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ARTES VISUAIS Arte, Cultura Visual e Educação das Relações Étnico-Raciais UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 2 Créditos e Copyright Vanessa Laurentina Maia Crb8 71/97 Bibliotecária UNIMES Este curso foi concebido e produzido pela UNIMES Virtual. Eventuais marcas aqui publicadas são pertencentes aos seus respectivos proprietários. A UNIMES Virtual terá o direito de utilizar qualquer material publicado neste curso oriundo da participação dos alunos, colaboradores, tutores e convidados, em qualquer forma de expressão, em qualquer meio, seja ou não para fins didáticos. É proibida a reprodução total ou parcial deste curso, em qualquer mídia ou formato. S729a SOUZA, Rubens Arte, Cultura Visual e Educação das Relações Étnico- Raciais. / Rubens Souza. Atualizado por Clarissa Lopes Suzuki – Santos, 2023 66 fls. Universidade Metropolitana de Santos, Artes Visuais, 2006. 1. Artes Visuais. 2. Cultura Visual. 3.Educação das Relações Étnico-Raciais. CDD 700 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 3 SUMÁRIO Aula 01_Arte e Comunicação .................................................................................... 4 Aula 02_Comunicação e Arte .................................................................................... 6 Aula 03_Arte e Linguagem ........................................................................................ 9 Aula 04_Arte e Imagem ........................................................................................... 11 Aula 05_Imagem, tecnologia visual e poder ............................................................ 15 Aula 06_Imagem e Discurso ................................................................................... 19 Aula 07_Leitura de imagem e poder ........................................................................ 22 Aula 08_Cultura, Estudos Culturais e Visualidades ................................................. 25 Aula 09_Decolonialidade e as Epistemologias do Sul ............................................. 28 Aula 10_Cultura Visual e seus intérpretes ............................................................... 31 Aula 11_Cultura Visual, Identidade e Educação das Relações Étnico-Raciais ....... 37 Aula 12_Educação das Relações Étnico-Raciais .................................................... 43 Aula 13_Racismo estrutural, intolerância religiosa e arte religiosa afro-brasileira ... 47 Aula 14_Desafios da Lei 11.645/08 ......................................................................... 50 Aula 15_Políticas públicas e outras epistemologias ................................................ 55 Aula 16_Sugestões didáticas .................................................................................. 59 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 4 Aula 01_Arte e Comunicação Palavras-chave: arte; comunicação; pinturas rupestres. Entre os estudiosos, não há nenhum acordo sobre o fato de serem os primeiros Homo Sapiens, espécie da qual nos originamos, os capazes de intercambiar sons que já tivessem sido combinados, ajustados por convenção, entre os seus representantes. O crítico de arte inglês, John Berger, afirma que: “A visão chega antes do que as palavras. A criança olha e vê antes de falar. A visão é a que estabelece nosso lugar no mundo circundante; explicamos esse mundo com palavras, porém as palavras nunca podem anular o fato de que estamos rodeados pelo mundo” (Berger, 1999, p.13). Berger (1999) buscou um exemplo na ontogênese para explicar a filogênese, um exemplo na vida de um indivíduo da espécie humana, por isso observou o desenvolvimento das crianças e, por meio da observação do comportamento dos indivíduos, procurou explicar o desenvolvimento da espécie humana como um todo. A História da Arte é capaz de evidenciar a manipulação de símbolos visuais das primeiras espécies humanas. Por meio das imagens que nos legaram, podemos identificar evidências da capacidade das primeiras espécies humanas de trabalhar com símbolos visuais, para expressar-se simbolicamente, tanto quanto a de operar com um propósito preconcebido, capacidade para planejar. Não temos provas, mas talvez os primeiros hominídeos apenas brincassem, jogassem com as sombras que suas mãos projetavam sobre as pedras. Essas mãos foram registradas. Para serem impressas, foi preciso buscar outros recursos além das próprias mãos, os meios que permitissem a impressão das mãos para narrar. As mãos em negativo foram realizadas, a partir de uma técnica simples, que consiste em borrifar a tinta que é obtida com óxido de manganês e sangue de animais para gerar a cor vermelha e óxido de ferro soado ao carvão ralado, para a cor preta. É bem provável que, com um osso vazado, como uma espécie de um canudo, com a mão apoiada contra a parede se soprasse a tinta. Todo esse planejamento e procedimento foram realizados, talvez para narrar, contar para os demais, a impressão que muito provavelmente as sombras das próprias mãos projetadas pela luz do fogo nas pedras lhes causavam. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 5 Impressões de mãos em positivo e em negativo. Mãos cheias e mãos vazias. Em branco e preto. Às vezes aparecem junto aos desenhos de animais. Sobre as paredes das cavernas, a humanidade representa seu conhecimento e assombro diante do mundo, sua experiência com a megafauna hoje extinta, abatida graças à capacidade de planejar, por meio de armadilhas ou de emboscadas. A sensibilidade visual daquelas pessoas, aliada à capacidade de abstração, formou essas imagens que expressam a percepção que tinham do mundo, o conhecimento que construíram ao se apropriarem simbolicamente do mundo. Sabe-se que a linguagem verbal é mais direta, porém precisamos ler e entender o idioma em que foi escrita a palavra para compreender a mensagem da linguagem verbal. Será que as palavras nos dizem exatamente o que querem informar? Vamos brincar, vamos jogar, com a palavra impressão? Para o Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, o substantivo feminino, imprimir pode ter vários sentidos. Vamos destacar seis desses sentidos: 1. Ato ou efeito de imprimir (-se). 2. Encontro ou proximidade entre os corpos. 3. Marca ou sinal registrado pela coação entre os corpos. 4. Condições físicas ou psicológicas decorrentes dos elementos externos sobre os sentidos. 5. Influência que um acontecimento ou uma situação exerce em alguém, repercutindo lhe no ânimo, no moral no humor. 6. Opinião rasa e sem fundamentação. REFERÊNCIAS BERGER, Johon. Modos de ver. Tradução: Luica Olinto. Ed. Rocco. Rio de Janeiro, 1999. READ, Herbet. O sentido da arte. São Paulo: Ibrasa, 1978. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 6 Aula 02_Comunicação e Arte Palavras-chave: arte; comunicação; história da arte. A partir do movimento Dadaísta, onde os artistas utilizaram diversos materiais e suportes para as expressões artísticas, as fronteiras entre cultura erudita e cultura popular tornaram-se menos delineadas e abrangeram a novas estilizações para os meios de comunicacionais, quando esses buscam na própria arte elementos para sua elaboração. Assim, produtos e bens do cotidiano, com objetivos claros para o mercado de consumo adquirem estética artística. Verifica-se a subjetividade da arte, como apelo às necessidades dos humanos. Nesse sentido, a comunicação de massa1 estabelece suas estratégias, a partir de diferentes manifestações artísticas. O apelo publicitário valoriza o elemento estético e artístico para os processos de comunicação. Tanto o Jornalismo, o Design, quanto a Publicidade apropriam-se de tais elementos artísticos, na elaboração de conteúdosvalores e identidades. Para este autor, um estudo sistemático da Cultura Visual pode proporcionar uma compreensão crítica do seu papel e funções sociais, além das relações de poder às que se vincula, indo além da apreciação ou do prazer que proporcionam. Hernandez (2007) entende o campo de estudo como sendo móvel, pois a cada dia se incorporam novos aspectos relacionados tanto às representações quanto aos artefatos visuais, o que rapidamente tornam obsoletas as aproximações restritivas. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 34 “Trata-se de se aproximar destes ‘lugares culturais’, onde meninos e meninas, sobretudo os jovens, encontram hoje muitas de suas referências para construir suas experiências de subjetividade. Umas referências que não costumam ser levadas em conta pelos docentes, entre outras razões, porque as consideram pouco relevantes, a partir de um enfoque do ensino centrado em alguns conteúdos disciplinares e em uma visão da escola de cunho objetivista e descontextualizado” (Hernandez, 2007, p. 37). Na abordagem de Hernandez (2007) não há receptores nem leitores, mas sim construtores e intérpretes, na medida em que a aproximação não é passiva nem dependente, mas sim interativa e de acordo com as experiências que cada sujeito tem experimentado em sua vida cotidiana. Por isso denomina de visualizadores. Uma primeira meta a ser perseguida pelos docentes na abordagem de Hernandez (2007) seria explorar as representações que as pessoas, a partir das suas características sociais, culturais e históricas, constroem da realidade, ou seja, compreender o que se representa para compreender as próprias representações. Trabalhar na linha da compreensão crítica da Cultura Visual “não pode ficar à margem de uma reflexão mais ampla sobre o papel da escola e dos sujeitos pedagógicos nesses tempos de mudança” (Hernandez, 2002, p.3). Nesse sentido, os docentes precisam estar atentos ao que está passando no mundo, seja nos saberes, na sociedade, nos sujeitos, e responder com propostas imaginativas, transgressoras que possibilitem aos educandos elaborarem formas de compreensão e atuação na parcela do mundo que lhes toca viver, de forma que possam desenvolver seus projetos de vida. A situação que o educador cria para iniciar o processo de aprendizagem sinaliza sua orientação educativa, o lugar que destina ao educando e a si mesmo. No sentido proposto por Hernandez (2002) na abordagem crítica da Cultura Visual, já não cabe mais o educador se perguntar sobre o que os educandos não sabem e se propor a ensinar-lhes, mas perguntar-se sobre o que os educandos já sabem e como ampliar as conexões para que, juntos, possam organizar outros discursos com os saberes mosaico que todos possuem. A abordagem da compreensão crítica da Cultura Visual não enfatiza nem as representações nem os artefatos visuais, pois ao trabalhar na perspectiva de projetos de trabalho, a ênfase recai na construção de uma história compartilhada que será narrada por todos do grupo. Mais do que pensar em representações e artefatos, o educador necessita pensar em que o grupo de trabalho, o que implica educandos e educadores, quer UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 35 aprender e o que pode aprender. A abordagem da compreensão crítica da Cultura Visual requer uma mudança na forma em que tradicionalmente se organiza o conhecimento escolar. Hernandez (2000) sugere aos educadores estarem especialmente atentos aos objetos da Cultura Visual do grupo com o qual trabalhe, ou seja, as imagens que estão nas capas dos cadernos e pastas dos educandos, as revistas que lêem, os programas de televisão a que assistem, seus grupos musicais e jogos preferidos, suas roupas e seus ícones populares. A compreensão crítica dessas representações e artefatos visuais implica diferentes aspectos, a saber: Histórico/antropológico: as representações e artefatos visuais são frutos de determinados contextos que as produzem e as legitimam. Dessa forma, é necessário ir além de uma abordagem perceptiva, daquilo que se vê na produção, para explicitar a conexão entre os significados dessa produção e a tradição: valores, costumes, crenças, ideias políticas e religiosas que as geraram. Estético/artístico: este aspecto refere-se aos sistemas de representação. O aspecto estético artístico é compreendido em relação à cultura de origem da produção e não em termos universais, pois o código europeu ocidental não é o único válido para a compreensão crítica da Cultura Visual. Biográfico: as representações e artefatos fomentam uma relação com os processos identitários, construindo valores e crenças, visões sobre a realidade. Crítico/social: representações e artefatos têm contribuído para a configuração atual das políticas da diferença e das relações de poder. Esses diferentes aspectos não são sequenciais, mas sim interconectados e cabe aos educadores fomentarem a compreensão destes ao estimular relações entre a produção e seus contextos de produção, distribuição, e consumo bem como os efeitos na construção dos processos identitários. Como pistas de caminhos possíveis em um trabalho para a compreensão crítica da Cultura Visual, Hernandez (2000, 2002) sugere: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 36 * explorar os discursos sobre os quais as representações constroem relatos do mundo social e favorecem determinadas visões sobre ele e nós mesmos; * questionar a tentativa de fixar significados nas representações e como isso afeta nossas vidas; * discutir as relações de poder que se produzem e se articulam por meio das representações e que podem ser reforçadas pela maneira de ver e produzir essas representações; * elaborar representações por procedimentos diversos como forma, resposta e modo de diálogo com as representações existentes; * construir relatos visuais utilizando diferentes suportes relacionados com a própria identidade e contexto sociocultural que ajudem a construir um posicionamento. REFERÊNCIAS BARNARD, M. Approaches to understanding visual culture. New York: Palgrave, 2001. BARRET, T. Visual culture. Art Education, v.56, n.303, p.17-24, mar.2003. BOLIN, P. E.; BLANDY, D. Beyond visual culture: seven statements of suport for material culture studies in art education. Studies in Art Education: a Journal of Issues and Research, v.44, n.3, p.246-263, 2003. HERNANDEZ, Fernando. Catadores da Cultura Visual. Porto Alegre: Mediação, 2007. HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000. MIRZOEFF, Nicholas. Una introducción a la cultura visual. Barcelona: Paidós,. 2003. MITCHELL, W. J. T. Que és la cultura visual. Princenton: Irving Lavin, Institute for Advanced Study, 1995. MORAZA, J. L. Estudios visuales y sociedad del conocimiento. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE ESTUDIOS VISUALES, 1. Madrid, fev. 2004. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 37 Aula 11_Cultura Visual, Identidade e Educação das Relações Étnico-Raciais Palavras-chave: cultura visual; identidade; educação das relações étnico-raciais. A identidade é um tema recorrente para os Estudos Culturais. Freedman (2002, 2003) sinaliza que nossas identidades estão refletidas e são definidas pelas maneiras através das quais representamos a nós mesmos visualmente, desde a maneira como nos vestimos até ao que assistimos na televisão. Na proposta dessa autora, as práticas artísticas na escola podem incluir tanto a discussão sobre um videogame quanto às possíveis modificações no meio imediato, como, por exemplo, na decoração do quarto dos educandos. No entendimento de Freedman (2003), os educandos tomam consciência de que as imagens e os objetos carregam significados e começam a seinteressar pela interpretação e a trabalhar para sugerir significados em suas próprias produções. Isso ocorre na medida em que buscam, com maior afinco, contar histórias e fazer afirmações através de suas experiências. Freedman (2002) conceitua cultura como forma de viver e a cultura visual dá forma ao nosso mundo ao mesmo tempo em que é nossa forma de ver o mundo. Freedman (2002) sinaliza que sua proposta de trabalho com a Cultura Visual é uma resposta razoável ao caráter cada vez mais interativo das artes visuais, que vão das Belas Artes aos comics. Opõe-se ao elitismo das Belas Artes como uma linha divisória das práticas artísticas no contexto escolar. A autora destaca três objetivos que podem proporcionar os fundamentos de um enfoque social no trabalho com a Cultura Visual que são: o desenvolvimento de ideias, a visualização e a reflexão crítica. Destaca que trabalhar com comics não se limita à cópia das imagens ou personagens, mas que, partindo da narrativa dos comics, os estudantes encontram a oportunidade de “visualizar” uma outra sociedade, personagens, ambientações, sociedades que também se enfrentam com conflitos. Também nessa vertente cultural, Chanda (2002) propõe uma aproximação das obras de arte. Para esta autora podemos nos aproximar das obras de arte na perspectiva do observador, desde sua própria perspectiva histórico-cultural e desde a perspectiva do produtor. Se somente nos aproximarmos de uma obra a partir de nossa visão individual, teremos uma interpretação bastante restrita, pois elas constituem veículos perfeitos para descobrir como nós nos percebemos e UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 38 compreendemos o mundo, e como percebemos e compreendemos o outro. Nesse caso temos um problema duplo, pois temos que tratar com culturas que são, muitas vezes, alheias a nós e com culturas que estão, ao mesmo tempo, próximas e separadas de nós. As descrições e as interpretações de um objeto artístico visto com os olhos de alguém que não está familiarizado com a cultura da qual o objeto procede refletirá unicamente os conceitos filosóficos, os ideais e a história dessa pessoa e não os da cultura do objeto. Na abordagem de Chanda (2002) nossas descrições desvelam os medos, os estereótipos, e as ideias que o observador leva consigo no olhar. Contemplar uma obra de arte com os olhos do outro oferece uma oportunidade única de experimentar os comportamentos e as formas de pensar que criam as diferenças. A autora sugere um segundo movimento nessa abordagem que seria o de vermos a nós mesmos no marco contextual do Outro. Exemplifica essa situação perguntando-se sobre que aspectos da cultura negra formam parte da cultura norte-americana em geral e permitiriam aos norte-americanos afirmarem que, em muitos aspectos são diferentes, mas que em outros são próximos. Para essa autora, esse deveria ser o objetivo de uma educação multicultural. Cao (2005) também é uma educadora que propõe um trabalho de imagens com seus alunos para que experimentem se colocar “no lugar do outro”, se distanciar da própria imagem, se estranhar, reconhecer seus preconceitos e discutir seu próprio preconceito e os preconceitos sociais de um modo geral. “A imagem tem a capacidade de nos conectar com o mundo mais próximo, mas também com o distante, com a realidade mais individual, bem como com a mais social. Nessa perspectiva, o esquema educativo aluna/o- conteúdo sociedade pode se articular a partir da imagem ao se trabalhar com a nossa própria imagem, a imagem do mundo que recebemos, e isso permite a articulação de conteúdos humanos, artísticos e técnicos.” (Cao, 2005, p. 188) De acordo com Cao (2005), em todo trabalho de arte-educação deveríamos substituir a pergunta “o que é arte?” pela pergunta "o que pode ser arte no mundo intercultural em que vivemos?”