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Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 58 CAPÍTULO 3.0 ESQUISTOSSOMOSE MANSÔNICA 3.1 DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA A esquistossomose mansônica, também chamada de xistose, barriga d’água e doença dos caramujos é uma parasitose endêmica de algumas regiões brasileiras, causada por um verme trematódeo (Schistosoma mansoni). 3.1.1 AGENTE ETIOLÓGICO O Schistosoma mansoni é um verme digenético (ou seja, realiza reprodução sexuada e assexuada). Macroscopicamente, eles são vermes delgados, esbranquiçados e com morfologias diferentes, a depender do sexo do parasita. Os Schistosoma contam a maior história de amor na infectologia, já que o macho e a fêmea nunca se separam. O macho adulto tem uma estrutura robusta, com uma ventosa oral e uma ventosa ventral, utilizadas para a captação de nutrientes e fixação. Os machos medem cerca de 1 cm. A fêmea é mais frágil, alongada e delgada, podendo medir de 1,2 a 1,6 cm. Ela protege-se do meio externo albergando-se em uma fenda no corpo do macho, chamada canal ginecóforo. Veja, a seguir, uma imagem desse lindo casal. MORFOLOGIA DO SCHISTOSOMA MANSONI Figura 28: Schistosoma mansoni: o macho e a fêmea. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 59 OVO DO SCHISTOSOMA MANSONI Figura 29: ovo do Schistosoma mansoni. Ao terem uma reprodução sexuada (com gametas masculinos e femininos), a fêmea produzirá ovos com as seguintes características: ovalados, contendo o verme jovem em seu interior (também chamado de miracídio) e com uma espícula lateral voltada para fora. Essa espícula é importante para a fixação dos ovos em diferentes tecidos do corpo, especialmente nos espaços-porta e na mucosa retal do hospedeiro, como veremos mais adiante. Esses ovos são muito resistentes, podendo sobreviver até uma semana em condições adversas como frio, calor e falta de umidade. O Schistosoma mansoni tem mais dois estágios evolutivos, como veremos em seu ciclo: o miracídio – que é liberado do ovo no ambiente aquático, infectando os caramujos (hospedeiros intermediários) e as cercárias – formas com a capacidade de infectar seres humanos (hospedeiros definitivos). Vamos falar sobre o ciclo da doença e seus hospedeiros? Venha comigo e não desanime! 3.1.2 CICLO DA DOENÇA E MODOS DE TRANSMISSÃO O ciclo de transmissão da esquistossomose não é de difícil compreensão. Inicialmente, gostaria de pontuar que o hospedeiro definitivo dessa doença (no qual ocorre a reprodução sexuada) é o ser humano, enquanto caramujos do gênero Biomphalaria sp. atuam como hospedeiros intermediários (não adoecem, mas servem de local para a reprodução assexuada do parasita). Vamos iniciar pela transmissão da esquistossomose, que é uma doença de transmissão fecal-cutânea. Os ovos do S. mansoni são liberados nas fezes dos humanos contaminados, sendo levados até ambientes aquáticos (lagos, lagoas e rios), especialmente em locais com saneamento básico inadequado. No ambiente aquático, esses ovos sofrerão entrada osmótica de água, eclodindo e liberando os miracídios maduros do seu interior. Consecutivamente, os miracídios livres em água atingirão regiões profundas de lagos e açudes, onde infectarão caramujos planorbídeos do gênero Biomphalaria sp. Veja como é esse caramujo na figura ao lado. Figura 30: caramujo Biomphalaria sp. Fonte: Shutterstock. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 60 Dentro dos caramujos, os miracídios vão diferenciar-se em esporocistos, que se dividirão de forma assexuada e produzirão as cercárias, formas aquáticas infectantes. Para você ter ideia, um simples miracídio poderá gerar até 300 mil cercárias! Ou seja: um simples caramujo infectado poderá gerar muitos casos secundários de esquistossomose. Pois bem, as cercárias livres contaminarão as águas utilizadas para atividades profissionais ou de lazer, também utilizadas para banhos, higiene de roupas e louças, além de plantio. Nessas regiões, teremos a penetração ativa das cercárias na pele dos seres humanos expostos, nos quais se transformarão imediatamente em esquistossômulos (forma imóvel). Esse processo de penetração cutânea ativa pode gerar prurido, o que levou essas lagoas infestadas a ficarem popularmente conhecidas como "lagoas de coceira". Os esquistossômulos vão disseminar-se pelo sangue, até atingirem os vasos portais mesentéricos, em que ocorrerá a maturação dos esquistossômulos em vermes adultos (macho e fêmea), que seguirão seu ciclo realizando a reprodução sexuada. Os ovos resultantes dessa reprodução serão depositados no plexo venoso mesentérico, no qual serão expulsos com as fezes, iniciando um novo ciclo. Veja a seguir um resumo do ciclo de transmissão da esquistossomose mansônica. Nele você também encontrará a menção a outras duas espécies de Schistosoma, que também podem ser eliminadas pela urina. Não se preocupe, falaremos delas no próximo capítulo. CICLO DA ESQUISTOSSOMOSE Figura 31: ciclo da esquistossomose. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 61 Agora muita atenção, querido Estrategista, memorize as palavras-chave a seguir para não cair nas alternativas falsas: A esquistossomose mansônica é uma doença parasitária causada pelo S. mansoni, em que os seres humanos são hospedeiros definitivos e caramujos do gênero Biomphalaria sp. são hospedeiros intermediários. Essa doença é correlacionada à exposição ambiental a lagos, lagoas e rios com baixo fluxo de água, ideais para a reprodução do caramujo. 