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1 DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Luiz Costa 1.NOÇÕES PRELIMINARES 1.1 CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO Segundo Hely Lopes Meirelles o Direito Administrativo é o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado. Já para José dos Santos Carvalho Filho, o Direito Administrativo é o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e a coletividades a que devem servir. Desse conceito supramencionado, podemos afirmar que de fato, tanto é o Direito Administrativo que regula, por exemplo, a relação entre a administração Direta e as pessoas da respectiva Administração Indireta, como também a ele compete disciplinar a relação entre o Estado e os particulares participantes de uma licitação, ou entre o Estado e a coletividade, quando se concretiza o exercício do poder de polícia. 1.2 RELAÇÃO COM OS OUTROS RAMOS JURÍDICOS O Direito Administrativo se insere no ramo do Direito Público, tal como ocorre com o Direito Constitucional, o Direito Penal, o Direito Processual, o Direito Eleitoral e outros. No campo do Direito Privado ficam, em última instância, o Direito Civil e o Direito Empresarial. A relação de maior intimidade do Direito Administrativo é com o Direito Constitucional, uma vez que ambos cuidam da mesma entidade: o Estado. A diferença reside que o D. Constitucional se interessa pela estrutura estatal e pela instituição política do governo, ao passo que o D, Administrativo cuida, tão somente, da organização interna dos órgãos da Administração, de seu pessoal e do funcionamento de seus serviços, de modo a satisfazer as finalidades que lhes são constitucionalmente atribuídas.E não poderia ser de outra maneira. É o D. Constitucional que alinhava as bases e os parâmetros do D. Administrativo; este é, na verdade, o lado dinâmico daquele.Na constituição se encontram os princípios da Administração Pública ( art.37), as normas 2 sobre servidores públicos( arts. 39 a 41) e as competências do Poder executivo (arts.84 e 85), entre outros. Direito Processual – em ambos há a figura do processo: embora incidam alguns princípios próprios em cada disciplina, existem inevitáveis pontos de ligação entre os processos administrativos e judiciais. Como por exemplo, direito ao contraditório e a ampla defesa (art. 5, LV, CF). Direito Penal – se consuma através de vários elos de ligação. Um deles é a previsão, dos crimes contra Administração Pública ( arts.312 a 326, CP) e a definição dos sujeitos passivos desses delitos ( art. 327, caput, e parágrafo 1º, CP). A interseção se dá também no caso das normas penais em branco. Direito Tributário – há matérias conexas e relacionadas. Uma delas é a que outorga ao Poder Público o exercício do poder de polícia, atividade tipicamente administrativa e é remunerada por taxa ( art. 145, II, CF e arts.77 e 78, CTN) e as normas de arrecadação tributária. Direito do Trabalho – primeiramente, porque as normas reguladoras da função fiscalizadora das relações de trabalho estão integradas ao D. Administrativo. Depois, é de se reconhecer que ao Estado – Administração é permitido o recrutamento de servidores pelo regime trabalhista, instituído pela CLT, como ocorre na composição do quadro de pessoal das autarquias e empresas estatais. Direito Civil e Empresarial – também emprestam normas ao D. Administrativo sempre que aplicados seus institutos aos negócios jurídicos de interesse da Administração. Como, por exemplo, quando esta põe em circulação um título de crédito; constitui uma sociedade de economia mista; realiza uma alienação de um bem móvel ou recebe bem em doação; art. 54, da Lei nº 8.666/93 quando da realização de contratos administrativos. A nova lei de falência ( Lei nº 11.101/2005) excluiu do regime falimentar as entidades administrativas. 1.3 FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO Lei – fonte primária do Direito Administrativo, abrangendo esta expressão desde a Constituição até os regulamentos executivos. Doutrina – formando o sistema teórico de princípios aplicáveis ao Direito Positivo, é elemento construtivo de toda Ciência Jurídica. Jurisprudência – ou a reunião organizada de decisões proferidas num mesmo sentido, inspira o D. Administrativo. Alguns doutrinadores não a reconhecem com fonte do direito, entendendo como mera fonte imediata ou de valor moral. Mas, parece – 3 nos acertado indicá-la como fonte, sendo marcante a sua influência em diversos institutos, tais como a responsabilidade civil do Estado, a intervenção na propriedade privada, na apuração de ilícitos funcionais e, ainda, na dosimetria da sanção disciplinar. Princípios Gerais de Direito – ou os postulados que dirigem toda a legislação, apresentam – se como fonte de D. Administrativo, porquanto atuam como pressupostos de todas as regras jurídicas. Os princípios aplicáveis à Administração, tantos os previstos expressa ou implicitamente na Constituição como em outros atos normativos, têm tal natureza e são de observância obrigatória. Costume – desde que não contrário à lei e a moral, pode constituir fonte do D. Administrativo, em especial porque não há codificação de todas as normas e pela impossibilidade de essas suprirem lacunas conhecidas tão – só do exercício da atividade administrativa. Praticamente foi afastada com a revogação, feita pelo art.2.045 do CCB, da Primeira parte do C. Comercial, na qual estavam os arts. 130 e 133, que admitiam expressamente desde que segundum legem. 