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3 SOCIOLOGIA E CIÊNCIAS SOCIAIS 1. HISTÓRICO UANDO se trata de uma ciência nova como a sociologia, que, nascida ontem, ainda se está a constituir, a melhor maneira de explicar a sua natureza, objecto e método é descrever sumariamente a sua génese. A palavra sociologia foi criada por Auguste Comte para desig- nar a ciência das sociedades Se a palavra era nova é porque a própria coisa era nova; era necessário um neologismo. Num sentido muito lato, pode certamente dizer-se que a especulação sobre as coisas políticas e sociais começou antes do século XIX: A República, de Platão, A Política, de Aristóteles, os incontáveis tratados de que estas duas obras foram o modelo, os de Campanella, de Hobbes, de Rousseau e de tantos outros já tratavam destes assuntos. Mas estes diferentes estudos diferiam por um traço essencial daqueles que a palavra sociologia designa. Pretendiam, efectivamente, não descrever e explicar as sociedades tal como são ou tal como foram, mas procurar o que as sociedades devem ser, como se devem orga- nizar para serem tão perfeitas quanto possível. O objectivo do so- ciólogo é totalmente diferente; ele estuda as sociedades simples- mente para as conhecer e para as compreender, tal como o físico, químico, o biólogo fazem para fenómenos físicos, químicos e A palavra, formada de uma palavra latina e de uma grega associadas, tem um carácter híbrido que os puristas muitas vezes denunciaram. Mas, apesar desta formação viciosa, conquistou hoje lugar em todas as línguas europeias. 125biológicos. A sua função é unicamente determinar correctamente os factos que estuda, descobrir as leis segundo as quais eles se pro- duzem, deixando aos outros a tarefa de encontrar, se for caso, as aplicações possíveis das propostas que ele estabelece. Quer dizer que a sociologia não podia aparecer antes de se ter adquirido o sentimento de que as sociedades, como resto do mundo, estão submetidas a leis que derivam necessariamente da sua natureza e que a exprimem. Ora, esta concepção formou-se muito lentamente. Durante séculos, homens acreditaram que mesmo minerais não eram regidos por leis definidas, mas que podiam tomar todas as formas e todas as propriedades possíveis desde que a isso se aplicasse uma vontade suficientemente forte. Acreditava- -se que certas fórmulas ou certos gestos tinham a virtude de trans- formar um corpo bruto num ser vivo, um homem num animal ou numa planta, e inversamente. Esta ilusão, para a qual temos uma inclinação instintiva, devia naturalmente persistir mais tempo no campo dos factos sociais. Efectivamente, como eles são muito mais complexos, a ordem que apresentam é muito mais difícil de apreender por conse- guinte, é-se levado a acreditar que tudo se passa de uma maneira contingente e mais ou menos desordenada. A primeira vista, que contraste entre o seguimento simples rigoroso em que decorrem fenómenos do universo físico e o aspecto caótico, caprichoso e desconcertante dos acontecimentos que a história regista! Por outro lado, próprio facto de nós neles participarmos, inclinava- -nos a pensar que, sendo através de nós, eles dependiam exclusiva- mente de nós e podiam ser aquilo que nós quiséssemos que fossem. Nestas condições, era impossível observá-los porque nada eram em si mesmos e tudo que tinham de real dependia unicamente da nossa vontade. Nesta perspectiva, a única questão que se podia levantar era saber, não o que eles eram e segundo que leis proce- diam, mas o que nós podíamos e devíamos desejar que fossem. É apenas no final do século XVIII que se começa a antever que o reino social tem as suas leis próprias tal como os outros reinos da natureza. Montesquieu, afirmando que «as leis são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas», queria dizer que esta excelente definição de lei natural se aplicava às coisas sociais 126como às outras; e seu livro Esprit des lois tinha precisamente por objectivo mostrar como as instituições jurídicas são baseadas na natureza dos homens e no seu meio. Pouco depois, Condorcet pretendia encontrar a ordem segundo a qual os progressos da huma- nidade se tinham realizado era a melhor maneira de explicar que eles nada tinham de fortuito, de caprichoso, mas dependiam de cau- sas determinadas. Ao mesmo tempo, economistas mostravam que OS factos da vida industrial e comercial são governados por leis que eles próprios pensavam ter descoberto. No entanto, e apesar de estes diferentes pensadores terem pre- parado o caminho à concepção cm que a sociologia se baseia, tinham ainda apenas uma noção muito ambígua e incerta do que são as leis da vida social. Efectivamente, eles não queriam dizer que OS factos sociais se ligam uns aos outros segundo relações de causa e efeito, definidas e invariáveis, as quais cientista procura observar atra- vés de processos análogos aos que são utilizados nas ciências da natureza. Eles apenas entendiam que, dada a natureza do homem, havia uma única via traçada que era a única natural que a huma- nidade devia seguir se ela pretendia estar de acordo consigo