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RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM CAMINHO PARA A SUSTENTABILIDADE Adriana Accioly Massa1 Amanda Sawaya Novak2 Raquel Pusch de Souza 3 "Sonho que se sonha só é só um sonho. Sonho que se sonha junto é realidade." RESUMO A responsabilidade social é, atualmente, um assunto central nas discussões sobre o desenvolvimento sustentável do Brasil. A necessidade de se construir uma sociedade sustentável pela integração das dimensões social, ambiental, econômica, cultural e espacial é resultado dos problemas enfrentados nos dias atuais nessas cinco áreas e que implicam diretamente a sustentabilidade da sociedade contemporânea. Algumas respostas para a crise atual estão em construção, sendo a responsabilidade social uma delas, que só será realmente efetiva se sua base for construída nas relações cooperativas e não competitivas. Sabe-se que, atualmente, o termo responsabilidade social está sendo comumente empregado ao investimento de empresas em projetos e programas sociais. Portanto, a responsabilidade social é algo maior, é um sentimento que precisa ser desenvolvido em cada ser humano e que pode ser visto como um investimento social e humano. Este artigo apresenta alguns conceitos de responsabilidade social agregando-os à sustentabilidade e busca levar o leitor a reflexões sobre o verdadeiro sentido da responsabilidade social. Palavras-chave: Responsabilidade Social Corporativa, Redes Sociais, Desenvolvimento Sustentável. 1 Assistente Social, Especialista em Dependências Químicas e Terapia Familiar. Mestranda do Programa Multidisciplinar em Organizações e Desenvolvimento pela UNIFAE, Linha de Pesquisa: Políticas Públicas e Gestão Social. 1ago@tj.pr.gov.br 2 Advogada, Especialista em Terceiro Setor. Mestranda do Programa Multidisciplinar em Organizações e Desenvolvimento pela UNIFAE, Linha de Pesquisa: Políticas Públicas e Gestão Social. amandasn@gmail.com 3 Co-autora. Psicóloga Clínica, Especialista em Saúde Mental, Psicanálise e Psicopatologia. Mestranda do Programa Multidisciplinar em Organizações e Desenvolvimento pela UNIFAE, Linha de Pesquisa: Políticas Públicas e Gestão Social. pusch11@terra.com.br 2 1 INTRODUÇÃO Quais os fundamentos da Responsabilidade Social atualmente tão apregoada? Existe uma estreita ligação entre Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável? Como a Responsabilidade individual, fundamento da conduta socialmente responsável de organizações, é peça importante na elaboração e implementação de políticas públicas? Estes são alguns elementos de discussão desta reflexão, que busca como fundamentos da Responsabilidade Social o desenvolvimento do sentimento de pertença a uma coletividade, a ética, a preocupação no estabelecimento de redes sociais de apoio e cooperação, na tipologia de Jacobs – Cidades Vivas versus Cidades Mortas" – e a definição dos vários tipos de responsabilidade que uma organização tem ao longo de sua existência. Com isso, encontra-se o ponto de interlocução entre o ideal de Responsabilidade Social e o desenvolvimento de forma sustentável. A forma de relacionamento das organizações com o meio-ambiente e os seus diversos públicos vai determinar se suas práticas são sustentáveis ou não. Este artigo utiliza como metodologia uma pesquisa bibliográfica de cunho multidimensional e traz conceitos elaborados por entidades representativas da sociedade civil, além de teóricos de diversas áreas na tentativa de responder estas questões e apresentar uma proposta de que o desenvolvimento sustentável está intimamente ligado com a postura socialmente responsável das organizações, esta última só é real quando fruto de uma anterior reflexão: o sentimento de pertença. 2 FUNDAMENTOS PARA A RESPONSABILIDADE SOCIAL: SENTIMENTO DE PERTENÇA E COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL O Instituto Ethos (2004)4 entende por responsabilidade social empresarial a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona. Além disso, destaca que é preciso o estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e a redução das desigualdades sociais. O estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável implica no atendimento das necessidades das gerações correntes sem comprometer a capacidade de atender as necessidades e aspirações das gerações futuras. E, além disso, respalda-se na forma de gestão que atenda a coletividade a partir do equacionamento de problemas específicos por meio do inter-relacionamento não conflituoso entre os campos da economia, do espaço, da saúde, da educação, da cultura e do meio- ambiente. (SILVA, 2005). 