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Texto-ENACTEMENT-Encenação

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ENACTEMENT - Encenação 
 
Suad Haddad de Andrade 
 
Escolhi este tema. Tran e contrat , para abordar ao mesmo tempo questões do Método, 
do Processo Psicanalítico e também do Ofício, as três partes tal como está dividido o 
programa do Congresso de Recife. Esta é minha pretensão e espero dar conta com este 
tipo de exposição que vou fazer. 
Atualmente não separamos mais trans de contra; vêm sempre juntas expressando os 
movimentos interativos entre A. e Analisando. A idéia de que um afeta o outro já é 
comum a quase todas as teorias psicanalíticas mas a maneira como isto é 
instrumentado varia muito de uma escola para outra. Tem os interpersonalistas ( que 
colocam aspectos externos dentro da situação), os intersubjetivistas (que trabalham o 
tema como todos os demais das Relações de Objeto só que não aceitam, como os 
kleinianos os aspectos destrutivos da I P. Entre os intersubjetivistas inclui-se o Ogdem 
que tem toda uma teoria sobre a criação do terceiro analítico, que emerge ali na 
relação), os hermeneutas (que falam da possibilidade de construção, na relação, de 
algo novo, como uma construção mútua de significados). Parece que os lacanianos 
também têm uma visão particular sobre este relacionamento, mas também admitindo 
a influencia mútua. 
 Atualmente um conceito muito importante está sendo discutido em muitos 
trabalhos e em muitos encontros: enactement , traduzido por encenação, que é um 
tipo específico de conluio entre paciente e analista no qual o analista é envolvido 
sutilmente, e sem se dar conta, num comportamento definido pelo paciente. Maria 
Ponci, diferenciando enactement de Identificação Projetiva, diz: se na I.P. o 
analisando atua dentro do A. colocando dentro dele um aspecto que também é de 
dentro do paciente, no enactement há uma resposta do A a certos estímulos 
particulares vindos do paciente, e se refere sempre a um comportamento, a uma ação; 
por isto se fala em encenação. Na I.P. estamos falando de estados emocionais de um 
ou do outro. 
 Em qualquer destas situações estamos dentro do âmbito da 
contratransferência que, hoje sabemos, é a ferramenta mais importante que temos para 
conhecer o que o paciente está nos comunicando. Portanto consideramos hoje que o 
sentimento do analista faz parte do setting. Nos deixamos penetrar pelo paciente, nos 
deixamos perturbar pelo paciente. Por outro lado a personalidade do analista está 
inteira ali na sessão colaborando com o trabalho. A diferença com o paciente é que o 
analista presta atenção ao que se passa com ele, e vai tirar proveito desta observação 
de si mesmo para compreender o que se passa com o analisando. Isto não quer dizer 
que o A vai expor ao paciente o que se passou com ele – a maneira como ocorre a 
interação entre eles não deve ser explicitada ao paciente. O analista observa, conclui e 
dá sua interpretação do que está ocorrendo com o analisando. 
 