mesma cumprir destinos; mas ficava a possibilidade de ela se afastar. E de facto considerava-se que lhe estava sempre a acontecer afastar-se devido a deploráveis aberrações que, de resto, ninguém se preocupava muito em explicar. Para economistas, por exem- plo, a verdadeira organização económica, a única que a ciência tem de conhecer, nunca, a bem dizer, existiu; é mais ideal que real; pois OS homens, por influência dos seus governantes e devido a uma verdadeira cegueira, ter-se-iam deixado desviar. Isto significa que a construíam dedutivamente mais do que a observavam; vol- assim, embora de um modo indirecto, às concepções que esta- vam na base das teorias políticas de Platão ou de Aristóteles. Só no início do século XIX, primeiro com Saint-Simon² e sobre- Em Tableau des progrès de l'esprit humain. 2 Principais obras de Saint-Simon relativamente à ciência social: Mémoire sur la science de l'homme, 1813; L'industrie, 1816-1817; L'organisateur, 1819; Du sys- tème industriel, 1821-1822; Catéchisme des industriels, 1822-1824; De la physio- logic aux améliorations sociales. 127tudo com Auguste Comte, seu discípulo, nasce definitivamente uma nova concepção. Procedendo, no seu Cours de philosophie positive, à revisão sintética de todas as ciências constituídas no seu tempo, ele cons- tata que todas se baseavam neste axioma de que OS factos de que tratam estão ligados segundo relações necessárias, ou seja, no prin- cípio determinista; donde conclui que este princípio, que tinha sido verificado em todos outros reinos da natureza, desde reino das grandezas matemáticas ao reino da vida, devia ser igualmente verdadeiro para reino social. As próprias resistências que hoje se opõem a esta nova extensão da ideia determinista não devem para- lisar filósofo; pois elas produziram-se regularmente sempre que foi questão de estender a um novo reino este postulado fundamen- tal e saíram sempre vencidas. Houve um tempo em que até se recusava admiti-lo no mundo dos corpos brutos onde acabou por se instalar. Negaram-no em seguida aos seres vivos pensantes; a sua existência é hoje incontestada. Podemos estar seguros que mesmos preconceitos com que ele esbarra, quando se trata de o aplicar ao mundo social, duram pouco tempo. Aliás, uma vez que Comte afirmava como verdade evidente verdade que, de resto, é hoje incontestada que a vida mental do indivíduo está submetida a leis necessárias, porque é que as acções e que se trocam entre as indi- viduais, quando associadas, não estariam igualmente submetidas à mesma necessidade? Deste ponto de vista, as sociedades deixavam de ser uma espé- cie de matéria indefinidamente maleável e plástica, que OS homens podem, a bem dizer, modelar à sua vontade; tornava-se então ne- cessário compreender as realidades, cuja natureza se impõe que não podem ser modificadas, como todas as coisas naturais, con- forme as leis que as regem. As instituições dos povos não podiam mais ser consideradas como O produto da vontade, mais ou menos bem esclarecida, dos príncipes, dos homens de Estado ou dos legis- ladores, mas como resultantes necessárias de causas determinadas que as implicavam fisicamente. Dada a maneira como um povo está constituído em determinado momento da sua história e o estado da sua civilização nessa mesma época, resulta uma organização 128social, caracterizada de tal ou tal maneira, assim como as proprie- dades de um corpo resultam da sua constituição molecular. Esta- mos assim perante uma ordem de coisas estável, imutável e uma ciência pura torna-se ao mesmo tempo possível e necessária para a descrever e explicar, para dizer quais as suas características e as causas de que dependem. Esta ciência, puramente especulativa, é a sociologia. Para melhor mostrar as relações que ela mantém com as outras ciências positivas, Comte chama-lhe física social. Houve quem dissesse que esta maneira de ver implicava uma espécie de fatalismo. Sc a rede dos factos sociais é uma trama tão sólida e tão resistente, isso não implica que OS homens são inca- pazes de a modificar e que, por conseguinte, não podem agir sobre a sua própria história? Mas o exemplo do que se passou nos outros reinos da natureza mostra como esta acusação é injustificada. Houve tempo em que, como acima lembrámos, o espírito humano ignorava que O universo físico tivesse as suas leis. Terá sido nessa altura que o homem teve maior domínio sobre as coisas? O feiticeiro e mágico pensavam certamente poder, pela sua vontade, transmutar corpos de uns nos dos outros; mas poder que eles assim se atribuíam era, sabemo-lo hoje, puramente imaginário. Pelo contrá- rio, desde que as ciências positivas da natureza se constituíram também elas, se constituíram tomando por base postulado determinista), quantas transformações não introduzimos já no uni- verso! Com reino social será a mesma coisa. Até ontem, acreditá- vamos que tudo era arbitrário, contingente, que OS legisladores ou reis podiam, tal como os alquimistas de outrora, modificar a seu bel-prazer a face das sociedades, fazê-las passar de um tipo para outro. Na verdade, estes pretensos