e relata- cesso de integração de motivações e emoções, a adaptação à reali- das por Nina Rausch de determinaram: dade. A análise qualitativa e simbólica dos K (desde que o proto- a) uma correlação entre K, inibição das atividades motoras e inibi- colo seja rico nesse sentido) conduz ao núcleo dos problemas pro- fundos do sujeito, da sua história de vida e de sua estrutura neuró- ção dos processos cognitivos: os sujeitos capazes de escrever uma tica eventual. determinada frase o mais lentamente possível e de inventar asso- As contradições levantadas pelas respostas K não são poucas. ciações novas quando aprenderam determinadas associações, apre- Trata-se da vida inconsciente (Baer), ou da vida interior porém cons- sentam maior número de K do que os outros, 12 Le test de Rorschach interpreté du point de vue analytique, Rev. fr. Psycha- 13 Essai d'une analyse des Bull. Group. fr. 1953 4, 31-32. 1950, 14, 14 La signification des kinesthésies, fr., 1960, 1,b) Uma correlação entre K, inibição motora e atividade criadora: os sujeitos que menos se mexem na sala de espera, que se saem predominam. A presença, em um protocolo, de Orig. + e de um melhor no teste de barragem e na invenção de histórias A% bastante baixo, confirmam a significação dos em termos de neas, apresentam maior número de imaginação criadora. Piotrowski observou que os K aumentam na As respostas K parecem ser raras entre os povos chamados pri- razão direta do sentimento de não ser Por fim, vários autores mitivos, desprovidos de pensamento abstrato e de capacidade de su- se depararam com protocolos de indivíduos superiores, quanto à into- blimação. Entre os aloreses testados pela etnóloga Cora du Bois e ligência e emocionalmente estáveis, apresentando poucos ou nenhum cujos protocolos foram interpretados por Oberholzer, apenas os fei- K, como prova de que embora podendo os K significarem inteligên- ticeiros apresentavam K. cia criadora e estabilidade afetiva, nem sempre estes traços se mani- festariam através de respostas A separação entre o determinante cinestésico e o determinante cor de uma resposta é por vezes melhor meio de chegar a C) A classificação e a significação das pequenas cinestesias separá-los é inquérito sistemático junto ao sujeito. Quando os dois k são menos Ainda hoje são recusadas por Beck e pelos determinantes se referem a duas partes diferentes da mancha, é pos- técnicos da Foram introduzidas por Klopfer e Piotro- sível recorrer a um artifício na classificação, desdobrando-se a res- francesa. nos Estados Unidos, e aceitas por Loosli-Usteri e pela escola posta: por exemplo, na prancha II, dois palhaços com chapéus ver- melhos, classifica-se G H (palhaços) e depois D F C Vest (cha- A cinestesia parcial Kp conota um movimento humano péus). No entanto, pode ocorrer a impossibilidade de desdobramen- quando o ser humano não está inteiro (Hd), ou quando se localiza to, tratando-se, então, de uma resposta Rorschach a entendia em um corte minúsculo (Dd). Kp é fácil de interpretar como um como característica de indivíduos com dotação superior, especialmen- K Sua correlação com o foi confirmada clinica- te quizofrênico. de certos artistas, A resposta KC -, porém, é própria do es- mente e por uma experiência na qual os sujeitos, classificados como sendo os mais sonhadores (com base em uma escala de de Beck adota um princípio geral diferente: classifica todos os de- 200 pontos), deram no Rorschach respostas ligadas a Hd, Dd terminantes que desempenharam um papel em uma só resposta; assim, e de inferioridade. Kp acompanha ainda a timidez, sentimentos de inibição encontram-se classificações K C F, K FE, FC E etc. Os K aparecem quase que exclusivamente nos casos de epi- A cinestesia animal Kan designa todo animal inteiro visto léticos e de maníacos (Bohm). Os K secundários, quando a forma com um movimento que lhe é natural e nitidamente realizado (um é vista primeiro e o movimento acrescentado depois, seriam epilep- animal imóvel, prestes a avançar sobre sua presa é uma tóides, Os K reprimidos resultam de mecanismo inverso: de início evidentemente cinestésica, classificando-se, assim, como Kan); resposta indica o movimento é percebido, e depois suprimido pelo sujeito, conser- tendências que, no sujeito, permaneceram como infantis e, também, vando dele somente uma forma imóvel (ex.: VII, estátuas de duas espontaneidade de expressão de desejos. mulheres fazendo caretas uma para a outra). Isto indicaria estarem A cinestesia de objeto Kob carece de uma definição idên- prestes a se relaxarem as inibições do sujeito, estar em progresso tica nos Estados Unidos e na Suíça. Para o suíço Oberholzer, só um psicoterapia. sua evolução interior seriam respostas típicas de sujeitos em movimento violento da mancha, de baixo para cima ou do centro para a periferia, pode ser classificado como Kob, como na pr. IX: De acordo com Klopfer, a de G em relação a K é ou explosão atômica; é sinal de busca de liberação sexual (im- de 2 para 1; se a proporção de G for maior, a ambição está acima pulso sexual confuso e busca de afirmação nesse plano, em adolescen- do potencial criador (como entre adolescentes); se o número de K for igual ao de G, o narcisismo, as fantasias sem resultante prática schach Exchange, 1936-1937, 15 The M, FM and m responses as Indicators of Change in Personality, 78tes; fase "fálica", segundo a psicanálise; inibição diante da mulher em homens; reivindicação viril, em mulheres). Para americano Se a soma de Kan + Kob for superior a uma vez e meia o Klopfer, qualquer movimento atribuído a um objeto inanimado é uma de K, as tensões psíquicas do sujeito são fortes demais para que número cinestesia; distingue Fm (pr. 11, Dbl central: pião girando) de mF construtivamente seus recursos interiores, emprego correto utilize (queda d'água, volutas de fumaça ou de nuvens, chamas crepitantes, sangue jorrando); em (forma abstrata, movimento caleidoscópico; tais Kp; Kob em sentido amplo). índices supõe a classificação das cinestesias conforme Klopfer desses (sem Kob (que, em princípio, a escola francesa não classifica), significam D) As respostas de cor FC, CF, são desejos irrelizáveis, tensões não resolvidas e geradoras de frustrações desde Rorschach, em função do caráter predominante, secundário assim em caráter permanente, o protesto contra este estado (explosões) ou ausência da forma, na elaboração de uma resposta desencadeada ou a resignação passiva (folhas que caem; rios correndo). cor das manchas. Para o cálculo do C (somatório de respostas pela Um grande número de K, no adulto, mostra a sobrevivência de cor), ponderam-se as respostas como se segue: FC 1/2, CF de uma atitude fantasiosa infantil, um jardim secreto onde o sujeito gosta 1/2. A classificação FC exige que a forma seja precisa e que de se refugiar, contando histórias para si mesmo, uma imaginação lizados quando a impressão de cor não é interiormente designada na resposta corresponda à do objeto real. Os FC intelectua- a cor particularmente viva e, ainda, passividade e sugestionabilidade. Piotrowski encara as diversas categorias cinestésicas como graus servindo-se o sujeito dela em termos verbais para mascarar seu sentida, de integração das necessidades, que motivam a conduta, à persona- baraço devem ser excluídos do C: a intenção subjacente é em- lidade: o K corresponde à necessidade assumida, fonte de comporta- um controle sobre os afetos, Klopfer propõe, para cada uma das fingir mentos reais; Kp e Kan correspondem às necessidades não comple- categorias, classificações suplementares especiais de acordo com três tamente evoluídas ou aceitas pelo sujeito (fixação, regressão, inibição); empregos da cor: ou quando a cor não é a do outros sob hipnose ou intoxicação alcoólica, os Kan cedem lugar aos K; os natural; F/C ou C/F quando a cor é usada como referência objeto Kan ativos indicam possibilidades de evolução para o sujeito; os Kan geográficos, pranchas anatômicas), C sym quando a atribuída (mapas passivos levam à previsão de uma passividade dificilmente superável; não são feitas pela escola francesa e por Beck. objeto possui significado Muito complexas, tais distinções ao os Kob são representantes de tendências profundas, incompatíveis com a personalidade consciente, inteiramente desconhecidas para ela e que As respostas de cor desencadeadas pelo negro ou pelo branco nunca se externam em um comportamento. fazem parte do C. problema é decidir se é preciso ou não Klopfer chamou a atenção para a relação entre K e Kan. Se o sificá-las em As siglas há pouco apresentadas são a clas- número de K for superior ao de Kan, a vida pulsional se subordina aplicadas, contrariando a opinião de Rorschach, pelos compatriotas elas ao sistema de valores próprio ao sujeito, isto é, ao seu ego, sendo o suíços seguidos por Ombredane e Canivet. Klopfer preferiu deixá-los melhor equilíbrio representado por uma proporção em que K seja o à parte (FC', C'F, a fim de destacar, no somatório, o significado dobro de Kan. Se o número de Kan é igual a uma ou duas vezes o em geral depressivo das respostas "negro" e a fria agressividade de K, o sujeito é o mesmo tempo controlado e espontâneo. Se Kan sistema de Klopfer quanto a esse aspecto. de A maioria dos compatriotas franceses adotou depois das for maior do que o dobro de K, a pessoa busca uma satisfação imedia- ta dos desejos e, sendo CF > FC, é regida mais pelo princípio do A cor nomeada Cn não é incluída no C. o sujeito dá prazer do que pelo princípio da realidade. Se o número de K e de como resposta (e não como comentário ou discrição) o nome da Kan for pequeno, deve tratar-se de inibição neurótica normal), Aqui, vermelho. Rorschach, com toda a razão, considerou tal com- cor: ou do ego criança, psicopata e psicótico rebaixado) que impede o reconhecimento dos próprios impulsos e a satisfação crianças pequenas. portamento como típico da E encontrado também em significado dasnal das cores, intuitivamente conhecido há muito tempo, é utilizado, aliás, ainda mais sistematicamente por outros testes projetivos. A Binder julgou poder distinguir as respostas de cor, provenientes da zona afetiva periférica, das de esfumaçado, provenientes da zona afeti- resposta FC expressa uma afetividade socialmente adaptada, ou seja, a maturidade emocional, a capacidade de estabelecer contacto afetivo e va central, do núcleo emocional da personalidade afirmação verda- de se colocar no lugar do outro. 0 FC-, sinal de fracasso do controle deira apenas no caso dos E puros; observou ainda que as respostas emocional, aparece sobretudo em psicóticos. CF representa uma de esfumaçado formuladas com prazer (bastante raras) expressam afetividade egocêntrica, o narcisismo afetivo, instabilidade emocional, uma afetividade fina, diferenciada, discreta, sempre pronta a se adaptar humor caprichoso, busca de um objeto para estabelecer uma ligação; aos outros, ou adaptação em processo (o que é especialmente cabível também um contacto caloroso e simpático, espontaneidade jovem. no caso dos FE), enquanto as respostas de esfumaçado disfóricas é sinal de sugestionabilidade. C puro denota impulsividade, denotam falta de autoconfiança, tristeza, visão do mundo pessimista, tendência à angústia, adaptação exigindo esforço ausência de controle sobre as emoções, que não foram educadas, nem socializadas; com muita freqüência, o conteúdo da resposta, ou o con- Beck opõe as respostas de cor nas quais o afeto tem tonali- texto, possibilita determinar que emoções ou impulsos estão em jogo, dade estimulante às de esfumaçado nas quais o afeto tem tona- sendo o caráter explosivo da descarga muito mais perigoso na medida lidade angustiante. Acrescenta uma distinção útil prática: a) as em que aparecem também respostas e Dbl (tendência a passar ao respostas de cinza-claro (Y, letra de grey) são as mais comuns, ato). Uma pessoa normal produz vários FC, alguns CF e, estritamente com o significado de tendência à inatividade (desenvolvimento neu- falando, nenhum (no máximo 1). FC > CF + é um índice de rótico passando a psicótico), em conseqüência de bloqueios estabilidade Indivíduos de humor alegre, receptivos, e os b) as respostas de perspectiva (V, inicial de vista) introduzem relevo, histéricos mostram uma reação de amplificação das emoções frente tridimensionalidade, sendo nitidamente depressivas e típicas do "com- às cores (CF + C > FC). Outros neuróticos, com predomínio do plexo de o sujeito tenta reconstruir caminhos interna- humor depressivo, suportam dificilmente as situações emocionais, ten- mente perdidos; está consciente de sua insuficiência perante os outros; dendo a evitar a cor e apresentando poucas respostas de cor, ou tal resposta faz supor bom prognóstico para o esquizofrênico, indican- mesmo Entretanto, assim como Rorschach, muitos autores do a sobrevivência da capacidade de se comparar aos outros; é típica registraram a ausência de respostas de cor em sujeitos emocionalmente do fóbico, cuja angústia se liga a um objeto, ao passo que as respos- estáveis, FC expressa equilíbrio psíquico, porém a recíproca não é tas Y revelam angústia as respostas T (textura) corres- tal equilíbrio, quando existe, não se manifesta necessaria- pondem a uma impressão táctil (fofo, rugoso, pele), traduzindo a mente pelos FC (nem pelos K: cf. já mencionado à 78). E) As respostas de esfumaçado E estão para as respostas avidez, a insatisfação de certos desejos, sobretudo desejos eróticos. de cor, assim como as pequenas cinestesias para as grandes. A cor Yvonne Castellan (1974) propôs acrescentar uma quarta catego- cinza e suas nuances desencadeiam tais Portanto, são respos- ria: as respostas de radiografia (citadas à 134). tas cromáticas Foram descobertas por Rorschach depois da assinala dois significados para a resposta de esfuma- publicação do Psychodiagnostik, desenvolvidas por Binder na Suíça e çado: a) Capacidade de suprimir um impulso carregado de afeto, que reinterpretadas diferentemente por Beck e por Klopfer. A escola fran- impele à ação; se E: espontancidade perigosa, tendência à cesa assumiu o risco de padronizar sua classificação: FE, EF, E, perda de controle, sob uma forma agressiva ou sexual; semático e sem desgaste sobre a vida afetiva (caso F + % seja pelo E, em termos de depressão, tem valor análogo ao de C, em termos menos normal); b) Indicador de angústia; as respostas provocadas pelo de impulsos: sujeitos cheios de caprichos, com sentimentos de cinza-claro indicam reação do sujeito à angústia em termos de inibição abandono, esquizóides; muitas vezes está associado à percepção motora: abstenção, fechamento; as respostas provocadas pelo cinza- dos quatro elementos (água, ar, terra e fogo). escuro