. Para Cao (2005), o trabalho de arte-educação- contemporânea deve priorizar a narração sobre a história. Isso quer dizer que educadores e estudantes devem estar convencidos de que a experiência pessoal é valiosa, cheia de significado e é uma fonte legítima a partir da qual dar sentido ao UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 39 mundo e, em nosso caso, à arte. Para Cao (2005) aprender arte em uma sociedade intercultural é uma oportunidade, tanto para os educadores como para os alunos, para aprender a respeitar e valorizar as experiências e as ideias do outro e incorporá- las ao programa de arte. Cao (2005) propõe projetos de arte-educação em que possamos reconhecer o outro em nós. Isso quer dizer que temos que descobrir em nós mesmos um olhar nada inocente que nos acompanha desde o início de nossa socialização na infância e é o responsável pela formação dos estereótipos icônicos. Um trabalho de arte- educação dessa natureza terá por objetivos: ● Observar os preconceitos sociais na nossa própria imagem; ● Buscar mecanismos para transgredir os preconceitos sociais; ● Refletir criticamente sobre a imagem e sua construção social. Cao (2005) afirma que tal qual no processo cinematográfico, ao observarmos uma imagem também se produz a identificação primária e a identificação secundária. A identificação primária é aquela que provém da câmera, ou seja, somos obrigados a olhar pelo olho da câmera e o nosso olhar é incorporado pelo produtor da imagem. Desse modo, a arte educadora indica que elaboramos as imagens por meio de um jogo entre o Eu, a Sociedade e a Convenção Técnica. Reproduzimos uma adaptação do quadro de Cao (2005) sobre os procedimentos de produção de imagens em quatro níveis a serem seguidos pelo educador junto com seus alunos: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 40 Figura 1: Tabela Adaptada de CAO (2005) UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 41 Fonte: CAO, Marián López F. Lugar do outro na educação artística: olhar como eixo articulador da experiência: uma proposta didática. IN BARBOSA, Ana Mae (org.) Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005, p. 214 e 215. Para Cao (2005), o objetivo principal deste trabalho é o de aproximar-se do aspecto emocional do estereótipo, e reconhecer, de forma construtiva esses preconceitos em nós mesmos, em observar e detectar os preconceitos pessoais e sociais, e na possibilidade de reeducar nosso olhar e nossa percepção. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 42 Para desenvolver sua proposta de trabalho, Cao (2005) sugere que os alunos escolham, previamente, seis estereótipos sociais. Desenvolver-se-á uma aula prévia, na qual se conceituará o estereótipo social. A seguir os alunos indicarão vários estereótipos masculinos, femininos, e comuns aos dois gêneros, as características visuais e psicológicas de cada um e o preconceito que os mantém. Por exemplo: se estabelece o estereótipo da mulher dona de casa: mais de trinta anos, casada, que se realiza no espaço privado. Os alunos deverão indicar as características visuais, como por exemplo, a dona de casa é feia/bonita, magra/gorda, se arruma/não se arruma, roupas esportivas/ “chiques”, etc. Que preconceito fundamenta esse estereótipo? O preconceito de que o trabalho não remunerado não se valoriza; o espaço privado não se valoriza ou é infra valorizado em relação ao público; a mulher feia é infra valorizada. A mulher de mais de trinta anos deixa de ser interessante para a nossa sociedade. As relações pessoais são menos valorizadas que as econômicas. A capacidade de ajudar aos demais, e a vida dedicada aos membros da família não é considerada importante nesta sociedade. Para realizar cada retrato com o estereótipo, os alunos deverão escolher o plano, o enquadramento, o ângulo, a iluminação, a textura e deverão justificaro porquê dessas escolas em um story-board. Desse modo, cada aluno deverá compor, ajudando-se uns aos outros, seis estereótipos sobre sua própria imagem. Não se trata de disfarçar-se, mas, sim, de utilizar os mecanismos fotográficos, luzes, planos, etc. para obter uma resposta específica do intérprete. REFERÊNCIAS CAO, Marián López F. Lugar do outro na educação artística: olhar como eixo articulador da experiência: uma proposta didática. IN BARBOSA, Ana Mae (org.) Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005. CHANDA, J. Ver al otro a través de nuestros proprios ojos: problemas en la educación multicultural: el estado de la pedagogia artística multicultural. In: JORNADAS CAIXA FÓRUM. Barcelona, 2002. FREEDMAN, K. Cultura visual e identidad. Cuadernos de Pedagogía. Barcelona, n.312, p.59- 61, 2002. . The Importance of student artistic production to teaching visual culture. Art Education, v.56, n.303, p.38-43, mar.2003. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 43 Aula 12_Educação das Relações Étnico-Raciais Palavras-chave: projetos educativos; Lei 10.639/03; Lei 11.645/08; educação das relações étnico-raciais. No ano de 2003 a Lei nº 10.639 alterou o artigo 26º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira tornando obrigatório o ensino sobre a História da África e Cultura Afro-brasileira em todas as escolas de Educação Básica, especificando que os conteúdos referentes a essa temática devam ser ministrados em todo currículo escolar. Essa mesma Lei também incluiu no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. A partir de então foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais. Cinco anos depois, em 2008, essa Lei sofreu novas alterações com a ampliação do seu texto, originando a Lei nº 11.645/2008, que acrescentou os estudos da história e das culturas dos povos indígenas ao mesmo artigo 26º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Essa legislação faz parte das políticas públicas de reconhecimento e respeito às diversidades socioculturais do Brasil. “Esta preocupação supõe o reconhecimento e valorização das diferenças culturais, dos diversos saberes e práticas, e a afirmação de sua relação com o direito à educação de todos/as. Reconstruir o que consideramos 'comum' a todos e todas, garantindo que nele os diferentes sujeitos socioculturais se reconheçam, garantindo assim que a igualdade se explicite nas diferenças que são assumidas como comum referência, rompendo assim com o caráter monocultural da cultura escolar (Candau, 2011, p. 28). Se refletirmos sobre a questão étnico-racial na escola brasileira percebe-se a falta desses conteúdos nos currículos escolares. Por muitos séculos, indígenas, afro-brasileiros e africanos escravizados não tiveram nenhum tipo de oportunidade de estudo formal. O encobrimento dos efeitos das desigualdades étnico-raciais fomenta um falso imaginário de igualdade de condições sociais para todas as pessoas na sociedade brasileira. A sociedade brasileira nega a discriminação existente. É por essa razão que a escola silencia, não discute, não apresenta as desiguais relações raciais. A escola brasileira transmite uma cultura eurocêntrica, com uma pretensa superioridade branca. É necessário reconhecer esse problema e UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 44 combatê-lo no espaço escolar. Promover o respeito mútuo, o reconhecimento das diferenças, discutir essas diferenças sem preconceito ou medo. Que tipo de diálogo a escola estabelece com as diferenças culturais presentes no universo escolar? A escola tem contribuído para que indígenas e pessoas negras possam construir uma identidade social positiva em relação aos seus grupos de origem? A escola oferece o conhecimento que respeite as diferenças étnicas raciais? As produções étnico-culturais dos diversos grupos que constituem a nação brasileira são incorporadas no currículo escolar? Sodré (1999) observa os mecanismos sutis da discriminação na sociedade brasileira. A discriminação passa pelo “não reconhecimento da exclusão do outro nos percalços da diferenciação, ou seja, do movimento complexo dentro do estatuto da identidade” (SODRÉ,1999, p. 15). Uma das estratégias para se evitar reconhecer o racismo no Brasil abarca a invisibilidade social do indivíduo que aumenta na proporção inversa à visibilidade da sua cor. Há uma política de invisibilidade social de indígenas e afrodescendentes. O conceito de invisibilidade social tem origem nas Ciências Sociais. Em geral, aplica-se esse conceito em situações que se referem a seres socialmente invisíveis, seja pela indiferença, seja pelo preconceito, o que nos leva a compreender que tal fenômeno atinge tão somente aqueles que estão à margem da sociedade. A estratégia de invisibilidade, ou seja, de não olhar e não querer ver os indígenas e afrodescendentes como agentes que atuam e contribuem no processo social, está enraizada na sociedade brasileira e, consequentemente, na sua escola. Também temos a invisibilidade da questão racial na escola que deve ser interpretada como um fato que não se nota, não se discute e nem se deseja notar ou discutir. É como se não existisse. A menção às culturas indígenas e africanas nos currículos escolares ocorre, em geral, somente nos momentos dedicados ao denominado “folclore brasileiro”: as danças, músicas e ritos, culinária, artefatos utilitários ou decorativos, tudo sempre superficialmente, lembrado, apenas, nas datas comemorativas. Segundo Bonin, “Esse índio, objeto de conhecimento e celebração num espaço delimitado nos calendários escolares, é quase sempre amalgamado à natureza e reconhecido por atributos como alegria, ingenuidade e liberdade. Um efeito dessas representações é o estranhamento que nos causa o encontro com indígenas em contextos urbanos, participando de atividades comerciais, ou UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 45 em noticiários que deixam ver, de relance e de modo fugaz, a situação de miséria e violência a que estão submetidos muitos povos indígenas na atualidade brasileira (Bonin, 2008, p. 318). Zamboni e Bergamaschi (2009) realizaram uma pesquisa em livros didáticos adotados na escola brasileira e concluíram que as concepções que predominam nesses manuais estão marcadas pelas visões da literatura romântica do século XIX. Nesta, o indígena é idealizado, representado como herói e vítima, fadado ao extermínio. Bonin (2008) também realizou um estudo sobre a representação dos povos indígenas na literatura infanto-juvenil e nos desenhos de alunos do ensino fundamental. A autora constatou que nos desenhos das crianças os indígenas aparecem frequentemente nus, com os corpos pintados e, em geral, em contato com a natureza. Esse é o mesmo tipo de representação feita nos livros didáticos, pois as imagens mais frequentes que retratam os povos indígenas são as representações desses povos feitas pelos artistas viajantes dos séculos XVII, XVIII, além da representação idealizada pelos artistas brasileiros do século XIX. Essa representação reiterada dos povos indígenas nos impede de perceber que os indígenas contemporâneos seguem outro estilo de vida, que se agrupa em torno de algumas grandes cidades, que necessitam vender os produtos que fabricam para comprar suprimentos para o seu dia a dia. É uma política de invisibilidade que nos impede de conhecer e compreender a história, e a cultura desses povos. Para Woodward (2006) a identidade está marcada por meio de símbolos, pois a construção da identidade é tanto simbólica quanto social: “É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos” (Woodward, 2006, p. 17).A partir dessa afirmação podemos concluir sobre a influência que as imagens, as representações, sejam artísticas ou da mídia, que o professor seleciona pode ter na construção das respectivas identidades dos alunos com os quais trabalhe. O relato de Munduruku (2001) exemplifica essa situação ao identificar sua ancestralidade, pertencente ao povo Munduruku, bem como a sua dificuldade para se aceitar enquanto índio em sua infância e adolescência, pois vivia com os pais em uma cidade e estudava em uma escola não-indígena. Munduruku (2001) aborda o preconceito que gira em torno da palavra “índio” e de seu sofrimento em torno ao estereótipo de preguiçoso, selvagem, atrasado, entre outros atributos pejorativos. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 46 Consideramos que um possível caminho para a construção de práticas formadoras que eduquem para a diversidade e contemplem a questão indígena e afrodescendente na escola poderá ser o da construção de um olhar mais atento aos próprios alunos, fomentando que narrem suas histórias, construam suas representações a partir do próprio contexto vivido. Portanto, sugerimos projetos sobre a Identidade, autoconhecimento, relações sociais individuais e diversidade. Esses projetos terão por objetivo perceber, valorizar semelhanças e diferenças; respeitar as diversidades. Os temas geradores desses projetos poderão ser o Eu, Minha História, Minha Família, Meu Lugar, Minha Cultura. Esses temas poderão dialogar com a questão racial, desvelando a identidade racial em relação à origem étnica da família; identificar as tradições familiares sejam elas africanas, europeias, indígenas, orientais; verificar se essas tradições já foram reinventadas pelo contato com outras tradições culturais; estabelecer semelhanças e diferenças entre elas. REFERÊNCIAS BONIN, Iara Tatiana e GOMES, João Carlos A. Representações eurocêntricas ensinando sobre gênero e etnia em livros didáticos de história - Ensino Médio. In: VII Seminário de Pesquisa em Educação da região Sul. Itajaí: Univali, p. 1-13, 2008. CANDAU, Vera Maria (Org.). Diferenças culturais e educação: construindo caminhos. Rio de Janeiro: 7 Letras , 2011. CANDAU, Vera Maria (Org.). Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Educação & Sociedade, v. 33, n. 118, p. 235-250, 2012. MUNDURUKU, Daniel. As serpentes que roubaram a noite e outros mitos. Coleção Memórias Ancestrais Povo Munduruku. São Paulo: Peirópolis, 2001. MUNDURUKU, Daniel. Meu vô Apolinário: um mergulho no rio da (minha) memória. São Paulo: Studio Nobel, 2001. MUNIZ, Sodré. Multiculturalismo. Rio de Janeiro: DPeA, 1999. ZAMBONI, Ernesta; BERGAMASCHI, Maria Aparecida. Povos Indígenas e Ensino de História: memória, movimento e educação. 17. COLE, 2009. Disponível em: http://www.alb.com.br/anais17/txtcompletos/sem12/COLE_3908.pdf. http://www.alb.com.br/anais17/txtcompletos/sem12/COLE_3908.pdf UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 47 Aula 13_Racismo estrutural, intolerância religiosa e arte religiosa afro-brasileira Palavras-chave: racismo estrutural; preconceito; intolerância religiosa; racismo religioso; arte religiosa afro-brasileira. No livro “Casa Grande e Senzala”, Gilberto Freire afirma que não houve discriminação no Brasil, na relação senhor do engenho e escravo, ao contrário, houve uma relação de amizade e democracia racial. A pesquisadora Lilian Schwarcz confirma a visão de Freire, ao mencionar sobre “democracia racial”, (Schwarcz, 1998, p.178), no entanto, sabemos que a realidade foi totalmente outra. O preconceito econômico é outro fator de segregação social. O sistema capitalista impõe a mais valia, ou seja, para que um ganhe é necessário que outro perca. Isso contribui para a situação de empobrecimento em nossa sociedade. Vale destacar, que as camadas mais abastadas economicamente são de cor branca. Portanto, a superioridade dos brancos em relação aos negros é evidente e impõe uma ética de que os negros e pardos são irresponsáveis, portanto, não conquistam ou não acessam os bens de consumo. Essa ética é histórica em relação aos negros e índios, durante a colonização do país. Cristovam Buarque diz: "O avanço técnico integrou os países e as pessoas do planeta, mas dividiu- os socialmente (...). A apartheid renasceu com outra forma, e em dimensão planetária, mas com o mesmo propósito: garantir, por meio da exclusão das grandes massas, os privilégios que não podem ser distribuídos para todos" (Buarque. 