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Autora: Profa. Elaine Cristina Pardi Domingues Colaboradoras: Profa. Andrea Wild Profa. Christiane Mazur Doi Estruturas de Mercado e Concorrência Professora conteudista: Elaine Cristina Pardi Domingues Graduada em Direito, especialista em Direito Empresarial, mestre em Direito Empresarial e doutora em Filosofia do Direito. Advogada e professora titular da Universidade Paulista (UNIP). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D671e Domingues, Elaine Cristina Pardi. Estruturas de Mercado e Concorrência / Elaine Cristina Pardi Domingues. – São Paulo: Editora Sol, 2025. 132 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Mercado. 2. Controle. 3. Cade. I. Título. 681.3 U522.42 – 25 Prof. João Carlos Di Genio Fundador Profa. Sandra Rejane Gomes Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Profa. M. Marisa Regina Paixão Vice-Reitora de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor das Unidades Universitárias Profa. Silvia Renata Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Revisão: Prof. Alexandre Ponzetto Vitor Andrade Auriana Malaquias Sumário Estruturas de Mercado e Concorrência APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 ESTRUTURAS DE MERCADO ........................................................................................................................ 11 1.1 Mercado: estruturas e mecanismos básicos .............................................................................. 11 1.1.1 Concorrência perfeita ........................................................................................................................... 14 1.1.2 Monopólio ................................................................................................................................................. 16 1.1.3 Oligopólio ................................................................................................................................................... 18 1.1.4 Concorrência monopolística .............................................................................................................. 20 1.2 Estruturas de mercado de fatores de produção ...................................................................... 21 1.2.1 Monopsônios ............................................................................................................................................ 22 1.2.2 Oligopsônios ............................................................................................................................................. 23 2 CONTROLE DAS ESTRUTURAS .................................................................................................................... 24 2.1 Cade ........................................................................................................................................................... 25 2.1.1 Origem e finalidade ................................................................................................................................ 25 2.1.2 Estrutura e composição........................................................................................................................ 27 2.2 Atos de concentração ......................................................................................................................... 34 2.2.1 Conceito e espécies ................................................................................................................................ 34 2.2.2 Conceitos jurídico-econômicos na análise dos atos de concentração ............................. 38 3 ATUAÇÃO DO CADE NOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO........................................................................ 44 3.1 Controle preventivo ............................................................................................................................. 44 3.2 Critério de submissão e gun jumping .......................................................................................... 45 3.3 Análise dos atos de concentração ................................................................................................. 50 3.3.1 Aprovação e reprovação ...................................................................................................................... 51 3.3.2 Acordo em controle de concentração (ACC) ............................................................................... 56 4 CONTROLE DAS CONDUTAS ........................................................................................................................ 62 4.1 Poder econômico e abuso de poder ............................................................................................. 62 4.2 Infrações da ordem econômica ...................................................................................................... 63 4.2.1 Condutas concertadas, unilaterais e cartelização ..................................................................... 66 4.2.2 Noções sobre o processo administrativo no Cade ..................................................................... 73 Unidade II 5 CONTROLE REPRESSIVO DO CADE ........................................................................................................... 80 5.1 Sanções por infração da ordem econômica .............................................................................. 80 5.1.1 Medidas preventivas e compromisso de cessação .................................................................... 81 5.1.2 Acordo de leniência e colaboração premiada ............................................................................. 83 6 TUTELA DA LIVRE CONCORRÊNCIA – LEI N. 12.529/2011 ............................................................... 86 6.1 Defesa da concorrência ..................................................................................................................... 86 6.1.1 Origem do direito concorrencial no Brasil .................................................................................... 87 6.1.2 Livre-iniciativa e livre concorrência na CF ................................................................................... 88 6.1.3 Relação entre os princípios ................................................................................................................. 90 6.1.4 Legislação antitruste ............................................................................................................................. 91 7 AGÊNCIAS REGULADORAS E AS RELAÇÕES DE CONCORRÊNCIA ............................................... 92 7.1 Agências reguladoras ..........................................................................................................................governamentais sob responsabilidade do Cade; II – planejar, coordenar e supervisionar a execução das atividades relacionadas aos Sistemas de Pessoal Civil da Administração Federal, de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação, de Serviços Gerais, de Planejamento e de Orçamento Federal, de Contabilidade Federal, de Administração Financeira Federal, de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal e de Gestão de Documentos de Arquivo, no âmbito do Cade; III – articular-se com os órgãos centrais dos sistemas federais referidos no inciso II, além de informar e orientar as unidades do Cade quanto ao cumprimento das normas administrativas estabelecidas; 32 Unidade I IV – instaurar a tomada de contas dos ordenadores de despesa e dos demais responsáveis por bens e valores públicos e de todo aquele que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em dano ao erário; V – promover, articular e orientar as ações relacionadas à produção de conhecimento e à gestão de informações sobre as atividades de planejamento e de administração, no âmbito do Cade; e VI – coordenar a elaboração de relatórios de atividades, inclusive o relatório anual de gestão (Cade, 2021). Já o MPF atua junto ao Cade por meio de um representante designado pelo procurador-geral da República, após ouvida a manifestação do Conselho Superior. Compete a esse representante emitir parecer nos processos administrativos destinados à imposição de sanções por infrações à ordem econômica, seja de ofício ou a requerimento do conselheiro relator (Brasil, 2011, art. 20). O art. 2º do RiCade (Cade, 2021), ao tratar da estrutura organizacional da autarquia, classifica seus órgãos nas seguintes categorias: de assistência direta e imediata ao presidente do Cade; seccionais; específicos e singulares; e órgão colegiado. Art. 2º O Cade tem a seguinte estrutura organizacional: I – órgãos de assistência direta e imediata ao Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica: a) Gabinete – GAB-Pres; b) Assessoria Internacional; e c) Assessoria de Comunicação Social; II – órgãos seccionais: a) Diretoria de Administração e Planejamento; b) Auditoria; e c) Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade; d) Corregedoria. III – órgãos específicos e singulares: a) Superintendência-Geral – SG; 33 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA b) Departamento de Estudos Econômicos – DEE; e IV – órgão colegiado: Tribunal Administrativo de Defesa Econômica. Parágrafo único. A estrutura, a competência e o funcionamento das unidades subordinadas aos órgãos descritos neste artigo serão estabelecidos em ato normativo específico (Cade, 2021). Com base na Lei n. 12.529/2011, que disciplina os órgãos de constituição e de apoio e suporte ao Cade, e no seu regulamento interno, a autarquia tem a estrutura organizacional representada pela figura 1. Tr ib un al Adm inistrativo de Defesa Econoôm ica Au di to ria Corregedoria Presidência Superintendência-Gera l Diretoria de Administração e Planejamento Procuradoria Federal Especializada Dep art am en to d e Est ud os Ec on ôm ico s Órgão de assistência direta e imediata ao Presidente do Cade Estrutura Organizacional Órgãos Específicos e Singulares Órgão Colegiado Órgãos Seccionais Figura 1 Disponível em: https://shre.ink/e3Fq. Acesso em: 28 maio 2025. Atualmente, o SBDC é formado pelo Cade e pela Seprac, do Ministério da Fazenda. Lembrete A Seprac é um dos órgãos sucessores da antiga Seae. Essa mudança ocorreu após desdobramento institucional originado pelo Decreto n. 9.266/2018, atualmente revogado. Embora a Seprac integre o SBDC, não mantém vínculo direto com o Cade, atuando, na prática, como um órgão de natureza consultiva e opinativa. 34 Unidade I Em termos gerais, a Seprac é responsável pela advocacia da concorrência no âmbito da administração pública federal e da sociedade civil. Suas finalidades incluem, entre outras, a promoção da competitividade e da inovação na economia brasileira, a atuação no monitoramento de mercados, a análise de impacto regulatório de políticas públicas setoriais, bem como a proposição, a coordenação e a execução de ações ligadas à gestão de políticas de infraestrutura. 2.2 Atos de concentração 2.2.1 Conceito e espécies Para compreender melhor o tema, deve-se definir atos de concentração econômica. Eles são definidos pelo art. 90 da Lei n. 12.529/2011 como: • a fusão entre duas ou mais empresas anteriormente independentes; • a aquisição, por uma ou mais empresas, do controle ou de partes de outras; • a incorporação de uma ou mais empresas por outra; • a celebração de contrato associativo, consórcio ou joint venture entre duas ou mais empresas. Ressalta-se que, para os efeitos legais, não são considerados atos de concentração os consórcios ou associações formados exclusivamente para participar de licitações promovidas pela administração pública direta ou indireta, bem como os contratos celebrados em decorrência dessas licitações. A respeito de concentração econômica, Forgioni (2005, p. 646) acentua: Trata-se de conceito bastante simples, que expressa o aumento de riquezas em poucas mãos. Consequentemente, a ideia de concentração relaciona-se com o aumento de poder econômico de um ou mais agentes que atuam no mercado relevante. É importante ainda relevar que o conceito de concentração foi dado, primeiramente, pela doutrina econômica e é um conceito empírico-factual, e não técnico-jurídico. Nas palavras de Carvalho (1995, p. 91-92): Concentração de empresas é todo o ato de associação empresarial, seja por meio da compra parcial ou total dos títulos representativos de capital social (com direito a voto ou não), seja através da aquisição de direitos e ativos, que provoque a substituição de órgãos decisórios independentes por um sistema unificado de controle empresarial. 35 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Compete ao Cade apreciar atos de concentração econômica que envolvam operações de fusão, incorporação ou que constituam novo grupo econômico, ou ainda quando uma empresa adquire o ativo ou parcela do patrimônio de outra, mas desde que os agentes econômicos envolvidos preencham certos requisitos previstos na Lei n. 12.529/2011, conforme será abordado mais adiante. Os atos de concentração são maneiras como os agentes econômicos se unem sob o ponto de vista jurídico e/ou econômico para realizar operações societárias. Destaca-se, entre os atos de concentração, a fusão, que consiste em uma operação societária por meio da qual duas ou mais sociedades se unem para constituir uma nova, que as sucederá em todos os seus direitos e suas obrigações. Nos termos do art. 228 da Lei n. 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações), a fusão é definida como: “[...] operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma sociedade nova que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações”. De forma semelhante, o Código Civil, Lei n. 10.406/2002, em seu art. 1.119, dispõe: “A fusão determina a extinção das sociedades que se unem para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações”. O propósito da fusão é a união dos recursos patrimoniais e empresariais das sociedades envolvidas, resultando na criação de uma nova pessoa jurídica, distinta daquelas que lhe deram origem, com personalidade jurídica própria. Por sua vez, incorporação é a operação societária pela qual uma sociedade absorve uma ou mais outras sociedades, exigindo a aprovação dos sócios de todas as empresas envolvidas. Nessa operação, a sociedade incorporada é extinta como pessoa jurídica, permanecendo apenas a incorporadora, que assume todos os direitos e obrigações da outra. O Código Civil, em seu art. 1.116, acentua: “Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos”. Para a realização dessa operação,é necessário observar as formalidades previstas no art. 227 da Lei n. 6.404/1976: Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. § 1º A assembleia geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seu patrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão. § 2º A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o protocolo da operação, autorizará seus administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a subscrição do aumento de capital da incorporadora. 36 Unidade I § 3º Aprovados pela assembleia geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação. Com efeito, a incorporação resulta na dissolução das sociedades incorporadas e no aumento do capital social da sociedade incorporadora. Essa operação caracteriza-se por: • Envolver a transferência integral do patrimônio, uma vez que todos os direitos e as obrigações são absorvidos pela incorporadora. • Possibilitar a participação dos acionistas ou sócios das sociedades incorporadas na estrutura societária da incorporadora. • Ocasionar a extinção das sociedades incorporadas, que são absorvidas pela incorporadora, conforme disposto no art. 1.118 do Código Civil e no § 3º do art. 227 da Lei n. 6.404/1976. A aquisição é a operação em que uma empresa adquire o controle ou parcela substancial da participação acionária de outra empresa. Por exemplo, quando uma empresa adquire o controle das ações de outra envolvendo um alto investimento e controle. Assim, há maior impacto sobre a gestão e esse processo tem menos probabilidade de ser revertido, diferentemente da fusão. Na aquisição, após a escolha da empresa, essa operação deverá ocorrer em duas etapas, ou seja, aplica-se aquilo que é conhecido no meio corporativo como due diligence, que consiste na negociação propriamente dita e na integração. A due diligence compõe-se de duas etapas: a primeira compreende o processo de aquisição propriamente dita, quando são realizados levantamentos e análises sistêmicas sobre a empresa a ser adquirida, geralmente baseados nos custos financeiros da transação; a segunda etapa consiste na integração, na qual deve ocorrer um planejamento cultural de integração entre as empresas. O que se busca com esse processo é a agregação de valor, e a empresa adquirida contribui com a adquirente, seja de forma apenas estratégica, seja como ajuda financeira (Tanure; Cançado, 2005). O processo de tomada de controle é conhecido no meio empresarial como takeover. Os processos de fusão e aquisição podem tanto objetivar o aumento da riqueza dos acionistas, como a maximização da utilidade gerencial, podendo ou não haver sinergismo em tais operações, ou seja, benefícios recíprocos (Camargos; Barbosa, 2003). Para o Cade (2022), joint venture “é a associação entre dois ou mais agentes econômicos para a criação de um novo agente econômico, sem a extinção dos agentes que lhe deram origem”. Em geral, são acordos ou parcerias que podem resultar em atividades conjuntas de pesquisa e desenvolvimento, transferência de tecnologias entre parceiros, concessão de exclusividade de produção e até acordos no campo de marketing, que podem implicar participação acionária ou não. 37 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA É importante que no contrato de joint venture seja prevista a independência dos agentes econômicos, constituindo ato jurídico e econômico complexo. O lado positivo é beneficiar consumidores, e o negativo, elevar o poder de mercado do conjunto de empresas envolvidas (Avellar; Teixeira; De Paula, 2012). O contrato de joint venture não está previsto no Código Civil ou em legislação específica. Contudo, tem sido muito utilizado no Brasil nas associações entre empresas nacionais e entre nacionais e estrangeiras. Saiba mais A respeito de joint venture, amplie seus estudos com a leitura do artigo a seguir: AVELLAR, A. P.; TEIXEIRA, H. A.; DE PAULA, G. M. Joint ventures e a política antitruste brasileira. Revista Econômica Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 463-486, dez. 2012. Como visto, a concentração de empresas pode se realizar de diversas maneiras, podendo haver maior ou menor potencialidade de restrição à concorrência. O fenômeno da concentração não é desconhecido da legislação, pois a Lei n. 6.404/1976 disciplina as operações de fusão, incorporação e coligação de sociedades. Não existem restrições ao processo concentração, que inclusive está previsto na lei (Masso, 2016). Segundo Bagnoli (2013), a empresa que realiza uma concentração econômica pode efetivá-la em razão de eficiências econômicas que deseja alcançar no cenário pós-concentração ou, apenas, para eliminar a concorrência. A concentração por motivações econômicas busca eficiência com economias de escala e de escopo, compartilhamento tecnológico, custo de capital, economias tributárias e outros benefícios. Nos casos de concentrações que objetivam eliminar a concorrência, compete ao Estado exercer coibição. De qualquer forma, para Bagnoli (2013), a concentração entre concorrentes, por si só, já é uma limitação à concorrência. Em função disso, são relevantes a análise e o controle dessas operações pelos órgãos de defesa da concorrência, que devem auferir se os benefícios resultantes da concentração serão distribuídos igualmente entre os participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários, de outro. Seja qual for a forma societária, fusão, incorporação, aquisição, reorganização societária, aquisição de participações e joint venture, as concentrações econômicas são tradicionalmente classificadas em três categorias: horizontais, verticais e conglomeradas (Bagnoli, 2013). As concentrações horizontais são aquelas que se realizam entre concorrentes, ou seja, entre agentes que atuam no mesmo nível da cadeia produtiva. Elas oferecem maior risco à ordem econômica. Podem ter por escopo neutralizar a concorrência entre os agentes atuantes no mesmo mercado, possibilitando um aumento abusivo dos preços e restrições de mercado tanto para fornecedores como para consumidores. 38 Unidade I Segundo Salomão Filho (2013), é fundamental uma boa compreensão da noção de concentração horizontal. Observe o excerto a seguir. É considerada concentração horizontal não apenas aquela integração entre empresas que fabriquem ou comercializem o mesmo produto. Firmas no mesmo mercado são consideradas todas aquelas que se incluem na mesma definição de mercado relevante. Assim, todos os fabricantes de produtos substitutos, que, em caso de aumento de preços, passariam a ser consumidos, devem ser incluídos no mercado (Salomão Filho, 2013, p. 325). Já as concentrações verticais são aquelas que se realizam entre agentes econômicos que atuam nos diferentes estágios de uma cadeia produtiva. Geralmente, há uma relação comercial entre os agentes envolvidos, como vendedor e comprador ou prestador de serviços, a exemplo da atividade de produção e distribuição. Elas podem ter por escopo dificultar o acesso do concorrente a determinado insumo ou matéria-prima. Trata-se de uma limitação indireta da concorrência, a qual dificulta a entrada de um novo competidor no mercado ou o desenvolvimento de sua atividade empresarial. Pode ocorrer uma integração vertical em virtude de uma operação de concentração econômica, na qual uma organização produtiva passa a atuar em níveis diferentes de uma mesma cadeia produtiva e interligadas, de modo que a concorrência em um mercado pode ser diretamente afetada pelos resultados do outro. Por sua vez, as concentrações conglomeradas são aquelas que ocorrem entre dois agentes econômicos que não são concorrentes, isto é, que não têm qualquer relação entre si. Esse atode concentração é muito discutido e seu controle é limitado. Independentemente de qual seja a categoria de concentração, cada qual ocorrerá sempre em um mesmo mercado, chamado de mercado relevante da operação. A delimitação desse mercado é o primeiro passo para aferir uma possível dominação do mercado ou um abuso dessa posição capaz de prejudicar a livre concorrência. As formas de concentração devem ser analisadas pelo Cade com base em certos critérios para a apuração (medição) da concentração do mercado, considerando o mercado relevante e outros conceitos jurídico-econômicos importantes na apuração dos riscos que o ato de concentração pode causar, tema que estudaremos a seguir. 