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Fisioterapia Neurofuncional Fisioterapia 5º e 6º Semestre - UNIPLAN Introdução à Disciplina A Fisioterapia Neurofuncional é uma especialidade que atua diretamente na reabilitação de pacientes com disfunções neurológicas, tanto do sistema nervoso central quanto periférico. O fisioterapeuta neurofuncional trabalha para restaurar e melhorar as funções motoras, sensoriais, posturais e cognitivas de indivíduos que sofreram lesões neurológicas, promovendo maior independência e qualidade de vida. A atuação nessa área exige do profissional conhecimento técnico, sensibilidade clínica e visão crítica, pois os pacientes neurológicos geralmente apresentam quadros complexos que afetam profundamente suas atividades de vida diária. A reabilitação neurofuncional não se limita a recuperar o movimento, mas envolve estratégias para devolver autonomia, funcionalidade e reintegração social. Nesta disciplina, o aluno será introduzido aos fundamentos da avaliação e intervenção fisioterapêutica voltada ao paciente neurológico adulto. Serão abordadas as principais disfunções neurológicas, suas manifestações clínicas, formas de avaliação e os métodos de tratamento fisioterapêutico mais utilizados, baseando-se em condutas atualizadas e fundamentadas em evidências científicas. Objetivos da Disciplina Objetivo Geral Capacitar o aluno a realizar a avaliação e o tratamento fisioterapêutico em adultos com disfunções neurológicas, promovendo uma atuação clínica segura, crítica e eficiente. Objetivos Específicos • Compreender as principais estratégias atuais de tratamento utilizadas na reabilitação de pacientes neurológicos; • Desenvolver habilidades para realizar a avaliação das disfunções neurológicas, aplicando os procedimentos adequados; • Identificar os objetivos terapêuticos de curto, médio e longo prazo a partir da avaliação funcional; • Planejar intervenções fisioterapêuticas adequadas, com base nos objetivos terapêuticos e nas estratégias mais indicadas para cada caso; • Refletir sobre o impacto social das disfunções neurológicas e atuar com foco na inclusão e na autonomia dos pacientes. AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA GERAL 1.1 – Avaliação do Tônus, Postura, Sensibilidade e Motricidade no Adulto Importância da Avaliação Neurológica A avaliação fisioterapêutica neurológica constitui o alicerce para a elaboração de um plano de intervenção eficaz e seguro. Essa avaliação permite identificar disfunções motoras e sensoriais associadas a lesões do sistema nervoso central ou periférico, além de compreender o impacto funcional dessas alterações sobre a vida do paciente. Trata-se de um processo clínico complexo e multifatorial, que deve ser individualizado, sistemático e orientado à funcionalidade, considerando aspectos como: • Etapa da lesão (aguda, subaguda ou crônica); • Quadro clínico e histórico patológico; • Contexto biopsicossocial do paciente; • Nível de independência funcional; • Grau de comprometimento motor e sensorial. O objetivo final da avaliação é subsidiar a tomada de decisão clínica, desde o diagnóstico fisioterapêutico até o planejamento e a reavaliação contínua da intervenção. A) Tônus Muscular O tônus muscular é definido como o grau de resistência passiva oferecida por um músculo ao movimento de alongamento em repouso. Essa resistência resulta da interação entre propriedades musculares intrínsecas e os impulsos nervosos aferentes e eferentes que modulam o recrutamento motor. Método de Avaliação: Realizada por meio de mobilização passiva lenta dos segmentos corporais, preferencialmente em posição de repouso, sem antecipação ou voluntariedade por parte do paciente. Principais alterações do tônus: • Hipotonia: Redução do tônus muscular; frequentemente associada a lesões do neurônio motor inferior (ex: lesão radicular, neuropatias periféricas). • Hipertonia: Aumento do tônus muscular; característica típica de lesões do neurônio motor superior. Subdivide-se em: o Espasticidade: Resistência variável ao movimento passivo, dependente da velocidade, associada à hiperexcitabilidade do reflexo de estiramento. o Rigidez: Resistência constante e não dependente da velocidade, frequentemente observada em distúrbios extrapiramidais, como na Doença de Parkinson. O reconhecimento do padrão de tônus muscular é fundamental para selecionar estratégias específicas de: • Inibição de padrões anormais de movimento; • Facilitação motora; • Posicionamento terapêutico; • Prevenção de contraturas. B) Postura A análise postural permite identificar alterações biomecânicas e neurológicas que interferem na simetria corporal, equilíbrio e funcionalidade. Em indivíduos com disfunções neurológicas, a postura é muitas vezes influenciada por padrões motores patológicos, retrações, desequilíbrios musculares e assimetrias sensoriais. Aspectos observacionais: • Alinhamento cefálico, escapular, pélvico e dos membros; • Presença de padrões posturais anormais (flexores, extensores, assimétricos); • Apoio plantar e distribuição de carga nos membros inferiores; • Compensações posturais adaptativas e deformidades estruturais; • Posições antálgicas decorrentes de dor ou desequilíbrio tônico. A postura deve ser avaliada em diferentes posições (sentado, ortostático e durante a marcha) e correlacionada com os demais componentes neuromusculares. C) Sensibilidade A integridade sensorial é essencial para a coordenação motora, o controle postural e a percepção corporal. Lesões neurológicas podem comprometer parcial ou totalmente a sensibilidade, afetando a funcionalidade e aumentando o risco de lesões secundárias. Principais modalidades sensoriais a serem avaliadas: • Tátil superficial: toque leve com algodão ou pincel; • Dolorosa: estímulo com objeto pontiagudo ou agulha estéril; • Térmica: diferenciação entre estímulos quentes e frios; • Vibratória: percepção de vibração com diapasão (geralmente 128 Hz); • Proprioceptiva: percepção da posição e movimentação articular (ex: movimentação passiva dos dedos ou articulações maiores com os olhos fechados). Observações clínicas: • Comparação bilateral; • Mapeamento de áreas hipo ou anestésicas; • Registro de respostas anormais ou ausentes; • Importância funcional (ex: segurança para deambulação, manipulação de objetos, autocuidado). D) Motricidade A avaliação motora é um dos pilares na fisioterapia neurofuncional, permitindo analisar a capacidade de geração e controle de movimento voluntário, qualidade do recrutamento muscular, presença de sinergias anormais e coordenação global. Componentes avaliativos: • Força muscular: por meio do teste muscular manual (TMM), com gradação segundo a escala de Oxford ou Medical Research Council (MRC); • Amplitude de movimento ativa (ADM): análise da mobilidade articular sem auxílio externo; • Controle motor: observação de sinergias flexoras/extensoras, presença de coativação muscular ou substituições motoras; • Coordenação motora: testes como dedo-nariz, calcanhar-joelho e movimentos alternados rápidos; • Qualidade do movimento: velocidade, fluidez, ritmo, início e término do movimento. A presença de movimentos involuntários, como tremores, distonias ou clônus, também deve ser registrada, pois interferem significativamente na funcionalidade e indicam comprometimentos específicos do sistema nervoso. A avaliação detalhada do tônus, postura, sensibilidade e motricidade no adulto com disfunção neurológica fornece subsídios clínicos indispensáveis para o raciocínio diagnóstico e a formulação do plano terapêutico fisioterapêutico. Deve-se sempre considerar o impacto funcional das alterações identificadas, com foco na promoção da autonomia, funcionalidade e reintegração social do paciente. Caracterização do Paciente Neurológico Adulto Introdução A caracterização do paciente neurológico adulto é a primeira etapa clínica essencial para que o fisioterapeuta compreenda a complexidade do quadro e direcione• ☐ Conversão do texto revisado para o formato Word • ☐ Entrega do documento revisado e convertido aprender a usar outras áreas para compensar as funções perdidas. 1.5.1 Objetivos Terapêuticos Os objetivos da fisioterapia no pós-AVE são multifacetados e visam maximizar a independência e a qualidade de vida do paciente. Os principais objetivos incluem: • Prevenir complicações secundárias: Como úlceras de pressão (escaras), encurtamentos musculares, contraturas articulares e trombose venosa profunda, que podem surgir devido à imobilidade. • Promover controle motor e postural: Reeducar o cérebro para controlar os movimentos e manter a postura adequada, tanto em repouso quanto em movimento. • Estimular a independência funcional: Treinar o paciente para realizar as Atividades da Vida Diária (AVDs), como se vestir, comer, tomar banho e ir ao banheiro, da forma mais independente possível. • Recuperar a marcha e o equilíbrio: Melhorar a capacidade de caminhar com segurança e eficiência, utilizando dispositivos de auxílio (como bengalas ou andadores) se necessário. • Facilitar a reintegração social: Ajudar o paciente a retornar às suas atividades sociais, familiares e, quando possível, profissionais. 1.5.2 Estratégias Terapêuticas por Fase do AVE A abordagem fisioterapêutica varia significativamente dependendo da fase em que o paciente se encontra: Fase Período Aproximado Condutas Terapêuticas Aguda 0–72 horas (ambiente hospitalar/UTI) Foco principal: Prevenção de complicações e mobilização precoce.- Posicionamento adequado no leito: Alternar decúbitos a cada 2 horas para prevenir úlceras de pressão e complicações respiratórias.- Mobilizações passivas: Manter a amplitude de movimento das articulações, prevenir contraturas e estimular a propriocepção.- Cuidados respiratórios: Técnicas de higiene brônquica e expansão pulmonar para prevenir pneumonias.- Estimulação precoce: Estimulação sensorial (tátil, auditiva, visual) para manter o paciente orientado e responsivo. Subaguda 3 dias a 6 meses (enfermaria/reabilitação) Foco principal: Recuperação funcional e reaprendizagem motora.- Treinamento funcional assistido: Iniciar o treino de rolar, sentar, transferir-se da cama para a cadeira.- Treino em pé com apoio: Iniciar a ortostase (ficar em pé) com auxílio de barras paralelas ou do fisioterapeuta, para estimular o controle postural e a descarga de peso.- Uso de espelhos e feedback visual: A terapia com espelho pode ajudar a “enganar” o cérebro e estimular a ativação do membro paralisado.- Facilitação de movimentos ativos: Utilizar técnicas para encorajar e guiar os movimentos voluntários do paciente. Crônica > 6 meses (ambulatório/domiciliar) Foco principal: Aprimoramento da função, independência e reintegração social.- Fortalecimento muscular: Exercícios resistidos para os músculos que recuperaram alguma função.- Treino de marcha com órteses: Se necessário, utilizar órteses (como a AFO - Ankle- Foot Orthosis) para corrigir o pé caído e melhorar a segurança da marcha.- Estimulação cognitiva integrada: Associar tarefas motoras a desafios cognitivos para estimular a neuroplasticidade.- Treino de atividades de vida diária (AVDs) em contextos reais: Praticar atividades como subir escadas, caminhar em terrenos irregulares, etc. 1.5.3 Métodos e Abordagens Recomendadas Existem diversas abordagens e métodos na fisioterapia neurofuncional que podem ser aplicados no tratamento do AVE. A escolha dependerá da avaliação do paciente e dos objetivos terapêuticos. Alguns dos mais conhecidos são: • Conceito Bobath (ou Tratamento Neuroevolutivo): Foca na reeducação do movimento por meio da inibição de padrões anormais (como a espasticidade e as sinergias) e da facilitação de movimentos mais próximos do normal. A abordagem é centrada na funcionalidade e no controle postural. • Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (PNF): Utiliza padrões de movimento diagonais e espirais, que são mais funcionais e se assemelham aos movimentos do dia a dia. A PNF foca no ganho de força, coordenação e amplitude de movimento através da estimulação dos proprioceptores. • Terapia por Contensão Induzida (TCI): Uma abordagem intensiva para pacientes com hemiparesia de membro superior. Consiste em restringir o uso do membro não afetado (com uma luva ou tipoia) por várias horas ao dia, enquanto o paciente realiza tarefas repetitivas e funcionais com o membro afetado. O objetivo é forçar o cérebro a reorganizar-se e a utilizar o membro parético. • Treinamento em Tarefas Reais (ou Terapia Orientada à Tarefa): Baseia-se no princípio de que a melhor forma de reaprender uma habilidade é praticando-a. A terapia foca na repetição de atividades de vida diária que sejam significativas para o paciente (como vestir-se, alimentar-se, caminhar, etc.). • Reabilitação baseada em tecnologia: Utiliza recursos tecnológicos para potencializar a reabilitação, como: – Exoesqueletos: Estruturas robóticas que auxiliam na movimentação dos membros e na marcha. – Realidade Virtual: Cria ambientes virtuais imersivos onde o paciente pode praticar tarefas de forma segura e motivadora. – Estimulação Elétrica Funcional (FES): Aplicação de correntes elétricas de baixa intensidade para estimular a contração de músculos paralisados, auxiliando em movimentos como o de levantar o pé durante a marcha (para corrigir o pé caído). 1.6 Prognóstico e Fatores de Recuperação O prognóstico após um AVE, ou seja, a previsão sobre a evolução e o grau de recuperação do paciente, é influenciado por diversos fatores. É importante entender que a recuperação é um processo individual e pode variar muito de uma pessoa para outra. Fatores que influenciam a recuperação: * Localização e extensão da lesão: Lesões menores e em áreas menos críticas do cérebro tendem a ter um prognóstico melhor. * Idade e comorbidades: Pacientes mais jovens e com menos problemas de saúde pré- existentes (como diabetes, doenças cardíacas, etc.) geralmente têm uma recuperação mais favorável. * Apoio familiar e social: Um ambiente de apoio e encorajamento é fundamental para a motivação e o bem-estar emocional do paciente, o que impacta positivamente a reabilitação. * Início precoce da reabilitação: Quanto mais cedo a fisioterapia e outras terapias forem iniciadas, melhores são as chances de recuperação funcional. * Nível de consciência e cognição preservada: Pacientes que estão alertas, orientados e com boa capacidade de aprendizado tendem a se beneficiar mais da reabilitação. Linha do Tempo da Recuperação: A recuperação motora geralmente é mais rápida nas primeiras semanas e meses após o AVE (especialmente nos primeiros 6 a 12 meses). No entanto, a recuperação funcional pode continuar por anos, especialmente se o paciente mantiver um programa de reabilitação intensivo e contínuo. A neuroplasticidade não tem um prazo de validade, e melhorias podem ser alcançadas mesmo anos após a lesão. Conclusão sobre o AVE: A atuação do fisioterapeuta no tratamento do paciente pós-AVE é complexa e exige um profundo conhecimento técnico, sensibilidade clínica e uma abordagem interdisciplinar, trabalhando em conjunto com médicos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos. O foco deve ser sempre no indivíduo, respeitando seu tempo de recuperação, promovendo a funcionalidade e, acima de tudo, melhorando sua qualidade de vida. Como bem disse O’Sullivan (2021), “A função motora não é devolvida ao paciente. Ela é reconstruída, passo a passo, com o paciente.” 2. Traumatismo Crânio-Encefálico (TCE) 2.1 O que é o Traumatismo Crânio-Encefálico (TCE)? O Traumatismo Crânio-Encefálico (TCE) é uma lesão cerebral causada por uma força externa que afeta o crânio e/ou o cérebro, resultando em uma disfunção temporária ou permanente da função cerebral. Essa agressão externa pode ser um impacto direto na cabeça, uma aceleração/desaceleraçãobrusca do cérebro dentro do crânio, ou uma combinação de ambos. O TCE é uma das principais causas de incapacidade neurológica adquirida, especialmente em adultos jovens, e pode deixar sequelas motoras, cognitivas e comportamentais significativas. Causas Comuns de TCE: * Acidentes automobilísticos (colisões, atropelamentos) * Quedas (especialmente em idosos e crianças, mas também em adultos) * Agressões físicas (socos, golpes na cabeça) * Ferimentos por arma de fogo ou objetos perfurocortantes * Acidentes esportivos É fundamental entender que o cérebro, mesmo quando lesionado, possui uma capacidade de reorganização (neuroplasticidade), que é o foco principal da reabilitação neurofuncional. O objetivo é ajudar o cérebro a reconstruir funções e se adaptar à nova realidade. 2.2 Classificação do TCE O TCE pode ser classificado de diversas formas, o que ajuda a determinar a gravidade da lesão e a planejar o tratamento. 2.2.1 Classificação quanto à Gravidade (Escala de Coma de Glasgow - ECG) A Escala de Coma de Glasgow (ECG) é a ferramenta mais utilizada para avaliar o nível de consciência de um paciente com TCE. A pontuação varia de 3 a 15, e quanto menor a pontuação, mais grave é a lesão. Pontuação ECG Gravidade do TCE 13 a 15 Leve 9 a 12 Moderado ≤ 8 Grave (comatoso) A ECG avalia três parâmetros principais: * Abertura Ocular: Capacidade de abrir os olhos (espontaneamente, ao comando verbal, à dor ou nenhuma). * Resposta Verbal: Capacidade de se comunicar (orientado, confuso, palavras inapropriadas, sons incompreensíveis ou nenhuma). * Resposta Motora: Capacidade de mover-se (obedece comandos, localiza a dor, retira à dor, flexão anormal, extensão anormal ou nenhuma). 2.2.2 Classificação quanto ao Tipo de Lesão • TCE Focal: Ocorre quando a lesão está localizada em uma área específica do cérebro. Exemplos incluem: – Hematomas: Acúmulos de sangue (epidural, subdural, intracerebral). – Contusões: Lesões no tecido cerebral causadas pelo impacto direto do cérebro contra o crânio. • TCE Difuso: Ocorre quando há lesões mais generalizadas e microscópicas, afetando amplas áreas do cérebro. O exemplo mais comum é a Lesão Axonal Difusa (LAD), que envolve o cisalhamento (ruptura) ou estiramento dos axônios (fibras nervosas) devido a forças de aceleração e desaceleração. A LAD é uma causa comum de coma prolongado e déficits cognitivos significativos. 2.2.3 Classificação quanto ao Mecanismo • TCE Fechado: Ocorre quando o crânio não é penetrado. Não há fratura exposta ou exposição do tecido cerebral. A lesão é causada pelo impacto do cérebro dentro do crânio. • TCE Aberto (ou Penetrante): Ocorre quando há uma fratura craniana e/ou a penetração de um objeto no crânio, expondo as meninges (membranas que revestem o cérebro) ou o próprio tecido encefálico. Exemplos incluem ferimentos por arma de fogo. 2.3 Fisiopatologia do TCE: Lesão Primária e Secundária A fisiopatologia do TCE é complexa e envolve duas fases principais: 2.3.1 Lesão Primária É o dano cerebral que ocorre no momento exato do trauma. Essa lesão é irreversível e pode incluir: * Contusões e Lacerações: Danos diretos ao tecido cerebral. * Fraturas Cranianas: Que podem levar à compressão cerebral. * Hemorragias: Sangramentos dentro ou ao redor do cérebro. * Lesão Axonal Difusa (LAD): Ruptura ou estiramento dos axônios devido a forças de cisalhamento. 2.3.2 Lesão Secundária É o dano cerebral que se desenvolve nas horas e dias seguintes ao trauma inicial. Essa fase é crucial, pois muitos dos déficits funcionais a longo prazo são resultado desses eventos secundários. A lesão secundária é o principal alvo das intervenções médicas e fisioterapêuticas para minimizar o agravamento do quadro. Os principais mecanismos incluem: * Edema Cerebral: Inchaço do cérebro, que aumenta a pressão intracraniana e pode comprometer o fluxo sanguíneo. * Isquemia: Redução do fluxo sanguíneo para o cérebro, levando à falta de oxigênio e nutrientes. * Excitotoxicidade: Liberação excessiva de neurotransmissores (como o glutamato) que se tornam tóxicos para as células cerebrais. * Apoptose Neuronal: Morte celular programada que é desencadeada pela lesão. * Inflamação: Resposta inflamatória do cérebro que pode causar danos adicionais. 2.4 Manifestações Clínicas do TCE As manifestações clínicas do TCE são muito variadas e dependem da gravidade, localização e extensão da lesão. Os sintomas podem ser imediatos ou se desenvolverem ao longo do tempo. Algumas das alterações mais comuns incluem: • Perda de Consciência: Pode variar de uma breve confusão a um coma prolongado. • Déficits Motores: Fraqueza (paresia) ou paralisia (plegia) em um ou mais membros (hemiparesia, paraparesia). • Disfunções da Fala: – Afasia: Dificuldade na linguagem (produção ou compreensão). – Disartria: Dificuldade na articulação das palavras. • Déficits Visuais e Auditivos: Perda de visão, visão dupla (diplopia), perda auditiva, zumbido. • Transtornos de Comportamento: Agitação, impulsividade, agressividade, desinibição social, irritabilidade, apatia. O comprometimento do lobo frontal é frequentemente associado a essas alterações de personalidade e comportamento. • Déficits Cognitivos: Dificuldades de atenção, memória (especialmente memória recente), julgamento, planejamento, resolução de problemas e raciocínio. • Crises Epilépticas Pós-Traumáticas: Convulsões que podem ocorrer após o TCE. • Distúrbios do Equilíbrio e da Coordenação: Dificuldade em manter a postura, andar e realizar movimentos precisos. 2.5 Avaliação Fisioterapêutica no TCE A avaliação funcional do paciente com TCE é fundamental para estabelecer um plano de tratamento individualizado e eficaz. Ela deve ser abrangente e considerar as múltiplas dimensões do comprometimento. 