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PSICOLOGIA JURIDICA: UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA A Psicologia, assim como outras ciências humanas, pertence ao mundo do “ser”, enquanto o Direito insere-se no universo do “dever-se”, segundo Hans Kelsen. O encontro dessas dimensões ocorre na Psicologia jurídica, quando o ser humano, segundo a psicanálise, se torna sujeito capaz de se submeter às normas jurídicas, limitando seus desejos em prol da vida em sociedade. A Psicologia tem uma longa pré-história ligada à Filosofia, mas apenas no século XIX se consolidou como ciência autônoma, com objeto e método próprios. Na Antiguidade, os períodos cosmológico e antropocêntrico buscaram compreender o cosmos e o homem, com contribuições de filósofos como Tales, Protágoras, Sócrates, Platão e Aristóteles. Na Idade Média, surgiu o teocentrismo e o conhecimento psicológico estava ligado à religião, destacando-se Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, que integraram filosofia e teologia. Com a Modernidade, marcada por mudanças sociais, políticas e científicas, surgiram o antropocentrismo e o saber científico, destacando-se filósofos como Descartes, Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, que fundamentaram a compreensão do homem e do conhecimento. Paralelamente, doutrinas orientais, como o budismo e o taoísmo, influenciaram concepções sobre a alma e a conduta humana. O conceito e as definições de psicologia jurídica A palavra “psicologia” tem origem grega, unindo psiqué (alma, mente, espírito) e logos (razão, estudo), podendo ser entendida como o estudo da mente e dos fenômenos a ela associados. O conceito de psicologia varia conforme a linha teórica adotada, abrangendo um mosaico de abordagens que vão das ciências biológicas ao enfoque psicodinâmico, centrado no mundo interno do indivíduo. Dentre as abordagens ditas biológicas: a psicologia do desenvolvimento, que estuda o crescimento físico e mental dos seres humanos desde o período pré-natal, passando pela infância, adolescência, idade adulta e velhice e a psicologia fisiológica, que investiga a natureza biológica do comportamento dos pensamentos e das emoções humanas. Como vertente da psicologia fisiológica, encontramos a neuropsicologia, que se interessa principalmente pelo cérebro e pelo sistema nervoso e sua relação com os comportamentos humanos; a psicobiologia, que tem como foco de estudo a bioquímica do corpo e a forma como os hormônios, os medicamentos psicoativos (como os antidepressivos) e as drogas sociais (como o álcool, a maconha e a cocaína) afetam as pessoas; os geneticistas comportamentais, que investigam o impacto da hereditariedade nos traços normais e anormais de comportamento; e a psicologia experimental, que estuda os processos psicológicos básicos, dentre eles a aprendizagem, a memória, as sensações, a percepção, a cognição, a motivação e as emoções. Partindo de uma divisão meramente didática, temos que a primeira vertente da psicologia anteriormente referida, ou seja, a que entende a psicologia como ciência baseada em fenômenos biológicos, consiste no estudo científico do comportamento e dos chamados fenômenos mentais. A segunda vertente das linhas teóricas em psicologia, a chamada psicodinâmica, leva em consideração o conjunto de fatores de natureza mental e emocional que interagem entre si, como uma espécie de sistema em que o todo não é formado simplesmente pela soma das partes. O todo, ou seja, o conjunto de fatores de natureza mental e intelectual, é formado pelas inter-relações entre esses fatores. Trata-se, portanto, de uma dinâmica complexa que motiva o comportamento humano. A vertente psicodinâmica considera a interação complexa entre fatores mentais e emocionais, entendendo o comportamento humano como resultado de um sistema integrado. Seu principal expoente é a psicanálise, criada por Freud, que estuda os processos mentais inconscientes e utiliza a psicoterapia como método de exploração da mente. A psicanálise, além de ser uma teoria científica da psique, contribui para a compreensão da gênese das instituições humanas, como arte, religião e moral. Origem e evolução da psicologia Sócrates (469-399 a.C.), por exemplo, postulava que a principal característica humana era a razão. Ao definir a razão como peculiaridade do homem, ele abriu um caminho que viria a ser bastante explorado pela psicologia: as teorias acerca da consciência. Platão (427-347 a.C.), discípulo de Sócrates, concebeu a ideia da separação entre alma e corpo, sendo que a razão se localizaria na cabeça. Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, defendia ideia oposta à de seu preceptor: para ele alma e corpo não podem ser dissociados. Aristóteles estudou e sistematizou as diferenças entre razão, percepção e sensação em sua obra Da anima, considerado o primeiro tratado em Psicologia (Bock et al., 2018). A concepção nativista afirma que os seres humanos vêm ao mundo com um suprimento inato de conhecimento e entendimento da realidade. Os primeiros filósofos acreditavam que este conhecimento e entendimento poderiam ser acessados por meio de cuidadoso raciocínio e de introspecção. Descartes também concebia o corpo como uma máquina igual às demais, criadas pelo homem. Já a concepção empirista afirma que o conhecimento é adquirido pela experiência e pelas interações com o mundo. Essa visão é fortemente associada ao filósofo inglês do século XVII, John Locke (Japiassú e Marcondes, 2001, e Nicola, 2005). Segundo Locke, ao nascer, a mente humana é uma tábua rasa, ou lousa vazia, na qual a experiência escreve o conhecimento e o entendimento à medida que o indivíduo amadurece. Essa perspectiva deu origem à psicologia associacionista, eles acreditavam que não existiam ideias ou capacidades inatas. A mente seria repleta de ideias que chegam pelos sentidos e depois se associam umas às outras por meio de princípios como o da similaridade e o do contraste. Pesquisas atuais sobre memória e aprendizagem relacionam-se com essa teoria inicial da associação (Bock et al., 2018). Na contemporaneidade, têm-se teorias que mesclam o inatismo e o associacionismo e outras que se firmam no associacionismo de forma mais complexa do que aquela pensada pelos filósofos antigos e por John Locke. A ideia de associacionismo se destaca nas artes, que por sua vez são um importante resultado ou produto decorrente da composição de várias ideias. Como exemplo, podemos citar a literatura de Machado de Assis: “Palavra puxa palavra, uma ideia traz a outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução, alguns dizem que assim é que a natureza compôs as suas espécies”. Assim sendo, temos que das vertentes do inatismo e do associacionismo evoluíram os pensamentos modernos de Piaget, que desenvolveu uma epistemologia do conhecimento chamada “construtivismo”, enquanto Vygotsky criou o que se pode chamar de “socioconstrutivismo”. Seguindo o movimento no sentido da junção das duas vertentes, tem-se que, atualmente, grande parte dos psicólogos adota uma perspectiva que pode ser chamada de integracionista, pelo fato de reconhecer nos processos biológicos e na experiência familiar e social, ou seja, intersubjetiva, a fonte do desenvolvimento das aptidões humanas. Na contemporaneidade, opera-se uma mudança de paradigma no sentido de se atribuir ênfase ao ambiente como instrumento de inclusão social e jurídica, em contraposição à ênfase antes sempre atribuída ao sujeito plenamente desenvolvido. Wundt e o interseccionismo A Psicologia tornou-se disciplina científica no final do século XIX, separando-se da Filosofia. Em 1879, Wilhelm Wundt fundou o primeiro laboratório de Psicologia na Universidade de Leipzig, Alemanha, e desenvolveu o paralelismo psicofísico, que relaciona fenômenos mentais a fenômenos orgânicos. Wundt também criou o método do interseccionismo, em que sujeitos treinados relatavam suas experiências internas diante de estímulos sensoriais. Titchner e o estruturalismo Edward Titchener, aluno de Wundt, desenvolveu o estruturalismo, teoria que divide a consciência em três elementos básicos: sensações físicas, sentimentos e imagens. Ele defendiaque pensamentos e sentimentos complexos podiam ser reduzidos a esses elementos, e que a psicologia deveria investigar como eles se combinam. Apesar de sua influência ter sido relativamente curta, o estudo da percepção e da sensação permanece relevante na psicologia contemporânea. James e o funcionalismo William James, crítico do estruturalismo, desenvolveu o funcionalismo, defendendo que as associações mentais e os hábitos nos permitem aproveitar experiências passadas. Ele propôs que a repetição de ações modifica o sistema nervoso, facilitando aprendizados futuros, e investigou os processos mentais, o comportamento, a aprendizagem e a relação do ser humano com o mundo natural. O interesse dos psicólogos do século XIX pela adaptação provinha da publicação da teoria evolucionista de Charles Darwin. Argumentava-se, nesse sentido, que a consciência havia