2.2.2 Conceitos jurídico‑econômicos na análise dos atos de concentração O Cade (2016a) tem uma cartilha com conceitos jurídico-econômicos envolvidos na análise de atos de concentração e de casos de infração à ordem econômica. O primeiro conceito é o de mercado relevante, que é o principal método de análise para medição do poder de mercado e que define a margem de concorrência entre as empresas. A definição de mercado relevante pondera duas dimensões: a do produto e a geográfica. O objetivo é delimitar um espaço no qual a substituição do produto por outro seja impossível, ou porque o produto não tem substitutos, ou pela dificuldade de obtê-los. 39 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA A referida cartilha do Cade (2016a) define mercado relevante como: um produto ou grupo de produtos e uma área geográfica em que tal(is) produto(s) é (são) produzido(s) ou vendido(s), de forma que uma firma monopolista poderia impor um pequeno, mas significativo e não transitório aumento de preços, sem que com isso os consumidores migrassem para o consumo de outro produto ou o comprassem em outra região. Esse é o chamado teste do monopolista hipotético, e o mercado relevante é definido como sendo o menor mercado possível em que tal critério é satisfeito (Cade, 2016a, p. 8). Essa definição utiliza o teste do monopolista hipotético, segundo o qual o mercado relevante é determinado como o menor conjunto de produtos e a menor área geográfica necessários para que um monopolista hipotético possa impor um aumento de preços que seja pequeno, mas significativo e não transitório. O Guia para análise de atos de concentração horizontal (Cade, 2016b), o chamado guia H, por sua vez, traz a delimitação do mercado relevante como: o processo de identificação do conjunto de agentes econômicos (consumidores e produtores) que efetivamente reagem e limitam as decisões referentes a estratégias de preços, quantidades, qualidade (entre outras) da empresa resultante da operação (Cade, 2016b, p. 13). A delimitação do mercado relevante tem por objetivo fixar um espaço geográfico e material no qual ocorre a concorrência entre os agentes econômicos, reunindo empresas nas quais a produção tenha efeito imediato e substancial no comportamento dos demais agentes econômicos, especialmente, quando envolve preços e produção. O mercado relevante é o palco onde as relações de concorrência são travadas, é o local de atuação do agente econômico, cuja conduta, ainda que potencial, é analisada (Bagnoli, 2013). Depreende-se, assim, que a análise do mercado relevante deve ser feita em dois níveis: no do produto, também chamado de nível material ou mercado relevante material; e no geográfico ou mercado relevante geográfico. O mercado relevante material, sob a ótica da demanda, compreende todos os produtos ou serviços considerados pelo consumidor substituíveis entre si em razão de suas características, seus preços e sua utilização. A delimitação desse mercado é realizada a partir da perspectiva do consumidor. Segundo Coelho (2012), se o produto ou serviço pode ser substituído, de acordo com o consumidor médio, por outros da mesma qualidade e ofertados na mesma localidade ou região, então também farão parte do mercado relevante todos os outros produtos ou serviços substitutos. Nesse caso, os produtos ou serviços são fungíveis e fazem parte do mesmo mercado relevante material. 40 Unidade I Para verificar a substitutibilidade, o Guia para análise de atos de concentração horizontal (Cade, 2016b) prevê que seja verificada a possibilidade de os consumidores desviarem sua demanda para outros produtos. Para tal exame, o Cade considera diversos fatores, tais como: • perfis dos clientes (renda, idade, sexo, educação, profissão, localização, mobilidade ou outras características observáveis); • dimensionamento do mercado desses clientes (quantidade ou faturamento); • natureza e características dos produtos e/ou serviços; • importância dos preços dos produtos e/ou serviços; • importância da qualidade dos produtos e/ou serviços; • importância da marca, do crédito, de prazos de pagamento, de forma e momentos de consumo; • evidências de alteração do padrão de compra dos consumidores no passado, em resposta a aumento de preços ou termos de comercialização; • informações de pesquisas realizadas com consumidores, concorrentes, entre outros; • documentos das requerentes, em relação a como eles compreendem o grau de substituição dos produtos quando apresentam o mercado a acionistas ou ao público em geral; • evidências de discriminação de preços entre consumidores, entre localidades e entre marcas (Cade, 2016b, p. 13-14). Também é possível verificar essa substitutibilidade por intermédio do fenômeno da elasticidade cruzada, pelo qual o preço de um bem afeta a quantidade demanda de outro bem, isto é, o aumento do preço de um bem ou serviço faz com que se eleve o aumento da procura de outro. Isso demonstra que o consumidor está disposto a substituir um produto ou serviço por outro, incluindo-os no mesmo mercado relevante material (Bagnoli, 2013). O mercado relevante geográfico, por sua vez, abrange determinada área na qual os agentes econômicos exercem a oferta e a demanda dos produtos ou serviços em condições de concorrência equivalentes. Após ter a noção de espaço ou área na qual se dá a competição, pode-se compreender o mercado relevante geográfico. Nesse espaço, é possível que um agente econômico eleve seus preços sem perder um número significativo de compradores, caso em que estes não possam utilizar produtos substitutos 41 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA ou inexistam outros fabricantes de sucedâneos localizados fora daquela área e dispostos a ingressar maciçamente no mercado geográfico em questão (Bagnoli, 2013). Ao delimitar a área geográfica em que as empresas ofertam seus produtos ou que os consumidores buscam mercadorias (bens ou serviços), o monopolista conseguirá impor elevações de preço. O Cade (2016b) pode considerar diversos fatores, tais como: • onde as requerentes estão localizadas; • onde as concorrentes estão localizadas; • onde os consumidores estão situados; • onde ocorrem as vendas; • qual o hábito de compra dos consumidores (se são os consumidores que se deslocam para adquirir produtos ou se são os vendedores que se deslocam para vender os seus produtos, ou ambos); • que distância os consumidores geralmente se deslocam para adquirir o produto; • que distância os fornecedores geralmente se deslocam para vender seu produto; • diferenças nas estruturas de oferta e/ou preços entre áreas geográficas vizinhas, inclusive a possibilidade de importações; • custo, em relação ao preço da mercadoria, de distribuição/transporte; • tempo e outras dificuldades de transporte da mercadoria (em termos de segurança do transporte, da viabilidade do transporte, das questões referentes a aspectos regulatórios e tributários); • custos envolvidos na troca de fornecedores localizados em outro mercado geográfico; • necessidade da proximidade dos fornecedores em relação aos consumidores; • participação das importações na oferta doméstica; • evidências sobre migração de consumidores entre áreas geográficas distintas em resposta a aumento de preços ou alterações de termos de comercialização(Cade, 2016b, p. 14-15). 42 Unidade I Segundo Bagnoli (2013), é possível estabelecer a existência de um mercado geográfico único se: i) O consumidor estaria disposto a deixar o local onde está situado para adquirir o produto ou utilizar o serviço em outra área às vezes distante de onde se encontra; ii) Os custos dos transportes deixariam os produtos ou serviços locais em condições de independência e indiferença em relação aos ofertados pelos agentes econômicos de outras áreas; iii) As características do produto ou serviço, como, por exemplo, durabilidade e resistência ao transporte, permitiriam a comercialização em áreas relativamente distantes de sua origem; iv) Os incentivos governamentais representariam impeditivos ao ingresso de novos agentes econômicos no mercado; e v) A existência de barreiras à entrada, como impostos de importação ou o elevado custo para constituir uma rede de distribuição, demonstraria se o mercado é impermeável ao ingresso de novos competidores (Bagnoli, 2013, p. 188). A definição geográfica e material do mercado relevante deve ser feita pelo órgão antitruste a partir do caso concreto. Exemplo de aplicação Suponha que um atacadista do setor frutífero, embora detentor de uma pequena parcela do mercado de frutas frescas, esteja gradualmente adquirindo todas as empresas fornecedoras de bananas na região sudeste do Brasil. Para avaliar se tal aquisição configura ou não domínio de mercado relevante, é necessário considerar a questão sob a perspectiva do consumidor localizado na região geográfica mencionada. Caso, na região Sudeste, o consumo de frutas frescas ocorra de forma geral e a banana possa ser facilmente substituída por outras frutas em qualquer circunstância, então o mercado relevante será o de frutas frescas. Nessa hipótese, as aquisições realizadas pelo atacadista não representariam risco à concorrência, tampouco configurariam conduta infracional, considerando sua baixa participação nesse segmento mais amplo. Por outro lado, se os consumidores da região não renunciam ao consumo de banana em determinadas situações e não a substituem por nenhuma outra fruta, então o mercado relevante será o de bananas. Nessa situação, ao adquirir todas as empresas desse segmento, o empresário configurará uma prática de dominação de mercado (Santos; Gonçalves; Marques, 1991, apud Coelho, 2012). 43 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Para análise do caso concreto, é vital a definição do mercado relevante, uma vez que ele é o espaço no qual o poder de mercado pode ser detectado. A análise clássica realizada pelo Cade envolve pelo menos quatro ou cinco etapas para que o órgão decida se a operação pode ser aprovada sem restrições, se são necessários “remédios” ou se a operação não pode ser autorizada. A primeira etapa é a definição de mercado relevante para aferir o nível de concentração de poder de mercado; em seguida, deve-se verificar se existe a probabilidade de exercício abusivo desse poder. Outro conceito fundamental na análise dos atos de concentração é o de posição dominante. A Lei n. 12.529/2011 estabelece que há presunção de posição dominante quando uma empresa ou um grupo de empresas detém o controle de parcela substancial do mercado relevante, de modo que seja possível, de maneira deliberada e unilateral, alterar as condições de mercado. A legislação considera parcela substancial do mercado relevante aquela em que a empresa ou o grupo de empresas controla 20% desse mercado. No entanto, a Lei n. 12.529/2011 confere ao Cade a possibilidade de modificar esse percentual para setores específicos da economia, conforme a particularidade de cada caso (Brasil, 2011, art. 36, § 2º). A par disso, verifica-se que a posição dominante está diretamente relacionada com a participação no mercado (market share). Na prática, o market share (quota de mercado) funciona como um sinal de alerta para a existência do poder de mercado, que poderá vir a se concretizar com a operação de concentração. Entretanto, mesmo que a empresa seja detentora de uma parcela expressiva do mercado, somente será alvo da atuação dos órgãos antitrustes se abusar de sua posição. Além disso, a participação que um agente econômico tem em determinado mercado pode ser resultado de um processo natural de eficiência econômica que lhe permitiu uma posição dominante e, nesse caso, não caracteriza nenhuma prática anticoncorrencial. A existência de posição dominante é comprovada por diversos fatores e nenhum deles é decisivo por conta própria. O grau de concentração de participação de mercado é apenas um dos elementos no complexo controle das estruturas. O Cade, diante de elevado percentual de participação, dará prosseguimento ao exame das etapas seguintes, como a verificação de existência de barreiras à entrada de competidores e a dificuldade ou impossibilidade de substituição de produtos, além das eficiências produzidas pela operação, com o fito de conferir se realmente o agente econômico é capaz de alterar estruturalmente o mercado relevante (Zanchetta, 2018). Para analisar os atos de concentração, deve-se conhecer o conceito de poder de mercado. De acordo com a cartilha do Cade (2016a), o poder de mercado é a capacidade que uma empresa ou um grupo de empresas tem para manter o sistema de preços acima no nível competitivo do mercado sem que isso acarrete a perda de todos os clientes. Só dessa maneira é que ambos são capazes de fixar seus preços acima do preço de mercado, caso contrário, os consumidores adquiririam produtos a preços mais competitivos. 44 Unidade I Já o poder econômico está relacionado à condição econômica da empresa, envolve sua capacidade econômica de realizar investimentos, executar grandes obras ou serviços, algo que somente é possível em função da situação econômica. O poder econômico, por si só, não configura um ilícito. A intervenção da lei somente se justifica quando o exercício desse poder compromete as estruturas do livre mercado. Assim, conforme a CF (Brasil, 1988, art. 173, § 4º), a lei deve reprimir o abuso do poder econômico que tenha por objetivo a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência ou o aumento arbitrário dos lucros. Nesse sentido, o poder econômico está atrelado ao poder de mercado, já que uma empresa detentora de poder econômico poderá perfeitamente interferir no mercado, inclusive praticando por longo prazo preços abaixo do nível de mercado e prejudicando a concorrência. Por outro lado, não se deve confundir posição dominante (participação de mercado) com poder de mercado (poder econômico), embora ambos possam coincidir. O fato de uma empresa ter posição dominante em um mercado relevante não significa necessariamente que ela detém poder de mercado, pois este poder consiste na capacidade de uma empresa aumentar preços sem perder seus clientes; somente a existência de posição dominante também não é fator suficiente para que a empresa tenha capacidade de aumentar unilateralmente os preços. Assim, a existência de posição dominante é condição necessária, mas não suficiente para a existência de poder de mercado (Cade, 2016a). Deve-se acentuar, ainda, o conceito de abuso de poder econômico formulado pelo Cade (2016a, p. 9), que consiste no “comportamento de uma empresa ou grupo de empresas que utiliza seu poder de mercado para prejudicar a livre concorrência, por meio de condutas anticompetitivas”. 3 ATUAÇÃO DO CADE NOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO 3.1 Controle preventivo A Lei n. 12.529/2011 determina que o controle dos atos de concentração pelo Cade deve ser prévio e realizado no prazo máximo de 240 dias, contados a partir do protocolo da petição ou de sua eventual emenda (Brasil, 2011, art. 88, § 2º). Esse prazo pode ser prorrogado por até 60 dias, caso haja solicitação das partes envolvidas na operação; ou ainda por até 90 dias, mediante decisão fundamentada do Tade (Brasil, 2011, art. 88, § 9º). A Lei n. 8.884/1994 (Lei Anterior da Concorrência) previa que a notificação dos atosde concentração poderia ser feita antes de sua consumação ou até 15 dias após a realização da operação. Sem dúvida, as partes envolvidas escolhiam a segunda opção. Dessa forma, o controle dos atos de concentração era facultativo a posteriori. Esse controle posterior facultativo era considerado pouco eficaz e recebia críticas, entre as quais permitir às partes envolvidas acelerar o processo de concentração, atrasando o controle estrutural pelo Cade e deixar de fornecer todas as informações de forma completa, dificultando a verificação tempestiva de atos 45 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA anticoncorrenciais. Além disso, depois de consumada a operação, tornava-se mais difícil a aplicação de restrições eficazes ou até mesmo a dissolução da operação de concentração (Zanchetta, 2018). O controle prévio adotado pela lei atual (Brasil, 2011, art. 88, § 3º) impede a consumação de atos de concentração antes da aprovação pelo Cade, sob pena de configuração de prática conhecida como gun jumping (“queimar a largada”), com aplicação da pena de nulidade do ato e imposição de multa pecuniária que pode variar entre R$ 60 mil a 60 milhões, conforme estudaremos adiante. No controle prévio, as partes não podem concluir a operação antes da decisão final da autoridade antitruste, com o objetivo de preservar a situação dos agentes envolvidos na operação e, por consequência, tornar efetivas as decisões de veto. A análise prévia dos atos de concentração traz maior segurança jurídica às empresas envolvidas, além de permitir ao Cade a tomada de decisão antes que efeitos econômicos anticoncorrenciais sejam produzidos com a efetivação da operação, evitando-se, assim, consequências irreversíveis. Com efeito, a legislação brasileira adota o critério de análise exclusivamente prévia das operações, não mais admitindo a análise posterior, exceto nos casos de controle repressivo. Nessa hipótese, o Cade tem discricionariedade para exigir a submissão posterior de atos de concentração que não se enquadrem nos critérios de notificação obrigatória, desde que o faça no prazo de até um ano. Isso ocorre quando o órgão entende que, mesmo em patamares de faturamento inferiores aos exigidos por lei, determinada operação pode representar potencial risco a um mercado relevante específico (Brasil, 2011, art. 88, § 7º). 3.2 Critério de submissão e gun jumping As análises concorrenciais realizadas pelo Cade são baseadas em critérios legais previstos na Lei n. 12.529/2011, no RiCade (Cade, 2021), no Guia para análise de atos de concentração horizontal (Cade, 2016b), na Resolução n. 33/2022 (Cade, 2022b) e na jurisprudência do órgão. Estão submetidos à análise prévia do Cade os atos de concentração descritos no art. 90 da Lei n. 12.529/2011, desde que se enquadrem no critério do faturamento previsto no art. 88 do mesmo diploma legal. Ambos os artigos da referida lei devem ser analisados em conjunto, e o critério de submissão adotado é o do faturamento, mas isso não foi sempre assim. Na vigência da lei anterior (Lei n. 8.884/1994) havia duplo critério de submissão dos atos de concentração: • o critério da participação de mercado, se a operação atingisse 20% de um mercado relevante e/ou; • o critério do faturamento, se qualquer dos participantes tivesse registrado faturamento bruto anual no último balanço de R$ 400 milhões. Na sistemática da atual lei, não há mais o critério da participação de mercado, mas apenas o do faturamento ou volume de negócios. Essa lei estabelece o critério do faturamento ou volume de negócios: 46 Unidade I Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I – pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no país, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e II – pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no país, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). § 1º Os valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça (Brasil, 2011, art. 88). A Portaria Interministerial n. 994 (Cade, 2012), amparada pelos Ministérios da Justiça e da Fazenda, alterou os valores fixados nos incisos I e II do art. 88 da Lei n. 12.529/2011, passando a estipular os seguintes montantes: R$ 750 milhões e 75 milhões), respectivamente. É importante destacar que esse critério não se limita à parte envolvida na operação, mas ao grupo econômico ao qual ela está relacionada e que atinja o faturamento estabelecido na lei no território nacional. Nos termos da Resolução n. 32 do Cade (2021), que disciplina a notificação dos atos de concentração, entende-se como partes da operação as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico e os respectivos grupos econômicos. O Cade, entretanto, por meio da referida resolução, define o que é grupo econômico apenas para efeitos de adequação do critério do faturamento para submeter uma operação à sua análise. A Lei n. 12.529/2011 também eliminou o critério anterior de participação de mercado de 20% para a caracterização de concentração no mercado relevante. A remoção desse critério de market share representa um avanço significativo no sistema antitruste brasileiro, alinhando-se mais estreitamente ao direito antitruste norte-americano, cujas normas são reconhecidas como umas das mais avançadas em termos de controle de concentrações. Além disso, essa mudança segue as recomendações das entidades internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Cordovil et al., 2012). Em virtude de sua complexidade, a participação de mercado deve ser objeto de análise nas etapas posteriores do controle estrutural, mas não parece adequada para determinar, previamente, se uma operação oferece risco anticoncorrencial em potencial, portanto, deve ser objeto de submissão e exame pelo Cade. Além disso, ao realizar a notificação junto ao Cade, as partes envolvidas na operação poderão ampliar o mercado relevante do produto e do local (geográfico), a fim de diluir o poder de mercado (Zanchetta, 2018). 47 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA O critério do faturamento ou volume de negócios também oferece riscos, na medida em que desobriga empresas que não atingiram o faturamento exigido pela lei à notificação da operação, embora possam estar exercendo poder de mercado suficiente para controlar preços, limitar a produção ou impor barreiras à entrada de novos competidores no mercado. A ideia de poder de mercado geralmente está atrelada a grandes empresas, com faturamentos expressivos, mas isso não é uma regra, porque em mercados regionais ou locais empresas com faturamento médio ou pequeno podem exercer efetivo poder de mercado (Zanchetta, 2018). A Lei n. 12.529/2011, em seu art. 88, § 7º, atribui ao Cade a faculdade de requerer a submissão de atos de concentração que não se enquadrem nos critérios de notificação obrigatória, no prazo de até um ano, caso o órgão entenda que, mesmo com faturamento inferior aos limites estabelecidos, a operação possa acarretar danos a um mercado relevante. Quanto ao controle dos atos de concentração, deve-se ressaltar que a Lei n. 12.529/2011, no art. 88, §§ 2º, 3º e 4º, adota o critério da análise exclusivamente prévia das operações. Isso significa que tais atos não poderão ser consumados antes de serem analisados pelo Cade. Além da obrigatoriedade do controle prévio, se os agentes econômicos envolvidos no ato de concentração, que se enquadrem nos critérios de notificação obrigatória, deixarem de submeter a operação ao Cade, configurar-se-áa prática conhecida como gun jumping, conceito amplamente abordado na literatura e na jurisprudência estrangeira. A prática de gun jumping é vedada pela lei antitruste brasileira e consiste na consumação de atos de concentração econômica antes que a análise prévia pelo Cade seja concluída. A esse respeito, a Lei n. 12.529/2011 dispõe o seguinte: Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: [...] Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei (Brasil, 2011, art. 88, § 3º). Esse dispositivo obriga as partes a absterem-se de concluir o ato de concentração antes da finalização da análise prévia pelo Cade, sob pena de declaração de nulidade da operação, imposição de multa pecuniária, com valores variando entre R$ 60 mil e 60 milhões, além da possibilidade de abertura de processo administrativo contra as partes envolvidas. 48 Unidade I Ademais, até a decisão final sobre o ato de concentração, as condições de concorrência entre as empresas envolvidas na operação deverão ser preservadas (Brasil, 2011, art. 88, § 4º). O RiCade (Cade, 2021), em seu art. 107, estabelece que o pedido de aprovação de atos de concentração econômica, conforme previsto no art. 88 da Lei n. 12.529/2011, deve ser prévio. No § 1º do art. 107, determina que as notificações dos atos de concentração devem ser protocoladas, preferencialmente, após a assinatura do instrumento formal que vincule as partes e antes de qualquer ato relativo à operação ser consumado. Já no § 2º do mesmo artigo, especifica que as partes envolvidas devem manter as estruturas físicas e as condições competitivas inalteradas até a apreciação final do Cade, sendo vedadas quaisquer transferências de ativos e qualquer tipo de influência de uma parte sobre a outra, bem como a troca de informações concorrencialmente sensíveis, salvo quando estritamente necessária para a celebração do instrumento formal que vincule as partes. Essa vedação para proibir a troca de informações entre os agentes econômicos envolvidos na operação tem por objetivo evitar que informações concorrenciais sensíveis sejam transmitidas desnecessariamente entre as partes, de modo a acarretar prejuízos à livre concorrência caso o ato de concentração não seja consumado, seja por falta de aprovação do Cade, seja por questões referentes à própria negociação. A Lei n. 12.529/2011, assim como o RiCade, não identifica quais atos poderiam ou não ser interpretados como consumação de uma operação, isto é, serem considerados gun jumping. Com o objetivo de estabelecer critérios mais claros e evitar a prática de gun jumping, o Cade elaborou o Guia para análise da consumação prévia de atos de concentração econômica (Cade, 2015b). Esse documento é estruturado em três seções: definição de gun jumping e das atividades que podem ser caracterizadas como tal; procedimentos para reduzir os riscos de gun jumping; possíveis punições. O referido guia Cade (2015b) lista as práticas que podem configurar gun jumping: • troca de informações concorrencialmente sensíveis; • definição de cláusulas contratuais que impliquem uma integração prematura; • condução de certas atividades que caracterizem a efetiva consumação de ao menos parte da operação. O referido guia exemplifica algumas práticas que incluem a troca de informações concorrencialmente sensíveis, como: a) custos das empresas envolvidas; b) nível de capacidade e planos de expansão; c) estratégias de marketing; d) precificação de produtos (preços e descontos); e) principais clientes e descontos assegurados; f) salários de funcionários; g) principais fornecedores e termos de contratos com eles celebrados; h) informações não públicas sobre marcas e patentes e Pesquisa 49 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA e Desenvolvimento (P&D); i) planos de aquisições futuras; j) estratégias competitivas, entre outras informações que normalmente não seriam trocadas entre concorrentes (Cade, 2015b, p. 7). Todo ato de concentração enseja algum grau de troca de informações entre as empresas participantes, como ocorre, por exemplo, nas auditorias (due diligence) existentes em fusões e aquisições. Contudo, a extensão da troca de informações pode variar conforme o grau de integração das partes em decorrência do ato e a complexidade do negócio (Cade, 2015b). Assim, embora possam ser identificadas certas informações particularmente sensíveis, será o abuso na troca de informações que pode caracterizar o gun jumping. Segundo o Cade (2015b), as trocas de informações comercialmente sensíveis podem ser minimizadas com a agregação/anonimização dos dados para apresentação à outra parte, exibição de dados com certa defasagem de tempo e o estabelecimento de clean teams e parlor rooms. O referido guia (Cade, 2015b) acentua algumas condições segundo as quais as trocas de informações poderiam ocorrer sem violação da lei concorrencial: • A adoção de um protocolo antitruste, ou seja, um procedimento específico estabelecido em âmbito privado, entre as partes, a ser observado por comitês independentes para tratar tais informações. • A formação de clean team e/ou comitê executivo, de forma que a troca de informações ocorra apenas por intermédio do clean team, que deve ser o único ponto de contato entre as empresas. • Compromisso de confidencialidade pelos membros do clean team e do comitê executivo. • Os dados concorrencialmente sensíveis recebidos pelo clean team somente devem ser divulgados ao comitê executivo de forma agregada e/ou histórica, com periodicidade recomendável de no mínimo três meses de sua ocorrência. • Monitoramento das discussões mantidas por membros do comitê executivo (parlor room), com o propósito de tratar do futuro processo de integração entre as empresas envolvidas na operação para garantir que nenhuma informação concorrencialmente sensível seja objeto das discussões. Além disso, o guia do Cade (2015b) acentua o protocolo antitruste como um documento que reflete os procedimentos específicos a serem observados pelas partes até a decisão final do Cade. O clean team e o comitê executivo são instâncias independentes que podem ser formadas tanto por funcionários, consultores independentes ou ambos (clean team), quanto por executivos de cada empresa (comitê executivo). O primeiro é indicado para operações complexas e é responsável por enviar, receber, reunir, analisar e tratar as informações relativas ao ato de concentração. É recomendável que seus membros firmem um termo de confidencialidade e sigam rigorosamente o protocolo antitruste previamente acordado entre as partes (Cade, 2015b, p. 10). 50 Unidade I Por sua vez, o parlor room consiste na realização de reuniões, entre os membros do comitê executivo, destinadas a tratar do processo de integração entre as empresas envolvidas na operação. Elas devem ser monitoradas para garantir o sigilo de informações concorrencialmente sensíveis e não devem ser compartilhadas. As reuniões também não devem resultar de qualquer tipo de ingerência ou parceria entre as empresas até a aprovação final pelo Cade (2015b). Saiba mais Sobre os procedimentos que podem ser adotados para diminuir o risco da prática de gun jumping, leia o guia a seguir: CADE. Guia para análise da consumação prévia de atos de concentração econômica. Brasília, 2015b. Disponível em: https://shre.ink/e3u9. Acesso em: 28 maio 2025. Apesar de não conseguir prever todas as hipóteses de condutas ilícitas caracterizadoras da consumação prévia de atosde concentração, os cuidados listados pelo guia servem como referência às empresas para que elas consigam evitar as penalidades que poderão ser infringidas pelo Cade, caso se configure a prática do gun jumping. 3.3 Análise dos atos de concentração Como já analisado, a partir da vigência da Lei n. 12.529/2011, o controle dos atos de concentração passou a ser prévio à efetiva operação, ou seja, mediante notificação prévia e análise custo-benefício. Na sistemática da lei anterior, o controle era feito a posteriori, e as partes tinham 15 dias úteis após a conclusão do negócio para submeter à aprovação do Cade, caso a operação atingisse 20% de um mercado relevante ou qualquer dos participantes tivesse um faturamento anual de R$ 400 milhões (Schapiro; Carvalho; Cordovil, 2013). A lei atual altera os requisitos necessários para o controle dos atos de concentração, adotando outros critérios, como: faturamento de, no mínimo, R$ 750 milhões de uma das partes e, no mínimo, R$ 75 milhões da outra parte. Lembrando que a lei exclui o requisito da participação de empresa ou grupo de empresas em 20% do mercado relevante para efeito da notificação. O prazo para a conclusão do processo administrativo de controle dos atos de concentração é de 240 dias, contados a partir do protocolo da petição ou sua emenda, podendo ser prorrogado por até 60 dias a pedido das partes envolvidas ou por até 90 dias, mediante decisão fundamentada do tribunal (Brasil, 2011, art. 88, §§ 2º e 8º). Os arts. 53 a 65 da Lei n. 12.529/2011 analisam os atos de concentração pelo Cade. Esse processo é feito em etapas, conforme será abordado adiante, resultando em aprovação ou reprovação. 51 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Lembrete A troca de informações concorrencialmente sensíveis deve ser evitada para que não se configure a prática de gun jumping. 3.3.1 Aprovação e reprovação A primeira etapa da análise dos atos de concentração é a da notificação, que deve ser prévia. A Resolução Cade n. 33/2022, que regula a notificação obrigatória dos atos de concentração, define uma lista de documentos e informações que deve ser apresentada pelos requerentes para formalizar o pedido de aprovação do ato de concentração. A relação de documentos exigidos é abrangente, visando fornecer ao Cade os subsídios necessários para realizar a análise dentro dos prazos estabelecidos pela lei. O pedido de aprovação dos atos de concentração econômica implica o pagamento de uma taxa processual no valor de R$ 85 mil, conforme disposto no art. 23 da Lei n. 12.529/2011. Essa resolução também prevê o procedimento sumário de análise de atos de concentração na seção 2, enumerando as hipóteses de operações, que devem observar o rito sumário pelo Cade. Em operações simples, com menor potencial ofensivo à concorrência, basta apresentar um número reduzido de informações e documentos. O art. 8º da Resolução Cade n. 33/2022 elenca as hipóteses enquadradas no procedimento sumário, como as operações de: I – Joint-ventures clássicas ou cooperativas: casos de associação de duas ou mais empresas separadas para a formação de nova empresa, sob controle comum, que visa única e exclusivamente à participação em um mercado cujos produtos/serviços não estejam horizontal ou verticalmente relacionados; II – Substituição de agente econômico: situações em que a empresa adquirente ou seu grupo não participava, antes do ato, do mercado envolvido, ou dos mercados verticalmente relacionados e, tampouco, de outros mercados nos quais atuava a adquirida ou seu grupo; III – Baixa participação de mercado com sobreposição horizontal: as situações em que a operação gerar o controle de parcela do mercado relevante comprovadamente abaixo de 20%, a critério da Superintendência-Geral, de forma a não deixar dúvidas quanto à irrelevância da operação do ponto de vista concorrencial; IV – Baixa participação de mercado com integração vertical: nas situações em que nenhuma das requerentes ou seu grupo econômico comprovadamente 52 Unidade I controlar parcela superior a 30% de quaisquer dos mercados relevantes verticalmente integrados; V – Ausência de nexo de causalidade: concentrações horizontais que resultem em variação de HHI inferiores a 200, desde que a operação não gere o controle de parcela de mercado relevante superior a 50%; VI – Outros casos: casos que, apesar de não abrangidos pelas categorias anteriores, forem considerados simples o suficiente, a critério da Superintendência-Geral, a ponto de não merecerem uma análise mais aprofundada. A decisão de enquadramento em procedimento sumário é discricionária e será adotada pelo Cade conforme critérios de conveniência e oportunidade, com base na experiência dos órgãos do SBDC e na identificação dos atos de concentração que tenham menor potencial ofensivo à concorrência. Os atos de concentração enquadrados em procedimento sumário devem ser decididos no prazo de 30 dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda (Cade, 2022b). O pedido de aprovação dos atos de concentração econômica deverá ser protocolado junto ao Cade e encaminhado à SG, com as informações e os documentos previstos na Resolução n. 32/2022 para análise. Se a SG verificar que a petição não preenche os requisitos exigidos pela referida resolução, poderá determinar que a petição seja emendada. Após o protocolo do ato de concentração, ou de sua emenda, a SG deverá publicar um edital no Diário Oficial da União (DOU) informando o nome dos requerentes, a natureza da operação e os setores econômicos envolvidos (Brasil, 2011, art. 53, § 2º). Essa medida é necessária para garantir a publicidade do processo, permitindo que terceiros interessados participem da análise e, caso haja aprovação pelo Cade, possam impugnar a decisão, se desejarem. Os terceiros interessados são aqueles cujos direitos podem ser afetados pela decisão final, como concorrentes ou associações de defesa dos direitos dos consumidores (Masso, 2016). O art. 117 do RiCade (Cade, 2021) determina que o pedido de intervenção de terceiro cujos interesses possam ser afetados deverá ser apresentado no prazo de 15 dias da publicação do edital, podendo, a critério da SG ou do presidente, conceder dilação de até 15 dias, a pedido do terceiro interessado quando estritamente necessário para a apresentação de documentos e pareceres. Após a publicação do ato, a SG, conforme o art. 54 da Lei n. 12.529/2011, tomará as seguintes providências: I – conhecerá diretamente do pedido, proferindo decisão terminativa, quando o processo dispensar novas diligências ou nos casos de menor potencial ofensivo à concorrência, assim definidos em resolução do Cade; ou II – determinará a realização da instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas (Brasil, 2011). 53 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA A SG pode determinar a realização de instrução complementar, que inclui a reunião de novos documentos ou diligências. Concluída essa etapa, poderá considerar a instrução satisfatória e seguir com a análise do mérito, ou considerá-la insatisfatória, caso incompleta. Nesse caso, poderá declarar a operação como complexa e exigir nova instrução, com a indicação das diligências necessárias (Brasil, 2011, art. 56). Após a conclusão das instruções complementares e conforme o art. 57 da Lei n. 12.529/2011, a SG poderá aprovar o ato sem restrições ou impugná-lo perante o tribunal, caso entenda que a operação deve ser rejeitada, aprovada com restrições ou que faltam elementos para avaliar seu impacto na concorrência. Sempre que impugnar um ato perante o tribunal, a SG deverá demonstrar o potencial lesivo do ato à concorrência e as razões pelas quais ele não deve ser aprovado integralmente ou deve ser rejeitado (Brasil, 2011, art. 57, parágrafo único). O processo será encaminhado ao tribunal quando houver impugnação do ato de concentração pela SG ou recurso interposto por terceiros. No prazo de 15 (quinze) dias contado a partir da publicação dadecisão da Superintendência-Geral que aprovar o ato de concentração, na forma do inciso I do caput do art. 54 e do inciso I do caput do art. 57 desta Lei: I – caberá recurso da decisão ao Tribunal, que poderá ser interposto por terceiros interessados ou, em se tratando de mercado regulado, pela respectiva agência reguladora; II – o Tribunal poderá, mediante provocação de um de seus Conselheiros e em decisão fundamentada, avocar o processo para julgamento, ficando prevento o Conselheiro que encaminhou a provocação (Brasil, 2011). A interposição de recurso por terceiros interessados ou a decisão de avocar suspende a execução do ato de concentração econômica até decisão final do tribunal. Em relação à interposição de recurso, o art. 65, § 1º, da referida lei dispõe que o conselheiro relator o receberá em até cinco dias úteis e poderá adotar as seguintes decisões: • conhecer do recurso e fixar a sua inclusão em pauta para julgamento; • conhecer do recurso e definir a realização de instrução complementar pela SG; • não conhecer do recurso e determinar o seu arquivamento. Os requerentes da operação, em contrapartida, poderão se manifestar contra o recurso interposto em até cinco dias úteis contados do conhecimento do recurso no tribunal ou da data do recebimento do relatório com a conclusão da instrução complementar elaborada pela SG. 54 Unidade I Observação Após a manifestação dos requerentes, o tribunal poderá aprovar o ato de concentração com ou sem restrições ou não aprovar. Segundo Cordovil et al. (2011), o conselheiro relator poderá proferir decisão liminar para antecipar alguns efeitos do ato de concentração antes de analisar o mérito da decisão. Trata-se aqui da possibilidade de constituir o Apro reverso, também regulamentado nos arts. 114, 115 e 116 do RiCade (Cade, 2021). Observação O Apro é o acordo para reversibilidade da operação. Vigente na lei anterior, era um acordo de caráter interlocutório que buscava preservar condições para uma eventual reversibilidade da operação, caso esta viesse a ser vetada. Agora que o julgamento da operação é prévio, essa decisão assemelha-se a um Apro às avessas. Esse mecanismo permite que as partes iniciem os procedimentos de integração e demais etapas necessárias à realização do ato de concentração antes de o tribunal vir a julgá-lo, mas observando determinadas condições a serem impostas pelo conselheiro relator (Cordovil et al., 2012). Após a instrução, o conselheiro relator determinará a inclusão do processo em pauta para julgamento. Ao julgar o mérito do pedido de aprovação do ato de concentração, o tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, com as restrições que deverão ser observadas como condição de validade e eficácia do ato, conforme disposto no art. 61 da Lei n. 12.529/2011. O § 2º do art. 61 da Lei n. 12.529/2011 exemplifica algumas restrições, como: • venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial; • cisão de sociedade; • alienação de controle societário; • separação contábil ou jurídica de atividades; • licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; • outras medidas que se fizerem necessárias para eliminar os efeitos prejudiciais à ordem econômica. Julgado o mérito do ato de concentração, a decisão não poderá ser revista pelo Poder Executivo, mas poderá ser reapreciada pelo Poder Judiciário quanto aos aspectos formais, uma vez que a decisão foi proferida por órgão colegiado e técnico (Bagnoli, 2013). 55 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Destaca-se ainda que, conforme os §§ 5º e 6º do art. 88 da Lei n. 12.529/2011, os atos de concentração que resultem na eliminação de concorrência em parte substancial de mercado relevante, na criação ou no reforço de uma posição dominante, ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, só poderão ser autorizados se, na análise dos ganhos de eficiência específicos da operação, forem observados, cumulativa ou alternativamente: • aumento da produtividade ou da competitividade; • melhoria da qualidade de bens ou serviços; • propiciação de eficiência e desenvolvimento tecnológico ou econômico; • repasse aos consumidores de parte significativa dos benefícios decorrentes do ato. Na prática, ao exercer o controle dos atos de concentração, o Cade pondera o custo-benefício decorrente do ato antes de decidir sobre a licitude da operação, ou seja, as eficiências que pode gerar em relação aos prejuízos que pode causar. A figura 2 ilustra as etapas da análise dos atos de concentração pelo Cade: Atos de concentração - art. 88 240 até 330 dias Aprovação do ato Aprovação do ato com restriçõesAprovação Rejeição do ato Recurso ao tribunal - 15 dias Julgamento do tribunal Impugnação do ato ao tribunal Manifestação do requerente (30 dias) Requerimento encaminhado à SG Figura 2 Adaptada de: Bacchi e Schapiro (2012). 56 Unidade I Lembrete Terceiros poderão recorrer da decisão da SG que aprovar o ato de concentração no prazo de 15 dias, contados a partir da publicação da decisão, conforme o art. 65 da Lei n. 12.529/2011. 3.3.2 Acordo em controle de concentração (ACC) Trata-se de um “remédio” para possibilitar a aprovação de um ato de concentração pelo Cade mediante a imposição de determinadas condições aos participantes da operação a fim de evitar efeitos nocivos à concorrência. Na vigência da Lei n. 8.884/1994, havia a figura do compromisso de desempenho, que foi abolido pela lei atual, criando-se o ACC. No entanto, o art. 92 da Lei n. 12.529/2011, que disciplinava o ACC, foi vetado pelo presidente. O objetivo do veto foi restringir a possibilidade de celebração de acordos na fase instrutória dos processos, porém o veto não se estende às demais referências do instituto (Aguilar, 2014). A atual Lei n. 12.529/2011 faz referência ao ACC em diversos dispositivos legais. O art. 9º, V e X, dispõe sobre a competência do plenário do tribunal para aprovar tais acordos. Já o art. 13, X, atribui à SG a responsabilidade de sugerir ao tribunal as condições para celebração e a fiscalização do cumprimento desses acordos. Além disso, o art. 46, § 2º, prevê o ACC como causa de suspensão da prescrição das ações punitivas (Aguillar, 2014). No entanto, em virtude do veto presidencial ao art. 9º da Lei n. 12.529/2011, inexiste na referida lei previsão sobre o conteúdo, a forma ou os procedimentos para a elaboração do ACC. Atualmente, o RiCade (Cade, 2021) disciplina o seu procedimento, e o Guia remédios antitruste (Cade, 2018) aborda todos os aspectos necessários para a aplicação do referido instituto. Conforme o Guia remédios antitruste (Cade, 2018), os chamados remédios consistem em restrições necessárias para mitigar os potenciais efeitos prejudiciais decorrentes de um ato de concentração, nos termos do art. 61 da Lei n. 12.529/2011. Ainda segundo o referido guia, a finalidade desses remédios é impedir que a operação de concentração resulte na eliminação da concorrência em parte substancial do mercado relevante, aumente a possibilidade de coordenação entre concorrentes, crie ou fortaleça uma posição dominante, ou mesmo leve à dominação do mercado relevante de bens ou serviços (Brasil, 2011, arts. 36 e 88). Se o ato de concentração não for aprovado integralmente, a imposição de remédios constitui condição necessária para sua aprovação. O escopo do ACC é estabelecer condições para a aprovação da operação mediante a adoção de cláusulas que permitam afastar efeitos anticompetitivos, com determinadas modificações ou restrições na operação. 