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1 ENTRE PRODUZIR PROVAS E CONFIRMAR HIPÓTESES: o risco do argumento da “busca da verdade real” na instrução e fundamentação das decisões TRA PRODUZIONE DI PROVE E CONRFERMA D’IPOTESI: il rischio nell'argomento della "ricerca della verità" nell’istruzione e motivazione delle decisioni Leonard Ziesemer Schmitz 1 Resumo: O presente artigo discorre sobre o pensamento, enraizado na cultura jurídica brasileira, de que a finalidade do processo seja a busca pela verdade, e de que o juiz está imbuído da tarefa de não se conformar com verdades “formais” para atingir a verdade “real” no julgamento de um caso concreto. Palvras-chave: Provas – poderes instrutórios – verdade real – ativismo – hermenêutica Riassunto: Questo articolo discute il pensiero, radicato nella cultura giuridica brasiliana, che lo scopo del processo sia la ricerca della verità, e che il giudice è impregnato con il compito di non accontentarsi di verità "formali" per raggiungere la verità "reale" nella decisione di un caso. Parole Chiavi: Prove – poteri istruttivi – verità reale – attivismo – ermeneutica Sumário: 1. Introdução – a verdade como argumento no discurso judicial – 2. Verdade(s) – estamos falando de algo com sentido para o direito? – 3. O juiz investigador e a impossibilidade de o intérprete se distanciar do Objeto de prova – 4. A falsa relação entre demonstração do convencimento e atingimento da verdade – 5. Os ônus de prova são uma blindagem contra a hipertrofia do convencimento judicial – 6. O discurso sedutor da busca da “verdade real” – 7. Para encerrar – o processo que busca a verdade e result oriented judgment – 8. Bibliografia 1. Introdução – a verdade como argumento no discurso judicial 1 Doutorando em Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Direito Processual Civil na PUC/SP. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, com estágios de pesquisa em Washington DC (George Washington University) e Padova (UNIPD/Itália). Advogado. 2 O presente estudo quer fazer considerações sobre o argumento, frequentemente presente no discurso jurídico, de que o resultado do processo é algo que deve se aproximar da “verdade”, e de que a atividade do juiz é voltada para a “busca da verdade”. Não é o intuito determinar filosoficamente qual o papel das várias conceituações de “verdade” no contexto do direito; não é também a intenção pensar, como faz a doutrina com muita propriedade, a respeito dos graus de verossimilhança que autorizam o juiz a tomar decisões ao longo do processo. A ideia deste artigo é mais singela: constatar que em inúmeras oportunidades o recurso à busca da verdade pode se constituir de um criptoargumento, 2 uma capa de legitimidade argumentativa que dá credibilidade a uma decisão judicial. A premissa da qual devemos partir é bastante simples. Trata-se da ideia, bastante difundida, de que a cognição exauriente, exercida pelo julgador após a fase instrutória suficiente, conduziria a uma certeza judicialmente aceita. Ou bem, não certeza no sentido inequívoco, mas a um grau elevadíssimo de proximidade à realidade, graças justamente à correta análise do conjunto probatório farto. Até aí, a ideia parece de todo acertada. O risco de ruptura sistêmica surge quando a comunidade jurídica (em especial a jurisprudência consolidada) confere à figura subjetiva do intérprete/juiz o papel de dizer se as provas dos autos conduzem à “certeza” que legitima o próprio procedimento. Quer dizer, é o juiz que, não se sentindo “convencido” do que está provado, assume a função de investigar os fatos para se certificar de como eles “realmente” ocorreram. E aí, sai em busca da “verdade real”, que seria tradutora da “justiça” da decisão. O cerne do que precisa ser discutido nos tópicos que se seguem é essa relação entre “verdade” e “justiça”, e mais ainda, a pertinência ou não desses conceitos ao ambiente processual. O processo não quer, isto é óbvio, ser inverídico ou injusto – e isso deveria ser óbvio. No entanto, é saudável dizer que o escopo do processo é a busca da “verdade” e a obtenção de “Justiça”? 2 O termo é utilizado por Friedrich Müller, para descrever o raciocínio que é demonstrativamente legítimo, mas pode esconder por trás de si outra espécie de motivação: Criptoargumentos dessa espécie encobrem quase sempre a Dezision enérgica, a ponderação irracional de valores ou passos convencionais de interpretação, não explicados por razões quaisquer” (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: RT, 2008, p. 84). 3 Tendo isso em mente, o intuito do presente estudo é analisar alguns possíveis problemas do recurso argumentativo à busca da verdade no processo. Não se trata de discutir ou adotar uma ideologia mais “ativa” ou não no que diz respeito à postura dos juízes. 3 Esse debate (ativismo, garantismo, poderes instrutórios amplos ou não) é necessário, mas não central ao argumento aqui desenvolvido. O que se quer é discutir se há ganho qualitativo e democrático em se admitir que o processo deve ser truth-oriented, 4 ou se o recurso à “verdade”, inclusive atrelada à “justiça”, pode ser pernicioso na argumentação judicial. 2. Verdade(s) – estamos falando de algo com sentido para o direito? É largamente difundido em direito processual (tanto penal quanto civil) a ideia de que “o processo moderno deve refletir a verdade real, a qual condiz com o interesse público de efetividade da justiça em detrimento do apego ao formalismo”.5 Instaurou-se, a partir dessa concepção, uma corrente de pensamento que acredita que, se os elementos constantes dos autos parecem ao julgador não refletirem aquilo que ele acredita ter ocorrido no caso, é possível extrapolar o formalismo e ir em busca da “verdade real”. O sistema processual (tanto o de 1973 quanto o de 2015) contribui para esse pensamento quando faz inúmeras referências à ideia de que as provas servem para comprovar a “verdade” dos fatos. Isso é visível, mesmo no CPC/15, nos arts. 319, IV (“A petição inicial indicará [...] as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados”); 369 (“Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”); e 378 (“Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”), dentre outros. 3 Sobre o incansável e polêmico embate entre ativistas e garantistas, ver: TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo judicial: limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 4 É o que defende, de forma muito precisa e embasada, Vitor de Paula Ramos: “Devem-se desenvolver procedimentos que possam não só permitir que o juiz tenha condições de buscar a verdade com poderes instrutórios de ofício, mas também de regular a atividade das partes de modo a não permitir que essas ‘atrapalhem’ ativa ou passivamente esse seu mister” (RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar. São Paulo: RT, 2015, 96) 5 STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1374340/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 09/10/2013. 4 Ademais, há farta doutrina sustentando que a busca da verdade é um dos objetivos centrais do próprio processo. 6 Encontrar a verdade “real” seria algo que conduziria à “certeza” e “justeza” da decisão, e conformar-se com as provas dos autos, pelo contrário,levaria o juiz a prolatar uma decisão injusta. Essa concepção – que aqui foi simplificada para ser facilmente compreendida, mas é complexa e tem suas razões de ser – parte de uma falsa relação entre “verdade” e “justiça”, algo que já desde a primeira metade do século XX a teoria do direito busca superar. 7 A constatação de que a suposta “verdade” conduz a uma decisão “justa” carrega tantos subjetivismos quanto a semântica desses conceitos pode suportar. O que cabe dizer aqui sobre o tema é que a ideia de busca da “verdade real” pelo direito processual civil é na realidade uma artificialização da compreensão. 8 O conceito de “verdade” trabalhado pela comunidade jurídica é aquele da teoria da correspondência (segundo o qual uma proposição é verdadeira se o estado das coisas às quais essa proposição dá sentido existir). No imaginário dos juristas, seria ainda possível capturar algo que é verdadeiro em essência, que é algo típico do paradigma da filosofia da consciência: “A verdade seria decorrência da captação de uma “essência” das coisas. Existiria, assim, um-mundo-em-si, cuja estrutura o jurista (no caso o juiz) pode apreender/conhecer através da razão e depois comunicar aos outros pela linguagem, via sentença judicial”.9 6 RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar. São Paulo: RT, 2015, pp. 42/46. 