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RITOS, MITOS E SÍMBOLOS 
AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Rodrigo Rangel 
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CONVERSA INICIAL 
Nesta aula, vamos verificar os conceitos de mito, suas características, 
origens, significados e classificações. Assim, quando o estudante se deparar 
com um relato tido como mítico, poderá analisá-lo e verificar se se trata 
realmente de um mito. Saber reconhecer um mito é praticamente reconhecer a 
certidão de nascimento de uma religião, pois toda religião possui uma história 
inicial, um acontecimento que a caracteriza e que lhe atribui uma identidade 
única, à qual chamamos mito. 
TEMA 1 – DO MITO À IDENTIDADE DA RELIGIÃO 
Quando falamos a respeito de mitos, geralmente o primeiro pensamento 
que vem à cabeça é que se trata de algo inventado, uma história fantasiosa ou 
uma série de crendices misteriosas, que passam bem longe da verdade. Mas, 
como bem destaca Alves (2012, p. 38), “ao contrário do senso comum, não são 
histórias fantásticas ou invencionices”. Na verdade, o mito é a forma mais 
simples e rudimentar de se explicar o surgimento de todas coisas, uma tentativa 
de se exprimir a forma como o homem pensava e tentava responder a suas 
questões mais primárias e explicar o início do relacionamento com o divino. 
Silva (2014, p. 101) acrescenta ainda que, “nos estudos fenomenológicos, 
a expressão mito refere-se às narrativas de acontecimentos primordiais, que tem 
o divino como agente e a finalidade de dar sentido a uma realidade significativa. 
Portanto, em última análise, o mito vai expressar a identidade da religião, o que 
significa o conjunto de qualidades e características particulares que torna 
possível o reconhecimento dessa religião. Nesse sentido, cada religião se torna 
única, pois surge de uma narrativa distinta, de um mito que lhe é próprio. 
Chaui (2000, p. 35), sobre a veracidade do mito, destaca que: “para os 
gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que 
receberam a narrativa como verdadeira porque confiam naquele que narra”. 
Acredita-se que o narrador do mito é um escolhido dos deuses, que lhe 
revelaram a origem de todas as coisas. Portanto é fácil perceber o porquê de o 
mito ser considerado sagrado, incontestável e inquestionável. Eliade (citada por 
Silva, 2014, p. 101), destaca que: “este é um aspecto do mito que convém 
sublinhar: o mito revela a sacralidade absoluta porque revela a atividade criadora 
dos deuses, desvenda a sacralidade da obra deles”. 
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TEMA 2 – A ORIGEM DO NOME 
O conceito de mito deriva do sentido mais primário da palavra grega 
mythos, que, por sua vez, deriva de dois outros verbos: mytheyo (contar, narrar, 
falar alguma coisa para outros) e mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, 
designar). Sendo assim, podemos então entender mito no uso da acepção geral, 
como uma fala, uma narrativa que relata a gênesis de todas as coisas, seja a 
origem do mundo, dos astros, dos seres vivos, do fogo, do bem do mal, seja do 
que mais for necessário explicar (Chaui, 2008, p. 34,35). 
Para Croatto (2010), a etimologia de muthos (mythos) é incerta. Segundo 
ele a origem pode vir do indo-europeu mendh/mudh, que aparece como lembrar, 
solicitação e ou pensamento. “Esta última conotação orienta rumo ao sentido 
básico de mito” (Croatto,2010. p.182). 
Nesse sentido, em ciências da religião, o mito é responsável por narrar as 
lembranças, a origem da religião, conferindo a ela suas características únicas, 
aqui denominada de sua identidade. 
TEMA 3 – CARACTERÍSTICAS DO MITO 
Para se identificar um mito com mais clareza, é necessário atentar para 
algumas características que lhe são peculiares. Eliade (citada por Silva, 2014, p. 
102) nos ajuda a extrair algumas características básicas do mito: em primeiro 
lugar, ela destaca que “o mito é um relato. Ele sempre se apresenta em forma 
de narração e, portanto, deve ser interpretado como um discurso”. É importante 
lembrar que, para quem está narrando, o mito é absolutamente verdadeiro. 