mostram reação à angústia através de tentativas de mudança Klopter sugeriu, também, que se considerassem certas propor- da situação: artistas, sábios, pioneiros e também psicóticos (se houver ções com reterencia aos Se o conjunto de respostas de ao mesmo tempo C puros). estumaçado não controladas pela forma for superior ao das controla- das pela torma + KF > Fc + FK, se- Klopfer distingue três categorias de esfumaçados: Klopter e E + EF > FE, segundo a terminologia francesa), a) Com impressão de superfície ou textura: (por ex., pele) a necessidade de afeto mal integrada, perturbadora e fonte de ina- necessidade primitiva infantil e indiferenciada de afeição e de amor, Se a soma FK + 1/4 a 3/4 do número de res- com busca do contacto físico; cF (rochedo, neve) mesmo significa- postas F, a necessidade de afeto é normal, tornando-se o sujeito capaz do de c, com desejo de dependência e regressão infantil, frustrações de uma sensibilidade manitesta e bem controlada em suas relações afetivas precoces; Fc (transparência) integração satisfatória das interpessoais. Estando a proporção entre FK + Fc e os F abaixo da necessidades primitivas de contacto, sujeito dependente da afeição dos indicada, o sujeito careceria, com maior ou menor gravidade, de en- outros, volvimento nas relações interpessoais. Acima dessa proporção, indi- KF (difusão: fumaça) ansiedade difusa, flutuante, originada por e b) Com impressão de profundidade ou tridimensionalidade: ca-se necessidade de afeto hipertrofiada e prejudicial. emprego das mencionadas fórmulas tem sentido se a classificação das respostas de for feita rigorosamente dentro do sistema de Kiopfer necessidade de segurança e de posse do objeto de afeto; FK- (pers- (que não classifica em separado as respostas Clob, diluindo-as entre pectiva: reflexos em um lago, entrada de gruta) estabilização, as de domínio dos problemas graças a um certo distanciamento introspectivo F) As respostas de claro-escuro FClob, ClobF ou Clob em relação à angústia. constituem um caso particular de esfumaçado. Não são incluídas no Com impressão de extensão tridimensional projetada em um E (assim como os Cn não entram no C). Os americanos não ado- plano bidimensional: k, kF e Fk (mapa em relevo, radiografia) taram tal classificação. Binder, que definiu os Clob pela primeira busca ansiosa de afeto, dissimulada por uma máscara intelectual e vez, atribui-lhes origem à das respostas de esfumaçado; estes uma fachada externa de controle. últimos, porém, seriam a emanação dinâmica do núcleo afetivo central, Na França, Ombredane e Canivet se limitam aos seguintes signi- enquanto os Clob seriam a sua emanação estática. Representando um ficados: critério de angústia patológica, característica da neurose, tais respostas mostram a necessidade da indicação de uma psicoterapia. Desapare- FE tridimensional: poder de representação espacial e talento cem nos casos de psicose. Sua presença na fase de instalação de uma construtivo; prudência ansiosa, depressão diferenciada, sentimen- tos de psicose indica, ao mesmo tempo, o pavor do sujeito frente à desorgáni- zação progressiva da personalidade e a capacidade de lutar contra ela. FE de textura: adaptação flexível e diferenciada; sensibilidade vi- Para ser classificada com Clob, uma resposta deve preencher duas brante em concordância com o ambiente, condições: a) ter sido desencadeada pela massa negra da prancha; EF: afetividade flutuante em busca de objetos para uma ligação; b) possuir uma tonalidade disfórica explícita. A tonalidade desa- necessidade vaga de investimento afetivo; disponibilidade frente gradável aparece em três gradações: angústia (ex: neve suja, caveira, a sugestões exteriores; vida sentimental ativa e indicação de atitude de fuga); depressão (ex: cataclisma horrendo,um castelo em ruínas, devastado, indicação de atitude de paralisia); coartativo ou coartado é um psiquicamente retraído agressão (uma tempestade ameaçadora, um vampiro terrível, reação (retração de personalidade, de interesses vitais, de investimentos agressiva diante do medo interior). FClob + revela o domínio sobre psíquicos), seja normal fortemente reprimido, ou por submeter-se no as reações à angústia; o FClob e o Clob puro, ausência completa teste de má vontade, seja criança pequena ou velho, seja doente psicó- de energia de controle, Violet Conil Canivet acham que a an- tico, orgânico ou psicossomático. gústia revelada pelas respostas Clob se situa além dos sentimentos Segundo Rorschach e a maioria de seus sucessores, tipo de vi- de culpa e autopunição; seria a angústia-pesadelo, a angústia pri- vência é estável, para um determinado indivíduo adulto, cansaço, mária da morte (cf. artigo citado, p. 124). os choques afetivos podem alterá-lo momentaneamente Segue a evo- G) tipo de vivência (T.V.) é dado por uma fórmula ela- lução da personalidade, do nascimento à morte: a criança é extraten- borada por siva ou coartada; passa-se a coartativo na pré-puberdade e na velhice; A fórmula do T.V. estabelece a proporção entre atitudes in- na adolescência, aparece o tipo introversivo; e os adultos se distribuem troversivas e extratensivas do sujeito, ou seja, é um índice do modo entre os diversos tipos. Seria característico até da personalidade de base, típica de um povo ou de uma certa cultura. Para muitos técnicos de sentir do sujeito, e não necessariamente do seu modo de se com- portar. composta pela soma das grandes cinestesias humanas, com- americanos, o tipo de vivência não é central na interpretação do parada à soma ponderada das respostas de cor (inclusive os C e ex- teste, mas apenas uma informação a mais; alguns chegám a lhe negar clusive os Cn). qualquer valor, abstendo-se de calculá-lo, mantido por Beck que o denomina, porém, "quociente K > C: introversivo, puro ou dilatado, conforme = Alguns autores (N. Canivet, na França) estabelece uma fórmula ou C nitidamente > secundária, ou melhor, complementar (N. Rausch) compondo-se, como K à soma ponderada das respostas de esfumaçado (excluindo-se os K = C: ambigual K/ C: 1/1 = coartativo A comparação como a porcentagem de respostas dadas às três K/ 0/0 = coartado últimas pranchas (coloridas) pode servir como confirmação VIII + IX + X%, em média, encontra-se em torno de 40; acima desse Nas pp. 49-50 foram definidos os tipos introversivo e extra valor, significa extratensão e, abaixo dele, introversão. Um desacordo tensivo, que serão de novo estudados às pp. Predomi- entre esta porcentagem e a fórmula do tipo de vivência é uma indica- na no extratensivo a afetividade imediata: contacto afetivo fácil e ção da gravidade do conflito psíquico enfrentado pelo sujeito. superficial com o outro; instabilidade afetiva; facilidade para perder o controle emocional frente a estímulos externos, E o tipo mais 39 conteúdo das respostas comum, na população em geral. No caso do introversivo, a ressonân- cia afetiva faz o contorno no plano mais profundo da personalidade (Loosli-Usteri): tende-se a imaginar, mais do que agir. A) As respostas humanas subdividem-se em três tipos: H: todo ser humano visto inteiro. 0 ambigual, segundo Rorschach, era o tipo ideal, bem equili- brado, encarnando as duas atitudes humanas fundamentais, ao mesmo Hd: uma parte externa do corpo humano (braço, cabeça etc.). Aos poucos, a experiência clínica mostrou que o ambigual (H): todo ser para-humano: fantasma, gênio, feiticeiro, anão, anjo, era incapaz de escolher entre a introversão e a extratensão, como diabo, caricaturas, retratos etc. indivíduo bloqueado, indeciso, ambivalente (sinal de neurose obses- Klopfer classifica ainda: , ser meio- siva). animal; Hobj, parte artificial do corpo humano dente postiço, pernade Num mesmo protocolo, a proporção normal de respostas Os (H) parecem denotar atitudes infantis e lúdicas, imaturidade é de 15% sendo afetiva. mecanismo de produção de respostas humanas é fonte de dis- cussão. Representam personagens reais, atuais ou passadas, com os H% 100 quais se tem ou teve dificuldades? Ou, então, com os quais se é ou H se foi capaz de manter um contacto humano profundo? Representam, Tal porcentagem seria mais elevada entre as mulheres (15 a 30%) como nos sonhos, os diversos personagens com quem houve identifi- do que entre os homens (10 a 20%), segundo É mais cação na infância, identificações constituintes das diversas instâncias baixa para as crianças e no caso de sujeitos pouco inteligentes. Tende de uma personalidade? Quando um sujeito vê preferentemente seres a zero entre os psicóticos (perda do contacto humano em nível pro- humanos do seu mesmo sexo, tem-se uma prova de projeção do fundo, perda da capacidade de se identificar com o ser humano; próprio indivíduo, ou uma indicação de homossexualidade latente (es- ausência de conteúdo humano até mesmo na pr. III). Eleva-se acima colha de um objeto de afeto do mesmo sexo)? A questão começou a da média entre sujeitos com preocupações, em geral de ordem neuró- ser esclarecida por uma pesquisa de Hertzman e Tendo tica, no tangente às suas relações com pessoas íntimas, especialmente aplicado o Rorschach a 12 sujeitos entre 20 e 30 anos em início de em caso de criança prematuramente amadurecida por conflitos fami- psicoterapia, dez meses depois mostraram todas as respostas H aos liares, em caso de adolescentes, de obsessivos. Nestes últimos, Hd > psicoterapeutas, a fim de descobrir se tinham um significado pessoal, H; caso contrário, um H% elevado pode ser encontrado em profis- isto é, se eram descrições do sujeito ou de um parente deste. Os re- sões exigentes quanto a uma compreensão humana em profundidade: sultados permitiram classificar as respostas em 7 categorias: a) Re- médicos, padres, psicólogos etc. presentação de si mesmo por ex., uma mulher que se esforçara durante anos, em vão para realizar o que queria, vê um dançarino, A proporção normal de H em relação a Hd é de 2 para 1. Os ele está de pé mas não está dançando; este grupo inclui mais da me- Hd em grande número significam: tade das respostas H e, além disso, participa meio a meio dos grupos a) Incapacidade de ver o ser humano em decorrência de uma restantes. b) Representação de si mesmo + relações interpessoais perturbação emocional ou orgânica, quando Hd é produzido em lo- por ex., um homem que, amargurado, tece considerações sobre calizações onde regularmente é visto um H. fato de ser um charlatão e o fato do mundo desejar e recompensar b) Tendências hipocondríacas, principalmente quando se repete a refe- os charlatães, vê homens vestidos com cogulas*, em frente a uma bola rência à mesma parte do corpo e havendo, também, respostas Anat de cristal, realizando rituais; estão vestidos de vermelho para impres- c) Impulso agressivo contra os outros, sobretudo quando o sujeito vê sionar. c) Relações interpessoais + representação de si mesmo seres mutilados, personagens sem cabeça. por ex.: uma mulher, sentindo-se isolada e mantida à distância pelos A interpretação de certas partes do corpo pode assumir signi- homens vê um homem e uma mulher; a mulher está sentada à espera; ficados simbólicos: boca, preocupações orais; olhos, sentimento de o homem não é suficientemente ligado a ela para lhe propor alguma culpa; face, suspeitas paranóicas; olhar para trás, fixação no passado; coisa. d) Representação dos outros sem representação de si mesmo dente, culpa ligada à masturbação. Nas respostas seguintes, expres- (e, portanto, ausência de autoconsciência em nível profundo) por sam-se tendências homossexuais: pr. I, D central, torso de homem (homossexuais passivos) ou mulher viril e musculosa (homossexuais ativos), substituindo personagem feminino habitual; pr. III, os 17 The personal meaning of the human figure in the Rorschach, Psychiatry, nov. 1947. homens vistos da mesma forma seja como mulheres, seja com seios; Túnicas sem manga com capuz furado no lugar dos olhos, usadas ainda pr. V, D inferior, nádegas. na Espanha em cerimônias religiosas populares (N.T.).Klopfer classifica ainda (Ad) Aobj, em paralelo à (Hd) ex., uma mulher apavorada diante do mal que os outros poderiam Hobj. Os conteúdos animais são os mais numerosos. Segundo Ror- causar vê, um personagem grotesco, vestido com uma e) Representação dos pais ou de seus substitutos por ex.: uma matrona, velha e gorda, segurando uma de chá. f) Identifi- schach, o A% X 100 indica a este- cação negativa com uma figura parental ex.: uma moça que des- R preza as pretensões mundanas de sua mãe, temendo, porém, parti- vê velhas feiticeiras com chapéus enormes e mãos pequenas, reotipia do pensamento, ou seja, o uso indispensável de mecanismos segurando de chá. g) Rejeição de um papel possível por automatizados de pensamento, desenvolvendo-se sem intervenção da ex.: uma mulher, que interrompeu temporariamente sua apatia tor- reflexão; porém, se estes mecanismos tendem a ser exclusivos, o pen- nando-se hiperativa socialmente, e que rejeita tal solução, vê um samento se empobrece. Logo, há um mínimo abaixo do qual o sujeito polvo enorme tentando dançar. mostra sua falta de inserção no mundo circundante, um máximo além Os autores concluem que: a) as respostas H são as mais reve- do qual o pensamento é estereotipado e um nível ótimo, significando a ladoras dos aspectos individuais da percepção de si mesmo; b) a possibilidade simultânea de ver esse tipo de conteúdo e de se liberar capacidade de auto-aceitação sem conflito diminui o caráter pessoal dele. A% alcança em média 45%, mas é muito variável. Caberá de tais respostas, aumentando o número de H, considerá-lo como normal entre 30 e 60%. Em intelectuais e artistas em termos absolutos (respostas H impessoais, especialmente nas cai até 30 e eleva-se facilmente até 60 a 70, em uma população de pr. III e VII); c) as pessoas que produzem poucos H fogem das nível cultural baixo. A incoerência e dispersão do pensamento, ou a oportunidades de tomar consciência de si mesmas, preferem não co- recusa psicopática ao conformismo estão associadas a um A% baixo. nhecer sua atitude mais profunda perante o outro, sobretudo perante Já um A% elevado supor pensamento infantil (as crianças e os as figuras parentais, se sentem atemorizadas quando os sentimen- débeis mentais apresentam quase que exclusivamente respostas ani- tos verdadeiros vêm à tona (relacionar com CF + > FC); mais), pessoa pouco culta, espírito conformista rígido, ou uma per- d) o especialista em Rorschach se arrisca a erros se interpretar tais sonalidade que esconde dificuldades de adaptação esforçando-se, a respostas sem fundamentar-se em outros dados: 50% das interpreta- todo custo, por fingir ser como todo o mundo, que reprime emoções ções poderiam ter sido corretamente feitas sem