7 A relativização dos conceitos de “verdade” e “Justiça” é, por exemplo, o ponto central da obra de Kelsen. Veja-se o seguinte trecho: “Não há nenhuma possibilidade racional de inferir, daquilo que é, aquilo que deve ser ou que deve ser feito. Uma vez que a bondade é inconcebível sem a maldade, não apenas o ser e a bondade, mas também o ser e a maldade são indissociáveis. Uma vez que, em si, o ser não contém nenhum critério que nos permita distinguir o bem do mal – o bem não é mais ou menos ‘ser’ do que o mal –, não é possível chegar ao conhecimento daquilo que devemos fazer através daquilo que somos; somos tão bons quanto maus” (KELSEN, Hans. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 383). E ainda, Habermas: “A maneira de avaliar nossos valores e a maneira de decidir o que “é bom para nós” e o que “há de melhor”, caso a caso, tudo isso se altera de um dia paro o outro. Tão logo passássemos a considerar o princípio da igualdade jurídica mormente como um bem entre outros, os direitos individuais poderiam ser sacrificados caso a caso em favor de fins coletivos” (HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002, p. 356). 8 Já no início do século XX, a doutina mais anteta percebia que o respeito ao procedimento não leva à verdade: “o mais grave erro atribuído a essa doutrina vem a ser o seu fundamento, isto é, o princípio de que constitue finalidade do processo civil determinar a verdade objectiva existente em cada caso, e dahi concluir que a sentença quando não consegue attingi-la, deve reputar-se uma ficção dessa verdade, uma verdade ao menos para efeitos de direito” (ESTELLITA, Guilherme. Da cousa julgada: fundamento jurídico e extensão aos terceiros. Rio de Janeiro: s. ed., 1936, p. 36). 9 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – a verdade real? – uma crítica ao sincretismo filosófico de terrae brasilis, cit., p. 367. 5 Já há mais de um século se sabe que, se todos nós só compreendemos o mundo que nos cerca a partir da linguagem, não existem mais Objetos puros à espera de serem acessados pelo Sujeito. 10 Se os fatos (irrepetíveis) de um caso são acessados pelo intérprete processual apenas indiretamente, através da documentação dos autos, e já que é imprescindível o ato de interpretar essas provas, a reconstrução de uma verdade universal passa a ser uma ideia virtual, fictícia, inatingível. No contexto da intersubjetividade e da invasão da linguagem no pensamento, o conceito de “verdade” torna-se mais um artifício do que uma categoria central das certezas filosóficas. Se somos inevitavelmente permeados pela nossa linguagem, só é verdadeiro aquilo que o próprio contexto linguístico nos permite afirmar; 11 não há racionalmente uma verdade no “mundo lá fora” a ser descoberta: A teoria da verdade como correspondência tenta inutilmente saltar para fora do domínio lógico-linguístico, dentro do qual unicamente a pretensão de validade dos actos de linguagem se pode explicar. Se assim é, não interessa que a ‘verdade’ esteja numa determinada relação com ‘algo’ de que se possa dizer que é verdadeiro (aliás, segundo este entendimento, não há no discurso nenhum ‘algo’). Apenas importa a relação de proposições: eis a teoria da verdade como consenso. 12 Por outro lado, parte da doutrina tem identificado nessa posição cética uma verifobia, capaz de rejeitar qualquer possibilidade de menção ao “real” e ao “falso” no campo do discurso jurídico. Por todos, é de se destacar a recente análise de Michele Taruffo em obra dedicada a esse tema. Taruffo critica o fato de que a filosofia pós-giro linguístico retirou toda credibilidade do conceito de “verdade” das ciências do conhecimento. Em contrapartida, defende o retorno do estudo da “verdade” a nível apofântico no âmbito do direito processual. 13 De toda forma, podemos passar ao largo de definir se isso é ou não é correto, pois mesmo que existam essências e verdades universais, muito frequentemente o discurso jurídico apela para a “verdade” apenas como elemento legitimador de um raciocínio pré- fabricado. O compromisso com a “verdade” paira mais no plano argumentativo do que efetivamente epistemológico. 10 Sobre o tema, ver: OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta linguístico-pragmática na filofosia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996. 11 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método, vol. 1. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 356. 12 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito, 3ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009, p. 421. 13 A crítica está em TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, especialmente pp. 95/104. 6 Assim, é de se concordar com William Santos Ferreira, quando diz que a verdade não é uma meta da sentença, mas dela uma expectativa 14 – afinal ninguém imagina uma sentença que propositadamente foge da verdade. Tanto o é, que no caso de uma presunção legal relativa, o juiz julga com base no fato presumido, que nada mais é que uma probabilidade (= algo menos que a verdade). Para o presente estudo, não cabe exatamente definir a pertinência da “verdade” ao processo, mas apenas que não há maneiras objetivas de se determinar se o intérprete se aproxima ou se distancia dela. Afinal, se a teoria da argumentação legou ao direito a indeterminabilidade de seu conteúdo, e já que não podemos escapar da interpretação, o controle sobre a “essência” das coisas deixa de existir.15 A impossibilidade de se saber quando (e se) ocorre o atingimento dessa “verdade” faz com que a sua busca deixe de significar um objetivo do processo, e assume características retóricas. 3. O juiz investigador e a impossibilidade de o intérprete se distanciar do Objeto de prova O sistema processual civil funciona, em relação às alegações das partes, com base em ônus; a lei atribui a cada parte a responsabilidade de comprovar determinados fatos (arts 333, I do CPC/73 e 373, I do CPC/15). O não cumprimento do ônus implica a sujeição a uma situação desfavorável a si mesmo. 16 No caso dos ônus de prova, a situação desfavorável é o não reconhecimento de que a alegação é fundada. Cada fato alegado e não provado pode conduzir o juiz a relativizar – ou eliminar –sua aceitação em uma narrativa. Ocorre que o juiz pode, ele mesmo, determinar provas (arts. 130 do CPC/73 e 370 do CPC/15). 14 FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: RT, 2014, p. 281. 15 A dura crítica ao argumento da “natureza das coisas” é vista em Müller: “Os teores jurídicos materiais nem de longe estão “contidos” nos elementos linguísticos das normas jurídicas, por sua natureza necessariamente imprecisos, de tal modo que poderiam ser transformados em conclusões lógicas. Conceitos jurídicos não reificam os teores normativos e materiais, aos quais eles se referem, e prestam-se, como todos os conceitos de línguas naturais, apenas a um exame dos seus respectivos modos de utilização e da delimitação tão confiável quanto possível destes últimos. O conceito dogmático tem mero valor de signo. Diante de conteúdos “metajurídicos”, regras jurídicas e figuras jurídicas positivas são tudo menos autônomas; como “juízo hipotético”, elas são em princípio interpretadas erroneamente” (MÜLLER, Friedrich. Teoria Estruturante do Direito, cit., p. 49). 16 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processual civile, vol. 2. Padova: Cedam, 1936, p. 73. 7 A possibilidade da prova de ofício significa que o código quer que decisões de mérito sejam adequadamente baseadas nos fatos ocorridos no caso. No entanto, a prova determinada pelo juiz precisa ser vista com muitíssimo cuidado. O risco que se corre é a autorização de que o juiz, ao ordenar a realização de uma determinada prova, esteja atrás de confirmações para hipóteses já formuladas. Vitor de Paula Ramos chama a atenção, inclusive, para uma possível comparação entre o direito e outros ramos da ciência: Em campos de conhecimento humano afastados do processo judicial, quando não há provas suficientemente boas, a saída sugerida pela epistemologia é a busca por mais provas; justamente porque algo corroborado por poucas provas confere, em geral, um grau de justificação muito pequeno. 17 O paralelo é interessante: em qualquer ramo da ciência, o investigador estabelece uma hipótese e empiricamente segue à sua confirmação. Mas será mesmo que essa analogia – entre o juiz e outros “cientistas” – é saudável e significativa para explicar o fenômeno da cognição processual? Aliás, há ganhos qualitativos e democráticos na tentativa de relacionar o direito processual civil (e a atividade do juiz) a outros ramos da ciência? 