57 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Todavia, nos casos em que a operação apresentar potencial lesivo à concorrência e não for viável a aplicação de remédios, o ato de concentração deverá ser rejeitado pelo tribunal do Cade (Brasil, 2011, art. 88). Os remédios podem ser negociados com as partes envolvidas no ato de concentração, por meio de ACC, com base nas recomendaçõesda SG, quando da impugnação, ou de decisões do tribunal, seguindo a regulamentação ditada pelo art. 125 do RiCade (Cade, 2021). Os remédios também podem ser determinados unilateralmente pelo tribunal do Cade ou fazer parte dos chamados termos de compromisso de cessação (TCC), quando constatadas infrações à ordem econômica, nos termos dos arts. 36 e 38 da Lei n. 12.529/2011, conforme será analisado. Segundo o art. 61 da Lei n. 12.529/2011, compete ao tribunal, no julgamento do pedido de aprovação do ato de concentração, “aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato”. Ainda, o § 2º do referido artigo determina que tais restrições (remédios) incluem: I – a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial; II – a cisão de sociedade; III – a alienação de controle societário; IV – a separação contábil ou jurídica de atividades; V – o licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; e VI – qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica (Brasil, 2011). O art. 125 do RiCade diz que o acordo pode ser apresentado desde o momento da notificação até 30 dias da decisão de impugnação pela SG e deve ser homologado pelo tribunal (Cade, 2021). O art. 128 do mesmo regimento também estabelece que, na hipótese de aprovação parcial de um ato de concentração, caberá ao tribunal determinar os remédios, ou seja, as restrições que deverão ser observadas como condição para que o ato tenha validade e eficácia, conforme previsto no art. 61 da Lei n. 12.529/2011. De forma geral, os remédios podem ser classificados em dois tipos: em estruturais, quando envolvem a transmissão definitiva de direitos e ativos; em comportamentais, que se referem a práticas comerciais sem a necessária transmissão de direitos e ativos, podendo acarretar restrições a determinados direitos, como o uso de marcas e patentes. É importante acentuar que um ACC pode envolver mais de um tipo de remédio. 58 Unidade I Como exemplos de restrições estruturais, podem ser destacadas as hipóteses previstas no § 2º do art. 61 da Lei n. 12.529/2011, tais como: • a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que configure uma atividade empresarial; • a cisão de sociedades; • a alienação de controle societário ou de participações societárias; • a transferência definitiva de direitos de propriedade intelectual, incluindo patentes, marcas e outros. Os remédios comportamentais, por sua vez, devem ser utilizados de forma complementar e alternativa em situações em que um remédio estrutural não for efetivo ou for desproporcional. Eles consistem em obrigações de práticas comerciais, financeiras ou econômicas das partes envolvidas no ato de concentração, englobando ou não ativos diretamente afetados por ele nos mercados relevantes relativos à operação (Cade, 2018). Segundo o Cade (2018), podem ser citados como exemplos de remédios comportamentais: • separação contábil ou jurídica de atividades; • suspensão ou eliminação de cláusulas de exclusividade de fato ou de direito em relações comerciais entre as partes envolvidas no ato de concentração; • suspensão de direitos políticos ou societários advindos de participações ou dos efeitos concorrenciais derivados de instrumentos financeiros; • licenciamento obrigatório de propriedade intelectual, inclusive marcas e outros. Com base na jurisprudência do Cade, é possível verificar casos em que foram aplicados remédios estruturais e comportamentais, como os atos de concentração entre Sadia/Perdigão, Kroton/Anhanguera, Condor/Tigre e o emblemático caso Nestlé/Garoto. Perdigão e Sadia – Brasil Foods A fusão da Perdigão e Sadia foi anunciada em 19 de maio de 2009, uma transação avaliada em R$ 10 bilhões, originando a BRF Brasil Foods S.A. Naquele momento, representava um domínio de mais de 50% de diversos segmentos do mercado brasileiro de alimentos processados, chegando a patamares superiores a 90% em alguns casos. Portanto, uma alta concentração de mercado. As partes envolvidas alegaram eficiências, mas o Cade entendeu que as eficiências apresentadas não estavam diretamente ligadas à operação. As marcas eram as mais valiosas do mercado, além de o investimento em marketing ser muito maior do que o dos concorrentes. O órgão considerou que não havia, no mercado, rivais à altura de Sadia e Perdigão em nenhuma das áreas em que essas empresas atuavam. 59 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Em 13 de julho de 2011, o Cade conheceu a operação e a aprovou condicionada à assinatura de termo de compromisso de desempenho (TCD), atualmente denominado ACC. Entre as restrições impostas pelo TCD, estava a venda de algumas fábricas e centros de distribuição, além da suspensão do uso da marca Perdigão no território nacional pelo prazo de cinco anos em lasanhas, pizzas congeladas e afins. A lógica da decisão do Cade foi a de preservar as eficiências geradas pela operação e, ao mesmo tempo, adotar medidas que incentivassem a entrada de novas empresas nos mercados relevantes afetados. Kroton e Anhanguera Em dezembro de 2013, a SG encaminhou ao tribunal parecer em que apontava que a associação entre Anhanguera e Kroton geraria concentração de poder econômico em alguns mercados de educação superior. Foram acentuadas preocupações em relação à concorrência na oferta de cursos de graduação presenciais e a distância. Para sanar os efeitos anticompetitivos, a SG recomendou ao tribunal do Cade que a operação fosse condicionada à aplicação de remédios concorrenciais. Assim, em maio de 2014, o Cade aprovou com restrições a incorporação da totalidade do capital social da Anhanguera Educacional Participações S.A. pela Kroton Educacional S.A. A aprovação da operação estava condicionada ao cumprimento de um conjunto de medidas previstas em ACC firmado entre o órgão antitruste e as requerentes, como: • A alienação da Uniasselvi, pertencente à Kroton, a um terceiro. • Medidas comportamentais relacionadas aos problemas municipais não solucionados com a alienação da Uniasselvi, ou seja, a bandeira Kroton ou Anhanguera que tivesse maior participação de mercado nos cursos em que foram verificados problemas concorrenciais ficaria impedida de ofertar vagas; e a outra, com menor participação, não poderia expandir sua oferta de matrículas. • Solução de problemas de concorrência potencial, impedindo que, durante o prazo de três anos, as requerentes ofertassem cursos problemáticos em diversos municípios. • Previsão de metas de qualidade objetivas no que se refere à oferta de cursos de ensino a distância, bem como o aumento da proporção atual de mestres ou doutores para 80% e o incremento de ferramentas disponíveis e de material didático. • Obrigação de notificar todas as operações sobre aquisição de controle de instituições que oferecessem cursos de graduação a distância e informar as aquisições que disponibilizassem graduação presencial por um período de três anos. • Obrigação de apresentar relatório sobre os compromissos assumidos. 60 Unidade I Após mais de dois anos de negociações, o Cade aprovou a fusão entre as empresas, desde que, entre outras providências, a Kroton alienasse uma de suas universidades, o que resultaria em desconcentração de mercado, e, com a aprovação da operação, a Kroton passou a ter 66% do capital. Condor e Tigre Nesse caso, houve a compra da totalidade das quotas do capital da Condor Pincéis Ltda. pela Tigre S.A. Tubos e Conexões. O Cade verificou que as duas empresas eram os dois maiores agentes econômicos dos mercados envolvidos, e a Tigre passaria a deter mais de 70% do mercado. As partes envolvidas na operação apresentaram apenas remédios comportamentais na proposta de ACC, ao passo que o Cade determinou que os remédios estruturais seriam necessários para a aprovação da operação. A primeira medida estruturalapresentada seria a venda de ativos no mercado de pincéis. Para a linha imobiliária – que abrange trinchas, rolos, acessórios para pintura, broxas e escovas –, foi proposta a venda de centros de distribuição dos produtos. Por fim, houve o licenciamento da marca Condor a terceiro, já que a Tigre não poderia ficar com ela. A Condor e a Tigre não aceitaram os remédios estruturais propostos e não apresentaram qualquer contraproposta em relação a uma medida estrutural que propiciasse maior rivalidade no mercado de pincéis. Assim, após várias negociações, sem que houvesse um consenso, o Cade reprovou a operação. Nestlé/Garoto O Cade aprovou com restrições, em novo julgamento, que ocorreu em 7 de junho de 2023, após mais de 20 anos, a compra da Garoto pela Nestlé, autorizando a celebração de acordo judicial. A operação teve início em 2002, mas foi reprovada pelo Cade em 2004, pois resultaria em uma concentração de mais de 58% do mercado nacional de chocolates, o que levou a empresa compradora a propor ação judicial em 2005. Convém mencionar que, na época em que a operação foi reprovada pelo Cade, a análise dos atos de concentração era feita a posteriori pelo órgão, ou seja, após a concretização do negócio. Com base em uma decisão judicial de 2009, que determinou ao Cade a reabertura do ato de concentração e a realização de novo julgamento do caso, a autarquia retomou, em junho de 2021, a análise da operação para fazer teste de mercado em nova instrução processual. Em uma nova avaliação, a SG demonstrou que entre 2001 e 2021 houve significativa entrada de concorrentes nos segmentos que levantaram preocupações na primeira avaliação: chocolates sob todas as formas e cobertura de chocolate. No primeiro, a participação de mercado da Nestlé/Garoto caiu de 50%-60% em 2001 para 30%-40% em 2021; no segundo, a empresa saiu de 80%-90% para 20%-30%, deixando de ser a líder no setor. 61 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA A SG considerou também que a rivalidade no mercado de chocolates foi reconfigurada nos últimos 20 anos e, por isso, argumentou que não fazia sentido manter a decisão de reprovação. Para autorizar a operação, o Cade decidiu que a Nestlé deveria cumprir uma série de remédios comportamentais, que são medidas relacionadas à atividade interna da empresa, por exemplo, obrigações de fazer e não fazer: • A Nestlé não poderá adquirir, pelo período de cinco anos, ativos que representem, acumuladamente, participação igual ou superior a 5% do mercado brasileiro de chocolates. • A Nestlé se compromete a comunicar ao Cade, por um prazo de sete anos, qualquer aquisição de ativos que caracterize ato de concentração no mercado nacional de chocolates abaixo do patamar de 5%, ainda que o outro grupo envolvido no negócio não atinja os parâmetros de faturamento para notificação obrigatória da operação à autarquia. • Também pelo período de sete anos, a Nestlé se compromete a não intervir nos pedidos de terceiros para a concessão de redução, suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre a importação de chocolates. • A Nestlé deverá manter em produção a fábrica da Garoto em Vila Velha (ES) durante o período mínimo de sete anos. Saiba mais Para compreender melhor os casos estudados, leia: CADE. Cade aprova, com restrições, a criação da BRFoods. Brasília, 2011. Disponível em: https://shre.ink/e3zh. Acesso em: 28 maio 2025. CADE. Cade aplica conjunto de restrições à união de Kroton e Anhanguera. Brasília, 2014. Disponível em: https://shre.ink/e3zT. Acesso em: 28 maio 2025. CADE. Cade não autoriza compra da Condor pela Tigre. Brasília, 2015a. Disponível em: https://shre.ink/e3Rk. Acesso em: 28 maio 2025. CADE. Tribunal do Cade aprova solução para o caso Nestlé/Garoto. Brasília, 2016c. Disponível em: https://shre.ink/e3EF. Acesso em: 28 maio 2025. 62 Unidade I 4 CONTROLE DAS CONDUTAS Entre as atribuições que lhe são conferidas pela Lei n. 12.529/2011, compete ao Cade exercer o controle das estruturas de mercado e das condutas consideradas infracionais praticadas contra a ordem econômica. O controle das condutas é exercido de forma repressiva com a finalidade de investigar e punir as infrações da ordem econômica cujos efeitos potenciais ou reais possam acarretar a eliminação da concorrência, a dominação dos mercados ou o aumento arbitrário dos lucros. 4.1 Poder econômico e abuso de poder O poder econômico é a capacidade econômica do agente em fazer investimentos, realizar grandes obras e serviços, algo que não seria possível se não tivesse condição econômica (Bagnoli, 2013). Ele surge naturalmente da organização da atividade econômica de produção ou prestação de serviços, que pode gerar lucro, dando lugar ao dinheiro; este poder, sem dúvida, tem importância em qualquer momento histórico (Bastos, 2003). A princípio, tem-se como normal o exercício do poder econômico, porque se supõe que todas as empresas estão em igualdade de condições na livre concorrência, respeitando as leis de mercado (Bastos, 2003). Além disso, em uma economia de mercado pautada nos princípios da livre-iniciativa, da propriedade privada dos meios de produção e da livre competição, o poder econômico surge como resultado da atuação dos agentes econômicos. O poder econômico está relacionado com a situação econômica de uma empresa ou ao grupo econômico do qual faça parte. Ele é exercido no mercado e pode ser compreendido como a capacidade de uma empresa de impor ao mercado a sua vontade em maior ou menor grau. A esse respeito, convém trazer à tona os esclarecimentos acentuados a seguir: O poder econômico, note-se, é um dado de fato inerente ao livre mercado. Se a organização da economia se pauta na liberdade de iniciativa e de competição, então os agentes econômicos são necessariamente desiguais, uns mais fortes que outros. Ou seja, conforme assentou Miguel Reale, o poder econômico não é em si ilícito, mas é o instrumento normal ou natural de produção e circulação de riquezas nas sociedades constitucionalmente organizadas em função do modelo da economia de mercado (Franceschini; Franceschini, 1985, p. 521, apud Coelho, 2012, p. 264). O simples fato de uma empresa deter poder de mercado não é, por si só, considerado ilegal. No entanto, quando esse poder é utilizado de forma abusiva por uma empresa ou por um grupo de empresas, por meio de condutas que prejudiquem a livre concorrência, caracteriza-se o abuso de poder econômico. Nesse contexto, Coelho (2012, p. 265) complementa: 63 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Se o empresário titular de poder econômico exerce-o ao competir com os demais agentes atuantes no mesmo mercado, e lucra ou tira vantagens de sua posição destacada, nada há de irregular nisso. É apenas o jogo competitivo característico do regime capitalista, em que os mais fortes, economicamente falando, se valem desse fator de supremacia para ampliar a participação no mercado, evidentemente em detrimento da de outros empresários [...]. Somente quando a própria competição está em risco, a Constituição, para assegurar, reputa abusivo o seu exercício e autoriza à lei a repressão. A CF combate o abuso do poder econômico no art. 173, § 4º, ao estabelecer que: “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que tenha como objetivo a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros” (Brasil, 1988). Portanto, segundo a CF, nem todas as manifestações de exercício do poder econômico estão no campo do que a lei pode considerar ilícito administrativo, mas apenas aquelas que têm ou podem ter o efeito de domínio de mercado, eliminação da concorrência ou aumento arbitrário dos lucros. O abuso do poder econômico pode ser entendido como uma violação às leis do mercado e à ordem jurídica vigente, na medida em que o mercado é protegido constitucionalmente como bem coletivo (Bastos, 2003). Assim, condutas que violem as leis de mercado atingem interesses de toda a sociedade. A dominação de mercado compreende a participação92 7.1.1 Conceito e características ................................................................................................................... 93 7.1.2 Principais agências reguladoras no Brasil ..................................................................................... 95 7.2 Atuação indireta do Estado na regulação ................................................................................102 7.2.1 Agências reguladoras e o incentivo à concorrência ...............................................................103 7.2.2 Defesa da concorrência e a proteção ao consumidor ...........................................................104 8 LEI N. 9.019/1995: AAD E ACORDO DE SUBSÍDIOS E DIREITOS COMPENSATÓRIOS (ASMC) ...........................................................................................................................107 8.1 Gatt e a OMC .......................................................................................................................................107 8.1.1 AAD e ASMC............................................................................................................................................109 8.2 Procedimentos administrativos para imposição de medidas de defesa ......................112 7 APRESENTAÇÃO Caro aluno, Você, que em breve será um operador do direito, precisa compreender que há duas formas de concorrência que o direito considera ilícitas: a concorrência desleal e a praticada com abuso de poder econômico. A concorrência desleal prejudica os interesses particulares dos empresários concorrentes, sendo reprimida em nível civil e penal, conforme disciplinado na Lei n. 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial). Por sua vez, a concorrência praticada com abuso de poder econômico fere as estruturas do livre mercado, denominadas infrações da ordem econômica, também reprimidas em nível administrativo pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Essas duas formas de concorrência, embora sejam ilícitas, se diferem também quanto aos interesses envolvidos. Na concorrência desleal, a lei tutela o interesse privado dos empresários que competem entre si; na concorrência praticada com abuso de poder econômico, existe um interesse macroeconômico a ser tutelado – a estrutura do livre mercado –, portanto, há o interesse público do Estado para coibir tais abusos. Neste livro-texto, você aprenderá como os mercados atuam, resultando em diferentes tipos de estruturas de mercado, como a concorrência perfeita, os monopólios e os oligopólios. Observará, ainda, como essas estruturas afetam os preços, a produção ou a comercialização dos produtos, impactando o próprio consumo. O conhecimento dessas estruturas de mercado é primordial para entender como o Estado exerce o controle preventivo por meio do Cade sobre operações societárias, como fusões e aquisições, com o fito de evitar que resultem em domínio de mercado. Para controlar essas estruturas, há a Lei n. 12.529/2011, também conhecida como Lei Antitruste. Na defesa da concorrência, você verá que o Cade exerce um controle repressivo – com a imposição de sanções administrativas – quanto às práticas anticompetitivas, como acordos de fixação de preços, cartelização e abuso de posição dominante, chamadas de infrações da ordem econômica, previstas no art. 36 da Lei n. 12.529/2011 (Lei da Concorrência). Em suma, compreenderá que o Estado, na defesa da concorrência, deve garantir a liberdade de competição entre os agentes econômicos para preservar o funcionamento adequado da economia de mercado; para tanto, deve atuar como agente normativo, regulador e fiscalizador da atividade econômica. É importante acentuar que o conhecimento sobre estruturas de mercado e concorrência abrirá ao operador do direito um leque de opções no mercado de trabalho, como: a elaboração de contratos e participações em transações comerciais, para garantir que não violem as leis da concorrência; a assessoria jurídica em operações societárias; e as negociações e resoluções de conflitos. 8 Este livro-texto adota uma linguagem jurídica clara, simples e objetiva. No texto, também foram inseridos alguns recursos importantes, como: lembrete e observação, que destacam informações relevantes sobre os assuntos abordados; saiba mais, que traz novas informações ou aprofunda o estudo dos temas; e, ao final de cada unidade, há um resumo acentuando os pontos principais. Boa leitura! INTRODUÇÃO Como ciência social, o direito se relaciona com outras áreas do conhecimento humano, como a economia e a política. A relação entre direito e economia faz com que o legislador crie normas de conteúdo econômico, ou seja, normas de direito econômico. O direito da concorrência é um desdobramento do direito econômico e consiste num conjunto de normas que disciplinam a política econômica da concorrência e as relações entre os agentes econômicos na realização da atividade econômica. Em outros termos, o direito econômico, ao lado do direito constitucional e administrativo, regula e fiscaliza a livre-iniciativa e a livre concorrência, competindo ao direito da concorrência, que consiste num ramo dessa área jurídica, reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Nesse contexto, o papel do Estado deve ser o de agente normativo, regulador e fiscalizador da atividade econômica. No âmbito do direito da concorrência, isso envolve a regulação (Lei n. 12.529/2011) e a fiscalização (Cade), exercendo um controle preventivo e reprimindo práticas anticoncorrenciais, como cartéis, abuso de posição dominante e acordos de fixação de preços. Essa intervenção do Estado na ordem econômica conta com a atuação do Cade e da Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac), que fazem parte do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), conforme será estudado. Vinculado ao Ministério da Justiça, o Cade é uma autarquia federal com sede e foro no Distrito Federal e exerce, em todo o território nacional, as competências fixadas pela Lei n. 12.529/2011. Esse órgão exerce três funções básicas: • preventiva: realizando o controle sobre fusões, aquisições, incorporações e outros atos de concentração econômica envolvendo grandes empresas e que sejam capazes de colocar em risco a livre concorrência; • repressiva: combatendo os cartéis e outras condutas infracionais nocivas ao ambiente concorrencial; • educativa: com o fito de fomentar a concorrência e informar à sociedade sobre as diversas condutas que possam contrariar a livre concorrência. 