o material psicote- e se contrai. A depressão aumenta o A% (apatia, renúncia a abando- rápico; 25% absolutamente não o poderiam. principal risco é de referir todas elas, sem provas, a representações que o sujeito faz de nar caminhos já batidos). humor otimista diminui o A%, pois suscita renovação de idéias e o desejo confiante de mudar o estado si de B) As respostas animais compreendem: A: animal inteiro ou pele de animal**; Algumas respostas de animais dotados de expressão humana Ad: parte externa de animal; e, para certos autores, (A): mons- (esperto, careteiro) adquirem sentido análogo ao da resposta H. Ani- tro, animal mitológico, desenho animado, caricatura de animal. mais ferozes ou em luta refletiriam sentimentos de hostilidade; animais meigos e medrosos, incerteza interior e passividade. Corre-se o risco, porém, de se deixar levar pela confusão da alegoria tradicional, caso Esta resposta poderia ser interpretada como reveladora de aspectos da repre- sentação de si mesmo, e não só da representação do "outro": pessoa se se multipliquem estas interpretações simbólicas. A descoberta sobre como indefesa (grotesca, exposta à e necessitada de proteção o significado exato da percepção de determinados animais só pode defendendo-se contra ameaças (vestindo armadura). Estaria assim expressan- ser feita por meio de um inquérito em profundidade. do, na linguagem propiciada pelo teste, sentimentos vivenciados a respeito de C) Os outros conteúdos Seu número varia conforme os autores os sujeitos. As mais diversas siglas são utilizadas para classificá-los.Na França, Morali e fizeram uma tentativa de reagrupamento secundário; 2) processo de sonho que está em ação (condensação, dos conteúdos, propondo um sistema exaustivo de classificação dos deslocamento, simbolização); 3) grau de controle racional (8 catego- mesmos em 15 pontos, ordenando-os do mais simples ao mais com- rias); 4) aspecto global: eficácia, criatividade etc. plexo, na seguinte ordem: Elemento Fragmento Geografia Seguem-se os conteúdos em uso, com seu significado geral; apenas Botânica Paisagem Ad A Anatomia Hd H com base em associações livres do sujeito, durante o inquérito, tem- Objeto Símbolo Ciência Arte (inclusive Arquitetura) se o direito de aplicar tais Abstração. Anatomia (Anat): As respostas de conteúdo anatômico, segundo Morali-Daninos e Francine em 1968, elaboraram um Rorschach, configuram um "complexo de isto é, o de- método gráfico possibilitando reagrupar os conteúdos sem separá-los sejo de exibir inteligência. Pode tratar-se, eventualmente, de uma de- das localizações e dos determinantes. Cada categoria de resposta é formação profissional, em médicos e principalmente em profissionais transformada em porcentagem sobre o total de resposta de um pro- A experiência clínica revelou serem tais respostas in- gráfico é composto de um eixo horizontal mediano, cor- dicativas de preocupações com a saúde física (angústia hipocondríaca, respondente ao afetos arcaicos não-elaborados (do centro à extre- doenças graves, antigos tuberculosos) ou como uma tela para projeção midade: Ad, Pais, Bot., Geo., Fragm., Elem.) e um eixo vertical de pontos da personalidade (sentimentos de inferioridade). Às mediano sobre o qual se inscrevem, sucessivamente, os automatismos vezes, fazem supor preocupações sexuais expressas de modo indireto. (A), depois o esquema corporal interior (Anat., Sgue., Sexo), as iden- A presença de 1 a 2 Anat é normal, As radiografias representariam tificações (Hd; H) e finalmente o encontro com os objetos (Obj, Simb, tendências introspectivas e os esqueletos, tendências masoquistas ou Cie, Arte, Arq. Abstr). Os dois eixos delimitam quatro quadrantes depressivas. equivalentes aos quatro setores de estruturação da personalidade: Atividades ou partes sexuais (sexo): Este tipo de conteúdo ca- I (esquerda, ao alto): Capacidade de síntese, aspirações, organi- racteriza os sujeitos inibidos em sua vida sexual e, mais raramente, zação da vida e do mundo (G). pessoas cujos costumes são muito livres. No entanto, as respostas II (direita, ao alto): Contacto com o real (D, F). sexuais na pr. VI são normais e sua ausência aliada à presença das III (direita, embaixo): Afetividade (respostas de cor, movimento, mesmas em outras pranchas, confirma a existência de problemas esfumaçado, em D). Depois destas respostas sexuais da pr. VI, as mais freqüentes IV (esquerda, embaixo): inibições, defesas, oposição, divisões são as estimuladas pelo centro superior ou inferior da pranchas II, (Dd, Do, Dbl). IV e VII e pelas saliências encontradas nos personagens da III (seios e, entre as pernas, pênis). R. Holt, autor americano, sugeriu um sistema de classificação dos conteúdos, tendo o sonho como modelo (cf. resumo em francês in Sangue (Sgue): Uma resposta com tal conteúdo vem sempre M. Turbiaux, Os processos primários e secundários nos conteúdos do acompanhada de uma perturbação emocional violenta. Neste sentido, Rorschach, Soc. fr. Méth. proj. Rorschach, 1968, 85-100). Em iguala-se ao choque ao vermelho: falta de controle emocional, em sua opinião, toda resposta deve ser classificada em função de quatro especial sobre a agressividade. A resposta fogo tem o mesmo signi- aspectos: 1) significado afetivo, ou libidinal (7 categorias) ou agres- ficado, A porcentagem de respostas Hd + Anat + Sexo + Sgue é sivo (3 categorias), nos dois níveis de manifestação primário e um indicador angústia, que se revela positivo acima de 12%. Plantas, botânica (Bot. ou também Significação análoga à dos A, porém com um sentido ainda mais infantil, havendo as N. CANIVET. Introduction à une discussion sur les contenus, Bull. 1956, 8, Recomenda-se empregar porque este tipo de conteúdo se refere exclusi- 19 A. F. CERF, Les dimensions de la personnalité vamente às plantas como encontradas na natureza e não como objeto cientí- à travers l'épreuve de Bull. Soc. fr. Rorschach project, fico, conotação que poderia ser indevidamente deduzida se empregada a abre- viatura Bot (Botânica) (N.T.).mesmas possibilidades de interpretação simbólica. Aparecendo em e emoções. As respostas estátuas, desenhos, caricaturas representam grande número, fazem supor desvitalizações. Geografia (Geo): indicam "complexo de do tipo Construções Arquitetônicas (Arq.): Representações simbólicas do escolar*, ou desejo de evasão, ou fuga a uma práncha mobilizante corpo humano (Klopfer); compensação de falta de segurança interior através de respostas fáceis (mapas). Enseadas e golfos teriam o sentido (Böhm). de procura de um abrigo, ou de ameaça de fechamento, Objetos fabricados (Obj.): Preocupações imediatas do sujeito. Paisagens (Pais): Atração pela natureza; ansiedade e depressão vezes, relacionados com a profissão. Objetos pontudos, armas: agres- (quando ligadas ao esfumaçado); narcisismo se a paisagem está refle- sividade e sentimentos de estar sendo ameaçado. Pinças: sentimentos tida na água. As respostas de rochedos, freqüentemente dadas pelas de privação de liberdade; medo de castração. Objetos côncavos, urna, crianças pequenas, parecem subentender busca de solidez, de firmeza; vaso, especialmente em localizações interpretadas como órgãos geni- entre adultos, refletem muitas vezes características esquizofrênicas (fi- tais femininos: glorificação da mulher; medo da mulher, nos homens; xação ao seio materno perdido). As respostas de natureza** ocorrem homossexualidade latente e rejeição do homem, nas mulheres (a res- com freqüência em psicopatas: incapacidade de controlar os instintos. posta flor aberta tem o mesmo significado). Jóia: desejo de ostentação. As respostas aquáticas em casos de alcoolismo mostram uma fixação Abstração (Abstr.): A emoção suscitada pela prancha é tão forte que o sujeito só consegue expressá-la por meio de uma definição ale- Insígnias e Emblemas (Símb.): Busca de prestígio futilidades; górica do que vê (pr. IX: a imagem da guerra; em cima os soldados, submissão à autoridade e às regras sociais. no verde o campo de batalha, no vermelho os feridos), em vez de Brinquedos: No adulto, evocar temas concretos. São indicadores de complexos. Sua elaboração Vestuários (Vest.): Necessidade de se proteger, de se disfarçar, de intelectual pode atingir nível elevado. se Na mulher valorização da aparência, com recusa subja- Elementos (água, ar, terra) e Fragmentos: Respostas dadas por cente eventual da feminilidade; medo ou recusa da gravidez, em se crianças muito pequenas. Sinal provável de neurose ou psicose no tratando de roupas apertadas na cintura. adulto. Lama, fezes, sujeira: neurose obsessiva; micróbios, carne em Máscara (Másc.) Tendência a ocultar a verdadeira personalidade. decomposição: tentativa de luta contra uma evolução psicótica e a Em GDbl: pensamento mágico; em D ou Dd: angústia fóbica; aliado desorganização da personalidade (através de uma perversão, por a K: falta de senso de responsabilidade, psicastenia (Kuhn, citado à exemplo); árvore pobre, madeira queimada e carbonizada, massa de Valorização de si mesmo (Klopfer). fumaça negra: estado depressivo com idéias de suicídio. Temas Alimentares (Alim.): Associados ou a regime, ou a fome, Respostas de número e respostas posicionais (Po): Rorschach ou fixação Cf: Goela aberta: símbolo da mãe devoradora. As destacou-as, muito acertadamente, como típicas dos esquizofrênicos. A respostas de bebidas permitem suspeitar de tendências ao alcoolismo. resposta é determinada pelo número das manchas (VII: seis faces) Temas Artísticos (Arte): Interesses artísticos, seja por se dispor du pela do detalhe em relação à mancha em geral, sendo de uma cultura em profundidade, seja por defesa contra necessidades que esta é quase sempre sentida como imagem desagregada do próprio corpo (VI, Dd central: coração, porque está no meio). Alguns autores observaram respostas de som, por ex.: barulhos Necessidade de demonstrar conhecimentos, erudição, cultura (N.T.). desdobramento da categoria Pais, em Paisagem e Natureza (Nat) deve (Caruso); ou estereognósicas, como impressões de peso (Girdham). ser adotado, tendo em vista a diferença de nível de elaboração e interpretação Sua significação não é muito existente entre conteúdos tais como rochedos, pedras, rios (Nat) e pôr-de-sol, no verão, refletido num lago, uma floresta com montanhas longe etc. (Pais). As respostas Nat são muito mais "primitivas", em termos de 20 G. TAMARIN, Un essai d'explication des reponses visão do mundo, do que as respostas Pais (N.T.). Psychol. app., 1957, 1. 94 95Conteúdos duplos por exemplo, A/Alim, Vest/Sexo etc. perceberam (imagem). A obra de N. Rausch de Traubenberg (citada são classificados por Beck, quando cabível, assim como procede no à p. 134) inclui as listas de Oberholzer e Piotrowski. caso dos determinantes. Rorschach classifica respostas originais (Orig.), ou seja, as que se repetem menos de uma vez em cem. A Orig. + é sinal de inteli- Fatores adicionais gência criadora e a Orig. -, sinal patológico. Muitos especialistas abandonaram tal classificação, por ser subjetiva: seria impossível es- São reunidas na quarta e última coluna do levantamento. tabelecer estatisticamente listas de respostas cuja incidência é tão rara. A) Respostas Vulgares V dadas por um indivíduo em três Além disso, só se pode falar em originalidade dentro de um contexto (Rorschach) ou um em seis (autores subseqüentes), mostram uma cultural determinado. adaptação social rudimentar: ver banalidades é ver o que todo mundo B) Os Choques são reações de "estupor afetivo" (Rorschach), de vê. Portanto, tem o sentido de conformismo social, de participação perturbação emocional intensa, provocadas no sujeito por particulari- no pensamento coletivo. número normal de V em um protocolo dades de certas pranchas. Desencadeiam uma desorganização do pen- varia de 5 a 7, sendo excessivo o conformismo, quando ultrapassado tal samento racional e do controle por ele exercido sobre a personalidade intervalo: o sujeito quer parecer igual a todo mundo, é influenciável; e subentendem atitude neurótica de repressão dos afetos. quando ocorrem menos de 5 V, tende-se ao autismo, ou eventualmente Para afirmar a existência de um choque, deve-se observar a pre- ao desejo de contrariar idéias recebidas. Mesmo os esquizofrênicos sença de cerca de 5 dos sinais seguintes: dão respostas V. A ausência das respostas vulgares nas pr. III, V e queda do rendimento quantitativo (R) ou qualitativo em VIII é um sinal patológico. cálculo do V% é pouco aconselhável, uma prancha, comparando-se com as outras; pois o número de V é limitado, enquanto o de R é teoricamente ili- aumento supercompensatório do número de respostas; mitado; para um R normal (entre 20 e 30), V% estaria entre 20 e mudança do tipo de apreensão: o sujeito deixa de dar G ou D, 25%. refugiando-se no branco (Dbl) ou na periferia das manchas (Dd); A lista dos V, evidentemente, varia de um país para o outro - irregularidade na sucessão; (e talvez em função do tempo). As principais listas de vulgares são ausência de respostas de cor nas pranchas coloridas; apresentadas no quadro das pp. 100-103. A lista francesa não foi vali- ausência das respostas esperadas em uma prancha, especialmente dada estatisticamente* resultando confrontação entre os técnicos mais das V; experimentados. Loosli-Usteri fornece em sua lista as svulgares para empobrecimento do conteúdo; G primárias primitivas; adultos e crianças. A divergência entre as duas listagens americanas aumento do tempo de latência; decorre do fato de Beck (lista maior) valorizar o que é dito pelos manipulação agitada da prancha; hesitação; silêncio; negação; sujeitos (verbalização), enquanto Klopfer (lista menor) valoriza o que - recusa; exclamações de fundo emocional, aprovando-se ou desaprovando- No Brasil, foram consideradas Vulgares as respostas seguintes, tendo como se a prancha; critério uma incidência de uma em seis (freqüência mínima de cf. comentários críticos ou Teste de Atlas e Dicionário, já citado à pp. XII-XV: pr. I, G morcego, borboleta, pássaro; pr. G ou D negro duas pessoas fantasiadas - respostas excêntricas, infantis; e D negro dois III, G duas pessoas e D preto lateral duas - respostas como expressão simbólica dos problemas do sujeito. pessoas; pr. IV, G pele de animal, pessoa fantasiada: pr. V, G morcego, A presença de um pequeno número de sinais somente, em es- borboleta, pr. VI, G pele de animal; pr. VII, dois terços superiores D dois animais; pr. VIII, G ou D rosa lateral animais; pr. IX, não pecial a queda de rendimento, é um equivalente do choque, indicando há banalidade; pr. X, D cinza superior dois animais e D azul lateral personalidade que domina seus afetos. Quando as respostas são de caranguejo (N.T.). conteúdo fantasioso, supõe-se uma personalidade que teme seus afetos. 