4 Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 07/09/2007. 3 Em um entendimento mais amplo a responsabilidade social é o um sentimento de pertença a um grupo, a uma nação ou ao planeta e concomitantemente a esse sentimento, é assumir responsabilidades conjuntamente, de forma cooperativa, visando o bem-estar coletivo. Podemos entender como grupo o terreno sobre o qual a pessoa se sustenta. A estabilidade ou instabilidade do comportamento do indivíduo depende da sua relação com o grupo. Quando sua participação está bem estabelecida, seu espaço de vida se caracteriza por uma estabilidade maior do que quando ela não está bem definida. (LEWIN,1974). O indivíduo aprende desde cedo a utilizar o grupo como instrumento para satisfazer suas necessidades físicas e sociais. Quando adulto, seu status social é um instrumento importante nas suas relações profissionais, sociais, familiares, etc. É possível o indivíduo conciliar suas aspirações pessoais com as do grupo. A sensação de pertença do indivíduo a determinado grupo não quer dizer que, em todos os aspectos, ele deva estar de acordo com os objetivos, regulamentos, estilos de vida e pensamento do grupo. O indivíduo precisa de suficiente espaço de movimento livre no interior do grupo para atingir seus objetivos pessoais e satisfazer suas necessidades individuais. Os objetivos do grupo não precisam, pois, ser idênticos aos objetivos do indivíduo, e, freqüentemente, num grupo bem organizado, os objetivos dos membros são diferentes. Para que haja uma mudança social e equilíbrio na relação de grupo precisamos entender o movimento do grupo como um processo. Provocar uma mudança social significa, portanto, agir sobre esse equilíbrio no sentido de alterar seu nível primitivo. O comportamento social resulta da inter-relação destas entidades tais como: grupos, subgrupos, membros, barreiras, canais de comunicação, etc., ou seja, para se buscar o consenso de responsabilidade social no grupo é necessário que o mesmo ande de mãos dadas com uma postura sustentável. A responsabilidade social deve abranger os conceitos de sustentabilidade, tendo em vista que é fomentada pela integração cooperativa entre as pessoas em prol do bem-estar coletivo e, portanto, precisa buscar a integração harmoniosa entre as dimensões social, econômica, cultural, ambiental e local. O desenvolvimento sustentável de uma sociedade só é possível a partir desta integração, visando atender as necessidades das gerações correntes sem comprometer a capacidade de atender as necessidades e aspirações das gerações futuras. Cabe ressaltar, que na ética tradicional não era possível a reflexão da relação entre os homens e a natureza, pois se acreditou durante muito tempo, que esta era imutável e finita e que as transformações só aconteciam no ambiente humano, ou seja, a crença na imutabilidade essencial da natureza foi o pano de fundo para todos os empreendimentos do homem mortal. Entretanto, a concretude das conseqüências ambientais decorrentes das ações do homem e do antropocentrismo da éticahumana, levou este a perceber que a natureza é finita e vulnerável as suas ações. E, somente, a partir desta nova percepção que se construiu a ciência do meio ambiente, a ecologia. 4 Essa modificação da representação do homem na natureza, ou seja, do homem como fator causal no complexo sistema das coisas, mostrou a interdependência entre o homem e o extra-humano. (JONAS, 2006) Cabe citar os imperativos de Hans Jonas (2006), adequados a esse novo agir humano, ou seja, do sujeito atuante: a) "Aja de modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida". b) "Inclua na tua escolha presente a futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer". c) "Não ponha em perigo as condições necessárias para a conservação indefinida da humanidade sobre a Terra". A sustentabilidade da raça humana depende da sustentabilidade da natureza, e mesmo com toda liberdade concedida à autodeterminação humana, as condições básicas para a existência humana poderão acabar, se não houver um comprometimento e um agir coletivo. Porém, segundo Guerreiro Ramos (1989) a existência de uma síndrome comportamentalista, vista como um arranjo socialmente condicionado, que afeta a vida das pessoas quando estas confundem as regras e as normas peculiares aos sistemas sociais circunstanciais com regras e