2.5.1 Nível de Consciência Além da Escala de Coma de Glasgow (ECG), outras escalas podem ser utilizadas para avaliar o nível de consciência e a recuperação do paciente: * Coma Recovery Scale-Revised (CRS- R): Uma escala mais detalhada que avalia funções auditivas, visuais, motoras, oromotoras, de comunicação e de despertar. É útil para diferenciar estados de mínima consciência e estado vegetativo. * Estado Vegetativo ou de Mínima Consciência: O fisioterapeuta deve estar apto a identificar esses estados e adaptar a estimulação. 2.5.2 Função Motora e Sensitiva • Avaliação da Força Muscular: Utilizando escalas como a de Oxford (já detalhada no documento anterior). • Avaliação do Tônus Muscular: Utilizando a Escala de Ashworth Modificada para identificar espasticidade (já detalhada no documento anterior). • Presença de Padrões Sinergicos e Rigidez: Observar padrões de movimento anormais e a presença de rigidez de decorticação (flexão dos membros superiores e extensão dos inferiores) ou decerebração (extensão de todos os membros), que indicam lesões cerebrais graves. • Sensibilidade Superficial e Profunda: Avaliar tato, dor, temperatura, propriocepção e vibração (conforme detalhado no documento anterior). 2.5.3 Coordenação e Equilíbrio • Testes de Equilíbrio Estático e Dinâmico: Utilizar testes como Romberg, Berg Balance Scale e Timed Up and Go (já detalhados no documento anterior). • Capacidade Funcional em Ortostatismo e Marcha: Avaliar a capacidade do paciente de ficar em pé e caminhar com segurança e independência. 2.5.4 Funções Cognitivas e Comportamentais • Testes Neuropsicológicos: Embora aplicados por neuropsicólogos, o fisioterapeuta deve estar ciente dos resultados para adaptar a terapia. • Avaliação da Comunicação, Atenção, Memória, Orientação e Comportamento: Observar a capacidade do paciente de seguir instruções, manter o foco, lembrar de informações e interagir socialmente. Alterações comportamentais (agitação, impulsividade) exigem estratégias específicas do fisioterapeuta. 2.6 Objetivos da Fisioterapia no TCE Os objetivos da fisioterapia no TCE são amplos e evoluem conforme a recuperação dopaciente: • Prevenir complicações respiratórias e musculoesqueléticas: Especialmente em pacientes acamados, para evitar pneumonias, contraturas e úlceras de pressão. • Estimular a recuperação da consciência e da interação com o meio: Por meio de estimulação multissensorial e comunicação adaptada. • Restaurar padrões motores funcionais: Reeducar o movimento para que o paciente possa realizar atividades diárias de forma mais eficiente. • Promover reeducação postural e da marcha: Melhorar o equilíbrio, a coordenação e a segurança ao caminhar. • Estimular capacidades cognitivas e sociais: Integrar o treino motor com atividades que desafiem a atenção, memória e interação social. 2.7 Abordagem Terapêutica por Fases do TCE Assim como no AVE, a intervenção fisioterapêutica no TCE é adaptada à fase de recuperação do paciente: Fase Período Aproximado Condutas Fisioterapêuticas Aguda UTI/Internação Hospitalar Foco principal: Manutenção da vida, prevenção de complicações e mobilização precoce.- Fisioterapia respiratória: Aspiração de vias aéreas, manobras de higiene brônquica, exercícios respiratórios para prevenir atelectasias e pneumonias.- Posicionamento: Mudanças de decúbito frequentes para prevenir úlceras de pressão e manter a integridade da pele.- Mobilização precoce: Mobilizações passivas e ativas-assistidas para manter a amplitude de movimento e estimular a consciência corporal.- Prevenção de escaras: Cuidados com a pele e uso de superfícies de alívio de pressão. Subaguda Enfermaria e Reabilitação Inicial Foco principal: Recuperação funcional e estimulação da consciência.- Transferência para cadeira: Treino de sentar e transferir-se da cama para a cadeira de rodas ou poltrona.- Treino funcional: Início de atividades funcionais básicas, como alcançar objetos, alimentar-se.- Início de verticalização: Uso de prancha ortostática ou tilt table para estimular a ortostase e prevenir hipotensão postural.- Estimulação multissensorial: Estimulação visual, auditiva, tátil e olfativa para promover o despertar e a interação com o ambiente. Crônica Ambulatorial ou Domiciliar Foco principal: Aprimoramento da função, independência e reintegração social.- Treino de marcha: Com ou sem dispositivos de auxílio, em diferentes superfícies e ambientes.- Treino de Atividades da Vida Diária (AVDs): Foco em atividades mais complexas e instrumentais (AIVDs), como cozinhar, gerenciar finanças.- Reeducação motora intensiva: Exercícios específicos para melhorar força, coordenação e controle motor.- Integração cognitiva-motora: Atividades que combinam movimento com desafios cognitivos (ex: jogos que exigem raciocínio e movimento). 2.7.1 Estratégias e Métodos de Reabilitação • Conceito Bobath (Neurodesenvolvimental): Foca na normalização do tônus muscular e na facilitação de movimentos mais próximos do normal, inibindo padrões anormais. • Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (PNF): Utiliza padrões de movimento diagonais e espirais para melhorar a coordenação e a força. • Estimulação Elétrica Funcional (FES): Aplicação de corrente elétrica para ativar músculos paralisados, auxiliando na recuperação da função. • Realidade Virtual e Biofeedback: Ferramentas tecnológicas que proporcionam um ambiente interativo para o treino motor e cognitivo, com feedback em tempo real sobre o desempenho do paciente. • Terapia Orientada à Tarefa: O paciente aprende e aprimora habilidades motoras através da prática repetitiva de atividades funcionais significativas. 2.8 Prognóstico no TCE O prognóstico de recuperação no TCE é altamente variável e depende de múltiplos fatores. É importante que o fisioterapeuta e a equipe de saúde forneçam informações realistas aos pacientes e suas famílias. Fatores que influenciam o prognóstico: * Gravidade da lesão inicial: Pacientes com pontuação mais baixa na ECG na admissão (≤ 8) geralmente têm um pior prognóstico. * Idade do paciente: Pacientes mais jovens tendem a ter uma capacidade de recuperação maior devido à maior neuroplasticidade. * Presença de Lesão Axonal Difusa (LAD): A LAD é um indicador de pior prognóstico, pois afeta amplas áreas do cérebro. * Tempo de início da reabilitação: O início precoce da fisioterapia é crucial para maximizar a recuperação. * Suporte familiar e social: Um ambiente de apoio contribui significativamente para a motivação e adesão ao tratamento. * Neuroplasticidade e adesão à terapia: A capacidade do cérebro de se reorganizar e a participação ativa do paciente na reabilitação são determinantes. Pacientes com lesões difusas podem apresentar uma recuperação mais lenta, mas muitas vezes alcançam ganhos funcionais significativos a longo prazo. A recuperação pode continuar por anos após o TCE, especialmente com reabilitação contínua e intensiva. Conclusão sobre o TCE: O TCE representa um desafio complexo para a fisioterapia neurofuncional. A abordagem deve ser sempre interdisciplinar, envolvendo uma equipe de profissionais de saúde (neurologistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos) para garantir uma reabilitação integral, que vise não apenas a recuperação física, mas também a reintegração social e a melhoria da qualidade de vida do paciente. 3. Traumatismo Raqui-Medular (TRM) 3.1 O que é o Traumatismo Raqui-Medular (TRM)? O Traumatismo Raqui- Medular (TRM) é uma lesão grave que afeta a medula espinhal, uma estrutura vital que faz parte do sistema nervoso central e se estende desde o tronco encefálico até a região lombar da coluna vertebral. A medula espinhal é responsável por transmitir mensagens entre o cérebro e o resto do corpo, controlando movimentos, sensações e funções autônomas (como a respiração e o controle da bexiga e intestino). Uma lesão traumática na medula espinhal pode resultar em comprometimento neurológico de grau variável, desde uma fraqueza leve até a paralisia completa, dependendo da localização e da extensão do dano. Causas Comuns de TRM: * Acidentes automobilísticos (colisões, capotamentos) * Quedas de altura (telhados, árvores) * Ferimentos por arma de fogo ou arma branca * Mergulhos em águas rasas (que podem causar fraturas na coluna cervical) * Acidentes esportivos (especialmente em esportes de contato) O TRM tem uma alta incidência de morbidade (doenças e complicações) e um impacto funcional prolongado, o que significa que os pacientes frequentemente enfrentam desafios significativos em sua vida diária. A reabilitação é crucial para ajudar esses indivíduos a recuperar o máximo de autonomia possível. 3.2 Classificação do TRM A classificação do TRM é fundamental para determinar o prognóstico e guiar o plano de tratamento. Ela pode ser feita com base em diferentes critérios: 3.2.1 Quanto à Extensão da Lesão • Lesão Medular Completa (ASIA A): Caracteriza-se pela ausência total de função sensitiva (não sente nada) e motora (não consegue mover nada) abaixo do nível da lesão. Isso inclui a ausência de função sacral (sensibilidade na região anal e contração voluntária do esfíncter anal externo), que é um indicador importante de lesão completa. • Lesão Medular Incompleta (ASIA B a D): Há preservação parcial das vias neurais, o que significa que o paciente mantém alguma sensibilidade, força muscular ou controle esfincteriano abaixo do nível da lesão. Mesmo uma pequena preservação de função sacral indica uma lesão incompleta e um prognóstico potencialmente melhor para recuperação. 3.2.2 Quanto ao Nível da Lesão O nível da lesão refere-se à vértebra mais baixa onde a função motora e sensitiva ainda está preservada. A localização da lesão na medula espinhal determina quais partes do corpo serão afetadas: * Lesão Cervical (C1 a C8): Afeta a medula espinhal na região do pescoço. Resulta em tetraplegia (ou quadriplegia), que é o comprometimento motor e sensitivo dos quatro membros (braços e pernas), além do troncoe, frequentemente, da função respiratória. * Lesão Torácica (T1 a T12): Afeta a medula espinhal na região do tórax. Resulta em paraplegia, que é o comprometimento motor e sensitivo dos membros inferiores, com preservação dos membros superiores. * Lesão Lombar/Sacral (L1 a S5): Afeta a medula espinhal na região lombar e sacral. O comprometimento motor e sensitivo é principalmente nos membros inferiores, com possibilidade de preservação parcial de algumas funções, dependendo do nível exato da lesão. 3.2.3 Classificação ASIA/ISNCSCI (International Standards for Neurological Classification of Spinal Cord Injury) Esta é a escala mais utilizada mundialmente para classificar o TRM. Ela avalia detalhadamente: * Sensibilidade: Teste de tato leve e dor em 28 dermátomos (áreas da pele inervadas por um único nervo espinhal) em ambos os lados do corpo. * Força Muscular: Teste de força em 10 músculos-chave (cinco em cada lado do corpo) usando a escala de 0 a 5 (Escala de Oxford). * Nível Neurológico da Lesão: Determinado pelo dermátomo mais caudal (mais baixo) com sensibilidade normal e pelo miótomo (grupo de músculos inervados por um único nervo espinhal) mais caudal com força muscular grau 3/5 ou mais, desde que a função acima esteja normal. * Função Sacral: Avaliação da sensibilidade na região anal e da contração voluntária do esfíncter anal externo. A presença de qualquer função sacral indica uma lesão incompleta. 3.3 Fisiopatologia do TRM: Lesão Primária e Secundária A lesão medular, assim como o TCE, envolve duas fases distintas que contribuem para o dano neurológico: 3.3.1 Lesão Primária É o dano imediato à medula espinhal no momento do trauma. É causada por forças mecânicas diretas e pode incluir: * Fratura ou Luxação Vertebral: Deslocamento ou quebra das vértebras que podem comprimir ou cortar a medula. * Compressão Medular: Pressão sobre a medula espinhal por fragmentos ósseos, hematomas ou hérnias de disco. * Laceração ou Contusão Medular: Rasgos ou esmagamento do tecido medular. * Hemorragia: Sangramento dentro da medula espinhal ou ao seu redor. * Destruição Axonal e Necrose Celular: Morte imediata de neurônios e axônios (fibras nervosas) devido ao trauma. 3.3.2 Lesão Secundária Esta fase se desenvolve nas horas e dias seguintes ao trauma inicial e é responsável por grande parte do dano neurológico progressivo. Os mecanismos da lesão secundária incluem: * Isquemia: Redução do fluxo sanguíneo para a medula espinhal devido à compressão dos vasos sanguíneos ou espasmo vascular. * Edema: Inchaço do tecido medular, que aumenta a pressão e pode comprimir ainda mais a medula. * Inflamação: Resposta inflamatória intensa, com liberação de substâncias químicas (citocinas inflamatórias como TNF-α e IL-1β) que podem ser tóxicas para as células nervosas. * Apoptose: Morte celular programada que é desencadeada pela lesão. * Desmielinização: Dano à bainha de mielina (camada protetora dos axônios), o que retarda ou impede a transmissão dos impulsos nervosos. * Liberação de Radicais Livres: Moléculas instáveis que causam danos celulares. * Disfunção da Barreira Hematoencefálica: A barreira que protege o cérebro e a medula espinhal pode ser comprometida, permitindo a entrada de substâncias nocivas. Esses eventos secundários criam um ambiente hostil para a regeneração axonal e contribuem para a extensão do déficit neurológico a longo prazo. 3.4 Manifestações Clínicas do TRM As manifestações clínicas do TRM são diversas e dependem diretamente do nível e da extensão da lesão. Quanto mais alta a lesão na medula espinhal, maior a área do corpo afetada. Algumas das manifestações típicas incluem: • Tetraplegia: Paralisia e perda de sensibilidade nos quatro membros (braços e pernas), tronco e, dependendo do nível, comprometimento da função respiratória. Ocorre em lesões cervicais. • Paraplegia: Paralisia e perda de sensibilidade nos membros inferiores, com preservação da função dos membros superiores. Ocorre em lesões torácicas ou lombares. • Disfunção Esfincteriana: Perda do controle da bexiga e do intestino, resultando em incontinência ou retenção urinária/fecal. Isso ocorre porque os nervos que controlam esses órgãos estão localizados na medula sacral. • Alterações Autonômicas: O sistema nervoso autônomo, que controla funções involuntárias, é frequentemente afetado. Isso pode levar a: – Hipotensão Postural: Queda súbita da pressão arterial ao mudar de posição (ex: deitar para sentar ou levantar). – Arreflexia: Ausência de reflexos. – Disfunção Termorregulatória: Dificuldade em controlar a temperatura corporal (ex: suor excessivo ou ausente abaixo da lesão). – Disreflexia Autonômica: Uma emergência médica que pode ocorrer em lesões acima de T6, caracterizada por uma resposta exagerada do sistema nervoso autônomo a estímulos inofensivos (ex: bexiga cheia, intestino preso), resultando em aumento súbito e perigoso da pressão arterial, dor de cabeça intensa, sudorese e bradicardia. • Espasticidade: Aumento do tônus muscular, que pode ser benéfico (para manter a postura) ou prejudicial (interferindo nos movimentos e causando dor). É mais comum em lesões incompletas. • Síndromes Medulares Específicas: Padrões clínicos que indicam lesões parciais da medula, como: – Síndrome de Brown-Séquard: Lesão de um lado da medula, resultando em perda de movimento e propriocepção no mesmo lado da les lesão, e perda de dor e temperatura no lado oposto. – Síndrome Medular Central: Lesão no centro da medula, afetando mais os membros superiores do que os inferiores. – Síndrome Medular Anterior: Lesão na parte anterior da medula, resultando em perda de movimento, dor e temperatura, com preservação da propriocepção. 3.5 Avaliação Fisioterapêutica no TRM A avaliação funcional no TRM é um processo detalhado e contínuo, que utiliza instrumentos padronizados para quantificar os déficits e monitorar a recuperação. É essencial para guiar o plano de tratamento. 3.5.1 Avaliação Neurológica • Escala ASIA (International Standards for Neurological Classification of Spinal Cord Injury – ISNCSCI): É a ferramenta padrão ouro para classificar o TRM, avaliando a motricidade (força muscular), sensibilidade (tato leve e dor) e determinando o nível neurológico da lesão e a completude (ASIA A, B, C, D, E). (Já detalhada na seção 3.2.3). • Exames Complementares: O fisioterapeuta deve estar familiarizado com os resultados de exames como a ressonância magnética (RM), que mostra a extensão da lesão medular, e a eletroneuromiografia (ENMG), que avalia a função dos nervos periféricos e músculos. 3.5.2 Função Cardiorrespiratória Em lesões medulares altas (cervicais e torácicas), a função respiratória pode ser severamente comprometida devido à paralisia dos músculos respiratórios. A avaliação inclui: * Capacidade Ventilatória: Medida por espirometria (avalia o volume de ar que o paciente consegue inspirar e expirar). * Pressões Respiratórias Máximas (Pimax/Pemax): Medem a força dos músculos inspiratórios e expiratórios. * Presença de Complicações Pulmonares: Como atelectasia (colapso de parte do pulmão) e retenção de secreção (dificuldade em tossir e eliminar muco). 3.5.3 Avaliação Musculoesquelética e Funcional • Grau de Força Muscular (Escala de Oxford): Avaliação da força dos músculos acima e abaixo do nível da lesão. • Mobilidade Articular: Avaliação da amplitude de movimento das articulações para identificar e prevenir contraturas. • Padrão Respiratório e Postura: Observação da forma como o paciente respira e mantém a postura, especialmente em sedestação e ortostatismo (se aplicável). • Capacidade Funcional: Testes para avaliar a independência em atividades como transferências (da cama para a cadeira, da cadeira para o vaso sanitário), ortostatismo (ficar em pé) e marcha (se o paciente tiver alguma capacidade de locomoção). 3.5.4 Avaliação da Espasticidade e Dor • Escala de Ashworth Modificada: Para quantificar ograu de espasticidade (já detalhada no documento anterior). • Questionários de Dor Neuropática (DN4, McGill): A dor é uma queixa comum em pacientes com TRM e pode ser de origem neuropática (devido ao dano nervoso) ou musculoesquelética. Esses questionários ajudam a caracterizar a dor. 3.6 Objetivos da Fisioterapia no TRM Os objetivos da fisioterapia no TRM são abrangentes e visam maximizar a funcionalidade, prevenir complicações e promover a reintegração social do paciente: • Manter e/ou restaurar a função respiratória: Essencial em lesões altas, através de exercícios respiratórios, manobras de higiene brônquica e, se necessário, uso de equipamentos de suporte ventilatório. • Preservar a amplitude de movimento e prevenir contraturas: Através de alongamentos, mobilizações passivas e posicionamento adequado. • Estimular o controle postural e a ativação muscular residual: Fortalecer os músculos que ainda funcionam e ensinar o paciente a usar o tronco e os membros superiores para compensar a perda de função nos membros inferiores. • Desenvolver independência funcional nas Atividades de Vida Diária (AVDs): Treinar o paciente para realizar tarefas como vestir-se, alimentar-se, higiene pessoal e mobilidade na cadeira de rodas. • Evitar úlceras de pressão, trombose venosa profunda e complicações urinárias: Através de educação sobre cuidados com a pele, mobilização precoce e manejo da bexiga e intestino. • Promover reintegração social e melhora da qualidade de vida: Ajudar o paciente a retornar à comunidade, participar de atividades sociais e, se possível, profissionais. 3.7 Abordagem Terapêutica por Fases do TRM A reabilitação no TRM é um processo longo e contínuo, adaptado às diferentes fases de recuperação: Fase Período Aproximado Condutas Fisioterapêuticas Aguda Hospitalar/UTI (primeiras horas a semanas) Foco principal: Estabilização, prevenção de complicações e mobilização precoce.- Fisioterapia respiratória: Aspiração de vias aéreas, manobras de higiene brônquica, exercícios diafragmáticos para otimizar a ventilação.- Mudanças de decúbito: Frequentes para prevenir úlceras de pressão.- Posicionamento: Adequado para prevenir deformidades e contraturas.- Mobilização passiva: Manter a amplitude de movimento das articulações.- Prevenção de escaras: Cuidados com a pele e uso de colchões especiais. Subaguda Enfermaria e Reabilitação Inicial (semanas a meses) Foco principal: Recuperação funcional e educação para o autocuidado.- Mobilização ativa: Estimular movimentos voluntários nos músculos preservados.- Treino de sedestação e ortostatismo: Fortalecer o tronco e melhorar o equilíbrio sentado e em pé (com auxílio de prancha ortostática ou tilt table).- Estimulação sensorial: Para melhorar a percepção e a consciência corporal.- Treino de transferência: Da cama para a cadeira de rodas, da cadeira para o vaso sanitário, etc.- Educação para o autocuidado: Ensinar o paciente e a família sobre o manejo da bexiga e intestino, cuidados com a pele e prevenção de complicações. Crônica Ambulatorial ou Domiciliar (meses a anos) Foco principal: Aprimoramento da função, independência e reintegração social.- Fortalecimento muscular: Exercícios resistidos para os músculos preservados.- Treino de marcha: Se o paciente tiver lesão incompleta, com ou sem órteses (como a AFO) ou dispositivos de auxílio (andadores, muletas).- Uso de FES (Estimulação Elétrica Funcional): Para ativar músculos paralisados e auxiliar na marcha ou em outras funções.- Treino funcional: Prática de AVDs e AIVDs (Atividades Instrumentais de Vida Diária, como cozinhar, fazer compras).