97Os dois tipos principais de choque são choque-cor, descrito Choque sexual, pr. VI: preocupações referentes a problemas por Rorschach, e o choque ao negro, descoberto simultaneamente por sexuais Oberholzer (1937 e 1944), na e por Miale e Harrower Choque à simetria (Orr), na prancha V: índice de psicopatia ou Erickson (1940), nos Estados Unidos. de esquizoidia. Em ordem de decrescente, por prancha, o choque Choque ao desbotado e à cor em gradação de nuances (Michèle cor se produz em reação à II, IX, VII, X. um choque neurótico, Grosclaude), às nuances pastel, quando duas delas se fundem, nas indica a existência de neurose patológica. Sob sua influência, "o pranchas II, VIII, IX, X: mais freqüente nas mulheres, é sinal de indivíduo torna-se bloqueado, ineficaz, inexato e se empobrece" (Beck). culpabilidade frente ao desejo de contacto homossexual proibido Este choque se associaria mais especificamente à cor vermelha, im- com a mãe, cuja imagem é vivenciada como invasora e propensa plicando a repressão de agressividade inconsciente, mobilizada pela à fusão com a da própria pessoa (donde o caráter mobilizador cor, fonte de sentimentos de culpa. Desencadeia-se bruscamente e da fusão das cores), sendo agressivamente degradada pelo sujeito. corresponde ao surgimento da inibição Böhm descreveu ainda fenômenos de interferência, seja quando 0 choque ao negro, ou choque ao esfumaçado, ou choque dis dois choques se misturam, seja quando tal interferência se manifesta fórico, ocorre principalmente nas pranchas IV e VI, e também, V, VII retardando o Choque Clob, deslocado da prancha IV para a V, ou VI, e I. Faz emergir uma angústia central no sujeito, de origem muito ou o Choque Cor, deslocado da VIII para a IX ou para a X. Se o antiga, enraizada na infância, e que paralisa sua energia. Mais difuso deslocamento se der para a VIII, o Choque Clob se sobrepõe ao e duradouro do que o precedente, tal choque denota desordem e Choque Cor, sendo negativo o prognóstico e constitucional o problema confusão interiores, sujeito verbaliza seu mal-estar em termos de do sujeito. Quando se dá para a IV, o Choque ao Vermelho se so- comentários disfóricos, Submerge-se em todo tipo de perigo, interior brepõe ao Choque Clob e o prognóstico é positivo, pois o fenômeno ou exterior, real ou imaginário e entrega-se aos efeitos debilitantes da prova que a origem do problema está na influência do meio familiar angústia. (Böhm), ou na repressão da agressividade (Loosli-Usteri). Outras formas de choque foram descritas: A escola contribuindo para aumentar a lista Choque inicial (Mohr), pr. I: dificuldade de dar partida; sinal de dos choques, considera-os muito relevantes. Pelo contrário, certos falta de segurança. autores americanos embora Beck mantenha a classificação dos choques hesitam em registrá-los, uma vez que todas as Choque ao vazio (Orr), prs. VII, IX: caracteriza as fobias ao cias a respeito do primeiro e mais importante deles (Choque Cor) che- núcleo pré-genital; perturbações precoces nas relações com a imago garam a levantar suspeitas quanto ao seu significado: a maioria dos materna; neurose de abandono; certas idéias fixas de morte. sujeitos testados (65 a 85%, conforme os autores) apresentam sinais Choque ao branco (Böhm), prs. I, IV, ou melhor choque ao buraco desse choque, fato indicativo da inexistência de qualquer implicação (= símbolo sexual feminino): sinal do medo à mulher e do con- de anormalidade em tal fenômeno, ou da possibilidade de se rotular tacto sexual, em homens; sinal de protesto viril, em mulheres. quase todo mundo como anormal. E mais ainda: sujeitos submetidos Choque ao azul (Böhm): interpretação insegura. a um Rorschach acromático (pranchas somente em preto e branco) Choque ao marrom (Böhm, Salomon): sinal de fixações ou de continuam apresentando os sinais do Choque Cor naquelas pranchas problemas dependentes da fase erótica anal. onde a cor desapareceu. Isto levaria a provar que certas pranchas, Choque cinestésico (Loosli-Usteri), pr. III e também I, II, IX: em comparação com as outras, são mais difíceis em termo de organi- sinal de defesa contra a angústia com recurso a rigidez, sendo o zação perceptiva devido à excentricidade da conformação, à dis- sujeito incapaz de produzir uma resposta K; característico do persão da massa, ao grau de heterogeneidade do esfumaçado, repre- sentando a cor apenas um acréscimo de dificuldade e que tal com- 98LISTA DE RESPOSTAS VULGARES LISTA DE RESPOSTAS VULGARES PRANCHAS RORSCHACH LOOSLI-USTERI BECK KLOPFER LISTA G Morcego Qualquer animal alado Morcego Qualquer ser atado Pássaro, Inseto Borboleta borboleta Camarão Falena (Exclui pássaro) D Central Personagem humano Forma humana: mulher ou eriança G Dois palhaços Homens Seres humanos D negros Animais Cachorros exclusiva- Animais (inteiros ou cabeças de ani- Ursos mente em parte) mais ou dois animais D vermelho superior Bichos D vermelho inferior: Dbl central Lâmpada Borboleta III G negro Dois homens elegantes Personagens Um ou dois seres huma- Dois seres humanos Personagens nos, bonecos, estátuas, vados caricaturas Dois animais ensinados D vermelho central Borboleta Borboleta Borboleta Borboleta Gravata borboleta Gravata borboleta Gravata borboleta Pele de animal Pele de animal IV G Pele de animal Pele Morcego Homem vestido com uma pele D lateral Bota Pé calçado V G (nas duas po- Morcego Morcego Qualquer ser alado Pássaro, morcego, bor- sições) Borboleta Borboleta boleta Falena (exclui pássaro) D lateral Perna humana ou animal Coxa de frango VI G ou D inferior Pele de animal Pele de animal Pele de animal Pele de animal Pele de animal Pele Bicho pendurado D superior Pássaro em um açougue Instituto Superior deLISTA DE RESPOSTAS VULGARES LISTA DE RESPOSTAS VULGARES PRANCHAS RORSCHACH LOOSLI-USTERI BECK KLOPFER LISTA VII D terço Faces mascaradas Cabeça de criança ou Cabeças ou faces hu- de mulher manas D terço Faces mascaradas Cabeça de elefante G ou D (geralmente femininos) em cima de pedra, Bustos, Estátuas VIII D rosa lateral Animais (ursos, cachor- Animais animais ou Quadrúpedes em movi- Dois animais ros) brasões mento D ou Dbl central Elementos do esqueleto D rosa inferior Cabeça de animal, por exemplo, exposta no açougue IX D rosa Cabeça de homem Cabeça de homem Cabeça de homem Cabeça de homem D laranja Palhaços Personagens D azul lateral Caranguejo, polvo, ara- Caranguejo, polvo, ara- Crustáceo, aranha, octó- Qualquer animal de Caranguejo, polvo, ara- nha nha pode muitas patas nha D verde-claro inferior Cabeça de coelho Cabeça de coelho Cabeça de coelho Qualquer cabeça com Cabeça de coelho orelhas ou chifres lon- gos D verde-escuro inferior Lagarta, serpente, ca- Lagarta, verme, enguia, valo-marinho (com a cavalo-marinho, pr. invertida) D cinza superior Animais, insetos Dois animais D laranja central Cereja, ameixa, visco 21 Três vulgares suplementares são discutidas na lista francesa: IX, D-laranja personagens; IX, D-verde acinzentado cabeça de veado; X, amarelo central leões ou cachorros, Propõe-se que sejam classificadas como: tendência a V V). Urso, camundongo, ratos, roedores, castores, ratos almiscarados, esquilo ou então animal, simplesmente. Mas não raposas, gatos, leões, tigres, cachorros eplexidade normalmente provoca uma perturbação no sujeito. Estão caria uma tentativa, às vezes tragicamente fracassada, de refúgio ao apenas iniciadas as pesquisas referentes ao da cor, considerada seu lado (Loosli-Usteri). Os Dde já foram sinalizados como fuga em separado dos outros fatores: a cor aumenta o tempo para cada frente à mancha: se se encontram na parte superior, haveria fuga no resposta; torna mais difícil a percepção de formas precisas; perturba sentido da espiritualidade, da megalomania; se situados na parte in- a percepção dos sujeitos "normais instáveis" ou a dos neuróticos, mas ferior, haveria uma reação depressiva, ou uma aderência a preocupa- não a dos "normais estáveis", ou a dos psicóticos. Desse modo, abre-se ções anais ou sexuais. Sal y extraiu as seguintes constatações caminho para uma diferenciação científica das perturbações objetivas de um estudo sobre a colocação espacial dos Dd: a periferia e a zona e subjetivas provocadas pela cor e, mais geralmente, por qualquer superior das pranchas são com muito mais freqüência interpretadas determinante em particular. do que o centro ou a zona inferior. sujeito, ansioso devido à sua C) Diz-se que há recusa quando o sujeito não dá qualquer inter- desordem interior, observa compensatoriamente a simetria das man- pretação para uma prancha. As pranchas mais recusadas são, em ordem chas, podendo mesmo achá-la Alguns interpretam apenas decrescente: IX, VII, VI, IV e, por fim, II; trata-se sobretudo de uma parte lateral da prancha, em geral a direita, quando a mesma recusas neuróticas, ficando o sujeito na impossibilidade de superar coisa é vista do outro lado (inibição neurótica); ou, ao contrário, a inibição provisória desencadeada pelo determinante principal ou reúnem as duas partes na percepção de um só personagem: sinal de pelo simbolismo da prancha. As outras recusas sugerem as hipóteses plenitude e de criatividade, em sujeitos aliás bem-dotados (Orr). Aque- psicóticas ou orgânicas. Durante o inquérito, convida-se o sujeito a les que observam minúsculos detalhes raros existentes em um dos uma reformulação de sua recusa. No primeiro caso, o bloqueio pode lados de uma prancha, e não no outro, são ansiosos, inibidos, oposi- ser superado por persuasão: portanto, está ligado a um conflito psí- cionistas, ou canhotos contrariados, ou pessoas com problemas de quico. No segundo caso, o bloqueio é insuperável; faz parte da es- lateralização. Schachtel destacou as respostas de forma nas quais o trutura mental do indivíduo doente. Uma única recusa pode ser en- dinamismo pulsional do indivíduo se expressa por meio de relações contrada no caso de um sujeito normal mas emotivo. Havendo recusa, espaciais: formas em V ou em U, coisas percebidas como pequenas o examinador deve sempre estimular o sujeito a responder. ou grandes, como sólidas e compactas ou como frágeis e despedaçadas Yvonne Castellan (1974) propõe a distinção de recusas devidas etc. Tal material deveria ser relacionado com as configurações obtidas a um bloqueio ansioso paralisante impotência para responder no teste da aldeia. quando o sujeito, apesar de se esforçar e cooperar não consegue en- E) Outros fatores É possível apenas enumerar de modo su- contar uma resposta (ver obra citada, p. 134). mário os outros fatores conhecidos atualmente e que podem desempe- Quando o sujeito esquece, no inquérito, uma resposta dada e nhar um papel na interpretação: nega tê-la emitido, trata-se de negação. Este comportamento tem o perseveração da mesma resposta em várias pranchas; mesmo significado que a recusa, porém atenuado. descrições; D) fator espacial A utilização do espaço pelo sujeito ainda impressões; não foi sistematicamente estudada no teste de Rorschach. Enquanto comentários críticos; têm sido muito desenvolvidas as interpretações caracterológicas, ges- taltistas psicanalíticas do teste, carece-se ainda de uma interpretação observações accessórias; explicações complementares (Beck); em- inspirada na grafologia, nos testes da aldeia ou no da árvore. Se- belezamentos e complementos; guem-se dados ainda fragmentários, como atualmente disponíveis: o respostas "ou" (alternativas para precisar a resposta); cixo central das manchas representaria o pai (Rorschach) e sua inter- pretação indicaria a busca do apoio paterno, da autoridade, da se- 23 Remarques sur la position des zones de réponse dans le test de Rorschach, gurança. horizontal representaria a mãe e interpretá-lo indi- Bull. Group. fr. Rorschach, 1956, 30-32. 105consciência, ou não, da interpretação por parte do sujeito; A interpretação deve apoiar-se inicialmente nos aspectos numé- auto-referências. ricos, pois são objetivos e constituem uma garantia para o psicólogo, Observe-se que as respostas dadas em forma negativa ou inter- contra suas próprias projeções. Somente na fase seguinte, a interpre- rogativas são classificadas de maneira normal. tação poderá vir a ser qualitativa e mais apurada. Interpretando-se o psicograma, seguem-se geralmente quatro etapas sucessivas: inteli- 5. A INTERPRETAÇÃO gência, afetividade, pontos vulneráveis, síntese da personalidade. Tal Interpretação quantitativa ou estatística esquema, porém, pode ser modificado para adaptar-se ao problema específico de cada caso, A) Totalizam-se as respostas classificadas em cada categoria, organizando-se o psicograma apresenta-se do modo B) Inteligência Em certos aspectos, o Rorschach é um teste de que se segue, lançando-se os totais ao lado das categorias correspon- inteligência. Enquanto os testes psicométricos medem a inteligência dentes e abolindo-se uma categoria, quando for igual a zero. como matéria-prima, ou seja, as possibilidades intelectuais puras do sujeito (permanecendo entretanto, de fato, sensíveis ao treinamento R T T/R escolar e social da inteligência), o Rorschach fornece indicações sobre G F+ H o rendimento intelectual de fato do sujeito, sobre como a inteligência D F- Hd V funciona em situações concretas existenciais, principalmente em si- Dd (H) Choque tuações difíceis do ponto de vista emocional. Não separa, portanto, Dbl K A Recusa a atividade intelectual do resto da personalidade. Além disso, é "uma Do Kp Ad Outros fatores Kan prova de inteligência quase completamente independente do conheci- Anat. G% Kob Classificar em ordem de importância mento, da memória, do exercício, da educação" (Rorschach) e, em VIII+IX+X% D% FC Geo particular, da influência escolar (Beck); sob este ponto de vista, o Dd% CF Pais Dbl% C Obj FE Arte Tipo de apr. EF Símb. E Abstr. numérica decrescente. Sgue% material é simples, podendo ser empregado em casos com qualquer grau de inteligência. Identifica inibições da eficiência intelectual e informa sobre a origem de tais inibições: retardamento mental, de- mência ou prejuízo de fundo orgânico, perturbação neurótica de fun- do afetivo. Suces. Elem. ClobF Rorschach via, nos sinais seguintes, a marca da boa inteligência: Clob F+% entre 80 e 90; Cn H% A% sucessão ordenada; F% G > 10, desde que G+ e às vezes ligado a K; F+% tipo de apreensão rico; presença de K; A%Trabalhos trouxeram os seguintes esclarecimentos aparecem originalidades em respostas D e Dd (e não mais nas G), e complementos: quando A > Ad (e não mais quando H > HD), Zulliger. 