18 Pensar o processo como ciência e desbordar esse pensamento para a decisão judicial como fruto de constatações empíricas não só transforma o juiz em inequívoco buscador da “verdade” como institui que essa tal “verdade”, encontrada pelo Sujeito intérprete, conduz a uma “certeza” que corresponderia à decisão legítima de um caso. Aí o conhecimento jurídico deixa de ser histórico/interpretativo e passa a ser matemático, nos termos da filosofia do conhecimento: A expressão ‘o matemático’ tem sempre dois sentidos: significa, em primeiro lugar, o que se pode aprender do modo já referido e somente desse modo; em segundo lugar, o modo do próprio aprender e do proceder. O matemático é aquilo que há de manifesto nas coisas, em que sempre nos movimentamos e de acordo com o qual experimentamos como coisas e como coisas de tal gênero. 19 É matemático aquilo que é conhecido através de um método, um procedimento de regras pré-definidas. O matemático é algo que é dado, cujo conteúdo “verdadeiro” se 17 RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil, cit., p. 43. 18 Veja-se, a título de curiosidade, a metáfora de Beclaute Oliveira Silva. “O aplicador e/ou intérprete do direito atua como uma espécie de químico. Se ele toma dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, tem-se a fórmula química da água: H2O. Caso se tomem dois átomos de hidrogênio e dois de oxigênio, tem-se a fórmula química da água oxigenada: H2O2. Este mesmo processo de aglutinação, mutatis mutandis, se dá com as significações e, por conta dele, deve o aplicador explicar como chegou à combinação final mediante a fundamentação da decisão (sentença) final” (SILVA, Beclaute Oliveira. A garantia fundamental à motivação da decisão judicial. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 44). 19 HEIDEGGER, Martin. Que é uma coisa? Lisboa: 70, 1994, p. 82. 8 desvela através do procedimento. O método, nesse contexto, é uma estrutura autossuficiente, é algo que promete resolver, de forma completa, a interpretação que o homem faz para conhecer textos e objetos. Ocorre que o procedimento matemático apenas teria sentido se falássemos nas coisas em sua essência, em sua natureza incontestável. E aí surge o problema de relacionar a definitividade do juízo da decisão e a “verdade”. Se o homem depende da linguagem para compreender o mundo, e a linguagem é algo construído intersubjetivamente através do tempo, a compreensão das coisas pelo homem dá-se de modo histórico. No entanto, a história não é um método, e tampouco o é a linguagem; tratam-se de condições de possibilidade. Quando um intérprete se depara com um texto (ou com os fatos e as provas de um caso), ele não procede de maneira teorizada, metodologicamente, pois o homem não consegue (mesmo que, em vão, queira) desvincular-se de sua própria facticidade e da sua própria história. Quando dizemos que algo é, em algum momento já pretendemos compreender como esse algo é, e o homem quando acessa algum objeto já o faz antecipando, tentando prever o que ele é: Há, em toda ação humana, uma compreensão antecipadora do ser que permite que o homem se movimente no mundo para além de um agir no universo meramente empírico, ligado a objetos. Nos relacionamos com as coisas, com o empírico, porque de algum modo já sabemos o quê e como elas são. 20 No campo do direito, a matematização e o racionalismo são herança cartesiana. O raciocínio dedutivo, aliás, é de todo modo confortante aos ramos do conhecimento, pois externa sempre a aparência de se autolegitimar – a ciência dá resultados plausíveis para conclusões dedutivas, o que reduz o espaço de crítica e, mais grave, retira a dimensão hermenêutica do fenômeno jurídico. Paul Feyerabend, ao falar sobre as ciências de modo geral (mas de forma aplicável à ciência jurídica), conclui algo que em muito se aproxima com o que foi exposto nesse tópico: A ciência aproxima-se do mito, muito mais do que uma filosofia científica se inclinaria a admitir. A ciência é uma das muitas formas de pensamento desenvolvidas pelo homem e não necessariamente a melhor. Chama a atenção, é ruidosa e imprudente, mas só inerentemente superior aos olhos daqueles que já se hajam decidido favoravelmente a certa ideologia ou que já a tenham aceito, sem sequer examinar suas conveniências e limitações. 21 20 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2011, p. 241. 21 FEYRABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977, p. 447. 9 O paradigma do racionalismo e da modernidade legou à humanidade esse aspecto quase místico da ciência, como ramo de conhecimento superdotado. Vale aqui fazer uso de uma passagem cômica para auxiliar a compreender o aspecto confortante que a ciência dá ao conhecimento humano. Voltaire, na célebre obra “Cândido ou o otimismo”, conta que o protagonista, Cândido, voltou da América do Sul para a Europa com “carneiros de lã vermelha” – que na verdade eram lhamas, desconhecidas para os europeus. A certo ponto da história, Cândido se vê obrigado a prosseguir viagem sozinho, e “sóficou desgostoso por ter de separar-se de seu carneiro, deixado para a Academia de Ciência de Bordéus, que propôs como tema do prêmio daquele ano que se descobrisse por que a lã daquele carneiro era vermelha. E o prêmio foi atribuído a um sábio do Norte, que demonstrou, por A mais B, menos C, dividido por Z, que o carneiro devia ser vermelho”.22 A comunidade jurídica como um todo, e a processualística em especial, parece ter apostado em soluções que transformam o ambiente de diálogo do processo em um jogo de demonstrações científicas. 23 Ocorre que, em todo raciocínio científico/metodológico, o Sujeito já antevê (ou imagina, de todo modo) o resultado possível da própria pesquisa. Quer dizer, o próprio intérprete não pode determinar os fatos que merecem comprovação adicional, por ser impossível que nessa determinação já não resida um juízo sobre o resultado da prova. Esse “falseamento ingênuo”24 do raciocínio demonstra que todo e qualquer intérprete (aí incluídos os sujeitos do processo e o juiz) já interpreta os fatos de um caso imaginando seu possível resultado. Quando o juiz analisa as provas requeridas e produzidas pelas partes e não tem condições de dar certeza ao seu julgamento, é pernicioso que se sinta na obrigação de ir em busca de mais provas. Afinal o papel do julgador não é confirmar hipóteses – e muito menos ir atrás do que ele acredita ser “verdadeiro”. Por 22 Voltaire. Cândido, ou o otimismo. São Paulo: Abril, 2010, p. 89. 23 Ovídio Araújo Baptista da Silva aponta, nesse contexto, a necessidade do “reconhecimento de que o Direito não pode submeter-se aos princípios epistemológicos das ciências naturais e menos ainda das matemáticas”. Segundo o processualista gaúcho, o modelo cientificista do direito reduz o conhecimento do fenômeno jurídico “apenas àquele próprio das ciências de pesar, medir e contar” (SILVA, Ovídio Araújo Baptista. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. In: Revista magister de direito civil e processual civil, vol. 10. Porto Alegre: Magister, jan/fev. 2006, p. 5) 24 “A ideia é prejudicial à ciência, pois leva a ignorar as complexas condições físicas e históricas que exercem influência sobre a evolução científica. Torna a ciência menos plástica e mais dogmática: cada qual das regras metodológicas se vê associada a pressupostos cosmológicos, de modo que, recorrendo à regra, damos por admitido que os pressupostos sejam corretos. O falseamento ingênuo dá por admitido que as leis da natureza se apresentem de maneira clara e não oculta por perturbações de magnitude considerável” (FEYERABEND, Paul. Contra o método, cit., p. 449). 