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RITOS, MITOS E SÍMBOLOS AULA 2 Prof. Rodrigo Rangel A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, vamos verificar os conceitos de mito, suas características, origens, significados e classificações. Assim, quando o estudante se deparar com um relato tido como mítico, poderá analisá-lo e verificar se se trata realmente de um mito. Saber reconhecer um mito é praticamente reconhecer a certidão de nascimento de uma religião, pois toda religião possui uma história inicial, um acontecimento que a caracteriza e que lhe atribui uma identidade única, à qual chamamos mito. TEMA 1 – DO MITO À IDENTIDADE DA RELIGIÃO Quando falamos a respeito de mitos, geralmente o primeiro pensamento que vem à cabeça é que se trata de algo inventado, uma história fantasiosa ou uma série de crendices misteriosas, que passam bem longe da verdade. Mas, como bem destaca Alves (2012, p. 38), “ao contrário do senso comum, não são histórias fantásticas ou invencionices”. Na verdade, o mito é a forma mais simples e rudimentar de se explicar o surgimento de todas coisas, uma tentativa de se exprimir a forma como o homem pensava e tentava responder a suas questões mais primárias e explicar o início do relacionamento com o divino. Silva (2014, p. 101) acrescenta ainda que, “nos estudos fenomenológicos, a expressão mito refere-se às narrativas de acontecimentos primordiais, que tem o divino como agente e a finalidade de dar sentido a uma realidade significativa. Portanto, em última análise, o mito vai expressar a identidade da religião, o que significa o conjunto de qualidades e características particulares que torna possível o reconhecimento dessa religião. Nesse sentido, cada religião se torna única, pois surge de uma narrativa distinta, de um mito que lhe é próprio. Chaui (2000, p. 35), sobre a veracidade do mito, destaca que: “para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que receberam a narrativa como verdadeira porque confiam naquele que narra”. Acredita-se que o narrador do mito é um escolhido dos deuses, que lhe revelaram a origem de todas as coisas. Portanto é fácil perceber o porquê de o mito ser considerado sagrado, incontestável e inquestionável. Eliade (citada por Silva, 2014, p. 101), destaca que: “este é um aspecto do mito que convém sublinhar: o mito revela a sacralidade absoluta porque revela a atividade criadora dos deuses, desvenda a sacralidade da obra deles”. A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 3 TEMA 2 – A ORIGEM DO NOME O conceito de mito deriva do sentido mais primário da palavra grega mythos, que, por sua vez, deriva de dois outros verbos: mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Sendo assim, podemos então entender mito no uso da acepção geral, como uma fala, uma narrativa que relata a gênesis de todas as coisas, seja a origem do mundo, dos astros, dos seres vivos, do fogo, do bem do mal, seja do que mais for necessário explicar (Chaui, 2008, p. 34,35). Para Croatto (2010), a etimologia de muthos (mythos) é incerta. Segundo ele a origem pode vir do indo-europeu mendh/mudh, que aparece como lembrar, solicitação e ou pensamento. “Esta última conotação orienta rumo ao sentido básico de mito” (Croatto,2010. p.182). Nesse sentido, em ciências da religião, o mito é responsável por narrar as lembranças, a origem da religião, conferindo a ela suas características únicas, aqui denominada de sua identidade. TEMA 3 – CARACTERÍSTICAS DO MITO Para se identificar um mito com mais clareza, é necessário atentar para algumas características que lhe são peculiares. Eliade (citada por Silva, 2014, p. 102) nos ajuda a extrair algumas características básicas do mito: em primeiro lugar, ela destaca que “o mito é um relato. Ele sempre se apresenta em forma de narração e, portanto, deve ser interpretado como um discurso”. É importante lembrar que, para quem está narrando, o mito é absolutamente verdadeiro. Nesse sentido ainda, em segundo lugar, Eliade (citada por Silva, p. 102- 103) afirma que “o mito relata um acontecimento primordial. Ele fala sobre as origens, sobre o tempo imemorável, quando tudo começou. Esse começo, porém, não é cronológico e, por isso não se fala em datas no mito”. Por isso, ao se contar o mito, é comum a utilização de expressões generalistas, tais como no começo, no princípio, quando não existia nada, em outro tempo, e assim por diante. Lévi-Strauss corrobora essa ideia ao afirmar que “um mito diz respeito, sempre, a acontecimentos passados: antes da criação do mundo, ou durante os primeiros tempos, em todo caso, faz muito tempo”. Diante disso, ao analisar o cristianismo, percebe-se logo de início que, em gênesis capítulo um, versículo