1 K: inteligência pobre; 2 5 K: inteligência média e su- Este autor propôs uma síndrome do técnico, compreendendo além dos ficientemente rica; 5 K ou mais: inteligência rica ou muito rica traços precedentes: G combinatórias e construídas; respostas de esfu- (Beck e Klopfer). A variedade de conteúdo dos K que não este- maçado em perspectiva ou arquitetônicas; em respostas D; alguns jam relacionados com respostas vulgares (especialmente com a da Dd muito precisos; sucessão ordenada. prancha III) são sinais associados a uma inteligência brilhante. A imaginação criadora abrange as características seguintes, além Um grande número de G é significativo de inteligência rica, se dos sinais de inteligência rica: as G ocorrerem nas pranchas difíceis, isto é, nas IV, VII, Presença de GDbl (capacidade de integrar a figura e o fundo); IX, X (Wischner), e desde que sejam Presença de KC ou KE (capacidade de integrar vários determi- tempo por resposta é igual ou um pouco inferior à média e o nantes diferentes simultaneamente); número de respostas é superior à média nos indivíduos apresen- - A% e V baixos; tando bom desempenho intelectual. Sucessão relaxada (capacidade de escapar aos hábitos de pensa- Além das F+ dos K, os sujeitos inteligentes dão respostas de mento e aos métodos apreendidos); e esfumaçado; a riqueza e a variedade da segunda coluna Presença de Kp, Kan, Kob (indicando forte energia latente, por do psicograma, portanto, justificam a suposição de inteligência outro lado fonte de conflitos para o sujeito; os conflitos psíqui- elevada; Rorschach fizera a mesma observação para a primeira cos são, de fato, uma das características do gênio criador); coluna (excluindo o Do). Numerosos K+, apresentados rapidamente e com conteúdo o mais Klopfer estendeu tal constatação à terceira coluna: quando o su- possível ativo e espontâneo, ligados a H e não a Hd ou a (H); jeito é pelo menos um pouco inteligente, 25% dos conteúdos, FC e FE bastante numerosos (deixar a inteligência ser estimu- no mínimo, são constituídos por outros além dos humanos e ani- lada pelas emoções, sem ser subjugada por elas). mais. A variedade de conteúdos reflete a variedade de interesses C) Afetividade e caráter No sentido fundamental das propor- da pessoa, resultantes da integração de suas capacidades intelec- ções respectivas entre tendências introversivas e extratensivas, segun- tuais aos traços de sua personalidade. Além disso, H deve ser do Rorschach, o caráter é determinado pelo tipo de vivência, com- superior a Hd. pletando-se pelo VIII + IX + X%. Beck fixa as indicações seguintes: estima-se o nível intelectual Anteriormente, viu-se também que a análise das respostas de cor em função do número e qualidade das G e do valor do processo de e e das reações do sujeito frente à cor (fuga, recusa, cho- organização Z; o tipo de apreensão informa sobre a flexibilidade da que, mobilização, disforia) informam a respeito da afetividade da inteligência; a sucessão, sobre o controle intelectual; o F+%, sobre força do ego e o predomínio da atenção e da capacidade de jul- pessoa. Outros fatores esclarecem o modo pelo qual o sujeito controla gamento; o A% e o número de vulgares, sobre a adaptabilidade em sua afetividade. Segundo Böhm, o controle normal se relaciona com termos da inteligência. As indicações, anteriormente fornecidas, dizem respeito sobretu- um número relevante de G + e de K e com um F+% normal; se do à inteligência entendida como teórica ou abstrata. A inteligência estes índices estiverem rebaixados, o controle é insuficiente. Por outro prática pode ser reconhecida quando os D são numerosos, quando lado, a inibição patológica da afetividade se revela pelas respostas Glob, Dbl e pela presença de choques. De acordo com Klopfer, para haver controle interior o número de K deve ser uma vez e meia 14 Cf. A. MERY, Intelligence, valeur existentielle et test de Rorschach, tese maior que a soma de Kan + Kob. E o controle externo ou sociali- Lyon, 1959. 109zado supõe FC > CF + C, F% normal, FE entre ções, os determinantes e os conteúdos, número de respostas, os F + FE comentários, o tempo de latência e o T/R, a manipulação das pran- 1/4 e 3/4 de F, Um controle insuficiente ca- R chas, o comportamento do sujeito, sua atitude para com o examinador. De tal modo, a dinâmica das zonas de conflito é aprofundada racteriza-se pelas respostas de cor mal vistas, por um F% 2 X K. F% elevado, F+% baixo e A% elevado se do sujeito se torna possível, concreta não mais abstratamente. Com relacionam com um controle restritivo e efeito, são raros os indivíduos que mantêm uniforme um mesmo esti- D) A adaptabilidade do sujeito e seus pontos nevrálgicos A lo, do começo ao fim. Mudam nas pranchas pretas, ou nas coloridas, capacidade de adaptação do sujeito à diversidade de situações de ou nos dois tipos de prancha. Ou então, se uma prancha perturba-os vida é indicada por um número normal ou elevado de respostas V vivamente (IV, V, VI ou VII), não apresentam mais a mesma di- (adaptabilidade do ponto de vista intelectual), de D (sentido de rea- nâmica, comparando-se antes e depois. 0 teste pode ser subdividido lidade), de FC (contacto social), de H (contacto humano profundo), em-duas ou três distintas, mostrando próprio sujeito, no de K de extensão (contacto positivo com mundo exterior) e por decurso de cada uma delas, um aspecto diferente de si mesmo. Al- um tipo de vivência tendendo à extratensão. autismo esquizofrê- gumas pessoas começam por um foco de distúrbio, recuperam-se e nico caracteriza-se pelo inverso. Também é preciso considerar a ati- terminam desenvolvendo o que têm de mais positivo dentro de si tude frente à prancha V. (ou só o conseguem durante o inquérito, quando apresentam respos- Ao mesmo tempo que se avalia o grau de adaptabilidade do su- tas adicionais, ou em um reteste imediato, submetidos ao Z ou ao jeito, é possível pesquisar sistematicamente os sinais indicativos da Behn Rorschach). Outras mostram-se primeiro em sua fachada existência de pontos nevrálgicos (inibições, angústia, conflitos não- social, rompem e liberam depois seus problemas pessoais e sua per- resolvidos), capazes de limitar o processo de adaptação: sonalidade angústia: cf. a lista de sinais apresentada a seguir, p. 124; Ao terminar o teste, pode-se pedir ao sujeito como o faz controle insuficiente ou excessivo: cf. o § C precedente, p. 109; Morgenthaler para indicar as duas pranchas que lhe agradaram choques; e lhe desagradaram mais. Tais escolhas podem ajudar a definir a di- nâmica das respostas. compulsão para repetir a mesma localização (ou G, ou D, su- cessão rígida); PRIMEIRA PRANCHA As duas respostas comuns são o ausência de uma categoria de resposta importante: G, D, Dbl, animal alado (G) e o personagem feminino (D central). A ausência K, respostas de cor, respostas de esfumaçado, H, A, V; das mesmas levanta um problema cuja solução só será possível con- afastamento muito significativo em relação aos padrões habituais, siderando-se o restante do protocolo. no que se refere às várias porcentagens. A primeira resposta apresentada ilustra como o sujeito reage de imediato às situações novas. Neste sentido, foi possível situar um cho- Interpretação temporal ou dinâmica que inicial e uma dificuldade de dar partida. Uma resposta V é a defesa mais comum contra este tipo de choque. Trata-se agora de retomar as respostas na ordem em que foram Algumas respostas possuem um significado especial, a ser con- dadas pelo sujeito, de modo a estudar seu encadeamento à luz do firmado pelo resto do protocolo: quadro global de sua personalidade. Assim verificam-se e delimitam- se as inter-relações dinâmicas que se chegaram a hipotetizar. Primei- 1 G: Cabeça de gato ou de outro animal: medo do mundo exterior; G: pássaro batendo as asas: tendências paranóides; no contexto de cada prancha, depois sucessivamente prancha por D lat: perfis: atitudes de crítica sistemáticas; prancha, observam-se como variaram e se sucederam: as localiza- D lat: feiticeiras: imagem materna ameaçadora; 110 111D centr.: (cf. anteriormente apresentado, p. 88); vagina): o conteúdo e o estilo destas respostas determinarão qual o D centr.: vestes transparentes: tendência a adivinhar que há por grau de perturbação do sujeito por problemas sexuais; a perturbação é nítida, se a resposta sexual for deslocada para o Dbl central, ou trás do personagem vivido pelas pessoas: monges, figuras re- se a prancha lhe parecer suja (lama e sangue, menstruação). ligiosas: recusa a diferenciar os sexos; personagem levado contragosto a fazer alguma coisa; esquizóide ou obsessivo; órgão TERCEIRA PRANCHA A ausência da percepção de seres masculinos, confirmada pela pesquisa de limites, faz supor uma inca- feminino (visto por uma mulher): fixação incestuosa; D sup: mãos: ou pedido de socorro, ou ameaça; pacidade, muito provavelmente psicótica, de identificação com outros seres humanos. A figura humana percebida sem cinestesia, ou na D sup: boca aberta: agressividade oral; incerteza quanto ao sexo, ou o choque a esta prancha (cf. a seção Dbl centr.: fantasma andando, homem invisível: tendências paranóicas; consagrada aos H, p. 87) denotam inibição referente à virilidade: Dd cinza-claro centr.: tomahawk, machado: psicopata agressivo. o homem teme sua virilidade, a mulher teme o contacto com o par- Quanto à significação global da prancha, foram feitas as se- ceiro sexual. Os dois personagens são muitas vezes vividos incons- guintes hipóteses: cientemente como o par parental e, o sujeito revela em suas a) Situação de primeiro confronto: "Quem (Merei); respostas, sua relação edipiana com os pais. Além do mais, é inte- b) Autoridade paterna (Mohr): o choque a esta prancha indicaria, ressante ver se a reação à cor é a mesma já apresentada frente à se confirmado na prancha IV, uma perturbação no relaciona- prancha anterior. mento com a figura paterna; G marionetes, bonecos mecânicos: esquizofrênicos com idéias de Distúrbio nas relações pré-genitais com a mãe (Orr) confir- influência; mar nas pranchas VII e X se o D central for visto como ves- Dd centr. infer.: maxilares que se fecham, draga mecânica: tendências timenta, esqueleto, vaso, arquitetura, A ou (substituto desvita- paranóides, fobia de lugares lizado da mulher); G, barco: símbolo da vida intra-uterina; de- QUARTA PRANCHA A ausência das respostas comuns pendência total da mãe; G, montanha: símbolo dos seios: des- o ser humano ou animal para-humano (G) e as botas (D lat.) valorização da imagem materna, busca do apoio fundamental. coloca um problema. A reação do sujeito ao esfumaçado merece ser A diversidade de tais hipóteses é explicada por um fenômeno observada, devendo-se seguir a evolução de tal reação nas pranchas mais básico: o sujeito entra em contacto com o examinador, come- seguintes V, VI, VII. o conjunto das quatro pranchas cinzentas cons- çando a desenvolver, em relação ao mesmo e à prova, um processo titui um material reativo à angústia (choque ao negro). dinâmico de transferência, no sentido psicanalítico do termo. A hipótese geralmente aceita acerca da significação global desta SEGUNDA PRANCHA Como reage o indivíduo à cor? Con- segue integrá-la em uma G? Ou pelo menos interpretá-la como D? prancha é o simbolismo paterno; de fato, os sujeitos exteriorizam frente a ela representações da autoridade paterna, angústia infantil A resposta dois animais ou dois homens em interação constitui a glo- e sentimentos de culpa diante do superego, complexo de castração, bal mais no entanto a cinestesia pode ser bloqueada pela transformação da agressão em depressão e eventualmente de perturbação devida à cor. Geralmente, aparecem nesta prancha as suicídio. Chegou-se a encará-la como a prancha reveladora dos su- primeiras respostas com um significado afetivo pessoal (Anat. ou jeitos propensos ao suicídio (G: dente caindo de uma árvore podre; Sexo). sujeito revive, nela, algum dos principais conflitos de sua pedaço de madeira queimado e carbonizado; massa de fumaça negra). infância. Se mobilizado pela cor (Choque Cor), reage seja através da Podem apresentar-se respostas com simbolismo sexual: a) Fáli- passividade ansiosa seja por uma explosão de agressividade (Fo- co, no D centr. inferior (geralmente visto como cabeça de animal, go, Sgue), correndo tais reações tanto em pessoas normais, quanto tronco de árvore) to no D mais externo (serpentes, dançarinas, alface em neuróticos. centro evoca representações sexuais, com bastante murcha); b) Feminino, no D centr. superior ou cabeça). Existe naturalidade (D cinza central superior: falo; D vermelho inferior: 113perturbação psicossexual no caso do sujeito inverter os simbolismos G (reduzida ao contorno): boca desencarnada, nada mais que uma masculino e feminino. Uma resposta sexual associada ao esfumaçado boca: signo capital de esquizofrenia. indicaria que o sujeito vivencia as relações sexuais como uma troca D lat.: montanhas, vales, seios: alcoólatras neuróticos. recíproca (Klopfer). D extremid. lat.: goela de crocodilo: agressividade oral. G: Gorila: obsessivos, depressivos, que projetam a parte viril de sua SEXTA PRANCHA As respostas de esfumaçado são encon- personalidade; tradas mais normalmente nesta prancha do que nas outras: logo, a G: homem na privada: idem + perturbações gastrintestinais; ausência das mesmas representa um problema. o significado univer- D centr. sup: barco que fende a água, bomba caindo: medo salmente aceito da prancha VI faz com que seja considerada, no mo- à penetração; tendências homossexuais; explosão: psicopatas, epi- mento, como a prancha sexual por excelência: o D superior evoca léticos, alcoólatras que procuram voltar ao equilíbrio através de um símbolo fálico e o Dd central inferior, um símbolo vaginal. A uma descarga interpretação fácil e até eufórica destes cortes denota uma sexuali- dade respectivamente masculina ou feminina aceita e integrada QUINTA PRANCHA A ausência da resposta vulgar morcego à personalidade (ex: D da metade inferior: um vale lindo e rico, ro- ou borboleta, confirmada na pesquisa de limites, é sinal de debilita- deado de colinas arredondadas). São sinais de problemas sexuais: mento patológico na ligação do sujeito à Esta prancha é recusar-se à interpretação dos mesmos cortes; respostas com carga vista, assim, como representativa da adaptação à realidade. A cines- ansiosa (ibid. um animal cortado ao meio); a extensão do sim- tesia animal, sendo freqüente, mostra como o sujeito sente o mundo bolismo sexual a outros cortes, especialmente a toda a linha central exterior (planar, ameaçar). As respostas dadas a esta prancha são as (coisas grosseiras). lembradas com maior facilidade, pelo sujeito, durante o inquérito; D lat. infer.: cabeça de rei: problemas com a autoridade; nível de qualquer