1.4 SISTEMAS ADMINISTRATIVOS É o regime adotado pelo Estado para a correção dos atos administrativos ilegais ou ilegítimos praticados pelo Poder Público em qualquer dos seus departamentos de governo. 1.4.1 SISTEMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO Foi originariamente criado na França, de onde se propagou para outras nações. Esse sistema prega que é vedado à Justiça Comum conhecer de atos da Administração, aos quais se sujeitam unicamente à jurisdição especial do contencioso administrativo. 1.4.2 SISTEMA JUDICIÁRIO OU INGLÊS / JUDISDIÇÃO ÚNICA O Brasil adotou desde a instauração de sua primeira República em 1891, o sistema de jurisdição única, ou seja, o do controle administrativo pela Justiça Comum. A orientação brasileira foi haurida do Direito Público Norte – Americano que nos forneceu o modelo para a nossa primeira Constituição. Tal sistema, é o da separação entre o Poder Executivo e Poder Judiciário, vale dizer, entre o administrador e o juiz. Com essa diversificação entre a Justiça e a Administração é inconciliável o contencioso administrativo, porque todos os interesses 4 quer do particular, quer do Poder Público, se sujeitam a uma única jurisdição conclusiva: a do Poder Judiciário . O inciso XXXV do art.5º da Constituição, dispõe que “ a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de direito”. 1.5 PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS Segundo José Cretella Jr, princípio de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, e típicas que condicionam todas as estruturas subseqüentes. Princípios neste sentido são os alicerces da ciência. 1.5.1 Considerações Gerais: Posição Constitucional A Constituição Federal de 1988 foi a primeira Constituição Federal a dedicar um capítulo voltado a Administração Pública, sistematizando-a. Art. 37, Caput, CF/88 - “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e também, ao seguinte: ...” Este artigo tem diversos incisos, e todos devem ser interpretados em consonânciacom o “Caput” do mesmo. A administração pública deverá obedecer aos princípios regentes na Constituição. As sociedades de economia mista e as autarquias estão integradas na administração pública. Artigo 37 da CF/88 traz os seguintes princípios: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Publicidade. Estes princípios constantes no “Caput” do Art. 37 são meramente exemplificativos (não são taxativos), assim existem outros princípios que balizam as atividades dos administradores. 1.Princípio da Legalidade - é o fundamento maior de qualquer Estado de Direito. Surge como um pilar sólido do Estado Democrático de Direito. Ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, se não estiver prevista em lei. Os princípios surgem como garantias aos administrados de não serem corrompidos pelo Poder Público Administrativo. 5 Perfil do Princípio da Legalidade: No campo do Direito Privado - são as relações que envolvem somente particulares, os quais defendem seus próprios interesses, sendo que podem eles fazer tudo aquilo que a lei não proibir, tendo maior flexibilidade de atuação. No campo do Direito Público - O administrador atua representando o interesse de terceiros, é a função administrativa. O Administrador só poderá fazer o que a lei expressamente autorizar. Administrar é se subordinar a lei. Assim, como ensina Maria Sylvia Di Pietro, “a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende da lei”. 2.Princípio da Impessoalidade Segundo Hely Lopes Meirelles o principio da impessoalidade nada mais é do que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal. É em decorrência desse princípio que temos o concurso e a licitação. Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ensinam que “a impessoalidade da atuação administrativa impede, portanto, que o ato administrativo seja praticado visando a interesses do agente ou de terceiros, devendo ater-se à vontade da lei, comando geral e abstrato por essência. Impede o princípio, perseguições ou favorecimentos, discriminações benéficas ou prejudiciais aos administrados. Qualquer ato praticado em razão de objetivo diverso da tutela do interesse da coletividade será invalido por desvio de finalidade”. Para outros juristas, é também um desdobramento do Princípio da Isonomia, onde o administrador ao atuar deve manter uma posição de neutralidade em relação aos particulares, impedindo que sejam causados prejuízos ou privilégios de forma gratuita. Poderá haver alguma discriminação desde que encontre respaldo na organização jurídica. 3.Princípio da Moralidade Impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presente em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto. Acrescentamos que tal forma de conduta deve existir não somente nas 6 relações Administração e os Administrado em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre Administração e os agentes públicos que a integram. A moralidade é sinônimo de probidade, de honestidade. A CF/ 88 enfatizou a moralidade administrativa, prevendo que “ os atos de improbidade importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Ë interessante demonstrar um trecho da decisão proferida pelo Ministro do STF Marco Aurélio: “ o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade”. Antes da CF/88 tinha-se dúvida se o Poder Judiciário tinha competência para apreciação de atos administrativos. Hoje não restam margens de dúvidas sobre esta competência, tanto que surgiram leis para regulamentar essas irregularidades. Lei da Improbidade Administrativa - Art. 37, § 4º, CF, Crime de Responsabilidade, Art. 85, V, CF, Ação Popular, Art. 5º, LXIII, CF. Estas leis visam coibir a prática de certos atos administrativos dando margem para que o Judiciário possa entrar no controle desses atos. O instrumento para o combate à improbidade administrativa é a Ação Popular, que pode ser imposta por qualquer cidadão que esteja em gozo de seus direitos (Art. 5º. LXXIII, CF/88). 