- Adequação de cadeira de rodas e adaptações ambientais: Garantir que o ambiente doméstico e de trabalho seja acessível e seguro. 3.7.1 Estratégias e Métodos de Reabilitação • Conceito Bobath (Conceito Neuroevolutivo): Foca na facilitação do controle motor e na normalização do tônus em pacientes com lesão incompleta, buscando movimentos mais funcionais. • Treinamento de Marcha com Esteira e Suspensão Parcial de Peso (BWSTT - Body Weight Support Treadmill Training): O paciente caminha em uma esteira enquanto parte do seu peso corporal é suportado por um arnês. Isso permite que ele pratique o padrão de marcha com menos esforço e maior segurança, estimulando a plasticidade medular. • FES (Estimulação Elétrica Funcional): Aplicação de correntes elétricas para promover contrações musculares coordenadas, melhorar a circulação, prevenir atrofias e auxiliar em movimentos funcionais (ex: levantar o pé durante a marcha). • Robot-assisted therapy (Terapia Assistida por Robôs): Utiliza dispositivos robóticos para auxiliar no treino de membros inferiores, proporcionando repetição intensiva e feedback preciso, o que pode levar a ganhos significativos em plasticidade e autonomia. • Realidade Virtual e Biofeedback: Ferramentas que criam ambientes interativos e fornecem feedback em tempo real, motivando o paciente e estimulando aspectos cognitivos e motores. • Terapia Ocupacional e Treino de AVDs: A terapia ocupacional é fundamental para ensinar o paciente a realizar as atividades diárias de forma independente, utilizando adaptações e tecnologias assistivas, se necessário. 3.8 Prognóstico no TRM O prognóstico de recuperação no TRM é complexo e depende de vários fatores. É importante gerenciar as expectativas do paciente e da família, focando em ganhos funcionais realistas. Fatores que influenciam o prognóstico: * Extensão da lesão (completa ou incompleta): Lesões incompletas têm um prognóstico significativamente melhor, pois há alguma preservação de vias nervosas. * Nível da lesão: Lesões mais baixas (lombares/sacrais) geralmente resultam em maior independência funcional do que lesões mais altas (cervicais). * Idade do paciente: Pacientes mais jovens tendem a ter maior potencial de recuperação. * Início precoce da reabilitação: A intervenção precoce é crucial para minimizar complicações e maximizar a neuroplasticidade. * Suporte familiar e social: Um ambiente de apoio é fundamental para a motivação e adesão ao tratamento. * Comorbidades: Outras condições de saúde podem influenciar a recuperação. Conclusão sobre o TRM: O Traumatismo Raqui-Medular é uma condição devastadora, mas a reabilitação neurofuncional oferece esperança e oportunidades significativas de recuperação funcional. A atuação do fisioterapeuta é essencial para guiar o paciente através de um processo complexo, focado na maximização da autonomia, prevenção de complicações e reintegração social. A pesquisa contínua em neurociências e tecnologias assistivas continua a abrir novas portas para a melhoria da qualidade de vida desses indivíduos. 4. Afecções dos Núcleos da Base 4.1 O que são os Núcleos da Base? Os núcleos da base, também conhecidos como gânglios da base, são um grupo de estruturas de substância cinzenta localizadas profundamente no cérebro, na base do telencéfalo. Embora o nome “núcleos” possa sugerir funções simples, eles são, na verdade, complexas redes de neurônios que desempenham um papel crucial no controle do movimento, na cognição, nas emoções e no aprendizado. As principais estruturas que compõem os núcleos da base são: • Corpo Estriado: Dividido em: – Núcleo Caudado: Envolvido no planejamento e na execução de movimentos oculares, além de funções cognitivas e emocionais. – Putâmen: Principalmente envolvido no controle motor, recebendo informações do córtex cerebral e enviando-as de volta para influenciar o movimento. • Globo Pálido: Dividido em segmento externo (GPe) e segmento interno (GPi). Atua como uma “estação de retransmissão” para o tálamo, regulando a saída de informações dos núcleos da base. • Substância Negra: Localizada no mesencéfalo (tronco encefálico), é crucial para a produção de dopamina, um neurotransmissor essencial para o movimento. Possui duas partes: a pars compacta (produtora de dopamina) e a pars reticulata(envolvida na regulação do tálamo). • Núcleo Subtalâmico: Localizado no diencéfalo, desempenha um papel importante na regulação da atividade dos núcleos da base, sendo um alvo comum para cirurgias em doenças como o Parkinson. Essas estruturas trabalham em conjunto através de circuitos complexos (vias diretas e indiretas) para modular a atividade do córtex cerebral, permitindo a iniciação e a execução de movimentos voluntários suaves e coordenados, enquanto inibem movimentos indesejados. Quando há disfunção nesses núcleos, surgem os chamados distúrbios do movimento, que podem ser caracterizados por excesso de movimento (hipercinesias) ou por lentidão e escassez de movimento (hipocinesias). 4.2 Fisiopatologia Geral das Afecções dos Núcleos da Base A fisiopatologia das doenças dos núcleos da base envolve, em sua maioria, um desequilíbrio nos neurotransmissores que atuam nesses circuitos, principalmente a dopamina e a acetilcolina, além de outros como o GABA e o glutamato. Esse desequilíbrio leva a uma alteração na atividade dos circuitos diretos e indiretos, que são responsáveis por facilitar ou inibir o movimento. • Via Direta (Facilitadora do Movimento): Estimula o córtex cerebral, promovendo o movimento. • Via Indireta (Inibitória do Movimento): Inibe o córtex cerebral, suprimindo movimentos indesejados. Em doenças como o Parkinson, há uma deficiência de dopamina, o que leva a uma hiperatividade da via indireta e uma hipoatividade da via direta, resultando em lentidão e rigidez. Em doenças como a Coreia de Huntington, há um excesso de atividade da via direta, levando a movimentos involuntários e excessivos. 4.3 Doença de Parkinson (DP) 4.3.1 O que é a Doença de Parkinson? A Doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa crônica e progressiva, caracterizada principalmente pela perda de neurônios produtores de dopamina na pars compacta da substância negra. A dopamina é um neurotransmissor essencial para o controle do movimento, e sua deficiência leva aos sintomas motores clássicos da doença. Além da perda de neurônios dopaminérgicos, a DP também é caracterizada pela presença de corpos de Lewy, que são agregados anormais de uma proteína chamada alfa-sinucleína, encontrados dentro dos neurônios. A DP é a segunda doença neurodegenerativa mais comum, afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Embora a causa exata seja desconhecida na maioria dos casos (Parkinson idiopático), acredita-se que seja uma combinação de fatores genéticos e ambientais. 4.3.2 Manifestações Clínicas da Doença de Parkinson Os sintomas da DP são divididos em motores e não motores. Os sintomas motores são os mais conhecidos e são essenciais para o diagnóstico. Sintomas Motores Cardinais (Tétrade Parkinsônica): 1. Bradicinesia: Lentidão dos movimentos. É o sintoma mais característico e obrigatório para o diagnóstico. Afeta a iniciação, a velocidade e a amplitude dos movimentos. Pode se manifestar como: * Micrografia: Escrita pequena e apertada. * Hipomimia: Diminuição da expressão facial (face em máscara). * Dificuldade para realizar tarefas finas: Como abotoar uma camisa ou cortar alimentos. 2. Rigidez: Aumento da resistência ao movimento passivo de uma articulação. Pode ser: * Rigidez em “roda denteada”: Sensação de engrenagens ao mover passivamente o membro. * Rigidez “em cano de chumbo”: Resistência constante e uniforme ao longo de todo o movimento. 3. Tremor de Repouso: Tremor que ocorre quando o membro está em repouso e diminui ou desaparece com o movimento voluntário. É mais comum nas mãos (tremor de “contar moedas”), mas pode afetar os pés, queixo e lábios. 4. Instabilidade Postural: Dificuldade em manter o equilíbrio, levando a quedas frequentes. É um sintoma que aparece em estágios mais avançados da doença e é uma das principais causas de incapacidade. Outros Sintomas Motores: * Marcha Parkinsoniana: Pequenos passos arrastados (marcha em bloco), diminuição do balanço dos braços, dificuldade para iniciar e parar (hesitação), e festinação (tendência a acelerar os passos para evitar quedas). * Disfagia: Dificuldade para engolir, aumentando o risco de aspiração. * Disartria: Fala monótona, com volume baixo e pouca modulação (hipofonia). Sintomas Não Motores (Podem Preceder os Sintomas Motores por Anos): * Distúrbios do Sono: Insônia, síndrome das pernas inquietas, distúrbio comportamental do sono REM (o paciente “atua” seus sonhos). * Anosmia/Hiposmia: Perda ou diminuição do olfato. * Constipação Intestinal: Problema gastrointestinal comum. * Depressão e Ansiedade: Alterações de humor são muito frequentes. * Disfunção Cognitiva: Dificuldades de memória, atenção e funções executivas, que podem evoluir para demência em estágios avançados. * Dor: Pode ser musculoesquelética ou neuropática. * Fadiga: Cansaço persistente. 4.4 Avaliação Fisioterapêutica na Doença de Parkinson A avaliação fisioterapêutica na DP é crucial para quantificar os déficits, monitorar a progressão da doença e planejar intervenções personalizadas. Deve ser realizada em diferentes momentos do ciclo medicamentoso (período “on” - com efeito da medicação, e “off” - sem efeito). 4.4.1 Anamnese e Histórico Clínico • Sintomas: Detalhar o início, progressão e impacto dos sintomas motores e não motores nas atividades diárias. • Medicações: Registrar os medicamentos antiparkinsonianos (ex: levodopa) e seus horários, para entender os períodos “on” e “off”. • Histórico de Quedas: Frequência, circunstâncias e consequências das quedas. • Objetivos do Paciente: Entender as prioridades e metas funcionais do paciente. 4.4.2 Avaliação da Função Motora • Escalas Padronizadas: – Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson (UPDRS - Unified Parkinson’s Disease Rating Scale): É a escala mais abrangente, avaliando aspectos não motores, atividades da vida diária, exame motor e complicações motoras. É fundamental para monitorar a progressão da doença e a resposta ao tratamento. – Escala de Hoehn e Yahr: Classifica a gravidade da doença em estágios (0 a 5), com base na bilateralidade dos sintomas e no comprometimento do equilíbrio. • Bradicinesia: Observar a lentidão em movimentos repetitivos (ex: abrir e fechar a mão, bater o pé no chão). • Rigidez: Avaliar a resistência ao movimento passivo em diferentes articulações. • Tremor: Observar a presença, localização e características do tremor de repouso. • Marcha: Analisar a velocidade, comprimento do passo, balanço dos braços, presença de festinação e congelamento da marcha (freezing of gait - FOG). • Equilíbrio e Instabilidade Postural: Testes como o Pull Test (o examinador puxa o paciente para trás para avaliar a capacidade de recuperar o equilíbrio) e o Timed Up and Go (TUG). 4.4.3 Avaliação da Função Não Motora • Fadiga: Utilizar escalas específicas (ex: Escala de Impacto da Fadiga - FSS). • Disfagia: Observar sinais de engasgos durante a alimentação. • Função Respiratória: Avaliar a força dos músculos respiratórios, especialmente em estágios avançados. • Disfunção Cognitiva: Observar dificuldades de atenção, memória e planejamento. 4.5 Intervenção Fisioterapêutica na Doença de Parkinson A fisioterapia é um pilar fundamental no tratamento da Doença de Parkinson, visando manter a funcionalidade, melhorar a qualidade de vida e retardar a progressão dos sintomas. A intervenção deve ser contínua e adaptada às fases da doença. 4.5.1 Objetivos Terapêuticos • Melhorar a mobilidade e a função motora: Reduzir a bradicinesia, rigidez e tremor. • Prevenir quedas e melhorar o equilíbrio: Através de treino específico e estratégias de segurança. • Otimizar a marcha: Aumentar o comprimento do passo, a velocidade e o balanço dos braços. • Manter a flexibilidade e prevenir contraturas: Através de alongamentos e mobilizações. • Melhorar a postura e a estabilidade do tronco: Para facilitar o movimento e reduzir a dor. • Gerenciar sintomas não motores: Como fadiga, dor e problemasrespiratórios. • Educar o paciente e a família: Sobre a doença, estratégias de manejo e adaptações ambientais. 4.5.2 Estratégias e Métodos de Reabilitação 7. Exercícios de Grande Amplitude (LSVT BIG®): – Um programa intensivo e específico para DP que foca em movimentos de grande amplitude e alta intensidade. Ajuda a recalibrar a percepção do paciente sobre seus próprios movimentos, que tendem a ser menores e mais lentos devido à bradicinesia. É eficaz para melhorar a marcha, o equilíbrio e a fala. 8. Treinamento de Marcha: – Pistas Externas (Cues): Utilização de estímulos visuais (linhas no chão), auditivos (metrônomo, música com ritmo) ou táteis para ajudar a superar o congelamento da marcha e melhorar o ritmo e o comprimento do passo. – Treino em Esteira: Com ou sem suporte de peso, para melhorar a resistência e o padrão de marcha. – Treino de Dupla Tarefa: Realizar uma tarefa motora (caminhar) enquanto executa uma tarefa cognitiva (contar para trás), para simular situações do dia a dia e melhorar a capacidade de multitarefa. 9. Exercícios de Equilíbrio e Prevenção de Quedas: – Exercícios que desafiam o equilíbrio em diferentes superfícies e posições. – Treino de reações de proteção e estratégias de recuperação de equilíbrio. – Adaptações ambientais (remoção de tapetes, boa iluminação). 10. Alongamento e Mobilização: – Para reduzir a rigidez e manter a amplitude de movimento, prevenindo contraturas. – Foco em músculos flexores do tronco e membros, que tendem a encurtar. 11. Fortalecimento Muscular: – Exercícios resistidos com foco em grandes grupos musculares, para melhorar a força e a potência. – Importante para combater a fraqueza e a atrofia muscular. 12. Fisioterapia Respiratória: – Exercícios para fortalecer os músculos respiratórios e melhorar a capacidade pulmonar, especialmente em estágios avançados. – Técnicas de higiene brônquica para prevenir complicações respiratórias. 13. Hidroterapia: – A água oferece suporte e resistência, facilitando o movimento e reduzindo o risco de quedas. É excelente para o treino de equilíbrio, marcha e relaxamento muscular. 14. Educação e Estratégias de Autogerenciamento: – Ensinar o paciente a gerenciar a fadiga, a realizar transferências de forma segura e a adaptar suas atividades diárias. – Incentivar a prática regular de exercícios em casa. 4.6 Prognóstico na Doença de Parkinson A Doença de Parkinson é uma doença progressiva, o que significa que os sintomas tendem a piorar com o tempo. No entanto, a taxa de progressão varia muito entre os indivíduos. A fisioterapia e o tratamento medicamentoso podem retardar a progressão dos sintomas e melhorar significativamente a qualidade de vida. Fatores que influenciam o prognóstico: * Idade de início: Pacientes com início mais jovem da doença (Parkinson de início precoce) tendem a ter uma progressão mais lenta. * Sintoma inicial: Pacientes que iniciam com tremor predominante geralmente têm um prognóstico melhor do que aqueles que iniciam com bradicinesia e rigidez. * Resposta à levodopa: Uma boa resposta à levodopa é um indicador de melhor prognóstico. * Presença de sintomas não motores: A ocorrência precoce de demência ou instabilidade postural grave pode indicar um prognóstico menos favorável. * Adesão ao tratamento: A participação ativa na fisioterapia e a adesão à medicação são cruciais para manter a funcionalidade. Conclusão sobre a Doença de Parkinson: A Doença de Parkinson é um desafio complexo, mas a fisioterapia desempenha um papel insubstituível no manejo dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Uma abordagem multidisciplinar, com foco na educação, no exercício e na adaptação, permite que os indivíduos com DP mantenham sua independência e participem ativamente da vida por muitos anos. A pesquisa contínua e o desenvolvimento de novas terapias oferecem esperança para o futuro. 5. Doenças Desmielinizantes 5.1 O que são Doenças Desmielinizantes? As doenças desmielinizantes são um grupo de condições neurológicas caracterizadas pela perda ou dano à mielina, a bainha protetora que envolve as fibras nervosas (axônios) no sistema nervoso central (SNC) e/ou no sistema nervoso periférico (SNP). A mielina funciona como um isolante elétrico, permitindo que os impulsos nervosos (sinais elétricos) sejam transmitidos de forma rápida e eficiente ao longo dos nervos. Quando a mielina é danificada, a transmissão desses sinais é interrompida, retardada ou distorcida, levando a uma ampla gama de sintomas neurológicos. Essas doenças podem ser inflamatórias, autoimunes, genéticas ou causadas por infecções e toxinas. A desmielinização pode ocorrer em surtos (episódios agudos de piora seguidos de recuperação) ou de forma progressiva (piora gradual e contínua). A compreensão da mielina e de sua função é fundamental para entender essas patologias: • No SNC: A mielina é produzida pelos oligodendrócitos. • No SNP: A mielina é produzida pelas células de Schwann. O dano à mielina pode levar não apenas à disfunção da transmissão nervosa, mas também, a longo prazo, ao dano axonal (lesão da própria fibra nervosa), o que pode resultar em déficits neurológicos permanentes. 5.2 Esclerose Múltipla (EM) 5.2.1 O que é a Esclerose Múltipla (EM)? A Esclerose Múltipla (EM) é a doença desmielinizante mais comum do sistema nervoso central (SNC). É uma doença crônica, inflamatória e autoimune, na qual o sistema imunológico do próprio corpo ataca e destrói a mielina que envolve os neurônios no cérebro, medula espinhal e nervos ópticos. Esse ataque autoimune leva à formação de lesões (placas ou cicatrizes) em múltiplas áreas do SNC, daí o nome “esclerose múltipla”. A destruição da mielina impede a transmissão eficaz dos impulsos nervosos, resultando em uma variedade de sintomas neurológicos que podem ser imprevisíveis e flutuantes. A EM é uma doença complexa, e sua manifestação clínica varia amplamente entre os indivíduos. 5.2.2 Causas e Fatores de Risco da EM A causa exata da EM ainda não é totalmente compreendida, mas acredita-se que seja uma interação complexa entre fatores genéticos e ambientais. Não é uma doença contagiosa nem diretamente hereditária, mas a predisposição genética pode aumentar o risco. Fatores de Risco Conhecidos: * Genética: Certos genes (especialmente o HLA-DRB1) aumentam a suscetibilidade. * Ambientais: * Deficiência de Vitamina D: Baixos níveis de vitamina D têm sido associados a um risco aumentado e a uma maior atividade da doença. * Infecções Virais: O vírus Epstein-Barr (EBV), causador da mononucleose, é um dos principais candidatos a gatilho ambiental. * Tabagismo: Aumenta o risco de desenvolver EM e acelera sua progressão. * Obesidade na Adolescência: Especialmente em mulheres, pode aumentar o risco. * Geografia: Maior prevalência em regiões distantes da linha do Equador, sugerindo o papel da exposição solar e da vitamina D. 5.2.3 Fisiopatologia da EM: O Ataque à Mielina A fisiopatologia da EM envolve um processo autoimune complexo que danifica a mielina e, eventualmente, os axônios no SNC. As etapas principais incluem: 15. Ativação de Células Imunes: Linfócitos T e B, que normalmente protegem o corpo, tornam-se ativados e reconhecem componentes da mielina como estranhos. 16. Migração para o SNC: Essas células imunes ativadas atravessam a barreira hematoencefálica, que se torna mais permeável durante o processo inflamatório. 17. Ataque Desmielinizante: Uma vez no SNC, as células imunes liberam substâncias inflamatórias (citocinas) que atacam e destroem a mielina. Isso cria áreas de inflamação e desmielinização, chamadas de lesões ou placas. 18. Dano Axonal: A perda da mielina deixa os axônios vulneráveis. Com o tempo, os próprios axônios podem ser danificados ou degenerar, levando a déficits neurológicos permanentes e acúmulo de incapacidade. 19. Falha na Remielinização: Embora o SNC tenha alguma capacidade de reparar a mielina(remielinização), esse processo é frequentemente incompleto ou falho na EM, levando à formação de cicatrizes (gliose) e à persistência dos déficits. 5.2.4 Classificação da Esclerose Múltipla (Tipos Clínicos) A EM se manifesta de diferentes formas, classificadas com base no padrão de atividade da doença e progressão dos sintomas ao longo do tempo. Essa classificação é crucial para o diagnóstico e a escolha do tratamento. • Síndrome Clinicamente Isolada (SCI): É o primeiro episódio de sintomas neurológicos que dura pelo menos 24 horas e é causado por inflamação e desmielinização no SNC. Nem todas as pessoas com SCI desenvolverão EM, mas é um forte indicativo. • Esclerose Múltipla Remitente-Recorrente (EMRR): O tipo mais comum (85% dos casos). Caracteriza-se por surtos (recaídas ou exacerbações) de novos sintomas ou agravamento dos existentes, seguidos por períodos de remissão, onde os sintomas melhoram parcial ou totalmente. A doença não progride entre os surtos. • Esclerose Múltipla Progressiva Primária (EMPP): Afeta 10-15% dos pacientes. Caracteriza-se por uma progressão gradual e contínua dos sintomas neurológicos desde o início, sem surtos ou remissões claras. A incapacidade se acumula de forma constante. • Esclerose Múltipla Progressiva Secundária (EMPS): Muitos pacientes com EMRR eventualmente progridem para a EMPS. Após um período de surtos e remissões, a doença começa a progredir de forma contínua, com ou sem surtos sobrepostos. A incapacidade se acumula gradualmente. 