 Vou trazer o ex. de uma situação vivida por mim que tem uma maior 
complexidade porque entraram em jôgo outros elementos além de A e An. 
 Recebo um telefonema de uma sra. que me diz querer marcar uma entrevista 
comigo para tratar do caso da filha que necessita de análise. E passa a falar dos 
problemas da filha como se já estivesse fazendo a entrevista, um tanto invasimamente. 
Toda a descrição, com as dificuldades narradas minuciosamente, me faziam pensar em 
uma adolescente, e me admirei quando soube da idade, 25 anos. Mas era uma 
adolescente na postura e em todo o enquadre da situação, por isso marquei para virem 
os pais e ela, para conversarmos juntos. Depois que eu marquei fiquei muito inquieta: 
porque eu não passei o caso adiante? 
 Quando chegam, os 3 na sala: a mãe altiva, durona, o pai deprimido, triste, arrasado e a 
jovem reclamando de ambos com muita raiva. Fico conhecendo os fatos e me impressiona a 
jovem com um olhar estatelado que eu entendo como desafiador. Quando vou falar com ela 
sozinha sou muito incisiva, e a questiono várias vezes se ela quer realmente fazer análise 
(coisa que normalmente não faço ). Volto a falar com os pais mas estou francamente tentada 
a não pegar o caso. Mas parecia que não tinha mais jeito. Dou os horários mas marco para 
começar dentro de duas semanas. E nestas duas semanas eu só pensava que eles me ligariam 
para dizer que ela não viria. Fiquei muitas vezes me lembrando do abacaxi que tinha 
arrumado para mim e até como faria para, na primeira dificuldade ou vacilaçao, interromper 
o trabalho. 
 No dia , na hora marcada abro a porta e vejo-a sozinha na sala, meio encolhida olhando 
fixamente para a porta com o mesmo olhar que eu chamava de desafiante. Entra, deita, e em 
seguida diz: “Esta noite me aconteceu uma coisa que nunca tinha me ocorrido antes; acordei 
no meio da noite , perdi o sono e estava com muita fome. Fui à cozinha abri a geladeira e 
comi um punhado de charuto de folha de uva. Aí voltei para o quarto e dormi.” 
Fui tomada de uma grande surpresa; senti que minha armadura caiu; meus olho se encheram 
de lágrimas. Eu só disse então: Você estava com muito medo de vir aqui hoje, não é? 
O meu medo era o dela – a I.P. funcionara bem, ou melhor, percebi que tinha ocorrido uma 
projeção de seus temores em mim e, I.P. exitosa, eu tinha vivido todo aquele tempo 
invadida. 
 Foi só neste momento que eu me dei conta que estava com uma jovem que eu não 
conhecia, que estava com um olhar desesperado, pedindo ajuda. Só então eu pude me 
instalar inteira como analista daquela analisanda. 
 O que ocorreu? Eu disse que era uma situação mais complexa, como sempre são as de 
atendimento de crianças e adolescentes. Os pais, principalmente a mãe, interferiu muito na 
situação, o que não tem nada de mais, é o papel dela. O problema foi todo meu, 
contratransferencial e que poderia ter levado a um desastre. Mas, por outro lado, não sei se 
poderia ser diferente. Então vejamos: A mãe tinha que tomar a iniciativa de procurar analista 
porque este é um dos problemas dela, paciente. Eu me identifiquei com esta mãe 
imediatamente e passei a sentir o quanto era difícil ser mãe-analista desta jovem. Tentei 
desistir todo o tempo mas não o fiz: eu estava dividida e conseguindo preservar a analista 
numa parte minha, mas com muito sofrimento. 
 Muitos outros aspectos importantes foram se configurando para mim: fui recrutada a 
fazer o papel de mãe severa, pela própria mãe e pela parte severa da própria paciente – este é 
o aspecto de enactement da situação. Fiquei envolvida no papel de avaliadora durante todo 
o tempo. Fui ao encontro com a pac. sabendo tudo o que ia acontecer, com uma onisciência 
magnífica. Não fui receptiva, não fui tolerante, não fui criativa, tudo que a paciente não 
consegue ser (e sua mãe também); este é o núcleo de suas dificuldades, em que uma 
destrutividade enorme bloqueia suas iniciativas, e toda sua personalidade. 
 Acabei identificada com a destrutividade de ambas, mãe e filha, e atuando o papel que 
ambas me davam: uma preceptora brava que exigia obediência e submissão para aceitar a 
nova discípula. Eu até dizia para mim, antes desta primeira sessão: ela não demonstra 
angustia, só raiva (como a própria mãe que dizia que ela era egoista e não se importava com 
eles); não acreditei no pedido de ajuda da paciente com seu olhar angustiado. Mas o pedido 
ficou escancarado na sua comunicação quando ela me dizia que precisava do meu alimento 
(charuto de folha de uva), e de um penis forte (charuto), criativo, para sair do naufrágio; ela 
buscando um casal de pais diferentes dos que ela tem dentro dela. 
 Agarrada a clichês do tipo: adolescente é um problema ou, anoréxicas são difíceis, ou 
drogaditos são assim ou assado, eu estava fazendoexatamente o que sempre repito aos meus 
supervisionandos ou candidatos em geral que não devem fazer: cada caso é um caso e não 
devemos nos prender a diagnósticos. Enquanto eu a excluia, eu representava uma parte dela 
que a exclui sempre, que a ataca, que não confia nela mesma. 
 A armadura em que eu me vi presa é a mesma em que ela está permanentemente. 
 
O importante não foi a minha rejeição mas eu poder me dar conta dela. Meus próprios 
sentimentos me ajudaram a compreender a paciente. Eu sabia todo o tempo que algo não 
estava bem comigo, que eu estava assustada. Os temores dela foram colocados em mim. Por 
pouco eu não sucumbi, desistindo da experiência, como ela sempre faz. 
 Estou convencida de que por mais difícil e perigoso que seja, temos que aceitar ser 
continentes dos aspectos mentais difíceis, mesmo os mais insuportáveis, dos pacientes. 
Só consegui instrumentar a I.P. e todos os aspectos de envolvimento contratransferencial 
quando a paciente veio em meu socorro. Ela própria, ou o aspecto bom dela, preservado, é 
que foi mobilizado para me ajudar. Este é o aspecto mais importante da situação. 
É como acontece com as crianças que ao chorarem ou não comerem ou ao reagirem de 
alguma forma, obrigam a mãe a prestar melhor atenção nelas, e ajudam a mãe a ser melhor 
mãe para elas. E a serem melhores pessoas também.

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