10 óbvio, a intenção é louvável, mas o recurso à verdade foge da verificabilidade, pelas partes, do raciocínio judicial. Nesse ponto, cabe diferenciar as ciências exatas, que operam na dinâmica das verificações empíricas e confirmações a posteiori do raciocínio, dos ramos históricos de conhecimento como o direito, que se submetem a um funcionamento mais complexo. A leitura de Oswaldo Giacóia sobre essa diferenciação é bastante interessante, levando em conta uma distinção conceitual entre explicar (Erklären) e compreender (Verstehen): “No caso das ciências formais, explicar consiste em deduzir propriedades a partir de definições prévias, de acordo com axiomas ou proposições evidentes”.25 Já as “Geisteswissenschaften (ciências do espírito, da cultura, ou ciências humanas), por sua vez, têm na compreensão sua categoria fundamental e não procedem por explicação nem por dedução de consequências a partir de princípios ou definições”.26 Especificamente sobre a observação (pesquisa) que o sujeito (cientista) faz do objeto (fatos e provas de um caso), veja-se: Na interpretação do sentido, o próprio cientista (sujeito), com seu lastro subjetivo de estimativas de valor, nunca pode ser separado inteiramente do objeto a ser interpretado, de modo que um teor de subjetividade não pode ser retirado das ciências da cultura, ao contrário do que ocorre com as ciências formais (matemática) e as ciências da natureza, cujas explicações se pretendem fundadas apenas na objetividade dos fatos, sem interferência subjetiva (valorativa) por parte do cientista. 27 O julgador, nesse caso, mesmo que inconscientemente assume o papel de Sujeito destacado do seu Objeto (e por isso se insere em um contexto matemático de conhecimento) quando constata que as provas dos autos não representam a “verdade” do caso. Ao abordar o fenômeno por esse aspecto, o juiz involuntariamente falseia seu próprio raciocínio. 4. A falsa relação entre demonstração do convencimento e atingimento da verdade 25 “De modo geral, explicar consiste em identificar relações constantes entre fenômenos ou séries de eventos, cuja regra geral tem a forma lógica da ligação entre causa e efeito. Consiste em enquadrar fenômenos nesse esquema formal, de modo que, para as ciências naturais, a natureza é concebida como um sistema de relações entre fatos, ligados entre si de acordo com certas regras invariáveis, fundadas em princípios universais” (GIACÓIA Jr, Oswaldo. Heidegger urgente. São Paulo: Três estrelas, 2013, p. 31) 26 Idem, ibidem. 27 Idem, ibidem. 11 É preciso mencionar, nesse ponto, a categoria do convencimento judicial, utilizada muitas vezes em situações que vão além do que o próprio conceito suporta. Dizer que algo está provado equivaleria a dizer que o juiz está convencido de uma determinada alegação de fato? Ainda mais, dizer-se não convencido de determinada alegação importa admitir que as provas dos autos não refletem a “verdade” do caso? A resposta parece ser negativa. Segundo Vitor de Paula Ramos, relacionar convencimento e legitimidade da decisão tem estreita ligação com a clássica ideia de que as provas eram produzidas pelas partes para o juiz. “Era o juiz quem deveria estar convencido sobre os fatos da causa. A prova tinha uma única direção: das partes para o juiz, seu destinatário exclusivo. [...] para a processualística do século XX, e para muitas importantes vozes da doutrina atual, o sentido de ‘está provado’ significa ‘o juiz está convencido”.28 Situando o problema, veja-se o art. 131 do CPC/73, que fala em apreciação “livre” da prova e da indicação dos motivos que formaram o “convencimento” do julgador. Daí se pode extrair, tão somente, uma ruptura com o antigo e defasado sistema tarifário de provas, onde havia regras legais para a valoração de umas e outras espécies probatórias. 29 É equivocado retirar desse dispositivo ou do sistema processual a ideia de que quem define a completude das provas de uma demanda é o juiz, que diz estar ou não convencido das alegações. Quem faz esse alerta é Pontes de Miranda: “o inconveniente do princípio da livre apreciação, sem limites claros, é o de aumentar enormemente a responsabilidade do juiz, ao mesmo tempo que abre a porta às impressões pessoais, às suas convicções de classe ou políticas, às suas tendências de clã ou de clube”.30 Fala-se aí de um “princípio do livre convencimento motivado”.31 A ideia de que o convencimento é “livre” tem consequências práticas, como por exemplo dizer-se que o juiz 28 RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil, cit., pp. 74/75. E ainda: “A figura do juiz estava “colocada como o cerne de toda a apuração dos fatos, como destinatário da prova, fonte imperscrutável do que poderia ser considerado provado e ‘metro’ para a análise da ‘suficiência’ do ‘convencimento” (Idem, p. 74). 29 Assim, como diz Giuseppe Chiovenda, “Il diritto moderno há respintoin massima il sistema della prova legale, adotando il principio che la convinzione del giudice debba formarsi liberamente” (CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di diritto processuale civile, vol II. Napoli: Eugenio Jovene, 1936, p. 426). 30 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao código de processo civil, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 380. 31 STJ, AgRg no REsp 1455219/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 19/08/2014. 12 só estaria obrigado a enfrentar as questões que lhe pareçam mais necessárias em um caso concreto: “Nos termos da jurisprudência desta Corte, o órgão julgador não é obrigado a se manifestar sobre todos os pontos alegados pelas partes, mas somente sobre aqueles que entender necessários para o julgamento do feito, de acordo com seu livre convencimento fundamentado, não caracterizando omissão ou ofensa à legislação infraconstitucional o resultado diferente do pretendido pela parte”.32 A crítica é bem feita por Robson Godinho: O pensamento persiste na antiga crença de que a prova serve unicamente à formação do convencimento do juiz e autoriza que a fundamentação indique apenas o que lhe formou o convencimento, desobrigando, aparentemente, da atividade de um exame completo do material probatório”.33 Ora, o convencimento formado pelo juiz não tem relação alguma com os fundamentos das partes que precisam constar da motivação da sentença. Se assim fosse, qualquer das razões constantes do processo (de qualquer uma das partes) poderia ser a única analisada, tendo o julgador se convencido do seu cabimento ou não. Se uma das tantas razões apresentadas pelo autor não foi suficiente para convencer, o pedido seria julgado improcedente – e o mesmo com o réu, em sentido inverso. Por isso o alerta: falar de justificativa de convencimento judicial é falar sobre a persuasão sobre o valor das provas dos autos. Nada mais que isso. Outro reflexo direto da hipertrofia do convencimento como categoria da certeza é sobre a maneira como são deferidas ou indeferidas determinadas provas, tendo como base somente aquilo que o intérprete crê que possa influenciar seu próprio convencimento sobre a matéria: “A orientação da Corte de origem, em princípio, está em consonância com a jurisprudência do STJ ao proclamar que o Código de Processo Civil não impõe uma obrigação e, sim, faculta ao juiz determinar a realização de provas a qualquer tempo, conforme o seu livre convencimento”.34 Teria mesmo o convencimento de um intérprete o condão de impor o conteúdo de uma decisão judicial, tendo em vista toda a responsabilidade democrática e institucional envolvida no ato de fundamentar essa mesma decisão? Veja-se o seguinte trecho de julgado: 32 STJ, EDcl no AgRg no AREsp 213.200/DF, Rel. Min. CAMPOS MARQUES, Quinta Turma, DJe 26/04/2013. 33 GODINHO, Robson Renault. Reflexões sobre os poderes instrutórios do juiz. In: Revista de Processo, vol. 235. São Paulo: RT, set/2014. 34 STJ, AgRg na MC 21.665/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 19/08/2014. 13 Conclusões periciais não têm o condão de, em hipótese alguma, excluir do julgador a condição de intérprete último dos fatos e de proferir a decisão de acordo com a sua convicção íntima, tal como resulta da dicção do art. 436, do Código de Processo Civil. [...] Destarte, ostentando os autos prova segura e contundente a favor do direito buscado pela parte autora, é dado ao magistrado, com fundamento no princípio do livre convencimento motivado, inclinar a sua decisão em sentido contrário ao das conclusões técnicas produzidas no processo. 35 De acordo com o trecho acima, o magistrado estaria livre para rejeitar provas periciais (que contêm conhecimentos técnicos que, via de regra, o juiz não possui) em nome do seu “livre” convencimento. Está-se diante de um super-argumento de autoridade, usado para legitimar uma vontade subjetiva. Muito ao contrário, na realidade “a prova serve muito mais à elaboração do discurso justificativo do que propriamente à formação do convencimento do juiz”.36 Quer dizer, o juiz pode, sim, distanciar-se da conclusão do laudo pericial, mas não em nome de seu próprio convencimento ou da “verdade”. Por esse motivo, o art. 436 do CPC/73 37 foi substituído, no CPC/15, pelo art. 479: “O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito”. Apenas as conclusões não técnicas do perito podem ser desconsideradas pelo juiz; as demais, se não forem bastantes, dão azo a uma segunda perícia (art. 480 do CPC/15), mas não a uma negação da expertise do perito. 