milagres eram ilusórios; e quan- tos graves esta ilusão, ainda tão espalhada, terá gerado? Pelo contrário, é a sociologia que, descobrindo as leis da realidade social, nos permitirá dirigir mais reflectidamente do que no pas- sado a evolução histórica; pois nós não podemos modificar a natu- reza, moral ou física, senão de acordo com as suas leis. Os pro- gressos da arte política seguirão OS da ciência social, tal como as descobertas da fisiologia e da anatomia ajudaram ao aperfeiçoa- mento da arte médica, tal como a força da indústria se centuplicou desde que a mecânica e as ciências físico-químicas se desenvol- veram. As ciências, ao mesmo tempo que afirmam a necessidade 129 5 A Ciência Social a Acçãodas coisas, fornecem-nos os meios de a dominar Comte faz notar insistentemente que, de todos os fenómenos naturais, fenómenos sociais são os mais maleáveis, os mais acessíveis às variações, às transformações, porque são OS mais complexos. A sociologia não impõe portanto ao homem uma atitude passivamente conservadora; pelo contrário, ela estende o campo da nossa acção pelo simples facto de estender o campo da nossa ciência. Ela apenas nos desvia das iniciativas irreflectidas e estéreis, inspiradas pela crença de que nos é possível transformar, como quisermos, a ordem sem ter em conta hábitos, as tradições e a constituição mental do homem e das sociedades. Mas, por essencial que seja este princípio, não é suficiente para fundamentar a sociologia. Para que houvesse matéria para uma nova ciência, assim chamada, era ainda preciso que objecto que ela pretendia estudar não se confundisse com nenhum dos que tra- tam as outras ciências. Ora, à primeira vista, pode parecer que a sociologia é indistinta da psicologia; e houve efectivamente quem defendesse esta tese, em particular Tarde². A sociedade, diz-se, não é mais do que os indivíduos que a compõem; eles são tudo que ela tem de real. Como poderia então distinguir-se a ciência das sociedades da ciência dos indivíduos, ou seja, da psicologia? A raciocinar assim poderíamos igualmente defender que a bio- logia é apenas um capítulo da física e da química, pois a célula viva é exclusivamente composta por átomos de carbono, de azoto, etc., de que se ocupam as ciências físico-químicas. Mas é esquecer que um todo tem frequentemente propriedades muito diferentes daque- las que possuem as partes que o constituem. Se na célula há apenas elementos minerais, estes, combinando-se de determinada maneira, mostram propriedades que não têm quando não assim combinados. e que são característicos da vida (propriedades de se alimentar e reproduzir); formam assim, devido à sua síntese, uma realidade Objecta-se que o determinismo sociológico é inconciliável com o livre trio. Mas efectivamente a existência da liberdade implicasse a negação de qual- quer lei determinada, ela seria um obstáculo insuperável, não só para as ciências sociais, mas para todas as ciências; na verdade, como as vontades humanas estão sempre ligadas a movimentos exteriores, cla torna o determinismo igualmente incom- preensível dentro fora de nós. No entanto, já ninguém contesta, mesmo entre partidários do livre arbítrio, a viabilidade das ciências físicas naturais. Porque é que haveria de ser diferente com a sociologia? Ver em particular o seu livro sobre 130de um género absolutamente novo que é a realidade viva e que constitui objecto da biologia. Do mesmo modo, as consciências individuais, associando-se de uma maneira estável, geram, devido às relações de troca entre elas, uma nova vida, muito diferente daquela de que elas seriam o teatro se tivessem permanecido isola- das umas das outras; é a vida social. As instituições e as crenças religiosas, as instituições políticas, jurídicas, morais, económicas, numa palavra, tudo que constitui a civilização, não existiriam se não houvesse sociedade. Efectivamente, a civilização supõe uma cooperação não só entre todos membros de uma mesma sociedade, mas ainda de todas as sociedades que estão em relação umas com as outras. Além disso, ela só é possível se resultados obtidos por uma geração se trans- mitem à geração seguinte de maneira a poder acumular-se com aqueles que esta última obtiver. Mas para isso é preciso que as gerações sucessivas, à medida que atingem a idade adulta, não se separem umas das outras, mas guardem um contacto próximo, quer dizer, que associem de uma maneira permanente. Eis aqui um vasto conjunto de coisas que só existem porque há associações humanas e que variam segundo aquilo que estas associações são, segundo a maneira como clas se organizam. Encontrando a sua explicação na natureza, não dos indivíduos, mas das so- ciedades, estas coisas constituem portanto matéria para uma ciên- cia nova, distinta da psicologia individual, embora em relação com esta última: é a sociologia. Comte não se contenta em estabelecer estes dois princípios procurou pô-los cm prática e, pela primeira vez, ten- tou fazer uma sociologia. É a isto que se dedicam OS três últimos volumes do Cours de philosophie positive. Do pormenor da sua obra não resta hoje grande coisa. Os conhecimentos históricos e sobretudo etnográficos eram ainda demasiado rudimentares na sua altura para oferecerem às induções do sociólogo uma base sufi- cientemente sólida. Para mais, como adiante veremos, Comte não estava consciente da multiplicidade dos problemas que a nova ciên- Sem dúvida, a natureza das sociedades é em grande parte devida à natureza dos homens cm geral; mas a explicação directa, imediata dos factos sociais está na natureza da sociedade, visto que, de outra maneira, a vida social não teria variado mais do que OS atributos constitutivos da humanidade. 