evoluído somente porque havia cumprido alguma função de orientação nas atividades do indivíduo. Para descobrir como um organismo se adapta a seu ambiente, os funcionalistas alegavam que era preciso observar o comportamento real. Assim, o funcionalismo alargou o escopo da psicologia para incluir o comportamento como objeto de estudo. Mas tanto os estruturalistas quanto os funcionalistas ainda consideravam a psicologia como a ciência da experiência consciente. Algumas abordagens: Psicanálise, cognitivo comportamental, Behaviorismo, Gestalt O CONCEITO DE PSICOLOGIA JURIDICA A psicologia jurídica pode ser definida como o estudo do comportamento juridicamente relevante de pessoas e grupos em um ambiente regulado pelo direito. Também pode ser definida como o estudo do nascimento, da evolução e da modificação da regulação jurídica, de acordo com os interesses dessas pessoas e grupos sociais. No entanto, acreditamos que essas definições, mesmo que aparentemente abrangentes de todas as possibilidades no âmbito da intercessão entre direito e psicologia, são incompletas se pensarmos na psicologia jurídica em três dimensões: a psicologia do direito, a psicologia no direito e a psicologia para o direito. Psicologia DO direito: A Psicologia do Direito busca compreender a fundamentação psicológica do fenômeno jurídico, considerando que o Direito surge da necessidade de organização social e da limitação dos desejos humanos, como por exemplo, as teorias do Contrato Social de Hobbes e Rousseau e a perspectiva psicanalítica de Freud em Mal-estar na civilização. A psicologia NO direito: A Psicologia no Direito analisa as normas jurídicas como estímulos que orientam condutas humanas antes, durante e após sua vigência. Um exemplo é o Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015), que alterou a concepção de deficiência do enfoque médico para o social, responsabilizando o Estado por promover inclusão e garantir dignidade às pessoas com deficiência. A psicologia PARA o direito: A Psicologia atua como ciência auxiliar do Direito, junto a disciplinas como medicina legal, antropologia, sociologia e economia, contribuindo para a compreensão do comportamento humano. Tecnologias como informática e inteligência artificial também influenciam o objeto e o método das ciências na sociedade contemporânea. PAPÉIS DO PSICÓLOGO EM INTERFACE COM O DIREITO Os papéis mais conhecidos em que o psicólogo se encaixa no âmbito jurídico são os de PERITO e de ASSISTENTE TÉCNICO, esses papéis são complementares no processo judicial. O perito e assistente técnico são imprescindíveis quando o juiz necessita de informações técnicas especificas no âmbito da psicologia e desconhece o assunto pela falta de formação suficiente acerca dela. O assistente técnico é contratado pela parte, sua contratação é opcional e não obrigatória. Isso porque as partes têm a opção de contratar um assistente técnico caso entendam que seja necessária à sua presença ao lado do perito, ou não, quando entendam que a atuação do perito é suficiente no sentido do adequado andamento do processo judicial. O Conselho Federal de Psicologia (CFP), em sua resolução n. 8/2010, estabelece uma gama de considerações a serem avaliadas pelo psicólogo no âmbito do direito. Nesse sentido: A Resolução CFP n. 8/2010 estabelece parâmetros para a atuação do psicólogo no âmbito do Direito, especialmente em processos judiciais. Ela reconhece o aumento das demandas nesse contexto, sobretudo em questões familiares, e define orientações para garantir a qualidade, a ética e a fundamentação técnico-científica do trabalho. O psicólogo, quando atua como perito, deve assessorar a Justiça com isenção, responsabilidade e compromisso ético, oferecendo subsídios para a decisão judicial; já o assistente técnico é profissional de confiança da parte, atuando no contraditório sem estar sujeito a impedimento ou suspeição. A resolução reforça que o psicólogo deve pautar-se pela responsabilidade social, considerando criticamente os contextos políticos, econômicos, sociais e culturais, além das relações de poder que influenciam sua prática. Também destaca a importância da colaboração e do respeito entre psicólogos e demais profissionais, resguardando o sigilo e compartilhando apenas informações relevantes. O uso de registros deve obedecer ao Código de Ética, com o periciando devidamente informado desde o início. Todo trabalho precisa ser fundamentado em referencial teórico, técnico e metodológico sólido, garantindo o bem-estar dos envolvidos. Por