normas de sua conduta como um todo, dificulta muitas vezes as ações humanas para o agir coletivo. Nas organizações, percebidas como sistemas cognitivos, seus membros internalizam esses sistemas, tornando-se pensadores inconscientes. Entretanto, o pensamento organizacional pode passar a ser consciente e sistemático, quando organizado de forma fundamentalista, ou seja, explicitando as normas e regras. Percebe a sociedade constituída pela "culminação de uma experiência histórica, a esta altura já velha de três séculos, que tenta criar um tipo nunca visto de vida humana associada, ordenada e sancionada pelos processos auto-reguladores do mercado" (RAMOS, p.52, 1989), ou seja, uma sociedade, fortemente influenciada pelo capitalismo, na qual se enfatiza o ganho material ilusório em detrimento do senso pessoal de auto-orientação. A Teoria das Organizações, vista como subproduto do próprio processo organizacional, não permite compreender na totalidade a complexidade da análise e a estrutura dos sistemas sociais, e isso se dá, conforme Ramos (1989), ao reducionismo psicológico das teorias organizacionais existentes, que tendem a fragmentação ao contrário do pensamento conectivo. Os quatro fatores fundamentais na síndrome comportamentalista são: a fluidez da individualidade, o perspectivismo, o formalismo e o operacionalismo. A fluidez da individualidade, também denominada como individualidade fluida, concerne na idéia de uma síndrome psicológica resultante da sociedade capitalista, ou seja, na representação de como a sociedade capitalista se legitima. Neste sistema societário o bem e o mal são convenções que interferem diretamente no comportamento humano. Esta perspectiva torna o cidadão incapaz da ação, apenas do comportamento, pois este obedece às prescrições 5 externas. De nada adianta a mudança pela mudança, o fluxo do nada para o nada, partindo do pressuposto de que para mudar é preciso antes SER. A fluidez da individualidade leva a "interiorização acrítica, pelo indivíduo, da auto- representação da sociedade moderna" e ainda, que a busca pessoal da satisfação no desejo, gera uma forma de individualidade, que acaba em narcisismo. (RAMOS, p.56, 1989) O perspectivismo trata da compreensão de que a conduta individual e dos outros é afetada por uma perspectiva, pois em uma sociedade as regras são contratadas, mesmos que implicitamente. O termo perspectiva foi utilizado de forma técnica, primeiramente no domínio da pintura, e neste prisma a pintura é vista não como cópia da natureza, mas como a natureza pelos olhos do pintor. Por essa ótica, "o mercado é a força subjacente, geradora da visão perspectivista da vida humana associada" (RAMOS, p.58, 1989). E ainda, enfatiza a influencia do perspectivismo no pensamento de Maquiavel, que percebe a política como um conjunto de operações a serviço de interesses pessoais. O formalismo refere-se à conduta humana cerceada por um perspectivismo vigente e extremamente orientada, particular da sociedade capitalista ocidental. É fundamentada na aparência desagregada do bem comum. O individuo visto a partir dessa ótima formalista "não é uma individualidade consistente, mas uma criatura fluida, pronta a desempenhar papéis convenientes" (RAMOS, p.60, 1989). O operacionalismo pode também ser entendido como operacionalismo positivista, pela sua consistência nas normas inerentes ao método das ciências naturais. O operacionalismo inclina-se a uma visão controladora do mundo, considerado uma característica da síndrome comportamentalista. A percepção de mundo como um encadeamento de causas e efeitos fica visível no operacionalismo positivista, o que conforme o autor limita a criatividade e a liberdade de ação no mundo. Somente mensurar a condição humana é rebaixá-la a quase nada, é tornar o sujeito um sistema robotizado, privado da liberdade de criação e ação, prevalecendo apenas os interesses do mercado em detrimento do bem comum. Os traços básicos da síndrome comportamentalista - a fluidez da individualidade, o perspectivismo, o formalismo e o operacionalismo – fazem parte de uma crença e não de um enunciado de instituições e organizações. Esta crença centrada no mercado não consegue ajudar o ser humano a superar essa síndrome. Conforme Hans Jonas (2006) "se a esfera do produzir invadiu o espaço do agir essencial, então a moralidade deve invadir a esfera do produzir, da qual ela se mantinha afastada anteriormente, e deve fazê-la na forma de política pública." E como fazer políticas públicas? É necessário primeiramente o desenvolvimento da responsabilidade social, ou seja, de sentir-se responsável pela construção do relacionamento humano com o social, com o econômico e com o ambiental. Mas para conseguir agir na coletividade é fundamental a construção de uma rede social. 