131cia levantava: ele pensava poder fazê-la de uma só vez, como faz um sistema de metafísica, enquanto a como qual- quer ciência, só se pode constituir progressivamente, abordando os problemas uns a seguir aos outros. Mas a ideia era infinitamente fecunda e sobreviveu para além do fundador do positivismo. Foi primeiramente retomada por Herbert Depois, nestes últimos trinta anos, despertou toda uma legião de trabalha- dores, em quase todos os países, mas mais particularmente em França, que dedicaram a estes estudos. A sociologia acaba de sair da idade heróica. Os princípios nos quais se baseia, e que tinham primeiramente sido afirmados de um modo filosófico e dia- léctico, recebem agora a confirmação dos factos. Ela supõe que os fenómenos sociais nada têm de contingente ou de arbitrário. Ora sociólogos mostraram que, efectivamente, certas instituições mo- rais, jurídicas, certas crenças religiosas eram idênticas sempre que as condições da vida social apresentavam a mesma identidade. Pôde mesmo verificar-se que costumes assemelhavam até nos por- menores, e isto em países muito distantes uns dos outros e entre quais nunca existiu nenhuma espécie de comunicação. Esta notá- vel uniformidade é a melhor prova que reino social não escapa à lei do determinismo universal. 2. AS DIVISÕES DA SOCIOLOGIA: AS CIÊNCIAS SOCIAIS PARTICULARES Mas se, num certo sentido, a sociologia é uma ciência una, ela não deixa de compreender uma pluralidade de questões por con- seguinte, de ciências particulares. Vejamos então quais são essas ciências de que ela é o corpus. Comte tinha já sentido a necessidade de a dividir: ele distin- guia duas partes, a estática e a dinâmica sociais. A estática estuda as sociedades considerando-as fixas a um determinado momento do seu devir e procura-lhes o equilíbrio. A todo o instante, os indi- víduos e grupos que a constituem estão ligados por um certo tipo de laços que garantem a coesão social, e os diferentes estados de uma mesma civilização mantêm uns com os outros relações defi- Ver Principes de sociologie, tradução francesa. 132nidas: a tal estado da ciência, por exemplo, corresponde tal estado da religião, da moral, da arte, da indústria, etc. A estática procura determinar em que consistem estas relações de solidariedade e estas conexões. A dinâmica, pelo contrário, considera as sociedades na sua evolução e esforça-se por descobrir a lei do seu desenvolvi- mento. Mas o objectivo da estática, tal como Comte entendia como se deduz da definição que acaba de ser dada, é muito pouco estudado: a definição ocupa apenas algumas páginas do Cours de philosophie. A dinâmica ocupa restante espaço. Ora, o problema que a dinâmica trata é único: segundo Comte, uma única e mesma lei domina o processo de evolução; é a famosa lei dos três esta- dos Procurar esta lei, eis único objectivo da dinâmica social. Sendo assim, a sociologia reduzir-se-ia portanto a uma única ques- tão, de maneira que, no dia em que esta questão única fosse resol- vida e Comte pensava ter descoberto a solução definitiva a ciência ficaria constituída. Ora, está na própria natureza das ciên- cias positivas nunca elas ficarem terminadas. As realidades de que tratam são demasiado complexas para alguma vez poderem ser esgo- tadas. Se a sociologia é uma ciência positiva, é garantido que ela não depende de um só problema, mas compreende, pelo contrário, partes diferentes, ciências distintas que correspondem aos diversos aspectos da vida social. Há, na realidade, tantos ramos da sociologia e tantas ciências sociais particulares quantas as diferentes espécies de factos sociais. Uma classificação metódica dos factos sociais seria prematura e. de qualquer modo, não poderia ser aqui elaborada. Mas é possível indicar quais as principais categorias. Primeiro, há que estudar a sociedade no seu aspecto exterior. Considerada sob esta perspectiva, ela surge como que constituída por uma massa de população, de uma certa densidade, disposta de determinada maneira num território, dispersa nos campos ou concentrada nas cidades, etc.: ocupa um território mais ou menos extenso, situado de determinada maneira em relação aos mares e aos territórios dos povos vizinhos, mais ou menos atravessado por cursos de água e por diferentes vias de comunicação que estabe- É a lei cm virtude da qual a humanidade teria sucessivamente passado e devia necessariamente passar por três idades: a idade teológica, a idade metafísica c, por fim, a idade da ciência positiva. 