fim, a norma proíbe que o psicólogo estabeleça relações pessoais que comprometam o serviço ou atue em situações de conflito de interesses, assegurando a integridade do processo. O CFP entende que o psicólogo e o assistente técnico devem preservar a autonomia teórico-técnica e ética, evitando qualquer interferência que possa constranger o periciando ou comprometer a avaliação. Cada profissional deve exercer suas funções de forma independente, não estando presente nos procedimentos metodológicos conduzidos pelo outro, mas mantendo uma relação de respeito e colaboração, sendo possível ao assistente técnico formular quesitos ao perito. O trabalho pericial pode incluir diferentes recursos, como entrevistas, observações, visitas domiciliares e institucionais, testes psicológicos e técnicas reconhecidas pelo CFP, sempre realizado em espaço físico adequado que garanta privacidade e qualidade dos atendimentos. Além disso, o psicólogo perito pode integrar equipes multiprofissionais, desde que preserve sua especificidade e não se subordine técnica ou profissionalmente a outras áreas. No que se refere à produção e análise de documentos, o CFP estabelece que os psicólogos que atuam na Justiça devem seguir o rigor técnico e ético previsto na Resolução CFP n. 7/2003, que regulamenta a elaboração de documentos decorrentes da avaliação psicológica. O psicólogo perito deve apresentar em seu relatório apenas os indicativos relevantes à sua investigação que possam subsidiar a decisão judicial, respeitando os limites legais de sua atuação e sem assumir atribuições próprias do magistrado. Já o assistente técnico, responsável por questionar a análise e as conclusões do perito, deve restringir sua atuação ao exame do estudo psicológico realizado, elaborando quesitos para esclarecer pontos não contemplados ou contraditórios. Para cumprir sua função, pode ainda recorrer a outros meios, como ouvir pessoas envolvidas ou solicitar documentos das partes, conforme previsto no Código de Processo Civil. A Resolução CFP n. 8/2010 recomenda que o psicólogo assistente técnico, antes de iniciar sua atuação, formalize sua prestação de serviços por meio de um Termo de Compromisso firmado em cartório onde o processo está tramitando. Nesse documento devem constar sua ciência sobre a atividade a ser exercida, a anuência da parte contratante, bem como informações essenciais como os nomes das partes envolvidas, o número do processo, a data de início dos trabalhos e o objetivo da atuação a ser realizada. A Resolução CFP n. 8/2010 determina que o psicólogo que atua como psicoterapeuta das partes em litígio (quando duas pessoas não concordam sobre determinado direitoe cabe a justiça decidir a questão) não pode exercer a função de perito ou assistente técnico dessas pessoas nem de terceiros envolvidos na mesma situação, a fim de preservar a intimidade e a equidade. Também é vedada a produção de documentos oriundos do processo psicoterápico para fins judiciais sem o consentimento formal dos atendidos, exceto no caso de declarações previstas na Resolução CFP n. 7/2003; quando se tratar de crianças, adolescentes ou interditos, esse consentimento deve ser dado por pelo menos um dos responsáveis legais. A norma ainda reforça que o descumprimento dessas disposições constitui falta ético-disciplinar prevista no Código de Ética Profissional do Psicólogo, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis. O psicoterapeuta pode ser acionado por uma das partes para funcionar como assistente técnico. Também o juiz, os advogados ou o Ministério Público podem acioná-lo para prestar esclarecimentos acerca de um caso concreto específico que esteja nas mãos da justiça. Frise-se aqui a importância de que o psicoterapeuta entenda o seu papel diante de uma demanda que tenha origem no Poder Judiciário. O que se quer afirmar é que a postura do psicólogo exercente do papel de perito ou de assistente técnico deve ser outra que aquela apropriada ao setting terapêutico. A postura ética que deve conduzir em cada caso se direciona a duas funções bastante diferenciadas, uma demandada pelo particular e a outra demandada pelo Estado. O psicólogo deve manter uma postura ética no sentido de evitar infrações às resoluções do CFP, assim como ao Código de Ética e às demais normas jurídicas vinculadas a cada caso concreto em apreço. O Direito, para a sua concretização, conta com a ação de três Poderes específicos, independentes e harmônicos entre si, como reza a CF/88, em seu art. 