9 Em suma, o Cade tem a missão de zelar pela defesa da concorrência no mercado. No âmbito do Poder Executivo, é o órgão responsável por coibir administrativamente as infrações contra a ordem econômica e também estabelecer uma política educacional na disseminação da livre concorrência. Portanto, este livro-texto tem o objetivo de analisar as principais estruturas de mercado e verificar quais delas podem comprometer a livre concorrência, impactando os preços, o consumo e acarretando prejuízos aos consumidores. Busca-se verificar como o Estado deve exercer o controle das estruturas e das condutas e demonstrar a intervenção indireta do Estado por intermédio das agências reguladoras e as relações de concorrência. Você vai compreender que, com a globalização econômica, o conceito de mercado foi ampliado, por isso também devem ser sancionadas práticas desleais no comércio internacional, como o dumping e os subsídios. Este livro-texto foi dividido em duas unidades (I e II). Na unidade I, apresentamos: • mercado: estruturas e mecanismos básicos (concorrência perfeita, monopólio, oligopólio e concorrência monopolística); • estruturas de mercado de fatores de produção: monopsônios e oligopsônios. A respeito do Cade, serão abordados temas como: • sua origem, finalidade e composição; • atos de concentração (conceito, espécies e conceitosque determinado agente econômico tem em uma certa estrutura de mercado e que, a princípio, pode ser resultado de sua eficiência competitiva, mas poderá vir a se caracterizar como ilícito anticoncorrencial, se houver o exercício abusivo de sua posição para prejudicar a livre concorrência, resultando nas infrações contra a ordem econômica, conforme estudaremos a seguir. É fundamental esclarecer que, no Brasil, não se pune a simples posição dominante de um empresário, mas sim o exercício abusivo dessa posição. Nesse sentido, Forgioni (2016, p. 277) explica: “o poder econômico não é um direito, mas sim um fato, uma situação (fática), que confere ao agente econômico indiferença e independência em relação aos outros agentes e às leis de mercado”. Assim, quando se fala de abuso do poder econômico, não há propriamente abuso de um direito, porque o poder econômico é uma situação de fato, mas poderia se entender como “abuso dos direitos de liberdade econômica, seguindo a linha de Vicente Ráo, para quem a repressão ao abuso de direito como princípio se aplicaria a todo o ordenamento jurídico” (Forgioni, 2016, p. 278). 4.2 Infrações da ordem econômica O art. 36 da Lei n. 12.529/2011 dispõe que: Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: 64 Unidade I I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre-iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – exercer de forma abusiva posição dominante. § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo. § 2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia (Brasil, 2011, art. 36). O § 3º do art. 36 apresenta um rol exemplificativo de condutas, as quais, quando se configuram nas hipóteses previstas no caput e nos incisos do mesmo artigo, caracterizam infração à ordem econômica. Logo, só se configura infração contra a ordem econômica se houver a prática de conduta prevista no § 3º do art. 36 e se o efeito de tal conduta, potencial ou efetivo, puder resultar na dominação de mercado, na eliminação da concorrência ou no aumento arbitrário dos lucros (Brasil, 2011). É importante esclarecer que o exercício abusivo de posição dominante, previsto no inciso IV do art. 36 da Lei n. 12.529/2011, não deve ser entendido como um efeito autônomo e independente em relação aos incisos I, II e III do mesmo artigo. Isso ocorre porque o art. 173, § 4º, da CF fixa os efeitos lesivos à ordem econômica em apenas três situações: a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário de lucros. Ademais, limitar, falsear ou prejudicar a concorrência, dominar mercado relevante e aumentar arbitrariamente os lucros são formas de exercer abusivamente posição dominante. Assim, “exercer de forma abusiva posição dominante” deve ser interpretado em conjunto com os demais efeitos constantes do artigo, sob pena de incorrer o legislador ordinário em inconstitucionalidade (Coelho, 2012). A partir da análise do caput do art. 36 da Lei n. 12.529/2011, é possível concluir que a caracterização da infração à ordem econômica dependerá dos efeitos, sejam potenciais ou efetivos, que resultem na eliminação da concorrência, na dominação do mercado ou no aumento arbitrário de lucros. Dessa forma, uma prática empresarial poderá ser ou não considerada concorrência ilícita, a depender dos efeitos que ela gera ou pode vir a gerar. 65 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Observação Imagine a conduta de determinado fabricante de componentes de veículos automotores terrestres que negocie a mesma peça, em igual quantidade, com dois diferentes revendedores: um deles é empresário antigo no mercado, com fama de bom pagador e com quem o fabricante sempre manteve excelentes e frutíferas relações; o outro é empresário recém-estabelecido no ramo e com fama de mau pagador. É natural e normal diferenciar, exclusivamente sob o ponto de vista subjetivo, os dois revendedores, concedendo ao primeiro empresário vantagem comercial negada ao outro (Coelho, 2012). Na situação narrada, não haverá infração da ordem econômica se os efeitos do tratamento discricionário não ultrapassarem os limites das relações negociais entre os empresários envolvidos. O § 3º do art. 36 da Lei n. 12.529/2011 lista algumas condutas que podem configurar infração à ordem econômica, desde que tenham como objeto ou possam gerar efeitos anticoncorrenciais. Como exemplos, podem ser citados: • acordos de exclusividade; • venda casada; • abuso de posição dominante; • recusa de contratar; • criação de dificuldades para o concorrente; • formação de cartel; • cartel em licitações; • indução de conduta uniforme; • preços predatórios; • fixação de preços de revenda; • restrições territoriais e de base de clientes. 66 Unidade I Podem ser destacadas ainda duas modalidades principais de infração da ordem econômica: as infrações que somente se concretizam pela realização de acordo entre empresários, ainda que de forma verbal; e as que são realizadas apenas por um agente econômico, tidas por unilaterais. As primeiras são chamadas colusão e podem ser de três espécies: • horizontais: celebradas entre agentes econômicos que atuam em um mesmo nível da cadeia produtiva (por exemplo, condutas concertadas entre fabricantes concorrentes); • verticais: acordos entre empresários situados em diferentes estágios da produção e circulação econômica (por exemplo, atuação concertada entre fornecedor e distribuidor); • de concentração: quando empresas se submetem a um mesmo controle econômico com ou sem perda da autonomia jurídica (Coelho, 2012). 4.2.1 Condutas concertadas, unilaterais e cartelização As condutas concertadas representam exemplos de infrações à ordem econômica que devem ser objeto de ação repressiva pelo Cade. De acordo com Bagnoli (2016), as condutas concertadas (colusão horizontal/cartel e colusão vertical) são as práticas coletivas previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 da Lei n. 12.529/2011. Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: [...] § 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente; b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços; c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública; II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes. 67 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Bagnoli (2016, p. 363) ressalta que tais condutas são “delitos-meios”, ou seja, não configuram, por si só, ou pelo seu objeto, infração à ordem econômica, mas apenas na medida em que se enquadrem em alguma das hipóteses previstas nos incisos do caput do art. 36, quais sejam: “I – limitar, falsear ou de qualquerforma prejudicar a livre concorrência ou a livre-iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – exercer de forma abusiva posição dominante” (Brasil, 2011). Observação As condutas concertadas são praticadas por meio de acordos horizontais e verticais. Dessa forma, para detectar corretamente os efeitos de um determinado acordo, é necessário individualizar todos os mercados que serão atingidos, bem como a posição que cada um dos agentes econômicos ocupa em um segmento de mercado. Como exemplo, temos a produção e a distribuição de cerveja em determinado país. No primeiro estágio da cadeia está a empresa fabricante do malte e, na sequência, a cervejaria. Em seguida, os distribuidores de cerveja no atacado e, por último, os bares e restaurantes, que vendem aos consumidores finais. Os contratos celebrados entre a fabricante do malte, a cervejaria, os distribuidores e os bares são verticais; já os contratos celebrados entres as cervejarias são acordos horizontais (Forgioni, 2016). A seguir, serão destacadas algumas das principais condutas concertadas, previstas no art. 36, § 3º, I e II, da Lei n. 12.529/2011: Preços concertados (Brasil, 2011, I, “a”) Referem-se a um acordo entre empresas concorrentes para fixação de preços e condições de venda, configurando uma das principais infrações à ordem econômica. Esse tipo de conduta pode envolver o aumento ou a redução concertada de preços. No caso do aumento concertado, o objetivo é transferir a renda dos consumidores para as empresas oligopolistas. Já a redução concertada de preços visa dificultar o acesso de novos concorrentes ao mercado. Atuação concertada em licitação pública (Brasil, 2011, I, “d”) Essa prática ocorre quando empresas concorrentes em uma licitação combinam previamente os preços ou ajustam vantagens. Porém, essa conduta só caracteriza abuso do poder econômico se os efeitos dessa prática impactarem a estrutura do mercado, conforme o art. 173, § 4º, da CF. Caso o ajuste entre as licitantes tenha como único objetivo vencer a licitação, sem repercussões nas condições competitivas do mercado, configura-se apenas o crime de frustração do caráter competitivo da licitação, previsto no art. 337-F do Código Penal (Brasil, 1940). 68 Unidade I Conduta comercial uniforme ou concertada (Brasil, 2011, II) Essa conduta é mais ampla do que a simples padronização de preços e condições de venda. Por exemplo, se um empresário pretende ingressar em um mercado para fornecer matéria-prima, onde existem poucas e pequenas empresas fornecedoras, e decide reunir todos os industriais que compram o insumo (eventualmente insatisfeitos com as condições oferecidas), propondo melhores condições, mas condicionadas ao cancelamento de todos os pedidos junto aos pequenos fornecedores, configura-se a padronização de comportamento. Nesse caso, não se trata de um acordo explícito, mas de uma concertação tácita (Coelho, 2012). Já em relação às condutas unilaterais, também merecedoras de ações repressivas pelo Cade, Bagnoli (2016) as define como práticas singulares ou restritivas verticais, caracterizadas pelas restrições impostas em mercado de origem, por produtores ou ofertantes de bens ou serviços sobre os mercados verticalmente relacionados ao longo da cadeia produtiva. O autor acentua que elas implicam a criação de mecanismos para excluir os concorrentes, seja pela criação de barreira à entrada, seja pela elevação dos custos dos competidores, seja pelo exercício coordenado de poder de mercado entre agentes. As condutas mais comuns incluem a fixação de preços de revenda, as restrições territoriais e de base de clientes, os acordos de exclusividade, a recusa de negociação, a venda casada e a discriminação de preços. A Lei n. 12.529/2011 estabelece um rol exemplificativo de condutas que podem ser caracterizadas como unilaterais, conforme previsto nos incisos III a XIX do § 3º do art. 36 da referida lei: III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; IV – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; V – impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; VI – exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa; VII – utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros; VIII – regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição; IX – impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros; 69 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA X – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; XI – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; XII – dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais; XIII – destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los; XIV – açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia; XV – vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; XVI – reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção; XVII – cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada; XVIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e XIX – exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca (Brasil, 2011). A partir da análise do dispositivo mencionado, é possível constatar que as condutas unilaterais podem se configurar por meio de diversos comportamentos isolados ou práticas restritivas verticais. A seguir, analisaremos as condutas mais comuns, embora outras também possam ocorrer: • Fixação de preços de revenda: o produtor estabelece, por meio de contrato, o preço (mínimo, máximo ou rígido) a ser praticado pelos distribuidores/revendedores. Trata-se de uma modalidade de restrição vertical, pois envolve agentes econômicos que atuam em diferentes fases da cadeia de produção e circulação, como franqueador e franqueado, concedente e concessionário, ou distribuidor e revendedor. 70 Unidade I • Restrições territoriais e de base de clientes: o produtor impõe restrições quanto à área de atuação dos distribuidores/revendedores, limitando a concorrência e dificultando a entrada em diferentes regiões. • Acordos de exclusividade: os compradores de um determinado bem ou serviço se comprometem a adquiri-lo com exclusividade de um determinado vendedor (ou vice-versa), ficando proibidos de comercializar os bens dos concorrentes. • Recusa de negociação: o fornecedor ou comprador, ou um conjunto de fornecedores ou compradores, de determinado bem ou serviço estabelece unilateralmente as condições em que estará disposto a negociar, geralmente com um distribuidor/revendedorou fornecedor, muitas vezes criando uma rede própria de distribuição/revenda ou fornecimento. • Venda casada: o ofertante de um determinado bem ou serviço impõe a condição de que, para a venda de um produto, o comprador também adquira outro bem ou serviço. • Discriminação de preços: o produtor utiliza seu poder de mercado para fixar preços diferentes para o mesmo produto ou serviço, discriminando compradores individuais ou grupos de compradores para se apropriar de uma parcela do excedente do consumidor, elevando seus lucros. O Cade (2024) criou o Guia V+: guia de análise de atos de concentração não horizontais, para analisar as operações que envolvam atos de concentração não horizontais (verticais e conglomerais) entre empresas. No que tange à cartelização ou formação de cartel, a Cartilha do Cade (2016a, p. 14) o define como: Cartel é qualquer acordo ou prática concertada entre concorrentes para fixar preços, dividir mercados, estabelecer quotas ou restringir produção, adotar posturas pré-combinadas em licitação pública, ou que tenha por objeto qualquer variável concorrencialmente sensível. Os cartéis, por implicarem aumentos de preços e restrição de oferta e nenhum benefício econômico compensatório, causam graves prejuízos aos consumidores, tornando bens e serviços completamente inacessíveis a alguns e desnecessariamente caros para outros. Segundo Forgioni (2016, p. 2019): “as avenças entre empresas concorrentes (que atuam, pois, no mesmo mercado relevante geográfico e material) e que visam a arrefecer a competição existente entre elas, são denominados cartéis”. Em síntese, podem ser considerados cartéis os acordos firmados entre concorrentes com o objetivo de desestimular ou neutralizar a concorrência entre eles, desde que esses acordos possam gerar um dos efeitos tipificados nos incisos do art. 36 da Lei n. 12.529/2011. 71 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Como já mencionado, o cartel é uma prática colusiva que tem diversos objetivos, como a fixação de preços, a divisão de mercados e a restrição da produção. Com base na extensão do tema e na importância, passaremos a abordar apenas os cartéis de preços. Há dois tipos de acordos de uniformização de preços, conforme a estrutura do mercado relevante em que os agentes atuam: os acordos celebrados por agentes econômicos que têm o mesmo poder econômico; e os acordos price leadership (acordos de liderança de preços), em que um agente tem poder econômico suficiente para impor sua política de preços aos demais agentes que fazem parte do mercado (Forgioni, 2016). No primeiro caso, o acordo pode ocorrer por intermédio da elevação do preço de determinado produto conforme percentual fixo em virtude de acordo entre os concorrentes. No segundo caso, não se pode falar em acordo, na medida em que o ato anticoncorrencial é imposto pelo agente econômico detentor de maior poder econômico e dependerá da capacidade dos demais agentes de resistir ou não para que lhe possa ser imputada conduta infracional (Forgioni, 2016). Os acordos price leadership relativos à uniformização de preços são motivo de preocupação, porque nem sempre se caracterizam como colusão e acarretam responsabilidade para todos os agentes econômicos envolvidos. Em alguns casos, pode se tratar de abuso de posição dominante de um agente econômico, na medida em que esse agente se impõe como líder em relação aos seus concorrentes, determinando os preços que serão praticados, enquanto os concorrentes estarão apenas em uma posição de sujeição. Uma empresa coagida a participar de um cartel pode denunciá-lo. Segundo o art. 86 da Lei n. 12.529/2011, a pessoa jurídica e/ou funcionário que faz parte de um cartel pode celebrar um acordo de leniência com o Cade para receber imunidade administrativa e penal, desde que cumpra o dever de colaboração e demais requisitos legais, conforme será objeto de estudo posteriormente. É importante salientar que o alinhamento de preços, por si só, não é indício suficiente que aponte a existência de um cartel. São necessários, além de dados econômicos, indícios factuais de que há ou houve algum tipo de acordo ou coordenação entre os empresários do setor para aumentar ou combinar o preço dos produtos ou serviços ofertados. O comportamento uniforme ou a existência de price leadership pode não caracterizar necessariamente um comportamento colusivo ou abuso de posição dominante. Ao revés disso, pode ser resultado de um processo competitivo entre os agentes econômicos, denominado paralelismo consciente pela doutrina jurídica. A economia reconhece que o alinhamento de preços não é considerado colusivo em algumas situações. No caso de interdependência dos concorrentes, em que os produtos são homogêneos, as tecnologias empregadas são equivalentes e os custos de produção são semelhantes, pressupõe-se que os competidores tendem a praticar preços próximos. Em razão dessa interdependência, por exemplo, o pão “francês” pode ser vendido nas padarias de uma mesma localidade por preços em geral idênticos, mas os padeiros não fecham nenhum acordo objetivando restringir a competição entre eles (Coelho, 2012). 72 Unidade I Outra situação é a liderança de preços, cujo alinhamento não decorre de cartelização e é estudada pela economia. Em segmentos de mercado em que existam uma ou poucas empresas de porte e várias menores, a probabilidade é que essas últimas ajustem seus preços com os daquelas, acompanhando os aumentos e as reduções (Coelho, 2012). É necessário comprovar que os agentes econômicos não agiram de forma espontânea ao traçar suas estratégias de preços, mas por intermédio de colusão. Não basta o paralelismo de preços, é necessário “algo a mais”, que se comprove um plus, ou seja, um elemento adicional capaz de demonstrar que o comportamento dos agentes não foi espontâneo (Forgioni, 2016). Trata-se aqui da aplicação da teoria do “paralelismo plus”. Observe o que acentua Coelho (2012, p. 284): O paralelismo de preços, em suma, pode indicar a colusão fundada num acordo expresso, num acordo tácito (por vezes, chamado de “paralelismo consciente”) ou simplesmente o regular funcionamento do mercado. O desafio do direito antitruste consiste em distinguir basicamente essas duas últimas hipóteses. No enfrentamento dessa questão, considera-se que o paralelismo de preços não é indício de cartelização tacitamente estabelecida quando há explicação econômica que o justifica como manifestação do regular funcionamento do mercado. Em outros termos, para que se configure o ilícito, é necessário um plus factor, isto é, um elemento a mais além do paralelismo de conduta (Sullivan-Harrison, 1992, p. 125). Essa formulação ficou conhecida como a teoria do “algo mais que o paralelismo” ou “paralelismo plus”. Por ela, em síntese, do simples fato de concorrentes praticarem preços próximos não deriva nenhum ilícito concorrencial se é justificável, sob o ponto de vista econômico, o paralelismo, e não há outros elementos caracterizadores de colusão. A prova da existência de colusão entre os agentes econômicos é difícil de ser obtida. São utilizados como meio de provas para se caracterizar e punir cartéis: atas de reuniões, escutas telefônicas, mensagens trocadas entre concorrentes etc. Para descaracterizar qualquer tipo de alinhamento, há situações em que agentes econômicos se reúnem sob o pretexto de fazerem parte de associações de classes, mas com o objetivo ilícito de troca de informações sensíveis sobre preços, condições de venda e identificação de clientes, aspectos que ferem o direito de concorrência. Para propiciar a obtenção de provas da existência do cartel, também é possível a celebração do acordo de leniência, previsto na Lei n. 12.529/2011, mediante a cooperação dos agentes investigados. A cartelização é considerada a conduta anticoncorrencial mais grave e amplamente reconhecida como a mais séria infração à ordem econômica. Segundo dados da OCDE, os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10% e20%, quando comparados aos preços praticados em mercados competitivos (Cade, 2022). 73 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Saiba mais Aprofunde seus conhecimentos sobre acordos com a leitura do artigo indicado a seguir: FERRAZ, D. A. Acordos horizontais, acordos verticais e a jurisprudência norte-americana e europeia sobre a matéria. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 9, n. 2, p. 149-160, jul./dez. 2012. Disponível em: https://shre.ink/eqLn. Acesso em: 28 maio 2025. 