5.2.5 Manifestações Clínicas da EM Os sintomas da EM são extremamente variados e dependem da localização das lesões no SNC. A EM é frequentemente chamada de “doença das mil faces” devido à sua apresentação clínica diversa. Os sintomas podem ser transitórios (durante um surto) ou persistentes. Sintomas Comuns da EM: * Fadiga: Um dos sintomas mais comuns e debilitantes, caracterizado por cansaço extremo e persistente que não melhora com o repouso. * Alterações Sensoriais: Dormência, formigamento (parestesias), queimação, dor, ou sensação de choque elétrico (sinal de Lhermitte, que é uma sensação de choque que desce pela coluna ao fletir o pescoço). * Problemas de Visão: Visão turva, dupla (diplopia), perda de visão em um olho (neurite óptica, que causa dor ao mover o olho e perda de visão central), ou movimentos oculares involuntários (nistagmo). * Fraqueza Muscular: Pode afetar um ou mais membros, dificultando a realização de tarefas diárias. * Espasticidade: Aumento do tônus muscular que causa rigidez e dificuldade de movimento, podendo levar a contraturas e dor. * Problemas de Equilíbrio e Coordenação: Ataxia (falta de coordenação), tontura, vertigem, dificuldade para andar (marcha instável). * Disfunção da Bexiga e Intestino: Urgência urinária, frequência, incontinência, dificuldade para esvaziar a bexiga, constipação. * Disfunção Sexual: Problemas de ereção em homens e diminuição da lubrificação e sensibilidade em mulheres. * Déficits Cognitivos: Dificuldades de memória, atenção, velocidade de processamento de informações, planejamento e resolução de problemas. Embora menos visíveis, podem impactar significativamente a vida diária. * Alterações de Humor: Depressão, ansiedade, irritabilidade, labilidade emocional (mudanças rápidas de humor). * Dor: Pode ser neuropática (devido ao dano nervoso) ou musculoesquelética (devido à espasticidade ou má postura). * Disfagia: Dificuldade para engolir. * Disartria: Dificuldade na fala (rouquidão, fala arrastada). 5.2.6 Avaliação Fisioterapêutica na EM A avaliação fisioterapêutica na Esclerose Múltipla é complexa e deve ser abrangente, considerando a natureza flutuante e variada dos sintomas. O objetivo é identificar os déficits funcionais, monitorar a progressão da doença e guiar o plano de tratamento individualizado. • Anamnese e Histórico Clínico: Detalhar sintomas, histórico de surtos, fadiga, medicações e objetivos do paciente. • Avaliação Neurológica Específica: – Nível de Consciência e Cognição: Avaliar atenção, memória, orientação e velocidade de processamento (usando MEEM ou MoCA). – Função Motora: Força muscular (Escala de Oxford), tônus muscular (Escala de Ashworth Modificada), coordenação (testes como dedo-nariz). – Função Sensorial: Avaliar tato, dor, temperatura, propriocepção e vibração. – Reflexos e Pares Cranianos: Avaliar a integridade dos reflexos e nervos cranianos. • Avaliação Funcional e da Mobilidade: – Equilíbrio: Testes como Romberg, Berg Balance Scale, Timed Up and Go (TUG). – Marcha: Análise do padrão de marcha, velocidade, simetria e uso de dispositivos auxiliares. – Atividades da Vida Diária (AVDs): Avaliar a independência em tarefas diárias (Índice de Barthel). – Funções Respiratórias: Avaliar Pico de Fluxo Expiratório (PFE) e Pressões Respiratórias Máximas (Pimax/Pemax). • Avaliação da Fadiga: Utilizar escalas específicas (ex: Escala de Impacto da Fadiga - FSS) e diário de atividades. • Avaliação da Dor: Utilizar escalas visuais analógicas (EVA) ou questionários de dor. 5.2.7 Objetivos da Intervenção Fisioterapêutica na EM A abordagem fisioterapêutica na Esclerose Múltipla é altamente individualizada e visa preservar a funcionalidade, prevenir complicações secundárias, otimizar a qualidade de vida e promover a autonomia do paciente. Os objetivos variam conforme o estágio clínico da doença e o tipo de comprometimento funcional. • Manter e/ou melhorar a força e resistência muscular. • Reduzir a espasticidade e prevenir encurtamentos. • Promover o controle postural e o equilíbrio. • Prevenir quedas e otimizar a marcha. • Gerenciar a fadiga e conservar energia. • Melhorar a função respiratória e a capacidade funcional global. • Favorecer a neuroplasticidade e a funcionalidade nas Atividades de Vida Diária (AVDs). • Minimizar impactos emocionais e promover suporte biopsicossocial. 5.2.8 Condutas por Estágio da Doença A intervenção fisioterapêutica deve ser adaptada ao estágio da doença e às necessidades específicas do paciente: Estágio Características Foco Fisioterapêutico Inicial Poucos déficits neurológicos, com queixas sutis de fadiga e alterações motoras leves. Foco principal: Prevenção, educação e manutenção da função.- Treinamento de resistência: Exercícios leves a moderados.- Reeducação da marcha: Corrigir pequenos desvios.- Exercícios funcionais: Foco em atividades que o paciente já realiza.- Conservação de energia: Ensinar estratégias para gerenciar a fadiga. Intermediário Déficits motores e sensoriais evidentes, espasticidade moderada, distúrbios de marcha e quedas ocasionais. Foco principal: Recuperação funcional e adaptação.- Facilitação motora: Técnicas para estimular movimentos.- Técnicas inibitórias: Para reduzir a espasticidade.- Treino de equilíbrio: Exercícios mais desafiadores.- Marcha assistida: Uso de bengalas, muletas ou andadores.- Exercícios aeróbicos adaptados: Bicicleta ergométrica ou hidroterapia. Avançado Dependência funcional, restrição à cadeira de rodas, comprometimento respiratório, fadiga severa. Foco principal: Prevenção de complicações, conforto e qualidade de vida.- Alongamentos passivos e mobilizações articulares: Para prevenir contraturas.- Reeducação respiratória: Exercícios para fortalecer os músculos respiratórios.- Posicionamento adequado: Na cama e na cadeira de rodas.- Prevenção de complicações por imobilidade: Cuidados com a pele, circulação e função intestinal. 5.2.9 Estratégias Específicas de Reabilitação 20. Treinamento de Marcha e Equilíbrio: Uso de esteiras com suporte de peso corporal (BWSTT), realidade virtual, biofeedback, exercícios com obstáculos. 21. Controle da Espasticidade: Técnicas de inibição proprioceptiva, crioterapia, posicionamento antiespástico e órteses. 22. Fortalecimento Muscular: Exercícios com resistência leve a moderada, evitando sobrecarga térmica. 23. Treinamento Aeróbico: Bicicleta ergométrica, hidroterapia,caminhada adaptada, com frequência moderada e supervisão. 24. Reeducação Respiratória: Uso de incentivadores respiratórios, técnicas de higiene brônquica, treinamento da musculatura inspiratória. 25. Gestão da Fadiga: Técnica de pacing (alternar esforço e repouso), planejamento energético diário, incorporação de pausas. 26. Abordagem Cognitiva e Funcional: Estimulação cognitiva, integração de treino motor com desafios cognitivos, treino de AVDs. 5.2.10 Prognóstico Funcional e Considerações Éticas O prognóstico da Esclerose Múltipla é altamente variável. Fatores de mau prognóstico incluem início com sintomas motores ou cerebelares, alta carga de lesões na RM inicial, progressão rápida da incapacidade e resposta insatisfatória ao tratamento farmacológico. Fatores de bom prognóstico incluem forma remitente-recorrente, recuperação completa após surtos iniciais, baixa frequência de surtos e boa adesão à reabilitação. A atuação fisioterapêutica deve ser baseada em protocolos personalizados, com reavaliação contínua, e sempre pautada pelo respeito à autonomia do paciente. A integração com a equipe multiprofissional é fundamental para uma abordagem ética, empática e eficaz, visando a melhoria da qualidade de vida e a promoção da independência do paciente com Esclerose Múltipla. 5.3 Outras Doenças Desmielinizantes do SNC Além da Esclerose Múltipla, existem outras doenças desmielinizantes que afetam o SNC, embora sejam menos comuns. É importante conhecê-las para um diagnóstico diferencial e tratamento adequado. 5.3.1 Neuromielite Óptica (NMO) ou Doença de Devic • Definição: A NMO é uma doença autoimune rara que afeta principalmente os nervos ópticos e a medula espinhal. Diferente da EM, que pode afetar diversas áreas do SNC, a NMO tem uma predileção por essas duas regiões. É caracterizada pela presença de um autoanticorpo específico, o anti-AQP4 (anticorpo contra a aquaporina-4), que ataca uma proteína presente nos astrócitos (células de suporte no SNC) e está intimamente associado à mielina. • Manifestações Clínicas: Os principais sintomas são: – Neurite Óptica: Inflamação do nervo óptico, causando dor ocular e perda de visão (que pode ser grave e bilateral). – Mielite Transversa: Inflamação da medula espinhal, resultando em fraqueza, dormência, paralisia e disfunção da bexiga e intestino, frequentemente de forma bilateral e simétrica. • Diferenças da EM: A NMO tende a causar ataques mais graves e com recuperação menos completa, levando a um acúmulo de incapacidade mais rápido. O tratamento e o prognóstico são diferentes da EM. 5.3.2 Encefalomielite Disseminada Aguda (ADEM) • Definição: A ADEM é uma doença inflamatória e desmielinizante aguda e monofásica (geralmente ocorre uma única vez) do SNC. É mais comum em crianças e geralmente ocorre após uma infecção viral (como sarampo, catapora, gripe) ou, menos frequentemente, após uma vacinação. Acredita-se que seja uma resposta autoimune desencadeada pela infecção, onde o sistema imunológico ataca a mielina. • Manifestações Clínicas: Os sintomas surgem rapidamente e podem incluir febre, dor de cabeça, sonolência, convulsões, fraqueza em um ou mais membros, problemas de visão, dificuldade de fala e alterações de consciência. As lesões podem ser difusas no cérebro e na medula espinhal. • Prognóstico: A maioria dos pacientes se recupera completamente, embora alguns possam ter déficits residuais. O tratamento geralmente envolve corticosteroides para reduzir a inflamação. 5.4 Doenças Desmielinizantes do SNP As doenças desmielinizantes também podem afetar o sistema nervoso periférico (SNP), que inclui os nervos que se estendem do cérebro e da medula espinhal para o resto do corpo. Nesses casos, as células de Schwann são o alvo do ataque. 5.4.1 Síndrome de Guillain-Barré (SGB) • Definição: A SGB é uma polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA) que afeta os nervos periféricos. É uma emergência neurológica e a causa mais comum de paralisia flácida aguda. Geralmente ocorre após uma infecção (respiratória ou gastrointestinal, como a causada pela bactéria Campylobacter jejuni), onde o sistema imunológico, ao combater a infecção, ataca por engano a mielina dos nervos periféricos. • Manifestações Clínicas: Os sintomas progridem rapidamente (horas a semanas) e incluem: – Fraqueza Muscular Ascendente: Inicia-se nas pernas e sobe para o tronco e braços, podendo afetar os músculos respiratórios e da face. – Parestesias: Dormência e formigamento nas extremidades. – Arreflexia: Perda dos reflexos tendinosos profundos. – Dor Neuropática: Dor intensa nos músculos e nervos. – Disfunção Autonômica: Flutuações da pressão arterial, arritmias cardíacas, disfunção da bexiga. • Prognóstico: A maioria dos pacientes se recupera, mas a recuperação pode ser lenta e alguns podem ter déficits residuais ou desenvolver a forma crônica (CIDP). • Tratamento: Imunoglobulina intravenosa (IVIg) ou plasmaférese para remover os anticorpos do sangue. 5.4.2 Polineuropatia Desmielinizante Inflamatória Crônica (PDIC) • Definição: A PDIC é a forma crônica da SGB, caracterizada por fraqueza e dormência progressivas ou recorrentes que duram mais de 8 semanas. Também é uma doença autoimune que ataca a mielina dos nervos periféricos. • Manifestações Clínicas: Similar à SGB, mas com progressão mais lenta ou em surtos e remissões. Pode causar fraqueza muscular, perda de sensibilidade, arreflexia e dor. • Tratamento: Corticosteroides, IVIg ou plasmaférese, e imunossupressores para controlar a inflamação e prevenir a progressão da doença. Conclusão sobre Doenças Desmielinizantes: As doenças desmielinizantes representam um desafio significativo na neurologia e na fisioterapia. A compreensão de suas causas, fisiopatologia e manifestações clínicas é essencial para um diagnóstico precoce e uma intervenção terapêutica eficaz. A fisioterapia desempenha um papel crucial na reabilitação desses pacientes, visando preservar a funcionalidade, gerenciar os sintomas e melhorar a qualidade de vida, adaptando as estratégias às necessidades individuais e à progressão da doença. A pesquisa contínua nessas áreas oferece esperança para novas terapias e uma melhor compreensão dessas condições complexas. 6. Polineuropatias 6.1 O que são Polineuropatias? As polineuropatias são um grupo de doenças que afetam múltiplos nervos periféricos simultaneamente. Os nervos periféricos são aqueles que se estendem para fora do cérebro e da medula espinhal, alcançando os músculos, a pele e os órgãos internos. Eles são responsáveis por transmitir informações sensoriais (tato, dor, temperatura), controlar os movimentos musculares e regular funções autônomas (como batimentos cardíacos, digestão e pressão arterial). Quando esses nervos são danificados, a comunicação entre o cérebro e o corpo é comprometida, levando a uma variedade de sintomas que podem incluir fraqueza muscular, dormência, formigamento, dor e problemas de equilíbrio. As polineuropatias podem ser causadas por diversas condições, como doenças metabólicas (diabetes), deficiências nutricionais, infecções, exposição a toxinas, doenças autoimunes e fatores genéticos. 6.2 Classificação das Polineuropatias As polineuropatias podem ser classificadas de diversas maneiras, o que ajuda a entender sua causa e a planejar o tratamento: 6.2.1 Quanto à Parte do Nervo Afetada • Axonal: O dano ocorre principalmente no axônio (a parte longa do neurônio que transmite o impulso nervoso). Isso leva a uma degeneração do nervo, e a recuperação é geralmente mais lenta e menos completa, pois o axônio precisa se regenerar a partir do corpo celular. • Desmielinizante: O dano ocorre na bainha de mielina (a camada protetora que envolve o axônio). A condução do impulso nervoso fica lenta ou bloqueada. A recuperação pode ser mais rápida e completa se a mielina puder ser reparada (remielinização). • Mista: Afeta tantoo axônio quanto a mielina. 6.2.2 Quanto ao Tipo de Fibra Nervosa Afetada • Sensorial: Afeta principalmente os nervos que transmitem sensações (tato, dor, temperatura, propriocepção). Causa dormência, formigamento, dor e perda de sensibilidade. • Motora: Afeta principalmente os nervos que controlam os músculos. Causa fraqueza muscular, atrofia e cãibras. • Autonômica: Afeta os nervos que controlam funções involuntárias (batimentos cardíacos, pressão arterial, digestão, sudorese). Causa problemas como hipotensão postural, distúrbios gastrointestinais e disfunção da bexiga. • Mista: Afeta uma combinação de fibras sensoriais, motoras e/ou autonômicas. A maioria das polineuropatias é mista. 6.2.3 Quanto à Causa • Hereditárias: Causadas por mutações genéticas (ex: Doença de Charcot-Marie-Tooth). • Adquiridas: Causadas por fatores externos ou outras doenças (ex: neuropatia diabética, neuropatia alcoólica, neuropatia por deficiência de vitamina B12). 6.3 Fisiopatologia Geral das Polineuropatias A fisiopatologia das polineuropatias varia de acordo com a causa, mas o resultado final é sempre o comprometimento da função nervosa. Independentemente da causa, o dano ao nervo periférico leva a uma interrupção ou lentidão na transmissão dos sinais nervosos. • Dano Axonal: Quando o axônio é lesionado, ele não consegue mais transmitir os impulsos elétricos de forma eficaz. Isso pode levar à degeneração do axônio e, consequentemente, à perda de função muscular ou sensorial. A regeneração axonal é um processo lento e nem sempre completo. • Dano Desmielinizante: A destruição da mielina expõe o axônio, fazendo com que o impulso nervoso “vaze” ou seja transmitido muito lentamente. Isso pode causar fraqueza e dormência, mesmo que o axônio esteja intacto. A remielinização (reparação da mielina) pode ocorrer, levando à recuperação da função. 6.4 Manifestações Clínicas das Polineuropatias Os sintomas das polineuropatias geralmente começam nas extremidades (pés e mãos) e progridem para cima, em um padrão de “luva e meia”. A gravidade e o tipo dos sintomas dependem da causa, do tipo de fibra nervosa afetada e da extensão do dano. Sintomas Sensoriais: * Dormência e Formigamento (Parestesias): Sensação de “alfinetadas e agulhadas” ou perda de sensibilidade. * Dor Neuropática: Pode ser descrita como queimação, choque elétrico, pontadas ou dor profunda. Geralmente piora à noite. * Perda de Sensibilidade: Dificuldade em sentir o tato, a temperatura (especialmente o frio) e a dor, o que aumenta o risco de lesões e infecções. * Perda de Propriocepção: Dificuldade em perceber a posição do corpo no espaço, levando a problemas de equilíbrio e coordenação (marcha instável). Sintomas Motores: * Fraqueza Muscular: Dificuldade em levantar os pés (pé caído), segurar objetos, subir escadas ou levantar-se de uma cadeira. * Atrofia Muscular: Perda de massa muscular devido à falta de inervação. * Cãibras e Fasciculações: Contrações musculares involuntárias. * Dificuldade de Equilíbrio e Marcha: Devido à fraqueza e/ou perda de propriocepção, o paciente pode ter uma marcha instável, arrastando os pés ou com passos largos para compensar. Sintomas Autonômicos: * Hipotensão Postural: Tontura ou desmaio ao levantar-se rapidamente devido à queda da pressão arterial. * Distúrbios Gastrointestinais: Náuseas, vômitos, diarreia ou constipação. * Disfunção da Bexiga: Dificuldade em esvaziar a bexiga ou incontinência. * Disfunção Sexual: Impotência em homens e dificuldades de lubrificação em mulheres. * Anormalidades na Sudorese: Sudorese excessiva ou ausente. 6.5 Avaliação Fisioterapêutica nas Polineuropatias A avaliação fisioterapêutica é fundamental para identificar os déficits funcionais, monitorar a progressão da doença e planejar um programa de reabilitação individualizado. 6.5.1 Anamnese e Histórico Clínico • Sintomas: Detalhar o início, progressão, tipo e distribuição dos sintomas (sensoriais, motores, autonômicos). • Histórico Médico: Investigar doenças preexistentes (diabetes, doenças autoimunes), uso de medicamentos, exposição a toxinas (álcool, quimioterapia) e histórico familiar. • Impacto nas AVDs: Como os sintomas afetam as atividades diárias, trabalho e lazer. 6.5.2 Avaliação Neurológica Específica • Força Muscular: Teste de força manual (Escala de Oxford) para identificar fraqueza e padrão de distribuição. • Sensibilidade: Avaliar tato leve, dor, temperatura, vibração (com diapasão) e propriocepção (percepção da posição articular). • Reflexos Tendinosos Profundos: Geralmente diminuídos ou ausentes nas polineuropatias. • Tônus Muscular: Avaliar a presença de hipotonia (diminuição do tônus) ou, em alguns casos, espasticidade (se houver comprometimento central associado). • Avaliação da Dor Neuropática: Utilizar escalas de dor e questionários específicos (ex: DN4). 6.5.3 Avaliação Funcional e da Mobilidade • Equilíbrio: Testes como Romberg, Berg Balance Scale, Timed Up and Go (TUG) para avaliar o equilíbrio estático e dinâmico e o risco de quedas. • Marcha: Análise do padrão de marcha, velocidade, comprimento do passo, presença de pé caído (drop foot) e necessidade de dispositivos auxiliares. • Atividades da Vida Diária (AVDs): Avaliar a independência em tarefas como vestir-se, alimentar-se, higiene pessoal e mobilidade. • Função Respiratória: Em casos graves, a fraqueza dos músculos respiratórios pode ser um problema. Avaliar a capacidade vital forçada (CVF) e as pressões respiratórias máximas. 6.6 Intervenção Fisioterapêutica nas Polineuropatias A fisioterapia é essencial para minimizar os déficits, melhorar a funcionalidade e a qualidade de vida dos pacientes com polineuropatias. O tratamento é individualizado e focado nos sintomas e limitações específicas de cada paciente. 6.6.1 Objetivos Terapêuticos • Manter e/ou melhorar a força muscular: Para combater a fraqueza e prevenir a atrofia. • Melhorar o equilíbrio e a coordenação: Para reduzir o risco de quedas e otimizar a marcha. • Gerenciar a dor neuropática: Através de técnicas de alívio da dor e educação. • Preservar a amplitude de movimento e prevenir deformidades: Através de alongamentos e mobilizações. • Educar o paciente sobre a proteção da pele e prevenção de lesões: Especialmente em áreas com perda de sensibilidade. • Promover a independência nas AVDs: Através de treino funcional e uso de tecnologias assistivas. 6.6.2 Estratégias e Métodos de Reabilitação 27. Exercícios de Fortalecimento: – Exercícios resistidos para os músculos afetados, com progressão gradual da carga. – Foco em grupos musculares chave para a marcha e atividades diárias (ex: dorsiflexores do tornozelo para pé caído). 28. Treinamento de Equilíbrio e Marcha: – Exercícios que desafiam o equilíbrio em diferentes superfícies e com olhos abertos/fechados. – Treino de marcha com foco em segurança, coordenação e uso de dispositivos auxiliares (órteses, andadores, bengalas). – Uso de órteses (ex: AFO - Ankle-Foot Orthosis) para corrigir o pé caído e melhorar a estabilidade da marcha. 29. Manejo da Dor Neuropática: – Técnicas de dessensibilização (escovação, massagem) para reduzir a hipersensibilidade. – Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea (TENS) para alívio da dor. – Exercícios de alongamento e mobilização para reduzir a rigidez e a dor musculoesquelética associada. 