4.Princípio da Publicidade Destina-se, de um lado, à produção dos efeitos externos dos atos administrativos. Existem atos que não se restringem ao ambiente interno da administração porque destinam – se a produzir efeitos externos – daí ser necessária a publicidade. Esse princípio também se justifica para permitir a qualquer pessoa que fiscalize os atos administrativos, ensejando a possibilidade de obter certidões que poderão servir para o ajuizamento de Ação Popular, por exemplo. A regra é que o princípio da publicidade somente poderá ser excepcionada quando o interesse público assim determinar. 5.Princípio da Eficiência Alexandre de Moraes define esse princípio com aquele que impõe à Administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial e neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca de qualidade , primando pela adoção dos 7 critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir- se uma rentabilidade social. Esse princípio foi acrescentado aos anteriores pela EC nº 19/ 98, conhecida como a Reforma Administrativa. Maurício Antônio Ribeiro Lopes afirma que se trata de princípio meramente retórico. É possível, no entanto, invocá–lo para limitar a discricionariedade do Administrador, levando a escolher a melhor opção. Eficiência é a obtenção do melhor resultado com o uso racional dos meios. 6.Princípio da Supremacia do Interesse Público No confronto entre o interesse do particular e o interesse público, prevalecerá o segundo. Isso não significa o esquecimento do interesse e direito do particular, mas garante a prevalência do interesse público, no qual se concentra o interesse da coletividade. 7.Princípio da Autotutela A Administração Pública comete equívocos no exercício de suas atividade, que não é nem um pouco estranhável em vistas das múltiplas tarefas do seu cargo. Defrontando – se com esses erros, no entanto, ela pode revê-los para restaurar a situação de regularidade. Portanto deve a Administração rever os seus próprios atos, seja para revogá-los , seja para anulá–los. A prerrogativa de invalidar ou revogar os próprios atos não se estende além dos administrativos; Não cabe a Administração Pública invalidar ato administrativo que tenha servido para prática de outro. Súmula 346 do STF : “A Administração Pública pode declarar nulidade de seus próprios atos”. Súmula 473 do STF : “A Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vício que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá–los, por motivo de inconveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada a todos os casos, a apreciação judicial”. 8.Princípio da Indisponibilidade Os bens e interesses públicos não pertencem à Administração nem a seus agentes. Cabe-lhes apenas geri–los , conservá–los e por eles velar em prol da 8 coletividade, esta sim a verdadeira titular dos bens e interesses públicos. Por esse princípio, a Administração não tem a livre disposição de seus bens e interesses públicos, porque atua em nomede terceiros. 9.Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos A atividade, em especial os serviços públicos, não pode sofrer paralisações. Administrar corresponde a gerir os interesses da coletividade, a coisa pública em sentido amplo, visando sempre ao atendimento das necessidades públicas. Por isso, diz - se ser a atividade pública ininterrupta. Exceções ao direito de greve a todos garantidos constitucionalmente: Agentes públicos que exercem determinadas funções não podem sofrer paralisação em nenhuma hipótese – Art. 37, VII da CF/88. Ex. os militares ( art.142, parágrafo 3º, IV da CF/88); Os serviços essenciais não admitem paralisação. Ex. saúde, segurança e transporte. 10.Princípio da Motivação Motivação dos atos praticados pela Administração Pública, impõe a obrigação de estarem os atos acompanhados dos motivos que os levaram a serem praticados (art. 93, IX e X, CF/88). Apenas o termo defiro, indefiro não atendem a este princípio constitucional, pois a decisão deve estar acompanhada dos motivos que levaram o administrador a praticar tal ato. No âmbito federal, Lei 9.784/99 assim reza o: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de oficio; VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; 9 VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. § 1º. A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. § 2º. Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados. § 3º. A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito. 11.Princípio da Razoabilidade Por esse princípio o administrador não pode atuar segundo seus valores pessoais, optando por adotar providências segundo seu exclusivo entendimento, devendo considerar valores ordinários, comuns a toda coletividade.