um, essa característica mítica aparece aplicada A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 4 quando o texto diz: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Bíblia NVI, 2003, p. 6). Eliade (citada por Silva, 2014, p. 103), sobre o tempo imemorável, destaca ainda que: Esse tempo mítico é sagrado, e há um desejo de continuo retorno a ele. Chamando isso de mito do eterno retorno. Há uma resistência ao tempo concreto, histórico e cronológico e um desejo de vivencia no tempo sagrado. Assim, cada vez que o mito é contado, seu narrador e ouvintes mergulham no tempo imemorável e participam dos acontecimentos primordiais. É por isso que o mito se torna real para eles. Em terceiro lugar, no mito, destaca Eliade (citada por Silva, 2014), o protagonista é sempre o divino ou, pelo menos, não é o humano comum. O mito é um relato das ações, das atividades dos deuses ou dos heróis míticos. Segundo Eliade (citada por Silva, 2014, p. 103), “assim, o mito não é uma celebração aos atributos do divino nem uma sistematização filosófica da sua natureza, mas sim uma narração do seu agir”. Com base nisso, é possível entender como o povo percebe o divino, pois o mito revela o caráter e a função do divino. Finalizando, em quarto lugar, Eliade (citada por Silva, 2014, p. 103) ressalta que “o mito dá sentido a uma realidade significativa. Ele instaura uma realidade a partir da ação do divino, ou seja, ritos, costumes e instituições são justificados na ação dos deuses”. Sendo assim, o homem, em sua religiosidade, acaba por reproduzir a ação ou a forma de agir do divino. Tudo que é significativo para um povo tem de ter sua origem no divino. As instituições culturais são originadas no mito ou explicadas por ele: O mito pode tanto ter dado origem a determinada instituição como pode ter sido criado para explica-la. Via de regra, a segunda opção é mais frequente – o mito é criado da realidade presente rumo a um paradigma originário. O seu uso, no entanto, é sempre na direção contrária – porque os deuses fizeram as coisas assim, elas são como são no tempo de hoje. (Silva, 2014. p.103). Silva (2014) ainda destaca uma característica muito importante para o mito, que é o caráter anônimo e comunitário, ou seja, o mito não tem autor. Segundo ele, “o mito surge no nível popular e é aceito como verdadeiro. Por isso, não pertence a nenhuma pessoa individualmente, mas a todo o grupo. Dessa forma, o mito estabelece e transmite a cosmovisão do grupo” (Silva, 2014. p.104). A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 5 TEMA 4 – OUTROS SIGNIFICADOS PARA O MITO Conforme explica Abbagnano (2000, p. 674), em seu Dicionário de Filosofia, além desse uso geral (narrativa), o mito pode receber ainda outros três significados: Na Antiguidade clássica, o mito é considerado um produto inferior ou deformado da atividade intelectual.A ele era atribuída, no máximo, “verossimilhança”, enquanto a “verdade” pertencia aos produtos genuínos do intelecto. Esse foi o ponto de vista de Platão e de Aristóteles. (Abbagnano, 2000. p. 673). Para a segunda concepção de mito, este é uma forma autônoma de pensamento e de vida. Nesse sentido, a validade e a função do mito não são secundárias e subordinadas em relação ao conhecimento racional, mas originárias e primárias, situando-se num plano diferente do plano do intelecto, mas dotado de igual dignidade. (Abbagnano, 2000. p. 673). A terceira concepção de mito consiste na moderna teoria sociológica que se pode atribuir principalmente a Fraser e a Malinowski. Este último vê no mito a justificação retrospectiva dos elementos fundamentais que constituem a cultura de um grupo. O mito não é uma simples narrativa, nem uma forma de ciência, nem um ramo de arte ou de história, nem uma narração explicativa. Cumpre uma função sui generis, intimamente ligada à natureza da tradição, à continuidade da cultura, à relação entre maturidade e juventude e à atitude humana em relação ao passado. A função do mito é, em resumo, reforçar a tradição e dar-lhe maior valor e prestígio, vinculando-a à mais elevada, melhor e mais sobrenatural realidade dos acontecimentos iniciais. Como podemos perceber, o significado de mito pode sofrer modificações conforme a ciência que a estuda, ou conforme o ponto de vista que se deseja abordar. Nesse sentido, a multidisciplinaridade da ciência da religião nos ajuda a ter uma visão mais ampla, pois busca essa completude em toda e qualquer ciência disponível para tal. 4.1 Diferenciações importantes Para que, de alguma forma, o sentido de mito não seja confundido com outros elementos, passamos agora a fazer algumas diferenciações importantes. Silva (2014) mostra que Bronislaw Malinowski faz uma interessante diferenciação