6 As redes sociais consistem em um aglomerado de pessoas de natureza cooperativa. Pessoas que se reúnem periodicamente para discutir e propor soluções para os problemas que afetam seus bairros, distritos ou localidades. Pessoas que se mobilizam para alcançar o bem- estar coletivo e individual, conscientes que são elas próprias os atores principais do seu desenvolvimento. A tecnologia da formação de redes sociais tem enorme importância para a sustentabilidade de uma sociedade, pois constrói os seguintes aspectos: Cria novas interações entre as pessoas; Ajuda a desenvolver novas práticas e valores individuais, grupais e coletivos; Conecta indivíduos, grupos, regiões e organizações; Ajuda a construir novas formas de convivência; Contribui para a superação de problemas sociais por meio da definição coletiva de objetivos, articulação de pessoas e instituições; Disponibiliza "saberes distintos" e os coloca a serviço do interesse coletivo; Constrói vínculos mais fortes e consistentes entre as pessoas e instituições; Promove acordos de cooperação e alianças; Cria e amplia alternativas de ação. É somente pela construção de redes sociais, por meio do esforço coletivo e cooperativo, que se gera um capital social para uma sociedade e, que segundo Alva (1997) as cidades insustentáveis não possuem essa capacidade endógena de gerar mudanças e de capital social. O capital social de uma sociedade é construído a partir da sua capacidade em estabelecer laços de confiança interpessoal e rede de cooperação com vistas à produção de bens coletivos. É ainda, é a acumulação de experiências participativas e organizacionais que ocorrem em sua base. A formação do capital social se dá a partir da capacidade de uma sociedade emassociar as pessoas por meio da subordinação de interesses individuais aos coletivos, do compartilhamento de normas e valores, dos conhecimentos e aptidões comuns e complementares de seu povo, de objetivos comuns e de disponibilidade de recursos sociais. E ainda, só é possível com a combinação dos fatores relacionados a seguir. DIAGRAMA 1 - FATORES ESSENCIAIS PARA O CAPITAL SOCIAL FONTE: NETO, FROES (2002) 7 A organização, participação, cooperação, solidariedade, confiança e iniciativa constituem a base de um novo modelo de desenvolvimento: o desenvolvimento sustentável. A tipologia de Jacobs retrata os conceitos de sustentabilidade a partir da concepção da urbanista norte-americana Jane Jacobs de cidades "vivas" e cidades "mortas" Jacobs definiu por "cidades vivas"aquelas em que as pessoas que nelas residiam se ligavam em redes, ou seja, se mobilizavam para alcançar o bem-estar coletivo e individual, conscientes que são elas próprias os atores principais do seu desenvolvimento. Contrariamente, nas cidades "mortas", as pessoas atuavam de forma isolada e havia o predomínio do individualismo. O quadro a seguir, aqui denominado CIDADES VIVAS versus CIDADES MORTAS, apresenta as diferenças entre as cidades "vivas" e cidades "mortas" e é a partir dessa analogia com a tipologia de Jacobs que se pode refletir na importância da responsabilidade social para o desenvolvimento sustentável local e global. CIDADES MORTAS CIDADES VIVAS Predomínio de vínculos de subordinação Predomínio de cooperação Pessoas atuam de forma dispersa e isoladamente Pessoas atuam em redes O ambiente é imutável O ambiente é transformado continuamente Prevalece a competição Prevalece a cooperação Vigência de padrões verticais de organização Vigência de padrões horizontais de organização Bem-estar social é criado pelo Estado Bem-estar social é iniciativa de todos QUADRO 1 - CIDADES VIVAS VERSUS CIDADES MORTAS FONTE: Neto, Froes (2002) A sustentabilidade das cidades "vivas" está relacionada diretamente a participação da população em seu próprio desenvolvimento, "atuando em redes sociais, os atores do desenvolvimento urbano agem de forma empreendedora". (NETO, FROES, p.78, 2002). Nas cidades mortas a cooperação não existe e em suas organizações predominam os padrões de verticalidade, produzindo o empobrecimento de sua população, por tornar seus residentes em pessoas passivas, resignadas dependentes e sem vida. (NETO, FROES, 2002). A prevalência da competição também é presente nas cidades "mortas" e há a supremacia da globalização neoliberal, uma forma hegemônica e dominante de globalização. Nas cidades "vivas" a globalização é alternativa, contra-hegemônica, pois prevalece a cooperação, os vínculos e redes locais/globais, que buscam e aspiram um mundo coletivamente melhor, mais justo e pacífico. (SANTOS, 2005). O bem-estar social nas cidades "vivas" é construído por todos, o que nas cidades "mortas", todos esperam – e continuaram esperando - que o bem-estar social seja criado pelo Estado. 