Nesse sentido ainda, em segundo lugar, Eliade (citada por Silva, p. 102-
103) afirma que “o mito relata um acontecimento primordial. Ele fala sobre as 
origens, sobre o tempo imemorável, quando tudo começou. Esse começo, 
porém, não é cronológico e, por isso não se fala em datas no mito”. Por isso, ao 
se contar o mito, é comum a utilização de expressões generalistas, tais como no 
começo, no princípio, quando não existia nada, em outro tempo, e assim por 
diante. Lévi-Strauss corrobora essa ideia ao afirmar que “um mito diz respeito, 
sempre, a acontecimentos passados: antes da criação do mundo, ou durante os 
primeiros tempos, em todo caso, faz muito tempo”. 
Diante disso, ao analisar o cristianismo, percebe-se logo de início que, em 
gênesis capítulo um, versículo um, essa característica mítica aparece aplicada 
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quando o texto diz: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Bíblia NVI, 2003, 
p. 6). 
Eliade (citada por Silva, 2014, p. 103), sobre o tempo imemorável, destaca 
ainda que: 
Esse tempo mítico é sagrado, e há um desejo de continuo retorno a 
ele. Chamando isso de mito do eterno retorno. Há uma resistência ao 
tempo concreto, histórico e cronológico e um desejo de vivencia no 
tempo sagrado. Assim, cada vez que o mito é contado, seu narrador e 
ouvintes mergulham no tempo imemorável e participam dos 
acontecimentos primordiais. É por isso que o mito se torna real para 
eles. 
Em terceiro lugar, no mito, destaca Eliade (citada por Silva, 2014), o 
protagonista é sempre o divino ou, pelo menos, não é o humano comum. O mito 
é um relato das ações, das atividades dos deuses ou dos heróis míticos. 
Segundo Eliade (citada por Silva, 2014, p. 103), “assim, o mito não é uma 
celebração aos atributos do divino nem uma sistematização filosófica da sua 
natureza, mas sim uma narração do seu agir”. Com base nisso, é possível 
entender como o povo percebe o divino, pois o mito revela o caráter e a função 
do divino. 
Finalizando, em quarto lugar, Eliade (citada por Silva, 2014, p. 103) 
ressalta que “o mito dá sentido a uma realidade significativa. Ele instaura uma 
realidade a partir da ação do divino, ou seja, ritos, costumes e instituições são 
justificados na ação dos deuses”. Sendo assim, o homem, em sua religiosidade, 
acaba por reproduzir a ação ou a forma de agir do divino. Tudo que é significativo 
para um povo tem de ter sua origem no divino. As instituições culturais são 
originadas no mito ou explicadas por ele: 
O mito pode tanto ter dado origem a determinada instituição como pode 
ter sido criado para explica-la. Via de regra, a segunda opção é mais 
frequente – o mito é criado da realidade presente rumo a um paradigma 
originário. O seu uso, no entanto, é sempre na direção contrária – 
porque os deuses fizeram as coisas assim, elas são como são no 
tempo de hoje. (Silva, 2014. p.103). 
Silva (2014) ainda destaca uma característica muito importante para o 
mito, que é o caráter anônimo e comunitário, ou seja, o mito não tem autor. 
Segundo ele, “o mito surge no nível popular e é aceito como verdadeiro. Por isso, 
não pertence a nenhuma pessoa individualmente, mas a todo o grupo. Dessa 
forma, o mito estabelece e transmite a cosmovisão do grupo” (Silva, 2014. 
p.104). 
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TEMA 4 – OUTROS SIGNIFICADOS PARA O MITO 
Conforme explica Abbagnano (2000, p. 674), em seu Dicionário de 
Filosofia, além desse uso geral (narrativa), o mito pode receber ainda outros três 
significados: 
Na Antiguidade clássica, o mito é considerado um produto inferior ou 
deformado da atividade intelectual.A ele era atribuída, no máximo, 
“verossimilhança”, enquanto a “verdade” pertencia aos produtos 
genuínos do intelecto. Esse foi o ponto de vista de Platão e de 
Aristóteles. (Abbagnano, 2000. p. 673). 