4.2.2 Noções sobre o processo administrativo no Cade O Cade exerce o controle preventivo e repressivo para garantir a livre concorrência. O controle preventivo é exercido na análise dos atos de concentração econômica, ao passo que o controle repressivo ocorre a partir das condutas tipificadas nos incisos do § 3º do art. 36 da Lei n. 12.529/2011 como infrações contra a ordem econômica. Seu objetivo é coibir os efeitos reais ou potenciais de práticas anticoncorrenciais que visem à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. A apuração das condutas tipificadas como infrações da ordem econômica pode ser realizada por meio de inquérito administrativo, instaurado pela SG, nos termos do art. 66 da Lei n. 12.529/2011, ou mediante a abertura de processo administrativo, se houver indícios suficientes de infração. A instauração de inquérito administrativo poderá ocorrer de ofício, por meio de representação exibida por qualquer interessado, ou a partir de peças de informação, quando os indícios de infração à ordem econômica não forem suficientes para a abertura de processo administrativo (Brasil, 2011, art. 66, § 1º). Também poderá ser instaurado inquérito administrativo ou processo administrativo por meio de representação do Congresso Nacional, ou de qualquer uma de suas casas, assim como da Seae/MF, das agências reguladoras e da Procuradoria Federal especializada junto ao Cade. A instauração de inquérito administrativo por representação formulada por interessado pode resultar em três procedimentos (Forgioni, 2016): • Procedimento preparatório de inquérito administrativo: caso haja dúvida sobre a competência do Cade para tratar da conduta analisada, a SG poderá instaurar procedimento preparatório (Brasil, 2011, art. 66, § 2º). • Inquérito administrativo: quando não houver indícios suficientes de infração à ordem econômica para a abertura de processo administrativo, a SG poderá instaurar inquérito administrativo (Brasil, 2011, art. 66, § 1º). 74 Unidade I • Abertura de processo administrativo: na hipótese de indícios suficientes de infração à ordem econômica, a SG determinará imediatamente a abertura de processo administrativo. Em relação ao despacho que determinar o arquivamento do procedimento preparatório, indeferir o requerimento de abertura de inquérito administrativo ou seu arquivamento, cabe recurso de qualquer interessado ao superintendente-geral no prazo de cinco dias úteis, contados a partir da ciência da decisão (Cade, 2021, arts. 139, § 4º, e 144). O inquérito administrativo deverá ser encerrado no prazo de 180 dias, contados da data de sua instauração, prorrogáveis por até 60 dias, por meio de despacho fundamentado e quando o fato for de difícil elucidação e o justificarem as circunstâncias do caso concreto (Brasil, 2011, art. 66, § 9º). No caso dos processos de apuração de infrações à ordem econômica, os procedimentos preparatórios e inquéritos administrativos podem tramitar em sigilo, no interesse das investigações e a critério da SG. Após o encerramento do inquérito administrativo, a SG dispõe do prazo de até 10 dias úteis, contados a partir da data do encerramento, para decidir sobre a instauração do processo administrativo ou seu arquivamento. O tribunal do Cade poderá, mediante provocação de um conselheiro e em decisão fundamentada, avocar o inquérito administrativo ou o procedimento preparatório de inquérito administrativo arquivado pela SG. Requisitado o inquérito administrativo, o conselheiro relator, no prazo de 30 dias úteis, poderá: confirmar a decisão de arquivamento da SG ou transformar o inquérito em processo administrativo, determinando a realização de instrução complementar, podendo solicitar à SG que a conduza (Brasil, 2011, art. 67, §§ 1º e 2º). O processo administrativo, conforme fixado no art. 69 da Lei n. 12.529/2011, é um procedimento em contraditório, cujo objetivo é assegurar ao acusado o direito à ampla defesa em relação às conclusões do inquérito administrativo. Após a instauração do processo administrativo, o representado terá o prazo de 30 dias para apresentar sua defesa e especificar as provas que deseja produzir, incluindo a qualificação completa de até três testemunhas (Brasil, 2011, art. 70). Concluída a instrução processual, a SG notificará o representado para destacar novas alegações no prazo de cinco dias úteis. Em até 15 dias úteis após o término do prazo para novas alegações, a SG enviará os autos do processo ao presidente do tribunal, emitindo um relatório circunstanciado com sua recomendação pelo arquivamento ou pela configuração da infração. Remetido o processo ao tribunal do Cade, o seu presidente o distribuirá, por sorteio, ao conselheiro relator, que poderá determinar novas diligências e solicitar à SG que as realize. Concluídas as diligências, o conselheiro relator notificará o representado para, no prazo de 15 dias úteis, apresentar alegações finais. Depois, o processo será incluído em pauta de julgamento por solicitação do conselheiro relator. 75 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Nos termos do art. 79 da Lei n. 12.529/2011, a decisão do tribunal será fundamentada e conterá, no caso da existência de infração à ordem econômica, os seguintes aspectos: I – especificação dos fatos que constituam a infração apurada e a indicação das providências a serem tomadas pelos responsáveis para fazê-la cessar; II – prazo dentro do qual devam ser iniciadas e concluídas as providências referidas no inciso I; III – multa estipulada, sua individualização e dosimetria; IV – multa diária em caso de continuidade da infração; V – as demais sanções descritas na Lei n. 12.529, de 2011, se for o caso; VI – multa em caso de descumprimento das providências estipuladas, se for o caso; e VII – o prazo para pagamento da multa e para cumprimento das demais obrigações determinadas. Parágrafo único. A decisão do Tribunal será publicada dentro de 5 (cinco) dias úteis no Diário Oficial da União (Brasil, 2011). 76 Unidade I Resumo Vimos nesta unidade que a economia estuda a satisfação das necessidades humanas, que são ilimitadas, em virtude da escassez de recursos. No Brasil, a economia é predominantemente capitalista e de mercado, sendo regulada pelas leis de oferta e demanda. Existem quatro tipos de mercados: concorrência perfeita, monopólio, oligopólio e concorrência monopolística. No mercado de fatores de produção, existem estruturas como o monopsônio e o oligopsônio, que podem afetar negativamente os consumidores. Estudamos que o Cade é o órgão responsável por zelar pela livre concorrência entre as empresas, atuando no combate a abusos do poder econômico. Por sua vez, a Lei n. 12.529/2011 estabelece as sanções aplicáveis às práticas que configuram infrações à ordem econômica. O poder econômico é natural em uma economia de livre concorrência, mas se torna ilícito quando seu uso prejudica a competição. A CF reprime o abuso de poder econômico, focando em condutas que visam à dominação do mercado. Por sua vez, o Cade analisa atos de concentração econômica, como fusões, aquisições e incorporações, para evitar prejuízos à concorrência. A Lei n. 12.529/2011 institui o controle prévio dos atos de concentração econômica no Brasil. Acentuamos, ainda, que as infrações econômicas incluem atos que limitam a concorrência, dominam mercados ou aumentam lucros de forma arbitrária. O Cade aplica sanções cabíveis, como multas e outras penalidades. O objetivoé garantir um ambiente de mercado equilibrado, protegendo a concorrência e os consumidores. O Cade trabalha para prevenir práticas anticoncorrenciais e promover a livre concorrência. Além disso, utiliza conceitos como mercado relevante, posição dominante e poder de mercado para analisar os atos de concentração. Por fim, vimos que o acordo em controle de concentração (ACC) é uma ferramenta para mitigar possíveis efeitos anticompetitivos. O Cade também fiscaliza condutas no mercado, investigando e punindo práticas que afetam a ordem econômica. As decisões do órgão são tomadas de forma técnica e colegiada, objetivando garantir a livre concorrência no mercado. 77 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Exercícios Questão 1. Leia o texto a seguir. O que é a concorrência e qual é a sua importância? Diariamente, diversos consumidores e ofertantes negociam produtos e serviços em ambientes denominados como “mercados”. Para os primeiros, o nível de satisfação ou bem-estar advindo do consumo de determinado bem ou serviço orienta sua disposição a demandar (comprar). Para os segundos, os custos dos recursos empregados para se constituir esse produto ou serviço orienta sua disposição a ofertar (vender). A concorrência é o processo pelo qual, por um lado, diferentes consumidores disputam entre si pela aquisição de determinado produto ou serviço e, por outro, diferentes fornecedores de um bem ou serviço tentam conquistar a preferência dos consumidores. Os meios empregados nesse processo são os preços, a qualidade do produto ou serviço e a inovação. Portanto, por meio da concorrência, os agentes econômicos empregariam o máximo esforço possível para alcançar seus objetivos, o que contribuiria para a obtenção de uma máxima utilidade ou bem-estar, sem desperdício dos recursos econômicos, que são finitos. Em síntese, a livre concorrência maximiza o bem-estar social, na medida em que aumenta a eficiência alocativa, a eficiência produtiva e a capacidade de inovação dos mercados. A eficiência alocativa é alcançada quando a produção de bens ou serviços (em qualidade e quantidade) atende aos desejos dos consumidores, refletindo a exata proporção dos preços que estes estão dispostos a pagar. Assim, reduz-se a chance de os preços e/ou serviços produzidos não serem de interesse do consumidor. A eficiência produtiva diz respeito à capacidade de produzir e de distribuir a custos mínimos. Dessa forma, a pressão contínua decorrente da concorrência dos agentes econômicos incentiva os produtores a reduzir custos e, consequentemente, a praticar preços menores, sob pena de perderem clientes para outros negócios mais eficientes. Por fim, o processo de adequação às preferências do consumidor representa o incentivo necessário para que os agentes econômicos invistam em pesquisa e tecnologia, de forma a melhorar os seus produtos e serviços. Adaptado de: https://shre.ink/e3Eo. Acesso em: 28 maio 2025. Com base no texto e nos seus conhecimentos sobre o tema, assinale a alternativa correta. 78 Unidade I I – A concorrência nos mercados leva à maximização do bem-estar social ao aumentar a eficiência alocativa, a eficiência produtiva e a capacidade de inovação, o que possibilita aos agentes econômicos melhorar os produtos e reduzir os custos. II – A eficiência produtiva no mercado é alcançada quando os consumidores determinam os custos de produção e os fornecedores ajustam seus preços de acordo com a disposição de pagamento dos compradores. III – A concorrência no mercado sempre reduz a qualidade dos produtos, uma vez que os produtores se concentram exclusivamente na redução de custos para manter os preços baixos. É correto o que se afirma em: A) I, apenas. B) III, apenas. C) I e II, apenas. D) II e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa A. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: de acordo com o texto, a concorrência contribui para o bem-estar social ao aumentar a eficiência no uso dos recursos (alocativa), na redução de custos (produtiva) e ao estimular a inovação, o que resulta em produtos e serviços melhores e mais acessíveis. II – Afirmativa incorreta. Justificativa: a eficiência produtiva depende da capacidade de os produtores reduzirem os custos de produção sem comprometer a qualidade. A influência dos consumidores no mercado se dá por meio da demanda, mas eles não determinam diretamente os custos de produção. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: a concorrência pode pressionar os produtores a reduzir custos, mas isso não leva necessariamente à redução da qualidade; pelo contrário, ela também incentiva os produtores a melhorar a qualidade dos produtos e serviços, por meio da pesquisa e da inovação, para se manterem competitivos no mercado. 79 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Questão 2. A respeito do tema estruturas de mercado, avalie as asserções e a relação proposta entre elas. I – A concorrência perfeita resulta em preços eficientes para os consumidores, visto que os produtos são homogêneos e os consumidores têm total informação sobre o mercado. porque II – Essa forma de mercado garante lucros elevados para as empresas, visto que elas podem praticar preços acima do custo marginal sem perder clientes. É correto afirmar que: A) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda asserção justifica a primeira. B) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda asserção não justifica a primeira. C) A primeira asserção é verdadeira, e a segunda asserção é falsa. D) A primeira asserção é falsa, e a segunda asserção é verdadeira. E) As duas asserções são falsas. Resposta correta: alternativa C. Análise das asserções I – Asserção verdadeira. Justificativa: em um mercado de concorrência perfeita, os produtos são homogêneos (sem diferenciação) e os consumidores têm acesso a todas as informações necessárias sobre preços e características, o que leva à alocação eficiente de recursos e à prática de preços mais baixos. II – Asserção falsa. Justificativa: em um mercado de concorrência perfeita, as empresas não podem praticar preços acima do custo marginal sem perder clientes, já que há muitas empresas ofertando produtos homogêneos e os consumidores podem facilmente mudar para outra empresa que pratique um preço mais baixo.jurídico-econômicos na análise dos atos de concentração); • sua atuação nos atos de concentração (controle preventivo, critério de submissão e gun jumping); • análise dos atos de concentração (aprovação e reprovação e acordos em controle de concentração (ACC); • poder econômico e abuso de poder; • infrações da ordem econômica (condutas concertadas, unilaterais, cartelização e noções sobre o processo administrativo no Cade). Na unidade II, apresentamos: • o controle repressivo do Cade (sanções por infração da ordem econômica, medidas preventivas e compromisso de cessação e acordo de leniência e delação premiada); • a defesa da concorrência (origem do direito concorrencial no Brasil, livre-iniciativa e livre concorrência na Constituição Federal de 1988 (CF) (Brasil, 1988), a relação entre os princípios e a legislação antitruste); 10 • as agências reguladoras e as relações de concorrência (conceito, características e as principais agências reguladoras no Brasil); • a atuação indireta do Estado na regulação (agências reguladoras e o incentivo à concorrência, defesa da concorrência e a proteção ao consumidor); • a Lei n. 9.019/1995, destacando o acordo antidumping (AAD), o de subsídios e direitos compensatórios, o Gatt, a OMC, a AAD, o acordo de subsídios e medidas compensatórias (ASMC) e os procedimentos administrativos para imposição de medidas de defesa). Bom estudo! 11 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Unidade I 1 ESTRUTURAS DE MERCADO 1.1 Mercado: estruturas e mecanismos básicos Antes de analisarmos o mercado e suas várias estruturas, convém trazer alguns conceitos da ciência econômica para compreender melhor como os mercados estão organizados. A economia é uma ciência social que se preocupa em estudar o modo como a sociedade administra os recursos produtivos escassos (mão de obra, terra, capital, matéria-prima e outros) na produção de bens e serviços e a forma de distribuição desses recursos entre os membros da sociedade, com o objetivo de satisfazer às necessidades humanas ilimitadas. A escassez é um problema existente em todas as sociedades: se os recursos ou fatores de produção são escassos, as necessidades humanas são ilimitadas e se renovam constantemente. Dessa forma, o papel da economia é contribuir para melhorar a afetação dos recursos produtivos, a fim de permitir o seu aprimoramento, a redução dos custos operacionais e a maximização da lucratividade. Com a escassez dos recursos produtivos em contraposição às necessidades humanas ilimitadas, surgem alguns problemas econômicos fundamentais: o que e quanto produzir? Como produzir? Para quem produzir? Em relação aos problemas econômicos fundamentais que surgem a partir da escassez dos fatores de produção, Vasconcellos e Garcia (2014, p. 22) explicam: • O que e quanto produzir: dada a escassez de recursos de produção, a sociedade terá de escolher, dentro do leque de possibilidades de produção, quais produtos serão produzidos e as respectivas quantidades a serem fabricadas. • Como produzir: a sociedade terá de escolher ainda quais recursos de produção serão utilizados para a produção de bens e serviços, dado o nível tecnológico existente. A concorrência entre os diferentes produtores acaba decidindo como serão produzidos os bens e serviços. Os produtores escolherão, entre os métodos mais eficientes, aquele que tiver o menor custo de produção possível. 12 Unidade I • Para quem produzir: a sociedade terá também de decidir como seus membros participarão da distribuição dos resultados de sua produção. A distribuição da renda dependerá não só da oferta e da demanda nos mercados de serviços produtivos, ou seja, da determinação dos salários, das rendas da terra, dos juros e dos benefícios do capital, mas também da repartição inicial da propriedade e da maneira como ela se transmite por herança (Vasconcellos; Garcia, 2014, p. 22). A resposta a essas três perguntas fundamentais dependerá do tipo de organização econômica aplicada, ou seja, do sistema econômico adotado pelo país. Observação O sistema econômico é o modo como uma sociedade organiza a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços buscando melhorar o padrão de vida e o bem-estar. Assim, pode-se definir um sistema econômico como a forma política, social e econômica como uma sociedade se organiza (Vasconcellos; Garcia, 2014). Os sistemas econômicos podem ser classificados em: sistema de economia de mercado ou capitalista; sistema de economia centralizada ou planificada, defendida pelo modelo socialista; e sistema econômico misto. O sistema de economia de mercado é regido pelas leis de mercado (oferta x demanda), predominando a livre-iniciativa e a propriedade privada dos fatores de produção; no sistema de economia centralizada ou socialista, as decisões econômicas são tomadas por um órgão central de planejamento, e a propriedade dos meios de produção (capital, matéria-prima, terra, prédios, bancos e outros) é pública. Atualmente, nenhum país adota uma economia centralizada de forma pura, mas um sistema misto, em virtude da ascensão do sistema capitalista e da globalização econômica, algo que contribuiu para a abertura econômica de alguns países, mesmo que de forma mais limitada. Apesar de todos os esforços, não há um sistema econômico perfeito, e, mesmo em um sistema capitalista, com alto grau de liberdade econômica, haverá falhas. O mercado, por sua vez, pode ser entendido como uma forma de intercâmbio entre compradores e vendedores por meio da qual são realizadas a compra e a venda de bens e serviços (Troster; Morcillo, 1994). A palavra mercado vem do latim mercatus. No direito romano antigo, designava o local em que mercadores e consumidores se encontravam para realizar as trocas comerciais, identificando-se, portanto, com a ideia de local físico. Com a globalização econômica e os avanços tecnológicos, as transações comerciais evoluem em escala mundial, e o resultado é uma ampliação do conceito de mercado, para designar transações comerciais e financeiras que são realizadas em comum pelos agentes econômicos, independentemente do local, com o propósito de incluir também os mercados virtuais. 13 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA O funcionamento da economia de mercado está baseado na lei da oferta e da demanda, ou seja, por empresários que querem vender determinados produtos e por consumidores que desejam comprar. A procura ou demanda pode ser definida como a quantidade de um bem ou serviço que o consumidor deseja adquirir, enquanto a oferta envolve as várias quantidades que os produtores desejam oferecer ao mercado, ambas em determinado espaço de tempo. A quantidade que o consumidor deseja adquirir de um bem, em um dado período, dependerá primeiramente do preço. Quanto maior for o preço do bem, menor será a quantidade que o indivíduo desejará adquirir. A demanda também depende de outras variáveis, como o preço dos outros bens, a renda do consumidor e as preferências e os hábitos dele. Da mesma maneira que a demanda, a oferta depende de vários fatores, entre eles, de seu próprio preço, do preço (custo) dos fatores de produção e das metas ou dos objetivos dos empresários. Quanto mais baixos forem os preços, ou seja, quando forem suficientes apenas para cobrir os custos de produção, menor será a oferta; porém, se aumentar o preço, aumentará também a quantidade ofertada. Em um mercado livre e competitivo, o preço de um bem tende a ser definido pelo equilíbrio entre a oferta e a demanda. Assim, a quantidade produzida será igual à quantidade demandada. A relação entre demanda e oferta de mercado define o preço e a quantidade de equilíbrio de um determinado bem ou serviço. O preço e a quantidade, por seu turno, dependerão da forma ou estrutura de um mercado, isto é, se ele é competitivo, com muitas empresas produzindo um produto, ou concentrado em poucas ou em uma única empresa (Vasconcellos; Garcia, 2014). Nem sempre a relação entre oferta e demanda encontraráo seu ponto de equilíbrio, podendo haver excesso de demanda ou de oferta, mas se houver competição entre os consumidores e entre os ofertantes, haverá uma tendência natural no mercado para chegar ao equilíbrio. No entanto, pode haver pressões ou interferências de agentes econômicos que têm poder para afetar o preço de mercado (Vasconcellos; Garcia, 2014), resultando em estruturas de mercado imperfeitas. Dessa forma, o mercado deve ser analisado a partir de certas estruturas de mercado, que captam aspectos relevantes sobre como os mercados estão organizados, permitindo a criação de determinados modelos (Troster, 2014). Cada estrutura destaca aspectos importantes da relação entre oferta e demanda. Com base na análise das estruturas de mercado, é possível avaliar os efeitos da oferta e da demanda, tanto no mercado de bens e serviços (concorrência perfeita, monopólio, oligopólio e concorrência imperfeita ou monopolística), como no mercado de fatores de produção (monopsônio e oligopsônio). A estrutura de mercado é estudada a partir da economia e é um conceito fundamental para descrever a organização e o comportamento das empresas em um determinado setor. Ela está relacionada a certas características e condições que são vitais para definir como as empresas interagem, competem entre si, influenciam os preços e a oferta de bens e de serviços. 