entre mito, lenda e conto, que pode nos ajudar bastante na compreensão que temos de mito. A lenda também é considerada uma história verdadeira pelo narrador. Todavia, ela não narra fatos primordiais, mas sim eventos posteriores, quando tudo já estava criado, suas personagens não são deuses, mas A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 6 sim homens. Já o conto é considerado irreal pelo próprio narrador, tendo como finalidade diversão e descontração. (Silva, 2014. p. 106) Já citando Erich Bethe, Silva (2014, p. 106-107) propõe uma diferenciação esclarecedora desses três tipos de narração: Mito, lenda e conto diferenciam-se entre si por sua origem e finalidade. O mito é a filosofia primitiva, a mais simples forma intuitiva de pensamento, uma série de tentativas de compreender o mundo, de explicar: a vida e a morte, o destino e a natureza, os deuses e o culto. A lenda é a história primitiva, modelada ingenuamente. Mas o conto surgiu da necessidade de diversão, e serve para esta finalidade. Por isso ele não tem tempo nem lugar, considerando apenas a diversão e omitindo o incômodo [...] Segundo o gosto do narrador. Não é outra coisa senão poesias, a quinta-essência de todas as obras de fantasia da humanidade. Ainda ao citar Ashley Montangu, professor de antropologia em Harvard, Silva (2014, p. 107) faz uma distinção muito semelhante desses três elementos, destacando o tempo. O mito pertence a um tempo imemorável; a lenda, ao tempo histórico; e no conto não há necessidade de tempo determinado. Em uma cultura, há muitos contos e várias lendas, mas poucos mitos. Os contos e as lendas também devem ser objeto de análise. Neles, valores são revelados, categorias pouco evidentes podem ser percebidas, e a cosmovisão cultural é evidenciada. No entanto, atenção especial e investigação acurada devem ser dadas aos mitos, pois, por meio deles, é possível entrar no mundo religioso do povo em estudo a partir de uma perspectiva êmica. Saiba mais Êmica: da antropologia, ciência que estuda a visão interna de um fato de acordo com o olhar daquele que o vivenciou. Fonte: Dicionário Informal, S.d. Para facilitar a visualização dessas classificações distintas, propomos a seguinte tabela: Tabela 1 – Comparação entre mito, lenda e conto Mito Lenda Conto Considerado verdadeiro pelo narrador Considerado verdadeiro pelo narrador Considerado irreal Narra fatos primordiais Não narra fatos primordiais Diversão/descontração A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 7 Personagem: deuses Personagem: homens Personagem: inventados Filosofia primitiva História primitiva Necessidade de diversão Tempo imemorável Tempo histórico Sem tempo determinado Quantidade: poucos Quantidade: vários Quantidade: muitos TEMA 5 – CLASSIFICAÇÃO DOS MITOS Segundo Silva (2014), classificar os mitos de forma universal é uma tarefa quase inviável. O que se pode fazer é classificá-los com segurança dentro de uma determinada cultura. Apenas propusemos aqui um rascunho de classificação bem genérica para servir de modelo para uma classificação específica. De acordo com Silva (2014, p. 108), Raffaele Pettazzoni fez uma distinção entre mitos de criação e mitos de origem. O primeiro tipo narra o surgimento do cosmos e dos seus elementos, e o segundo narra o surgimento das instituições culturais e dos eventos significantes. É comum encontrarmos, nesses mitos de origem, relatos de como surgiram certos instrumentos e as práticas de caça, pesca e coleta. Diversas instituições, como casamento, parentesco e moradia, também são comuns nos mitos de origem. Por fim, todo evento significante, como festas em determinadas épocas do ano, certos rituais e cerimonias, acha suas justificativas nos mitos de origem. Saiba mais Rafaelle Pettazzoni nasceu em 1883 em San Giovanni, em Persiceto, Bolonha, Itália. Formou-se em literatura e especializou-se em arqueologia. Em 1923, assumiu o cargo de presidente da Universidade Real de Roma e em 1924 apresentou seu primeiro curso de história das religiões. Ainda sobre essa classificação, Silva (2014) argumenta que “essa classificação em mitos de criação e de origem é bem difundida e aceita”. Entretanto, para fins mais didáticos, optamos por apresentar a classificação apresentada por Reinhold Ullmann, que se baseia nos grandes e principais temas dos mitos (Silva, 2014. p. 109). A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 8 Saiba mais Reinhold Ullmann possui graduação em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1962) e doutorado em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1974). Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de antropologia, com ênfase em antropologia cultural. 