38 Dito de outra maneira: a categoria do “convencimento judicial” não pode, de forma alguma, tornar-se uma pedra-de-toque epistemológica, a ponto de justificar uma decisão tomada com base nas convicções de quem julga. 39 E ainda mais, a controlabilidade 35 TJSC, Apelação Cível n. 2011.002997-0, Rel. Des. Trindade dos Santos, 2ª Câmara de Direito Civil, julgado em 02/08/2012. 36 HARTMANN, Érica de Oliveira. A parcialidade do controle jurisdicional da motivação das decisões, cit., p. 142. 37 “O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”. 38 LOPES, João Baptista. Iniciativas probatórias do juiz e os arts. 130 e 333 do CPC. In: Revista dos Tribunais, vol. 716. São Paulo: RT, out/2011, pp. 41/47, p. 45. 39 É a crítica feita por Gabriel Rangel: “o princípio do ‘livre convencimento’ é uma verdadeira balbúrdia jurídica, que vem sendo interpretado como um cheque em branco para o atuar dos juízes em valorar tudo na forma com que bem quiser” (RANGEL, Gabriel Dolabela Raemy. A legitimidade do poder judiciário no regime democrático. São Paulo: Laços, 2014, p. 81). 14 da decisão que se baseia no “estou convencido” dito pelo juiz é virtualmente impossível pelas partes. É nesse momento que o “convencimento” precisa ser bem entendido. Um caso concreto levado ao Judiciário não pode ser resolvido de uma ou outra maneira a depender do convencimento judicial, como aponta Calmon de Passos: O juiz diz o direito, não um direito que ele constrói livre e discricionariamente, mas direito que se faz norma particular, específica do caso concreto, construída a partir dos enfoques e nos limites oferecidos a ele, magistrado, pelo ordenamento jurídico. Diria, para usar colocação menos técnica e mais estética, que o juiz é um prisioneiro que dispõe de muito espaço para realizar a sua liberdade. 40 Por óbvio, a análise de um caso concreto envolve confrontar os fatos e as provas apresentadas com o que determina o ordenamento, e nessa atividade, muitas vezes a vontade pessoal do intérprete não coincidirá com o que seja a solução mais adequada; deverá, assim, julgar contra as suas preferências pessoais. Arruda Alvim adverte sobre isso que “muitas vezes, o magistrado vê-se na contingência de decidir não rigorosamente de acordo com o seu pensamento”.41 5. Os ônus de prova são uma blindagem contra a hipertrofia do convencimento judicial O fato de o intérprete de uma questão jurídica estar convencido de uma determinada solução não é suficiente para que ela seja tomada, pois direito não é aquilo que o intérprete quer que ele seja. 42 Nesse contexto, Alfredo Rocco, já no início do século XX, faz um questionamento pertinente: “como deverácomportar-se o juiz quando 40 PASSOS, José Joaquim Calmon de. O devido processo legal e o duplo grau de jurisdição. in: In: Ensaios e artigos, vol. 1. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 54. 41 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Manual de direito processual civil. São Paulo: RT, 2013, p. 1135. 42 O convencimento, a crença pessoal do juiz a respeito dos fatos deve ser deixada de lado, verificando-se o que está realmente provado objetivamente. Afinal, o fato do juiz ‘ser adepto’ de alguma hipótese não a torna mais ou menos passível de verdade. (RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil, cit., p. 34). 15 nenhuma das partes haja provado seu argumento e ele não tenha logrado formar um convencimento sobre a existência ou inexistência da relação que se trata de acertar?”43 Na realidade, essa situação seria problemática apenas se for mantida a crença de que é o convencimento judicial que deve informar quando há provas suficientes para julgar. Se as partes (e não o juiz) forem percebidas como destinatárias da instrução probatória, 44 ficará claro que a própria lei já prevê, quando distribui os ônus de provar, como deve proceder o julgador em relação a fatos não provados. Assim, à exceção das hipóteses de inversão legal de ônus de prova, se o autor não comprova fato constitutivo do seu direito, o pedido formulado inexoravelmente deve ser julgado improcedente. Da mesma forma, uma vez comprovados os fatos constitutivos, se é o réu não comprovar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, é a sua versão fática que deve ser rechaçada, de forma que o pedido será julgado procedente. Por mais simplória que essa solução possa parecer, encarar a questão de outro modo é temerário. São as regras dos ônus de prova que definem quem deve se desincumbir de comprovar cada espécie de fato. Quem diverge disso crê em uma postura mais ativa do juiz. Veja-se, como exemplo o trecho abaixo: Se ele [o juiz] verifica que, por qualquer motivo, provas importantes, necessárias ao esclarecimento dos fatos, não foram apresentadas, deve, ex officio, determinar sua produção. Com isso não estará beneficiando qualquer das partes, mas proporcionando um real equilíbrio entre elas, além de impedir que prevaleça no processo apenas o raciocínio dialético, segundo o qual não importam a verdade e a justiça, mas a vitória. 45 É o retrato do juiz investigador, que sabe dizer o que é a “verdade” e o que é “injusto”. Um julgador que, mesmo bem intencionado, não se dá conta da própria discricionariedade. O fato de o julgador não se sentir convencido da versão apresentada pelo autor dos fatos constitutivos do seu direito não o autoriza a ir em busca de mais subsídios, produzindo outras provas oficiosamente. É justamente para estabelecer uma regra de julgamento que existe a distribuição legal dos ônus de prova; do contrário, aí sim, 43 “Ma come dovrà comportarsi il giudice quando nessuna delle parti abbia provato il suo assunto ed edgli non abbia potuto formarsi una convizione sulla esistenza o non esistenza del rapporto, che si tratta di accertare?” (ROCCO, Alfredo. La sentenza civile. Milano: Griuffrè, 1962, p. 102). 44 Sobre o tema, ver: NERY Jr, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 984 45 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz, 5a. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 75-76. 16 não haveria controle sobre a discricionariedade e sobre a formação do convencimento em relação às provas. As provas devem ingressar discursivamente na fundamentação, tendo em vista sempre que se prestam a documentar ou atestar determinados fatos controvertidos. O porquê da utilização (e da não utilização) de cada prova merece atenção específica. Veja-se o que diz Arruda Alvim: “o livre convencimento motivado envolve, imprescindivelmente, a ideia de sopesamento das provas, e, para isso, todas elas haverão de ser, necessariamente, avaliadas, aceitando-se umas com poder de convicção e outras não, mas necessariamente se dizendo por que não são aceitas”.46 É nesse contexto que o Novo CPC, ao reproduzir no seu art. 371 o que o CPC de 1973 dispõe no art. 131, diz que o juiz “apreciará a prova constante dos autos”, suprimindo propositadamente a palavra livremente. Se há motivação, e se há vinculação ao debate e às provas, não há “livre convencimento”. A alteração é muito importante. Pois elimina do contexto probatório essa importância dada à convicção, e faz retornar ao objeto central da instrução a responsabilidade pelos ônus assumidos pelas partes: O juiz, repete a lei nossa, julgará segundo o que achar provado de uma e da outra parte, ainda que lhe a consciência dite outra coisa, e ele saiba a verdade ser em contrário do que no feito fôr provado”.47 Não se trata de ignorar a verdade e exaltar o brocardo “o que não está nos autos, não está no mundo”. O fato é que a verificabilidade de a “consciência” do juiz ter a “certeza” de que o fato ocorreu de outra maneira é algo que leva à discricionariedade. A menos que na própria fundamentação a insuficiência das provas for demonstrada objetivamente, o recurso ao argumento de que o juiz não está convencido por saber não ter ocorrido daquela maneira não é legítimo. Aí a dimensão acertada do convencimento, que por ser motivado deixa de ser “livre”. Para finalizar, vejam-se as precisas palavras de Lenio Streck: “em um direito democrático, o juiz não deve “explicar” aquilo que o “convenceu”… Ele deve, sim, explicitar os motivos de sua compreensão, oferecendo uma justificação (fundamentação) 46 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Nulidade de acórdão e de sentença. In: ______, José Manoel. Direito processual civil, vol. 1. São Paulo: RT, 2001, p. 240. 