133lecem contacto, mais ou menos íntimo, entre habitantes. Este território, as suas dimensões, a sua configuração e a composição da população que se movimenta na sua superfície são naturalmente factores importantes da vida social; é seu substrato e, assim como no indivíduo, a vida psíquica varia consoante a composição anató- mica do cérebro que lhe está na base, assim OS fenómenos colec- tivos variam segundo a constituição do substrato social. Justifica- -se portanto espaço de uma ciência social que faça a anatomia da sociedade; e visto que esta ciência tem por objecto a forma exterior e material da sociedade, propomos chamar-lhe morfologia social. A morfologia social não se deve limitar a uma análise descri- tiva; deve igualmente explicar. Deve procurar saber porque é que a população se acumula em certos pontos mais do que noutros, porque é que ela é principalmente urbana ou principalmente rural, quais as causas que determinam ou travam desenvolvimento das grandes cidades, etc. Verificamos que esta ciência especial tem uma quantidade indefinida de problemas a Mas ao lado do substrato da vida colectiva, existe essa mesma vida. Reencontramos aqui uma distinção análoga àquela que se veri- fica nas outras ciências da natureza. Ao lado da química que estuda a maneira como os minérios são constituídos, há a física que tem por matéria variadíssimos fenómenos de que os corpos assim cons- tituídos são o teatro. Em biologia, enquanto a anatomia (tam- bém chamada morfologia) analisa a estrutura dos seres vivos e modo de composição dos seus tecidos, a fisiologia estuda as fun- ções destes tecidos e destes órgãos. Do mesmo modo, ao lado da morfologia social há lugar para uma fisiologia social que estuda as manifestações vitais das sociedades. Mas a fisiologia social é já em si muito complexa compreende uma pluralidade de ciências particulares; pois os fenómenos sociais, de ordem fisiológica, são em si muito variados. Temos em primeiro lugar as crenças, as práticas e as institui- ções religiosas. A ciência é efectivamente uma coisa social visto ter sempre sido coisa de um grupo, isto é, de uma igreja, e que até, na grande generalidade dos casos, a igreja e a sociedade política Aquilo a que os Alemães chamam Anthropogeographie está relacionado com o que nós chamamos morfologia social (v. trabalhos de Ratzel na Alemanha e OS de Vidal de la Blache em França). 134se confundem. Até há muito pouco tempo, ser-se fiel a tais divin- dades, e só por isso, era ser-se cidadão de tal estado. Em todo caso, os dogmas e mitos sempre consistiram sistemas de crenças comuns a toda uma colectividade e obrigatórios para todos os mem- bros dessa mesma colectividade. Com ritos é a mesma coisa. O estudo da religião compete portanto à sociologia: ela constitui o objecto da sociologia religiosa. As ideias morais e os costumes formam uma outra categoria, distinta da precedente. Veremos num outro capítulo como é que as regras da moral são fenómenos sociais; são objecto da sociologia O carácter social das instituições jurídicas não tem necessidade de ser demonstrado. São estudadas pela sociologia jurídica. Esta está de resto em estreita relação com a sociologia moral, pois as ideias morais são a alma do direito. O que constitui a autoridade de um código é a ideia moral que ele encarna e que ele traduz em normas definidas. Temos por fim as instituições económicas: instituições relativas à produção das riquezas (servidão, arrendamento, regime corpora- tivo, empresa patronal, regime cooperativo, produção em fábrica, em manufactura, etc.), instituições relativas à troca (organização comercial, mercados, bolsas, etc.) e instituições relativas à distri- buição (renda, interesses, salários, etc.). Elas constituem matéria da sociologia económica. São estes principais ramos da sociologia. Não quer dizer que sejam únicos. A linguagem, que, de certa maneira, depende das condições orgânicas, é no entanto um fenómeno social; pois tam- bém ela é sempre obra de um grupo que a caracteriza. A linguagem é, em geral, um dos elementos característicos da fisionomia das sociedades e não é sem razão que parentesco das línguas é muitas vezes empregado para estabelecer o parentesco dos povos. Há por- tanto matéria para um estudo sociológico da linguagem que, de resto, já foi O mesmo se pode dizer da estética; pois, embora cada artista (poeta, orador, escultor, pintor, etc.) imprima um cunho próprio às obras que cria, todas as que são realizadas V. os trabalhos de M. MEILLET e particularmente a memória publicada em L'Année sociologique (vol. IX) com o título: les mots changent de sens». 