14 Unidade I A compreensão das estruturas de mercado é essencial para analisar o funcionamento e o desempenho econômico de um setor, permitindo a adoção de decisões estratégias e de políticas de regulação e fiscalização da concorrência. A concorrência representa a ideia de disputa ou competição entre empresários com o objetivo de conquistar parcelas do mercado e maximizar seus lucros. É justamente por meio dessa dinâmica que se torna possível coibir abusos, exigindo, em certos casos, a intervenção do Estado para regular e reorganizar estruturas de mercado consideradas anticompetitivas. Na realidade, o direito concorrencial não busca proteger o mercado em si, mas sim preservar a concorrência como valor fundamental (Salomão Filho, 2013). Para isso, intervém, sempre que necessário, nas estruturas econômicas, a fim de evitar o domínio de mercado por meio de formas organizacionais imperfeitas. Vasconcellos e Garcia (2014), ao proporem uma discussão sobre as diversas formas de mercado, afirmam que: As várias formas ou estruturas de mercado dependem fundamentalmente de três características: a) número de empresas que compõem esse mercado; b) tipo do produto (se as firmas fabricam produtos idênticos ou diferenciados); c) se existem ou não barreiras ao acesso de novas empresas nesse mercado (Vasconcellos; Garcia, 2014, p. 91). Ao ponderar essas características, é possível analisar os diversos tipos de mercado onde se disputa a concorrência entre os agentes econômicos, conforme estudaremos a seguir. 1.1.1 Concorrência perfeita Os mercados perfeitamente competitivos ou de concorrência perfeita correspondem a um modelo idealizado dos mercados de bens e serviços. Trata-se de uma explicação meramente teórica de como os mercados atuariam e de como os agentes em regime de concorrência pura agiriam (Bagnoli, 2013). O modelo de concorrência perfeita é aquele no qual existem muitos vendedores e muitos compradores, de modo que nenhum deles, isoladamente, consegue afetar a oferta, tampouco o preço de equilíbrio do produto ou serviço (Troster; Morcillo, 1994). Esse modelo de mercado é considerado ideal, mas na prática não é passível de ser atingido em sua plenitude, em razão do grande número de vendedores e compradores, todos de porte pequeno e, portanto, incapazes de influenciar o preço de produtos ou serviços e a atuação de outros competidores. Se uma empresa nessas condições aumentasse seus preços, perderia seus compradores, que procurariam 15 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA outro fornecedor; ou se reduzisse demasiadamente os preços, não teria como manter os custos de produção, o que implicaria prejuízos (Bagnoli, 2013). Nos mercados perfeitamente competitivos devem prevalecer algumas condições, tais como (Spínola, 2013): • Existência de muitos vendedores e compradores (todos de porte pequeno): essa característica também é chamada de mercado atomizado, como átomos. Isso significa que cada decisão individual deles pouco ou nada interferirá sobre o mercado como um todo. • Os produtos são homogêneos: todas as empresas oferecem um produto semelhante, ou seja, não há diferença de embalagem e qualidade nesse mercado. • Transparência dos mercados: os participantes do mercado têm acesso a todas as informações relevantes, ou seja, conhecem os preços, os custos, a qualidade etc. • Livre entrada e saída de empresas (mobilidade): todas as empresas participantes poderão entrar e sair do mercado de forma imediata. Não há barreiras para o ingresso de competidores no mercado. Por exemplo, se uma empresa está produzindo agasalhos esportivos e não tem lucro, desistirá de produzir o bem e começará a criar outros bens mais lucrativos. • A empresa é tomadora de preços (price taker): o preço de mercado é um dado fixado pelas empresas e pelos consumidores. • Racionalidade: os empresários sempre maximizam o lucro e os consumidores maximizam a satisfação ou utilidade derivada do consumo. Assim, os agentes agem racionalmente. Quando todas essas condições estiverem presentes, estaremos diante de um mercado de concorrência perfeita. Outro fator importante na concorrência perfeita diz respeito aos lucros, que não serão os mesmos entre as empresas. Existe a presunção de que as empresas de um mercado adotam a mesma tecnologia, assim, em um curto período, as instalações fixas também serão diferentes entre elas, de modo que os custos e os lucros também o serão. Além disso, a longo prazo, não existe expectativa de lucros extraordinários, ou seja, quando as receitas superam os custos, mas apenas os lucros normais, que representam a remuneração do empresário. Na concorrência perfeita, como o mercado é transparente, os lucros obtidos pelas empresas mais eficientes serão notados pelas entidades de outros mercados ou setores e, com isso, atrairá novas organizações para o mercado, já que inexistem barreiras ao acesso de novos competidores. Assim, com o ingresso de novos competidores, haverá o aumento da oferta de mercado e os preços cairão, influindo também nos lucros extras, que poderão findar (Vasconcellos; Garcia, 2014). Se as empresas pretendem obter lucros mais expressivos, devem desenvolver ao máximo a tecnologia, incorporando novas técnicas produtivas. Portanto, para obter mais lucro na concorrência perfeita, elas deverão buscar eficiência, por meio do melhor aproveitamento dos fatores produtivos e da modernização 16 Unidade I tecnológica para reduzir de forma expressiva o seu custo à medida que aumente a produção (Troster; Morcillo, 1994). Na realidade, não é comum a existência da concorrência perfeita, já que os concorrentes sempre encontrarão maneiras de quebrá-la, pois sempre que uma empresa detiver controle sobre os preços poderá exercer influência sobre eles e consolidar sua posição individual no mercado. 1.1.2 Monopólio Opondo-se aos mercados perfeitamente competitivos ou de concorrência perfeita, encontramos os imperfeitamente competitivos, como é o caso do monopólio, que, embora permita a existência de algum tipo de concorrência entre produtores, carece das circunstâncias ideais da concorrência perfeita. A expressão monopólio vem do grego monos, “um”, e polein, “vender”, ou seja, “um para vender”. Ele é caracterizado pela atuação de uma empresa ofertante de um produto ou serviço no mercado que tem plena capacidade de fixar o preço. A empresa monopolista, por ser a única a ofertar o produto ou serviço no mercado, determina o preço de equilíbrio, de acordo com sua capacidade de produção. Se ela elevar a oferta, o preço de mercado diminuirá; se reduzir a oferta, o preço aumentará (Vasconcellos;Garcia, 2014). Isso não significa que ela estará livre para aumentar os preços em demasia, já que poderá pesar muito para uma parcela dos consumidores, que deverão reduzir ou até abandonar o consumo, dependendo do produto ou serviço. O monopólio não se aplica unicamente àquelas empresas que detêm 100% do mercado, mas também a situações em que um dos produtores detém parcela significativa do mercado, por exemplo 50%, e seus concorrentes são todos pequenos, incapazes, qualquer um deles, de influenciar o preço de mercado (Salomão Filho, 2013). Nesse mercado, a diferenciação entre os produtos e a constituição de uma rede de compradores constantes permite ao produtor uma condição mais favorável, diferente daquela que teria se os seus produtos ou serviços concorressem diretamente com os de outros vendedores. Como resultado, o preço praticado pode ser maior do que de fato seria e ainda ocorrer uma limitação na produção ou comercialização do bem ou produto. Embora esse modelo não seja perfeito, não se pode punir uma empresa que conquistou seus compradores pela qualidade do produto e tem um preço mais elevado no mercado. Tal situação deve ser tolerada, desde que a empresa monopolista não se valha de práticas anticoncorrenciais para manter sua posição dominante no mercado. Nos mercados imperfeitamente competitivos, como é o caso do monopólio, a concorrência entre os agentes econômicos não ocorre de forma natural, mas deve ser impulsiona pelo Estado, que deverá estimular a competição, regular e fiscalizar a atuação dos participantes no mercado para evitar práticas anticoncorrenciais. 17 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Uma estrutura de mercado de monopólio pode se concretizar a partir das seguintes características: • uma empresa detém parcela substancial da produção do bem ou serviço; • pode não haver produtos substitutos próximos; • existem barreiras à entrada de empresas concorrentes. Algumas causas podem intervir no surgimento do monopólio, servindo, inclusive, como barreira de acesso para novos competidores, como: surgimento de monopólio puro ou natural; concessão de patentes; controle de matérias-primas essenciais; e monopólio estatal. O monopólio puro ou natural pode surgir em um mercado que requer elevado volume de capital. Uma empresa que já faz parte desse mercado, em grande dimensão econômica, consegue reduzir de forma expressiva o seu custo por unidade de produto à medida que aumenta a produção (Troster; Morcillo, 1994). Dessa forma, torna-se muito difícil outra empresa oferecer um preço equivalente ao da monopolista, o que gera uma barreira para a entrada de novos competidores nesse mercado. A concessão de patente é outro fator que pode ocasionar barreiras à entrada de novos competidores no mercado, porque enquanto não expirar o prazo de duração da patente, e o direito de exploração não cair em domínio público, a empresa titular da patente terá exclusividade na produção do bem. Observação A patente de invenção vigorará por até 20 anos e a de modelo de utilidade, por até 15 anos, contados da data do depósito no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), conforme determina o art. 40 da Lei n. 9.279/1996. Dessa forma, enquanto não expirados os prazos, o titular da patente terá direito de exclusividade sobre o bem objeto da patente. Já o controle de matérias-primas indispensáveis à produção de determinado produto pode gerar também barreira de acesso ao mercado, a exemplo do controle exercido nas minas de bauxita por empresas produtoras de alumínio. Por sua vez, o monopólio estatal ou institucional ocorre quando somente uma empresa estatal ou concessionária privada ou mista tem o controle da oferta de determinados serviços que são considerados estratégicos ou de segurança nacional e gozam de proteção legal, como é o caso dos setores de energia, comunicação e petróleo. O preço não é fixado pelo mercado nesses setores e eles são marcados pela atuação de apenas um agente econômico, que não se vê ameaçado pela concorrência, na medida em que essa estrutura, por si só, já se constitui como barreira à entrada de novos competidores no mercado. Além da própria estrutura do monopólio, ele se difere da concorrência perfeita no que diz respeito aos lucros. 18 Unidade I No mercado monopolista, como existem barreiras à entrada de novas empresas, os lucros extraordinários tendem a persistir a longo prazo; ao contrário da concorrência perfeita, na qual inexiste expectativa de lucros extraordinários, mesmo a longo prazo, apenas os lucros normais. O cenário só mudaria com o ingresso de novos competidores, quando haveria o aumento da oferta no mercado e a queda nos lucros. No monopólio, o preço de venda será maior do que na concorrência perfeita, e a quantidade ofertada do produto será menor, o que trará prejuízos aos consumidores, que pagarão mais pelo produto ou serviço e o terão em menor quantidade. Para coibir abusos e proteger os consumidores nesses mercados, o Estado deve intervir por meio de regulação e fiscalização, conforme será estudado adiante. 1.1.3 Oligopólio A expressão oligopólio advém do grego oligoi, que significa “poucos”, e polein, “vender”, isto é, “poucos para vender”. Trata-se de uma estrutura de mercado que está posicionada entre a concorrência perfeita e os monopólios. Os mercados oligopolizados se caracterizam pela existência de um pequeno número de empresas que dominam a oferta de um produto ou serviço, ou, ao contrário, podem existir muitas empresas ofertantes, mas poucas com capacidade de dominar o mercado. O oligopólio tem prevalecido no Brasil, como no mundo ocidental, podendo se configurar na indústria de transporte aéreo, farmacêutico, de papel, alimentos, bebidas, entre outros. Nesses mercados, as quantidades ofertadas ou os preços podem ser fixados por meio de cartéis ou paralelismo de preços. O cartel constitui-se por acordo tácito ou expresso entre um grupo de empresas que visa adotar uma política de preços comum e/ou atingir uma maximização conjunta dos lucros (Troster; Morcillo, 1994). Podem ser considerados cartéis acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, abrangendo uma parcela substancial do mercado relevante, para controlar preços, quotas de produção, distribuição e divisão territorial entre agentes econômicos envolvidos, com a finalidade de aumentar preços e lucros concomitantemente para níveis mais próximos dos de monopólio. Certos fatores estruturais podem contribuir para a formação de cartéis, como alto grau de concentração do mercado, imposição de barreiras à entrada de novos competidores e homogeneidade de produtos e de custos. Os mercados oligopolizados exigem uma atuação mais efetiva das autoridades antitrustes na proteção da livre concorrência, pois nessa estrutura de mercado pode atuar um pequeno número de empresas que ofertam produtos diferenciados ou homogêneos e com a existência de barreiras à entrada de novos competidores. Em alguns casos, apesar da pequena quantidade de ofertantes, esse mercado pode ser altamente competitivo, mas em outros pode configurar-se uma situação quase de monopólio, por intermédio de práticas colusivas (Bagnoli, 2013). 19 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Observação A palavra colusão significa “acordo entre partes com o fim de prejudicar e lesar terceiros; conluio”. Nesse sentido, práticas colusivas podem resultar em conluio, acordo, condutas concertadas, decisão de associação que, de alguma maneira, afetem a posição de terceiros concorrentes, fornecedores ou consumidores. Em alguns oligopólios, há uma situação de interdependência econômica entre os vendedores, isto é, quando todos os agentes têm uma parcela significativa do mercado, as decisões sobre o preço e a produção podem ser interdependentes, porque a decisão de um vai influenciar significativamente a dos demais. Esse comportamento interdependente entre os agentes econômicos exige uma atuação mais perspicaz dos órgãos de defesa daconcorrência, conforme assevera Bagnoli (2013, p. 193): O cuidado para se analisar caso a caso deve ser muito grande, pois poderá estar-se diante de um comportamento interdependente entre os agentes, que limitam a produção para atingir um preço que seria praticado por um monopolista, ou simplesmente numa situação onde se aplicaria a teoria dos jogos, em que a estratégia racional de determinado agente se pauta no provável comportamento de seu concorrente. Em cada situação devem-se verificar algumas peculiaridades, como a ocorrência de se seguir o líder (follow the leader) e a caracterização de um “paralelismo de conduta” e sua distinção de um “paralelismo consciente”, tão comum em mercados competitivos oligopolizados, e que seria considerado anticoncorrencial na incidência da condição plus. Convém explicar que o primeiro ensaio sobre a teoria dos jogos foi realizado por Cournot a partir do estudo do comportamento dos oligopolistas. Em 1950, o matemático norte-americano John Nash generalizou a teoria e seu trabalho lhe rendeu o Prêmio Nobel de Economia, resultando no que hoje é conhecido como Nash Equilibrium, isto é, na situação de equilíbrio, a estratégia de cada um dos jogadores deve ser a melhor resposta para a estratégia do outro. Saiba mais Para compreender melhor a teoria dos jogos, leia: ABRANTES, M. L. P. A teoria dos jogos e os oligopólios. São Paulo: Multitema, 2004. Disponível em: https://shre.ink/e3SU. Acesso em: 28 maio 2025. 20 Unidade I Ressalte-se, ainda, que é possível identificar a existência de oligopólios com produtos diferenciados, como no caso da indústria de automóveis e cigarros, ou oligopólios com produtos homogêneos, que são substitutos perfeitos entre si, como alumínio, cimento e cobre. Os oligopólios têm certas especificidades, exigindo uma análise mais detalhada em cada caso para detectar se existe um comportamento competitivo entre os agentes econômicos ou um paralelismo de preços e/ou de condutas de acordos tácitos, muito embora algumas condutas possam ser previsíveis nesse modelo de mercado. 1.1.4 Concorrência monopolística Como o próprio nome já sugere, é uma estrutura de mercado que tem algumas condições da concorrência perfeita e do monopólio, subsistindo em uma posição intermediária entre essas duas formas, mas não se confundindo com o oligopólio. Observe a seguir suas principais características: • Existência de grande número de empresas ofertantes, do mesmo modo que ocorre na concorrência perfeita, em que se disputa uma fração da produção total do mercado. • Cada empresa produz e vende um produto diferenciado, mas com substituto próximo, isto é, na maioria dos mercados há essa diferenciação entre os produtos. Exemplificando: não existe um tipo homogêneo de perfume, automóvel, vinho etc. • Existência de livre entrada e saída de empresas, pois inexistem barreiras legais ou de qualquer outro tipo que impeçam a entrada e a saída das empresas desse mercado. Embora essa estrutura tenha um número relativamente grande de empresas, nesse modelo a concorrência imperfeita também se faz presente, na medida em que as empresas produzem produtos diferenciados, embora com substitutos próximos. Assim, na maioria dos mercados, existem diferentes marcas de sabonete, refrigerante, sabão em pó e outros produtos. Apesar da existência de competição nesse mercado, o fornecedor poderá enfrentar certa dificuldade na fixação dos preços, uma vez que pode haver um pequeno poder monopolista que estabeleça o preço do produto. Por exemplo, em uma determinada área pode existir grande número de profissionais habilitados, porém os mais renomados e especializados podem cobrar preços muito maiores e acima da média dos cobrados pelos demais profissionais (Vasconcellos; Garcia, 2014). Os fatores que podem ocasionar a diferenciação dos produtos são variados, como composição química, potência, embalagem, ou pela adoção de estratégias de venda, como marketing, publicidade, promoções, atendimento e brindes. Na prática, cada produtor procura diferenciar o seu produto com a finalidade de torná-lo insubstituível. 21 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Nessa estrutura, cada empresa tem certo poder na fixação dos preços; no entanto, a existência de produtos que podem ser substituídos por outros permite aos consumidores adotar alternativas para driblar o aumento de preços. Assim como na concorrência perfeita, na monopolística prevalece a ideia de que não existem barreiras para a entrada de novos competidores no mercado. Por essa razão, a expectativa de lucros extraordinários a curto prazo trará novas empresas para esse mercado, mas a longo prazo perceberão que só existem os lucros normais. 1.2 Estruturas de mercado de fatores de produção Foram analisadas as estruturas de mercados de bens e serviços. A partir de agora, estudaremos o mercado de compra ou demanda de fatores de produção, que compreende mão de obra, terra, capital e tecnologia e apresenta diferentes estruturas. Trata-se do estudo do fenômeno oposto ao poder do vendedor, isto é, o poder do comprador. Conforme explicitado por Vasconcellos e Garcia (2014), o mercado de fatores de produção deriva do mercado do produto: Como o mercado de fatores depende da demanda de insumos pelos setores produtores de bens e serviços, ou seja, deriva do mercado do produto, a demanda por esses fatores é chamada de demanda derivada. Por exemplo, como a demanda de autopeças deriva da demanda de automóveis, se houver redução da demanda de automóveis, cairá também a demanda por autopeças (Vasconcellos; Garcia, 2014, p. 95-96). O mercado de fatores de produção pode se estruturar na forma de concorrência perfeita, monopólio, oligopólio e, ainda, como monopsônio e oligopsônio. A concorrência perfeita no mercado de fatores pode ocorrer em um mercado no qual há uma oferta grande do fator de produção, tornando constante o preço desse fator. Os ofertantes do fator de produção, por serem em grande número, não conseguem elevar o preço dos seus serviços. Exemplificando: em um mercado de fatores consistente em mão de obra não especializada, se esta for muito elevada, resultará na constância do preço desse fator. O mercado de fatores pode adotar a forma de monopólio, se apenas um único monopolista realiza a venda de certo insumo, ou a forma de oligopólio, quando poucas empresas vendem determinado insumo. Além dessas duas formas de estruturação do poder, há o monopsônio e o oligopsônio, que expressam no campo da demanda o mesmo que o monopólio e o oligopólio representam no campo da oferta, conforme será analisado a seguir. 22 Unidade I 1.2.1 Monopsônios Eles são uma forma inversa ao monopólio. Trata-se de uma estrutura de mercado na qual existem apenas um único comprador e inúmeros vendedores. A empresa compradora impõe um preço de compra dos fatores de produção, variando apenas a quantidade adquirida. A compradora pode ser chamada de monopsonista (Bagnoli, 2013), a qual adquire determinados fatores de produção para utilizá-los na fabricação de um produto, que posteriormente será repassado aos consumidores. Nesse sentido, destaca-se a posição de Bagnoli (2013) sobre o assunto: No caso dos monopsônios e oligopsônios o raciocínio é muito parecido com o dos monopólios ou oligopólios, só que o agente monopsionista ou oligopsionista detém essa posição em outro patamar da estrutura do mercado; no momento de adquirir produtos ou serviços de fornecedores para repassar ao consumidor final, e não propriamente no momento da oferta do produto ou serviço ao consumidor final. Entende-se o monopsônio pela atuação de um único agente econômico no mercado para adquirir de fornecedores um produto ou serviço para ele, monopsionista, oferecer ao consumidor final. Sem a ameaça da concorrência, ou, ainda, a possibilidade de os “fornecedores” ofertarem seus produtos ou serviços para outros agentes econômicos que atuariam junto ao consumidor final, cria-se uma sujeição dos fornecedoresao agente monopsionista. É o monopsionista que poderá determinar preços e condições de pagamento e, caso o fornecedor não se sujeite a essas determinações, poderá ver restringida a oferta de seus produtos ou serviços ao consumidor final (Bagnoli, 2013, p. 195). O monopsônio pode ser explicado como um mercado no qual existe apenas um único comprador de determinado insumo para muitos vendedores ou, na condição de uma empresa que se instale em uma pequena cidade do interior e, por ser a única, acaba se tornando demandante exclusiva de toda a mão de obra da cidade local e das cidades próximas, concentrando para si toda a oferta de mão de obra (Vasconcellos; Garcia, 2014). É importante destacar que o monopsonista não é o consumidor final, mas sim aquele que compra o insumo para inseri-lo na cadeia produtiva e, geralmente, não tem interesse em repassar ao consumidor os preços menores que obteve pelo insumo adquirido com seu poder no mercado, ao contrário, costuma apropriar-se dessa diferença de preço como lucro (Salomão Filho, 2013). Quanto ao consumidor, podem ocorrer duas situações: se o monopsonista detém poder apenas de demanda em relação ao fator de produção e não tem ingerência quando revende o produto; se também tem poder no mercado na oferta do produto final. A respeito dessas duas situações, convém trazer à tona as explicações de Salomão Filho (2013, p. 202-203): 23 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Em uma primeira situação, o monopsonista não detém poder no mercado quando revende. Opera em situação de concorrência perfeita. Essa situação é mais frequente do que se imagina. Basta, por exemplo, que aquele produto tenha larga gama de substitutos no mercado final ou, então, que o próprio insumo utilizado tenha muitos substitutos. Em ambos os casos o agente econômico pode deter poder como comprador do insumo mas ser apenas mais um concorrente na venda do produto final. Ora, havendo concorrência perfeita, o preço do produto final é determinado pelo mercado, sendo apenas um dado para o produtor [...]