47 MONTEIRO, João. Teoria do processo civil, 6ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956, p. 281 17 de sua interpretação, na perspectiva de demonstrar como a interpretação oferecida por ele é a melhor para aquele caso”.48 6. O discurso sedutor da busca da “verdade real” O argumento de que o juiz não pode se contentar com uma “verdade” meramente formal é esteticamente muito atraente. O recurso à busca pela verdade se põe como contraposto a uma visão excessivamente formalista na qual não seria dado ao julgador decidir além daquilo que esteja comprovado nos autos. Diz-se que, se preso à verdade meramente formal, o juiz seria um “convidado de pedra”, imóvel e inerte. Já se partir em busca da verdade “real”, assumiria o papel de “diretor material do processo”.49 A doutrina de modo geral reproduz essa ideia da seguinte maneira: A qualidade da prestação da tutela jurisdicional, em atenção ao ‘modelo constitucional do direito processual civil’, não pode tolerar qualquer outro comprometimento do magistrado que não a busca da ‘verdade real’, isto é, a ‘verdade’, que no seu íntimo corresponda àquilo que realmente aconteceu no plano exterior ao processo e, por ter acontecido, acabou por motivar a necessidade da atuação do Estado-juiz para prestar tutela jurisdicional. 50 A verdade “real” é, assim, frequentemente contraposta à verdade “formal”, que seria uma noção que confessadamente não refletiria “aquilo que realmente aconteceu”. A jurisprudência que se formou a partir disso relaciona a superação do juiz como boca-da-lei como o motivo pelo qual o julgador não poderia se conformar com legalidades “injustas” e deveria ir em busca da “verdade real”, refletidora do sentido de “justiça”. Veja-seo seguinte julgado do STJ: “Antes do compromisso com a lei, o magistrado tem um compromisso com a Justiça e com o alcance da função social do processo para que este não 48 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – a verdade real? – uma crítica ao sincretismo filosófico de terrae brasilis. in: Revista dos Tribunais, vol. 921. São Paulo: RT, jul/2012, p. 379. 49 LOPES, João Baptista. Iniciativas probatórias do juiz e os arts. 130 e 333 do CPC. In: Revista dos Tribunais, vol. 716. São Paulo: RT, out/2011, pp. 41/47, p. 43. 50 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Procedimento comum: ordinário e sumário. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 236. Da mesma forma, em comentário ao art. 130, do Código de Processo Civil: “O dispositivo em exame, sem a menor distinção, confere ao juiz poderes de iniciativa na instrução, pois, no processo moderno, publicístico, o que se objetiva, fundamentalmente, é alcançar a verdade” (DALL’AGNOL, Antônio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 131-132). 18 se torne um instrumento de restrita observância da forma se distanciando da necessária busca pela verdade real, coibindo-se o excessivo formalismo”.51 Parece que a comunidade jurídica tenta contrapor modelos de juiz, separando o mero burocrata daquele que se sente capaz de captar o sentimento da comunidade em que está inserido. 52 Nesse sentido, certa parcela da doutrina brasileira escora-se em argumentos do tipo: “não é admissível um Judiciário que permaneça encastelado, a decidir, comodamente, apenas conflitos privados sem maior expressão, perante a realidade sociopolítica dos dias presentes. [...] é preciso um Judiciário que não se abstenha perante esses poderes agigantados, mas que tenha condições para enfrentá-los em patamar de igualdade”.53 Posto o problema dessa maneira, sua resposta parece pender para o lado do juiz preocupado com a Justiça, em detrimento do burocrata frio que julga conforme os ônus de prova. Como vimos nos tópicos acima, no entanto, a mera ideia do “modelo de juiz” comprometido com a “verdade” é desde já uma situação de perda de controle hermenêutico. Ainda nesse aspecto, deixe-se claro que também não se justificaria o argumento de que direitos indisponíveis reclamam uma atuação mais árdua em busca da verdade, ao passo em que os disponíveis são mera liberalidade probatória das partes. 54 A disponibilidade ou não do direito também não tem a ver com a verdade. Poderia ter a ver com a produção de provas de ofício, mas não com a verdade. O interesse público na 51 STJ, REsp 331550/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2002, DJ 25/03/2002, p. 278. 52 O discurso que avoca uma postura “ativa” dos juízes parte de um binômio entre o juiz “burocrata”, frio e alheio à realidade, e aquele que toma partido e, ativamente, busca um ideal de “justiça”. Veja-se, sobre isso, a opinião de João Baptista Herkenhoff, que considera o juiz “um poeta, alguém que morre de dores que não são suas, alguém que vive o drama do processo, [...] alguém que capta os sentimentos e aspirações da comunidade, alguém que incorpora na sua alma e na própria vida a fome de justiça do povo a que serve”. Diferentemente, segundo o mesmo autor, haveria o juiz distante, alheio, tomado pela “carência do idealismo e da paixão que tornariam seu ofício uma aventura digna da dedicação de uma existência” (Apud PRATO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção. Campinas: Millennium, 2003, p. 93). 53 Silvio Dobrowlsky. A necessidade de ativismo judicial no estado contemporâneo, apud SILVA, Ana de Lourdes Coutinho. Motivação das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 26 54 “Como cabe às partes a disposição das suas relações privadas, dessa estrita perspectiva pareceria natural que também toda iniciativa processual deveria depender dessa mesma liberdade” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; SANTOS, Evaristo Aragão. Sobre o ponto de equilíbrio entre a atividade instrutória do juiz e o ônus da parte de provar. In: MEDIN, José Miguel Garcia, et al. (coords). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais. São Paulo: RT, 2008, p, 158). 19 verdade ocorre mesmo com direitos disponíveis. A justiça não deve ser “maior” para os direitos indisponíveis. Por esse mesmo motivo, José Carlos Barbosa Moreira defende que a cognição do juiz no processo penal (que cuida de direitos sabidamente indisponíveis ou menos próximos à disposição das partes) não pode ser diferente da do processo civil, apenas pela natureza do objeto jurídico tutelado. 55 A busca da verdade não pode realmente se estruturar como o fim institucional da prova, muito menos como o fim do processo em si. O conceito de verdade, e o seu atingimento são indisponíveis para o conhecimento humano, principalmente quando o que ocorre na investigação judicial é a reconstrução de fatos pretéritos, recriando-os através dos sentidos das pessoas, naturalmente falíveis. 56 As provas devem ser encaradas como meios através dos quais cada parte atestará sua versão de determinados fatos, a fim de reforçar os argumentos jurídicos das questões levadas a julgamento. Sobre isso, as precisas palavras de Arruda Alvim: No sistema de provas adotado pelo Código de Processo Civil brasileiro, elas servem como um método retórico de convencimento do Estado-juiz da validade de proposições, feitas no processo, a respeito de fatos juridicamente relevantes. Por mais que não se possa falar, atualmente, em um “descobrimento da verdade”, dentro do processo, a produção de provas tem como finalidade reforçar faticamente a veracidade dos argumentos das partes. 57 Na verdade, “os fatos são interpretados, primeiramente, pelas próprias partes; reinterpretados pelos advogados e, por fim, pelo juiz, após ouvir deles versões passadas pelas testemunhas, documentos, etc. Por isso o juiz opera com a verossimilhança”.58 Fatos ocorridos e relatados em um processo somente farão sentido para o expectador a partir de um acordo linguístico, ou seja, de uma linguagem socialmente compartilhada. O expectador, mesmo que mentalmente, só poderá aceitar o sentido do fato 55 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Processo civil e processo penal: mão e contramão? In: Temas de direito processual civil, 7ª série. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 201/2015. 56 “La búsqueda de la verdad no puede realmente estructurarse como el fin institucional de la prueba […] Resulta inasequible para el conocimiento humano, máxime cuando de lo que se trata en la investigación judicial, es de reconstruir (por lo general) hechos pretéritos, recreándolos a través de los sentidos de las personas, naturalmente falibles” (KIELMANOVICH, Jorge. Teoría de la prueba y medios probatorios, 4ª ed. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 2010, p. 349). 57 ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Provas: descabimento quanto a fatos impertinentes e incontroversos. In: ______, Soluções práticas de direito, vol. IV, tomo II. São Paulo: RT, 2014, p. 688. 58 “A própria criação da palavra teve por consequência a duplicação da realidade sensível. Uma coisa é o objeto; outra, é a noção do objeto que se consegue transmitir por meio da palavra. A realidade do processo pode não ser a realidade dos fatos" (MANZI, José Ernesto. A fundamentação das decisões judiciais civis e trabalhistas. São Paulo: LTr, 2009, p. 137). 20 testemunhado se admitir que os limites do pensamento são os limites da sua linguagem. Dessa maneira, quando acessamos os fatos, não podemos(nem mesmo que queiramos) deixar de interpretá-los, e os fatos, eles mesmos, terão chegado ao processo por meio da interpretação necessária à sua documentação. Toda prova é uma transposição ligeiramente imperfeita da realidade para os autos. Fatos podem ser averiguados somente por meios imperfeitos, dependendo de procedimentos imperfeitos – a evidência de outras pessoas, a percepção e compreensão subjetivas, e a classificação dessas percepções; ademais, há limites no tempo que se pode gastar na busca pela precisão factual. Toda decisão requer avaliação e julgamento, tanto na fixação dos métodos de eleição dos fatos quanto na decisão de quanta evidência é suficiente. 59 O ato de investigar e instruir um caso não pode ter como escopo reconstruir a verdade dos fatos. O conceito de “verdade real” torna-se meramente performático. Sobre esse ponto, podemos recorrer a John Austin, na análise feita por Georges Abboud: Na sua teoria dos atos de fala (speech acts) de JOHN L. AUSTIN, o termo performático englobaria as expressões linguísticas que seriam frequentemente vazias de sentido nelas próprias (um sem sentido). Os enunciados performáticos não descrevem ou registram nada, por consequência, eles não são nem verdadeiros nem falsos. Ademais, o ato de expressar a oração é realizar uma ação, ou parte dela, ação que, por sua vez não seria normalmente descrita como consistente em dizer algo. 60 A partir do momento que isso for percebido pela comunidade jurídica, será fácil compreender como a referência à suposta “verdade real” é de fato um subterfúgio argumentativo, como denuncia: “A “verdade real”, em um modelo inquisidor do “juiz presidente da instrução”, tem sido utilizada como um álibi teórico para justificar tanto a busca de elementos de “convicção” pelo juiz (a questão do gerenciamento da prova), quanto de argumento performático para motivar uma decisão que padece de coerência e integridade, vale dizer, de uma decisão que possui pouco - ou nenhum - fundamento jurídico”.61 59 “facts can be ascertained only by imperfect means, relying on imperfect procedures – the evidence of others, one’s own perceptions and understandings, and the classification of those perceptions; also, there are limits to the time that may be spent in the quest for factual accuracy. Any decision requires assessment and judgment, both in fixing the methods for eliciting the facts and in deciding how much evidence is sufficient” (GALLIGAN, Denis J. Discretionary powers: a legal study of official discretion. Oxford: Claredon, 1986, pp. 34/35). 60 ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial. São Paulo: RT, 2014, p. 138 61 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – a verdade real? – uma crítica ao sincretismo filosófico de terrae brasilis, cit., p. 365. Por conta dessa quase inescapável subjetividade entre requerer e analisar provas, Glauco Gumerato Ramos Propõe, com base em modelos ibero-americanos de processo, a divisão de competências 21 No mesmo sentido, as palavras de Ovídio Baptista são precisas: “O que interessa ao intérprete não será uma imaginária verdade dos ‘fatos’. Ao contrário, incumbe-lhe encontrar o ‘significado’ que os fatos poderão assumir, no momento e nas circunstâncias de sua aplicação”.62 Isso é verdade, especialmente porque há um equívoco em conceber os fatos como fragmentos de uma realidade passada que podem ser desconstituídos e reconstituídos, individuados entre os diferentes meios de prova disponíveis. Novamente, veja-se trecho de Ovídio Baptista: Pensamos a prova como se ela fosse composta por uma infinidade de pequenas unidades elementares, independentes e desligadas umas das outras. Imagina-se que o juiz, para formar o convencimento, perceba cada fato individual em seu próprio sentido. Este modo de conceber a prova é duplamente equivocado: primeiro, porque não há fato puro, assim como não há um direito concebido abstratamente, sem fatos; segundo, é igualmente falso supor que a prova seja recebida pelo juiz ‘atomizada’, aos pedaços, como se fosse constituída de pequenas unidades independentes. 63 Tendemos a imaginar equivocadamente uma noção de verdade que vai sendo construída por camadas, até que se forme um conjunto mais ou menos coeso e remendado de pequenas verdades que, somadas, são a “verdade real”. O grande problema nessa fórmula é possibilitar que o julgador adicione ou imagine versões fáticas que não constam dos autos, supostamente em busca de uma verdade mais “real” que aquela comprovada processualmente. 7. Para encerrar – o processo que busca a verdade e result oriented judgment O juiz, que não é cientista, não sai em busca de comprovações (provas) para confirmar seu experimento (decisão). O risco que se corre é o de permitir julgamentos que visam a resultados pré-determinados, como bem reconhece Robson Godinho: Os poderes instrutórios podem servir para que o processo se amolde a uma decisão aprioristicamente engendrada pelo juiz. Ou seja: o poderes instrutórios entre juízes para um mesmo caso. Juízes diferentes cuidariam da fase de urgência, instrução, e decisão da demanda, e dessa maneira evitariam a contaminação dos pré-juízos no momento em que o feito for decidido. (RAMOS, Glauco Gumerato. Repensando a prova de ofício. In: Repro, vol. 190. São Paulo: RT, dez/2010, pp. 315/337). 62 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional, cit., p. 11. 63 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional, cit., p. 10. 22 podem ser utilizados para coonestar uma decisão já formada, como se o processo pudesse ser esticado ou amputado para que caiba no julgamento já formado”.64 Aí está a dimensão equivocada do tema. Certamente, por vezes, a prova dos autos não refletirá aquilo que “realmente ocorreu” em um determinado caso. Disso, não se pode discordar. O cerne da questão está na impossibilidade de se tentar identificar quando essa não-correspondência terá ocorrido. Há um fechar de olhos para a também inegável constatação de que quando o juiz vai, ele mesmo, em busca de uma verdade extraprocessual, o relativismo e a vontade do intérprete são inescapáveis. As partes passam a depender daquilo que o julgador achar que é mais plausível ter, ou não, ocorrido, e aí a construção do conjunto fático depende cada vez menos da instrução probatória em si. Como adverte Gabriel Rangel, sobre o processo penal, mas aplicável a este estudo, o princípio “da ‘verdade real’ passou a ser interpretado como o que o juiz quer que seja. Em outras palavras, a verdade real passou a ser aquela extraída inquisitorialmente pelo juiz”.65 Pensemos em exemplos práticos. Fixados os pontos controvertidos na decisão de saneamento e organização (art. 357 do CPC/15) e produzidas as provas, o juiz ainda não tem “certeza” (convencimento) sobre as razões de uma e outra parte. Ao determinar a produção de nova prova, esta poderá vir a atestar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, que são ônus do réu. Se isto acontecer, o resultado é a improcedência do pedido, mas se não ocorrer (pela insuficiência do resultado esperado da prova), a dúvida persistirá, e o juiz pode ainda assim dar pela improcedência, dada sua dúvida quanto às razões do autor. Quer dizer, apenas se a prova vier a confirmar fato constitutivo do direito do autor, a dúvida deixa de existir e o julgamento é pela procedência – ou seja, a prova confirma um resultadoesperado pelo juiz. Nesse caso a prova de ofício pode auxiliar apenas o autor. Indo adiante, pensemos no caso de o autor ter se desincumbido de provar o que lhe cabia, mas não o réu. A prova decretada pelo juiz não pode ser relativa a fato constitutivo (pois será redundante e merece ser indeferida, segundo o art. 370, p. único, do CPC/15). Deve então ser exclusivamente provado o que o réu não logrou. O resultado esperado a ser confirmado é somente este, para auxiliar o réu. 64 GODINHO, Robson Renault. Reflexões sobre os poderes instrutórios do juiz. In: Revista de Processo, vol. 235. São Paulo: RT, set/2014, p. 92 65 RANGEL, Gabriel Dolabela Raemy. A legitimidade do poder judiciário no regime democrático, cit., p. 81. 