Para a segunda concepção de mito, este é uma forma autônoma de 
pensamento e de vida. Nesse sentido, a validade e a função do mito 
não são secundárias e subordinadas em relação ao conhecimento 
racional, mas originárias e primárias, situando-se num plano diferente 
do plano do intelecto, mas dotado de igual dignidade. (Abbagnano, 
2000. p. 673). 
A terceira concepção de mito consiste na moderna teoria sociológica 
que se pode atribuir principalmente a Fraser e a Malinowski. Este 
último vê no mito a justificação retrospectiva dos elementos 
fundamentais que constituem a cultura de um grupo. O mito não é uma 
simples narrativa, nem uma forma de ciência, nem um ramo de arte ou 
de história, nem uma narração explicativa. Cumpre uma função sui 
generis, intimamente ligada à natureza da tradição, à continuidade da 
cultura, à relação entre maturidade e juventude e à atitude humana em 
relação ao passado. A função do mito é, em resumo, reforçar a tradição 
e dar-lhe maior valor e prestígio, vinculando-a à mais elevada, melhor 
e mais sobrenatural realidade dos acontecimentos iniciais. 
Como podemos perceber, o significado de mito pode sofrer modificações 
conforme a ciência que a estuda, ou conforme o ponto de vista que se deseja 
abordar. Nesse sentido, a multidisciplinaridade da ciência da religião nos ajuda 
a ter uma visão mais ampla, pois busca essa completude em toda e qualquer 
ciência disponível para tal. 
4.1 Diferenciações importantes 
Para que, de alguma forma, o sentido de mito não seja confundido com 
outros elementos, passamos agora a fazer algumas diferenciações importantes. 
Silva (2014) mostra que Bronislaw Malinowski faz uma interessante 
diferenciação entre mito, lenda e conto, que pode nos ajudar bastante na 
compreensão que temos de mito. 
A lenda também é considerada uma história verdadeira pelo narrador. 
Todavia, ela não narra fatos primordiais, mas sim eventos posteriores, 
quando tudo já estava criado, suas personagens não são deuses, mas 
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sim homens. Já o conto é considerado irreal pelo próprio narrador, 
tendo como finalidade diversão e descontração. (Silva, 2014. p. 106) 
Já citando Erich Bethe, Silva (2014, p. 106-107) propõe uma diferenciação 
esclarecedora desses três tipos de narração: 
Mito, lenda e conto diferenciam-se entre si por sua origem e finalidade. 
O mito é a filosofia primitiva, a mais simples forma intuitiva de 
pensamento, uma série de tentativas de compreender o mundo, de 
explicar: a vida e a morte, o destino e a natureza, os deuses e o culto. 
A lenda é a história primitiva, modelada ingenuamente. Mas o conto 
surgiu da necessidade de diversão, e serve para esta finalidade. Por 
isso ele não tem tempo nem lugar, considerando apenas a diversão e 
omitindo o incômodo [...] Segundo o gosto do narrador. Não é outra 
coisa senão poesias, a quinta-essência de todas as obras de fantasia 
da humanidade. 
Ainda ao citar Ashley Montangu, professor de antropologia em Harvard, 
Silva (2014, p. 107) faz uma distinção muito semelhante desses três elementos, 
destacando o tempo. 
O mito pertence a um tempo imemorável; a lenda, ao tempo histórico; 
e no conto não há necessidade de tempo determinado. Em uma 
cultura, há muitos contos e várias lendas, mas poucos mitos. Os contos 
e as lendas também devem ser objeto de análise. Neles, valores são 
revelados, categorias pouco evidentes podem ser percebidas, e a 
cosmovisão cultural é evidenciada. No entanto, atenção especial e 
investigação acurada devem ser dadas aos mitos, pois, por meio deles, 
é possível entrar no mundo religioso do povo em estudo a partir de uma 
perspectiva êmica. 
Saiba mais 
Êmica: da antropologia, ciência que estuda a visão interna de um fato de 
acordo com o olhar daquele que o vivenciou. 
Fonte: Dicionário Informal, S.d. 