3.1.3 SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA NO BRASIL Antes de falarmos sobre a epidemiologia brasileira, é importante ressaltar que a esquistossomose não é um problema exclusivo do Brasil. O S. mansoni é endêmico em diversos países da América Latina (Brasil, Venezuela e ilhas do Pacífico), mas também é encontrado ao longo da África Subsaariana e do Mediterrâneo Oriental. Existem dois “primos” do S. mansoni: o Schistosoma japonicum (endêmico em países asiáticos e no Pacífico) e também o Schistosoma haematobium (endêmico exclusivamente na África e no Mediterrâneo Oriental). “E tem alguma diferença entre eles, professor?” Tem sim! Enquanto o S. mansoni é eliminado exclusivamente pelas fezes, o S. haematobium pode atingir o plexo vesical, sendo eliminado pela urina e/ ou fezes. Já o S. japonicum é eliminado exclusivamente pela urina. Esquistossomíases e vias de transmissão Agente etiológico Via de eliminação no hospedeiro S. mansoni Fezes S. haematobium Fezes ou urina S. japonicum Urina Pelo fato de serem eliminados pela urina e causarem uma inflamação vesical persistente, a infecção pelo S. haematobium e S. japonicum predispõe ao câncer de bexiga. No Brasil, a transmissão de S. mansoni é endêmica e bem estabelecida em estados da região Nordeste (Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). Zonas menos endêmicas, mas com casos ativos, também são encontradas no Espírito Santo, Minas Gerais, Ceará, Pará e Rio de Janeiro. Nessas regiões, quase sempre há o risco ambiental de “banhos em açudes” como via de transmissão do S. mansoni. Apesar de bastante endêmica, a esquistossomose mansônica tem tido sua incidência, letalidade e taxas de internações reduzidas nos últimos anos, resultantes da melhora no saneamento básico, diagnóstico e tratamento precoce dos infectados. Agora se ligue, meu querido Estrategista: a esquistossomose mansônica é doença de notificação compulsória com periodicidade semanal, para casos suspeitos ou confirmados em qualquer área não endêmica e apenas para casos graves em áreas endêmicas. Ficou meio embolado? Sedimente seu conhecimento com a tabela a seguir: Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA62 Esquistossomose mansônica = doença de notificação compulsória Em áreas não endêmicas: notificar qualquer forma; Em áreas endêmicas: notificar apenas as formas graves. Veja, no mapa a seguir, a prevalência da esquistossomose em diferentes regiões do Brasil. Como o Ministério da Saúde analisa isso? Ele faz um inquérito coprológico, coletando amostras aleatórias de fezes de pessoas sintomáticas e assintomáticas e procurando ovos de Schistosoma, obtendo assim a prevalência de S. mansoni naquela região. PREVALÊNCIA DE ESQUISTOSSOMOS MANSÔNICA NO BRASIL (2015) Figura 32: prevalência da esquistossomose mansônica no Brasil (2015) – Inquérito Coprológico. Fonte: Estratégia MED (adaptado de Ministério da Saúde, 2015). Vamos praticar? Fique ligado na Corujinha para não cair na pegadinha: Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 63 CAI NA PROVA (SP - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP - 2022) Qual é a alternativa correta em relação à estrutura epidemiológica da esquistossomose? A) O ser humano infectado elimina ovos viáveis nas fezes por toda a vida. B) As cinco espécies de Schistosoma que infectam seres humanos estão presentes no Brasil. C) Envolve três espécies: o helminto, o ser humano e um vetor. D) A infecção humana ocorre pela penetração ativa do agente através da pele íntegra. COMENTÁRIO: Questão transversal sobre esquistossomose... O melhor jeito de conceituarmos essa doença causada pelo Schistosoma mansoni é analisando as assertivas, vamos lá! Incorreta a alternativa A. O ser humano infectado eliminará ovos viáveis de Schistosoma principalmente durante as fases aguda e subaguda, sendo incomum a eliminação de alta carga ovoparasitária nas formas crônicas. Incorreta a alternativa B. Schistosoma haematobium, que tem como hospedeiro intermediário caramujos do gênero Bulinus, habita o plexo vesical do hospedeiro mamífero, sendo a espécie responsável pela esquistossomose urinária na África e Península Arábica. O Schistosoma japonicum que tem o molusco Oncomelania como vetor, causa a esquistossomose hepatoesplênica e intestinal na China, Filipinas e Indonésia. O parasito S. mansoni, o qual é mantido no ambiente por caramujos Biomphalaria (Mollusca: Gastropoda: Pulmonata: Planorbidae), é responsável pela doença em sua forma hepática e intestinal na África, Península Arábica e América do Sul. Incorreta a alternativa C. Não há vetor na esquistossomose. O caramujo Biomphalaria é um hospedeiro intermediário. Correta a alternativa D. A penetração da cercária acontece pelo contato com a pele íntegra, podendo até gerar uma reação local que chamamos de dermatite cercariana. (SUS-SP - 2020 - Acesso Direto) Segundo o Sistema de Vigilância da Esquistossomose, A) A definição de caso suspeito é um indivíduo residente em (e/ou procedente de) área endêmica, com quadro clínico sugestivo das formas aguda, crônica ou assintomática, com história de contato com as coleções de águas onde existam caramujos eliminando cercárias. B) Apenas casos de formas graves da doença são de notificação compulsória em todo o país. C) Após concluída a investigação, o caso deverá ser classificado como indeterminado, se o caso notificado não tiver confirmação laboratorial. D) A ficha de investigação da esquistossomose deverá ser preenchida com dados clínicos e laboratoriais do caso e, apenas em caso de surto deve ser seguido um roteiro expandido de investigação para identificação da área de transmissão. E) Uma estratégia de prevenção é o tratamento de todos os indivíduos moradores do bairro onde houve caso da doença. COMENTÁRIO: Questão “danadinha” do SUS-SP que cobrou nuances sobre quando devemos notificar a esquistossomose mansônica. Viu como o quadrinho de conceitos que vimos é importante? Vamos analisar as assertivas: Correta a alternativa A: vamos aproveitar a alternativa para conceituarmos. A definição de um caso suspeito de esquistossomose é exatamente essa: “indivíduo residente em (e/ou procedente de) área endêmica, com quadro clínico sugestivo das formas aguda, crônica ou assintomática, com história de contato com as coleções de águas onde existam caramujos eliminando cercárias”. Todo caso suspeito deverá realizar o exame parasitológico de fezes, preferencialmente com as técnicas de Kato-Katz ou Hoffman, como veremos adiante em "diagnóstico". Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 64 Incorreta a alternativa B: as formas não graves da doença também devem ser notificadas em áreas não endêmicas. Você entende por que isso acontece? O Ministério quer saber se há expansão na prevalência da esquistossomose em regiões onde não tínhamos essa doença, então concentra suas notificações de qualquer forma de esquistossomose nessas áreas, não só das graves. Incorreta a alternativa C: apesar de a notificação ter início na suspeita diagnóstica, após concluída a investigação, o caso suspeito que não tiver confirmação laboratorial deverá ser encerrado como caso descartado. Incorreta a alternativa D: a investigação da área de transmissão deverá ser feita em todos os casos notificados, independentemente de haver surto ou não. Por quê? Porque, a partir dos dados da ficha de notificação preenchida, terá início uma investigação epidemiológica pela vigilância, que analisará a procedência do paciente, a fauna da região (densidade de caramujos Biomphalaria) e também realizará um comparativo com a densidade coprológica daquela região (número de habitantes com fezes positivas para S. mansoni x número de casos reais). Incorreta a alternativa E: o tratamento de terceiros só é indicado para contatos da localidade do caso índice quando houver uma prevalência de esquistossomose superior a 25% na região. 3.2 FISIOPATOLOGIA A esquistossomose mansônica é uma doença que pode se apresentar por meio de manifestações agudas (mais correlacionadas com a inflamação gerada pela infecção parasitária) e crônicas (relacionadas às complicações da fibrose periportal e hipertensão porta). Vamos revisá-las de uma forma bem didática? 3.2.1 FORMAS AGUDAS A forma aguda da esquistossomose mansônica também é chamada por alguns autores de “febre de Katayama”. Vamos ver como ela acontece? As cercárias presentes na água contaminada penetrarão nos membros inferiores de banhistas. Esse fenômeno é, na maior parte das vezes, assintomático. No entanto, alguns pacientes podem apresentar um prurido no local de invasão, com pápulas pruriginosas, fenômeno chamado de dermatite cercariana. No mesmo momento que penetram a pele, as cercárias atingem vasos do subcutâneo, em que perdem sua cauda bifurcada e se transformam em esquistossômulos. Em apenas 3 dias, esses esquistossômulos irão se disseminar pela circulação corpórea, gerando uma intensa inflamação que poderá causar febre, eosinofilia e linfadenopatia. Essa disseminação fará o S. mansoni atingir a circulação pulmonar, promovendo uma reação inflamatória local. Essa reação pulmonar, em fase aguda, poderá se manifestar com pneumonite eosinofílica, com eventual tosse seca e sensação de dispneia. Vale a pena relembrar que os esquistossômulos não são vermes adultos e não penetram alvéolos, portanto isso não é um ciclo de Loss ou síndrome de Loeffler, ok? Ao atingirem a circulação venosa corpórea, os esquistossômulos terão uma afinidade especial pelo endotélio da veia porta e seus ramos hepáticos, local onde irão se maturar em vermes adultos (machos e fêmeas). A obstrução da veia porta e suas tributárias pelos vermes, na fase aguda, gerará sintomas de hipertensão portal, como hepatomegalia romba e dolorosa, além de esplenomegalia. Em alguns casos, os vermes adultos podem migrar para o plexo venoso da medula espinhal, no qual causarão uma reação inflamatória local que poderá resultar em uma isquemia medular, produzindo a mielorradiculopatia esquistossomótica, que será mais prevalente em localizaçõesmais baixas (lombossacras). Como essa mielorradiculopatia se manifestará? Com lombalgia intensa, redução da sensibilidade de membros inferiores e incontinência urinária. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 65 Veja um esquema superlegal da esquistossomose aguda a seguir: FISIOPATOLOGIA DA ESQUISTOSSOMOSE AGUDA (FEBRE DE KATAYAMA) Figura 33: fisiopatologia, sinais e sintomas da esquistossomose aguda. 3.2.2 FORMAS CRÔNICAS Vamos agora falar sobre as manifestações crônicas da esquistossomose, que resultam do estrago feito no ninho de amor do casal mansoni: a veia porta. É lá que esses vermes adultos produzirão ovos para continuar sua linhagem e a fêmea vai depositá-los, preferencialmente, na veia mesentérica. Da veia mesentérica, os ovos de Schistosoma podem migrar para a mucosa intestinal, em que causarão a forma intestinal da esquistossomose e poderão ser transmitidos ao ambiente pelas fezes humanas. Na mucosa do intestino grosso, esses ovos produzirão uma reação inflamatória intensa dependente de resposta Th2, podendo manifestar-se com dor abdominal e febre, além de regeneração fibrótica da mucosa intestinal, levando o paciente muitas vezes a um quadro disabsortivo com diarreia crônica e desnutrição. Como nem tudo é um lindo romance, alguns ovos espiculados da mamãe mansoni refluem da veia mesentérica superior para a veia porta, e ali se prenderão no endotélio através de suas espículas. Nessa região, a inflamação gerada pelo ovo