23 Por último, se o réu já tiver suficientemente provado qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a produção adicional de provas não interessa ao feito. Mesmo o fato constitutivo vindo a ser provado, as provas do réu servem para tirar razão do autor. Se a regra de ônus de prova for aplicada corretamente, a prova nova decretada pelo juiz tende a ser um fator legitimante da sua própria decisão. Quer dizer, as partes agem e não logram chegar à verdade, e aí o juiz imprime, ele mesmo, o selo de certeza e verdade que faltava ao caso, com sua atuação na fase instrutória. Toda reconstrução perfeita da verdade é mera tentativa, e por isso mesmo deve ser abandonada. A ideia de ”verdade”, por ser inatingível, acabará sempre sendo reduzida àquela “verdade” imaginada pelo próprio intérprete. E esse problema é tanto perceptível quanto remediável através da adequada fundamentação das decisões: Essa questão refere-se diretamente ao problema da fundamentação das decisões, já que esse tipo de seleção artificial pode muito bem ocorrer na matéria fática e nada mais perigoso para um Estado de Direito do que juízes que se confundem com a Justiça e [...] supõem carregar a verdade. 66 Para tentar evitar esse tipo de risco, cada prova que pode influenciar (mesmo que negativamente) na maneira como a decisão é tomada precisa constar da fundamentação. A rejeição de uma determinada prova precisa ser expressa e contrastada com o acolhimento das demais. Michele Taruffo, inclusive, ao relacionar a necessidade de fundamentação com a observância do que foi provado nos autos, diz que “a verdade não surge somente das provas favoráveis à existência daquele fato, mas também – e sobretudo – do confronto entre provas favoráveis e contrárias. Se as provas contrárias não são levadas em consideração justamente porque são contrárias a uma hipótese, o acertamento daquele fato não é adequadamente justificado, enquanto não resultam as razões pelas quais se exclui que tal acertamento pudesse ser diverso”.67 Conclui-se que enxergar o processo (e não o juiz) como o destinatário das provas implica que as decisões façam referência aos fatos de forma discursiva, não se limitando a 66 GODINHO, Robson Renault. Reflexões sobre os poderes instrutórios do juiz, cit., p. 91 67 “La verità non scaturisce solo dele prove favorevoli all’esistenza di quel fato, ma anche – e sopprattuto – del confronto tra prove favorevoli e prove contrarie. Se le prove contrarie non vengono prese in considerazione proprio perchè sono contrarie ad una determinata ipotesi, l’accertamento di quel fatto non è adeguadamente giustificato, in quanto non risultano le ragioni per le quali si esclude che tale accertamento potesse essere diverso” (TARUFFO, Michele. La motivazione dela sentenza. In: Revista de Direito Processual Civil, vol. 31. Curitiba: Gênesis, jan/mar. 2004, p. 184). 24 mencionar as provas que corroboram o que o julgador pretende sustentar como tese vencedora. Isso, pois o conceito de “verdade” dentro do processo é construído também dialeticamente, entre partes, interessados e juiz. E não há como não ser assim, pois a tentativa do julgador de fugir dessa versão dos fatos esbarra na sua própria livre atribuição de sentidos, e consequentemente na discricionariedade. O mesmo ocorre quando aos olhos do juiz singular os fatos não estão devidamente comprovados e há a desconfiança de que seria preciso produzir mais provas a respeito de determinado fato. Quanto a isso, a doutrina da “verdade real” dirá que a distribuição de ônus de provar (arts. 333, do CPC/73 e 373 do Novo CPC) pode ser mitigada e o juiz pode decretar provas de ofício, justamente pra ir em busca de um conceito de verdade do qual o intérprete intimamente se convenceu. Veja-se o seguinte julgado, do início da década de 1990: Na fase atual da evolução do direito de família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor. Deve-se ensejar a produção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à boa realização da justiça. O superior tribunal de justiça, pela relevância da sua missão constitucional, não pode deter-se em sutilezas de ordem formal que impeçam a apreciação das grandes teses jurídicas que estão a reclamar pronunciamento e orientação pretoriana. 68 O tribunal coloca-se numa posição de superioridade em relação a quem defenda o apego à “mera verdade formal”. O argumento seduz, pelo apelo à “justiça” da decisão, mas não convence. E mesmo mais recentemente se percebe que não houve alteração de posicionamento, continuando o STJ a entender que “A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, é amplíssima, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça”.69 Não há nessa espécie de fundamentação uma discursividade suficiente, porque não há a demonstração de como a verdade “encontrada” pelo julgador é “mais real” que aquela apresentada pelas partes. 68 STJ, REsp 4.987/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04/06/1991, DJ 28/10/1991. 69 STJ, AgRg no REsp 738.576/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/08/2005, DJ 12/09/2005. 25 Não se trata de retornar ao clássico conformismo da processualística à verdade meramente “formal”,70 mas de eliminar do debate judicial as referências ao que é “real” e ao que não é, sob pena de convivermos com esse tipo de artificialidade do discurso: Admitindo-se a prova como argumento de discussão, as novidades na valoração dos fatos pelo juiz devem ser obrigatoriamente debatidas com as partes. Resgata- se a humanidade no debate judicial. A ‘verdade’ abandona a perspectiva matemática para ser mais acessível e contingente”.71 Se a fundamentação não for completa nesse sentido, será possível que a decisão molde a “verdade” como preferir. Aí está a dimensão inadequada da busca pela “verdade real” dentro do processo. Em uma palavra e para concluir o que foi dito até aqui, a ideia não é abandonar qualquer compromisso com a realidade e conduzir o processo sem a preocupação com o “mundo real”. Pelo contrário. Ao se fazer referência desmedida à “verdade” é que se perde de vista a dialeticidade da argumentação das partes. Tenta-se sobrepor uma suposta visão privilegiada de mundo 72 ao inescapável devir hermenêutico que permeia o raciocínio judicial. Se o direito é linguagem, os sujeitos da relação processual constroem gradativamente a historicidade do caso concreto, e não cabe ao julgador/intérprete atuar por conta própria (fugindo do diálogo com as partes) em nome de um senso de “justiça”. Aí não se está mais falando de “verdade”.Passa-se a imprimir um selo de legitimidade a um argumento que pode mascarar as preferências de quem julga – e a verificabilidade desse argumento é impossível, justamente pelo caráter etéreo e pouco confiável do que seja “verdade” dentro do processo judicial. 8. Bibliografia 70 CARNELUTTI, Francesco. La prova civile. Roma: L’Ateneo, 1947, pp. 62 e ss. 71 ZANETI Jr, Hermes. O problema da verdade no processo civil. In: Repro, vol. 116. São Paulo: RT, jul- ago/2004, pp. 334/371, p. 338 72 Crer que o juiz seja munido dessa visão privilegiada é algo ínsito à cultura jurídica herdada pelo Brasil. Confira-se o seguinte trecho: “O sentimento de justiça, pelo qual, conhecidos os fatos, se sabe de que lado está a razão, é uma virtude inata, que nada tem a ver com a técnica do direito. O mesmo sucede na música, em que a maior inteligência não pode suprir a falta de ouvido”” (CALAMANDREI, Piero. Eles os juízes, vistos por nós um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 149). 26 ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial. São Paulo: RT, 2014. ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Nulidade de acórdão e de sentença. In: ______, José Manoel. Direito processual civil, vol. 1. São Paulo: RT, 2001. ______. Manual de direito processual civil, 16ª ed. São Paulo: RT, 2013. ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Provas: descabimento quanto a fatos impertinentes e incontroversos. 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