Para facilitar a visualização dessas classificações distintas, propomos a 
seguinte tabela: 
Tabela 1 – Comparação entre mito, lenda e conto 
Mito Lenda Conto 
Considerado verdadeiro 
pelo narrador 
Considerado verdadeiro 
pelo narrador 
Considerado irreal 
Narra fatos primordiais Não narra fatos 
primordiais 
Diversão/descontração 
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Personagem: deuses Personagem: homens Personagem: 
inventados 
Filosofia primitiva História primitiva Necessidade de 
diversão 
Tempo imemorável Tempo histórico Sem tempo 
determinado 
Quantidade: poucos Quantidade: vários Quantidade: muitos 
TEMA 5 – CLASSIFICAÇÃO DOS MITOS 
Segundo Silva (2014), classificar os mitos de forma universal é uma tarefa 
quase inviável. O que se pode fazer é classificá-los com segurança dentro de 
uma determinada cultura. Apenas propusemos aqui um rascunho de 
classificação bem genérica para servir de modelo para uma classificação 
específica. De acordo com Silva (2014, p. 108), 
Raffaele Pettazzoni fez uma distinção entre mitos de criação e mitos 
de origem. O primeiro tipo narra o surgimento do cosmos e dos seus 
elementos, e o segundo narra o surgimento das instituições culturais e 
dos eventos significantes. É comum encontrarmos, nesses mitos de 
origem, relatos de como surgiram certos instrumentos e as práticas de 
caça, pesca e coleta. Diversas instituições, como casamento, 
parentesco e moradia, também são comuns nos mitos de origem. Por 
fim, todo evento significante, como festas em determinadas épocas do 
ano, certos rituais e cerimonias, acha suas justificativas nos mitos de 
origem. 
Saiba mais 
Rafaelle Pettazzoni nasceu em 1883 em San Giovanni, em Persiceto, 
Bolonha, Itália. Formou-se em literatura e especializou-se em arqueologia. Em 
1923, assumiu o cargo de presidente da Universidade Real de Roma e em 1924 
apresentou seu primeiro curso de história das religiões. 
Ainda sobre essa classificação, Silva (2014) argumenta que “essa 
classificação em mitos de criação e de origem é bem difundida e aceita”. 
Entretanto, para fins mais didáticos, optamos por apresentar a classificação 
apresentada por Reinhold Ullmann, que se baseia nos grandes e principais 
temas dos mitos (Silva, 2014. p. 109). 
 
 
 
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Saiba mais 
Reinhold Ullmann possui graduação em filosofia pela Pontifícia 
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1962) e doutorado em filosofia pela 
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1974). Atualmente é 
professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem 
experiência na área de antropologia, com ênfase em antropologia cultural. 
5.1 Mitos teogônicos 
Ullmann (citado por Silva, 2014, p. 109) afirma que “os mitos teogônicos 
relatam o surgimento ou aparecimento do ser supremo, dos deuses, dos heróis 
míticos, dos espíritos e de todas as entidades da dimensão do divino”. Embora 
sejam pouco comuns, os mitos teogônicos aparecem com maior frequência em 
religiões politeístas. Silva (2014, p. 110) destaca ainda que, “por meio deles, é 
bem mais fácil percebemos a compreensão que o povo tem de cada entidade e 
de suas respectivas funções sociais”. 
 Silva (2014, p. 109), analisando a revelação de Deus para o 
cristianismo, assegura que: 
Uma das importâncias dos mitos teogônicos é sua relação direta com 
a apresentação da pessoa de deus. O nome de um deus criado não 
poderá ser utilizado para apresentar o deus bíblico, já que este é 
preexistente, eterno, sem princípio e fim. 
Apesar disso, conclui Silva (2014), que os mitos teogônicos revelam muito 
sobre a compreensão cultural acerca do deus ou dos deuses do povo em 
questão. 
5.2 Mitos cosmogônicosSeguindo a classificação de Ullmann, Silva (2014) comenta que os mitos 
cosmogônicos relatam o surgimento ou o estágio germinal do Cosmos, a origem 
do mundo e dos seus elementos, incluindo os atos criativos do ser supremo e 
dos deuses inferiores. 
Conforme Silva (2014), esses mitos são importantes, pois apresentam, 
por exemplo, o ensino bíblico sobre a criação. Entretanto ressalta a importância 
dessa narrativa do mito, mesmo contrariando ao que a Bíblia diz, pois é a única 
concepção cultural que eles têm sobre origem. 