8 3 RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL O conceito de responsabilidade social corporativa ainda está em construção, mas basicamente pode ser entendido como um conjunto de ações sociais empreendidas pelas organizações de maneira sistemática, envolvendo todos seus públicos, visando promover a melhoria da qualidade de vida e o bem comum. De todo modo, é preciso cautela para evitar a apropriação inadequada do conceito (RAMOS, 1989), evitando o uso meramente mercadológico. A prática e a gestão da responsabilidade social devem estar incorporadas às diretrizes organizacionais e consequentemente a todos os setores da gestão de uma organização. Para Ashley (2002, p.34) a responsabilidade social tem como objetivo o desenvolvimento sustentável, integrando fatores como tecnologia, recursos, processos, produtos, pessoas e sistemas de gestão. A partir da análise do desenvolvimento do ocidente sob a ótica da formação e influências da cultura, constata-se que a instituição hegemônica do século XXI passou a ser a sociedade civil. A evolução dos paradigmas passou pela caridade cristã; assistência estatal; controle estatal; culminado com o paradigma da cidadania, onde os principais atores são o Estado e a Sociedade. Neste contexto surge a Responsabilidade Social. O maior desafio mercadológico dos anos que virão é a harmonização de três aspectos que, embora aparentemente por vezes conflitantes, não são necessariamente excludentes: obtenção de lucros para a empresa, a satisfação do consumidor e preservação do interesse público. 3.1 A RESPONSABILIDADE SOCIAL E SEUS DESDOBRAMENTOS NOS RELACIONAMENTOS ORGANIZACIONAIS Ainda Segundo Ashley (2002, p.64), a renovação da administração como campo de conhecimento e intervenção (gestão) nas organizações passa fundamentalmente pela construção de novas bases para a relação da empresa com o meio ambiente, a força de trabalho e a cultura organizacional. Para o Centro de Tecnologia Gestão do Terceiro Setor do SENAC São Paulo5, a prática da Responsabilidade Social define o grau de amadurecimento de uma empresa privada em relação ao impacto social de suas atividades; abrange, em termos gerais, desenvolvimento comunitário, equilíbrio ambiental, tratamento justo aos funcionários, comunicações transparentes, retorno aos investidores, sinergia com parceiros e satisfação do consumidor. (grifo nosso) 5 Disponível em: <http://www.setor3.com.br>. Acesso em: 15/10/2003. 9 Portanto, fica claro que o seu desenvolvimento vai além da filantropia, da caridade e do altruísmo. Vai além igualmente da mera responsabilidade fiscal, do pagamento correto dos tributos, do respeito à legislação em geral – incluindo e com especial ênfase a trabalhista e ao direito do consumidor, da prevenção de acidentes e do estudo sobre o impacto socioambiental de suas atividades. Com base nos conceitos acima apresentados, sucintamente pode-se traçar um desenho de como seria o comportamento considerado satisfatório para os padrões para o exercício de cidadania empresarial. Ela pode se desenvolver em três esferas básicas, que se desmembram em outras ações relevantes: com os stakeholders (fornecedores, concorrentes, governo – enfim, com todos aqueles que se relaciona em seu processo empresarial/industrial até a chegada ao consumidor final), em programas junto ao público interno ou incisivamente com o público externo (comunidade circunvizinha, sociedade como um todo ou segmentada – no caso dos consumidores). Relativamente ao público interno as vantagens da adoção de uma postura pró-ativa e cidadã são evidentes. Com seus fornecedores a conduta deve ser de valorização nas relações e de atenção com a postura interna por estes também adotada. Todos em sua cadeia produtiva devem exprimir uma real preocupação sócio-ambiental e o respeito aos colaboradores internos. Além disso, claro, as negociações com os fornecedores trazer ética, clareza e honestidade. Para com os concorrentes, deve-se