recrutará Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 66 A veia porta fica no fígado, mas antes dos sinusoides hepáticos, certo? Então a fibrose periportal (como ocorre na esquistossomose mansônica) causará uma hipertensão portal intra-hepática pré-sinusoidal, sendo a causa mais comum desse tipo de hipertensão portal nos países endêmicos para essa doença. Voltemos ao aumento de pressão nas tributárias da veia porta: o aumento de pressão nas veias gástricas poderá produzir varizes gástricas, com eventual hemorragia digestiva alta, e varizes epigástricas, que se apresentarão com o aspecto de “cabeça de medusa” (veja um exemplo desse achado ao lado). Agora relembre comigo: quem vem da veia gástrica esquerda? As veias paraesofágicas... Logo, um aumento de pressão nelas poderá ocasionar varizes esofágicas, manifestação comum no paciente com esquistossomose. O aumento de pressão no sistema mesentérico também poderá gerar varizes retais com eventual hematoquezia; e, é claro, a esplenomegalia é encontrada em praticamente todos os pacientes com essa doença, resultante do aumento de pressão na veia esplênica. Sedimente a fisiopatologia da esquistossomose crônica com o esquema a seguir: Figura 34: cabeça de medusa/caput medusae. muitos linfócitos, resultando em uma fibrose em torno da veia porta, fenômeno chamado de fibrose periportal (também conhecido como granuloma em casca de ovo ou fibrose de Symmers). Imagine agora sua veia porta usando uma cinta de fibrose superapertada! Mau negócio, hein? Isso resultará em hipertensão portal (afinal, diminuiremos o calibre da veia, aumentando a pressão em seu interior) e isso, consequentemente, levará ao aumento de pressão em todas as veias que tributam para a veia porta. Agora leia com carinho o quadro de conceito mais importante deste capítulo, porque despenca nas provas. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 67 Figura 35: fisiopatologia da esquistossomose crônica. FISIOPATOLOGIA DA ESQUISTOSSOMOSE CRÔNICA Uma complicação pouco frequente (que acontece em 10 a 15% dos pacientes), mas possível na esquistossomose crônica avançada é a síndrome nefrótica, causada pela deposição de imunocomplexos (especialmente IgA) produzidos erroneamente pelo nosso corpo contra o S. mansoni. Essa síndrome se manifestará com edema de membros inferiores, proteinúria abundante, hipoalbuminemia e dislipidemia. Ela também poderá estar relacionada à hipertensão arterial sistêmica, mas sem hematúria ou alteração da função renal. Agora que vimos os tipos de acometimento da esquistossomose, sabemos como se manifestará a forma hepática e a intestinal dessa doença. Quando temos a concomitância dessas formas, chamamos de esquistossomose hepatointestinal, beleza? Meu querido Estrategista, preste muita atenção nesse quadrinho de conceito a seguir, pois é “pegadinha” certa em muitas questões de esquistossomose por aí: Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 68 O problema da esquistossomose mansônica é a hipertensão portal. Essa doença tipicamente não causa insuficiência hepática ou destruição de hepatócitos, por isso, quase sempre as transaminases (ALT e AST) estarão normais e a função hepática (bilirrubinas, INR e albumina) será preservada. Como ela não altera a excreção de bilirrubina em sua fisiopatologia, a icterícia será um achado raro, apenas em casos graves e avançados. A fisiopatologia da esquistossomose é o tópico mais cobrado em provas e esse eu quero que você pratique muito! Venha comigo: CAI NA PROVA (GO - SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE GOIÁS - SES GO - 2023) A hipertensão portal geralmente ocorre em virtude da maior resistência ao afluxo venoso portal de localização pré, intra ou pós-hepática. Por sua vez, a hipertensão portal intrahepática pode ocorrer nos níveis pré- sinusoidal, sinusoidal ou pós-sinusoidal. Qual é a causa mais comum de hipertensão intra-hepática pré-sinusoidal? A) Trombose de veia porta. B) Cirrose alcoólica. C) Esquistossomose. D) Síndrome de Budd-Chiari. COMENTÁRIO: Eu só quero que você guarde isso dessa questão: hipertensão portal intra-hepática e pré-sinusoidal. Vamos analisar as assertivas: Incorreta a alternativa A: a hipertensão intra-hepática é causada por um mecanismo obstrutivo dentro do fígado, certo? Logo, a trombose de veia porta não pode ser uma resposta, pois sua trombose habitualmente ocorre em segmentos localizados antes do fígado, sendo seu padrão de hipertensão portal o pré-hepático. Incorreta a alternativa B: na cirrose, não temos uma destruição importante dos sinusoides hepáticos com regeneração fibrótica? Pois bem, então teríamos uma hipertensão portal intra-hepática, porém de padrão sinusoidal. Correta a alternativa C: decore isso como um mantra – hipertensão portal intra-hepática e pré-sinusoidal é, na maior parte das questões e da sua prática médica, decorrente da fibrose periportal da esquistossomose, como vimos anteriormente. Incorreta a alternativa D: a síndrome de Budd-Chiari é causada por qualquer obstrução do fluxo sanguíneo que ocorra entre as veias hepáticas e a desembocadura da cava inferior no coração. Dessa forma, é causada por uma obstrução depois do fígado, sendo uma causa de hipertensão portal pós-hepática. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 69 (HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINSTEIN (2020) Acesso Direto) Uma senhora de 57 anos, natural da Bahia, apresentou vômitos de aspecto sanguinolento, sem instabilidade hemodinâmica. Foi submetida a endoscopia digestiva alta, diagnosticando-se varizes esofágicas. A paciente nega etilismo. Refere emagrecimento recente, além de dores abdominais recorrentes, já há alguns anos, e aumento do volume abdominal. A respeito das hipóteses diagnósticas para o caso dessa paciente, é correto afirmar: A) A causa mais provável da hipertensão portal da paciente é trombose de porta. B) A presença de ascite sugere fortemente o diagnóstico de síndrome de Budd-Chiari. C) Se a paciente tiver esplenomegalia e plaquetopenia, o diagnóstico mais provável é cirrose de Laënnec. D) A investigação etiológica da doença poderá envolver exame parasitológico de fezes, testes imunológicos e biópsiahepática. E) Apesar de a paciente ser de zona endêmica de esquistossomose, o quadro apresentado é mais compatível com cirrose de etiologia viral. COMENTÁRIO: O examinador apresenta-lhe uma paciente natural da Bahia (ele quer contar-lhe sobre uma procedência endêmica para esquistossomose, preste atenção sempre que tiver uma cidade ou estado na anamnese), admitida com hemorragia digestiva varicosa, sem instabilidade hemodinâmica, associada a emagrecimento, dor abdominal e aumento do volume abdominal. Importante observar no enunciado que não há história de etilismo ou exposição a hepatites virais. Isso é informação importante para descartar algumas alternativas. Vamos analisá-las? Incorreta a alternativa A: a paciente tem um quadro crônico com caquexia (emagrecimento) e dores abdominais recorrentes, sem sinais de cirrose, incompatíveis com a evolução de uma trombose de veia porta. Além disso, Estrategista, use a dica da Bahia... A causa dessa hipertensão portal é uma doença endêmica de lá – a esquistossomose. Incorreta a alternativa B: a síndrome de Budd-Chiari é causada pela trombose das veias hepáticas, o que leva à hipertensão porta pós- hepática. Uma característica marcante dessa síndrome é o aparecimento de hepatomegalia e ascite volumosa, muitas vezes de difícil controle. Esplenomegalia grave, circulação colateral intensa e hemorragia digestiva varicosa são eventos menos comuns. Revise essa síndrome com o Prof. Giordanne Freitas no livro Complicações da cirrose. Incorreta a alternativa C: a cirrose de Laënnec é a cirrose micronodular, com nódulos de regeneração pequenos, classicamente descrita na cirrose por álcool, mas também pode ocorrer na hemocromatose. Como comentamos, no enunciado é afirmado que não há história de etilismo ou doenças prévias. Portanto, não é o diagnóstico mais provável. Correta a alternativa D: perfeito, estamos diante de uma paciente com síndrome de hipertensão portal de uma zona endêmica para esquistossomose, então temos que confirmar a doença. Como? Poderemos coletar amostras de fezes e analisá-las pelo método de Kato-Katz/Hoffman ou fazer testes sorológicos (em zonas endêmicas) ou procedermos com a biópsia retal ou hepática nos casos mais desafiadores, conforme veremos no capítulo de diagnóstico. Incorreta a alternativa E: além da paciente não ter exposição consistente às hepatites virais em sua anamnese, o examinador não lhe dá sinais claros de cirrose com insuficiência hepática (repare, nem icterícia ela tem), mas de hipertensão portal importante (varizes esofágicas). Mais uma vez: foque na exposição endêmica... É a grande dica para você ser guiado para esquistossomose. (MA-UDI HOSPITAL (2020) Acesso Direto) Paciente cursa com hepatopatia causada por Schistosoma mansoni. Qual das seguintes condições clínicas esse paciente deve apresentar com maior probabilidade? A) Nevus aracniformes. B) Ascite. C) Ginecomastia. D) Icterícia. E) Varizes esofágicas. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 70 COMENTÁRIO: Vamos relembrar o principal conceito fisiopatológico da esquistossomose: ela irá se apresentar com uma síndrome de hipertensão portal pré-sinusoidal, logo, teremos sinais de hipertensão portal e não de insuficiência hepática. Vamos relembrar semiologicamente a diferença entre eles? Hipertensão portal: ascite (com exceção na pré-sinusoidal, que causará mais ascite em formas tardias), esplenomegalia, varizes gástricas, esofágicas e retais (com hematêmese e hematoquezia), varizes colaterais (epigástricas) – “cabeça de medusa”. Insuficiência hepática: icterícia, aranhas vasculares, telangiectasias, ginecomastia, eritema palmar, alteração na distribuição de pelos, atrofia testicular, anemia, tendência a sangramentos (incluindo hematomas), além de edema de membros inferiores por hipoalbuminemia. Como a esquistossomose raramente causará insuficiência hepática, sua manifestação de hipertensão portal mais comum serão as varizes esofágicas, com eventual hemorragia digestiva alta. Gabarito: alternativa E. () Agora que você está fera na fisiopatologia da esquistossomose, quero que use todo seu conhecimento do ciclo da doença para entender os métodos diagnósticos disponíveis que temos. Vamos lá? 3.3 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL O diagnóstico da esquistossomose poderá ser feito por meio de métodos parasitológicos (que pesquisam os ovos do parasita) ou imunológicos (que pesquisam os anticorpos). Lembre-se de que nunca encontraremos o casal mansoni, visto que eles ficam lá em cima - na veia porta. Vamos revisar esses métodos e como são aplicados. 