30. Educação e Proteção: – Instruir o paciente sobre a importância da inspeção diária dos pés e mãos para prevenir lesões em áreas com perda de sensibilidade. – Recomendar calçados adequados e evitar temperaturas extremas. 31. Treino Funcional e Adaptações: – Prática de AVDs em ambientes reais para melhorar a independência. – Recomendar adaptações no ambiente doméstico (barras de apoio, tapetes antiderrapantes) e tecnologias assistivas. 32. Fisioterapia Respiratória: – Em casos de fraqueza respiratória, exercícios para fortalecer os músculos respiratórios e técnicas decorretamente a avaliação e o plano terapêutico. Essa etapa não deve ser encarada como um simples preenchimento de ficha, mas como um processo clínico investigativo que integra múltiplas dimensões: motora, sensorial, cognitiva, emocional, funcional e social. Ao caracterizar esse paciente, o fisioterapeuta busca: • Compreender a extensão e os impactos da lesão neurológica; • Identificar déficits e preservações funcionais; • Avaliar o potencial de recuperação; • Escolher estratégias terapêuticas individualizadas e seguras. Essa abordagem permite: • Elaborar um diagnóstico fisioterapêutico fundamentado; • Estabelecer objetivos terapêuticos claros e realistas; • Traçar um prognóstico funcional baseado em evidências; • Definir intervenções específicas para cada caso. 1. História Clínica A história clínica é a porta de entrada da avaliação neurológica. Ela não se resume à doença atual, mas envolve o levantamento completo de informações sobre o paciente, sua trajetória de saúde, seu cotidiano e seus objetivos pessoais. a) Doença de base ou evento neurológico É essencial identificar a etiologia neurológica principal, como: • AVC (Acidente Vascular Cerebral): perguntar se foi isquêmico ou hemorrágico, qual hemisfério foi afetado, se houve hemiparesia, afasia etc.; • TCE (Traumatismo Cranioencefálico): investigar se houve perda de consciência, coma, necessidade de cirurgia, presença de sequelas cognitivas; • Esclerose Múltipla, ELA, Doença de Parkinson, Paralisia Cerebral, Mielopatia, Tumores: identificar o tipo, a fase da doença, o tratamento atual, crises, progressão. Importante: sempre perguntar se houve internações anteriores, reabilitação prévia, e qual foi a resposta ao tratamento anterior. b) Data e evolução do quadro Aqui, investigue: • Quando surgiram os primeiros sintomas? • Houve piora ou melhora ao longo do tempo? • O quadro é agudo, subagudo ou crônico? • Já passou por alguma internação hospitalar ou UTI? Essa informação é essencial para definir o estágio da lesão: • Aguda: 3 meses. c) Tratamentos anteriores e atuais Perguntar: • Se faz uso de medicamentos neurológicos (ex: antiepilépticos, antidepressivos, relaxantes musculares); • Se já fez fisioterapia antes e com qual abordagem (Bobath, PNF, treino funcional); • Se realizou outros tratamentos: fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicoterapia. d) Comorbidades associadas Avalie se há outras doenças que interferem na abordagem terapêutica, como: • Hipertensão, diabetes, doenças cardíacas, doença pulmonar obstrutiva crônica, transtornos mentais, entre outras. Essas condições podem impactar o prognóstico, a tolerância ao exercício e o planejamento da reabilitação. e) Queixas principais do paciente e da família Pergunte diretamente: • “O que mais incomoda hoje?” • “Quais são suas maiores dificuldades no dia a dia?” • “O que você gostaria de voltar a fazer?” Ouvir o paciente e seus cuidadores permite: • Identificar necessidades reais; • Aumentar a adesão ao tratamento; • Alinhar expectativas e promover o protagonismo do paciente. Dica Clínica Crie o hábito de registrar não apenas o que é dito, mas também como é dito. O modo como o paciente relata sua história revela aspectos emocionais, cognitivos e sociais importantes. Exemplo: “Ele fala com apatia, evitando contato visual, e relata que ‘tanto faz se melhorar ou não’” → sugestivo de depressão ou desmotivação. 1. Nível de Consciência e Cognição A avaliação do nível de consciência e das funções cognitivas é fundamental para caracterizar o paciente neurológico adulto. Alterações nesses domínios são comuns e impactam diretamente a participação ativa na reabilitação. 1.1 Nível de Consciência O nível de consciência refere-se à capacidade do indivíduo de perceber o ambiente, reagir a estímulos e manter-se desperto, variando de alerta a coma profundo. Classificação Clínica dos Estados de Consciência: Nível Descrição Alerta Paciente desperto, responsivo, orientado. Sonolento Paciente responde lentamente, mas desperta com estímulos. Obnubilado Respostas mais lentas e confusas; estado de confusão mental. Torporoso Responde apenas a estímulos dolorosos ou repetitivos. Comatoso Ausência de resposta a estímulos verbais e dolorosos; olhos fechados. Ferramenta: Escala de Coma de Glasgow (ECG) A ECG é usada para avaliar o nível de consciência em adultos, especialmente após trauma cranioencefálico, mensurando três respostas: Abertura Ocular (A), Resposta Verbal (V) e Resposta Motora (M). Pontuação da ECG: Categoria Pontuação Critérios Abertura Ocular (A) 4 Espontânea 3 Ao comando verbal 2 Ao estímulo doloroso 1 Nenhuma Resposta Verbal (V) 5 Orientado 4 Confuso 3 Palavras inapropriadas 2 Sons incompreensíveis 1 Nenhuma Resposta Motora (M) 6 Obedece comandos 5 Localiza dor 4 Retira ao estímulo doloroso 3 Flexão anormal (decorticação) 2 Extensão anormal (descerebração) 1 Nenhuma Total possível: 3 a 15 pontos * 13–15: Lesão leve * 9–12: Lesão moderada * ≤8: Lesão grave (considerado em coma) Aplicação: * Realizada preferencialmente na admissão hospitalar e na reabilitação para monitorar a evolução. * Em pacientes não responsivos verbalmente, pode-se usar versões adaptadas (ex: ECG-M). 1.2 Atenção e Orientação Atenção e orientação são funções cognitivas básicas para aprendizagem, interação e reabilitação. Aspectos a avaliar: * Atenção sustentada (manter foco em uma tarefa) * Atenção seletiva (ignorar estímulos irrelevantes) * Orientação temporal (dia, mês, ano) * Orientação espacial (onde está) * Orientação pessoal (quem é) Instrumento sugerido: Questionamento direto (ex: “Que dia é hoje?”, “Onde estamos?”, “Qual seu nome completo?”, “Qual sua idade?”). Erros indicam desorientação e devem ser registrados. 1.3 Comunicação A comunicação deve ser avaliada considerando expressão e compreensão da linguagem, que podem ser comprometidas em condições como AVC, lesões de lobo temporal e doenças degenerativas. Aspectos a investigar: * Comunicação verbal (uso de palavras, frases, clareza da fala) * Comunicação não verbal (gestos, expressões faciais) * Compreensão de ordens simples e complexas * Presença de alterações como: * Afasias: distúrbios na linguagem (expressiva, receptiva ou global) * Disartrias: alterações na articulação da fala * Mutismo: ausência total de fala Testes utilizados: Solicitar nomeação de objetos, pedir para repetir frases simples, avaliar compreensão de ordens (ex: “Feche os olhos”, “Toque o nariz”, “Sente-se devagar”). 1.4 Funções Cognitivas Superiores Englobam funções complexas como memória, raciocínio, julgamento, planejamento e linguagem. Alterações cognitivas comuns: * Apraxias: incapacidade de realizar movimentos voluntários aprendidos (ex: vestir a camisa corretamente) * Agnosias: incapacidade de reconhecer estímulos, mesmo com funções sensoriais preservadas (ex: não reconhecer um som familiar) * Déficits de memória recente ou remota * Perda de julgamento crítico e inibição Ferramenta: Mini Exame do Estado Mental (MEEM) Utilizado para rastreio de comprometimento cognitivo, avalia: * Orientação temporal e espacial * Memória imediata e tardia * Atenção e cálculo * Linguagem e habilidades construtivas Pontuação total: 30 pontos * ≥24: Normal * 18–23: Déficit cognitivo leve * ≤17: Déficit cognitivo moderado a grave A interpretação deve considerar escolaridade e nível sociocultural. Considerações Finais sobre Consciência e Cognição A análise do nível de consciência e cognição permite ao fisioterapeuta adaptar a linguagem e a abordagem, garantir a segurança, estimular funções cognitivas preservadas e trabalhar em equipe multiprofissional em casos de distúrbios significativos. 2. Funções Motoras A avaliação das funções motoras no paciente neurológico adultohigiene brônquica. 6.7 Prognóstico nas Polineuropatias O prognóstico das polineuropatias é altamente variável e depende da causa subjacente, do tipo de dano (axonal ou desmielinizante) e da precocidade do tratamento. Em geral, as neuropatias desmielinizantes tendem a ter um melhor potencial de recuperação do que as axonais, pois a mielina pode se regenerar mais rapidamente. Fatores que influenciam o prognóstico: * Causa da Neuropatia: Neuropatias tratáveis (ex: por deficiência de vitamina) têm melhor prognóstico. * Tipo de Dano: Desmielinizantes vs. Axonais. * Gravidade da Lesão: Lesões mais leves têm melhor recuperação. * Início Precoce da Reabilitação: A intervenção precoce pode prevenir complicações e maximizar a recuperação. * Controle da Doença Subjacente: Em casos de diabetes, o controle glicêmico é crucial para retardar a progressão da neuropatia. Conclusão sobre Polineuropatias: As polineuropatias são condições complexas que exigem uma abordagem diagnóstica e terapêutica cuidadosa. A fisioterapia desempenha um papel vital no manejo dos sintomas, na prevenção de complicações e na promoção da funcionalidade e qualidade de vida dos pacientes. Uma abordagem multidisciplinar, focada na educação e no empoderamento do paciente, é fundamental para otimizar os resultados da reabilitação. 7. Lesões Nervosas Periféricas 7.1 O que são Lesões Nervosas Periféricas? As lesões nervosas periféricas (LNP) ocorrem quando há um dano aos nervos que se estendem para fora do cérebro e da medula espinhal, ou seja, os nervos que formam o sistema nervoso periférico (SNP). Esses nervos são responsáveis por conectar o sistema nervoso central (SNC) aos músculos, pele e órgãos, transmitindo informações sensoriais (tato, dor, temperatura, propriocepção) e motoras (comandos para o movimento muscular). Diferente das polineuropatias, que afetam múltiplos nervos de forma mais generalizada, as LNP geralmente afetam um ou poucos nervos específicos, resultando em déficits localizados. As LNP podem ser causadas por trauma (corte, esmagamento, estiramento), compressão prolongada, isquemia (falta de suprimento sanguíneo), infecções, inflamação ou, em casos mais raros, tumores. A gravidade da lesão e o potencial de recuperação dependem do tipo e da extensão do dano ao nervo. 7.2 Classificação das Lesões Nervosas Periféricas A classificação das LNP é fundamental para determinar o prognóstico e guiar o tratamento. As classificações mais utilizadas são a de Seddon e a de Sunderland, que descrevem a extensão do dano ao nervo. 7.2.1 Classificação de Seddon (1943) Esta classificação divide as lesões em três tipos principais, com base na estrutura nervosa afetada: 1. Neuropraxia: – Definição: É a forma mais leve de lesão nervosa. Ocorre uma interrupção temporária da condução nervosa, geralmente devido à compressão ou concussão leve. A estrutura do nervo (axônio e mielina) permanece intacta, mas a bainha de mielina pode estar ligeiramente danificada. – Sintomas: Fraqueza muscular e/ou dormência temporária, sem degeneração axonal. Os reflexos podem estar diminuídos. – Prognóstico: Recuperação completa e rápida (horas a semanas), pois não há degeneração do axônio. – Exemplo: “Pé caído” temporário após compressão do nervo fibular durante um sono profundo. 2. Axonotmese: – Definição: Ocorre uma lesão mais grave, onde o axônio é danificado (interrompido), mas as bainhas de tecido conjuntivo que envolvem o nervo (endoneuro, perineuro e epineuro) permanecem intactas. Isso significa que o “tubo” que guia o axônio está preservado. – Sintomas: Perda completa da função motora e sensorial distal à lesão. Ocorre degeneração Walleriana (degeneração do axônio distal à lesão). – Prognóstico: A recuperação é possível, mas lenta (cerca de 1 mm por dia ou 1 polegada por mês), pois o axônio precisa regenerar-se a partir do corpo celular e crescer ao longo do “tubo” preservado. A recuperação pode ser completa, mas leva tempo. – Exemplo: Lesão por estiramento ou esmagamento moderado. 3. Neurotmese: – Definição: É a forma mais grave de lesão nervosa, onde há uma interrupção completa da continuidade do nervo, incluindo o axônio e todas as bainhas de tecido conjuntivo. O nervo é seccionado ou gravemente danificado. – Sintomas: Perda completa e permanente da função motora e sensorial distal à lesão. Não há potencial de recuperação espontânea. – Prognóstico: A recuperação só é possível com intervenção cirúrgica (sutura do nervo ou enxerto), e mesmo assim, a recuperação é frequentemente incompleta e com sequelas. – Exemplo: Corte profundo por faca, ferimento por arma de fogo. 7.2.2 Classificação de Sunderland (1951) Esta classificação é uma extensão da de Seddon, dividindo a axonotmese em graus e adicionando um quinto grau para a neurotmese, oferecendo uma descrição mais detalhada do dano estrutural e do prognóstico. • Grau I (Neuropraxia): Equivalente à neuropraxia de Seddon. Dano à mielina, axônio intacto. • Grau II (Axonotmese): Axônio danificado, mas endoneuro intacto. • Grau III (Axonotmese): Axônio e endoneuro danificados, mas perineuro intacto. • Grau IV (Axonotmese): Axônio, endoneuro e perineuro danificados, mas epineuro intacto. • Grau V (Neurotmese): Interrupção completa de todas as estruturas do nervo. 7.3 Fisiopatologia da Lesão Nervosa Periférica A fisiopatologia das LNP envolve a resposta do nervo ao trauma e os processos de degeneração e regeneração. • Degeneração Walleriana: Após uma lesão que secciona o axônio (axonotmese e neurotmese), a parte do axônio distal à lesão degenera e é removida pelos macrófagos. Esse processo leva cerca de 24-36 horas para começar e pode durar semanas. • Cromatólise: Ocorre no corpo celular do neurônio (no gânglio da raiz dorsal para nervos sensoriais ou na medula espinhal para nervos motores) em resposta à lesão axonal. O corpo celular aumenta de tamanho e se prepara para a regeneração. • Regeneração Axonal: Se o “tubo” do nervo estiver intacto (axonotmese), o axônio pode brotar (brotamento axonal) do corpo celular e crescer ao longo do tubo, guiado pelas células de Schwann. A velocidade de regeneração é de aproximadamente 1 mm por dia ou 1 polegada por mês. Se o nervo estiver completamente seccionado (neurotmese), a regeneração é desorganizada e ineficaz sem cirurgia. • Formação de Neuroma: Se a regeneração for desorganizada ou se o nervo não for reparado cirurgicamente, as fibras nervosas em crescimento podem formar um emaranhado doloroso chamado neuroma. 7.4 Manifestações Clínicas das Lesões Nervosas Periféricas Os sintomas das LNP são localizados na área inervada pelo nervo afetado e podem incluir: • Fraqueza ou Paralisia Muscular: Dificuldade ou incapacidade de mover os músculos inervados pelo nervo lesionado. Pode levar à atrofia muscular. • Perda ou Alteração da Sensibilidade: Dormência, formigamento, queimação, dor ou perda completa da sensibilidade (tato, dor, temperatura, propriocepção) na área afetada. • Dor Neuropática: Dor crônica, persistente e muitas vezes intensa, descrita como queimação, choque elétrico ou pontadas, que não responde bem aos analgésicos comuns. • Disfunção Autonômica: Alterações na sudorese, coloração da pele, temperatura e crescimento de pelos e unhas na área afetada. • Deformidades: Em lesões crônicas, pode haver contraturas articulares e deformidades devido ao desequilíbrio muscular e à falta de movimento. 7.5 Avaliação Fisioterapêutica nas Lesões Nervosas Periféricas A avaliação é crucial para determinar a extensão da lesão, monitorar a recuperação e guiar o plano de tratamento. Deve ser detalhada e incluir: 7.5.1 Anamnese e Histórico Clínico • Mecanismo da Lesão: Como e quando a lesão ocorreu (trauma, compressão, cirurgia). • Sintomas: Início, progressão, tipo e distribuição da fraqueza, perda sensorial e dor. • Histórico Médico: Doenças preexistentes (diabetes, doenças autoimunes) que possam afetar a recuperaçãonervosa. 7.5.2 Exame Físico Neurológico • Inspeção: Observar atrofia muscular, deformidades, alterações tróficas (pele, unhas). • Palpação: Avaliar a sensibilidade à palpação, presença de neuromas. • Força Muscular: Teste de força manual (Escala de Oxford) para os músculos inervados pelo nervo afetado. • Sensibilidade: Avaliar tato leve, dor, temperatura, vibração e propriocepção na área de distribuição do nervo. • Reflexos: Avaliar os reflexos tendinosos profundos relacionados ao nervo lesionado (geralmente diminuídos ou ausentes). • Tônus Muscular: Avaliar a presença de hipotonia (flacidez). • Testes Específicos: Testes de provocação para nervos específicos (ex: teste de Tinel para síndrome do túnel do carpo, que provoca dor ou formigamento ao percutir o nervo). 7.5.3 Avaliação Funcional • Amplitude de Movimento (ADM): Ativa e passiva das articulações para identificar contraturas e limitações. • Avaliação da Dor: Utilizar escalas de dor (EVA) e questionários (DN4) para caracterizar a dor neuropática. • Atividades da Vida Diária (AVDs): Avaliar o impacto da lesão nas tarefas diárias e a necessidade de adaptações. 7.5.4 Exames Complementares • Eletroneuromiografia (ENMG): É o exame mais importante para diagnosticar e classificar a LNP. Avalia a velocidade de condução nervosa e a atividade elétrica dos músculos, diferenciando lesões axonais de desmielinizantes e determinando a extensão do dano. • Ressonância Magnética (RM) ou Ultrassonografia: Podem ser usadas para visualizar o nervo e identificar compressões ou tumores. 7.6 Intervenção Fisioterapêutica nas Lesões Nervosas Periféricas A fisioterapia é crucial em todas as fases da recuperação de uma LNP, visando otimizar a regeneração nervosa, prevenir complicações e maximizar a funcionalidade. 7.6.1 Objetivos Terapêuticos • Prevenir a atrofia muscular e manter a viabilidade do músculo: Enquanto o nervo se regenera. • Manter a amplitude de movimento articular e prevenir contraturas: Através de mobilizações e alongamentos. • Estimular a regeneração nervosa: Através de exercícios e estimulação elétrica. • Reeducar o movimento e a sensibilidade: À medida que o nervo se recupera. • Gerenciar a dor neuropática: Com técnicas específicas. • Educar o paciente sobre a proteção da área afetada: Para prevenir novas lesões. • Promover a independência funcional: Através de treino de AVDs e uso de tecnologias assistivas. 7.6.2 Estratégias e Métodos de Reabilitação 1. Mobilização Passiva e Ativa-Assistida: – Manter a amplitude de movimento das articulações para prevenir contraturas e rigidez. – Realizar movimentos passivos nos músculos paralisados para manter a circulação e a saúde do tecido. 2. Estimulação Elétrica Funcional (FES) e Eletroestimulação: – Eletroestimulação: Aplicação de corrente elétrica diretamente no músculo desnervado para manter a massa muscular e a viabilidade das fibras musculares enquanto o nervo se regenera. Isso ajuda a prevenir a atrofia e a fibrose. – FES: Usada quando há alguma reinervação, para ativar músculos e auxiliar em movimentos funcionais (ex: levantar o pé em caso de pé caído). 3. Exercícios Terapêuticos: – Fortalecimento: Exercícios resistidos para os músculos que estão recuperando a força, com progressão gradual. – Reeducação Motora: Exercícios específicos para reaprender padrões de movimento, utilizando feedback visual (espelho), tátil e proprioceptivo. – Exercícios de Coordenação e Equilíbrio: À medida que a função motora e sensorial retorna. 4. Técnicas de Dessensibilização e Manejo da Dor: – Para hipersensibilidade: Escovação, massagem, texturas variadas para dessensibilizar a área. – Para dor neuropática: TENS, mobilização neural (suave) e técnicas de relaxamento. 5. Proteção e Órteses: – Educar o paciente sobre a importância de proteger a área afetada de lesões (ex: evitar pressão prolongada, usar calçados protetores). – Uso de órteses (talas) para posicionar a articulação em uma posição funcional, prevenir deformidades e auxiliar no movimento (ex: órtese para pé caído). 6. Treino Funcional e Adaptações: – Prática de AVDs e AIVDs, com foco em estratégias compensatórias e uso de tecnologias assistivas para promover a independência. 7.7 Prognóstico nas Lesões Nervosas Periféricas O prognóstico de recuperação nas LNP é altamente variável e depende de vários fatores: • Tipo de Lesão: Neuropraxia tem recuperação completa e rápida; axonotmese tem recuperação lenta, mas geralmente boa; neurotmese requer cirurgia e tem recuperação limitada. • Nível da Lesão: Lesões mais proximais (próximas à medula espinhal) levam mais tempo para se recuperar devido à maior distância que o axônio precisa crescer. • Idade do Paciente: Pacientes mais jovens tendem a ter melhor potencial de regeneração. • Tempo de Início da Reabilitação: A intervenção precoce é crucial para otimizar a recuperação e prevenir complicações. • Qualidade da Cirurgia (se aplicável): Uma boa técnica cirúrgica melhora o prognóstico na neurotmese. Conclusão sobre Lesões Nervosas Periféricas: As lesões nervosas periféricas representam um desafio significativo na prática clínica, exigindo um diagnóstico preciso e uma abordagem de reabilitação intensiva e prolongada. A fisioterapia desempenha um papel central em todas as fases da recuperação, desde a prevenção de complicações até a maximização da funcionalidade e a reintegração do paciente em suas atividades diárias. A compreensão dos mecanismos de lesão e regeneração nervosa é fundamental para guiar as intervenções e otimizar os resultados para esses pacientes. 