respeitar as regras de mercado e da livre concorrência. Parece redundante, mas não é. Está longe de ser socialmente responsável a empresa que se filia a qualquer tipo de cartel, dumping ou qualquer prática desleal para a conquista de novos mercados ou manutenção dos atuais. Já no relacionamento com o ente Estatal, a empresa deve manter lisura fiscal e postura política irrepreensível, afastando o lobby como um dos modos de condução dos negócios. Também é importante estar aberto para parcerias propostas pelo governo na reconstrução da sociedade e no regaste da cidadania. Acerca dos investidores, proprietários e acionistas, a transparência no repasse das informações e na distribuição dos resultados é essencial. Igualmente relevante é o estabelecimento de critérios – como a conduta ética e o não envolvimento em escândalos nem em desastres ambientais– para a aceitação de novos investidores/acionistas. No trato com os consumidores, os produtos devem condizer com o que se propõe e a ética na propaganda e nas outras estratégias de marketing são a base para um relacionamento valoroso. 3.2 RESPONSABILIDADE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A pirâmide de Carrol (citado por DAFT, 1999) exprime o modelo no qual a responsabilidade social da empresa é subdividida em quatro sub-responsabilidades. 10 FIGURA 1 - OS QUATRO TIPOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL TOTAL RESPONSABILIDADE SOCIAL DA ORGANIZAÇÃO Baseado em: Archie B. Carroll, "A Three-Dimensional Conceptual Model of Corporate Performance, "Academy of Management Review 4 (1979), 499; e "The Pyramid of Corporate Social Responsibility: Toward the Moral Management of Corporate Stakeholders, "Business Horizons 34 (julho-agosto de 1991),42 citado em DAFT, Richard L., "Administração", p.90 (1999). A Responsabilidade Econômica encontra-se na base piramidal porque ter lucro é a razão principal da existência das empresas. Implica na produção de bens e serviços a que se destinam, satisfazendo as necessidades da sociedade em que estão inseridas de forma competitiva. Assim são satisfeitas as obrigações frente os proprietários, acionistas e investidores externos e internos. A direta ligação com a sustentabilidade em suas várias esferas é exposta por Vassallo (2003, p.03) que aponta os pilares da sustentabilidade do ponto de vista empresarial e sua ligação com a Responsabilidade Social: é preciso ficar claro que a responsabilidade social corporativa se torna inviável quando o negócio vai mal. O coração da sustentabilidade – esse conceito tão perseguido hoje no mundo dos negócios – apóia-se em três grandes pilares: desenvolvimentos social, responsabilidade ambiental e viabilidade das empresas. Negócios doentes – nas finanças, nas estratégias e na gestão – jamais serão negócios socialmente responsáveis a longo prazo. Não gerarão nem manterão empregos. Não contribuirão para gerar nem aumentar a renda de seus funcionários. Ficarão impossibilitados de participar de qualquer iniciativa de investimento social privado e, portanto, não contribuirão para o desenvolvimento das comunidades que os cercam, da sociedade e do país. A Responsabilidade Legal reflete a expectativa social para a postura adequada da empresa. Ou seja, o atendimento das metas empresariais deve ocorrer dentro do cumprimento das determinações legais, nas esferas municipal, estadual e federal, incluindo as relativas à responsabilidade fiscal e o pagamento de impostos. 11 Também a Responsabilidade Ética remete aos comportamentos esperados pela sociedade, só que estes não são necessariamente expressos pela legislação e podem não se prestar aos interesses econômicos diretos da empresa (DAFT, 1999, p.91). Consiste em considerar na tomada de decisões os valores e princípios moralmente ditados por aquele ambiente social, além do respeito aos direitos individuais e coletivos. A antítese deste comportamento, isto é, o comportamento antiético, se manifesta quando são tomadas decisões que permitem vantagens em detrimento da sociedade. Por fim, a Responsabilidade Discricionária é a expressão visível da Responsabilidade Social Empresarial e consiste nas ações afirmativas junto à sociedade, ao público interno e externo, stakeholders, comunidade e Estado, conforme se verá adiante. Além do conceito e da dimensão da Responsabilidade Social, é preciso refletir sobre o porquê de sua existência. A Responsabilidade Social tem como objetivo o desenvolvimento sustentável, integrando fatores