1999 p.25, 26). Ou seja, os preconceitos surgem em um contexto de exclusão e de racismo estrutural e são eles que retroalimentam este contexto social. O jurista e doutor Silvio de Almeida (2018), explica como o racismo é normalizado na sociedade, em três principais aspectos estruturais: da economia, da política e da subjetividade. Ele cita exemplos desta naturalização do racismo, como os impostos serem proporcionalmente maiores para mulheres negras (devido aos menores salários e a tributação por consumo), os maiores índices de feminicídio em mulheres negras, o alto número de assassinatos nas periferias de jovens negros, a ausência de pessoas negras em determinados espaços, como Congresso, Tribunais, Novelas, mesmo sabendo que mais de 50% das pessoas se declaram negras. Assim, na visão do UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 48 jurista, a transformação social passa necessariamente pelo combate ao racismo estrutural e pelo fim dos privilégios dos brancos. Intolerância religiosa e a arte religiosa afro-brasileira As religiões afro-brasileiras e as indígenas são praticadas por grupos que historicamente sofreram (e ainda sofrem) discriminação e perseguições políticas. Há relatos, no período do Brasil Colonial, de perseguições aos cultos afros, com acusação de “bruxaria”, semelhante aos tempos da Inquisição Católica. Alguns boletins de ocorrência elaborados pela polícia, relatam quando invadiam os terreiros para prender pessoas com a acusação de prática de curandeirismo. Os preconceitos não ficaram restritos a isso, sabe-se que estrangeiros que estiveram no Brasil, nesse período, descreveram festividades, processões e cultos afro-brasileiros. Tais relatos enfatizaram que não eram semelhantes às religiões cristãs e suas culturas se transmitiam oralmente. A arte religiosa afro-brasileira é eminentemente uma arte conceitual que exprime valores coletivos, mesmo quando os artistas que a praticam parecem se destacar como indivíduos com seus estilos pessoais perfeitamente reconhecíveis. Essa arte produz, por meio de um conjunto de objetos modelados, um sistema de ideias, de tal modo que ideias e objetos possam se expressar mutuamente enfatizando a inseparabilidade existente entre eles. A ideia religiosa não se “objetiva” na peça artística e nem esta é uma mera “função” do religioso. São antes linguagens diferentes que expressam planos complementares de significados, ou seja, são fatos sociais estético-religiosos. Por isso, insiste-se em que essa arte, apesar da influência da arte ocidental, dificilmente pode ser entendida como “arte pela arte”, por sua complexidade epistêmica que é atravessada por valores culturais, antropológicos, estéticos, litúrgicos, filosóficos etc. Outro aspecto importante é não classificarmos negativamente essas manifestações estético-religiosas como exemplos de um mundo pré-moderno, primitivo, exótico, animista e fetichista em contraste com a modernidade e seus valorizados movimentos artísticos, acadêmicos ou não, e suas religiões hegemônicas. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 49 Nesse sentido, a arte religiosa afro-brasileira mantém viva uma concepção de cultura e natureza como dimensões não opostas. Um artesão ao esculpir namadeira um oxê (machado) de Xangô que depois será sacralizado pelo banho de folhas, não atribui anima (alma) há algo supostamente inanimado. Na arte religiosa afro-brasileira, o corpo possui importância, pois é nele que se substancia o sagrado e o humano, a cultura e a natureza, o indivíduo e a encruzilhada. O mundo invisível divinatório pertencente aos ancestrais e aos deuses retorna a terra, a partir do transe durante o ritual. Todos os sentidos do corpo são valorizados nas religiões afro-brasileiras. Os diferentes elementos, como: cores, texturas, música, rezas, vestuários, culinária aguçam os sentidos de seus protagonistas e são igualmente importantes. Ou seja, apesar da riqueza cultural e artística presente nas religiões de matriz africana, a intolerância religiosa fomentada pelo racismo religioso ainda prejudica a sua existência e prática religiosa. Este preconceito é antigo. No período colonial, o sincretismo religioso serviu como forma de resistência, vinculou cada orixá a um santo católico, devido à imposição do catolicismo aos povos negros. Os Deuses da Natureza relacionam os quatro elementos essenciais: água, fogo, terra e ar. Iansã é considerada a orixá rainha dos ventos, Oxum, orixá da água doce, Xangô, senhor da justiça, domina os trovões e os raios. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Silvio. O que é Racismo Estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. BUARQUE, Cristovam. O que é apartação: a apartheid social no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999. MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: CONTEXTO, 2007. (Person) SCHARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In: Fernando A. Novais, (org.). História da vida privada no Brasil, v. 4, Contrastes da intimidade contemporânea, organizado por Lilia Moritz SCHWARCZ. São Paulo: Companhia das Letras, p. 173-244. SILVA, Vagner Gonçalves da. ARTE RELIGIOSA AFRO-BRASILEIRA: AS MÚLTIPLAS ESTÉTICAS DA DEVOÇÃO BRASILEIRA. Disponível: http://antropologia.fflch.usp.br/sites/antropologia.fflch.usp.br/files/u127/arteafro.pdf. Acesso: 28 mar. 23. http://antropologia.fflch.usp.br/sites/antropologia.fflch.usp.br/files/u127/arteafro.pdf UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 50 Aula 14_Desafios da Lei 11.645/08 Palavras-chave: Lei 11.645/08; história e cultura indígena; Casé Angatu. O texto a seguir é um trecho do artigo Descolonizar o conhecimento e o ensino para enfrentar os desafios na aplicação da lei 11.645/2008: por uma história e cultura indígena descolonial! de autoria do prof. dr. Carlos José Ferreira dos Santos - Casé Angatu, grande intelectual e liderança indígena brasileira. O objetivo deste material de aula além de apontar os desafios da implementação da Lei 11.645/08 é destacar e preservar a voz de um educador e intelectual indígena, que há anos se dedica a defender o ensino da história e da cultura indígena em uma perspectiva crítica e descolonizadora. O artigo abaixo faz parte do livro digital A lei 11.645/08 nas artes e na educação: perspectivas indígenas e afro-brasileiras, publicado no ano de 2020 pela ECA/USP: “É comum ouvirmos entre as objeções apresentadas pelos educadores para a implementação do estudo das Histórias e Culturas Indígenas a argumentação de que: “não existe material didático relativo à temática indígena”. Outros profissionais da área de ensino apontam que “os índios só aparecem nos dois primeiros capítulos dos livros didáticos como antes e depois do 'descobrimento' e em seguida submergem”. Existem educadores que assinalam a permanência do imaginário apontando “os indígenas apenas como vítimas, sendo exterminados e/ou integrados à sociedade nacional”. Deste olhar decorre a idealização dos “índios como os bons selvagens do século XVI”. Deriva também a leitura de que os mesmos não “adaptaram-se à sociedade, sendo substituídos pela ‘mão-de-obra’ escrava negra e, posteriormente, pelos imigrantes europeus, existindo índios somente na floresta amazônica”. Por fim, aparece a constatação da falta de formação acadêmica durante a graduação sobre Histórias e Culturas Indígenas levando muitos a indagarem: “o que devo mesmo lecionar sobre os Povos Indígenas?” Como analisamos antes, a inclusão do estudo das Histórias e Culturas Indígenas é, em grande parte, fruto da luta e reivindicações do Movimento Indígena. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 51 Por isto pensamos que o aspecto tardio da Lei 11.645/2008 não foi fruto somente de um descuido conceitual. Como analisam os autores, a colonialidade que produz o epistemicídio ou o racismo epistêmico não é fruto do acaso e tem profundas relações com as estruturas políticas, econômicas e socioculturais. Aventamos: só tardiamente observou-se que faltava uma especificação sobre este conteúdo na formação escolar brasileira por tratar-se de uma discussão que também envolve o direito originário indígena à terra. Este direito dos Povos Originários, por sua vez, tem gerado conflitos em diferentes regiões brasileiras e a morte de indígenas, como observamos anteriormente pelos dados do Conselho Indigenista Missionário - CIMI (2015). Acreditamos que este é um dos componentes fundamentais que constituem os motivos relativos às dificuldades para a implantação da Lei 11.645/2008. Nesta direção, acreditamos que as análises de Larissa Viana no texto Democracia Racial e Cultura Popular - debates em torno da pluralidade cultural, ao discutir criticamente os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs , também são válidas para a Lei 11.645/2008: (...) fortalecer a cultura de cada grupo social, cultural e étnico [como] condição básica para o fortalecimento da igualdade e da democracia. À perspectiva adotada pelos PCNs, podemos acrescentar uma advertência importante, sugerida por E . P. Thompson, para quem o termo cultura não deve distrair nossa atenção dos conflitos e contradições sociais e culturais existentes no interior da sociedade. A pluralidade cultural tem muito a contribuir se ampliarmos o enfoque do respeito entre os diferentes grupos étnicos e culturais (...), e valorizarmos também as situações de ensino e aprendizagem que contemplam a possibilidade de pensar sobre as situações de desigualdade e a necessidade de mudanças sociais. (Abreu, 2003, p. 113) Outro motivo que, na nossa análise, tem dificultado a viabilização da Lei 11.645/2008 é: a lei não mencionou em seu texto a obrigatoriedade dos cursos superiores, especialmente os de formação de professores, em efetivar “o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Aqui cabe questionarmos quantos são os cursos que possuem disciplinas e/ou conteúdo específicos sobre as Histórias e Culturas Indígenas voltados para a formação dos futuros professores? Pensando UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 52 nos cursos de licenciatura em história: será que os mesmos só tratam da questão indígena como um tópico das disciplinas Brasil Colônia e História da América? Assim, concordamos com as análises de Dennis de Oliveira ao realizar criticamente, em 2013, um balanço dos dez anos da Lei 10.639/2003 e dos então cinco anos da Lei 11.645/2008. Segundo Oliveira, o panorama não era animador dois anos atrás e, mesmo considerando alguns avanços, ainda continua desanimador. De acordo com Oliveira (2013), nos cursos superiores existe “resistência em implantar esses conteúdos nos seus currículos”. Como consequência são poucos os educadores “formados para dar conta das exigências da legislação e também” para “criar uma massa intelectual crítica” para a aplicação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. Soma-se a este aspecto dois outros, segundo o autor: - O sucateamento do ensino público no qual se concentra a maior parte docorpo docente mais engajado politicamente coloca, muitas vezes, essa discussão fora das prioridades da agenda política do movimento (...). - (...) O atendimento a uma demanda garantida em lei fica na dependência de iniciativas e do voluntarismo de militantes, desobrigando o poder público. Sintomático que em vários planos de Educação em nível municipal e estadual – e até mesmo a primeira versão do Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE), que distribuiu verbas federais para municípios melhorarem suas estruturas educacionais – não se colocam ações necessárias dos poderes públicos para a aplicação da lei. Incluímos a estes itens a própria configuração do enunciado da Lei 11.645/2008, que estabeleceu “as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Consideramos estas palavras reveladoras da maneira generalizadora como são apresentadas as Histórias e Culturas Indígenas, Afro-Brasileiras e de outras parcelas da população. Num texto publicado em 2003, cerca de cinco anos após os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, Rebeca Contijo (2003, p. 65) salienta que: Um aspecto que precisa ser mencionado diz respeito à ausência, nos PCNs, da noção de ambigüidade cultural, da noção de que não existe absoluto em termos culturais. Algo como o indígena, o africano, o UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 53 europeu, o asiático etc., como aparece nos PCNs, evidencia muitos problemas. Pensamos que a mesma crítica vale para o enunciado da Lei 11.645/2008, que pode conduzir os educadores a procurar uma visão generalizante das Histórias e Culturas dos Povos Indígenas, partindo de idealizações e/ou concepções padronizadas sobre quem foram e são os índios brasileiros. Quando tratamos de indígenas precisaríamos da percepção de que são Povos que possuem alguns traços culturais e histórias em comum, mas também diferenciações. Para dimensionarmos um pouco desta necessidade conceitual de percebemos a diversidade dos Povos, vejamos o que escreve Darcy Ribeiro tratando da frente atlântica do território brasileiro quando da chegada dos portugueses em 1500: Os grupos indígenas encontrados no litoral pelo português eram principalmente tribos de tronco tupi que, havendo se instalado uns séculos antes, ainda estavam desalojando antigos ocupantes oriundos de outras matrizes culturais. Somavam, talvez, 1 milhão de índios, divididos em dezenas de grupos tribais, cada um deles compreendendo um conglomerado de várias aldeias de trezentos a 2 mil habitantes (Fernandes 1949). Não era pouca gente, porque Portugal àquela época teria a mesma população ou pouco mais. (Ribeiro, 1995, p. 31) Esta diversidade étnica na atualidade, conforme os dados censitários do IBGE de 2010, continua expressiva. Novamente como assinalam os números, são, aproximadamente, 305 etnias indígenas no Brasil, falando cerca de 274 línguas. Manuela Carneiro da Cunha (2013) analisa da seguinte forma estes dados: O Brasil não é só megadiverso pela sua grande diversidade de espécies, ele também é megadiverso pelas sociedades distintas que abriga. (...) Esse sócio diversidade é, segundo Lévi-Strauss, um capital inestimável de imaginação sociológica e uma fonte de conhecimento. Um mundo sem diversidade é um mundo morto. Pensamos que para o estudo das Histórias e Culturas Indígenas é necessária a percepção de sua pluralidade e os limites das interpretações presentes na historiografia, antropologia, literatura, linguística e em outras áreas do conhecimento. No entanto, lendo a Lei 11.645/2008 percebe-se que a mesma possibilita uma noção de história e cultura indígena num sentido absoluto, unificador e genérico. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 54 Ou seja, acreditamos que não existe somente uma História e Cultura Indígena possível, mas várias Histórias e Culturas Indígenas admissíveis. Da mesma forma, são variadas as possibilidades de recortes temáticos, socioespaciais, fontes, metodologias e orientações teóricas. Não estamos negando a possibilidade da existência de dimensões históricas e culturais comuns nas trajetórias dos Povos Indígenas, mas ressaltando a necessidade da percepção da diversidade e dos limites dos estudos realizados, sendo eles indígenas ou não. A título de exemplificação, os próprios colonizadores, incluindo as ordens religiosas, utilizaram-se da diversidade e divergências existentes entre os Povos Indígenas para estabelecerem sua “ocupação” ou “invasão” territorial. Elaboravam e reelaboravam suas atuações dependendo das diferenciadas dinâmicas das populações indígenas.” REFERÊNCIAS SANTOS, Carlos José Ferreira (Casé Angatu). Decolonizar o conhecimento e o ensino para enfrentar os desafios na aplicação da lei 11.645/2008: por uma história e cultura indígena decolonial!. IN: SUZUKI, Clarissa; MATTAR, Sumaya; PINHEIRO, Maria de Paula. A lei 11.645/08 nas artes e na educação [recurso eletrônico]: perspectivas indígenas e afro-brasileiras. São Paulo: ECA-USP, 2020. Disponível em: https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/view/525/463/1803 . Acesso em: 28 mar. 2023. (p. 38 a 73). https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/view/525/463/1803 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 55 Aula 15_Políticas públicas e outras epistemologias Palavras chave: políticas públicas; monocultura; diversidade curricular; outras epistemologias. O texto a seguir compõe a tese Outras memórias, outras histórias: contra colonialidade e o saber como construção coletiva e emancipatória na educação antirracista das artes de autoria da profa. dra. Clarissa Lopes Suzuki, defendida no ano de 2022 na Universidade de São Paulo: Desde o princípio da história do Brasil, com a invasão das terras dos povos originários pelos colonizadores, travam-se disputas pelo legado artístico, cultural e educacional que foi sendo tensionado com a imposição de valores éticos e estéticos europeus. E, apesar dos cruzamentos entre culturas, estabeleceu-se um processo de invisibilização dos sujeitos e dos seus saberes, principalmente daqueles marginalizados pelo conceito de raça, como os povos negros e os povos indígenas. Essa estratégia colonial foi nomeada pelos autores decoloniais como colonialidade do ser. A invisibilização desses povos promove, além de apagamentos sociais – individuais e coletivos –, a manutenção da ideologia da monoculturalidade e, portanto, da monoepistemologia – que sustenta os epistemicídios –, pois é a ideologia hegemônica eurocentrada que continua prevalecendo nos espaços sociais institucionalizados, como escolas e universidades. Segundo Sueli Carneiro (2005), a educação é um locus fundamental para que os epistemicídios se reproduzam e se mantenham como estratégia de exclusão e invisibilidade daqueles que não se enquadram na normatividade exercitada pela hegemonia branca, patriarcal e ocidental. Não obstante todo o projeto de extermínio das existências dos povos negros e indígenas, as resistências se mantêm no exercício social e político, através de seus modos e filosofias de vida compartilhados: no xirê dos terreiros, nas rodas de samba, nos bailes funks, nos porancys, nas igrejas, nos churrascos de laje, nas aldeias, dentro das escolas, nas calçadas e encruzilhadas, por meio das políticas de ação afirmativa. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 56 Frente a esse contexto, as políticas públicas afirmativas são mecanismos fundamentais de garantia e de manutenção dos direitos básicos da população. Quanto ao que atravessa as questões étnico-raciais e a educação antirracista, as leis 10.639/03 e a 11.645/08 nos convocama buscar formação e problematizar algumas práticas racistas. São possibilidades de democratizar epistemologicamente os espaços educacionais tanto quanto estratégias de institucionalização de combate ao racismo. Não é segredo para ninguém que os conhecimentos legitimados nas salas de aula relacionam-se quase sempre a valores civilizatórios eurocêntricos e/ou estadunidenses, havendo praticamente nenhuma referência às epistemologias/cosmologias que revelam outras formas de criação e produção na educação e nas artes. Portanto, aponta-se a necessidade de explorar outras estratégias e saberes educativos que tratam da educação como cultura e da cultura como educação, para que os professores possam criar/experimentar novas pedagogias que promovam o necessário exercício da alteridade na prática da diversidade. E, dessa forma, não estamos culpabilizando as professoras e os professores que têm iniciativas individuais e emancipadoras nas escolas, apesar de todas as adversidades enfrentadas nos cotidianos escolares, mas problematizando a ausência de políticas públicas de formação e a falta de condições materiais para que esse outro projeto educativo se concretize. Nessa toada, precisamos pensar a educação para além de algo circunscrito, conduzida somente por discursos culturalistas, mas articulada, isto sim, a políticas públicas e engajamento político de todos nós – pesquisadores, professores, sociedade –, já que a formação de professores e a revisão curricular relacionadas às populações negra e indígena constituem um direito ao acesso à diversidade de todos os grupos sociais. O desafio é compreender como articular o que acontece dentro e fora da escola em uma perspectiva crítica e intercultural, que recorra à inclusão e à quebra de paradigmas éticos e estéticos. A obrigatoriedade legitimada pela Lei 11.645/08 é necessária e existe em decorrência da luta histórica dos movimentos sociais para garantir não somente a representatividade de mais de 50% da população, que comprovadamente não vinha UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 57 sendo reconhecida, mas, também, para que passasse a figurar nos discursos e nos materiais que regulamentam o ensino oficial. Convém ainda lembrar que existe a constatação de que grande parte dos materiais didáticos usados e os discursos articulados na Educação Básica e no Ensino Superior, responsáveis pela transmissão da ideologia da classe dominante, têm informações equivocadas e registros estereotipados, traduzindo preconceitos, falta de representatividade e invisibilidade social (Silva, 2004). Desde a década de 1990, as pesquisas da professora Ana Celia da Silva são uma referência para refletirmos sobre as teorias de branqueamento e de democracia racial nos sistemas educacionais articulados pela adoção de livros didáticos. Em suas pesquisas de mestrado e doutorado, a autora analisou a representação do negro nos livros didáticos e, apesar de identificar mudanças positivas nessas formas de representação em materiais didáticos ao longo dos anos, por meio de suas pesquisas e de outras autoras e autores (ver Silva, 2004), a maioria dos livros ainda não representa a alteridade e a diversidade humana de forma positiva. Nos limites do Ensino Superior, podemos citar, como exemplo, as pesquisas de Grosfoguel (2016, 2010) sobre a estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas, em que aponta que o monopólio e a legitimidade do conhecimento produzido por homens ocidentais sustentam estruturas e instituições que reproduzem o racismo/sexismo epistêmico. Inspirado pela crítica de Enrique Dussel à filosofia cartesiana e pela crítica de Boaventura de Sousa Santos às estruturas de conhecimento hegemônicas, declara que “as estruturas epistêmicas contemporâneas estão baseadas em homens ocidentais de cinco países (França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e Itália)” (Grofoguel, 2016, p. 26), ou seja, uma limitação cognitiva forjada pelo senso do “universalismo”: projeto colonial e patriarcal mantido desde o século XVI. O autor não se limita ao apontamento crítico e propõe ações para a descolonização das universidades ocidentalizadas com o objetivo de elas se transformarem em “pluri-versidades decoloniais”. Estamos falando de uma única história, constituída por muitas memórias invisibilizadas pelos genocídios e epistemicídios, estamos falando daquilo que promove a destruição e/ou desqualificação da cultura do dominado, justificando a UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 58 hegemonização cultural da modernidade ocidental (Carneiro, 2005). Porém, outras histórias e memórias existem e precisam ser preservadas e narradas pelos próprios sujeitos. REFERÊNCIAS SUZUKI, Clarissa. Outras memórias, outras histórias: contra colonialidade e o saber como construção coletiva e emancipatória na educação antirracista das artes. 2022. Tese (Doutorado em Artes) – ECA/USP. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/tde-10012023- 101813/publico/ClarissaLopesSuzukiVC.pdf. Acesso em: 28 mar 23. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/tde-10012023-101813/publico/ClarissaLopesSuzukiVC.pdf https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/tde-10012023-101813/publico/ClarissaLopesSuzukiVC.pdf UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 59 Aula 16_Sugestões didáticas Palavras-chave: recursos de aula; filmes; Lei 10.639/03; Lei 11.645/08. Sendo o Brasil uma sociedade multicultural e pluriétnica é dever da escola promover no espaço educativo a valorização da diversidade étnico-racial. Para tanto, a efetiva inserção da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena no currículo é urgente e necessária. (IFSP, 2017) Assim, compartilhamos aqui algumas atividades que compõem um documento criado pelo o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas do IFSP - NEABI/IFSP, que “apresenta sugestões de conteúdos didáticos para utilização prática em sala de aula, abordando as relações étnico-raciais, a cultura e a história de negros e índios como um todo. Esses conteúdos partem da indicação de filmes, que tratam direta ou transversalmente os temas citados. Cada indicação de filme acompanha uma sugestão de prática pedagógica elaborada por membros do NEABI- IFSP e por pesquisadores e pesquisadoras de outras instituições convidados a colaborarem.” (IFSP, 2017). Filmes Sugestão de atividades A cor púrpura Ficha Técnica Gênero: drama Título original: The Color Purple. Tempo de duração: 2h34min. Ano e país de lançamento: 1985, EUA. Direção: Steven Spielberg Sugestão de atividade pedagógica Tema: A Dignidade Humana. Público-alvo: Ensino Médio, Ensino Profissionalizante, EJA e Cursos Superiores. Objetivos: Analisar as diversas faces do preconceito e os conflitos étnico-raciais. Debater as condições da mulher negra escrava. Didática •Assistir ao filme A Cor Púrpura (cerca de 2h30 minutos). •Organizar roda de conversa sobre o filme. •Construir cartazes representando pontos centrais abordados no filme. Faça a coisa certa Ficha Técnica do Filme Gênero: drama Título original: Do the Right Thing. Tempo de duração: 120min. Ano e país de lançamento: 1989, EUA. Direção: Spike Lee Sugestão de atividade pedagógica Tema: A condição do negro e os conflitos étnico-raciais. Público-alvo: Ensino Médio, Ensino Profissionalizante, Ensino Fundamental anos finais, EJA e Cursos Superiores. Objetivos: Analisar as diversas faces do preconceito e os conflitos étnico-raciais. Debater as condições de subemprego e de violação de direitos dos negros e afrodescendentes. Didática: •Assistir ao filme Faça a Coisa Certa (cerca de 120 minutos). UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 60 •Organizar roda de conversa sobre o filme. •Construircartazes representando pontos centrais abordados no filme. Vista minha pele Público-alvo: Ensino Médio Gênero: Ficcional Educativo Título original: Vista Minha Pele Tempo de duração: 24 min Ano e país de lançamento: Brasil, 2003 Direção: Joel Zito Araújo Objetivos: - Compreender os mecanismos de discriminação racial que afetam as crianças e jovens negros nos espaços educativos; - Discutir a construção das relações raciais no Brasil; Refletir acerca do papel da escola na construção de representações sociais positivas acerca do segmento negro, bem como de sua história e cultura. Materiais necessários: - Sala que possibilite a disposição do espaço em roda; - Projetor multimídia; Cafundó Ficha Técnica do Filme Gênero: ficção Título original: Cafundó Tempo de duração: 102 min. Ano e país de lançamento: 2005, Brasil. Direção:Paulo Betti, Clóvis Bueno Sugestão de atividade pedagógica Tema: Raízes da arte brasileira Público-alvo: a partir de 15 anos. Objetivos: refletir sobre a importância da influência africana na formação da cultura e da arte no Brasil. Materiais necessários: imagens impressas de obras dos artistas: Mestre Didi, Carybé e Rubem Valentim, histórias mitológicas impressas, papel canson, giz de cera, lápis de cor, caneta hidrocor, lápis, tinta guache e pincéis. Métodos ou procedimentos de ação: Passar o filme Cafundó para os alunos, em seguida dividir os participantes em grupos e entregar para cada grupo uma passagem da mitologia dos orixás previamente selecionada. Pedir para cada grupo ler o texto recebido e depois conversar entre si procurando fazer relações com o filme. Os grupos devem expor para os demais o que foi conversado, nesse momento é necessário uma mediação do professor, contextualizando a importância da matriz africana para a formação do Brasil. Em seguida, distribuir para os grupos imagens de obras dos artistas: Mestre Didi, Rubem Valentim e Carybé. Os grupos devem analisar as imagens e debater como as referências vistas no filme e nos textos mitológicos aparecem nas obras dos artistas. Os alunos então devem produzir algo sobre o repertório simbólico trabalhado durante a atividade, cada um pode escolher a linguagem que prefere trabalhar, logo precisam decidir se irão pintar, desenhar ou escrever um texto. Possibilidades de avaliação ou produção de resultados: Por fim cada um deve mostrar para os demais sua produção. Finalizar com uma conversa geral em círculo sobre a atividade. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 61 Cartas para Angola Gênero: (ficção/documentário) documentário Título original: Cartas para Angola Tempo de duração: 1h20 Ano e país de lançamento: 2011, Brasil Direção: Coraci Ruiz e Julio Matos Sugestão de atividade pedagógica Tema: Brasil e Angola Público-alvo: Alunos de Ensino Fundamental anos finais e Ensino Médio. Objetivos: Discutir semelhanças entre países de língua portuguesa Materiais necessários: apresentação do filme ou de trecho do filme (de 23’ a 25’30) Possibilidades de avaliação ou produção de resultados: - para o filme todo: debate; organização de argumentos e listagem de pontos de semelhança e diferenças entre os países; produção de texto sob o ponto de vista de diferentes personagens do filme; redação de carta endereçada a alguém em Angola - para o trecho selecionado do filme: discutir a sonoridade do português angolano; discutir a poeticidade do uso de ‘melar’; experimentar brincar com a língua, produzindo microtextos sobre as relações possíveis entre Brasil e Angola; fazer um sarau de leitura de poemas. Vênus Negra Gênero: (ficção/documentário) drama Título original: Vénus noire Tempo de duração: 2h46 Ano e país de lançamento: 2010, Bélgica, França, Tunísia Direção: Abdellatif Kechiche Sugestão de atividade pedagógica Tema: Ciência e Racismo Público-alvo: Alunos de Ensino Médio. Objetivos: Discutir o surgimento de discursos legitimadores do racismo e do preconceito, via ciência, Materiais necessários: apresentação do filme ou de trecho do filme (de 1h34 a 1h53) Possibilidades de avaliação ou produção de resultados: debate; organização de argumentos e listagem de discursos racistas e preconceituosos; produção de texto sob o ponto de vista de diferentes personagens do filme; redação de carta endereçada aos cientistas do filme ou à protagonista. Uma lição de discriminação Gênero: Documentário/ Legendado Título original: A lesson in discrimination Tempo de duração: 42 min Ano e país de lançamento: Canada, 2006 Direção: Lucie Payeur; Produção: Societé Radio- Canada, Sugestão de atividade pedagógica Tema: Cesta de ideias Público-alvo: Objetivos: jovens e adultos Materiais necessários: uma cesta pequena Métodos ou procedimentos de ação: 1. Antes do documentário: Escrever as seguintes perguntas na lousa ou ditá-las; dividir a sala de tal forma que cada aluno responda uma das questões. Determinar um tempo para os alunos respondê-las individualmente em uma folha de caderno e sem identificar-se, deverá dobrar a folha e colocar na cesta de ideias. Após todos terem finalizados, a professora deverá passar a cesta pela sala de tal forma que todos peguem um papel com resposta de uma das perguntas sobre a discriminação, a questão e resposta deverão ser lidas em alta voz e quem ler deverá dizer se concorda ou não e justificar. Questões: 1. O que é discriminação? 2. Como a discriminação pode afetar um indivíduo? 3. Pode a discriminação ser criada? Se sim, como? 4. Pessoas negras são discriminadas pela cor de sua pele, sabe explicar o porquê? 5. Na sua opinião, a escola colabora para que haja discriminação racial, social ou de gênero? Como? 6. Pode se acreditar que as razões que levam um grupo discriminar outros sejam verdadeiras e impossíveis de serem mudadas? Por quê? 2. Após assistir o documentário: questionar os alunos se alguém mudou sua percepção sobre a UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 62 discriminação. Possibilidades de avaliação ou produção de resultados: Como avaliação dos resultados, pode ser solicitado aos alunos para reproduzir suas percepções sobre essa atividade por meio de uma dissertação. Raça Humana Gênero: Documentário/ Português (Brasil) Título original: “Raça Humana” revela bastidores das cotas na UNB Tempo de duração: 40:42 min Ano e país de lançamento: Brasil, 2009. Direção: TV CÂMARA - Roberto Seabra e SECOM – Sérgio Chacon Sugestão de atividade pedagógica Tema: Cesta de ideias Público-alvo: Objetivos: jovens e adultos Materiais necessários: uma cesta pequena Métodos ou procedimentos de ação: 1. Antes do documentário: •Iniciar uma discussão com a questão: O que são políticas afirmativas? O que você entende por Cotas? • Ouça as respostas e registre-as em papel ou na lousa sem indicar nomes. • Provoque-os à reflexão, questionando o porquê de suas opiniões? • Apresente gráficos do IBGE que apresenta a evolução do número de negros no ensino superior e seu desempenho como aluno. • Retorne à pergunta. O que você entende por cotas? COTAS RACIAIS OU SOCIAIS ESTÃO AMPARADAS POR LEI E DEVEM SER OBEDECIDAS. 2. Após assistir o documentário: Questionar os alunos se alguém mudou sua percepção sobre as políticas de ações afirmativas, cotas. Possibilidades de avaliação ou produção de resultados: Como avaliação dos resultados, pode-se tomar como parâmetros a porcentagem de alunos que mudaram sua percepção sobre o tópico apresentado. KEITA! O legado do Griot Ficha Técnica do Filme Keita! O Legado do Griot Gênero: ficção Título original: Keita! L`héritage du Griot Tempo de duração: 96 minutos Ano e país de lançamento: Burkina Faso, 1996 Direção: Dany Kouyaté Sugestão de atividade pedagógica Tema: A África e as diversas formas de conhecimento. Público-alvo: adolescentes, jovens e adultos. Objetivos: - Reconhecer outras formas de produção do conhecimento - Identificaros conflitos entre modernidade e tradição na África - Identificar a importância da oralidade para algumas culturas - Comparar realidades entre o Brasil e a África Materiais necessários: Datashow/projetor de vídeo, computador ligado à rede. Caso o professor não tenha acesso à rede na escola, poderá baixar o filme em um pen drive previamente, ou solicitar que os alunos vejam o filme em casa para realizar a atividade em sala. Métodos ou procedimentos de ação: Apresentar o filme com uma breve contextualização, comentando sobre o fato de vários países do continente africano serem grandes produtores cinematográficos. Exibir o filme. Após a apresentação, a turma deverá ser dividida em grupos que deverão ficar responsáveis por tarefas determinadas para serem realizadas e compartilhadas com a turma na semana posterior. GRUPO 1: Deverá pesquisar sobre os griots da África Ocidental. Perguntas norteadoras: quem eram os griots? Qual a sua função nas sociedades africanas? Qual a importância dos griots para a UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 63 transmissão do conhecimento na África ocidental? GRUPO 2: Deverá pesquisar sobre a história do Sundjata Keita e do Império do Mali. Perguntas norteadoras: Em que período e região da África ele nasceu? Como era organizada a sociedade em que ele viveu? Qual a importância política de Sundjata Keita na África ocidental? Como os historiadores estudaram a história de Sundjata Keita (quais fontes usaram)? GRUPO 3: Pesquisará sobre a importância da oralidade no Brasil e que grupos construíram sua cultura através da oralidade. Os grupos deverão apresentar suas pesquisas e o professor mediará um debate sobre as diferentes maneiras de construção e de transmissão do conhecimento, com o foco na questão do conhecimento histórico. Possibilidades de avaliação ou produção de resultados: - Pesquisar a relação entre modernidade e tradição nas sociedades africanas. - Pesquisar as diferentes formas de construção e transmissão do conhecimento - Pesquisar de que maneira essas diferentes formas de construção e transmissão do conhecimento foram subjugadas pelo conhecimento científico europeu. - Pesquisar a importância da oralidade para diversas sociedades (africanas, indígenas, etc.) Os resultados das pesquisas poderão ser compartilhados com a comunidade escolar em seminários, exposição de cartazes ou produções .de texto. Espelho, espelho meu Gênero: Documentário Título original: Tempo de duração: 16’52 Ano e país de lançamento: Brasil, 2015, Direção: Jaqueline Barreto Sugestão de atividade pedagógica Tema: Estética negra, autoestima, corpo e cabelo como símbolo de identidade negra e identidade. Objetivo Discutir as dimensões conceituais e práticas relacionadas a estética afro-brasileira afim de exercitar a elaboração de atividades que levem em consideração o redimensionamento de práticas- pedagógicas que valorizem a diversidade étnico- racial, e o respeito à diferença. Material necessário: Datashow/projetor de vídeo, computador ligado à rede, fotografias expostas no espaço da atividade. 