8. Tumores do Sistema Nervoso Central 8.1 O que são Tumores do Sistema Nervoso Central (SNC)? Tumores do Sistema Nervoso Central (SNC) são crescimentos anormais de células que se originam no cérebro ou na medula espinhal. Eles podem ser primários (quando se originam no próprio SNC) ou secundários (quando são metástases, ou seja, se espalham de um câncer em outra parte do corpo para o SNC). Os tumores cerebrais e da medula espinhal podem ser benignos (não cancerosos e geralmente de crescimento lento) ou malignos (cancerosos, de crescimento rápido e com capacidade de invadir tecidos adjacentes). Mesmo tumores benignos podem causar problemas graves devido ao espaço limitado dentro do crânio ou do canal vertebral. À medida que crescem, eles podem comprimir estruturas cerebrais ou medulares, interromper o fluxo sanguíneo, bloquear o fluxo do líquido cefalorraquidiano (LCR) ou causar inchaço (edema), levando a uma variedade de sintomas neurológicos. 8.2 Classificação dos Tumores do SNC A classificação dos tumores do SNC é complexa e baseia-se principalmente no tipo de célula de onde o tumor se origina e no seu grau de malignidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) utiliza um sistema de graus (I a IV) para classificar os tumores, onde o Grau I é o menos agressivo e o Grau IV é o mais agressivo. 8.2.1 Tumores Primários do SNC Os tumores primários são nomeados de acordo com o tipo de célula do SNC que lhes deu origem: • Gliomas: São os tumores cerebrais primários mais comuns, originando-se das células da glia (células de suporte do SNC). Incluem: – Astrocitomas: Originam-se dos astrócitos. Podem variar de baixo grau (Grau I e II, como o astrocitoma pilocítico, comum em crianças) a alto grau (Grau III - astrocitoma anaplásico, e Grau IV - glioblastoma, o tumor cerebral mais agressivo e comum em adultos). – Oligodendrogliomas: Originam-se dos oligodendrócitos. – Ependimomas: Originam-se das células ependimárias que revestem os ventrículos cerebrais e o canal central da medula espinhal. • Meningiomas: Originam-se das meninges (membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal). Geralmente são benignos (Grau I), mas podem ser agressivos (Grau II e III). São mais comuns em mulheres. • Adenomas Hipofisários: Tumores que se desenvolvem na glândula hipófise. Podem causar problemashormonais e visuais. • Schwannomas (ou Neurinomas): Originam-se das células de Schwann que formam a bainha de mielina dos nervos periféricos e cranianos. O mais comum é o schwannoma vestibular (neurinoma do acústico), que afeta o nervo vestibulococlear e causa perda auditiva e zumbido. • Meduloblastomas: Tumores malignos que se originam no cerebelo, mais comuns em crianças. 8.2.2 Tumores Secundários (Metástases Cerebrais) São tumores que se originam em outras partes do corpo (pulmão, mama, rim, cólon, melanoma) e se espalham para o cérebro ou medula espinhal. São mais comuns que os tumores cerebrais primários em adultos. 8.3 Fisiopatologia dos Tumores do SNC A fisiopatologia dos tumores do SNC envolve o crescimento descontrolado de células, que pode levar a uma série de efeitos no tecido nervoso: • Efeito de Massa: O tumor ocupa espaço dentro do crânio ou canal vertebral, comprimindo o tecido cerebral ou medular adjacente. Isso pode levar a: – Aumento da Pressão Intracraniana (PIC): O espaço dentro do crânio é fixo. O crescimento do tumor, o edema associado e o bloqueio do fluxo de LCR aumentam a pressão, causando dor de cabeça, náuseas, vômitos e papiledema (inchaço do nervo óptico). – Herniação Cerebral: Em casos graves, o aumento da PIC pode forçar partes do cérebro através de aberturas naturais no crânio, o que é uma emergência médica com risco de vida. • Infiltração: Tumores malignos podem invadir e destruir o tecido cerebral normal, comprometendo suas funções. • Edema Peritumoral: O tumor pode causar inchaço ao seu redor, exacerbando o efeito de massa e os sintomas. • Bloqueio do Fluxo de LCR: Tumores localizados nos ventrículos ou vias de LCR podem bloquear a circulação do líquido, levando à hidrocefalia (acúmulo de LCR). • Crises Epilépticas: A irritação do córtex cerebral pelo tumor pode desencadear crises convulsivas. • Déficits Neurológicos Focais: A localização do tumor determina os sintomas específicos. Por exemplo, um tumor no lobo frontal pode causar alterações de personalidade, enquanto um no lobo parietal pode afetar a sensibilidade. 8.4 Manifestações Clínicas dos Tumores do SNC Os sintomas dos tumores do SNC são variados e dependem da localização, tamanho, taxa de crescimento e tipo do tumor. Podem ser gerais (devido ao aumento da PIC) ou focais (devido à compressão ou destruição de áreas específicas). Sintomas Gerais (Aumento da PIC): * Cefaleia (Dor de Cabeça): Geralmente pior pela manhã, progressiva, e pode ser acompanhada de náuseas e vômitos. * Náuseas e Vômitos: Sem causa aparente, especialmente pela manhã. * Papiledema: Inchaço do disco óptico, visível no exame de fundo de olho, indicando aumento da PIC. * Alterações do Nível de Consciência: Sonolência, confusão, letargia. Sintomas Focais (Dependem da Localização): * Lobo Frontal: Alterações de personalidade, comportamento, julgamento, planejamento, fraqueza em um lado do corpo (hemiparesia), dificuldade de fala (afasia de Broca). * Lobo Parietal: Alterações de sensibilidade (dormência, formigamento), negligência unilateral, dificuldades de reconhecimento (agnosia), problemas de escrita (agrafia) e cálculo (acalculia). * Lobo Temporal: Crises epilépticas (especialmente com alucinações olfatórias ou gustativas), problemas de memória, dificuldade de compreensão da fala (afasia de Wernicke). * Lobo Occipital: Distúrbios visuais (perda de campo visual, alucinações visuais). * Cerebelo: Ataxia (falta de coordenação), dismetria (dificuldade em julgar distâncias), nistagmo (movimentos oculares involuntários), disartria (fala arrastada), problemas de equilíbrio. * Tronco Encefálico: Disfunção de pares cranianos (visão dupla, dificuldade para engolir, fraqueza facial), problemas de equilíbrio, alterações respiratórias e cardíacas. * Medula Espinhal: Fraqueza ou paralisia abaixo do nível do tumor, perda de sensibilidade, dor radicular (dor que irradia ao longo de um nervo), disfunção da bexiga e intestino. 8.5 Avaliação Fisioterapêutica em Pacientes com Tumores do SNC A avaliação fisioterapêutica é essencial para identificar os déficits funcionais causados pelo tumor e pelo tratamento (cirurgia, radioterapia, quimioterapia), e para planejar uma reabilitação que otimize a funcionalidade e a qualidade de vida. 8.5.1 Anamnese e Histórico Clínico • Diagnóstico e Tipo de Tumor: Compreender a natureza do tumor (benigno/maligno, primário/secundário) e seu grau. • Tratamentos Realizados: Cirurgia (tipo e data), radioterapia (doses, áreas irradiadas), quimioterapia (regime, efeitos colaterais). • Sintomas: Início, progressão, intensidade e impacto nas AVDs. • Histórico de Crises Epilépticas: Frequência, tipo e controle. • Objetivos do Paciente: Entender as prioridades e metas funcionais, que podem mudar ao longo do tratamento. 8.5.2 Exame Físico Neurológico e Funcional • Nível de Consciência e Cognição: Avaliar atenção, memória, orientação, velocidade de processamento e capacidade de seguir comandos. • Função Motora: – Força Muscular: Teste de força manual (Escala de Oxford) para identificar fraqueza focal ou generalizada. – Tônus Muscular: Avaliar a presença de espasticidade ou flacidez. – Coordenação e Equilíbrio: Testes como dedo-nariz, calcanhar-joelho, Romberg, Berg Balance Scale, TUG para identificar ataxia, dismetria e risco de quedas. • Função Sensorial: Avaliar tato, dor, temperatura, vibração e propriocepção. • Pares Cranianos: Avaliar a função dos nervos cranianos, especialmente visão, audição, fala e deglutição. • Marcha: Análise do padrão de marcha, velocidade, simetria e necessidade de dispositivos auxiliares. • Atividades da Vida Diária (AVDs): Avaliar a independência em tarefas diárias e a necessidade de adaptações. • Fadiga: Avaliar a intensidade e o impacto da fadiga, que é um sintoma comum e debilitante em pacientes oncológicos. • Dor: Avaliar a localização, intensidade e características da dor (neuropática, musculoesquelética, oncológica). 8.6 Intervenção Fisioterapêutica em Pacientes com Tumores do SNC A fisioterapia desempenha um papel crucial no manejo dos pacientes com tumores do SNC, desde o diagnóstico até os cuidados paliativos. O objetivo é maximizar a funcionalidade, aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida, adaptando-se às mudanças no quadro clínico. 8.6.1 Objetivos Terapêuticos • Manter e/ou melhorar a força muscular e a resistência: Para combater a fraqueza e a fadiga. • Otimizar o equilíbrio e a coordenação: Para reduzir o risco de quedas e melhorar a segurança na mobilidade. • Melhorar a marcha e a mobilidade funcional: Para promover a independência nas AVDs. • Gerenciar a dor e a espasticidade: Através de técnicas específicas. • Prevenir complicações secundárias: Como contraturas, úlceras de pressão e problemas respiratórios. • Educar o paciente e a família: Sobre estratégias de manejo, adaptações e uso de tecnologias assistivas. • Promover a qualidade de vida: Através da manutenção da autonomia e participação em atividades significativas. 8.6.2 Estratégias e Métodos de Reabilitação 1. Exercícios Terapêuticos: – Fortalecimento: Exercícios resistidos adaptados ao nível de força e fadiga do paciente. – Alongamento e Mobilização: Para manter a amplitude de movimento e prevenir contraturas. – Treino de Equilíbrio e Coordenação: Exercícios que desafiam o equilíbrio em diferentes posições e superfícies. – Treino de Marcha: Com foco em segurança, uso de dispositivos auxiliares (andadores, bengalas) e, se necessário, órteses. 2. Manejo da Fadiga: – Conservação de Energia: Ensinar o paciente a planejar suas atividades, priorizar tarefas e incorporar pausas para descanso. – Exercícios Aeróbicos Leves: Caminhada, bicicleta ergométrica, adaptados à tolerância do paciente, para melhorar a resistência e reduzir a fadiga. 3. Manejo da Dor: – Técnicas de terapia manual, mobilização neural, TENS, crioterapia ou termoterapia. – Educaçãosobre o uso de analgésicos e estratégias não farmacológicas. 4. Manejo da Espasticidade: – Alongamentos, posicionamento adequado, crioterapia, e, se necessário, em conjunto com o médico, uso de toxina botulínica ou medicamentos orais. 5. Reeducação Funcional e Adaptações: – Treino de AVDs e AIVDs, com foco em estratégias compensatórias e uso de tecnologias assistivas (ex: utensílios adaptados, barras de apoio). – Adaptações ambientais para garantir a segurança e acessibilidade em casa. 6. Fisioterapia Respiratória: – Em casos de fraqueza dos músculos respiratórios ou comprometimento pulmonar devido ao tratamento, exercícios respiratórios e técnicas de higiene brônquica. 7. Reabilitação Cognitiva: – Embora seja mais comumente realizada por neuropsicólogos, o fisioterapeuta pode integrar atividades que desafiem a atenção, memória e planejamento durante as sessões de reabilitação motora. 8.7 Prognóstico em Pacientes com Tumores do SNC O prognóstico em pacientes com tumores do SNC é altamente variável e depende de múltiplos fatores, incluindo o tipo de tumor, grau de malignidade, localização, tamanho, resposta ao tratamento e estado funcional do paciente. Fatores que influenciam o prognóstico: * Tipo Histológico e Grau do Tumor: Tumores de baixo grau (Grau I e II) geralmente têm um prognóstico melhor do que os de alto grau (Grau III e IV). * Localização do Tumor: Tumores em áreas críticas do cérebro (ex: tronco encefálico) podem ser mais difíceis de tratar e ter um pior prognóstico. * Extensão da Ressecção Cirúrgica: A remoção completa do tumor (quando possível) está associada a um melhor prognóstico. * Resposta à Radioterapia e Quimioterapia: A eficácia desses tratamentos influencia a sobrevida e a qualidade de vida. * Idade e Estado Funcional do Paciente: Pacientes mais jovens e com bom estado funcional antes do diagnóstico tendem a tolerar melhor o tratamento e ter um melhor prognóstico. Conclusão sobre Tumores do SNC: Os tumores do SNC representam um desafio complexo e multifacetado, exigindo uma abordagem multidisciplinar que envolva neurocirurgiões, oncologistas, radioterapeutas e, crucialmente, a equipe de reabilitação. A fisioterapia desempenha um papel indispensável em todas as fases da doença, desde a recuperação pós-cirúrgica até o manejo de sintomas e a manutenção da qualidade de vida em estágios avançados. O foco deve ser sempre na funcionalidade, na autonomia e no bem-estar do paciente, adaptando as intervenções às suas necessidades em constante mudança.visa identificar alterações de força, tônus, coordenação e padrões de movimento que comprometem a funcionalidade nas atividades diárias. 2.1 Principais Alterações Motoras a) Paresia e Paralisia * Paresia: Fraqueza parcial de um ou mais grupos musculares, com alguma preservação da força. * Paralisia (Plegia): Perda total da força muscular, com ausência de movimento voluntário. Classificação das Paralisias pela Distribuição: * Monoplegia: Um membro afetado. * Hemiplegia: Um lado do corpo (membro superior e inferior do mesmo lado). * Paraplegia: Ambos os membros inferiores. * Tetraplegia: Todos os quatro membros. A diferenciação entre paresia e paralisia é essencial para o plano terapêutico. 2.2 Avaliação da Força Muscular A força muscular é avaliada principalmente pelo teste de força muscular manual, descrito por Daniels e Worthingham. Escore de Daniels e Worthingham (escala de 0 a 5): Grau Descrição 0 Ausência de contração visível ou palpável 1 Contração muscular visível ou palpável, sem movimento 2 Movimento completo com gravidade eliminada 3 Movimento completo contra a gravidade, sem resistência 4 Movimento completo contra a gravidade com resistência moderada 5 Força normal (movimento completo contra gravidade com resistência máxima) Aplicação: * O paciente é posicionado adequadamente (sentado ou em decúbito). * O avaliador aplica resistência progressiva, respeitando o conforto e segurança. * Cada grupo muscular é avaliado separadamente, bilateralmente. Importante: Em pacientes neurológicos, a força pode ser mascarada por alterações do tônus muscular ou por sinergias anormais. 2.3 Tônus Muscular O tônus muscular é a tensão passiva dos músculos em repouso. Pode ser normal, diminuído (hipotonia) ou aumentado (hipertonia). a) Espasticidade Característica de lesões do trato corticoespinal (motoneurônio superior): * Aumento do tônus dependente da velocidade de movimento passivo. * Resistência à movimentação passiva que piora com maior rapidez. * “Clasp knife phenomenon” (resistência súbita seguida de liberação). b) Rigidez Característica de doenças extrapiramidais (ex: Parkinson): * Aumento do tônus não dependente da velocidade. * Pode ser “em cano de chumbo” (resistência constante) ou “em roda denteada” (flutuações rítmicas). Ferramenta: Escala de Ashworth Modificada Utilizada para quantificar a espasticidade, especialmente em lesões medulares, AVC e paralisia cerebral. Escore Descrição 0 Tônus normal 1 Aumento leve do tônus, com resistência mínima no final da amplitude de movimento passivo 1+ Aumento leve do tônus, seguido por resistência mínima durante menos da metade da amplitude 2 Aumento mais acentuado do tônus, mas o movimento ainda é fácil 3 Aumento considerável do tônus, dificultando o movimento passivo 4 Parte(s) rígida(s) em flexão ou extensão Aplicação: * O segmento corporal é movido passivamente com velocidade constante. * O avaliador observa resistência e rigidez. * A escala é aplicada separadamente em cada articulação envolvida. 2.4 Padrões de Movimento Em pacientes com lesão do sistema nervoso central, podem surgir movimentos sinérgicos, que são padrões estereotipados e involuntários, onde os músculos não são ativados de forma isolada. Principais padrões sinérgicos (em hemiparesia, por exemplo): * Membro superior – padrão flexor dominante: Ombro em adução e rotação interna, cotovelo em flexão, punho e dedos em flexão. * Membro inferior – padrão extensor dominante: Quadril em extensão, adução e rotação interna, joelho em extensão, tornozelo em flexão plantar e inversão. Esses padrões devem ser identificados para guiar o raciocínio clínico e a escolha das intervenções. 2.5 Atividade Voluntária e Controle Motor Avalia-se a capacidade do paciente de iniciar e controlar movimentos de forma voluntária e funcional, isolada ou coordenada. Aspectos a observar: * Início, execução e término do movimento. * Presença de coativação involuntária. * Velocidade e precisão. * Capacidade de dissociar segmentos corporais (ex: mover o ombro sem contrair o cotovelo). Exemplos de comandos clínicos: “Leve a mão ao queixo sem mexer o tronco”, “Estique a perna devagar e pare no meio do caminho”, “Toque seu joelho com o calcanhar do outro pé”. As respostas ajudam a identificar alterações do controle motor fino e da coordenação segmentar. Considerações Finais sobre Funções Motoras A avaliação motora do paciente neurológico vai além da mensuração de força, exigindo uma análise ampla do padrão de movimento, tônus muscular e coordenação. A identificação precoce de espasticidade, paresia, rigidez e sinergias anormais permite estruturar intervenções terapêuticas mais eficazes, que respeitam o funcionamento do sistema nervoso central lesado e exploram as capacidades residuais do paciente. 3. Funções Sensoriais A integridade sensorial é essencial para o movimento coordenado, o equilíbrio postural e a segurança na locomoção. A avaliação sensorial em pacientes neurológicos deve ser detalhada, pois alterações nesses sistemas podem comprometer significativamente a funcionalidade, mesmo com força muscular preservada. 3.1 Tipos de Sensibilidade a Serem Avaliados As sensibilidades são classificadas conforme suas vias anatômicas e funções perceptivas: Tipo de Sensibilidade Via Neural Função Clínica Exemplos de Testes Tátil leve Coluna dorsal Reconhecimento de toque Algodão seco, pena, pincel Dolorosa (nociceptiva) Trato espinotalâmico Percepção de dor superficial Estímulo com ponta romba e aguda, pinça ou lanceta leve Térmica Trato espinotalâmico Percepção de calor e frio Tubos com água quente/fria Proprioceptiva Coluna dorsal e cerebelo Consciência da posição e movimento corporal Mobilização passiva de articulações, teste de posição articular Vibratória Coluna dorsal Percepção de vibrações mecânicas Diapasão em proeminência óssea Discriminativa Integração cortical Reconhecimento e interpretação de estímulos Dois pontos, grafestesia, estereognosia Pressão profunda Percepção de pressão aplicada ao corpo Compressão com dedos, palpação 3.2 Como Realizar a Avaliação Sensorial A avaliação deve ser feita com o paciente relaxado, em decúbito dorsal, com os olhos fechados, para evitar influências visuais. As respostas devem ser verbalizadas ou indicadas por gesto, conforme a capacidade do paciente. É crucial realizar os testes em ambientes calmos e iluminados, comparando os lados direito e esquerdo e documentando déficits quantitativos e qualitativos. a) Sensibilidade Tátil Superficial * Use um pedaço de algodão seco. * Toque levemente a pele em áreas distintas, alternando lados. * Solicite ao paciente que indique onde sentiu o toque. * Compare com o lado contralateral. b) Sensibilidade Dolorosa * Use um objeto com ponta romba e ponta aguda (ex: cotonete partido). * Peça que o paciente diga se o estímulo é “pontudo” ou “arredondado”. * Teste braços, pernas, dorso das mãos e dos pés. c) Sensibilidade Térmica * Prepare dois tubos ou recipientes com água morna (≈40°C) e fria (≈20°C). * Toque as áreas-alvo, alternando os tubos. * Pergunte: “Está quente ou frio?” d) Propriocepção (Posição Articular) * Segure a articulação distal (ex: falange distal do dedo). * Movimente-a levemente para cima ou para baixo. * Peça que o paciente diga a direção do movimento (“para cima” ou “para baixo”). e) Vibração * Utilize um diapasão (geralmente 128 Hz). * Percuta o diapasão e aplique sua base em proeminências ósseas (ex: maléolo, processo estiloide radial). * Pergunte: “Você sente vibrar?” e depois: “Parou de vibrar?” f) Discriminação Cortical (Somatossensitiva Superior) * Dois pontos: Use um compasso de Weber para tocar dois pontos simultaneamente na pele. O paciente deve dizer se sente um ou dois toques. * Grafestesia: Com o dedo, desenhe números ou letras na palma da mão. O paciente deve reconhecê-los. *Estereognosia: Com os olhos fechados, o paciente deve identificar objetos familiares (moeda, chave, caneta) apenas pelo tato. 3.3 Registro Clínico dos Déficits Durante a avaliação, os déficits sensoriais devem ser descritos de forma clara, indicando: * Tipo de sensibilidade alterada. * Localização exata da alteração. * Grau da alteração (ausente, diminuída, hipersensível). * Padrão da perda (dermatomal, hemisférico, periférico). Exemplo de registro: “Déficit tátil leve e térmico em hemicorpo direito, respeitando linha mediana, com preservação parcial da propriocepção distal.” 