distúrbio de sua evocação, portanto, é digno de nota, aspiração elevado; sentido de realidade se relaciona com uma capacidade normal de Linha central: projétil (ou navio) cortando terra, a água o ar: repressão dos impulsos. E a prancha V esclarece sobre a natureza tendências paranóides ou homossexuais; da repressão exercida pelo sujeito, em especial sob uma forma even- Dd cinza-claro centr.: ninho, ovo: ou regressão a nível infantil, ou tualmente patológica. preocupações referentes à procriação. Os depressivos quase não suportam o efeito de massa negra SÉTIMA PRANCHA Não aparecendo a cinestesia feminina (Choque Clob). A percepção de uma borboleta muito colorida re- normal, pode-se supor uma perturbação das relações mãe-filho. Tra- presenta uma projeção em nível patológico Os obsessivos trans- ta-se da prancha "materna". o vazio central é vivenciado sobretudo põem sua luta pelo equilíbrio entre forças repressoras e forças repri- como colo materno, receptáculo, golfo em que se encontra abrigo. midas para a percepção de uma luta entre dois homens ou dois ani- São muitos os sinais complementares de tal perturbação: mais se enfrentando, ou adormecidos, encostados um no outro. Per- Animais on crianças substituindo a percepção das mulheres; uma só fis humanos são freqüentemente interpretados nas margens desta mulher vista ao contrário: prancha. Abundância de respostas brinquedos ou animais: desenvolvimento so- E também, esta prancha, a da representação de si mesmo (ego cial imaturo; dificuldade de abordar as relações heterossexuais; ideal): o sujeito foge de tal representação através de respostas im- Simbolismo vaginal do D centr. inferior; pessoais (como no caso de delinqüentes detidos), ou manifesta-a em Dd. cinza-claro centr. infer.: casa pequena: necessidade infantil de uma resposta simbólica. o narcisismo feminino transparece, por exem- segurança; plo, em respostas do seguinte tipo: uma jovem, vestida com uma capa G: nuvens: angústia flutuante, insegurança; muito elegante, vai a uma festa. G: neve, bloco de gelo: falta de contacto íntimo com a mãe, viven- ciada como indiferença; frigidez; 114Dbl centr.: iceberg, açude gelado: falta de contacto com o outro e Dd centr. entre o azul e o rosa: medo de que cabo se quebre, ou recurso ao álcool ou aos tóxicos para obter tal contacto; de que o objeto suspenso caia: ansiedade; Choque ao vazio e respostas desvitalizadas (Orr); fato de se interpretarem ou as cores frias (verde, azul), ou Sensação de desequilíbrio e medo de desabamento: G: elefantes equi- as quentes (rosa, amarelo) ainda não foi explicado com segurança. librando-se sobre uma caixa; rochas empilhadas sem estabilidade. NONA PRANCHA É a prancha mais recusada e, certamen- D sup. é interpretado com como uma cena de te, a mais difícil, pois nela as formas são vagas, os grandes cortes disputa e pode informar sobre a manipulação da agressividade por dispersos, as cores vivas e distintas, estando o esfumaçado presente parte do sujeito. e tornando-se os furos centrais por vezes fascinantes, Para chegar a PRANCHA Quando não é vista a resposta ani- organizá-la como G, é preciso integrar a maior parte de tais dados, mal, vulgar, tem-se problema análogo ao colocado na prancha V. supondo-se, portanto, inteligência superior à média e maturidade afe- tiva suficiente (estágio genital, segundo a psicanálise). Percebendo-se na mesma localização alguma coisa um pouco seme- a animais, denota-se atitude crítica. Também são significativos A resposta explosão passou a ser comum nesta prancha, desde os graus de agressividade atribuídos aos animais, ou sua desvitali- as explosões atômicas. As respostas de cor não ocorrem em grande número, ou são zação sob a forma de emblema. Merece ser analisada, com cuidado, a reação do sujeito à cor, fortemente carregadas de emoção, em geral desagradável. Algumas independentemente do fato de ter sofrido ou não um Choque Cor: pessoas acham a prancha agradável, apresentando respostas de cor elaboradas; isto porque vêem, na relação afetiva com o ambiente so- mudança de tonalidade afetiva, em comparação com as pranchas cial, uma estimulação fecunda e propícia. Interpretando esta prancha, anteriores; fica-se frente a frente consigo mesmo, na medida em que a persona- respostas anatômicas e de geografia: atitude estereotipada e arti- lidade seja mais ou menos bem integrada. ficial frente aos estímulos afetivos; se as primeiras respostas Anat. As respostas mais comuns são acompanhadas com do sujeito aparecem nessa prancha, configura-se em uma tendên- cia a preocupações somáticas em situações de mobilização emo- por esclarecimentos pessoais significativos: cional intensa; localizadas no D ou no Dbl central, porém, as D laranja: feiticeiras ou palhaços, porém ameaçadores, bizarros, into- leráveis; Anat. são normais; emprego arbitrário ou "forçado" das cores no conteúdo das res- D rosa: cabeça; mas também cabeça de criança ou de feto: apego postas, em especial, percepção dos animais como coloridos; aos objetos de amor infantil. respostas de passividade diante da cor, sobretudo se se tratar D verde: cabeça estúpida. de um CF em localização de cor pastel; R. Schafer mostrou que a relação transferencial do sujeito para fuga das cores vivas, procurando-se refúgio no cinza ou azul; com o examinador atinge o ápice na prancha IX e que as recusas da mesma muitas vezes representam uma reação à atitude interior fuga da cor, interpretando-se o branco: é rara em pessoas nor- hostil do examinador. mais; aparece em casos de de angústia, de histeria e de esquizofrenia nesta última, ligando-se a C" ou a K (morcego DÉCIMA PRANCHA E, mesmo tempo, a última e a mais branco, fantasma voando). dispersa. Constitui-se em ruptura da transferência com o examinador: A prancha VIII seria representativa da afetiva (Merei). alívio por haver terminado a prova e alegria infantil, manifesta em Com ela, o sujeito reencontra o mundo exterior socializado (Monod), uma multiplicidade de animais; ou então, cansaço neurótico após terem as pranchas II a VII evocado como que um resumo da e reação depressiva frente à perda do objeto. Estimula quase que evolução através dos estágios pré-edipianos e edipianos descritos pela exclusivamente respostas D. Uma resposta G revela ou uma capaci- psicanálise. dade intelectual organizadora de alto nível (G secundária), ou fugaà cor (G primária primitiva). Esta prancha favorece, ainda, o maior ração, pode-se levantar as seguintes hipóteses sobre o conteúdo sim- número de respostas vulgares, de modo que sua ausência indica um bólico despertado pelas pranchas do Rorschach: problema. Limitados até esse momento quanto ao emprego de seus I angústia pela perda do objeto recursos, pela complexidade e novidade do material, a maioria dos II diante da cena primitiva sujeitos pode então mostrar aquilo de que é capaz, revelar-se mais III diante da situação edipiana espontâneos e adaptados em suas respostas. Interpretam os cortes IV " diante do superego paterno uns após os outros, seja integrando bem a cor (lagarta verde, pássaro diante da imagem da mãe fálica azul, veado marrom, cachorros amarelos), seja com cinestesias ade- VI " diante da bissexualidade quadas (touro avançando, no verde super., insetos lutando, no cinza, VII " pela separação da mãe aranha correndo sobre a teia, no azul later.; personagem preparan- VIII diante dos estranhos à família do-se para sugar, no rosa). IX diante do impulso de morte Outros, no entanto, perturbam-se com a prancha, devido à cor X de despedaçamento. reagindo, nesse caso, como às pranchas já interpretadas ou devido à extrema dispersão das manchas sentindo verdadeiro cho- Interpretação simbólica do conteúdo que ao despedaçamento (Orr). Tal é a reação dos sujeitos de nível intelectual baixo, ou daqueles cuja inteligência sofre um sério blo- A pesquisa de respostas cujo conteúdo possa simbolizar pro- queio emocional, ou de esquizóides, mal adaptados em termos de blemas pessoais do sujeito introduz um terceiro nível de interpreta- trabalho e vida social, vagabundos, afetivamente indiferentes. Quan- ção. Existem protocolos extremamente ricos, sob este ponto de vista, do se trata de epiléticos ou quadros orgânicos, a tudo isso se acres- mas sua interpretação, semelhante à interpretação psicanalítica dos centa o cansaço decorrente das nove pranchas precedentes, levando sonhos ou das obras de arte, implica em riscos de fabulação ou de às vezes a uma recusa, Myriam Orr relaciona o choque ao despeda- projeção por parte do o significado simbólico de uma resposta permanece hipotético, enquanto não for comprovado por çamento ao choque do nascimento, ou ao do desmame. A prancha X outras respostas e, sobretudo, por outros documentos, outros testes seria ainda uma imagem materna difusa (é interpretada muitas vezes feitos pelo mesmo sujeito. Para confirmar certas conclusões, pode ser como paisagem submarina). Outros autores consideraram-na como a suficiente um inquérito suplementar em que o sujeito desenha suas prancha do simbolismo familiar, devido ao grande número de pe- respostas, ou faz associações livres. a partir quenos Merei vê nela a prancha do espaço. Em geral, os sujeitos elevam o número de respostas nessa últi- Modalidades de discurso ma prancha; quando isso ocorre, é possível recapitular os tipos de percepção e de determinantes apresentados pelo sujeito durante todo teste de Rorschach é um convite ao sujeito para proferir um o Do ponto de vista transferencial, é simétrica à prancha I: discurso sobre o que não tem forma. Promove uma atitude semântica revela de que maneira o indivíduo se desliga da relação inconsciente frente a um material atemático (cf. p. 61). Um discurso como esse estabelecida com o examinador e com a prova. compreende necessariamente modalidades pessoais, típicas do sujeito Perspectiva Dentro de uma abordagem psicana- A identificação de tais modalidades completa a lítica, e tendo um trabalho de Mireille como fonte de inspi- Françoise Minkowska foi a primeira a estudar os protocolos de Rorschach como textos e extrair estruturas de frases expressões ca- 25 M. MONOD, Le symbolisme des pranches et leur sucession dans tation du Rorschach, Bull. Psychol. 1963, 17, 2-7, 26 Cf. a este respeito a obra fundamental de ROY SCHAFER, citado à p. 135. 118Segundo Minkowska, o mundo petrificado do esquizofrênico e o racterísticas de certos tipos individuais. Trata-se de um trabalho de mundo confinado do epilético constituem formas extremas de duas estilística, sendo postulada uma correspondência entre o estilo de uma estruturas mentais gerais: a esquizóide, a da racionalidade, e a epi- pessoa e sua estrutura mental. leptóide, a da em seguida, relacionou Françoise Minkowska precura observar: estas duas estruturas com dois processos fundamentais do discurso, o vocabulário (p. ex., prancha V, a mesma resposta G pode ex- segundo o lingüista Jakobson: a metonímia caracterizaria o compor- pressar-se por três termos de abstração crescente: "morcego"; tamento verbal do tipo epilepto-sensorial no Rorschach, e a metá- "um pássaro, não sei qual é"; "ser voador"); fora, o do tipo esquizo-racional; o primeiro falaria uma linguagem os graus de afirmação (maior ou menor certeza): "eu vejo (um afetiva, aberta sobre o mundo; o segundo, uma linguagem dialética, morcego)"; "eu diria que "isto não final- fechada sobre si mesma. mente, a resposta propriamente dita pode ser precedida por co- Wachsberger propõe ainda o estudo no Rorschach das altera- mentários confusos; ções das seis funções descritas por Jakobson: a qualidade geral da resposta: coerente, viva, concreta, abstrata, exagero da função denotativa (meticulosidade, descrições, impres- figurada; sões, explicações, simetria); o tom e clima da resposta; impessoal, doutrinal, preciosista; exagero da função emotiva (referências pessoais, comentários, juí- a gesticulação: o sujeito segura as pranchas à distância, manipu- zos de valor, críticas, reações de catástrofe); la-as circunspectamente, ou então se apodera delas, adere a elas, aparição da função poética (jogos fônicos, excentricidades, este- reotipia, perseveração); representa mimicamente suas respostas. no que se refere às funções conativa, fática e não Minkowska isola duas formas estilísticas específicas: se tem uma noção tão clara. forma esquizóide, caracterizada pela separação, pelo corte, o iso- No Simpósio de 1968 sobre e Técnicas Proje- lamento (Spaltung); manifesta-se por substantivos (fragmentos, já citado (p. 34), J. sugeriu uma nova codificação das cortes...), por verbos (quebrado, corroído, repartido, estragado, respostas ao Rorschach: por preposições traduz uma maneira respostas questionantes rígida, impessoal, abstrata, fragmentada e distante de encarar o D respostas designantes (descrição sem interpretação) real, cujo ponto máximo se encontra na esquizofrenia; E respostas expressivas forma epileptóide, inversamente caracterizada pela ligação, pela R = respostas referentes, interpretativas. proximidade, a adesividade (bildung) e por movimentos Como indicado à 23, o material dos testes projetivos, em nicos de reunião e brutal desunião; o vocabulário indica os dois geral, e as pranchas do Rorschach, em particular, possuem uma es- registros: a) ligado, preso, sentado, agachado, agarrado, relacio- nado; e, com, sobre; b) arrancar, recuar, se afastar, cair, sangue 27 As referências às obras de MINKOWSKA e de 2. HELMAN, se encontram: jorrando, canhão atirando; esta forma reflete um mundo interior na p. 134. Cf. igualmente G. GANIDEL, Métaphore vécue et symbole, éléments que oscila entre a viscosidade, a aglutinação, a gliscroidia, de um typologiques du langage, Cah. F. Minkowska, 1958, 3-5. lado e, de outro, a explosão descarregando a tensão acumulada; 28 H. WACHSBERGER, Contribution a du langage dans le test de tese de medicina, Paris, é um mundo concreto, vivo, movimentado, às vezes confuso, con- 29 artigo de J. CONIER, Psycholinguistique et techniques projectives, p. finado, comprimido até à descarga explosiva, a qual atinge o pa- 5-14, abre o número especial do Bull. Soc. fr. Rorschach Méth. project., out. roxismo na crise epilética; no teste de Rorschach, a tendência 1969 dedicado a este simpósio Cf. também A. M., CA- à ligação culmina com a perseveração, e a tendência impulsiva, SALIS, Test de Rorschach et conduites de communication, Bull. Soc. schach Méth. project., 1966, 19-20, 59-65. com o choque ao vermelho (sangue, fogo, 121trutura latente, Dahan e de Lyon, aplicando uma adaptação interesses existenciais, capacidade de adaptação, intensidade das mo- do diferencial semântico de Osgood em uma população de estudantes, tivações grau de aceitação das mesmas pelo sujeito, mecanismos de puseram em evidência o valor conotativo das pranchas do Rorschach: defesa conflitos ligados às motivações, natureza e grau da angústia, a prancha III é conotada como a mais "ativa"; a prancha IV (pa- capacidade de manter controle em situações de tensão, reação às terna) como a mais "maligna" e a mais "forte"; a VII (materna) emoções, humor habitualmente dominante, sentimentos de inseguran- como a mais "agradável" e a mais "fraca"; a VÍ, "evidentemente ça, insatisfação consigo mesmo, natureza das aspirações (imaginárias sexual", provoca a maior diferenciação entre as respostas de homens ou conducentes à realidade), atitudes para consigo mesmo (crítico, e mulheres. Estes resultados conduziram os autores a considerar as introspectivo etc.), preocupações sexuais e grau de maturidade afe- pranchas do teste como "uma mensagem estruturada, polissêmica, tiva, capacidade de se identificar com o outro, atitudes para com os emitida pelo psicólogo em direção ao testando, a quem se pede para amigos íntimos e as pessoas mais próximas etc. Pode-se seguir o elaborar a partir de um material evocador de plano aqui esboçado, para proceder à síntese dos resultados. Não Portanto, o Rorschach permite "avaliar aptidões para verbalizar e existe, porém, um roteiro padrão. simbolizar, assim como modalidades individuais de passagem da se- Restaria redigir o laudo final. Conforme se destine a um empre- mântica conotativa à-semântica denotativa ou, empregando-se a me- gador, juiz, aos pais, psiquiatra ou ao próprio interessado, o laudo talinguagem freudiana: do sistema primário ao sistema deve ser diferente. A conclusão não procura responder apenas ao Tudo isto exemplifica as importantes contribuições ao teste de problema levantado a respeito do sujeito; dá indicações sobre como Rorschach esperadas da abordagem este reagirá provavelmente nesta ou naquela situação (mudança de emprego, de ambiente, psicoterapia, outro tratamento etc.). 