135num mesmo meio social e numa mesma época exprimem, sob diver- sas formas, um mesmo ideal que, por sua vez, está estreitamente relacionado com temperamento dos grupos sociais aos quais estas obras se dirigem. É verdade que alguns destes factos foram já estudados por dis- ciplinas há muito constituídas; em particular, factos económicos servem de matéria a esse conjunto de investigações, de análises e de teorias diversas a que normalmente se chama economia polí- tica. Mas, como já dissemos, a economia política permaneceu até hoje um estudo híbrido, intermediário entre a arte a ciência; está muito menos interessada em observar a vida industrial comer- cial, tal como ela é ou foi, para a conhecer e lhe determinar as leis do que em reconstruí-la tal como ela deve ser. Os economistas têm apenas uma leve intuição de que a realidade económica se impõe ao observador tal como as realidades físicas, que está subme- tida à mesma necessidade que, por conseguinte, é preciso fazer a sua ciência de modo especulativo, antes de pensar em reformá-la. Além disso, eles estudam OS factos de que tratam como se eles constituíssem um todo independente que se basta a si mesmo e que se pode explicar por si. Ora, as funções económicas são na reali- dade funções sociais, solidárias com outras funções colectivas; tornam-se inexplicáveis quando se abstraem violentamente estas últimas. O salário dos operários não depende unicamente das rela- ções entre procura e oferta, mas igualmente de certas concepções morais; ele aumenta ou diminui conforme a ideia que nós fazemos do bem-estar mínimo que um ser humano pode reivindicar, ou seja, em definitivo, conforme a ideia que nós fazemos do ser humano. Poderíamos multiplicar exemplos. Tornando-se um ramo da so- ciologia, a ciência económica será naturalmente arrancada a este isolamento ao mesmo tempo que se deixará mais penetrar da ideia do determinismo científico. Por conseguinte, tomando assim lugar no sistema das ciências sociais, não se limitará a mudar de rótulo; transformará o espírito que a anima e métodos que aplica. Verifica-se através desta análise quanto falta para que a socio- logia seja uma espécie de ciência muito simples, que se limita, como pensava Comte, a um único problema. Hoje em dia é impossível um sociólogo possuir a enciclopédia da sua ciência; mas é neces- sário que cada cientista se dedique a uma ordem especial de pro- blemas, se não se quiser contentar com noções muito gerais e vagas, 136que poderiam ter tido a sua utilidade enquanto a sociologia apenas procurava explorar seu domínio e tomar consciência de si mesma, mas nas quais ela hoje em dia se não deve deter. Isto não quer no entanto dizer que não haja lugar para uma ciência sintética que se esforce por reunir as conclusões gerais que se deduzem de todas estas ciências particulares. Por diferentes que as diversas classes de factos sociais sejam umas das outras, não passam de espécies de um mesmo género; há portanto que procurar saber que pro- voca a unidade do género, o que caracteriza o facto social in abs- tracto e se, além disso, não haverá leis muito gerais, de que as diversas leis estabelecidas pelas ciências particulares sejam apenas formas particulares. Tal como a biologia geral, a sociologia geral tem por objecto extrair as propriedades e as leis mais gerais da sua vida. É a parte filosófica da ciência. Mas como valor da síntese depende do valor das análises de que ela resulta, fazer avançar este trabalho de análise constitui a tarefa mais urgente da sociologia. Resumindo, o quadro seguinte representa esquematicamente as principais divisões da sociologia. Estudo da base geográfica dos povos nas suas relações com a organização social. Morfologia social Estudo da população, do seu volume, da sua densidade e da sua disposição no solo. Sociologia religiosa. moral. jurídica. Fisiologia social económica. linguística. estética. Sociologia geral 3. MÉTODO SOCIOLÓGICO Depois de se ter determinado o domínio da sociologia e as suas principais subdivisões, é preciso tentar caracterizar os princípios essenciais do método que é utilizado nesta ciência. 137Os principais problemas da sociologia consistem em saber qual a maneira como se constituiu uma instituição política, jurídica, económica, religiosa, uma crença, etc., quais as causas que a origi- naram, quais os fins úteis a que responde. A história comparada, entendida como tentaremos precisar, é o único instrumento de que sociólogo dispõe para resolver este tipo de questões. Efectivamente, para compreender uma instituição, é necessário saber de que é que é feita. É um todo complexo, formado de par- tes: é necessário conhecer estas partes, explicar cada uma delas separadamente e a maneira como são compostas em conjunto. Para as descobrir, não basta considerar a instituição sob a sua forma mais recente; pois, como a ela nos acostumámos, parece-nos sim- ples. Em todo caso, nada nela indica onde começam e onde aca- bam OS diversos elementos que a constituem. Não há linha de demarcação que os separe uns dos outros de maneira visível, tal como nós não nos apercebemos a olho nu das células de que são formados tecidos do ser vivo, as moléculas de que são formados os corpos brutos. É preciso um instrumento de análise para fazer aparecer. É a história que desempenha esse papel. Efectivamente, a instituição considerada constituiu-se progressivamente, fragmento por fragmento; as partes que a formam nasceram umas depois das outras e acrescentaram-se mais ou menos lentamente umas às ou- tras; basta portanto seguir a sua génese no tempo, ou seja, na his- tória, para