3.3.1 MÉTODO DE KATO-KATZ E HOFFMAN Esse é o teste mais aplicado no diagnóstico de esquistossomose e consequentemente o mais cobrado em provas. O método de Kato-Katz aproveita-se do tamanho dos ovos do Schistosoma para uma identificação rápida (em até 3 horas). Nele, as fezes são pressionadas contra uma malha de metal, que só permitirá a passagem de partículas pequenas (como os ovos de S. mansoni). O conteúdo que passar por essa telinha será colocado numa lâmina e pressionado contra uma lamínula corada com verde malaquita (que facilita a visualização dos ovos). A sensibilidade desse método é bem ruim (45%), mas pode chegar a 65% quando solicitamos amostras seriadas. Por isso, idealmente, devemos solicitar 3 amostras de fezes em coletas distintas para os casos suspeitos. Além de ser um método qualitativo (identifica o tipo de ovo que está na lâmina), ele também tem uma característica quantitativa (consegue estimar quantos ovos existem por grama de fezes). Por que é importante saber quantos ovos nós temos nas fezes? Usamos isso para determinar resposta ao tratamento e também para fazermos inquéritos coproscópicos (saber a densidade de infectados numa região). Só conseguimos saber da prevalência da esquistossomose a partir dos inquéritos coproscópicos e da notificação dos casos suspeitos e confirmados. Afinal, é muito trabalhoso ficar capturando caramujo infectado no fundo dos lagos, não é mesmo? Também temos o método de Hoffman, que é só qualitativo (não conta os ovos). Desse você só guarda o nome, porque ele cai pouco. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 71 3.3.2 BIÓPSIA RETAL E BIÓPSIA HEPÁTICA Lembre-se de que nem sempre teremos a forma intestinal na esquistossomose, aquela que produz muitos ovos excretados nas fezes. Na forma hepática isolada, muitas vezes temos esses ovos apenas no plexo venoso mesentérico e espaço portal, o que dificulta muito o diagnóstico pelo Kato-Katz ou Hoffman. O que podemos fazer nesses casos? Biópsia retal: é um teste com sensibilidade maior que Kato-Katz para a forma hepática isolada (cerca de 70%), sendo de fácil execução e com poucas complicações. A biópsia da mucosa retal (realizada nas três válvulas retais) feita por retossigmoidoscopia poderá demonstrar ovos do parasita nas veias retais, com resposta granulomatosa local, confirmando a esquistossomose. Biópsia hepática: é mais frequentemente aplicada quando há dúvida diagnóstica. Ela é indicada quando temos um paciente com hipertensão portal pré-sinusoidal procedente de uma área endêmica em que queremos fazer diagnósticos diferenciais com outras doenças hepáticas. Nela poderemos ver a fibrose de Symmers que observamos no capítulo anterior, patognomônica da esquistossomose. 3.3.3 MÉTODOS IMUNOLÓGICOS Nunca devem ser primeira escolha no diagnóstico de esquistossomose, pois podem mostrar doença prévia e não doença ativa, além da possibilidade de falso-positivos por reação cruzada com outras helmintíases crônicas. O Ministério da Saúde indica o uso de imunofluorescência indireta ou ensaio imunoenzimático (ELISA), como exames confirmatórios para os casos suspeitos (hepatoesplenomegalia com sinais de hipertensão portal, procedentes de áreas endêmicas). Eles podem ser utilizados em áreas de baixa endemicidadepara a triagem de casos. Nas regiões de alta endemicidade, o método parasitológico direto deve ser sempre priorizado. CAI NA PROVA (UFRN (2018) Acesso Direto) Um paciente de 42 anos, procedente de Ceará-Mirim (RN), é encaminhado para o ambulatório da gastroenterologia do HUOL com quadro clínico de diarreia há 8 meses, por vezes com presença de sangue e muco nas fezes, acompanhado de astenia e hiporexia. Ao exame físico abdominal, ele apresentava circulação colateral à ectoscopia na percussão semiarco de Skoda, presença de piparote positivo, fígado e baço palpáveis. Há 2 meses, associou ao quadro o desenvolvimento de edema progressivo de membros inferiores, acometendo inicialmente os tornozelos, progredindo posteriormente até os joelhos. Refere banhos de lagoas desde a infância, etilismo moderado e já residiu em “casa de taipa”. Os resultados dos exames apresentados demonstravam: Hb = 10,4; Leucócitos = 3.400; plaquetas = 99.000/mm³; creatinina = 1,7 mg/dl; ureia = 45 mg/dl; albumina = 2,7 mg/dl; anti-HIV = negativo; HBsAg = negativo; anti-HCV = negativo; VDRL = negativo. Sumário de urina: densidade = 1015; pH= 6,0; proteínas 3+; heme 2+; esterase de leucócitos negativa; bilirrubinas negativo; corpos cetônicos negativo; nitrito negativo. Sedimento urinário = 35 hemácias por campo; 7 leucócitos por campo. Cilindros hialinos e granulosos. Proteinúria de 24 horas = 4,2 g/24 horas – volume urinário = 1.700 ml. De acordo com o quadro clínico descrito, o exame que poderá confirmar o diagnóstico etiológico é: A) O complemento sérico (C3 e C4). B) O anticorpo anti núcleo (ANA). C) O parasitológico seriado de fezes. D) De enzimas/provas de função hepática. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 72 COMENTÁRIO: Estamos diante de um caso clínico que, inicialmente, pode parecer complexo e que certamente derrubou muitos alunos nesse exame. É importante procurar as “dicas” que a banca oferece para nortear o raciocínio clínico. Temos no enunciado um paciente do sexo masculino, procedente do interior do Rio Grande do Norte (olha a dica epidemiológica). Ele é admitido com quadro crônico de acometimento intestinal, sinais de hepatopatia com padrão de hipertensão portal (hepatoesplenomegalia, ascite e circulação colateral, sem sinais de insuficiência hepática) com marcadores negativos para hepatites virais e síndrome nefrótica (edema de membros inferiores, proteinúria de 4,2g/24 horas). A grande dica para essa questão é a informação epidemiológica de que o paciente toma banho em lagoas desde a infância. Juntando todos esses dados, fica mais clara a hipótese diagnóstica de esquistossomose hepatointestinal complicada com síndrome nefrótica. Incorreta a alternativa A: a dosagem de complemento sérico teria a função de diagnóstico de causa não infecciosa de síndrome nefrótica; como a causa é por deposição de imunocomplexos (IgA), sem consumir complemento, esses marcadores não seriam de muita valia para nós. Incorreta a alternativa B: a dosagem do anticorpo antinúcleo