5.1 Mitos teogônicos Ullmann (citado por Silva, 2014, p. 109) afirma que “os mitos teogônicos relatam o surgimento ou aparecimento do ser supremo, dos deuses, dos heróis míticos, dos espíritos e de todas as entidades da dimensão do divino”. Embora sejam pouco comuns, os mitos teogônicos aparecem com maior frequência em religiões politeístas. Silva (2014, p. 110) destaca ainda que, “por meio deles, é bem mais fácil percebemos a compreensão que o povo tem de cada entidade e de suas respectivas funções sociais”. Silva (2014, p. 109), analisando a revelação de Deus para o cristianismo, assegura que: Uma das importâncias dos mitos teogônicos é sua relação direta com a apresentação da pessoa de deus. O nome de um deus criado não poderá ser utilizado para apresentar o deus bíblico, já que este é preexistente, eterno, sem princípio e fim. Apesar disso, conclui Silva (2014), que os mitos teogônicos revelam muito sobre a compreensão cultural acerca do deus ou dos deuses do povo em questão. 5.2 Mitos cosmogônicosSeguindo a classificação de Ullmann, Silva (2014) comenta que os mitos cosmogônicos relatam o surgimento ou o estágio germinal do Cosmos, a origem do mundo e dos seus elementos, incluindo os atos criativos do ser supremo e dos deuses inferiores. Conforme Silva (2014), esses mitos são importantes, pois apresentam, por exemplo, o ensino bíblico sobre a criação. Entretanto ressalta a importância dessa narrativa do mito, mesmo contrariando ao que a Bíblia diz, pois é a única concepção cultural que eles têm sobre origem. A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 9 Assim sendo, será necessário utilizá-la na apresentação da mensagem bíblica, mesmo que seja só para fazer um contraponto (Silva, 2014. p.110). 5.3 Mitos antropogônicos No mesmo sentido, os mitos antropogônicos relatam o surgimento do homem ou da raça humana. A importância especial desses mitos é que geralmente neles está definida a posição do homem em relação ao Cosmos. (Silva, 2014. p.110) Aqui cabe uma reflexão importante sobre a relação do homem com o universo. Esse homem é parte do universo ou é o centro dele? Em relação às suas funções, está para servir ou para ser servido? Quem existe em função de quem? A esse respeito, Silva (2014) comenta que, estudando os mitos antropogônicos, possivelmente chegaremos à compreensão função humana dentro do universo. Podemos concluir que, da mesma forma que os mitos cosmogônicos são importantes para o ensino da criação do mundo, os mitos antropogônicos são de igual importância para o ensino da criação do homem. 5.4 Mitos dos tempos paradisíacos Esse tipo de mito remonta a um tempo logo pós-mito cosmogônico, em que a perfeição está estabelecida e tudo coopera de forma a manter a estabilidade da criação, pois o relacionamento com o divino está intacto. Sobre isso, Silva (2014, p. 111) relata que: Os mitos dos tempos paradisíacos relatam as condições de vida e os fenômenos existentes imediatamente após a criação e o surgimento do mundo. Em geral, essas condições de vida são consideradas ideais e, por isso, há um desejo constante de retorno àquele tempo. É comum o povo acreditar que, naquele tempo, o ser supremo vivia com o povo, mantendo com ele uma relação direta e amigável. 5.5 Mitos de transformação Os mitos de transformação narram acontecimentos de um período intermediário – entre os tempos paradisíacos e a ordem cósmica atual. A origem do mal, de doenças, da morte e o afastamento do ser supremo são explicados nesses mitos. Cataclismos cósmicos, como um dilúvio ou um grande incêndio, A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 10 que separam o tempo paradisíaca do tempo de sofrimento atual, são muito comuns. 5.6 Mitos escatológicos Os mitos escatológicos são pouco comuns, mas certos mitos falam de acontecimentos futuros e geram uma expectativa escatológica na cultura. Em alguns casos, geram até movimentos messiânicos. NA PRÁTICA Observe o fragmento de texto retirado da Bíblia, mais especificamente de Gênesis capitulo um. No princípio Deus criou os céus e a terra. Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o espírito de Deus se movia sobre a face das águas. Disse Deus: “haja luz”, e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. Deus chamou à luz dia, e às trevas chamou noite. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o primeiro dia. Depois disse Deus: "haja entre as águas um firmamento que separe águas de águas". Então Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam embaixo do firmamento das que estavam por cima. E assim foi. Ao firmamento Deus chamou céu. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o segundo dia. E disse Deus: “ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça a parte seca”. E assim foi. À parte seca deus chamou terra, e chamou mares ao conjunto das águas. E deus viu que ficou bom. Então disse deus: “cubra-se a terra de vegetação: plantas que deem sementes e árvores cujos frutos produzam sementes de acordo com as suas espécies”. E assim foi. A terra fez brotar a vegetação: plantas que dão sementes de acordo com as suas espécies, e árvores cujos frutos produzem sementes de acordo com as suas espécies. E deus viu que ficou bom. Passaram- se a tarde e a manhã; esse foi o terceiro dia. Disse Deus: “haja luminares no firmamento do céu para separar o dia da noite. Sirvam eles de sinais para marcar estações, dias e anos, e sirvam de luminares no firmamento do céu para iluminar a terra”. E assim foi. Deus fez os dois grandes luminares: o maior para governar o dia e o menor para governar a noite; fez também as estrelas. Deus os colocou no firmamento do céu para iluminar a terra, governar o dia e a noite, e separar a luz das trevas. E deus viu que ficou bom. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o quarto dia. Disse também Deus: “encham-se as águas de seres vivos, e sobre a terra voem aves sob o firmamento do céu”. Assim Deus criou os grandes animais aquáticos e os demais seres vivos que povoam as águas, de acordo com as suas espécies; e todas as aves, de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom. Então Deus os abençoou, dizendo: “sejam férteis e multipliquem-se! Encham as águas dos mares! E multipliquem-se as aves na terra”. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o quinto dia. E disse Deus: “produza a terra seres vivos de acordo com as suas espécies: rebanhos domésticos, animais selvagens e os demais seres vivos da terra, cada um de acordo com a sua espécie”. E assim foi. Deus fez os animais selvagens de acordo com as suas espécies, os rebanhos domésticos A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 11 de acordo com as suas espécies, e os demais seres vivos da terra de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom. Então disse Deus: “façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão”. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de deus o criou; homem e mulher os criou. Deus os abençoou, e lhes disse: “sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”. Disse Deus: “eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda a terra e produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes. Elas servirão de alimento para vocês. E dou todos os vegetais como alimento a tudo o que tem em si fôlego de vida: a todos os grandes animais da terra, a todas as aves do céu e a todas as criaturas que se movem rente ao chão”. E assim foi. E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o sexto dia. (Bíblia, 2000, p. 6-8) Quando olhamos para esse texto, podemos aplicar nele as características de um mito que vimos ao longo desse material. O narrador da história a conta levando em consideração a veracidade, que, para ele, é absoluta. Em termos de tempo, fala do tempo imemorável, o que fica claro com a expressão “No princípio”. Esse tipo de expressão nos coloca dentro da narrativa, mesmo não expressando exatidão cronológica. Os fatos narrados são classificados como primordiais, pois falam de como as coisas foram criadas, como se iniciaram. O personagem principal do texto é Deus. A filosofia é primitiva, não fornece pormenores. E quanto à quantidade, levando em consideração todo o judaísmo e até mesmo o cristianismo, são poucos os mitos apresentados. FINALIZANDO Esta aula procurou salientar o mito em si, sua origem, suas características, significados e diferentes formas de classificação, lembrando que as apresentadas aqui são apenasalgumas formas de classificação, existindo outras, conforme cada autor. O mito, como já citamos antes, constitui as características únicas de uma religião, ao que chamamos nessa aula de identidade. Ao se debruçar sobre uma religião para estudá-la, logo o cientista da religião perceberá aquilo que lhe é peculiar, aquilo que faz distinção das demais religiões, e certamente uma dessas peculiaridades serão os seus mitos. A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com 12 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ALVES, L. A. S. Cultura religiosa: caminho para a construção do conhecimento. Curitiba: InterSaberes, 2012. CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas, 2010. DICIONÁRIO INFORMAL. Êmica. Dicionário Informal, S.d. Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2020. SILVA, C. Fenomenologia da religião: compreendendo as ideias religiosas a partir das suas manifestações. São Paulo: Vida Nova, 2014 A luno: D A V I G A LLE T T I S A N T O S E m ail: davi_galletti@ hotm ail.com