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. A atuação do psicólogo no âmbito do Poder Judiciário é a mais amplamente conhecida. Constitui foco de estudo principal do presente capítulo, com destaque para a abordagem do papel do perito e do assistente técnico no âmbito da justiça. O lugar do psicólogo jurídico no âmbito do Poder Executivo também é relativamente conhecido. Ele pode atuar no campo da saúde, da assistência social, assim como em outras áreas afins. A atuação do psicólogo jurídico no âmbito do Poder Legislativo é mais recente e ainda incipiente, mas essa atuação vem crescendo cada vez mais, especialmente com a participação do Conselho Federal e Regional de Psicologia na elaboração de leis e políticas públicas, por exemplo. No entanto, independentemente da especificidade do psicólogo, conforme apontamos (Resolução CFP n. 8/2010), cabe a cada um deles fundamentar sua intervenção em referencial teórico, ou seja, pelo viés da psicanálise, da psicologia dinâmica, da psicologia sistêmica, da Gestalt, do behaviorismo, da psicologia cognitivo-comportamental ou do psicodrama, entre outras. No que diz respeito ao referencial técnico e metodológico, estes devem sempre fundamentar a intervenção do psicólogo perito ou assistente técnico. Assim, o psicólogo ou o assistente técnico deve apontar o rigor científico do método por ele utilizado, assim como os instrumentos que o levaram a chegar à determinada conclusão diante do caso concreto específico. Os Testes psicológicos validados pelo CFP também são instrumentos por vezes essenciais para uma perícia adequada ao caso concreto em foco. O uso de artigos científicos e de outros processos análogos, ou seja, que abordem o tema de seu trabalho, também configuram procedimentos válidos e elucidativos para o psicólogo, no contexto em que se encontra. A atuação do psicólogo perito deve ser acessória, atinente ao alcance de suas atribuições, estabelecidas na Resolução CFP n. 8/2010. É importante que o perito reconheça a dimensão e os limites efetivos de seu trabalho. Quem toma a decisão final é sempre o juiz. No entanto, cabe ao perito fazer sugestões de medidas protetivas que podem ser tomadas pelo juiz, como no caso de risco diante de violência conjugal. O psicólogo, no âmbito do Poder Judiciário, pode atuar em delegacias que, de uma perspectiva formal, estejam vinculadas diretamente ao Poder Executivo, mas que, efetivamente, estejam mais estreitamente vinculadas ao Poder Judiciário. As referidas delegacias podem ser do tipo comum ou especializada, como as delegacias que tratam de abusos contra crianças e adolescentes ou aquelas que cuidam de violência contra a mulher. No Tribunal de Justiça, por exemplo, a autoridade maior e a qual o psicólogo deve prestar auxílio é o juiz. Quando se trata do Ministério Público – chamado fiscal da lei –, a autoridade é nomeada promotor de justiça. A Defensoria Pública é também chamada de advocacia de ofício. Ela é solicitada nos casos em que a parte não tem condições financeiras de arcar com os custos de um advogado comum. Sua autoridade é o defensor público. Na delegacia de polícia, a autoridade máxima é o delegado. No Tribunal de Justiça, no Ministério Público e na Defensoria Pública, o psicólogo poderá estar envolvido em lides na seara do Direito Penal e do Direito Civil. Já no que diz respeito às delegacias de polícia, o psicólogo é procurado para intervir em casos no âmbito do Direito Penal. Já o Ministério Público, assim como o defensor público e o advogado, podem contar com o auxílio do psicólogo antes mesmo de iniciado o processo judicial, assim como durante sua tramitação. O delegado, como sua atuação se dá somente no momento do inquérito policial, poderá contar com o auxílio do psicólogo somente nesse momento. Em relação ao Tribunal de Justiça, a atuação do psicólogo será a de perito. Nos casos de sua participação junto ao Ministério Público e à Defensoria Pública, assim como junto ao(s) advogado(s) da(s) parte(s), terá o papel de assistente técnico. No papel de assistente técnico, deve auxiliar no sentido de trazer subsídios para a tomada de decisão do juiz, assim como atuar na elaboração de quesitos tendo em vista a elucidação da lide. Nas delegacias, a função exercida pelo psicólogo é, normalmente, a de entrevistador das partes envolvidas no conflito. Cumpre lembrar que, apesar das especificidades apontadas no que diz respeito às funções da justiça no processo judicial ou mesmo antes de sua configuração, o trabalho entre os profissionais psicólogos e os demais