0 diag- nóstico do estado atual da personalidade e o prognóstico da sua evo- Síntese dos resultados lução constituem a resultante da interpretação. o laudo deve ser re- digido em linguagem accessível ao destinatário, com um mínimo de Quase todos os "sinais" básicos para a interpretação do Ror- concessões ao jargão do psicólogo. Devem-se observar as regras da schach possuem vários significados. A inspeção do protocolo como deontologia médica e psicológica, com referência ao segredo profis- um todo permite fazer a distinção entre Mesmo quando um sinal sional e ao respeito pela personalidade alheia, e prevenir o uso das é unívoco, só pode levar a uma hipótese, cabendo ao seguimento do trabalho de interpretação confirmá-la on afastá-la. Além disso, a informações comunicadas contra os interesses do sujeito. interpretação do conjunto de um Rorschach deve também ser apre- 6. ALGUNS QUADROS DE SINAIS sentada sob a forma de hipóteses, que é preciso confrontar com ou- tros dados: testes de aptidão, outros testes de personalidade, observa- No Rorschach, um sinal considerado isoladamente nada signi- ção clínica, história do sujeito. fica, porque permite várias Convergências entre diversas A interpretação de um Rorschach é dinâmica, ou ainda dialética, categorias de resposta, constelações de sinais é que permitirão esco- no sentido de se esforçar para apreender as inter-relações dos pro- esta ou aquela suposição e a transformar em hipótese. Para as cessos que se desenvolvem dentro de uma personalidade e nas rela- principais síndromes mentais, reuniram-se constelações cujo uso se ções entre ela e 0 outro, ela e o meio social: rendimento intelectual, impôs através da experiência clínica e foi confirmado, em geral, por modo de abordar os problemas de vida, capacidades de abstração, levantamentos Nenhuma destas constelações, no entanto, de conformismo e de originalidade, sentido de realidade, leque dos pode ser tida como exaustiva, nem mesmo como indiscutível, pois 30 G. DAHAN, J. COSNIER, Sémantique conotative des planches du test 31 Cf. M. DEFAYOLLE, Rorschach psychopathologie, tese méd. Lyon, de Rorschach, Ann. Psychol., 1971, 71, 127-138. 122fato é que diferem conforme os autores, obrigando a uma seleção. Respostas sexuais depressivas; Fórmula secundária invertida em relação ao tipo de vivência. Além do mais, os casos puros são raros e quase sempre é preciso combinar diversas constelações parciais para esgotar um caso. Por C) Histeria fim, seria necessário comentar tais constelações, de modo a se esta- belecer, subjacente a cada sinal, um traço psicológico observável de Extratensão; K FC; aqui, por falta de espaço. Pelo mesmo motivo, não se mencionaram F + % entre 60 e 70 segundo sinal típico da histeria; F% H; Ad > A; R pode ser elevado; Perseveração; recusa. Choque ao vermelho; Choque B) Angústia E) Fobia R rebaixado; G% baixo; Do; Dd + Dbl% elevado (síndrome de insegurança: Loosli-Usteri). Sinais particulares (além dos sinais gerais de angústia); Choque Cor concentrado nas pr. II e III (Choque ao vermelho) com Poucos K; K -; muitas respostas de esfumaçado; C puras, isoladas interpretações de sangue; e explosivas; Choque ao vazio; Respostas Clob ou Choque Clob; Choque Clob ou respostas Clob; Coartação; Respostas de vertigem; respostas em que o sujeito se sente amea- Hd + Anat + Sexo + Sgue > 15%; Anat -; Hd > H; Ad A; çado pelo que vê na prancha; Orig. -; Hd > H porém A > Ad; Recusa (ou poucas respostas) nas pr. IV, VI, VII, IX; Presença de C e C'. Choque Cor ou recusa de respostas de cor; fuga ao vermelho; Ele- vação do T/R; F) Estados depressivos Observações sobre a simetria; interpretação freqüente da linha central; Segundo Rorschach F + % elevado; Cf. M. VIOLET-CONIL, N. CANIVET, Le test de Rorschach et le diag- Sucessão rígida; nostic de l'angoisse, Rorschachiana, 1952, cad. 2, 78-127. 125não confirmados Segundo Minkowska Tipo de apreensão GD Do; G H; H) Consciência aguda da atitude interpretativa. Segundo Rorschach G) Introversivo; K -; Segundo Rorschach Tipo de apreensão: G contaminadas, D, Dd; Muitas respostas F -; G contaminadas; respostas Po, Cn e número; muitas F -; recusa C puros; Respostas de cor determinadas pelo negro e pelo branco (C'); Sinais complementares Perseveração em conteúdos não-animais; Ausência de consciência de interpretação. G sincréticas; G -; DG; tipo de apreensão GD Dd; sucessão de- sordenada; Lista de Piotrowski Coartado ou coartativo (CF e EF durante o período de instalação da doença); Respostas KC -; A% elevado; Ad > A; Hd > H; 3. Cn; Perseveração; Respostas de abstração; respostas de letras, números, goemetria; Conteúdos bizarros, horríveis; respostas de feto, nascimento ou des- 6. Perseveração em três pr. sucessivas; truição em processo, decomposição; 7. Descrição escrupulosa; Orig. -; 8. Mais descrição do que interpretação; 9. Respostas de simetria; Respostas degradadas (percepção de início boa, sobre a qual se en- xertam associações bizarras); 11. sujeito dá sua opinião a respeito da prova; Auto-referências; 12. Tempo de latência dilatado; Diminuição da consciência de interpretação. 13. Choque-Clob na pr. IV; 14. Tonalidade agressiva nas respostas. as P. PICHOT, Diagnostic differentiel de la Schizophrénie par le test de Rorschach, Révue Psychol. app. 1950-1951, 4; DELAY, PICHOT, PERSE, De acordo com Piotrowski, os histéricos apresentam 4 sinais no Le test de Rorschach et le diagnostic de la Schizophrénie, Rorchachiana, 1958, máximo e os epileptóides, 5 sinais pelo menos. 6, 66-83. A esquizofrenia abrange um número demasiado grande de formas, para que uma simples lista de sinais possa a ela superpor-se Cf. também R. M. PALEM, Le Rorschach des schizophrènes, Ed. Universitaires, 34 DELAY, PICHOT, PERSE, Le test de Rorschach et la 1969. personnalité épileptique, Paris, Presses Universitaires de France, 1957. 126 127Segundo Minkowska J) Estados Comportamento lento e viscoso (gliscroidia); larga as pranchas a São estes os primeiros resultados obtidos com 25 sujeitos contragosto; representa mimicamente os K; tos dos dois sexos, acompanhados durante tratamento por C. Mor- Respostas de sobretudo nas prs. II e III; mont, de Liège (Approche des cas limites au moyen du Rorschach, Dificuldade para chegar a ter uma visão lógica, precisa, definida; Acta psychiat. belg. 1973, 73, 321-331): por exemplo: um pássaro, mas não sei qual é; Ausência de síndrome estável; o principal traço típico é a pre- Vocabulário sensorial, por ex: eu vejo o vermelho; sença de pelo menos um sinal psicótico, em meio a fatores ora his- Visão de formas ligadas, coladas; alternância de K pesados, passi- téricos, ora fóbicos, obsessivos ou depressivos. vos e K de explosão, de eclosão. Justaposição de um pensamento impregnado pelo imaginário so- bre um pensamento centrado na orgânica (traumatismo craniano Extratensão, labilidade emocional, impulsividade não controlada. Imaturidade sexual, poucas respostas sexuais, tendências homos- Lista de Piotrowski: sexuais; por outro lado, agressividade intensa, sentindo-se sujeito ameaçado ou ameaçador, ressentimento em relação à mãe fria e 1. R 1; Os sujeitos apresentam sempre respostas humanas bem estrutu- radas; a imagem paterna é secundária; a relação prevalente com a mãe oscila entre a retração e a fusão, a ternura e a violência. 5. V 25%; A angústia, um pouco acima da média, é mais estimulante do 6. Cn; que debilitadora. 7. Perseveração em 3 pranchas; 8. o sujeito dá uma interpretação sabendo que é de má qualidade; 7. TESTES DERIVADOS DO RORSCHACH 9. Necessidade de estimulação durante o teste; Zulliger (1948) elaborou 0 teste composto de três manchas 10. Presença de frases automáticas. de tinta A primeira sugere sobretudo respostas de forma; Cinco sinais, no mínimo, indicam organicidade com a segunda, respostas de cor; a terceira de movimento. A aplicação os sinais 2 a 7, inclusive, são comuns à epilepsia. coletiva é possível, empregando-se slides projetados numa tela, com tempo limitado, sendo que os sujeitos escrevem suas respostas. Mo- Outros sinais rali e Canivet (Centre de Psychologie Appliquée, 1955) padroniza- Recusa, especialmente da X; Do; G% elevado; VIII + IX + X% ram a aplicação coletiva para a população francesa. um teste de grande valia para triagem, mas não possibilita aprofundar, como o baixo; Rorschach, a análise individual. o levantamento e o sistema de inter- Poucos, ou nenhum, FC e FE, com presença de outras respostas pretação são análogos aos do Rorschach quadro especial de de cor e esfumaçado. D e V, a seguir): as Um estudo mais detalhado pode ser encontrado em DELAY Col. Le test de Rorschach dans le psychosyndrome organique, Rev. Psychol. app., 1956, 36 ZULLIGER, Le test Z individuel, trad. por LEVY, SALOMON, SINOIR, 6 4, 247-287. Paris, Presses Universitaires de France, 1959. 129CAPÍTULO 4 T.A.T. ("THEMATIC APPERCEPTION TEST") 1. HISTÓRICO Freud difundiu a idéia de que as produções artísticas refletem a personalidade de seus criadores. Não é ele, porém, o inventor de tal idéia. Inspirou-se especialmente no trabalho de Burckhardt (1855) sobre a Renascença italiana, no qual eram recriados o tipo de per- sonalidade e a atmosfera característicos da época, partindo-se da aná- lise das obras de arte então produzidas. Pela primeira vez, Freud assinala sua idéia comentando o Werther de Goethe, no manuscrito N, enviado a Fliess no dia 31 de maio de 1897; em seguida, desen- volve-a muitas vezes, a propósito de Hamlet, do romancista C. F. Meyer, de Leonardo da Vinci, etc.; a primeira obra publicada, com a aplicação sistemática de tal idéia, é dedicada à análise do ro- mance Gradiva, de Jansen (1907). Nesse mesmo ano, Brittain publica uma prova com fim de estudar a imaginação, a qual é uma ante- cipação exata do T.A.T.: 9 imagens apresentadas a adolescentes que deviam redigir as histórias por elas sugeridas. A interpretação foca- liza a imaginação, e não a personalidade, da mesma forma que os testes daquela época, precursores do Rorschach. Não valorizada du- rante 25 anos, a técnica de Brittain foi retomada em 1932 por Schwartz (Detroit), na forma de um teste da imagem da situação social, empregado pelo autor no exame pericial de menores delin- Em 1935, a primeira forma do Thematic Apperception Test (Teste de Apercepção Temática, T.A.T.) foi publicada por Morgan e Murray. Em 1938, Murray integrou os resultados do teste à sua teoria da personalidade, exposta no livro Exploração da personalida- 137de. Em 1943, publicou a forma definitiva do T.A.T. (terceira forma), 9. Necessidade de exibição (de si mesmo) juntamente com o Manual de aplicação ora em 10. Necessidade de jogo Henry Murray, médico e bioquímico, descobrira a perspectiva Rubrica d): 11. Necessidade de afiliação (afinidade com os outros) psicanalítica graças a Jung, com quem começara sua psicanálise, en- 12. Necessidade de rejeição (rejeitar os outros) cerrada em Chicago, com Alexander. Seu teste é marcado por essa Rubrica e): 13. Necessidade de proteção formação dupla: procura realizar um experimento provocado sobre o 14. Necessidade de proteger inconsciente. Nomeado diretor da Clínica Psicológica de Harvard, Rubrica f): Necessidade de evitar a reprovação (inicialmente realiza uma enorme experiência destinada a validar um inventário mantida, não se conseguiu depois validá-la) exaustivo de variáveis de personalidade e a proporcionar, assim, uma Rubrica g): 15. Necessidade de evitar a inferioridade base "científica" para a interpretação de seu teste. Estudantes volun- 16. Necessidade de se defender tários são submetidos durante vários meses a uma série de técnicas 17. Necessidade de reagir de investigação psicológica, aplicadas e levantadas por experimenta- Rubrica h): 18. Necessidade de evitar o sofrimento dores diferentes: entrevista orientada, autobiografia, sessões de asso- ciação livre sobre lembranças da infância e sobre a vida sexual, con- Rubrica i): 19. Necessidade de ordem versas improvisadas, questionários, teste de Rorschach, de Rosen- Rubrica j): 20. Necessidade de intelecção (compreensão intelec- zweig, de nível de aspiração, interação social, julgamento estético, tual) interesses, etc. Freqüentes reuniões para chegar a uma síntese a res- peito de cada sujeito e, depois, para generalização dos resultados Lista de fatores internos individuais permitiram a elaboração das três listas de variáveis fun- damentais da personalidade que se seguem. Trata-se das instâncias psíquicas descritas pela psicanálise e que intervêm, ao lado das necessidades, no desencadeamento de condutas: 2. LISTAS DAS VARIÁVEIS 1. ideal do ego (ideal de realização de si mesmo) Lista das motivações 2. narcisismo (amor do ego por ele mesmo) 3. superego integrado (ao qual ego pode conformar-se) Tem-se 20 necessidades reagrupadas sob nove rubricas: 4. superego em conflito (crise de consciência, sentimentos de culpa, Rubrica a): 1. Necessidade de dominação depressão). 