ver OS diversos elementos de que ela natural- mente dissociados. Apresentam-se então ao observador uns a seguir aos outros, na mesma ordem em que se formaram e associaram. Nada mais simples, parece, que a noção de parentesco; a história mostra-nos que ela é de uma extrema complexidade: a ideia de consanguinidade está presente, mas tem de haver outra coisa, pois nós encontramos tipos de famílias onde a consanguinidade desem- penha apenas um papel acessório; parentesco materno e paren- tesco paterno são coisas qualitativamente distintas, que dependem de causas totalmente diferentes e que exigem, por conseguinte, ser estudadas separadamente, pois nós não encontramos na história tipos de família onde um único destes parentescos tenha existido, excluindo outro. Numa palavra, a história desempenha, na ordem das realidades sociais, um papel análogo ao do microscópio na ordem das realidades físicas. Além disso, só ela permite explicar. Efectivamente, explicar 138uma instituição é compreender os diversos elementos que serviram à sua formação, é mostrar as suas causas e as suas razões de ser. Mas como descobrir essas causas, senão reportando-se ao momento em que elas foram operantes, quer dizer, em que elas suscitaram os factos que procuramos compreender? Pois é apenas nesse momento que é possível compreender a maneira como elas agiram e as con- sequências que geraram. Ora, esse momento está atrás de nós. O único meio de conseguir saber como nasceu cada um destes ele- mentos é observá-lo no próprio instante em que nasceu e assistir à sua génese: ora esta génese ocorreu no passado e, por conse- guinte, só pode ser conhecida através da história. Por exemplo, parentesco, hoje, é duplo; existe tanto na linha paterna como na linha materna. Para conhecer as causas determinantes desta organização complexa, observar-se-á em primeiro lugar as socieda- des em que o parentesco é essencialmente ou exclusivamente ute- rino procurar-se-á descobrir que originou; em seguida, con- siderar-se-ão povos em que parentesco agnatício se constituiu: por fim, como este, quando surge, rejeita muitas vezes o primeiro para segundo plano. interrogar-se-ão as civilizações em que um e outro começaram a ser colocados no mesmo plano e procurar-se-á descobrir as condições que determinaram essa igualdade. É assim que as questões sociológicas se escalonam, a bem dizer, nas diferen- tes etapas do passado e é na condição de as situar deste modo, de as relacionar com os diversos meios históricos em que nasceram, que é possível resolvê-las. A sociologia é portanto em grande parte uma espécie de his- tória entendida de uma certa maneira. Também o historiador trata dos factos sociais; mas ele considera-os sobretudo pelo que eles têm de particular a determinado povo ou a determinada época. a vida de tal povo ou de tal individualidade colectiva, em tal momento da sua evolução, que geralmente ele se propõe estudar. A sua tarefa imediata é de reencontrar e de caracterizar a fisiono- mia própria, individual, de cada sociedade e até de cada um dos períodos que uma mesma sociedade compreende. O sociólogo, por sua vez, preocupa-se unicamente em descobrir relações gerais e leis Entende-se por parentesco uterino aquele que se estabelece exclusivamente ou essencialmente através das mulheres; parentesco agnatício aquele que se esta- belece essencialmente ou exclusivamente através dos homens. 139verificáveis em sociedades diferentes. Não investigará especialmente que foi a vida religiosa ou direito de propriedade em França, ou em Inglaterra, em Roma ou na em tal ou tal século; mas estes estudos especiais, que aliás lhe são indispensáveis, apenas constituem para ele meios de conseguir descobrir alguns factores da vida religiosa em geral. Ora, nós temos apenas uma forma de demonstrar que entre dois factos existe uma relação lógica, uma relação de causalidade por exemplo: é comparar OS casos que eles estão simultaneamente presentes ou ausentes e procurar se as variações que eles apresentam nestas diferentes combinações de circunstâncias demonstram que um depende do outro. No fundo, a experimentação é apenas uma forma de comparação; consiste em fazer variar um facto, produzindo-o sob formas variadas que são em seguida metodicamente comparadas. O sociólogo não se pode portanto limitar à consideração de um único povo ainda menos de uma única época; mas terá de comparar sociedades do mesmo tipo e também de tipos diferentes, para que as variações que a instituição aí apresentar a prática que ele quer verificar, relacio- nadas com as variações que paralelamente se verificam no meio social, no estado das ideias, etc., permitam compreender as rela- ções que unem estes dois grupos de factos e estabelecer entre eles uma qualquer relação de causalidade. O método comparativo é por- tanto o instrumento, por excelência, do método sociológico. A his- tória, no sentido usual do termo, está para a sociologia como a gramática latina ou a gramática grega ou a gramática francesa, consideradas e tratadas separadamente umas das outras, estão para a nova ciência que tomou o nome