como tecnologia, recursos, processos, produtos, pessoas e sistemas de gestão (ASHLEY, 2002, p.39). Assim, percebe-se que o desenvolvimento sustentável é a mola mestra de todo o processo de transformação das diretrizes empresariais com vistas a uma atuação socialmente responsável. Esta afirmação tanto condiz com a realidade que no Brasil, segundo dados do Instituto Pesquisas Econômicas Aplicadas6, no ano de 2000, a substanciosa quantia de R$ 4,7 bilhões foi destinada ao desenvolvimento de programas, atividades ou apoio às praticas socialmente responsáveis. Este valor representa 0,43% do Produto Interno Bruto do país. Grayson e Hodges (2002, p.268), apresentaram em sua obra o diagrama "As contribuições dos diferentes setores", onde é interpretado o mecanismo de interação entre os setores da sociedade, cada qual com sua função no processo de desenvolvimento. Na base está o papel fundamental de cada setor para uma parceria bem sucedida: o predomínio da lei, a criação de riquezas, a coesão social das comunidades – determinada pela sociedade civil organizada. 6 Disponível em: <http://www.ipea.org.br>. Acesso em: 12/02/2004. 12 FIGURA 2 - A CONTRIBUIÇÃO DOS DIFERENTES SETORES FONTE: Grayson e Hodges (2002) A implantação de uma política de Responsabilidade Social está intimamente ligada com o Desenvolvimento Sustentável. Da mesma forma, a preocupação com o Desenvolvimento Sustentável viabiliza a sustentabilidade dos negócios, pois a recuperação e preservação dos recursos ambientais por ele utilizados serão em parte responsáveis pela continuidade das atividades. Seus objetivos não se restringem à mera conservação ambiental. Além da questão ambiental, o desenvolvimento sustentável alcança objetivos do ponto de vista social, econômico, ambiental, espacial e cultural (SACHS, 2003). 4 CONCLUSÃO Esse artigo buscou gerar uma reflexão acerca dos conceitos relacionados à responsabilidade social, por entender sua profundidade epistemológica e sua importância para sustentabilidade planetária. Apresentou a responsabilidade social no âmbito das organizações e sua correlação ao espaço em que circunda o indivíduo, trazendo propostas que merecem uma atenção mais cuidadosa, para que não a apropriação inadequada do seu conceito. 13 Fundamentou a responsabilidade com base na construção de um sentimento de pertença, que se deve começar no indivíduo, estendendo-se posteriormente às organizações. Tal sentimento de pertença possibilita a construção de uma rede social cooperativa e que gera o capital social de uma sociedade, quando consciente da necessidade de integração harmoniosa entre as dimensões social, econômica, cultural, espacial e ambiental, faculta o desenvolvimento sustentável de uma sociedade. Pois, nenhuma organização se desenvolve e permanece sozinha, necessita de relacionamentos inter-pessoais, é gerida por pessoas e carrega uma irrefutável responsabilidade pelas ações presentes e um compromisso inexorável com o futuro. REFERÊNCIAS ALVA, E.. Metrópoles (In)Sustentáveis. Bonsucesso, RJ: Relume-Dumara, 1997. ASHLEY, P. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2001. DAFT, R. Administração. Rio de Janeiro: LTC, 1999. GRAYSON, D.; HODGES, A. Compromisso social e gestão empresarial. São Paulo: PubliFolha, 2002. JONAS, H. O princípio da responsabilidade. Trad. Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-RIO, 2006. LEWIN, K. Psicologia estrutural. Petrópolis-RJ: Vozes, 1974. NETO, F; FROES, C. Empreendedorismo social: a transição para a sociedade sustentável. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2002. RAMOS, A. A nova ciência das organizações. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989. SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Trad. José Lins Albuquerque Filho. 3ª edição. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. SANTOS,B. (org). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 3,ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. SILVA, C. (Org.). Desenvolvimento sustentável: um modelo analítico, integrado e adaptativo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. VASSALO, C. Um novo modelo de negócios. Revista Exame. Guia da Boa Cidadania Corporativa, São Paulo, dez/2003.Sites Consultados Disponível em: <http://www.setor3.com.br>. Acesso em: 15/10/2003. Disponível em: <http://www.ipea.org.br>. Acesso em: 12/02/2004. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 07/09/2007.
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