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Assim sendo, será necessário utilizá-la na apresentação da mensagem 
bíblica, mesmo que seja só para fazer um contraponto (Silva, 2014. p.110). 
5.3 Mitos antropogônicos 
No mesmo sentido, os mitos antropogônicos relatam o surgimento do 
homem ou da raça humana. A importância especial desses mitos é que 
geralmente neles está definida a posição do homem em relação ao Cosmos. 
(Silva, 2014. p.110) 
Aqui cabe uma reflexão importante sobre a relação do homem com o 
universo. Esse homem é parte do universo ou é o centro dele? Em relação às 
suas funções, está para servir ou para ser servido? Quem existe em função de 
quem? 
A esse respeito, Silva (2014) comenta que, estudando os mitos 
antropogônicos, possivelmente chegaremos à compreensão função humana 
dentro do universo. 
Podemos concluir que, da mesma forma que os mitos cosmogônicos são 
importantes para o ensino da criação do mundo, os mitos antropogônicos são de 
igual importância para o ensino da criação do homem. 
5.4 Mitos dos tempos paradisíacos 
Esse tipo de mito remonta a um tempo logo pós-mito cosmogônico, em 
que a perfeição está estabelecida e tudo coopera de forma a manter a 
estabilidade da criação, pois o relacionamento com o divino está intacto. Sobre 
isso, Silva (2014, p. 111) relata que: 
Os mitos dos tempos paradisíacos relatam as condições de vida e os 
fenômenos existentes imediatamente após a criação e o surgimento do 
mundo. Em geral, essas condições de vida são consideradas ideais e, 
por isso, há um desejo constante de retorno àquele tempo. É comum o 
povo acreditar que, naquele tempo, o ser supremo vivia com o povo, 
mantendo com ele uma relação direta e amigável. 
5.5 Mitos de transformação 
Os mitos de transformação narram acontecimentos de um período 
intermediário – entre os tempos paradisíacos e a ordem cósmica atual. A origem 
do mal, de doenças, da morte e o afastamento do ser supremo são explicados 
nesses mitos. Cataclismos cósmicos, como um dilúvio ou um grande incêndio, 
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que separam o tempo paradisíaca do tempo de sofrimento atual, são muito 
comuns. 
5.6 Mitos escatológicos 
Os mitos escatológicos são pouco comuns, mas certos mitos falam de 
acontecimentos futuros e geram uma expectativa escatológica na cultura. Em 
alguns casos, geram até movimentos messiânicos. 
NA PRÁTICA 
Observe o fragmento de texto retirado da Bíblia, mais especificamente 
de Gênesis capitulo um. 
No princípio Deus criou os céus e a terra. Era a terra sem forma e 
vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o espírito de Deus se movia 
sobre a face das águas. 
Disse Deus: “haja luz”, e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e 
separou a luz das trevas. 
Deus chamou à luz dia, e às trevas chamou noite. Passaram-se a 
tarde e a manhã; esse foi o primeiro dia. Depois disse Deus: "haja 
entre as águas um firmamento que separe águas de águas". Então 
Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam embaixo do 
firmamento das que estavam por cima. E assim foi. Ao firmamento 
Deus chamou céu. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o 
segundo dia. E disse Deus: “ajuntem-se num só lugar as águas que 
estão debaixo do céu, e apareça a parte seca”. E assim foi. À parte 
seca deus chamou terra, e chamou mares ao conjunto das águas. E 
deus viu que ficou bom. Então disse deus: “cubra-se a terra de 
vegetação: plantas que deem sementes e árvores cujos frutos 
produzam sementes de acordo com as suas espécies”. E assim foi. 
A terra fez brotar a vegetação: plantas que dão sementes de acordo 
com as suas espécies, e árvores cujos frutos produzem sementes de 
acordo com as suas espécies. E deus viu que ficou bom. Passaram-
se a tarde e a manhã; esse foi o terceiro dia. Disse Deus: “haja 
luminares no firmamento do céu para separar o dia da noite. Sirvam 
eles de sinais para marcar estações, dias e anos, e sirvam de 
luminares no firmamento do céu para iluminar a terra”. E assim foi. 