. Não há, portanto, qualquer vantagem ou desvantagem para o consumidor. Caso, por outro lado, o monopsonista também tenha poder no mercado na venda do produto final, a tendência, ao contrário do que se poderia esperar, é o aumento, e não a diminuição de preços. Isso porque, como visto, o custo marginal do monopsonista é mais elevado do que para aqueles produtores que operam em concorrência perfeita na aquisição de seus insumos. Depreende-se, assim, que sob o ponto de vista exclusivo do consumidor, deve haver uma preocupação do órgão de defesa da concorrência em relação àquelas empresas monopsonistas e que também são monopolistas. No monopsônio também podem haver práticas anticoncorrenciais praticadas contra os interesses dos vendedores, na medida em que o comprador tem poder de estabelecer o preço que deseja pagar pelos fatores de produção ou, até mesmo, reduzir o preço do produto, subtraindo a quantidade demandada. 1.2.2 Oligopsônios Caracterizam-se pela existência de poucos compradores que dominam um mercado no qual há muitos vendedores. Podemos citar como exemplos: • quando duas ou três empresas de laticínios adquirem a maior parte do leite dos inúmeros produtores rurais de uma determinada região; • quando existem em determinado mercado algumas indústrias automobilísticas, e esse pequeno número compra praticamente todas as peças e acessórios da indústria de autopeças. Desse modo, os oligopsônios podem se formar a partir de um pequeno número de agentes econômicos agindo no mercado como tomadores de serviços ou na aquisição de produtos para inseri-los na cadeia produtiva e, posteriormente, repassá-los aos consumidores (Bagnoli, 2013). No oligopsônio também existe o risco de a empresa, além de oligopsonista, se destacar como oligopolista; nessa situação, são maiores as chances de um comportamento paralelo dos oligopsonistas na venda de seu produto final. A situação poderá ser agravada quando o agente econômico que atua como monopsonista ou oligopsonista também detém a posição de monopolista ou oligopolista. Assim, 24 Unidade I teria tal agente o poder de mercado nos dois estágios da cadeia: tanto como adquirente de insumos junto aos fornecedores (monopsionista ou oligopsionista), como na venda ou prestação de serviço ao consumidor final (monopolista ou oligopolista). A respeito dos riscos inerentes a essas estruturas de poder, destacam-se as contribuições de Salomão Filho (2013, p. 203): Com efeito, como visto nos itens anteriores, elemento-chave para o funcionamento da estrutura oligopolista é a transmissão completa e rápida de informações sobre preço e quantidade produzida pelos oligopolistas. Ora, claramente existindo um oligopsônio, o incentivo para a criação do oligopólio é enorme. Para empresas que já encontram meios de se organizar para aquisição conjunta de insumos, trocar informações sobre as condições de venda do produto final é bastante simples. O “custo da informação” é bastante baixo. A adoção da perspectiva exclusivamente do consumidor importaria excluir das preocupações concorrenciais os oligopsônios e monopsônios em que fosse possível demonstrar que não há possibilidade de criação de um oligopólio ou monopólio e os monopsônios e oligopsônios em geral em que o agente econômico fosse o consumidor final. Para um sistema que pretenda impedir todas as formas de abuso do poder econômico, seja qual for a vítima desse abuso – seja ela o consumidor ou o produtor –, essas situações devem também ser objeto de atenção. A legislação antitruste brasileira, como sistema que pretende coibir todas as estruturas de abuso do poder econômico, se aplica aos monopsônios e oligopsônios, já que o poder dos monopsonistas e oligopsonistas pode acarretar a prática de condutas anticoncorrenciais contra fornecedores e, ainda, contra consumidores, se tais estruturas resultarem também em monopólio e oligopólio. 2 CONTROLE DAS ESTRUTURAS Passaremos agora a estudar o controle das estruturas de mercado que possam ocasionar atos de concentração econômica, seja por intermédio de fusões ou incorporações de empresas, pela constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário que gere a participação da empresa ou grupo de empresas. No tópico a seguir também será analisada a atuação da autoridade antitruste, que tem poder para impor restrições aos atos de concentração e, de alguma forma, dificultar ou eliminar a livre concorrência. 25 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA 2.1 Cade 2.1.1 Origem e finalidade O Cade foi oficialmente criado pela Lei n. 4.137/1962, embora já houvesse sido instituído anteriormente, em 1945, por meio do Decreto-lei n. 7.666/1945, conhecido como Lei Malaia. Naquela época, o órgão recebia o nome de Comissão Administrativa de Defesa Econômica, porém o decreto-lei foi revogado no mesmo ano em que entrou em vigor (Aguillar, 2014). O art. 8º da Lei n. 4.137/1962 estabelecia o Cade com a finalidade de apurar e reprimir os abusos do poder econômico. No entanto, essa legislação permaneceu em vigor até a promulgação da Lei n. 8.884/1994, mas sem exercer grande relevância prática durante esse período. Foi com a CF, ao instituir uma nova ordem econômica, que o direito concorrencial passou a ocupar posição de destaque. Até então, a atuação do Estado restringia-se a uma função de interventor direto na economia, seja por meio de empresas estatais, seja pela fixação de preços. A nova ordem constitucional, por sua vez, conferiu ao Estado o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica, com atribuições voltadas a fiscalização, incentivo e planejamento. A CF também consagrou a livre-iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica, juntamente com a valorização do trabalho humano, e elegeu a livre concorrência como um de seus princípios norteadores (Brasil, 1988, art. 170, IV). Além disso, determina que a lei deve reprimir o abusodo poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (Brasil, 1988, art. 173, § 4º). Nesse contexto, orientada pelos preceitos constitucionais da livre-iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico, foi sancionada a Lei n. 8.884/1994, um marco importante na defesa da concorrência no Brasil. Essa norma transformou o Cade em autarquia federal, conferindo-lhe maior autonomia e atribuindo-lhe a responsabilidade de prevenir e reprimir infrações à ordem econômica, entre outras funções (Bagnoli, 2013). Até então, o Cade atuava em conjunto com a Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE), conforme previa a Lei n. 8.158/1991. Apesar de ser denominado conselho, o Cade não tinha, à época de sua criação, nem atualmente, as características típicas de um conselho. O órgão opera como um tribunal administrativo de defesa econômica, vinculado ao Ministério da Justiça, e é composto por um presidente e seis conselheiros. A Lei n. 8.884/1994 foi um divisor de águas no direito concorrencial brasileiro, ao conferir ao Cade maior autonomia para exercer o controle da concorrência sob dois enfoques principais: atos de concentração e condutas anticoncorrenciais. Para exercer essas funções, o Cade atuava ao lado de outros órgãos que integravam o SBDC, composto pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) e pelo próprio Cade (Aguillar, 2014). 26 Unidade I Durante a vigência da Lei n. 8.884/1994, entretanto, o número de atos de concentração reprovados pelo Cade foi relativamente baixo, o que gerou insatisfação quanto à eficácia do SBDC. Segundo Aguillar (2014), com base em dados extraídos dos relatórios anuais do Cade, que analisaram apenas os casos julgados quanto ao mérito dos atos de concentração, foi possível chegar a resultados que evidenciam essa percepção. Excluídos os dados de 1999, o nível de atos de concentração aprovados sem restrições é da ordem de 94,4% do total dos casos julgados. O percentual de casos em que há restrições é de 4,6% do total de casos julgados. Apenas 0,8% dos atos de concentração submetidos ao Cade recebe exigência de Compromisso de Desempenho. E o percentual de reprovações é de menos 0,1%, sob o mesmo critério comparativo. Esses números indicam ou uma grande timidez por parte do Cade na apreciação dos casos de concentração empresarial que lhe são submetidos, ou, então, que os requisitos do art. 54 da Lei n. 8.884/94 para submissão dos atos ao Cade estão muito aquém dos limites desejáveis. O fato é que a estrutura montada para a apreciação desses casos, contando com o apoio da SDE e da Seae, mais a própria estrutura do Cade, para resultar em apenas seis reprovações entre mais de cinco mil atos de concentração, em 16 anos de trabalho, resulta profundamente ineficiente, na primeira hipótese, ou excessiva, na segunda, numa análise à função preventiva do sistema (Aguillar, 2014, p. 271-272). O SBDC acabou sendo reformulado em 2011, pela entrada em vigor da atual Lei n. 12.529/2011. Por esse diploma legal, o Cade absorve algumas das competências da SDE e da Seae, passando a instruir os processos de análise e julgamento de atos de concentração e as ações de prevenção e de repressão às infrações da ordem econômica (Vasconcellos; Garcia, 2014). Convém destacar que a principal mudança trazida pela Lei n. 12.529/2011 foi a exigência de submissão prévia ao Cade das operações de fusões e aquisições de empresas, e não posteriormente, como acontecia na vigência da lei anterior. O art. 4º da Lei n. 12.529/2011, atual legislação que regula a defesa da concorrência no Brasil, dispõe que o Cade é uma entidade judicante, com jurisdição em todo o território nacional e constituída como autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça. De acordo com a norma, o Cade tem sede e foro no Distrito Federal e exerce as competências previstas na referida lei. O Cade, na condição de autarquia, não realiza função jurisdicional, é bom lembrar que o nosso sistema não é o francês. Quando lemos “jurisdição” devemos pensar em aplicação administrativa da legislação contra o abuso de poder econômico, o que não veda a apreciação judicial quando for o caso (Masso, 2016, p. 164). 27 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Embora o Cade seja constituído como uma autarquia, ele não tem o status de agência reguladora da concorrência, em vez disso, é um órgão de defesa da concorrência. Entre as suas principais funções, destaca-se o controle preventivo dos atos de concentração, com a finalidade de evitar efeitos anticoncorrenciais no mercado. Além disso, cabe ao Cade julgar e punir, na esfera administrativa, aqueles que cometem infrações contra a ordem econômica, e suas decisões não estão sujeitas a recurso perante outro órgão administrativo. Também não fazem parte das atribuições do órgão a regulação de preços ou a análise dos aspectos penais das condutas que investiga e sua competência não se confunde com aquelas desempenhadas pelas entidades de defesa dos consumidores ou dos trabalhadores. A finalidade do Cade é proteger a livre concorrência no mercado, prevenindo e reprimindo as infrações contra a ordem econômica, com base nos ditames constitucionais da livre-iniciativa, liberdade de concorrência e outros. Suas atribuições estão definidas pela Lei n. 12.529/2011 e são complementadas pelo Regimento Interno do Cade (RiCade – Cade, 2021), aprovado pela Resolução n. 32/2021, com atualizações. A autarquia exerce três funções: • Preventiva: ao analisar e, em seguida, decidir sobre as fusões, aquisições de empresas, incorporações e outros atos de concentração econômica entre grandes empresas que possam expor a risco a livre concorrência. • Repressiva: ao exercer, em todo o território nacional, a investigação e, depois, julgar cartéis e outras condutas prejudiciais à livre concorrência. • Educativa: ao informar o público em geral sobre as diversas condutas que possam ser nocivas à livre concorrência, fomentar estudos e pesquisas acadêmicas sobre o assunto, firmar parcerias, organizar cursos, palestras, seminários, eventos e editar publicações (Cade, 2016a). 2.1.2 Estrutura e composição Conforme já analisado, o Cade passou a se constituir como autarquia federal somente a partir da Lei n. 8.884/1994, já revogada. Esse diploma legal disciplinava a competência da SDE, do Ministério da Justiça, da Seae, do Ministério da Fazenda e do próprio Cade. Esse conjunto de órgãos formava o SBDC, regulando e fiscalizando a concorrência no Brasil. Nessa estrutura, competia ao Cade apreciar e julgar os atos de concentração submetidos à sua apreciação e os processos administrativos relativos às infrações contra a ordem econômica. Tais processos, no entanto, deviam ser instruídos pela SDE e Seae, que emitiam pareceres técnicos não vinculativos e que, posteriormente, eram julgados pelo Cade. Com a revogação da Lei n. 8.884/1994, que ocorreu com a entrada em vigor da Lei n. 12.529/2011, em maio de 2012, o SBDC foi reestruturado. O Cade passou também a instruir os processos administrativos de análise de atos de concentração e de apuração de infrações contra a ordem econômica, competências que antes eram da SDE e da Seae (Masso, 2013). 28 Unidade I Convém mencionar que houve a extinção da SDE. Em 2018, a Seae foi desmembrada pelo Decreto n. 9.266/2018 (já revogado), dando origem à atual Seprac. O art. 5º da Lei n. 12.529/2011 dispõe que: O Cade é constituído pelos seguintes órgãos: I – Tribunal Administrativo de Defesa Econômica; II – Superintendência-Geral; e III – Departamento de Estudos Econômicos (Brasil, 2011). De acordo com o art. 6º da Lei n. 12.529/2011, o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica (Tade) constitui o órgão judicante do Cade, sendo composto por um presidente e seis conselheiros. Esses membros devem ser escolhidos entre cidadãos commais de 30 anos de idade, que tenham notório saber jurídico ou econômico e reputação ilibada. A nomeação é realizada pelo presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal. O mandato do presidente e dos conselheiros é de quatro anos, não coincidentes, e é vedada a recondução. Trata-se de cargos de dedicação exclusiva, sendo vedada qualquer acumulação, exceto nos casos expressamente permitidos pela CF. O Tade desempenha um papel importante, notadamente no controle repressivo da concorrência, funcionando como órgão julgador. Contudo, também realiza controle preventivo, já que zela pela observância da lei antitruste. Tem um poder-dever de decidir diante de situações concretas levadas à sua apreciação. Fazem parte da competência do plenário do tribunal e estão previstas no art. 9º da Lei n. 12.529/2011 os seguintes aspectos: I – zelar pela observância desta Lei e seu regulamento e do regimento interno; II – decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei; III – decidir os processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica instaurados pela Superintendência-Geral; IV – ordenar providências que conduzam à cessação de infração à ordem econômica, dentro do prazo que determinar; V – aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do acordo em controle de concentrações, bem como determinar à Superintendência-Geral que fiscalize seu cumprimento; VI – apreciar, em grau de recurso, as medidas preventivas adotadas pelo conselheiro relator ou pela Superintendência-Geral; 29 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA VII – intimar os interessados de suas decisões; VIII – requisitar dos órgãos e entidades da administração pública federal e requerer às autoridades dos Estados, Municípios, do Distrito Federal e dos Territórios as medidas necessárias ao cumprimento desta Lei; IX – contratar a realização de exames, vistorias e estudos, aprovando, em cada caso, os respectivos honorários profissionais e demais despesas de processo, que deverão ser pagas pela empresa, se vier a ser punida nos termos desta Lei; X – apreciar processos administrativos de atos de concentração econômica, na forma desta Lei, fixando, quando entender conveniente e oportuno, acordos em controle de atos de concentração; XI – determinar à Superintendência-Geral que adote as medidas administrativas necessárias à execução e fiel cumprimento de suas decisões; XII – requisitar serviços e pessoal de quaisquer órgãos e entidades do Poder Público Federal; XIII – requerer à Procuradoria Federal junto ao Cade a adoção de providências administrativas e judiciais; XIV – instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica; XV – elaborar e aprovar regimento interno do Cade, dispondo sobre seu funcionamento, forma das deliberações, normas de procedimento e organização de seus serviços internos; Vide Decreto n. 9.011, de 2017; XVI – propor a estrutura do quadro de pessoal do Cade, observado o disposto no inciso II do caput do art. 37 da Constituição Federal; XVII – elaborar proposta orçamentária nos termos desta Lei; XVIII – requisitar informações de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas, respeitando e mantendo o sigilo legal quando for o caso, bem como determinar as diligências que se fizerem necessárias ao exercício das suas funções; e XIX – decidir pelo cumprimento das decisões, compromissos e acordos (Brasil, 2011). 30 Unidade I As decisões do Tade não estão sujeitas à revisão no âmbito do Poder Executivo, sendo realizadas de forma imediata (Brasil, 2011, § 2º, art. 9º). Após a decisão, o tribunal deve comunicá-la ao Ministério Público, a fim de que sejam adotadas as providências legais cabíveis dentro de suas competências. Essa comunicação é especialmente relevante em casos como a formação de cartéis ou a prática de crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, tipificados na Lei n. 8.137/1990 (Bagnoli, 2013). As atribuições dos conselheiros do Tade estão listadas no art. 11 da Lei n. 12.529/2011 (Lei Antitruste ou Lei de Defesa da Concorrência), destacando-se as funções técnicas de natureza instrutória e judicante. As competências do presidente estão elencadas no art. 10 da mesma lei, exercendo também funções técnicas, burocráticas e institucionais (Bagnoli, 2013). Assim, acentuaremos a seguir algumas instâncias. A primeira delas é a Superintendência-Geral (SG), composta por um superintendente-geral, cuja escolha se dá da mesma forma que a do presidente do Tade, com mandato de dois anos, sendo permitida uma única recondução. Além disso, integram a SG dois superintendentes-adjuntos, cujas atribuições são definidas por resolução e que são indicados pelo superintendente-geral. As competências da SG estão previstas no art. 13 da Lei n. 12.529/2011 e algumas de suas principais atribuições são: • instaurar, instruir e emitir parecer em processo administrativo anticoncorrencial; • instruir e emitir parecer para apuração de atos de concentração; • propor acordos e medidas preventivas. Convém destacar que, se houver parecer da SG, em um ato de concentração, recomendando a aprovação sem restrições, e não houver requisição por um dos conselheiros, considera-se que a decisão final do Cade é pela aprovação. O parecer da SG terá caráter opinativo, em caso de aprovação com restrições ou de reprovação, e a decisão final competirá ao Tade. Por sua vez, o Departamento de Estudos Econômicos (DEE) integra a estrutura organizacional do Cade e é comandado por um economista-chefe, a quem compete a elaboração de estudos e pareceres econômicos, seja por ofício ou por solicitação do Plenário, do presidente, do conselheiro relator ou do superintendente-geral. Esses estudos têm por finalidade fornecer embasamento técnico às decisões do órgão (Brasil, 2011, art. 17). O economista-chefe também pode participar das reuniões do Tade, porém sem direito a voto. Sua nomeação é realizada conjuntamente pelo superintendente-geral e pelo presidente do tribunal, sendo escolhido entre brasileiros de reputação ilibada e notório conhecimento na área econômica. 31 ESTRUTURAS DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Constata-se, portanto, que o Cade é estruturado por três órgãos principais: o Tade, a SG e o DEE. O órgão também tem unidades de apoio e suporte na defesa da concorrência, como: a Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade, a Diretoria de Administração e Planejamento e o Ministério Público Federal (MPF) perante o Cade. A Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade é integrada por procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU), tendo suas atribuições previstas no art. 15 da Lei n. 12.529/2011. Entre suas principais competências, destacam-se: • prestar consultoria e assessoria jurídica ao Cade; • representar o órgão judicial e extrajudicialmente; • promover a execução judicial das decisões proferidas pelo Cade; • apurar a liquidez dos créditos da autarquia, procedendo à inscrição em dívida ativa para fins de cobrança administrativa ou judicial; • emitir pareceres nos processos de competência do Cade sempre que solicitado. A Procuradoria Federal Especializada é chefiada por um procurador-chefe, cuja nomeação compete ao presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal. O cargo deve ser ocupado por cidadão brasileiro com mais de 30 anos de idade, de notório conhecimento jurídico e reputação ilibada. O mandato é de dois anos, sendo permitida uma única recondução, conforme estabelecido no art. 16 da Lei n. 12.529/2011 e no art. 28 do RiCade (Cade, 2021). A Diretoria de Administração e Planejamento (DAP) é uma das unidades de apoio e suporte do Cade. Suas competências estão fixadas no art. 6º do RiCade, a saber: I – assessorar os órgãos do Cade nos assuntos relacionados ao planejamento estratégico, à gestão de projetos especiais e ao monitoramento de programas