auxiliares da justiça deve ser colaborativo, de forma a garantir os direitos das pessoas envolvidas no litígio, especialmente crianças e adolescentes, que são seres em desenvolvimento. Os psicólogos podem receber encaminhamento da justiça para atendimento e prestação de informações, nos casos em que seja necessária a aplicação de medidas de proteção à criança e ao adolescente, não é papel do psicólogo, no âmbito do Poder Executivo, realizar perícia. O seu papel é criar e fortalecer vínculos entre as parte. A atuação do psicólogo no âmbito do Poder Legislativo se dá por meio do assessoramento na feitura de leis e de políticas públicas. o papel do psicólogo em interface com o Direito vem crescendo e assumindo interferências específicas e significativas, especialmente em relação à sua ação ante o Poder Judiciário. Também sua participação no que tange à feitura de leis, com a efetiva participação do CFP, vem evoluindo e alcançando resultados positivos. A participação do psicólogo no âmbito do Poder Executivo deixa rastros e requer cada vez mais uma quantidade maior desses profissionais no sentido de alcançar a satisfação da demanda deles. Mas o maior desafio para o Direito no que se refere à integralidade e à evolução de seu dever social é uma interação crescente entre os três Poderes, sempre observando a harmonia e a independência entre eles – como determina a CF/88, em seu art. 2º –, assim como uma maior interação entre os três Poderes e os chamados auxiliares da justiça, de onde despontam os psicólogos como auxiliares determinantes. UM BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA JURÍDICA NO BRASIL E SEUS CAMPOS DE ATUAÇÃO A históriada atuação de psicólogos brasileiros na área da psicologia jurídica tem seu início no reconhecimento da profissão, na década de 1960. De forma gradual e lenta, muitas vezes de maneira informal, por meio de trabalhos voluntários, os primeiros trabalhos ocorreram na área criminal, tendo um enfoque maior em adultos e adolescentes criminosos, infratores da lei. Foi a partir da promulgação da lei de execução penal (lei federal n°7.214/84), que o psicólogo passou a ser reconhecido legalmente pela instituição penitenciária. Os psicólogos clínicos começaram a colaborar com os psiquiatras nos exames psicológicos legais, com isso, os pacientes passaram a ser classificados em duas grandes categorias: de maior e de menor severidade, ficando o psicodiagnóstico a serviços de último grupo, os pacientes menos severos eram encaminhados aos psicólogos para que esses profissionais buscassem uma compreensão mais descritiva de sua personalidade. Os pacientes de maior severidade, com possibilidade de internação, eram encaminhados para os psiquiatras, foi a partir de estudos comparativos e representativos, que os diagnósticos de psicologia forense podiam ser melhores que os dos psiquiatras. Os psicodiagnósticos eram vistos como instrumentos que forneciam dados matematicamente comprováveis pata a orientação dos operadores do direito. Essa época é marcada pela inauguração do testes psicológicos, e fez com que o psicólogo fosse visto como um testólogo, como na verdade o foi na primeira metade do século XX. Esse histórico inicial reforça a aproximação da psicologia com o direito através da área criminal e a importância dada a avaliação psicológica. Porém, não era apenas o campo do direito penal que existia a demanda pelo trabalho dos psicólogos. Outro campo em ascensão até os dias atual é a participação dos psicólogos nos processos de direito civil. No estado de são Paulo, o psicólogo fez sua entrada informal no tribunal de justiça por meio de trabalhos voluntários com famílias carentes em 1979. Ainda dentro do direito civil, destaca-se o direito da infância e da juventude, área em que o psicólogo iniciou sua atuação no então denominado juizado de menores, a tarefa do setor de psicologia era a perícia psicológica nos processos civis, de crime e, eventualmente, nos processos de adoção. No juizado de menores, o trabalho do psicólogo foi ampliado, envolvendo atividades na área pericial, acompanhando e aplicando medidas de proteção ou medidas socioeducativas. O direito e a psicologia se aproximaram em razão da preocupação com a conduta humana, essa aproximação se deu por conta dos psicodiagnósticos, nos quais as instituições judiciarias passaram a se ocupar. PRINCIPAIS CAMPOS DA ATUAÇÃO: Na psicologia jurídica há uma predominância das atividades de confecções de laudos, pareceres e relatórios, pressupondo-se que compete à psicologia uma atividade de cunho avaliativo e de subsídio aos magistrados. O psicólogo, ao concluir o processo da avaliação pode recomendar soluções para os conflitos apresentados, mas jamais determinar os procedimentos jurídicos que deverão ser tomados, isso cabe ao juiz. O psicólogo não decide, apenas conclui a partir dos dados levantados, mediante a avaliação e pode, assim, sugerir ou indicar possibilidades de solução da questão apresentada pelo litígio judicial. Os ramos do direito que frequentemente demandam a participação do psicólogo são: direito da familia, direito da criança e do adolescente, direito civil, direito penal e direito do trabalho. 