Deus fez os dois grandes luminares: o maior para governar o dia e o 
menor para governar a noite; fez também as estrelas. Deus os 
colocou no firmamento do céu para iluminar a terra, governar o dia e 
a noite, e separar a luz das trevas. E deus viu que ficou bom. 
Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o quarto dia. Disse também 
Deus: “encham-se as águas de seres vivos, e sobre a terra voem aves 
sob o firmamento do céu”. Assim Deus criou os grandes animais 
aquáticos e os demais seres vivos que povoam as águas, de acordo 
com as suas espécies; e todas as aves, de acordo com as suas 
espécies. E Deus viu que ficou bom. Então Deus os abençoou, 
dizendo: “sejam férteis e multipliquem-se! Encham as águas dos 
mares! E multipliquem-se as aves na terra”. Passaram-se a tarde e a 
manhã; esse foi o quinto dia. E disse Deus: “produza a terra seres 
vivos de acordo com as suas espécies: rebanhos domésticos, 
animais selvagens e os demais seres vivos da terra, cada um de 
acordo com a sua espécie”. E assim foi. Deus fez os animais 
selvagens de acordo com as suas espécies, os rebanhos domésticos 
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de acordo com as suas espécies, e os demais seres vivos da terra de 
acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom. Então disse 
Deus: “façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa 
semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do 
céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os 
pequenos animais que se movem rente ao chão”. Criou Deus o 
homem à sua imagem, à imagem de deus o criou; homem e mulher 
os criou. Deus os abençoou, e lhes disse: “sejam férteis e 
multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os 
peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que 
se movem pela terra”. Disse Deus: “eis que lhes dou todas as plantas 
que nascem em toda a terra e produzem sementes, e todas as 
árvores que dão frutos com sementes. Elas servirão de alimento para 
vocês. E dou todos os vegetais como alimento a tudo o que tem em 
si fôlego de vida: a todos os grandes animais da terra, a todas as aves 
do céu e a todas as criaturas que se movem rente ao chão”. E assim 
foi. E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom. 
Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o sexto dia. (Bíblia, 2000, 
p. 6-8) 
Quando olhamos para esse texto, podemos aplicar nele as 
características de um mito que vimos ao longo desse material. 
O narrador da história a conta levando em consideração a veracidade, 
que, para ele, é absoluta. 
Em termos de tempo, fala do tempo imemorável, o que fica claro com a 
expressão “No princípio”. Esse tipo de expressão nos coloca dentro da 
narrativa, mesmo não expressando exatidão cronológica. 
Os fatos narrados são classificados como primordiais, pois falam de 
como as coisas foram criadas, como se iniciaram. 
O personagem principal do texto é Deus. 
A filosofia é primitiva, não fornece pormenores. 
E quanto à quantidade, levando em consideração todo o judaísmo e até 
mesmo o cristianismo, são poucos os mitos apresentados. 
FINALIZANDO 
Esta aula procurou salientar o mito em si, sua origem, suas 
características, significados e diferentes formas de classificação, lembrando que 
as apresentadas aqui são apenasalgumas formas de classificação, existindo 
outras, conforme cada autor. 
O mito, como já citamos antes, constitui as características únicas de uma 
religião, ao que chamamos nessa aula de identidade. Ao se debruçar sobre uma 
religião para estudá-la, logo o cientista da religião perceberá aquilo que lhe é 
peculiar, aquilo que faz distinção das demais religiões, e certamente uma dessas 
peculiaridades serão os seus mitos. 
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REFERÊNCIAS 
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 
ALVES, L. A. S. Cultura religiosa: caminho para a construção do conhecimento. 
Curitiba: InterSaberes, 2012. 
CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. 
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à 
fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas, 2010. 
DICIONÁRIO INFORMAL. Êmica. Dicionário Informal, S.d. Disponível em: 
. Acesso em: 31 jan. 
2020. 
SILVA, C. Fenomenologia da religião: compreendendo as ideias religiosas a 
partir das suas manifestações. São Paulo: Vida Nova, 2014 
 
 
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