seria útil para diagnóstico de causa autoimune de síndrome nefrótica (que consome complemento), como lúpus eritematoso sistêmico, inaplicável no caso da esquistossomose. Correta a alternativa C: o exame seriado de fezes, com leitura pelo método de Kato-Katz, é o padrão-ouro para o diagnóstico da esquistossomose mansônica. Incorreta a alternativa D: vimos anteriormente que a esquistossomose não causará destruição de hepatócitos, nem aumento de transaminases. Logo, esperamos enzimas hepáticas (ALT e AST) e provas de função hepática (bilirrubinas, albumina e INR) normais nesse caso. 3.4 TRATAMENTO Atualmente só temos duas drogas licenciadas pelo Ministério da Saúde para o tratamento da esquistossomose – o praziquantel e a oxamniquina, que são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde. O praziquantel é um anti-helmíntico que age nos canais de sódio e cálcio dos vermes adultos, impedindo o influxo de cálcio e gerando uma paralisia do helminto com um efeito vermicida. O mais legal é que o praziquantel também tem efeito nos ovos do S. mansoni, reduzindo a sua atividade inflamatória e, consequentemente, promovendo uma regressão parcial das fibroses hepáticas e intestinais. A oxamniquina é um anti-helmíntico que também induzirá a paralisia dos vermes adultos e promoverá o seu destacamento das veias mesentéricas. Quando eles devem ser usados? Na fase aguda ou crônica da doença, mas na fase aguda eles terão melhores efeitos (já que não temos tanta fibrose acontecendo). Se não funciona tanto na fase crônica, por que eu uso mesmo assim? Para reduzir ovoposição, número de ovos viáveis e, assim, a transmissão da doença. O praziquantel é a primeira escolha do Ministério da Saúde pela sua melhor ação contra os ovos do S. mansoni. Poxa, que legal! E se a gente jogasse praziquantel em todos os lagos de locais endêmicos? Nada aconteceria, pois eles têm ação reduzida contra cercárias e miracídios. Verme esperto, né? Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 73 Praziquantel (600mg/cp.) Adultos: 50mg/kg de peso (dose única) Crianças: 60mg/kg de peso (dose única) OU Oxamniquina (250mg/cp.) Adultos: 15mg/kg de peso (dose única) Crianças: peso-dependente por faixas, não é cobrado em provas. Fique ligado sobre como você deverá usá-los: Nem sempre poderemos utilizar praziquantel e, eventualmente, os examinadores explorarão exatamente as contraindicações ao tratamento com ele. Confira-as a seguir: Contraindicações ao uso de praziquantel Gestação Durante a amamentação (se a mãe for medicada, só poderá amamentar 72h depois) Crianças menores de 2 anos Insuficiência hepática grave Insuficiência renal grave E para finalizar... Devo usar corticosteroides no tratamento da esquistossomose mansônica? Apenas para formas graves ou com mielorradiculopatia esquistossomótica, visando reduzir as sequelas resultantes da inflamação que a morte dos vermes poderá causar. Depois disso, o tratamento da esquistossomose será guiado pela gastroenterologia quase que na totalidade dos casos, pois envolverá o manejo de hipertensão portal crônica, prevenção do rompimento de varizes esofágicas e gástricas (endoscopias regulares e ligadura precoce de varizes de alto risco), além do controle de comorbidades que pioram a letalidade atribuída à esquistossomose. Como eu controlo a eficácia do tratamento? Devemos repetir o Kato-Katz em 3 amostras distintas de fezes no 4° mês após o tratamento. Caso elas ainda apresentem ovos viáveis, deve-se retratar o paciente com os anti-helmínticos que citamos. Vamos praticar para provar o quanto você está fera em esquistossomose. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 74 CAI NA PROVA (PE - SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DO ESTADO DE PERNAMBUCO - SES PE - 2020) Escolar de 9 anos, masculino, é levado à emergência pediátrica, com queixa de febre, cefaleia, anorexia, dor abdominal difusa e náuseas há 8 dias. Mora na zona rural de Igarassu, cidade do litoral de Pernambuco, em casa de taipa, sem água encanada nem saneamento básico, tendo o hábito de jogar futebol descalço em campo de barro ao lado do rio, onde toma banho com os amigos. Ao exame, apresenta palidez 1+/4+, abdome levemente doloroso à palpação em hipocôndrio direito, com fígado palpável a cerca de 4 cm do RCD. Diante das possibilidades de diagnóstico diferencial, qual a melhor combinação de exames complementares e tratamento? A) Hemograma e coprocultura / ceftriaxona 100mg/kg/dia durante 7 dias B) Hemograma e parasitológico de fezes (técnica de Kato-Katz) / praziquantel 60mg/kg, dose única C) Hemograma e parasitológico de fezes / metronidazol 30mg/kg/dia durante 21 dias D) Detecção de anticorpos anti-Trypanosoma Cruzi das classes IgG e IgM / nifurtimox 15mg/kg/dia durante 60 diasE) Hemograma e PCR para Leptospira / cloranfenicol 100mg/kg/dia por 7 dias COMENTÁRIO: O diagnóstico diferencial desse caso clínico é amplo, pois estamos diante de um quadro febril agudo com hepatomegalia. Não há, no enunciado da questão, dado clínico que sugira fortemente algum diagnóstico específico. Portanto, devemos optar pela alternativa que inclui diagnóstico e tratamento adequados para a hipótese diagnóstica. Incorreta a alternativa A. Essa alternativa parece direcionada para febre tifoide, doença causada por Salmonella Typhi. No início do quadro de febre tifoide, como no caso desse paciente, o diagnóstico é feito preferencialmente com hemocultura ou mielocultura. Coprocultura tem elevada taxa de falso negativo, e é mais útil entre a segunda e a quinta semana de doença. O tratamento dessa infecção até pode ser realizado com ceftriaxona, mas não na dose recomendada (100mg/kg é dose indicada