de gramática comparada No entanto, há casos em que a matéria para as comparações sociológicas deve ser procurada noutra disciplina que não a his- Não temos de explicar aqui quais serão as futuras relações entre a socio- logia a história; estamos convencidos que estão destinadas a tornarem-se cada vez mais íntimas e que virá um dia em que espírito histórico e o espírito socio- lógico apenas se diferenciarão no pormenor. Efectivamente, a sociologia só pode proceder às suas comparações e às suas induções na condição de conhecer perfeita- mente factos particulares nos quais clas se apoiam, tal como um historiador e, por outro lado, a realidade concreta que o historiador estuda mais imediata- mente pode ser esclarecida pelos resultados das induções sociológicas. Assim, no que precede diferenciamos a história da sociologia, não é para cavar entre estas duas disciplinas um fosso intransponível, visto elas serem chamadas a, pelo con- trário, se tornarem cada vez mais solidárias; é apenas para caracterizar tão exacta- mente quanto possível que o ponto de vista sociológico tem de próprio. 140tória. Acontece que se procure, não como se formou uma regra jurídica ou moral ou uma crença religiosa, mas porque é que ela é mais ou menos bem observada pelas colectividades que a prati- cam. Por exemplo, em vez de nos perguntarmos de onde vem a regra que proíbe o homicídio, encarregar-nos-emos de descobrir as diversas causas que fazem com que os povos e todo o género de grupos tenham mais ou menos tendência para a violar. Do mesmo modo, poder-nos-emos propor encontrar alguns dos factores que fazem com que OS casamentos sejam mais ou menos frequentes, mais ou menos precoces, mais ou menos facilmente dissolvidos pelo divórcio, etc. Para responder a este tipo de questões, é à esta- tística que nos devemos dirigir. Procuraremos saber como a fre- dos homicídios, dos casamentos, dos divórcios varia con- forme as sociedades, conforme as confissões religiosas, conforme as religiões, etc. É essencialmente segundo este método que devem ser tratados os problemas relativos às diversas condições das quais depende a moralidade dos Em sociologia económica, pode- mos, utilizando mesmo processo, estudar em função de que cau- sas variam OS salários, a taxa de lucro, o valor de troca das moe- das, etc. Mas, seja qual for a técnica especial a que recorre, há uma regra que sociólogo não deve perder de vista: antes de iniciar o estudo de determinada categoria de fenómenos sociais, ele deve começar por fazer tábua rasa das noções que pode ter formado ao longo da sua vida; deve partir do princípio de que nada sabe acerca deles, das suas características ou das causas de que dependem; numa pala- vra, é preciso que ele procure encontrar-se no mesmo estado de espírito em que estão físicos, químicos, fisiólogos e até, actual- mente, psicólogos, quando se iniciam numa região ainda inexplo- rada do scu domínio científico. Infelizmente, esta atitude, por necessária que seja, não é fácil de observar relativamente à realidade social; somos dificultados por hábitos inveterados. Porque todos os dias praticamos as regras da moral e do direito, porque compramos, porque vendemos, por- que trocamos valores, etc., temos forçosamente uma ideia quanto a estas diferentes coisas: se assim não fosse não poderíamos desem- Não confundir moral e moralidade. A moralidade avalia-se pelo modo como a moral é aplicada. Pode levantar-se a mesma questão relativamente à religião. 141penhar as nossas tarefas quotidianas. Donde uma ilusão perfeita- mente natural: pensamos compreender com estas ideias o essencial das coisas a que se referem. O moralista não se preocupa muito em explicar o que é a família, o parentesco, poder paterno, con- trato, o direito de propriedade; mesmo se passa com economista relativamente ao valor, à troca, ao lucro, etc. Parece que a ciência é inata em nós; limitamo-nos a tomar consciência, mais clara- mente possível, da ideia que correntemente fazemos destas reali- dades complexas. estas noções, que se formaram sem método para responder às exigências práticas, não têm qualquer valor cien- tífico; elas não exprimem mais exactamente as coisas sociais do que as noções que vulgarmente se tem dos corpos das suas pro- priedades, da luz, do som, do calor, etc., não representam exacta- mente a natureza destes corpos e os seus caracteres objectivos. O físico e químico abstraem estas representações usuais e acon- tece que a realidade, tal como eles no-la revelam, é efectiva sin- gularmente diferente daquela que os nossos sentidos imediatamente percebem. O sociólogo deve proceder da mesma maneira; deve colocar-se face aos factos sociais esquecendo tudo que pensa sa- ber, como face ao desconhecido. A sociologia não deve ser uma simples ilustração de evidências, aliás enganadoras; ela deve ser a obreira de descobertas que muitas vezes não podem deixar de nos desconcertar, atendendo às noções recebidas. Temos uma total ignorância destas coisas sociais entre as quais nos movimentamos; é às diferentes ciências sociais que compete a sua progressiva reve- lação.