3.4 Importância Funcional das Alterações Sensoriais As alterações sensoriais impactam diretamente: * O equilíbrio, pela diminuição da propriocepção dos pés. * A coordenação motora, pela falha no feedback tátil durante movimentos. * A segurança na marcha, pelo risco de tropeços e quedas. * A função manual, pela dificuldade em manipular objetos sem visão. * O comportamento emocional, devido ao desconforto causado por alodinia ou parestesias. 3.5 Dicas Clínicas • A propriocepção pode estar intacta nos testes passivos, mas prejudicada durante o movimento funcional. Observe também na marcha e nas transferências. • Pacientes com neuropatias periféricas podem apresentar perda distal em luva e bota, enquanto os com lesão central apresentam padrões hemicorporais. • A hipersensibilidade (ex: dor ao toque leve) deve ser registrada como alodinia. • Evite utilizar instrumentos agressivos. O teste sensorial deve respeitar a integridade cutânea, especialmente em pacientes com risco de lesões de pele. Considerações Finais sobre Funções Sensoriais A avaliação sensorial detalhada é indispensável para compreender as limitações funcionais e o risco clínico de pacientes neurológicos. Os déficits sensoriais frequentemente passam despercebidos quando o foco está apenas no movimento. No entanto, sua identificação é crucial para a elaboração de estratégias terapêuticas seguras, eficazes e baseadas na neuroplasticidade sensório-motora. 4. Exame dos Pares Cranianos O exame clínico dos nervos cranianos é uma etapa indispensável da avaliação neurológica, fornecendo informações sobre o funcionamento do encéfalo, tronco encefálico e estruturas periféricas. Cada nervo possui funções específicas que devem ser testadas sistematicamente. 4.1 Nervo Craniano I – Olfatório (NC I) • Função: Percepção do olfato. • Como testar: Com os olhos fechados e uma narina ocluída, aproxime uma substância com odor conhecido (ex: café, cravo) e solicite a identificação. Repita no outro lado. • Importante: Evitar substâncias irritantes (álcool, vinagre) que ativam o nervo trigêmeo. • Alterações possíveis: Anosmia (ausência), hiposmia (redução) ou parosmia (percepção alterada). 4.2 Nervo Craniano II – Óptico (NC II) • Função: Visão – transmite impulsos visuais da retina para o cérebro. • Testes clínicos principais: – Acuidade visual: Leitura de tabela de Snellen ou textos a diferentes distâncias. – Campo visual: Examinador movimenta dedos lateralmente no campo visual do paciente, que indica quando os vê. – Reflexo pupilar à luz: Verificar constrição da pupila ao receber luz (afetado em conjunto com NC III). 4.3 Nervos Cranianos III, IV e VI – Oculomotor, Troclear e Abducente (NC III, IV e VI) • Funções: Controlam a motricidade ocular extrínseca, permitindo o movimento dos olhos em diferentes direções. • Como testar: Solicitar que o paciente acompanhe o movimento de um dedo ou caneta nas seis direções do olhar (em forma de “H”). Observar nistagmo, ptose palpebral, diplopia ou limitação dos movimentos. – NC III (Oculomotor): Eleva a pálpebra superior, move o olho para cima, para baixo e medialmente, e realiza constrição pupilar. – NC IV (Troclear): Move o olho inferolateralmente. – NC VI (Abducente): Movimenta o olho lateralmente. 4.4 Nervo Craniano V – Trigêmeo (NC V) • Função: – Sensitiva: Face, cavidade nasal e bucal, córnea. – Motora: Músculos da mastigação. • Testes clínicos: – Sensibilidade: Com os olhos fechados, tocar levemente testa, bochecha e queixo com algodão, pedindo ao paciente que diga onde sentiu. – Reflexo córneo-palpebral: Tocar a córnea com algodão – resposta esperada: fechamento reflexo dos olhos. – Força da mastigação: Pedir ao paciente que morda e palpar os músculos masseter e temporal. 4.5 Nervo Craniano VII – Facial (NC VII) • Função: – Motora: Expressão facial. – Sensitiva: Paladar dos 2/3 anteriores da língua. • Como testar: Solicitar que o paciente sorria, feche os olhos com força, franza a testa, mostre os dentes. • Importante: A paralisia periférica (ex: paralisia de Bell) afeta toda a hemiface. A central (ex: AVC) poupa a região frontal da face. 4.6 Nervo Craniano VIII – Vestibulococlear (NC VIII) • Função: – Coclear: Audição. – Vestibular: Equilíbrio e percepção espacial. • Testes clínicos: – Audição: Teste com voz sussurrada, som de palmas ou uso de diapasão. – Equilíbrio: Teste de Romberg – paciente em pé com olhos fechados; instabilidade sugere disfunção vestibular. 4.7 Nervos Cranianos IX e X – Glossofaríngeo (NC IX) e Vago (NC X) • Funções: Deglutição, reflexo do vômito, fonação, controle visceral. • Como testar: Observar elevação simétrica do palato mole ao dizer “ah”. Testar reflexo do vômito (com cuidado). Avaliar a voz: disfonia pode indicar lesão do nervo vago. 4.8 Nervo Craniano XI – Acessório (NC XI) • Função: Motricidade dos músculos esternocleidomastoideo e trapézio. • Como testar: Solicitar que o paciente eleve os ombros contra resistência (testa o trapézio) e vire a cabeça contra a mão (testa o esternocleidomastoideo). 4.9 Nervo Craniano XII – Hipoglosso (NC XII) • Função: Movimentos da língua. • Como testar: Solicitar que o paciente projete a língua para fora. Observar desvio para um dos lados (sugere lesão do mesmo lado), fasciculações ou atrofia. Observações Clínicas Relevantes sobre Pares Cranianos • O exame dos nervos cranianos pode localizar lesões em nível encefálico, tronco encefálico ou periférico. • A presença de sinais focais, como assimetria, ausência de reflexos ou alterações de força e sensibilidade, deve motivar investigação neurológica mais profunda. 5. Testes para Avaliação Motora 5.1 Escala de Ashworth Modificada (Modified Ashworth Scale – MAS) • Objetivo: Avaliar a espasticidade, especialmente em pacientes com lesão do sistema nervoso central (ex: AVC, paralisia cerebral, traumatismo cranioencefálico). • O que é espasticidade? É uma forma de hipertonia muscular caracterizada por um aumento dependente da velocidade do tônus muscular em resposta ao estiramento rápido do músculo. Ou seja, quanto mais rápido se tenta mover passivamente o membro, maior a resistência encontrada. • Como aplicar a escala: 1. Posicione o paciente de forma confortável, geralmente em decúbito dorsal. 2. Explique o procedimento. 3. O avaliador realiza o movimento passivo rápido da articulação em questão, dentro da amplitude funcional do membro. 4. Observa-se a resistência oferecida ao movimento passivo. • Pontuação da Escala: Escore Descrição 0 Tônus normal 1 Aumento leve no tônus, com leve resistência no final do movimento 1+ Aumento leve no tônus, com resistência mínima na metade do arco de movimento 2 Aumento mais acentuado do tônus, mas o membro ainda se move facilmente 3 Aumento considerável do tônus, dificultando o movimento passivo 4 Rigidez total do membro, com impossibilidade de movimento passivo • Observações clínicas: – Sempre realize o movimento de forma rápida e consistente. – Evite confundir rigidez (alteração extrapiramidal) com espasticidade (piramidal). – Compare os lados afetado e não afetado, se aplicável. 5.2 Escala de Fugl-Meyer (Fugl-Meyer Assessment – FMA) • Objetivo: Avaliar o desempenho motor em pacientes com sequelas neurológicas, especialmente pós-AVC. A escala analisa o grau de comprometimento motor, sensorial efuncional. • Domínios Avaliados: 1. Função motora (membros superiores e inferiores) 2. Equilíbrio 3. Sensibilidade 4. Amplitude de movimento 5. Dor articular • Como aplicar: A aplicação completa da escala exige tempo e treinamento prévio. Cada item é avaliado com pontuação de 0 (não realiza), 1 (realiza parcialmente) ou 2 (realiza completamente). O total possível é de 226 pontos (quanto maior a pontuação, melhor a funcionalidade). • Importância clínica: – Fornece uma linha de base quantitativa para traçar metas terapêuticas. – Identifica o grau de recuperação motora e sensorial após lesões encefálicas. – É frequentemente usada em pesquisas e acompanhamento longitudinal. 5.3 Timed Up and Go (TUG) • Objetivo: Avaliar mobilidade funcional, equilíbrio e risco de quedas em pacientes com alterações neuromotoras ou envelhecimento. • Como aplicar: 1. O paciente começa sentado em uma cadeira com encosto. 2. Ao comando “vá”, ele deve: levantar-se da cadeira sem apoio das mãos (se possível); andar 3 metros (demarcados no chão); girar 180°; voltar e sentar novamente. 3. O tempo é contado com cronômetro desde o comando até o paciente sentar-se de volta. • Interpretação: – 20 s: Mobilidade reduzida, risco aumentado de quedas – > 30 s: Mobilidade severamente comprometida • Dicas clínicas: – Sempre realizar duas tentativas e considerar a melhor. – Pode ser adaptado para pacientes com dispositivos auxiliares (bengalas, andadores). – Observa não apenas o tempo, mas também qualidade do movimento, equilíbrio e estabilidade. 6. Reflexos Primitivos e Posturais 6.1 O que são Reflexos Primitivos? Reflexos primitivos são movimentos automáticos e estereotipados, mediados pelo tronco encefálico, que surgem no início da vida intrauterina. São fundamentais para a sobrevivência, alimentação e proteção do recém-nascido. Importância clínica: A persistência desses reflexos além da idade esperada, ou sua ausência precoce, pode indicar disfunção neurológica (ex: paralisia cerebral, lesões perinatais, atraso do desenvolvimento, TEA). 6.2 Principais Reflexos Primitivos Nome do Reflexo Idade de Aparecimento Idade de Integração Como Testar Significado Clínico se Persistente Reflexo de Moro 28 semanas de gestação 4 a 6 meses Com o bebê em decúbito dorsal, subitamente retirar o apoio da cabeça (simular queda). Imaturidade neurológica ou lesão do tronco encefálico. Pode causar hipersensibilidade, insegurança postural e atraso motor. Reflexo de Busca Nascimento 3 a 4 meses Tocar a bochecha do bebê. Ele vira a Pode interferir na alimentação e no controle cefálico. cabeça em direção ao estímulo. Reflexo de Sucção Nascimento 3 a 4 meses Estimular a região perioral com o dedo ou chupeta. Bebê inicia sucção. Pode dificultar a fala e o controle oral. Reflexo de Preensão Palmar Nascimento 4 a 6 meses Pressionar a palma da mão. O bebê fecha a mão em resposta. Pode dificultar habilidades manuais e de preensão voluntária. Tônico Cervical Assimétrico (RTCA) Nascimento 4 a 6 meses Com o bebê em decúbito dorsal, girar a cabeça para um lado. O braço do lado da face estende, o oposto flexiona (posição de esgrimista). Pode prejudicar a coordenação bilateral e o controle do olhar- cruzado. Tônico Cervical Simétrico (RTCS) 6 meses 9 a 11 meses Com o bebê em posição de gatinho, fletir e estender a cabeça. A cabeça em flexão induz flexão de MMSS e extensão de MMII. Se mantido, pode prejudicar o engatinhar, a marcha e a postura ereta. Reflexo de Galant 32 semanas gestação 2 meses Em decúbito ventral, estimular lateralmente a coluna lombar. O tronco flete lateralmente. Pode causar instabilidade postural e dificuldade de concentração (em crianças maiores). 6.3 Reflexos Posturais Diferentemente dos reflexos primitivos, os reflexos posturais surgem com o amadurecimento do sistema nervoso central e substituem os reflexos primitivos, favorecendo o controle postural, o equilíbrio e a motricidade voluntária. Principais Reflexos Posturais: Reflexo Idade de Aparecimento Como Testar Função Reação de Retificação da Cabeça 2-3 meses Suspender o bebê na vertical e incliná-lo para frente/lados. A cabeça se alinha ao tronco. Desenvolve controle cefálico. Reações de Proteção (Paraquedas) 6-9 meses Deixar o bebê cair em direção ao solo com controle. Ele estende os braços em proteção. Base para resposta de equilíbrio e proteção contra quedas. Reações de Equilíbrio (Posturais) 6-12 meses e continuam ao longo da vida Colocar a criança sentada ou em pé sobre base instável. Observa-se o ajuste de tronco e membros. Mantêm a postura e o equilíbrio em situações dinâmicas. 6.4 Importância da Avaliação dos Reflexos no Contexto Neurofuncional A avaliação dos reflexos primitivos e posturais permite: * Identificar atrasos no neurodesenvolvimento. * Analisar a maturidade neurológica. * Guiar o raciocínio clínico e o plano terapêutico, especialmente em crianças neurodivergentes, com síndromes genéticas, TEA, TDAH, paralisia cerebral ou lesões encefálicas precoces. * Planejar intervenções sensório-motoras, que envolvam integração sensorial, mobilidade ativa e estimulação postural progressiva. Nota para a prática clínica neurofuncional: A reabilitação em pacientes com persistência de reflexos primitivos deve considerar a neuroplasticidade e o uso de estímulos que favoreçam a inibição reflexa e o fortalecimento das vias voluntárias, sempre respeitando o tempo neurológico do paciente. 7. Coordenação Motora A coordenação motora é a capacidade do sistema nervoso central de organizar e sincronizar, de maneira eficiente e precisa, os movimentos do corpo. Essa habilidade depende da integração entre os sistemas sensorial, motor e vestibular, sendo especialmente relevante para a execução de movimentos finos, rápidos ou simultâneos. Na avaliação funcional neurológica, investigar a coordenação permite identificar possíveis disfunções cerebelares, lesões centrais e déficits proprioceptivos. 7.1 Objetivo da Avaliação Verificar: * Capacidade do paciente em executar movimentos voluntários coordenados. * Presença de ataxia, dismetria, disdiadococinesia e tremores. * Alterações compatíveis com lesões do cerebelo, vias proprioceptivas ou sistema vestibular. 7.2 Tipos de Coordenação • Coordenação dinâmica geral: Movimentos amplos e globais (ex: caminhar em linha reta, subir escada). • Coordenação fina (manual): Movimentos precisos de mãos e dedos (ex: escrever, abotoar camisa). • Coordenação óculo-manual: Integração entre visão e movimento (ex: alcançar objeto). • Coordenação óculo-pedal: Integração entre visão e membros inferiores (ex: chutar uma bola). 7.3 Testes Clínicos de Coordenação A seguir, os principais testes aplicados em fisioterapia para avaliar coordenação motora. Todos devem ser realizados em ambiente seguro, com supervisão direta. 7.3.1 Teste Dedo-Nariz (Prueba de índice- nariz) • Objetivo: Avaliar a coordenação óculo- motora e detecção de dismetria ou tremor intencional. • Procedimento: Solicite ao paciente que estenda o braço, toque a ponta do nariz com o dedo indicador e retorne ao ponto de partida. Repita várias vezes, com ambos os lados, e em velocidade variada. • Interpretação: – Tremor intencional: Indica disfunção cerebelar. – Dismetria: Erro na distância (passa do nariz ou para antes). – Assimetria entre os lados pode indicar lesão unilateral. 7.3.2 Teste Calcanhar-Joelho (Calcanhar sobre tíbia) • Objetivo: Avaliar a coordenação de membros inferiores. • Procedimento: O paciente, em decúbito dorsal, deve colocar o calcanhar de um pé sobre o joelho oposto e deslizar o calcanhar pela tíbia até o tornozelo. Repetir com ambos os lados. • Interpretação:Movimento oscilante, impreciso ou com desvios pode indicar ataxia cerebelar. 7.3.3 Disdiadococinesia (Movimentos alternados rápidos) • Objetivo: Avaliar a capacidade de realizar movimentos rápidos e alternados. • Procedimento: Solicitar que o paciente bata as palmas das mãos alternando a face dorsal e palmar sobre a coxa, em ritmo rápido e contínuo. • Interpretação: Dificuldade em manter o ritmo, movimentos desorganizados ou lentos indicam disdiadococinesia, típica de lesão cerebelar. 7.3.4 Prova do Caminhar em Linha Reta (Marcha em tandem) • Objetivo: Avaliar equilíbrio, propriocepção e coordenação motora global. • Procedimento: Peça ao paciente que caminhe com um pé à frente do outro, em linha reta, sem auxílio. Pode-se realizar com olhos abertos e fechados. • Interpretação: Desvio lateral, perda de equilíbrio ou passos desorganizados indicam alteração da coordenação. 7.3.5 Teste de Romberg (para diferenciação sensorial e cerebelar) • Embora esteja diretamente ligado ao equilíbrio, é útil para diferenciar disfunção proprioceptiva e cerebelar. • Procedimento: Paciente em pé, pés juntos, braços ao lado do corpo. Primeiro com olhos abertos, depois fechados. • Interpretação: – Perda de equilíbrio com olhos fechados: provável déficit proprioceptivo. – Instabilidade mesmo com olhos abertos: sugere lesão cerebelar. 7.4 Alterações Mais Comuns na Coordenação Alteração Definição Ataxia Perda da coordenação motora voluntária. Dismetria Incapacidade de medir a distância correta dos movimentos. Disdiadococinesia Dificuldade de realizar movimentos alternados rápidos. Tremor intencional Oscilação rítmica durante a execução de movimento voluntário. Hipermetria/hipometria Movimento que ultrapassa ou não atinge o alvo, respectivamente. 7.5 Considerações Clínicas sobre Coordenação • Alterações de coordenação nem sempre são exclusivas de lesões cerebelares. Doenças extrapiramidais, AVC, esclerose múltipla e neuropatias periféricas também podem gerar sintomas semelhantes. • Sempre correlacione os achados com o quadro clínico completo e com outros domínios avaliados (tônus, força, sensibilidade, marcha etc.). • Adapte os testes à condição clínica e cognitiva do paciente. Nem todos os pacientes conseguem realizar todos os testes. 8. Avaliação do Equilíbrio O equilíbrio é a capacidade do corpo de manter o centro de gravidade dentro da base de sustentação, tanto em repouso (equilíbrio estático) quanto durante o movimento (equilíbrio dinâmico). Essa função depende da integração dos sistemas vestibular, visual, proprioceptivo e do controle motor central. 8.1 Importância da Avaliação do Equilíbrio • Identificar déficits que possam predispor a quedas e lesões. • Planejar intervenções fisioterapêuticas para recuperação funcional. • Monitorar a evolução do paciente ao longo do tratamento. 8.2 Tipos de Equilíbrio Tipo Definição Exemplos Estático Manter postura estável em posição fixa Ficar em pé parado, sentado Dinâmico Manter estabilidade durante o movimento Caminhar, subir escadas Reativo Capacidade de corrigir desequilíbrios repentinos Recuperar equilíbrio após empurrão Proativo Ajustes antecipatórios para evitar perda de equilíbrio Ajustar a postura ao iniciar um movimento 8.3 Testes Clínicos de Equilíbrio 8.3.1 Teste de Romberg • Objetivo: Avaliar equilíbrio estático e discriminar a origem sensorial da instabilidade. • Procedimento: Paciente em pé, pés juntos, braços ao lado do corpo. Manter a posição por 30 segundos com olhos abertos e depois fechados. Observar oscilação e possível queda. • Interpretação: – Instabilidade com olhos fechados sugere déficit proprioceptivo. – Instabilidade com olhos abertos pode indicar disfunção vestibular ou cerebelar. 8.3.2 Teste de Romberg Sensibilizado (Sharpened Romberg) • Realizado como o Romberg tradicional, porém com pés em posição tandem (um pé à frente do outro). • Aumenta a dificuldade e sensibilidade do teste. 8.3.3 Escala de Equilíbrio de Berg (Berg Balance Scale) • Objetivo: Medir o equilíbrio estático e dinâmico em adultos e idosos. • Descrição: Consiste em 14 itens que avaliam diferentes tarefas posturais, como sentar e levantar da cadeira, permanecer em pé com olhos fechados, alcançar objetos, girar o corpo, entre outros. • Pontuação: Cada tarefa é pontuada de 0 a 4, totalizando até 56 pontos. • Interpretação: – 41-56 pontos: Equilíbrio bom, risco baixo de quedas. – 21-40 pontos: Equilíbrio moderado, risco moderado de quedas. – 0-20 pontos: Equilíbrio ruim, alto risco de quedas. 8.3.4 Teste Timed Up and Go (TUG) • Já apresentado anteriormente na avaliação motora (Seção 5.3), o TUG também avalia equilíbrio dinâmico e risco de quedas. 8.3.5 Alcance Funcional (Functional Reach Test) • Objetivo: Avaliar o limite do equilíbrio dinâmico. • Procedimento: Paciente em pé, com braço estendido à frente. Solicita-se que o paciente alcance o mais longe possível sem perder o equilíbrio ou dar um passo. Mede- se a distância alcançada. 8.4 Interpretação dos Resultados • Instabilidade significativa nos testes indica risco aumentado de quedas. • Déficits podem ser atribuídos a alterações vestibulares, proprioceptivas, visuais ou musculoesqueléticas. • Resultados auxiliam na prescrição de exercícios específicos para fortalecimento, reeducação postural e treino sensorial. 8.5 Considerações Finais sobre Equilíbrio A avaliação do equilíbrio deve ser sempre adaptada ao contexto clínico e funcional do paciente. A combinação de vários testes aumenta a precisão do diagnóstico funcional. 9. Avaliação da Marcha e Locomoção A marcha é um padrão complexo de movimentos coordenados, que depende da integração neuromuscular, do equilíbrio, da propriocepção e do controle postural. Avaliar a marcha em pacientes neurológicos permite identificar alterações funcionais e planejar intervenções para melhorar a independência e a segurança. 9.1 Objetivos da Avaliação • Identificar o padrão de marcha (normal ou patológico). • Analisar as fases da marcha e possíveis desvios. • Avaliar o uso de dispositivos auxiliares. • Detectar fatores que aumentam o risco de quedas. 9.2 Fases da Marcha A marcha pode ser dividida em duas fases principais: Fase Definição Percentual do Ciclo da Marcha Fase de Apoio Pé em contato com o solo, sustentando o corpo 60% Fase de Balanço Pé no ar, movendo-se para a frente 40% 9.3 Parâmetros a Serem Avaliados • Comprimento e largura do passo. • Velocidade da marcha. • Simetria entre os membros inferiores. • Padrão de apoio plantar (talão, antepé, médio-pé). • Presença de compensações (circundução, hiperflexão do quadril, pronação). • Uso de órteses e dispositivos auxiliares. • Capacidade de iniciar, parar e mudar de direção. 