para meningites e outras infecções graves); além disso, a duração deve ser de no mínimo 10 dias. Correta a alternativa B. A esquistossomose mansônica é uma doença parasitária causada pelo S. mansoni, na qual os seres humanos são hospedeiros definitivos e caramujos do gênero Biomphalaria sp. são os hospedeiros intermediários. Essa doença é correlacionada com a exposição ambiental a lagos, lagoas e rios com baixo fluxo de água, ideais para a reprodução do caramujo. É endêmica no estado do Pernambuco. O método parasitológico de Kato-Katz é o mais utilizado no diagnóstico de esquistossomose. Praziquantel é o antiparasitário indicado para o tratamento dessa parasitose: • Adultos: 50mg/kg de peso (dose única) • Crianças: 60mg/kg de peso (dose única) Incorreta a alternativa C. Essa alternativa pode estar direcionada para a amebíase. O quadro clínico da amebíase intestinal varia de uma forma leve, caracterizada por desconforto abdominal leve ou moderado, com sangue e/ou muco nas dejeções, até diarreia aguda fulminante, de caráter sanguinolento ou mucoide, acompanhada de febre. Por habitar o cólon, causa colite e disenteria. Sua transmissão ocorre por ingestão de cistos de Entamoeba histolytica em água ou alimentos contaminados. O exame parasitológico de fezes pode diagnosticar a amebíase, sendo também possível o uso de técnicas de diagnóstico imunológico (ELISA). O principal erro dessa alternativa está no tratamento: é recomendado o uso de metronidazol durante 5 a 10 dias, e não 21. Incorreta a alternativa D. Doença de Chagas aguda pode causar quadro semelhante ao descrito no enunciado. No entanto, anticorpos são úteis para o diagnóstico da doença crônica, enquanto a doença aguda deve ser diagnosticada com a pesquisa do T. cruzi em esfregaço de sangue periférico. Além disso, a primeira escolha para o tratamento é o benznidazol. Incorreta a alternativa E. O diagnóstico de leptospirose em um paciente a partir do sétimo dia de sintomas deve ser feito com sorologia (ELISA IgM) e microaglutinação, e não PCR. O tratamento pode ser realizado com doxiciclina ou alguma penicilina. Cloranfenicol não faz parte dos antibióticos recomendados pelo Ministério da Saúde. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 75 (UERN (2019) Acesso Direto) Dentre as drogas abaixo, assinale a droga de primeira escolha para o tratamento da esquistossomose: A) Albendazol. B) Tiabendazol. C) Praziquantel. D) Metrifonato. COMENTÁRIO: Percebeu que esquistossomose é superqueridinha das bancas do Nordeste, não é mesmo? Portanto, saiba e estude as doenças endêmicas das regiões onde você prestará prova, querido Estrategista, porque isso é ponto previsto. Resposta pá-pum: a esquistossomose poderá ser tratada com praziquantel ou oxamniquina, sendo o praziquantel preferido por ter maior ação contra ovos, permitindo a quebra do ciclo de transmissão da doença. Eu sei o que você deve estar pensando... Nome estranho na área, né? Metrifonato. Ele é um antiparasitário bernicida e inseticida de uso veterinário, não fazendo parte do nosso arsenal terapêutico. Gabarito: alternativa C. (UNICAMP (2019) Acesso Direto) A precária condição do saneamento básico em algumas localidades do Brasil, faz com que o país tenha diversos casos de doenças intestinais provocadas por bactérias, protozoários e vermes. Considerando que cada um dos agentes tem suas próprias características, assinale a alternativa correta: A) O Ascaris lumbricoides é o helminto mais frequentemente encontrado e localiza-se preferencialmente no canal pancreático, vias biliares e apêndice. B) O Trichuris trichiura localiza-se preferencialmente no ceco e cólon ascendente e pode ser tratado com mebendazol. C) Gestantes com presença de ovos de Schistosoma mansoni nas fezes, devem ser tratadas durante a gestação. D) Crianças com protoparasitológicos com presença de Entamoeba coli ou Endolimax nana ou Iodamoeba butschlii devem ser tratadas com metronidazol. COMENTÁRIO: Eu coloquei essa questão superdifícil da Unicamp para mostrar-lhe uma alternativa incorreta: a da esquistossomose. Repare que tanto o praziquantel quanto a oxamniquina são teratogênicos em modelos animais, portanto não devem ser utilizados de forma alguma na gestação. Vamos aproveitar as outras alternativas para revisar um pouquinho de parasitoses? Incorreta a alternativa A: apesar de o A. lumbricoides ser o helminto mais prevalente, suas larvas localizam-se preferencialmente no jejuno, embora possam ser encontradas em outras áreas do trato digestivo, onde podem causar obstrução de vias biliares, colangite, pancreatite e apendicite agudas. Correta a alternativa B: o Trichuris trichiura localiza-se preferencialmente no ceco e cólon ascendente, podendo ser tratado com mebendazol ou albendazol. Lembre-se de uma complicação clássica desse verme cobrada em provas: o prolapso retal. Incorreta a alternativa C: justificada acima. Incorreta a alternativa D: Entamoeba coli, Endolimax nana e Iodamoeba butschlii são protozoários não patogênicos que não devem ser tratados. Estratégia MED Hepatoesplenomegalias Infecciosas Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2023 INFECTOLOGIA 76 3.5 PREVENÇÃO As atividades de prevenção da esquistossomose envolvem, essencialmente, a melhora do saneamento básico local, controle dos caramujos hospedeiros, garantia de tratamento dos infectados e de seus contatos domiciliares (em zonas de alta prevalência apenas), além de atividades de educação em saúde para descartes sanitários adequados (evitando-se latrinas, evacuações próximas a lagos etc.). ESTRATÉGIAS EPIDEMIOLÓGICAS PARA O CONTROLE DA ESQUISTOSSOMOSE Figura 36: estratégias de prevenção da esquistossomose.