1º Momento – Acolhimento- apresentação Proposta e roteiro da oficina Vídeo disparador – Documentário - Espelho, Espelho meu (15min). 2º Momento- Discussão: dimensões e percepções da estética afro-brasileira Breve discussão a estética negra, discriminação racial, movimento de transição capilar. 3º Momento - Vivência Tempo: 25 minutos Atividade 1 - Refletir sobre a identidade, saberes e pensamentos presentes no imaginário do(a) do professor(a) são aspectos necessários à prática docente na perspectiva de construir uma educação antirracista. Os participantes serão estimulados a lembrar e contar a trajetória de vida, os conflitos e tensões da construção de identidade na família, na comunidade e posteriormente na formação docente. Atividade 2 - Em grupos os integrantes deverão pensar numa proposta de intervenção... se colocar UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 64 no lugar de professor, revisitando os momentos de sua infância. Os participantes deverão elaborar um plano de ação (projeto, oficina, aula etc). Algumas sugestões: oficinas de estética negra com desfile e/ou contação de histórias com literatura infantil que valoriza os penteados afros (livros: Betina, As tranças de Bintou, Entremeio sem babado, entre outros). Vídeos complementares: Pode me chamar de Nadi - https://www.youtube.com/watch?v=HNmizIrjQKU O lado de cima da cabeça- https://www.youtube.com/watch?v=1RFvuA0cu60 Cores e botas – https://www.youtube.com/watch?v=Ll8EYEygU0o Diário Preto – Seu cabelo - https://www.youtube.com/watch?v=I7ZtboC3aW8 Kbela - https://www.youtube.com/watch?v=f346SUm2xU4 Pele negra, Máscaras Brancas Ficha Técnica do Filme Gênero: Documentário Tempo de duração: 18’18 Ano e país de lançamento: Brasil, 2015, Direção: Conrado Krainer Sugestão de atividade pedagógica Temas: Descolonização do pensamento, colonialidade, racismo, Linguagem e dominação, relação inter- racial, alienação colonial, subjetividade, branquitude, reconhecimento. Objetivos: Apresentar a análise psicológica e sociológica proposta por Frantz Fanon, que compreende o colonialismo como momento de interrupção do processo de humanização do homem, presente no livro “Pele negra, máscaras brancas” pode ser um possível referencial teórico para se compreender como os sistemas de referências, ofertados pelas escolas, impactam a construção de identidades/ identificações e constituem subjetividades de crianças negras. Materiais necessários: Datashow/projetor de vídeo, computador ligado à rede. Métodos ou procedimentos de ação: O professor/ mediador deverá se apropriar previamente da biografia de Frantz Fanon. No 1o momento, apresentar a biografia do autor e indicar à turma, a leitura da introdução da obra “Pele negra máscaras brancas”, o livro está disponível na internet para baixar em PDF. No encontro posterior, apresentar o filme documentário e o vídeo complementar (esse momento pode ser alterado conforme o perfil da turma e a carga horária. A indicação do livro pode ser feita ao final da atividade, no caso, de oficinas esporádicas. Para grupos que se encontram com frequência, a leitura prévia enriquecerá o processo). Após assistir ao vídeo, abrir para discussão instigando a turma a refletir sobre o conceito de racismo, colonialismo, descolonização do pensamento, representação do negro na literatura e demais sistemas de referências, relações raciais. Disponibilizar imagens que tratem dos temas supracitados e solicitar que os participantes escolham uma imagem, depois elaborem uma legenda e, posteriormente, apresentem ao grupo explicando o porquê daquela imagem dialogar com a teoria de Fanon. http://www.youtube.com/watch?v=HNmizIrjQKU http://www.youtube.com/watch?v=HNmizIrjQKU http://www.youtube.com/watch?v=1RFvuA0cu60 http://www.youtube.com/watch?v=1RFvuA0cu60 http://www.youtube.com/watch?v=Ll8EYEygU0o http://www.youtube.com/watch?v=Ll8EYEygU0o http://www.youtube.com/watch?v=I7ZtboC3aW8 http://www.youtube.com/watch?v=I7ZtboC3aW8 http://www.youtube.com/watch?v=f346SUm2xU4 http://www.youtube.com/watch?v=f346SUm2xU4 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 65 Olhos azuis Ficha Técnica do Filme Gênero: documentário Título original: Blue Eyed Tempo de duração: 93 minutos Ano e país de lançamento: 1996 Alemanha/ EUA Direção: Bertram Verhaag Sugestão de atividade pedagógica Tema: O racismo cotidiano nas escolas. Público-alvo: adolescentes, jovens e adultos. Objetivos: - Reconhecer a especificidade do racismo supostamente cordial nas relações escolares; - Questionar o mito da democracia racial no Brasil; - Identificar as dificuldades pelas quais passam os estudantes negros no Brasil. Materiais necessários: Datashow/projetor de vídeo, computador ligado à rede. Casoo professor não tenha acesso à rede na escola, poderá baixar o filme em um pen drive previamente, ou solicitar que os alunos vejam o filme em casa para realizar a atividade em sala. Métodos ou procedimentos de ação: - Apresentar o filme, contextualizando sua produção e o tema abordado (os EUA na contemporaneidade e a história recente de um sistema de apartheid, que excluiu negros e brancos do convívio social por força da lei até meados da década de 1960). - Exibir o filme. - Após a exibição do filme, dividir a turma em grupos. Cada grupo terá uma tarefa para realizar e, posteriormente, compartilhar com o restante da turma. GRUPO 1. Deverá fazer a narrativa/descrição da história apresentada. Perguntas norteadoras: como foi a história? Como eu poderia contá-la para alguém que não assistiu ao filme? GRUPO 2. Deverá identificar os momentos em que a professora discriminou os personagens de olhos azuis. Perguntas norteadoras: De que maneira a professora ofendeu os alunos? Será que esse tipo de ofensa pode ser considerado uma brincadeira? Quais seriam as consequências desse tratamento na autoestima dos alunos? GRUPO 3. Deverá reconhecer a participação dos personagens negros no filme. Perguntas norteadoras: de que maneira os alunos negros reagem aos procedimentos da professora? Em que medida os alunos negros poderiam interferir na ação da professora? De que maneira os alunos negros são privilegiados pela ação conduzida pela professora? GRUPO 4. Deverá identificar a reação dos estudantes de olhos azuis discriminados pela professora. Perguntas norteadoras: Como os estudantes de olhos azuis respondem aos procedimentos da professora? Quais os sentimentos que eles demonstram ao serem discriminados? Como é a experiência escolar a que estão habituados os estudantes de olhos azuis? Após a discussão interna dos grupos, haverá o compartilhamento dos resultados de cada uma das tarefas com a turma. Possibilidades de avaliação ou produção de resultados: - Pesquisar os índices de escolaridade da população brasileira, comparando os diferentes grupos étnico raciais. - Pesquisar o corpo docente e discente da escola onde o filme foi exibido, identificando a presença dos grupos étnico- UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 66 raciais de acordo com as categorias do IBGE e comparando as proporções entre eles. - Pesquisar estratégias de combate ao racismo nas escolas, com base na Lei 10.639/2003. Os resultados das pesquisas poderão ser compartilhados com a comunidade escolar em seminários, exposição de cartazes ou produções de texto. REFERÊNCIA LOPES, Juliana S. C.; SILVA. Caroline F. J. (orgs). IFSP. NEABI indica: Sugestões de filmes e atividades para abordar a História e Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena na sala de aula. São Paulo: IFSP, 2017. Disponível em: https://www.ifsp.edu.br/images/pdf/NEABI-Indica-N2---2017.pdf. Acesso em: 28 mar. 23. https://www.ifsp.edu.br/images/pdf/NEABI-Indica-N2---2017.pdfestáticos ou animados, digitais ou virtuais, para associações aos atributos historicamente ligados à arte em suas criações. Raymond Loewy (1893-1986), designer francês e responsável pela criação da identidade visual de famosas marcas, como: Shell, Coca-Cola e Lucky Strike, além de atuar como ilustrador em importantes revistas, como: Vogue e Harper´s Bazaar defendeu que a compra de bens e produtos se dá pelo elemento estético. Nesse sentido, a arte empresta seus elementos estéticos para a indústria cultural, para os aparatos das novas tecnologias e aos meios comunicacionais, transformando sua estética híbrida e múltipla. Lúcia Santaella determina que o atual estágio de “cultura das mídias”. Tais processos artísticos e comunicacionais são explicados nos seguintes termos: A coincidência dos meios de comunicação com os meios de produção da arte foi tornando as relações entre ambas, comunicações e artes, cada vez mais intricadas. Os artistas foram se apropriando sem reservas desses meios para as suas criações. Isso se acentuou quando começaram a surgir, por volta dos anos 1970-80, novos meios de produção, distribuição e consumo comunicacionais, instauradores do que tenho chamado de cultura das mídias, que apresenta uma lógica distinta da comunicação de massas. Trata-se de dispositivos tecnológicos que, em oposição aos meios de massa – estes só abertos para o consumo -, propiciam uma apropriação produtiva por parte do indivíduo, como, por exemplo, as máquinas 1 Comunicação de massa é uma expressão usada para designar a disseminação de informações por meio de jornais, rádios, estações de televisão, cinema e Internet, ou seja, é a comunicação transmitida pelos mass media. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 7 fotocopiadoras, os diapositivos, os filmes super 8 e 16 mm, o offset, o equipamento portátil de vídeo, o videodisco interativo etc. Graças a esses equipamentos, facilmente disponíveis ao artista, originaram-se formas da arte tecnológica que deram continuidade à tradição da fotografia como arte.(Santaella, 2005, p. 13). Vale destacar que o advento da fotografia trouxe as mesmas questões e a discussão, na época, se fotografia era ou não arte. A fotografia e sua capacidade de registrar imagens alteraram as técnicas da pintura e da escultura além de impactar a estética artística, como possibilidade de “aprisionar” a luz em suas representações. Nesse momento, os artistas lançam olhares à “subjetividade”, em novas técnicas, novos materiais e o desprendimento de cânones rígidos de representações. Esse percurso marca o Impressionismo, na França, a partir dos anos 1840. Os pintores, preocupados em expor suas sensações e não reproduzir a realidade, semelhante à imagem fotográfica, sugeriu, por exemplo, a investigação de Claude Monet (1840 – 1926) pintar a Catedral de Ruen, em vários horários e ângulos distintos, com o firme propósito de revelar a diferença luminosa em suas sensações e impressões. O Suprematismo Russo, movimento que originou na Rússia, no início do século XX, por volta de 1915, teve como principal característica a composição com formas geométricas elementares, (quadrados e círculos) e surgiu em oposição à fotografia, ao buscar a abstração em áreas geométricas. Nesse período de grandes descobertas, a tecnologia também influencia a arte e a forma de pensar o mundo. Recentemente, o artista Vik Muniz, a partir de materiais diversos, que vão do lixo até pasta de amendoim, representa imagens com estética acadêmica, na justaposição dos materiais. Suas obras possuem grandes dimensões e são produzidas em parceria com catadores de materiais recicláveis do Jardim Gamacho, aterro sanitário desativado do Rio de Janeiro, que gerou o documentário: “Lixo Extraordinário”. Ao final, as suas obras são fotografadas para serem vendidas. Ou seja, o artista produz imagens fotográficas para vender sua obra. Nesse sentido, há uma hibridização entre a fotografia e a arte, como define Santaella, (2003, p. 135). No sentido dicionarizado, ‘hibridismo’ ou ‘hibridez’ designa uma palavra que é formada com elementos tomados de línguas diversas. ‘Hibridação’ refere- se à produção de plantas ou animais híbridos. ‘Hibridização’, proveniente do campo da física e da química, significa a combinação linear de dois orbitais atômicos correspondentes a diferentes elétrons de um átomo para a formação de um novo orbital. O adjetivo ‘híbrido’, por sua vez, significa UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 8 miscigenação, aquilo que é originário de duas espécies diferentes. [...] Em se tratando de arte, são muitas razões para esse fenômeno da hibridização, entre os quais devem estar incluídas as misturas de materiais, suportes e meios. Santaella salienta sobre maneiras pelas quais a hibridização pode ocorrer no domínio da arte. A primeira, identificada a partir do Dadaísmo, onde os materiais adotados não eram dotados de valor artístico, primeiro como forma de destruição da arte, depois como demonstração de criatividade. Na sequência, os espaços artísticos conquistam objetos diversos, que se tornam arte e, por fim, novos elementos somam-se à arte, como a fotografia e o vídeo. No caso do vídeo, destacamos o gênero Documentário, que foi utilizado pela primeira vez na década de 1920. Nessa década, o sociólogo John Grierson, comentou filmes de Robert Flaherty, no jornal The New York Sun e denominou de “nova realidade criativa”. Assim, o Jornalismo investiu e realizou muitos documentários gerando o pertencimento a esse estilo. Atualmente, esse gênero é polêmico e não estabelece fronteiras definidas entre documentário e reportagem jornalística. Em 1970, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, alguns jovens, em atos de rebeldia, deixavam suas marcas nas paredes da cidade. Aos poucos, essas marcas evoluíram com técnicas de desenho e grafismos. O grafite que surgiu dos guetos e do movimento Hip Hop, de uma classe, predominantemente, de pobres e negros, que sofreram diversas opressões, conquistou adeptos em várias regiões. Atualmente, é uma realidade nos grandes centros. Vale destacar Jean-Michel Basquiat, que se tornou célebre, na década de 1980, ao consagrar o grafite como arte. REFERÊNCIA SANTAELLA, Lúcia. Por que as artes e as comunicações estão convergindo? São Paulo: Paulus, 2005. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 9 Aula 03_Arte e Linguagem Palavras-chave: arte; linguagem; expressão. Até o surgimento do Homo Sapiens a permanência da espécie na Terra estava sujeita à capacidade de adaptação do organismo ao meio ambiente. O Homo Sapiens foi capaz de mudar essa relação com o meio ambiente ao desenvolver sua capacidade para emitir sons e associar determinados sons ou gestos a uma coisa ou uma ação. “Assim nasceu o signo, isto é, qualquer coisa que faz referência a outra coisa ou ideia, e a significação, que consiste no uso social dos signos. A atribuição de significados a determinados signos é precisamente a base da comunicação em geral e da linguagem em particular” (Bordenave, 2007, p. 24). De posse de repertórios de signos a humanidade criou a linguagem. Aqui, abordaremos a arte como manifestação de linguagem. Por possuir funções de comunicação e de expressão, a arte pode ser apreendida como expressões internas do artista, semelhante à fala. O artista, ao escrever, ou ao elaborar uma pintura, ou uma escultura, um espetáculo teatral, etc. ele estabelece ao mesmo tempo signos das linguagens, onde o observador, através de seus sentidos, interpretará e perceberá seus conteúdos. Assim, a obra nunca será uma expressão somente do seu criador. A obra expressa, comunica, apresenta e cria conteúdo. Seincman (2008) aborda a relação das manifestações artísticas e detalha sobre a música e a comunicação humana. Entendocomunicação musical como duas palavras inseparáveis por natureza, já que a música é escrita e interpretada em função de sua comunicabilidade, de sua interação com todos os agentes que a realizam enquanto fenômeno material – autores, obras, intérpretes, ouvintes – e imaterial – história, cultura, repertório, visão de mundo. (Seincman, 2008: 69) A obra artística estabelece relação com a materialidade física (visual ou sonora) e se constrói por códigos (linha, ponto, plano, forma, cores, luz, movimentos, som, timbres, etc.) que propiciam a interpretação de seus conteúdos pelo público. Assim, esse processo comunicacional vincula contexto social e cultural em: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 10 abordagem sincrônica e o contexto histórico, abordagem diacrônica, onde a manifestação artística, portanto, da linguagem, ocorre. Bakhtin (2002, p. 70) comenta que “para observar o fenômeno da linguagem, é preciso situar os sujeitos – emissor e receptor do som – bem como o próprio som, no meio social”. Há diferentes linguagens, algumas são verbais, (oral e escrita), outras não verbais (visual, gestual, sonora, cinestésica, tátil, olfativa). A manifestação artística é capaz de estabelecer diversas linguagens, ao mesmo tempo. A dança, por exemplo, é uma linguagem visual (as imagens corpóreas em movimento, figurino, cenário, iluminação, objeto cênico), ainda, sonora (a música e sons produzidos durante a cena), linguagem do gesto (dos movimentos - cinestesia). Não é possível descartar que a dança pode emitir linguagem verbal (oral e escrita), tanto na apresentação do espetáculo, quanto em seu processo de criação (textos sobre o espetáculo, release, críticas, comentários, reportagens, etc.). Quando nos referimos às artes visuais, imediatamente vinculamos elementos da visualidade e elementos táteis como, o desenho, a gravura, a pintura, ou a escultura. Ainda há outras linguagens das artes visuais, como o vídeo, cinema e a fotografia. Esta linguagem artística exige o reconhecimento de elementos da visualidade, como conceitos básicos de composição e não somente isso, se faz necessário sua contextualização histórica. Nessa perspectiva, o ensino das modalidades artísticas é fundamental em dois contextos: na formação do artista e na formação do público fruidor de arte. A educação escolar deve ter como um dos objetivos, a função de transmitir os códigos produzidos por uma determinada cultura e a apreensão destes códigos depende da cultura de cada indivíduo, em seu contexto familiar e social de convívio. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Estética da Criação verbal. São Paulo, Ed.Martins Fontes, 2002. BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é comunicação? São Paulo: Brasiliense, 2006. SEINCMAN, Eduardo. Estética da comunicação musical. 1. ed. São Paulo: Via Leterra, 2008. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 11 Aula 04_Arte e Imagem Palavras-chave: arte; imagem; produção de imagens. A palavra imagem tem sua própria polissemia, ou seja, tem muitos significados, quer dizer muitas coisas: representação, reprodução ou imitação da forma de uma pessoa ou de um objeto, quase sempre, brutalmente, nos noticiários da tevê; ou o conceito que resulta das experiências, impressões, posições e sentimentos que podemos ter em relação à um produto, personalidade, como a imagem dos “famosos”, dos políticos. A área da Psicologia refere-se à imagem como as fantasias humanas carregadas de emoção. Dentre os diversos significados possíveis para a palavra imagem, vamos utilizá-la no sentido de representação visual. A representação é um conceito que vem sendo estudado pela Filosofia desde a Escolástica Medieval, para referir-se a signos, símbolos, imagens e outras formas de substituição. De um modo geral, é compreendida como o processo de apresentação de alguma coisa através de signos. Atualmente, o conceito de representação se encontra no centro da teoria das Ciências Cognitivas, e é compreendido como sendo o próprio conteúdo do pensamento. No nosso curso, compreendemos a representação como a capacidade de evocar, mediante um signo, um objeto ausente ou uma ação não consumada. Por isso as imagens são uma representação. “O homem só conhece o mundo porque, de alguma forma, o representa e só interpreta essa representação em outra representação” (Santaella, 1998, p. 70). Sobre o conceito de representação, vamos voltar à imagem das Mãos, da Cueva de Las Manos, na Patagônia. A sensibilidade visual daquelas pessoas, aliada à capacidade de abstração, deu forma a essas imagens que expressam a percepção que tinham do mundo, o conhecimento que construíram ao se apropriarem simbolicamente do mundo. Capturaram, em imagens, as figuras dos animais em grande tamanho e as figuras humanas em pequeno tamanho. Figuras antropomorfas, dotadas de enfeites, ornatos e atributos que, muito provavelmente, caracterizam essa pessoa no contexto social. Até hoje, ao apreciarmos essas imagens, estamos diante do mistério do mundo e seguimos fazendo perguntas. Qual a relação dessas imagens com o mundo UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 12 que representam? Como elas o representam? Quais são as formas e meios dessa representação? Para responder essas questões, entrelaçamos as informações que a imagem nos oferece, suas características formais, cromáticas, topológicas com nossas próprias informações, nosso conhecimento acerca do objeto, nossas inferências, nossa imaginação. Não sabemos se os hominídeos já falavam ou não, mas temos evidências do uso da linguagem visual. Compreendemos a linguagem como a principal forma do humano emitir significados. Esses sistemas variam de acordo com as necessidades e as experiências da vida em sociedade. A linguagem vincula o conhecimento e a percepção do mundo e os aspectos culturais dos diversos grupos sociais. Temos a linguagem verbal e as linguagens não verbais, bem como outras decorrentes dos inúmeros cruzamentos verbo visuais, audiovisuais, audioverbovisuais. Temos ciência de nosso convívio cultural, “(...) mediado por uma rede intrincada e plural de linguagem: nos comunicamos através da leitura, da produção de formas, volumes, massas, interações de forças, movimentos, somos também leitores e/ou produtores de dimensões e direções de linhas, traços e cores. Enfim, também nos comunicamos e nos orientamos através de imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes. Através de objetos, sons musicais, gestos, expressões. Somos uma espécie animal tão complexa quanto são complexas e plurais as linguagens que nos constituem como seres simbólicos, isto é, como seres de linguagem” (Santaella, 1998, p. 10). Se compreendermos o processo de comunicação como um acontecimento, uma relação entre duas intencionalidades em que ambas participam e extraem de sua participação algo novo, que não estava em nenhuma delas, e que altera o estatuto anterior de ambas, apesar de as diferenças individuais se manterem, podemos identificar alguns elementos desse processo. Há uma realidade na qual a comunicação se realiza, num contexto, pois as pessoas, as intencionalidades, não se comunicam no vazio, elas se localizam em coordenadas espaciais e temporais. Desse modo, o contexto influi sobre o processo do mesmo modo que o processo de comunicar influi no contexto. Temos a intencionalidade, pessoa ou pessoas que desejam partilhar, sejam informações, emoções, sentimentos. Essas pessoas são os interlocutores, aqueles que se comunicam entre si. Em um dado momento, cada interlocutor pode ser a fonte da comunicação e o outro, o receptor. É necessário, porém, que ambos troquem seus UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 13 papéis, pois, senão, teremos apenas uma emissão. O que se deseja compartilhar com ooutro sejam informações, emoções ou sentimentos, é a mensagem. É no processo de comunicação que a mensagem pode ser vista, tocada, ouvida, pois a forma como a mensagem se apresenta, seja por meio de palavras, gestos, movimentos também depende do meio que se utiliza para a comunicação: formas, gestos, volumes, imagens, sons. A Produção de Imagens A compreensão das práticas artísticas como linguagem tem sido uma discussão constante da Estética. Em nosso curso, vamos compreender a Linguagem de modo abrangente, como capacidade de expressão dos seres humanos. Embora se faça uso do termo “linguagem”, lembramos que as regras para a criação nas Artes Visuais, não são exatas e sistemáticas, pois a linguagem nas expressões visuais não tem o caráter normativo da gramática das mensagens verbais. Desse modo, não é possível apontar se determinado elemento, pontos, linhas ou cores, foi usado de forma correta ou incorreta, pois não existe uma gramática normativa que estabeleça o que pode ou não pode ser feito na linguagem visual. A linguagem visual não é um fenômeno natural, ela decorre de certo estágio de desenvolvimento técnico do próprio meio, das pressões socioeconômicas e do debate estético do período histórico. Sobre os mais variados suportes, a humanidade continua representando seu conhecimento e assombro diante do mundo. Não mais sua experiência de enfrentamento com a megafauna, mas sua necessidade de encontrar um caminho no turbilhão de informações do mundo contemporâneo. Esse também é o desafio do professor de Arte, encontrar um caminho, montar um percurso significativo por entre os milhares de imagens produzidas pela humanidade ao longo da sua História. A História da Arte é capaz de evidenciar a manipulação de símbolos visuais das primeiras espécies humanas. Essas primeiras espécies humanas foram as responsáveis pelo desenvolvimento das primeiras tecnologias visuais. Utilizamos a expressão tecnologia visual como qualquer forma de dispositivo desenhado para ser observado e ou para aumentar a visão natural (Mirzoeff, 2003). A humanidade há muito registra sua história, a partir de imagens e para tanto, ampliou em diferentes tecnologias, suportes e técnicas tais registros. A UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 14 obstinação da humanidade para eternizar os momentos de sua vida é tão instigante como a própria capacidade humana de criar as soluções técnicas que permitam manter esses momentos do modo mais fiel possível ao longo do tempo, e as tecnologias visuais também foram desenvolvidas com essa finalidade. O artista inglês David Hockney pesquisou profundamente sobre o tema em seu livro “O conhecimento secreto”. Hockney (2001) concluiu que desde o século XV, os pintores fazem uso de aparelhos ópticos para chegar a esses resultados realistas tão impressionantes. Os Historiadores da Arte têm atribuído essa espécie de “realismo fotográfico” das pinturas flamenga e renascentista ao fato de que, nessa época, estava se codificando a perspectiva, esse modo de representação que, por meio de cálculos matemáticos, produz a ilusão de volume em um plano. Além da codificação da perspectiva, as tentativas para estabilizar a tecnologia visual da tinta a óleo também são outros fatores que interferiram nesse resultado. A tinta a óleo é resultado de uma mistura de pigmento pulverizado e óleo, de linhaça ou papoula. O óleo acrescenta uma superfície lustrosa, um brilho especial à imagem aumentando os efeitos de tridimensionalidade. Outra qualidade da tinta a óleo é seu tempo de secagem mais lento. Em geral, os historiadores da arte concluem que a perspectiva e a tinta a óleo criaram as condições para uma representação fiel, com profundidade, sombras e volumes. As pesquisas de Hockney (2001) indicam que essa espécie de “realismo fotográfico” era conseguida pelos pintores da época com o auxílio da caixa da lente com espelho. A pesquisa de Hockney (2001) não quis colocar por terra, nem desmerecer a habilidade desses pintores, apenas demonstrar a influência de várias tecnologias visuais sobre uma determinada produção. REFERÊNCIAS HOCKNEY, David. O conhecimento secreto: redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes mestres. São Paulo: Cosac & Naify, 2001 MIRZOEFF, Nicholas. Una introducción a la cultura visual. Barcelona: Paidós,. 2003. SANTAELLA, Lúcia. Por uma classificação da linguagem visual. São Paulo: Educ, 1989. SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1998. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 15 Aula 05_Imagem, tecnologia visual e poder Palavras-chave: arte; imagem e poder; Debord; Foucault. As imagens produzidas pelos pintores desse período são imagens quirográficas, ou seja, são imagens produzidas pela mão do artista, pois o prefixo quiro significa aquilo que se relaciona com a mão. Apesar de considerarmos essas imagens como quirográficas, desde o século XV, os pintores utilizavam mais de uma tecnologia visual, não só a pintura a óleo, mas também a caixa com a lente espelho para conseguir as imagens que produziam. As imagens quirográficas são as imagens artesanais, produzidas pela mão do artista. As imagens técnicas são as imagens produzidas por aparelhos. O conceito de imagem técnica foi cunhado pelo filósofo tcheco Vilém Flusser (1920 – 1991). Flusser (1998) defende a ideia de que a produção visual, a produção de imagens, passou por três grandes revoluções ao longo da humanidade. Na chamada pré-história a humanidade usou a sua capacidade de imaginação para desenhar inaugurando a era das imagens. As imagens da pré-história possuíam um caráter mágico. A segunda grande revolução das imagens foi o surgimento da escrita. Para Flusser (1998), quando a humanidade deu forma à escrita, a humanidade adquiriu consciência histórica e essa consciência histórica se sobrepôs ao caráter mágico das primeiras imagens pré-históricas. Repare que para Flusser (1998) o texto escrito também pertence ao mundo das imagens. Flusser (1998) defende a tese de que, com o texto escrito, a experiência da humanidade no mundo tornou-se mais conceitual e mais abstrata. No modelo explicativo de Flusser (1998) a terceira revolução da produção visual acontece no século XIX, com a tecnologia da câmera fotográfica, quando a humanidade começa a produzir as imagens técnicas. As imagens técnicas, segundo Flusser (1998), surgem para ultrapassar os textos, por isso que aparentemente, nós achamos que as imagens técnicas não precisam ser decifradas, decodificadas. Aparentemente qualquer pessoa se sente capaz de decodificar uma fotografia, um filme, um vídeo porque ela considera aquelas imagens como reais, como sendo verdade. Em geral, as pessoas acreditam que a imagem de uma fotografia ou de um vídeo é uma imagem real, o que está ali representado verdadeiramente aconteceu e aconteceu UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 16 daquele modo. Por isso que a maioria das pessoas não olha para as fotografias, ou para os vídeos, como signos complexos que são. Na abordagem de Flusser (1998), para compreendermos verdadeiramente uma imagem técnica, nós teríamos que construir os textos que estão por trás dos procedimentos de quem cria essas imagens e dos equipamentos utilizados para criar essas imagens. Flusser (1998) argumenta que nós estamos tão imersos nesse ambiente de imagens técnicas, e como temos a ingênua impressão de que compreendemos essas imagens, estamos perdendo a capacidade de distinguir entre o que é real e o que é resultado da manipulação das imagens. Essa é a mesma tese do filósofo e diretor de cinema francês Guy Debord (1931-1994). Debord (1997) afirma que as imagens tecnicamente produzidas interferem na capacidade da humanidade “ver e interpretar” criticamente o mundo, e que as imagenstécnicas são a base da alienação da sociedade contemporânea. Debord (1997) defende a ideia de que o excesso de imagens não nos deixa pensar, pois estimula os nossos sentidos a tal ponto que dificulta nosso pensamento. Por isso preferimos a coisa representada na fotografia do que a coisa real. Por exemplo, preferimos a mulher, o homem, o carro representado em uma imagem do que a mulher, o homem ou o carro real. Como diretor de cinema, Debord procurou plasmar as ideias expressas em seu livro, em um documentário com o mesmo título “A Sociedade do Espetáculo”. A partir das interpretações dos autores que apresentamos até este momento, você consegue dimensionar o papel do educador nessa sociedade do espetáculo? Consegue compreender o papel que o educador pode desempenhar aprendendo a ler, a interpretar as imagens técnicas, junto com seus alunos? Imagem e Poder Como foi possível compreender nas aulas anteriores, a comunicação acontece pela linguagem verbal, não verbal e pelos inúmeros cruzamentos verbovisuais, audiovisuais, audioverbovisuais. Nos agrupamentos sociais, também temos os gestos, as reações impulsivas, os comentários picantes, os desejos, os sentimentos e um largo etc. que fazem parte dos atos comunicativos. A comunicação é um processo que, uma vez que se constitui, não se detém enquanto se mantenha a interação que lhe deu origem. A comunicação é um fluxo UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 17 que deixa rastro, que tem uma história, um registro histórico que influi permanentemente no presente. Esse rastro pode ser compreendido como uma trama que todo sistema social começa a construir desde o momento de sua fundação. Desse modo, as estruturas sociais são, ao mesmo tempo, produtoras e produzidas pelo processo comunicativo. O que falamos hoje depende do que falamos ontem e, quando hoje acabamos de falar, teremos modificado ou reconstruído a estrutura sobre a qual começamos a construir o processo comunicativo. Nosso padrão de relações terá se modificado e nosso mundo compartilhado de significados e expectativas, nossa realidade, também será modificada, mesmo que não sejamos conscientes, não prestemos atenção a este fato. A comunicação produz e se fundamenta em símbolos como também produz uma estrutura de relações e se baseia em vínculos que mantêm entre si os participantes do processo de comunicação. Esses vínculos definem a capacidade desses participantes influírem uns sobre os outros. Em função da posição que ocupamos na trama de relações, podemos influir em maior ou menor medida sobre os demais. Essa posição não é estática nem está predeterminada pela classe social. Essa posição está sujeita às contingências do processo comunicativo. Nesse sentido não estamos nos referindo à autoridade, mas sim a um conceito muito mais amplo, que é o conceito de poder. A autoridade é uma das bases sobre a qual se fundamenta o poder. A partir do momento em que duas ou mais pessoas começam a relacionar- se, a interagir, se estabelece, entre elas, algum tipo de dispositivo que regula essa relação, mesmo que, na maior parte do tempo, esses dispositivos mantenham-se subentendidos, de modo implícito, tácito. Compreendemos o poder de tal modo que influencia e afeta o comportamento de outras pessoas. O exercício do poder é complexo. Por exemplo, a criação de um sistema educativo estabelece em certa medida um ato de poder. Se compreendermos o Poder como uma estrutura de relações, a estrutura que se configura pelos posicionamentos relativos dos sujeitos que participam desse sistema e pelas relações de influência que eles mantêm uns sobre os outros, podemos utilizar a metáfora da rede, ou seja, uma rede de influências mútuas entre os participantes no processo de comunicação que configura um sistema social, para conceber a estrutura de poder. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 18 O poder não é a soma dos atos que uns indivíduos realizam com o objetivo de orientar, em algum sentido, a conduta de outros sujeitos, mas, sim, um padrão de relações sociais sob o qual essas ações adquirem determinado sentido. As mesmas ações em um contexto de relações diferentes poderão ter um efeito distinto. O filósofo francês Michel Foucault considerou que não é a força que garante que façamos ou deixemos de fazer algo, não é a força que coage e reprime, mas sim o discurso com que o próprio poder se legitima a si mesmo (Foucault,1986). As imagens também carregam discursos. Imagens que representam mitos, reis, soldados, batalhas, trabalhadores subservientes, e que foram produzidas ao longo da História. Essas imagens estão guardadas, preservadas em Museus, galerias, acervos particulares. São imagens que fazem parte do patrimônio artístico das sociedades e continuam a representar o poder dominante de outra época ainda hoje. Preservam a memória desse poder. Toda e qualquer imagem é produzida a partir de determinado “ponto de vista”, a partir de modos de se conceber o mundo, a partir de posições ideológicas para influenciar aquele que vê. REFERÊNCIAS DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1986. FOUCAULT, Michael. Microfísica do poder Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1979. FLUSSER, Vilém. Ensaio sobre a fotografia. Para uma filosofia da técnica. Lisboa: Relógio d’água, 1998. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 19 Aula 06_Imagem e Discurso Palavras-chave: imagem; discurso; microfísica do poder; Foucault. Finalizamos a aula anterior sinalizando que Foucault (1986) trabalha o conceito de discurso como sendo o processo comunicativo, a prática social que forma sistematicamente o objeto de que se fala. Por exemplo, na medida em que os vários estudiosos sejam filósofos, pedagogos, sociólogos, psicólogos, historiadores pensaram e falaram sobre Arte, contribuíram “para definir aquilo de que fala, de dar- lhe o status de objeto, ou seja, de fazê-lo aparecer, de torná-lo nomeável.” (Foucault, 1986, p.47). Na compreensão de Foucault (1986), o discurso é a base do conhecimento, a versão da realidade que constrói e sobre a qual se apoia. Por exemplo, para construirmos o nosso conhecimento sobre Arte, nos posicionamos nos “discursos sobre a Arte”. Isso quer dizer que todos somos sujeitos de uma determinada época e lugar. Esses dois fatores, tempo e espaço, condicionam nossa forma de nos relacionarmos com a Arte. Compreendemos que os discursos sobre a Arte, o que se fala sobre Arte, têm configurado, têm dado a forma ao modo como se concebe a Arte, as representações que têm sido feitas sobre a Arte e não desvelado o que possa ser a Arte, pois a Arte não é um objeto que possui uma essência em si mesmo, um objeto acabado e fechado em si mesmo, independente de nós que nos propomos a estudá-la. Nosso posicionamento é o de que construímos a Arte, e todas as práticas artísticas, na medida em que pensamos/agimos, na medida em que falamos sobre a Arte. Compreendemos que cada sujeito, em cada época percebe e fixa a realidade vivida com seu modo de ser, de pensar/agir, interpretando seu tempo e espaço, dotando a sua realidade de significações, reinventando tudo o que é presente. Todo poder serve a determinados interesses, mas o discurso do poder nunca se apresenta desvelando esses interesses ao qual serve, ao contrário, o poder se apresenta como natural, universal, verdadeiro, coerente com a História, ajustado às necessidades sociais. Na estrutura social, nas organizações, por exemplo, na Escola, o poder funciona como uma espécie de roteiro que foi escrito ao longo de um processo histórico e, na medida em que seus membros o interpretam, continuam escrevendo-o para que seja interpretado por elesmesmos e por outros membros. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 20 Isso quer dizer que os atos comunicativos em uma Escola podem participar desse jogo de forças e legitimar “desigualdades sociais” em “desigualdades naturais”. Por exemplo: quais são os conteúdos curriculares importantes para que possamos participar das decisões coletivas que nos concernem em nossa sociedade? Qual imagem será selecionada para trabalhar os conteúdos curriculares de Artes Visuais? As imagens que representam o mundo a partir do ponto de vista dos opressores? As imagens que representam o mundo a partir do ponto de vista dos oprimidos? Dos colonizadores? Dos colonizados? Das mulheres? Das crianças? Vamos conhecer a Arte produzida pela cultura europeia ocidental? As manifestações estéticas dos povos africanos e indígenas? Vamos conhecer a Arte do passado? Vamos conhecer a produção artística atual? Nessa compreensão, a estrutura de poder se configura a partir de várias fontes, tantas quantas possam ser utilizadas no processo de comunicação para significar a posição relativa que ocupam os participantes nesse processo. Isso quer dizer que os participantes na comunicação podem utilizar diferentes bases para configurar sua própria posição de poder. A estrutura de poder resultante desse processo de interação não está escrita em nenhuma parte, é invisível, e pode ser utilizada por qualquer membro da organização, não só por aqueles que desempenham uma função gestora ou de responsabilidade na estrutura formal da organização. O poder não está somente no centro da organização, ele está em todas as partes, pulverizado, descentralizado e adota a forma de rede. Nesse entendimento não se discute o poder como tudo ou nada, no qual os sujeitos façam parte do grupo opressor ou do grupo oprimido. Trata-se de um fenômeno que se produz em escalas muito diferentes entre as quais pode não existir, necessariamente, continuidade. Um sujeito pode ser membro de um coletivo oprimido por severas condições socioeconômicas e, ao mesmo tempo, constituir-se um elemento opressor do seu companheiro sentimental e submetê-lo a constrangimentos. Foucault (1986) utiliza a expressão “micropoder” para analisar a natureza do poder na sociedade contemporânea. O micropoder se fundamenta nos significados que impregnam nossa cultura, o “senso comum” e as convenções que regulam nossa atividade cotidiana, nossos pensamentos e desejos. Nesse sentido, esse poder é inevitável posto que não se apresenta como uma força coercitiva, mas, sim, UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 21 construtiva. Aparentemente é o sujeito que decide o que faz, mas o que o sujeito faz está condicionado por meio de dispositivos sutis de socialização e homogeneização ideológica que, apesar da sua complexidade, não são idealizados maquiavelicamente por uma direção opressora, mas, sim, é obra de todo o sistema social em seu conjunto. E as imagens fazem parte desses dispositivos sutis. Repare como as imagens nos apresentam representações de mundo, representações sobre como se comporta, o que tem um homem, uma mulher, um jovem, uma criança, um velho, etc. Na perspectiva da micropolítica, a organização é um espaço de confrontação no qual os participantes colocam em jogo seus interesses e concepções por meio de diferentes estratégias de comunicação, como a negociação, a persuasão, o manejo da informação, a criação de alianças e coalizões, a realização de acordos e compromissos. REFERÊNCIAS DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1986. FOUCAULT, Michael. Microfísica do poder Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1979. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 22 Aula 07_Leitura de imagem e poder Palavras-chave: leitura de imagem; relações de poder; cultura visual. As imagens são uma interpretação simbólica do mundo, a organização de uma forma que transformou o que foi vivido por alguém em objeto de conhecimento. Este objeto de conhecimento, que é a imagem, proporciona a sua compreensão pelos sentidos. Se nos propusermos a dialogar com a imagem, estabeleceremos o contato a partir da percepção das qualidades de sua forma, por meio das linhas, cores, texturas. Deixamo-nos tocar por essas qualidades que ativam aquilo que já sabemos do mundo, e é com essa bagagem que produzimos o significado particular que a imagem nos revela. Muitas vezes as imagens nos provocam sentimentos que nem sequer conseguimos nomear. Adotamos uma concepção ampla de leitura como sendo a atividade de atribuir significados, ou seja, a leitura é um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas. Assim podemos ler um significado em um acontecimento, gesto, imagem, texto. Caberia, agora, perguntar: como realizamos a leitura dessas inúmeras expressões formais e simbólicas? Cada pessoa faz a leitura que pode e sua possibilidade de leitura está marcada pelas experiências que já teve e tem; pelos conceitos que já construiu. A leitura depende das experiências, repertório e interesses culturais de cada pessoa. A leitura das imagens inicia-se pelo apelo que estas fazem aos nossos sentidos. As imagens são um estímulo externo que atravessam nossa retina. A luz captada pelos olhos age sobre o sistema nervoso central e o cérebro ajusta, interpreta as informações luminosas recebidas. Ao mesmo tempo em que apreendemos algum aspecto do nosso entorno, estamos fazendo uma interpretação daquilo que está sendo apreendido, confrontando com aquilo que já conhecemos. Apreendemos o mundo relacionando-o com aquilo que já sabemos sobre ele. Portanto, a percepção visual é um processo ativo (registramos, discriminamos as informações recebidas), consciente (depende da vontade, do interesse de aprendermos a informação), único (cada um percebe de acordo com suas vivências anteriores), físico (tudo começa pelos sentidos) e mental (atribuímos um significado). A "leitura de imagens" foi vastamente discutida na década de 1970, principalmente nas áreas da comunicação e artes, a partir dos avanços tecnológicos UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 23 dos sistemas audiovisuais. Vale destacar que as teorias provenientes da Gestalt e da Semiótica lançaram novas perspectivas para análise da imagem, no viés da psicologia da forma e sua constituição da percepção. Assim, a imagem foi compreendida como signo incorporando diferentes códigos em sua leitura. O psicólogo alemão Rudolf Arnheim (1904 – 2007) estabeleceu a abordagem de que a imagem deve ser ensinada a ver e a ler, em sua obra: Psicologia da Forma e publicou seu livro Art and Visual Perception, em 1957. Assim, em 1989, Arnheim escreveu o livro Arte e Percepção Visual onde determinou categorias visuais mínimas e básicas e suas identificações, como: equilíbrio, figura, forma, desenvolvimento, espaço, luz, cor, movimento, dinâmica e expressão, para as categorias visuais. Tais categorias tornam-se importantes ao espectador para decifrar a mensagem visual. Fayga Ostrower, no Brasil, foi uma importante divulgadora de suas teorias no tocante aos aspectos formais e expressivos das imagens. Foi uma das divulgadoras dos trabalhos de Rudolf Arnheim. As abordagens desenvolvidas por Ostrower (1983, 1987, 1990) em cursos e encontros com professores enfatizavam as relações entre os aspectos formais e expressivos das imagens. A década de 1970 surge novos paradigmas, a partir dos sistemas audiovisuais, da época que circularam na área de comunicação e artes, a expressão Leitura de Imagens, Hernandez, (2007). A sociedade contemporânea utiliza nos meios comunicacionais e institucionais de educação tais imagens, pois praticamente tudo quesabemos e aprendemos, é através das tecnologias da informação e comunicação que contribui para a propagação de imagens pelo mundo. Imagens que impactam em nosso cotidiano e no consumo de bens e produtos. Assim, tais imagens influenciam nossa decisão de o que comprar, vestir, comer, etc. A Cultura Visual é fonte de pesquisa em várias áreas da filosofia, antropologia, comunicação e há consenso da necessidade de sua aprendizagem. Fabris (1998) aborda que a cultura visual nos ajuda compreender a importância do visual no mundo contemporâneo. Ela sustenta que as imagens culturais não estão ao acaso e que é fruto de conexões entre arte e ciência. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 24 Relações de Poder e Resignação O Professor pesquisador Raimundo Martins apresentou elementos importantes exibidos nos conteúdos teleológicos, na novela global “Duas Caras”. Essa novela apresenta a favela, a partir da dialética da Cultura Visual. Ou seja, sem diferenciação de seus protagonistas. Dentro da lógica midiática, há um reconhecimento imediato com o público de classe socioeconômica menos favorecida. Vale relembrar que a música da novela: “Eu acredito na rapaziada” de Gonzaguinha reforça a estratégia. Com todo esse apelo, o observador é apreendido, na dialética da Cultura Visual. Segundo a mídia, eles não precisam ser diferentes, estão sendo reconhecidos como tal e por isso não precisam querer mudar, pois como a própria música do enredo diz: “eu acredito é na rapaziada...”, com todo esse apelo, fica difícil o sujeito sair da situação de resignado. Outro momento que mostra a relação de poder de um indivíduo em relação ao outro, instigado pela Cultura Visual, se dá em outra novela global “Cobras e Lagartos”. Para aumentar as vendas da rede de lojas “Lux”, a diretora presidente desencadeou uma campanha na mídia com o seguinte jargão: “Lux eu tenho você não tem”. Os jargões desenvolvidos pela Cultura Visual são tão fortes, que o sujeito acaba internalizando e, mais tarde, consciente ou inconscientemente aplica no seu cotidiano. Eu tenho o último modelo de qualquer objeto, a última moda, o maior apartamento, o jardim mais florido, a melhor escola, etc. REFERÊNCIAS ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 1986. FABRIS, A. Redefinindo o conceito de imagem. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 35, 1998. HERNANDEZ, Fernando. Catadores da Cultura Visual. Porto Alegre: Mediação, 2007. HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000. OSTROWER, Fayga. Universos da arte. RJ. Editora campus. 1991. OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de criação. Petrópolis: Ed. Vozes, 2003. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 25 Aula 08_Cultura, Estudos Culturais e Visualidades Palavras-chave: Cultura; comunicação; visualidades; Estudos Culturais. No século XX, as áreas da Antropologia, Comunicação, Educação e Sociologia, enfatizaram uma nova área de pesquisa, denominada de Estudos Culturais. Os Estudos Culturais consideram que a desigualdade social impacta na estrutura capitalista. Assim, os grupos sociais mais abastecidos economicamente tendem a fixar significados, de seu interesse, aos grupos mais vulneráveis, do ponto de vista social e econômico, ou seja, determinam o Capital Cultural. Assim, as modalidades artísticas: cênicas, música, dança, artes visuais, ainda, o cinema, os conteúdos teleológicos, a publicidade, a literatura representam o status quo de sucesso. De outra forma, os grupos proletários, em que a maioria não possui vivências culturais adequadas ficam em desvantagem. Nesse sentido, os textos culturais são o próprio local onde o significado pode ser fixado e negociado (Hall, 1997). Os Estudos Culturais identificam que a Cultura é uma prática social importante aos indivíduos. As sociedades mais desenvolvidas preveem acessos à educação e à cultura com maior equidade. Assim, as imagens, estáticas ou em movimento são elementos fundamentais na produção cultural. Para os Estudos Culturais, as identidades são socialmente construídas e configuradas por uma gama variada de discursos, códigos, gestos, sons e imagens, ou seja, pelos textos culturais. Desse modo, as práticas educativas são representações sociais, que carregam visões de mundo do grupo social que a produziu. Uma ação pedagógica, na abordagem dos Estudos Culturais, tem por objetivo reconhecer a relação entre conhecimento e poder, pois o conhecimento é construído socialmente e intrinsecamente subjetivo, impregnado de valores e formado por interesses de poder. Giroux (1992) afirma que a Cultura, como fenômeno político, refere-se ao poder de uma determinada classe para configurar e distribuir na sociedade significados específicos com o objetivo de definir e solidificar as bases morais e psicológicas para o sistema econômico e político que controla. É esse poder que tem mantido, durante tanto tempo, os embates e oposições culturais como, por exemplo: alta cultura X baixa cultura, ler os “clássicos” na escola e não considerar outras UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 26 produções literárias, como pode acontecer com o cordel, as histórias em quadrinhos etc. A discriminação cultural produz a diferenciação social, perpetua essa separação e a hierarquia social. O que existe são demarcações de classe no acesso aos bens culturais, que acabam construindo um imaginário social que consideraria algumas expressões culturais com determinadas qualidades intrínsecas. O código europeu e o código norte americano branco não são os únicos válidos para trabalharmos no contexto escolar. Os textos culturais estão compostos por uma mistura contraditória de forças culturais distintas. O modo de articulação desses elementos depende das circunstâncias sociais e das condições históricas de produção e consumo. Os diferentes textos culturais revelam os intercâmbios e negociações, as resistências e incorporações, os conflitos de gênero, geração, raça, sexualidade, classe social. Os significados de qualquer texto cultural não são preexistentes, eles são socialmente produzidos. Desse modo, os significados das imagens visuais também são socialmente construídos. O crescente interesse pelo visual tem levado historiadores, antropólogos, sociólogos e educadores a discutirem sobre as imagens e a necessidade de uma compreensão sobre elas. Por isso discutem as diferenças entre visão e visualidade. Walker e Chaplin (2002) definem a visão como sendo o processo fisiológico em que a luz impressiona os olhos e a visualidade como o olhar socializado. O sistema ótico de um brasileiro, um europeu ou um africano não são diferentes, mas sim o modo de descrever e representar o mundo de cada um deles, já que eles possuem diferentes maneiras de olhar para o mundo o que, consequentemente, dá lugar a diferentes sistemas de representação. O australiano Paul Duncun é outro autor que se situa nessa vertente cultural, já que para este a Cultura Visual vincula-se aos Estudos Culturais nas questões relacionadas às práticas significantes, tanto em termos das experiências vividas pelas pessoas como da dinâmica estrutural da sociedade. Para Duncun (2002), a sociedade está estruturada ao redor do domínio e as práticas significantes são sempre um meio de estabelecer e manter o poder, porém as pessoas podem resistir e negociar o significado dessas práticas por si mesmas. Duncun (2002) rejeita a noção de cultura como um refinamento pessoal, ou como obras de uma sensibilidade determinada, já que esta representa, apenas, uma UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 27 parte muito seletiva do que seja acultura. Também nega a fundamentação antropológica de cultura, por sua amplitude e complexidade. Adota uma concepção de cultura como práticas significantes, não como objetos específicos, mas sim como as relações sociais, valores, as crenças e as práticas das quais os objetos são uma parte constitutiva. A contemporaneidade extrapola no uso de elementos visuais, e sua comunicação expõe controle, manipulações e condução superficial ao prazer, análises superficiais sobre fatores sociais, políticos, etc. Assim, Duncun explora alguns recursos visuais, como a fotografia. No trabalho com as fotografias familiares propõe tanto a aprendizagem dos códigos desse tipo de fotografia, como também a reflexão sobre como e por que esses códigos se transformam. Para isso sugere que os educandos falem de suas experiências ao serem fotografadas/os ao mesmo tempo em que examinam pinturas das famílias de séculos passados, observando diferenças formais nas posturas, na expressão facial, nas vestimentas, no cenário, na ação e o que isso pode implicar nas relações familiares. Duncun (2002) também questiona se a fotografia familiar é sexista, se exclui, na mesma medida em que incluem, e por tanto, estrutura uma falsa ideia de vida familiar, se pode chegar a ser um jogo de poder a partir de um lado da câmera fotográfica ou de ambos os lados. REFERÊNCIAS DUNCUN, P. Clarifying Visual Culture Art Education. Art Education, p. 6-11, may 2002. GIROUX, Henry. Escola crítica e política cultural. 3. ed. Trad. Dagmar Zibas. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1992. Coleção Polêmicas do nosso tempo. HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. In: Educação & Realidade. jul/dez. 1997. p. 15-46. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. WALKER, J. A.; CHAPLIN, S. Una introducción a la cultura visual. Barcelona: Octaedro, 2002. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 28 Aula 09_Decolonialidade e as Epistemologias do Sul Palavras-chave: colonialidade; decolonialidade; epistemologias do sul. A decolonialidade é um projeto cotidiano e em fluxo contínuo, que problematiza o universalismo imposto pela ciência moderna ocidental. É uma alternativa à colonialidade que, entendida como padrão de poder que emergiu do colonialismo moderno, se mantém nas relações sociais, culturais, nas instituições, no senso comum, na autoimagem dos povos, no imaginário dos sujeitos. Nesse sentido, a decolonialidade, como projeto de transformação profunda do ser, do saber e do poder, vai além da descolonização, pois propõe construção e criação por aqueles que são cotidianamente subalternizados e invisibilizados pelos mecanismos dessa estrutura de poder, mas, ao mesmo tempo, são a própria possibilidade da mudança em suas re-existências e reinvenções. (Suzuki, 2022, p. 41). Maldonado-Torres (2019), em um esforço atual para analisar algumas dimensões básicas a respeito da colonialidade e da decolonialidade, formula dez teses que objetivam contribuir com essa discussão. Em sua Segunda Tese, intitulada “Colonialidade é diferente de colonialismo e decolonialidade é diferente de descolonização”, ele explica, em termos gerais, que a colonialidade se mantém como uma lógica global de desumanização que é capaz de existir mesmo sem as colônias, já que ela estrutura a lógica da sociedade, principalmente as instituições. Desse modo, se a descolonização refere-se a momentos históricos em que os sujeitos coloniais se insurgiram contra os impérios e reivindicaram a independência, a decolonialidade refere-se à luta contra a lógica da colonialidade e seus efeitos materiais, epistêmicos e simbólicos. (...) colonialidade é uma lógica que está embutida na modernidade, e decolonialidade é uma luta que busca alcançar não uma diferente modernidade, mas alguma coisa maior do que a modernidade. (...) a busca por uma outra ordem mundial é a luta pela criação de um mundo onde muitos mundos possam existir, e onde, portanto, diferentes concepções de tempo, espaço e subjetividade possam coexistir e também se relacionar produtivamente. (Idem, 2019, p. 36). Ou seja, a decolonialidade pressupõe a descolonização dos nossos corpos e mentes, de desaprender o que já tínhamos aprendido, de repensar práticas e ampliar saberes, estabelecer outros e novos diálogos, seja na vida privada ou nos nossos espaços de trabalho. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 29 Para pensar sobre as Epistemologias do Sul - sobre a América Latina e diferente do pensamento hegemônico do Norte Americano e da Europa - serão necessários conhecimentos e discursos que ultrapassem a mera pretensão de construir teorias e que considere e valorize a cultura local, a cultura esquecida ou apagada por povos hegemônicos e culturas dominantes. Uma síntese visual deste pensamento, está na obra do artista uruguaio Joaquín Torres Garcia, que cria uma imagem descolonial intitulada Nuestro norte es el sur - América invertida (1943). O artista cria contornos para uma América Latina, com linhas imaginárias e questiona o poder do norte do planeta e a estética ocidental universalizante. Figura 1: Mapa Invertido da América do Sul de Joaquim Torres Garcia (1943) Fonte: Brasil de Fato. Disponível: https://www.brasildefato.com.br/2020/10/07/artigo- existem-outras-formas-de-representar-o-mundo. Acesso em: 28 mar 23. Descrição da imagem: Desenho de linhas pretas sobre o papel branco. Mapa da América Latina de ponta cabeça, com um sol acima à esquerda e uma lua também acima à direita. Na parte debaixo, o mapa é cortado pela linha do Equador e acima por outra linha, onde navega uma caravela pequena. Joaquín Torres Garcia explora outras possibilidades do pensamento estético e político para o Sul. Ao inverter o mapa, subverte e propõe novas formas de repensar todo processo histórico da formação dos países da América do Sul, ou seja, identificar o imperialismo e refletir sobre outras epistemologias possíveis e invisibilizadas pelo projeto colonial e capitalista. Segundo Mignolo (2008, p. 209), “a opção descolonial é epistêmica”, ou seja, “ela se desvincula dos fundamentos genuínos dos conceitos ocidentais e da https://www.brasildefato.com.br/2020/10/07/artigo-existem-outras-formas-de-representar-o-mundo https://www.brasildefato.com.br/2020/10/07/artigo-existem-outras-formas-de-representar-o-mundo UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 30 acumulação de conhecimento”; significa, entre outras coisas, “aprender a desaprender”. O mesmo autor aponta que “Eurocentrismo não dá nome a um local geográfico, mas à hegemonia de uma forma de pensar” (Mignolo, 2017, p. 301). Essa maneira hegemônica de pensar e aceitar traços culturais estrangeiros determina historicamente a ideia de modernidade colonial, ou seja, um padrão de poder que age a partir da naturalização de hierarquias territoriais, raciais, culturais e epistêmicas e que gera a reprodução de relações de dominação. Não é diferente nas Artes. Há uma dimensão centrada na produção visual que repete os mesmos fenômenos aqui abordados. Ou seja, os ideais estéticos do colonizador fazem parte da gente, da nossa história e estão presentes nos currículos escolares, acadêmicos, nos manuais didáticos e dentro dos museus. Cabe a nós refletirmos: Quais escolhas artísticas e culturais eu levo para dentro da sala de aula? Quais autoras e autores eu valorizo? Quantas obras de mulheres negras e indígenas eu li na minha vida? REFERÊNCIAS MALDONADO-TORRES, Nelson. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón; MALDONADO-TORRES, Nelson (Orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica Editora (ColeçãoCultura Negra e Identidades), 2019. MIGNOLO, Walter. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. In: Cadernos de Letras da UFF – dossiê: literatura, língua e identidade, n. 34. Niterói: UFF, 2008. MIGNOLO, Walter. Desafios decoloniais hoje. In: Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), 2017, pp. 12-32. SUZUKI, Clarissa. Outras memórias, outras histórias: contra colonialidade e o saber como construção coletiva e emancipatória na educação antirracista das artes. 2022. Tese (Doutorado em Artes) – ECA/USP. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/tde-10012023- 101813/publico/ClarissaLopesSuzukiVC.pdf. Acesso em: 28 mar 23. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/tde-10012023-101813/publico/ClarissaLopesSuzukiVC.pdf https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27160/tde-10012023-101813/publico/ClarissaLopesSuzukiVC.pdf UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 31 Aula 10_Cultura Visual e seus intérpretes Palavras-chave: cultura visual; abordagem crítica; F. Hernandez. Situando-se no marco dos Estudos Culturais, Bolin e Blandin (2003) são contrários à denominação de “visual” ao trabalho dos docentes com a linguagem visual, pois a expressão “visual” pode, na opinião desses autores, restringir a atividade educativa se comparada com a gama de experiências que as imagens físicas e virtuais provocam. Esses autores recolocam a questão do visual, a predominância e ou a relação desse sentido com ou sobre os demais. Respondendo a essas observações, Mitchell (1995), em uma de suas primeiras publicações sobre a Cultura Visual, já advertia que, apesar da noção “visual” constituir uma dimensão diferente da linguagem verbal, isso não implica que a Cultura Visual não mantenha relação com as outras linguagens e ou sentidos. Para Mitchell (1995) a Cultura Visual inclui essa relação com os outros sentidos e linguagens. A questão levantada por Bolin e Blandin (2003) situa-se em uma corrente mais “restritiva” da Cultura Visual. Barnard (2001) identificou duas vertentes fundamentais nos estudos de Cultura Visual. Uma das tendências, que seria no nosso entendimento a mais "restritiva" porque apenas enfatiza o visual, e trata de normatizar, prescrever seus objetos de estudo como sendo a arte, o design, as expressões faciais, a moda, a tatuagem e um longo etc. A outra vertente toma a cultura como traço que define o estudo do visual, logo refere-se aos valores e identidades construídas e comunicadas pela cultura via mediação visual, como também à natureza conflitante desse visual devido aos seus mecanismos de inclusão e exclusão de processos identitários. Isso quer dizer que nem todos os grupos culturais estão representados nas imagens que circulam na sociedade contemporânea. Há uma tentativa dos grupos hegemônicos de não tornar visíveis certos grupos ou dificuldades sociais nas imagens. São as políticas de representação, que tornam determinados grupos visíveis e outros invisíveis. Tomando a cultura como traço que define o seu estudo, Mirzoeff (2003) afirma que a visualização caracteriza o mundo contemporâneo. Essa característica não significa que, necessariamente, conhecemos aquilo que observamos. A distância entre a riqueza da experiência visual na cultura contemporânea e a habilidade para analisar esta observação cria a oportunidade e a necessidade de UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 32 converter a Cultura Visual em um campo de estudo. Mirzoeff (2003) afirma que a Cultura Visual é uma “tática para estudar a genealogia, a definição e as funções da vida cotidiana pós-moderna, a partir da perspectiva do consumidor, mais que do produtor” (Mirzoeff, 2003, p.20). O autor enfatiza que a Cultura Visual não é uma história das imagens, nem depende das imagens em si mesmas, mas, sim, dessa tendência que a sociedade contemporânea tem de plasmar a vida em imagens ou visualizar a existência, pois o visual é um “lugar sempre desafiante de interação social e definição em termos de classe, gênero, identidade sexual e racial” (Mirzoeff, 2003, p.20). No sentido indicado por ele, a Cultura Visual é uma estratégia para compreender a vida contemporânea e não uma disciplina acadêmica. Destaca que a cultura pública dos cafés do século XVIII, exaltada pelo filósofo e sociólogo alemão Jurgen Habermas, (1929), e o capitalismo impresso do mundo editorial do século XIX, descrito pelo sociólogo estadunidense Benedict Anderson (1936), foram características particulares de um período e centrais para a análise produzida por esses autores, apesar das múltiplas alternativas que poderiam ter escolhido. Ao modo desses autores, Mirzoeff (2003) faz uso dessa característica de plasmar a vida em imagens ou visualizar a existência, para estudar a contemporaneidade. O autor busca compreender a resposta dos indivíduos e dos grupos aos meios visuais de comunicação em uma estrutura interpretativa fluida. Enfatiza que a noção de Cultura Visual é nova, precisamente por centrar-se no visual como um lugar no qual se criam e se discutem significados. Dessa forma, se distancia das obras de arte, dos museus e do cinema para focalizar sua atenção na experiência cotidiana. Do mesmo modo que os estudos culturais tratam de compreender de que maneira os sujeitos buscam sentido no consumo da cultura de massas, a Cultura Visual dá prioridade à experiência cotidiana do visual, se interessa pelos acontecimentos visuais nos quais o consumidor busca informação, significado e ou prazer conectados com a tecnologia visual. Pelo exposto até o momento sobre a Cultura Visual, podemos concluir que esta proposta é bem mais ampla que a proposta de leitura de imagens baseada no formalismo perceptivo e semiótico. Trabalhar no enfoque amplo da Cultura Visual é aceitar a capacidade das imagens serem mediadoras das “velhas e novas formas de poder, como também de ensaios contra discursivos de novas formas de UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Ensino a Distância 33 sociabilidade” (Moraza, 2004, s.p). Essa abordagem fundamenta-se em uma base socioantropológica, o que significa focalizar o conhecimento tanto nos produtores dessas experiências quanto no contexto sociocultural em que são produzidas. Hernandez (2000) adiciona a expressão compreensão crítica em sua abordagem da Cultura Visual. Para este autor, o vocábulo “crítica” significa avaliação e juízo que resultam de diferentes modelos de análise, como, por exemplo, o semiótico, o estruturalista, o desconstrucionista, o intertextual, o hermenêutico e o discursivo. Hernandez (2000) fundamenta sua proposta em ideias provenientes do pós-estruturalismo e do feminismo pós-estruturalista. Prefere utilizar os termos representações e artefatos visuais ao invés de imagens. Utiliza o conceito de cultura no sentido socioantropológico próximo da experiência cotidiana de qualquer grupo atual e ou passado. Hernandez (2000) percebe a importância da Cultura Visual não só como campo de estudo, mas também, em termos de economia, negócios, tecnologia e experiências da vida diária, de forma que tanto produtores como intérpretes possam se beneficiar do seu estudo. Na abordagem da compreensão crítica de Hernandez (2000), a Cultura Visual está entendida como um campo de estudo transdisciplinar multireferencial que pode tomar seus referentes da arte, arquitetura, história, psicologia cultural, psicanálise lacaniano, construcionismo social, estudos culturais, antropologia, estudos de gênero e meios, sem fechar-se nessas ou somente sobre essas referências. Essa ampla e aberta proposta enfatiza que o campo de estudos não se organiza a partir de nomes de artefatos, fatos e ou sujeitos, mas, sim, em relação aos seus significados culturais, vinculando-se à noção de mediação de representações,