2. Necessidade de submissão Lista de traços gerais 3. Necessidade de autonomia 4. Necessidade de agressão São estados interiores e emoções vividos pelo sujeito: 5. Necessidade de humilhação Rubrica b): 6. Necessidade de realização 1. Angústia Rubrica 2. Criatividade c): 7. Necessidade sexual 8. Necessidade de sensações 3. Conjunção disjunção (coordenação ou não entre pensamento e ação) 4. Emotividade Na França, a venda do material é exclusiva do Centro de Psicologia aplica- 5. Persistência do esforço As pranchas e o Manual só são vendidos a pessoas qualificadas. livro de Exploration de la personalité (Presses Universitaires de France, 6. Exocatexis endocatexis (investimento da energia seja na vida 2 vol., 1953-1954), constitui uma leitura complementar muito prática, seja na vida interior) 138 1397. Intracepção extracepção (domínio dos sentimentos e da ima- formulando perguntas adequadas, deve cuidar para que a história ginação, ou dos fatos) tenha um começo e um fim, para que se precisem aspectos tais como: 8. Impulsão deliberação (antes da ação) o que se passa na imagem, os sentimentos experimentados pelos per- 9. Intensidade do esforço sonagens, o que ocorreu antes, qual será o sujeito é in- 10. Tendência à projeção objetividade (nos julgamentos sobre formado de que dispõe de cinco minutos em média por prancha, os outros) mas o examinador deve limitar-se a assinalar, depois de terminado 11. Radicalismo conservadorismo (em política) o tempo, se por acaso o ultrapassou. As instruções podem variar con- 12. Uniformidade mudança forme a idade, a inteligência, o tipo de problema apresentado pelo sujeito. examinador incentiva o testando, segundo o caso, a ser 3. APLICAÇÃO breve ou a entrar em maiores considerações; pode chamar-lhe a aten- ção sobre um detalhe da imagem neglicenciado. Abstém-se porém de A) Material T.A.T. é aplicado em duas Em cada qualquer sugestão ou informação a respeito do que representa a ima- sessão, dez imagens diferentes são apresentadas ao sujeito. Algumas gem ou algum Quando da aplicação da segunda série, Murray imagens são comuns a todos os sujeitos; outras especiais para crian- recomenda ao sujeito que dê asas à imaginação, inventando algo se- ças ou adultos, para o sexo feminino ou masculino. Iniciais das pa- melhante a um mito, a um sonho, alegoria ou conto de fadas; no lavras inglesas, impressas atrás da prancha, determinam a que su- entanto, a experiência não justificou o embasamento dessa alteração jeito se destina cada uma: boy, menino, G girl, menina (até 14 de instruções, levando-a a ser abandonada. Na prancha 16, em bran- anos), M male, homem, F female, mulher. Tem-se um total de 31 imagens, porém numeradas de 1 a 20, devido às co, pede-se ao sujeito para imaginar uma gravura com os olhos As imagens são constituídas por desenhos, fotografias, reproduções fechados, se quiser e depois para inventar uma história partindo de quadros ou de gravuras, sendo seu significado ambíguo. Em doze dela. Após a aplicação de cada série, procede-se a um inquérito a pranchas, um ser humano sozinho é representado, em diferentes ida- fim de saber de onde o sujeito extraiu idéia de suas histórias: com des, estando os dois sexos distribuídos igualmente; sete pranchas re- mais freqüência, as explicações apelam para leituras e filmes; no en- presentam duas pessoas do mesmo sexo; quatro, duas pessoas de tanto têm maior significado as lembranças pessoais, os fragmentos da sexos diferentes; uma mostra três pessoas (duas mulheres e um ho- história de vida, as fantasias mais ou menos inconscientes. Durante mem); outra, vários homens outras duas, um rapaz e uma o inquérito, é possível provocar sistematicamente associações livres a moça evocando ou contemplando uma cena com vários personagens; partir de cada fase de uma história. Este método se afasta do con- três configuram paisagens mais ou menos fantásticas sem seres hu- texto do teste, constituindo um início de psicoterapia. manos; por fim, a de número 16 está completamente em branco: favoreceria a projeção da imagem ideal que o sujeito tem de si mesmo. 4. INTERPRETAÇÃO B) Instruções Convida-se sujeito a contar uma história sobre cada prancha. De acordo com as instruções, o examinador, Encontram-se dificuldades maiores na interpretação do T.A.T. do que na do Rorschach. Isto porque não há uma classificação co- dificada capaz de resultar em um psicograma, estando os teóricos do As 11 imagens restantes são aplicadas por alguns técnicos em uma terceira outros fazem apenas uma aplicação, escolhendo 10 ou 12 pranchas apro- T.A.T. em desacordo quanto às principais chaves da interpretação. priadas no Shentoub, na França, aplica, em uma só sessão, as 10 Assim, o psicólogo se sente muito tentado a contentar-se com um pranchas básicas seguintes: 1. 2, 3BM, 4, 6BM. 7BM, 11, 13, 16 (para levantamento intuitivo, extraindo das histórias elaboradas, as analo- homens): 1. 3BM, 10, 11, 16, 18GF (para mulheres): e acrescenta qualquer prancha cuja aplicação seja interessante, conforme o caso. gias possíveis com a história de vida e com os problemas do sujeito. 141Interpretação segundo Murray e seus continuadores são os seguintes: o herói tende a ser: a) o personagem pelo qual Em seu primeiro estudo (1935), Murray parte da hipótese segun- sujeito mais se interesse, adotando seu ponto de vista, descrevendo do a qual as histórias inventadas pelo sujeito constituem descrições, com maiores detalhes suas ações sentimentos; b) aquele que mais ligeiramente disfarçadas, da conduta do mesmo na vida real. pro- se parece com o sujeito, em termos de idade, sexo, caráter e história; blema essencial do T.A.T. está centrado nesse ponto e, apesar dos es- c) aquele que desempenha o papel central do desenvolvimento da forços dos especialistas e dos teóricos, mantém, até o momento, muito ação Em geral, o herói é um dos personagens represen- da sua penetração: a maneira pela qual o sujeito reage ao material do tados na imagem, sendo fácil encontrá-lo na maioria das histórias. teste é rigorosamente análoga à sua maneira de reagir ao ambiente fa- Eventualmente, é necessário distinguir vários heróis parciais, ou miliar e social de todo o dia? Trata-se de uma transposição de suas ainda um herói primário e um secundário, representando então, cada condutas reais, ou de uma elaboração de condutas imaginárias? Com um, tendências não aceitas, mal integradas ou conflitantes na per- que dicionário e com que regras seria possível descobrir ou trans- sonalidade do sujeito. crever os modos habituais de comportamento, partindo dos relatos As ações realizadas pelo herói de cada história, ou as emoções feitos durante o teste? Em seu Manual de 1943, Murray propõe um por ele expressas representam as motivações do sujeito (também princípio capital de transcrição: as histórias forjadas pelo sujeito con- chamadas "variáveis da personalidade"). Murray supõe tratar-se de têm, por um lado, um herói o qual o sujeito se identifica e ao necessidades profundas, latentes, eventualmente fonte do comporta- qual atribui suas motivações; e, por outro lado, personagens em inte- mento manifesto do sujeito. A lista das mesmas já foi apresentada, ração com o herói, representando as forças do meio familiar e social às pp. 138 e 139. real, cuja pressão é sentida pelo sujeito. Tal princípio, de inspiração Algumas motivações são subdivididas: behaviorista, foi adotado pela maioria dos questionado afiliação: afetiva (em termos de par) ou social (em termos de por Piotrowski e especialistas da escola psicanalítica. grupo): Murray distingue a análise formal do protocolo e a análise de agressão: emocional e verbal, ou material e socializada, ou ma- conteúdo, desenvolvida prioritariamente por terial e anti-social, ou destrutiva de objetos ou animais; A) A análise formal estuda a compreensão das instruções por dominação: sedutora, ou proibitiva, ou coercitiva. parte do sujeito, seu grau de cooperação durante a prova, a exatidão Sempre que uma variável é identificada no herói de uma his- da percepção de cada imagem, a construção das histórias, sua coe- tória, Murray classifica-se de 1 a 5, segundo sua intensidade, duração, rência, concisão, riqueza de detalhes, grau de realidade, estilo, ausên- repetição e importância no decorrer da história. cia de uma fase no decurso da história, tendência às descrições ou às A identificação das variáveis deve ser completada com a indica- alegorias de preferência às interpretações, a linguagem empregada: ção da pessoa objeto da ação ou da emoção do herói (outro sexo, pobreza ou riqueza, presença ou ausência de certas categorias verbais, figura paterna, criança, rival, etc.). comprimento das histórias, sintaxe, etc. Tudo isto informa sobre a estado interior do herói e as relações estabelecidas por ele inteligência, a exatidão de pensamento, capacidades artísticas ou lite- com os outros personagens revelam os fatores internos e os traços rárias, aptidões verbais e também sobre a intuição psicológica e o gerais do sujeito (ver à p. 139, lista de fatores e traços). sentido de realidade do sujeito. As tendências patológicas são facil- mente identificadas nesse contexto. b) Forças do ambiente exercendo influência sobre o herói São denominada pressões, segundo Murray. Inferem-se a partir de B) A análise de conteúdo compreende cinco pontos: ações e emoções dos outros personagens das histórias. Murray lista- a) Motivações, fatores internos e traços do herói A pri- as como se segue: afiliação (dos dois tipos), agressão (dos quatro meira tarefa do examinador é descobrir o herói com o qual o su- tipos), perigo físico, dominação (dos três tipos), falta ou perda de jeito se identifica, entre os personagens de cada história. Os critérios alguma coisa necessária ao herói, proteção, rejeição (do herói). Mur- 142 143ray avalia, também de 1 a 5, a presença dessas variáveis. Um mesmo durante o teste), uma situação passada, uma situação esperada, ou ambiente pode exercer uma ou várias "influências" diferentes sobre temida, ou uma situação no qual se encontrará normalmente no futu- o herói, conveniente anotar se tais influências são favoráveis ou des- to (alguns relatos são premonitórios). favoráveis para o herói, se são provenientes do mesmo ou do outro Do ponto de vista da personalidade do sujeito, tais relatos sexo, de figuras maternas ou paternas, etc. podem referir-se a recordações pessoais, a sentimentos e desejos Desenvolvimento e desfecho da história Em cada histó- atuais, a coisas que teria desejado fazer, ao que imagina poder ser ou ria, cabe assinalar: a) como o herói reage frente ao ambiente, ou fazer um dia (ou não poder ser ou fazer), a tendências primitivas in- seja, como se comporta na situação que constitui o tema da histó- conscientes e fontes de devaneios ria inventada (análise dos verbos que expressam as condutas: por preciso separar as histórias impessoais determinadas exemplo, agitação, abandono, dissimulação, triunfo etc.); b) como unicamente pelas gravuras das histórias nas quais o sujeito se ele faz progredir a situação em direção ao desfecho (estilo de con- projetou de verdade; segundo Murray, 30% das histórias são impes- duta, segundo Ombredane: impulsiva ou controlada; enérgica ou soais. Carece-se de uma pesquisa que estabelece, para as pranchas do frágil; tenaz ou lábil; coordenada ou não; flexível ou rígida; revelando T.A.T., um equivalente às respostas vulgares no Rorschach. V. e iniciativa ou inércia); c) como se dá o desfecho (na dependência de S.A. Shentoub (1963) efetuaram um levantamento comparativo entre uma ação voluntária do sujeito, na dependência do ambiente, as 100 sujeitos normais e 60 neuróticos, limitando, porém, a análise, coisas se ajeitam por si mesmas etc.); d) qual a natureza do desfecho às pranchas 1,3, 10, 11, 13, 16. Resumem-se os resultados a seguir, (segundo Rapaport); plenamente de acordo com a motivação do su- fornecendo as indicações julgadas mais plausíveis para as outras jeito (muito favorável); de acordo, mas com esforço; compromisso; pranchas: fracasso parcial para o sujeito; fracasso total; ausência de desfecho. 1. Menino diante de um violino Em ordem de freqüência decres- d) Análise dos temas - Após a análise em separado do herói e cente, encontram-se os temas seguintes (Shentoub): criança opon- das forças do ambiente, influentes em relação ao mesmo, é necessá- do-se a tocar o violino, criança sonhando com um futuro bri- rio apreender sua interação em termos globais. Um tema é lhante; obrigada a tocar e ameaçada de punição; satisfeita ou do por tal interação: é uma unidade dramática. Cada história contada desejosa de possuir o violino; perplexa diante das dificuldades pelo sujeito inclui um ou vários temas. Devem-se destacar os temas técnicas; duvidando de suas capacidades. mais freqüentes e, também, os excepcionais por sua intensidade dra- 2. Situação triangular: um casal e uma terceira pessoa, aparentada mática, sua riqueza psicológica, ou por seu caráter único dentro do com o casal ou ligada efetivamente ao mesmo, e mais ou menos teste. Os temas informam sobre os problemas, maiores e menores, do em atitude de oposição, de revolta ou fonte de conflito Pran- sujeito. Muitos aplicadores limitam-se a levantar um protocolo de cha da harmonia ou desarmonia familiar (homem-mulher ou pais- T.A.T. sob esse ângulo: em cada história, qual é o conflito, o dilema, filhos); oposição entre dois tipos de feminilidade (rural-urbano; o drama pessoal que pode interessar ao testando? manual-intelectual; virgindade-maternidade). e) Interesses e sentimentos - Trata-se de isolar atitudes posi- 3.B.M. Personagem arrasado, ou ambíguo: rapaz ou moça Em tivas e negativas do herói frente às figuras paternas (homens idosos), ordem decrescente (Shentoub): tristeza passageira; punição; sui- maternas (mulheres idosas) e frente a personagens, de um ou outro cídio; cansaço físico; culpabilidade; desespero; misérias; prisão. sexo, que tenham a sua idade. 3.G.F. Moça infeliz sujeito se projeta nas razões dessa infeli- Uma vez realizadas as análises formal e de conteúdo, procede-se cidade. à sintese dos resultados. A este respeito, Murray dá a orientação se- 4. Casal em discordância ou cuja felicidade está ameaçada su- guinte: jeito se projeta nos motivos da discordância ou do perigo e Os relatos elaborados pelo sujeito podem representar um as- sobretudo nas motivações que atribui ao homem ou à mulher. pecto da situação vivenciada de fato por ele no presente (e às vezes, 145