1. Direito da familia e psicólogo jurídico: destaca-se a participação dos psicólogos no processo de separação, divorcio, disputa de guarda e regulamentação de visitas. · Separação e divórcio: os processos de separação e divorcio que envolvem a participação do psicólogo são na sua maioria litigiosos, ou seja, são processos em que as partes não conseguiram entrar em acordo e cabe ao juiz resolver. Dessa forma, cabe ao psicólogo seja como mediador ou avaliador, buscar motivos que levaram o casal ao litígio e os conflitos subjacentes que impedem um acordo em relação aos aspectos citados, o psicólogo poderá inclusive, sugerir encaminhamento para tratamento psicológico ou psiquiátrico das partes. · Regulamentação de visitas: o psicólogo jurídico contribui por meio de avaliações com a familia, objetivando esclarecer conflitos e informar ao juiz a dinâmica presente da familia, com sugestões das medidas que poderiam ser tomadas. O psicólogo pode ainda atuar como mediador, procurando apontar interferências de conflitos intrapessoais, com o objetivo de produzir um acordo na colaboração, de forma que a autonomia da vontade das partes seja preservada. · Disputa de guarda: é necessário que o psicólogo que atue nessa área estude esse tema e saiba seu funcionamento e busque a melhor forma de investigá-lo, de modo a realizar uma avaliação psicológica de qualidade. 2. Psicólogo jurídico e o direito da criança e do adolescente: destaca-se o trabalho dos psicólogos junto aos processos de adoção e destituição familiar e o desenvolvimento e aplicação de medidas socioeducativas dos adolescentes autores de ato infracional. · Adoção: os psicólogos participam do processo de adoção por meio de uma assessoria constante para as famílias adotivas, tanto antes quanto depois da colocação da criança. Como a adoção é um vínculo irrevogável, o estudo psicossocial torna-se primordial para garantir o cumprimento da lei, prevenindo assim a negligência, o abuso, a rejeição ou a devolução. · Destituição familiar: o papel do psicólogo nesse caso é fundamental. É preciso considerar que a decisão de separar uma criança de sua familia é muito séria, pois desencadeia uma serie de acontecimentos que afetarão, em maior ou menor grau, toda sua vida futura. 3. Psicologia jurídica e direito civil: o psicólogo atua nos processo em que são requeridas indenizações em virtudes de danos psíquicos e nos casos de interdição judicial. · Dano psíquico: o dano psíquico pode ser definido como sequela, na esfera emocional ou psicológica de um fato particular traumatizante, cabe ao psicólogo, de posse de seu referencial teórico e instrumental técnico, avaliar a real presença desse dano. · Interdição: refere-se à incapacidade de exercício por si mesmo e dos atos da vida civil. Interdição acontece em casos de enfermidades ou deficiência mental. Compete ao psicólogo nomeado perito pelo juiz realizar a avaliação que comprove ou não a enfermidade mental. 4. Psicólogo jurídico e direito penal: o psicólogo pode ser solicitado a atuar como perito para averiguação de periculosidade, das condições de discernimento ou sanidade mental das partes em litígio ou em julgamento. Destaca-se o papel dos psicólogos junto ao sistema penitenciário e aos institutos psiquiátricos forenses. 5. Psicólogo jurídico e o direito do trabalho: o psicólogo pode atuar como perito em processos trabalhistas. A perícia a ser realizadas nesses casos serve de trabalho e a repercussão na saúde mental do indivíduo. · Vitimologia: objetiva a avaliação do comportamento e da personalidade da vítima. Cabe ao psicólogo atuante nessa área traçar o perfil e compreender as reações das vítimas perante a infração penal. · Psicologia do testemunho: os psicólogos podem ser solicitados a avaliar a veracidade dos depoimentos de testemunhas e suspeitos, de forma a colaborar com os operadores da justiça.