9.4 Testes Clínicos de Avaliação da Marcha 9.4.1 Teste da Marcha em Linha Reta • Procedimento: Paciente caminha em linha reta por distância predefinida (geralmente 10 metros). • Observação: Postura, estabilidade, simetria e presença de desvios. 9.4.2 Teste Timed Up and Go (TUG) • Já descrito anteriormente (Seção 5.3), avalia a capacidade funcional para levantar, caminhar e sentar, integrando equilíbrio e coordenação. 9.4.3 Teste de Marcha Funcional • Avaliação: Capacidade para realizar tarefas cotidianas como subir escadas, atravessar obstáculos e caminhar em diferentes superfícies. 9.5 Alterações Mais Comuns na Marcha Neurológica Alteração Características Possível Causa Marcha Hemiplégica Braço em flexão e adução, perna em extensão e circundução AVC, lesão unilateral do SNC Marcha Atáxica Passos irregulares, instáveis, oscilantes Lesão cerebelar Marcha Parkinsoniana Passos pequenos, arrastados, tronco inclinado para frente Doença de Parkinson Marcha Escarvante Elevação excessiva do pé para evitar tropeços Lesão do nervo fibular/peroneal Marcha em Tesoura Aproximação dos membros inferiores, passo curto Paralisiacerebral 9.6 Documentação e Registro • Descrever o padrão observado. • Notar fatores que comprometem a segurança. • Anotar dispositivos auxiliares usados e sua eficácia. • Registrar recomendações para intervenção. 9.7 Considerações Finais sobre Marcha e Locomoção A avaliação da marcha deve ser complementada por análises quantitativas, quando possível, com o uso de tecnologia (plataformas de força, vídeo-análise). O fisioterapeuta deve sempre relacionar os achados à funcionalidade e autonomia do paciente. 10. Avaliação Cognitiva e Psicossocial A avaliação cognitiva e psicossocial é essencial para compreender o impacto da lesão neurológica nas funções intelectuais, emocionais e sociais do paciente, influenciando diretamente a comunicação, aprendizado, adesão ao tratamento e funcionalidade diária. 10.1 Avaliação Cognitiva Esta avaliação foca nas funções intelectuais do paciente. As principais funções cognitivas avaliadas incluem: • Nível de consciência e estado de alerta: Capacidade de estar acordado e responder a estímulos. • Atenção e concentração: Habilidade de focar em tarefas ou estímulos por períodos adequados. • Memória: Imediata, recente e remota. • Linguagem: Compreensão e expressão verbal e não verbal. • Funções executivas: Planejamento, julgamento, resolução de problemas e tomada de decisão. • Percepção e reconhecimento: Reconhecimento de objetos, pessoas e situações. Instrumentos e testes comuns: * Mini Exame do Estado Mental (MEEM): Triagem rápida para identificar comprometimentos cognitivos globais (já detalhado na Seção 1.4). * Montreal Cognitive Assessment (MoCA): Avalia várias funções cognitivas com maior detalhamento. * Teste do Desenho do Relógio: Avalia funções visuoespaciais e executivas. * Avaliação neuropsicológica formal: Aplicada por profissionais especializados quando necessário. Procedimento: Aplicar testes padronizados, interpretar resultados considerando escolaridade e contexto cultural, e relacionar déficits cognitivos às dificuldades funcionais e à adesão ao tratamento. 10.2 Avaliação Psicossocial O contexto emocional e social do paciente é determinante para o sucesso da reabilitação. Aspectos a serem investigados: • Estado emocional: Presença de ansiedade, depressão, apatia ou alterações de humor. • Motivação e adesão ao tratamento. • Rede de apoio social: Familiares, cuidadores, suporte comunitário. • Expectativas e objetivos pessoais: Alinhamento das metas terapêuticas com os desejos do paciente. Procedimentos: Entrevista clínica detalhada com paciente e familiares, aplicação de escalas específicas de avaliação psicológica (se necessário), e observação comportamental durante as sessões. 10.3 Integração da Avaliação Cognitiva e Psicossocial no Planejamento Terapêutico A análise conjunta desses domínios permite ao fisioterapeuta: * Adequar a comunicação e estratégias educativas. * Planejar intervenções respeitando limites cognitivos e emocionais. * Envolver a rede social no processo terapêutico. * Promover a autonomia e qualidade de vida do paciente. 11. Avaliação das Funções Autonômicas e Esfincterianas 11.1 Controle Autonômico O sistema nervoso autônomo regula funções involuntárias, como frequência cardíaca, pressão arterial, sudorese, temperatura corporal e controle esfincteriano. Em pacientes neurológicos, essas funções podem estar comprometidas. 11.2 Avaliação Clínica • Anamnese detalhada: Sobre sintomas como incontinência urinária, constipação, sudorese excessiva ou ausente, alterações de pressão arterial. • Monitorização: De sinais vitais em repouso e após esforços. • Avaliação: Do padrão urinário e intestinal. 12. Exames Complementares Exames complementares são cruciais para confirmar diagnósticos, identificar a extensão e localização da lesão, e planejar a intervenção fisioterapêutica com base em dados objetivos. 12.1 Imagem • Tomografia Computadorizada (TC): Fornece imagens detalhadas de estruturas ósseas e tecidos moles. • Ressonância Magnética (RM): Oferece imagens de alta resolução de tecidos moles, sendo excelente para visualizar o sistema nervoso. 12.2 Neurofisiológicos • Eletroneuromiografia (ENMG): Avalia a condução nervosa e a atividade muscular, útil para identificar lesões em nervos periféricos e músculos. • Eletroencefalograma (EEG): Registra a atividade elétrica cerebral, auxiliando no diagnóstico de epilepsia e outras disfunções cerebrais. • Potenciais Evocados: Medem a atividade elétrica do sistema nervoso em resposta a estímulos sensoriais, visuais ou auditivos. 12.3 Importância para o Fisioterapeuta • Confirmar o diagnóstico médico. • Identificar a extensão e localização da lesão. • Planejar a intervenção com base em dados objetivos e específicos do caso. 13. Planejamento do Tratamento Fisioterapêutico O planejamento terapêutico é o momento em que o fisioterapeuta, com base nos dados da avaliação, organiza uma linha de intervenção individualizada, com objetivos definidos e estratégias baseadas em evidência científica. Mais do que aplicar técnicas, é necessário traçar metas reais e funcionais, respeitando as condições clínicas, emocionais e sociais do paciente. 13.1 Identificação dos Objetivos de Tratamento O primeiro passo do planejamento é definir os objetivos terapêuticos. Eles devem ser: • Específicos: Focados nas limitações e necessidades do paciente. • Mensuráveis: Possíveis de avaliar com escalas, testes ou observações clínicas. • Alcançáveis: Realistas para a condição e fase de evolução do paciente. • Relevantes: Que façam diferença na funcionalidade e qualidade de vida. • Temporais: Com prazos de curto, médio e longo prazo. Exemplos de objetivos: * Melhorar o controle postural em sedestação sem apoio (curto prazo). * Reduzir a espasticidade em membros inferiores (médio prazo). * Promover a marcha funcional com auxílio de dispositivo (longo prazo). 13.2 Fatores que Influenciam o Planejamento O tratamento deve considerar: • A fase da lesão (aguda, subaguda ou crônica). • A gravidade dos déficits motores, sensoriais ou cognitivos. • A capacidade de aprendizado e adaptação do paciente. • A presença de apoio familiar e social. • A motivação e adesão ao tratamento. Cada paciente neurológico apresenta um padrão único de comprometimento, o que exige uma abordagem personalizada e flexível. 13.3 Técnicas e Recursos Terapêuticos Específicos A escolha das técnicas será baseada na avaliação funcional e nos objetivos traçados. Abaixo, algumas estratégias comumente utilizadas na fisioterapia neurofuncional: 1. Facilitação Neuromuscular: Técnicas para ativar ou melhorar padrões motores (ex: Bobath, Kabat). 2. Treinamento Funcional: Treino de habilidades específicas como transferências, marcha, preensão, com foco na repetição de tarefas funcionais do dia a dia. 3. Controle Postural e Equilíbrio: Exercícios em bases instáveis, reações de equilíbrio e endireitamento; treinamento progressivo em sedestação, ortostatismo e marcha. 4. Alongamentos e Mobilizações: Redução de retrações, prevenção de deformidades e melhora da amplitude de movimento passiva e ativa. 5. Estímulos Sensoriais: Estimulação tátil, vibratória e proprioceptiva; reeducação sensorial em pacientes com alterações na percepção. 6. Uso de Recursos Terapêuticos: Órteses funcionais, aparelhos de eletroterapia (TENS, FES), plataformas de equilíbrio, bolas, faixas elásticas, espelhos. 13.4 Reavaliação e Adaptação do Plano Terapêutico O tratamento deve ser reavaliado constantemente, de forma que as condutas possam ser ajustadas à evolução do quadro clínico. Essa reavaliação permite: • Atualizar os objetivos terapêuticos. • Avaliar a eficácia das técnicas empregadas. • Prevenir complicações e manter os ganhos funcionais. Um bom plano terapêutico é fruto de uma avaliação detalhada, de metas bem definidas e da aplicação consciente de técnicas adequadas. O fisioterapeuta deve atuar com olhar clínico, criatividadee empatia, respeitando o tempo de cada paciente e promovendo, sempre que possível, sua autonomia. 14. Avaliação Funcional e das Atividades da Vida Diária (AVDs) 14.1 Importância Avaliar a independência do paciente nas Atividades da Vida Diária (AVDs) é fundamental para planejar objetivos realistas e intervenções direcionadas, visando a autonomia e a qualidade de vida. 14.2 Escalas Utilizadas • Índice de Barthel • Escala de Katz • Avaliação funcional personalizada 1. Índice de Barthel O Índice de Barthel é uma escala usada para avaliar o grau de independência do paciente em 10 atividades básicas da vida diária (AVDs). Essas atividades incluem: • Alimentação • Higiene pessoal • Vestir-se • Uso do sanitário • Controle de esfíncteres • Tomar banho • Transferência (ex: da cama para a cadeira) • Deambulação (andar) • Subir e descer escadas • Mobilidade geral Objetivo: Determinar o nível de dependência do paciente. Pontuação: Varia de 0 a 100 (quanto maior a pontuação, maior a independência funcional). Aplicação comum: Reabilitação, geriatria, AVC, ortopedia. 2. Escala de Katz (ou de Cátese) A Escala de Katz mede a capacidade funcional do paciente em atividades básicas da vida diária, de forma mais simplificada. São avaliadas 6 funções: • Banhar-se • Vestir-se • Ir ao banheiro • Transferência (cama/cadeira) • Continência • Alimentar-se Objetivo: Classificar o paciente como: • Independente • Parcialmente dependente • Totalmente dependente Muito usada em idosos, pacientes hospitalizados ou com doenças crônicas. 3. Avaliação Funcional Personalizada Diferente das escalas padronizadas, a Avaliação Funcional Personalizada é individualizada, considerando: • A história clínica do paciente • Queixas e limitações específicas • Realidade social e ambiental • Objetivos terapêuticos pessoais Objetivo: Montar um plano de tratamento específico para o paciente, com metas funcionais reais e adaptadas. Muito usada por fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais na prática clínica, principalmente com pacientes neurológicos, ortopédicos ou pós-cirúrgicos. BLOCO II – PATOLOGIAS NEUROLÓGICAS DO ADULTO E TRATAMENTO FISIOTERÁPICO Patologias Neurológicas do Adulto e Tratamento Fisioterápico Introdução Geral Este documento tem como objetivo fornecer uma compreensão aprofundada sobre algumas das principais patologias neurológicas que afetam adultos, com foco especial no Acidente Vascular Encefálico (AVE), Traumatismo Crânio-Encefálico (TCE) e Traumatismo Raqui- Medular (TRM). Para cada condição, abordaremos sua definição, classificação, fisiopatologia, manifestações clínicas, avaliação fisioterapêutica, objetivos de tratamento, estratégias terapêuticas e prognóstico. O conteúdo foi elaborado para ser altamente explicativo e detalhado, ideal para estudantes que estão iniciando sua formação na área da saúde, especialmente em fisioterapia neurofuncional. Nosso foco é desmistificar conceitos complexos e apresentar as informações de forma clara e organizada, facilitando o aprendizado e a aplicação prática. 1. Acidente Vascular Encefálico (AVE) 1.1 O que é o Acidente Vascular Encefálico (AVE)? O Acidente Vascular Encefálico (AVE), popularmente conhecido como derrame cerebral, é uma condição neurológica grave que ocorre de forma súbita. Ele é caracterizado pela interrupção do fluxo sanguíneo para uma área específica do cérebro. Essa interrupção pode acontecer de duas maneiras principais: por uma obstrução (quando um vaso sanguíneo é bloqueado) ou por uma ruptura (quando um vaso sanguíneo se rompe). Em ambos os casos, o resultado é a privação de oxigênio e nutrientes para as células cerebrais, levando à sua morte. Essa perda de células cerebrais é o que causa os déficits neurológicos observados no paciente. É importante ressaltar que o AVE é uma das principais causas de incapacidade adquirida em adultos em todo o mundo, resultando em déficits neurológicos que podem ser graves e, em muitos casos, deixar sequelas permanentes. A rapidez no reconhecimento dos sintomas e no início do tratamento é crucial para minimizar os danos e melhorar o prognóstico. 1.2 Classificação do AVE: Isquêmico e Hemorrágico O AVE é classificado em dois grandes tipos, cada um com suas características e causas específicas: 1.2.1 AVE Isquêmico Este é o tipo mais comum, representando cerca de 80% dos casos de AVE. Ocorre quando há uma obstrução em um vaso sanguíneo que leva sangue ao cérebro. Essa obstrução pode ser causada por: • Trombo: Um coágulo sanguíneo que se forma dentro de um vaso cerebral, geralmente em uma artéria já estreitada por aterosclerose (acúmulo de placas de gordura). • Êmbolo: Um coágulo sanguíneo ou outro material (como uma placa de gordura desprendida) que se forma em outra parte do corpo (por exemplo, no coração, em casos de fibrilação atrial) e viaja pela corrente sanguínea até o cérebro, onde obstrui um vaso menor. Principais causas do AVE Isquêmico: * Aterosclerose: Doença em que placas de gordura se acumulam nas artérias, endurecendo-as e estreitando-as. * Fibrilação Atrial: Um tipo de arritmia cardíaca que pode levar à formação de coágulos no coração, que podem se desprender e viajar para o cérebro. * Estenose Carotídea: Estreitamento das artérias carótidas (vasos importantes no pescoço que levam sangue ao cérebro). Fisiopatologia (Como a Lesão Acontece): 1. Isquemia: A obstrução do vaso sanguíneo impede o fluxo de sangue, causando a falta de oxigênio e nutrientes na área cerebral afetada. 2. Lesão do Tecido: A privação de oxigênio e nutrientes leva à disfunção e, eventualmente, à morte das células cerebrais. 3. Penumbra Isquêmica: É uma área de tecido cerebral ao redor do núcleo da lesão que, embora esteja com fluxo sanguíneo reduzido, ainda não sofreu danos irreversíveis. Essa área é o principal alvo das intervenções terapêuticas nas primeiras horas após o AVE, pois pode ser salva se o fluxo sanguíneo for restabelecido rapidamente. 4. Necrose Neuronal: Se o fluxo sanguíneo não for restaurado a tempo, as células na área isquêmica e na penumbra morrem, resultando em dano cerebral permanente. 1.2.2 AVE Hemorrágico Este tipo de AVE é menos comum, mas geralmente mais grave. Ocorre quando um vaso sanguíneo no cérebro se rompe, causando extravasamento de sangue para dentro ou ao redor do tecido cerebral. O sangue extravasado não só impede o fluxo sanguíneo normal para outras áreas, mas também causa compressão e dano direto ao tecido cerebral. Subtipos de AVE Hemorrágico: * Hemorragia Intracerebral (HIC): O sangramento ocorre dentro do próprio tecido cerebral. É o subtipo mais comum de AVE hemorrágico. * Hemorragia Subaracnoide (HSA): O sangramento ocorre no espaço subaracnoide, que é o espaço entre o cérebro e as membranas que o revestem (meninges). Fatores de risco para AVE Hemorrágico: * Hipertensão Arterial não controlada: A pressão alta crônica enfraquece as paredes dos vasos sanguíneos, tornando-os mais propensos a se romper. * Aneurismas: Dilatações anormais nas paredes dos vasos sanguíneos que podem se romper. * Má-formações Arteriovenosas (MAVs): Conexões anormais entre artérias e veias que são mais frágeis e podem sangrar. 1.3 Manifestações Clínicas do AVE As manifestações clínicas, ou seja, os sinais e sintomas que o paciente apresenta, variam amplamente dependendo da localização e da extensão da lesão cerebral. No entanto, alguns são mais comuns e servem como alerta para a ocorrência de um AVE. É fundamental reconhecer esses sinais rapidamente, utilizando a sigla SAMU ou FAST (em inglês) para memorizá-los: • S (Sorriso): Peça para a pessoa sorrir. Um lado da boca pode cair. • A (Abraço): Peça para a pessoa levantar os dois braços. Um braço pode cair ou não conseguir levantar. • M (Música/Mensagem): Peça para a pessoa cantar uma música simples ou repetir uma frase. A fala pode ficar enrolada ou incompreensível. • U (Urgência):Se observar qualquer um desses sinais, chame uma ambulância imediatamente (SAMU 192). Outros sinais e sintomas comuns incluem: * Hemiparesia/Hemiplegia: Fraqueza (paresia) ou paralisia (plegia) de um lado do corpo. Por exemplo, se o AVE afetar o lado direito do cérebro, os sintomas aparecerão no lado esquerdo do corpo, e vice-versa. * Afasia: Dificuldade na linguagem, que pode ser: * Expressiva: Dificuldade em produzir a fala (mesmo compreendendo o que é dito). * Receptiva: Dificuldade em compreender a fala (mesmo conseguindo falar). * Global: Dificuldade tanto na produção quanto na compreensão da fala. A afasia é mais comum se o hemisfério cerebral esquerdo for acometido, pois para a maioria das pessoas, o lado esquerdo do cérebro é dominante para a linguagem. * Disfagia: Dificuldade para engolir, o que pode levar a engasgos e risco de pneumonia por aspiração. * Ataxia: Falta de coordenação dos movimentos, resultando em movimentos desajeitados e instáveis. * Alterações do equilíbrio e coordenação: Dificuldade em manter a postura e realizar movimentos precisos. * Negligência Hemisférica (ou Negligência Unilateral): Ocorre principalmente em lesões do hemisfério cerebral direito. O paciente ignora ou não percebe estímulos do lado oposto à lesão (geralmente o lado esquerdo do corpo e do espaço). Por exemplo, pode comer apenas a metade direita do prato ou se vestir apenas o lado direito do corpo. * Déficits sensoriais: Alterações na sensibilidade, como anestesia (perda total da sensibilidade) ou hipoestesia (diminuição da sensibilidade) em um lado do corpo. * Afetividade instável (Síndrome Pseudobulbar): Caracterizada por episódios incontroláveis de riso ou choro que não correspondem ao estado emocional real do paciente. Lateralidade da Lesão e suas Influências: É crucial entender que a lateralidade da lesão cerebral influencia diretamente as manifestações clínicas: * Lesões no Hemisfério Esquerdo: Tendem a causar mais distúrbios de linguagem (afasias), dificuldades na escrita (agrafia) e na leitura (alexia), e problemas de raciocínio lógico. * Lesões no Hemisfério Direito: Tendem a afetar mais a percepção espacial, o comportamento visual-espacial (como a negligência hemisférica), a capacidade de reconhecer rostos (prosopagnosia) e a percepção de emoções. 1.4 Avaliação Fisioterapêutica no Pós-AVE A avaliação do paciente após um AVE é um processo minucioso e abrangente, que deve considerar diferentes sistemas e domínios para identificar as limitações e potencialidades do indivíduo. Essa avaliação é a base para a elaboração de um plano de tratamento individualizado e eficaz. 1.4.1 Avaliação Motora Foca na análise da força, tônus, presença de movimentos anormais e capacidade funcional. * Teste de Força Muscular Segmentar (Escala de Oxford): Avalia a força de músculos específicos em uma escala de 0 a 5. (Para detalhes sobre a Escala de Oxford, consulte a seção sobre Avaliação da Força Muscular no documento anterior, ‘Caracterização do Paciente Neurológico Adulto’). * Avaliação de Tônus Muscular (Escala de Ashworth Modificada): Quantifica a espasticidade, que é o aumento do tônus muscular dependente da velocidade. (Para detalhes sobre a Escala de Ashworth Modificada, consulte a seção sobre Tônus Muscular no documento anterior). * Presença de Sinergias e Reflexos Primitivos: Observa padrões de movimento anormais (sinergias) e o reaparecimento de reflexos que deveriam ter sido integrados na infância (ex: grasping reflex – reflexo de preensão, onde o paciente agarra involuntariamente um objeto que toca sua palma da mão). (Para detalhes sobre sinergias e reflexos primitivos, consulte as seções correspondentes no documento anterior). * Mobilidade Funcional: Avalia a capacidade do paciente de realizar atividades básicas do dia a dia, como rolar na cama, sentar-se, transferir-se (da cama para a cadeira, por exemplo) e deambular (caminhar). 1.4.2 Avaliação Sensorial Verifica a integridade dos diferentes tipos de sensibilidade, que são cruciais para o movimento e a segurança. * Tato Superficial, Pressão Profunda, Propriocepção: Testes para avaliar a percepção de toque leve, pressão e a consciência da posição do corpo no espaço. (Para detalhes sobre como realizar esses testes, consulte a seção sobre Funções Sensoriais no documento anterior). * Testes de Discriminação: Incluem testes como a discriminação de dois pontos (capacidade de diferenciar um ou dois toques simultâneos) e a localização tátil (capacidade de identificar onde foi tocado sem o auxílio da visão). 1.4.3 Avaliação do Equilíbrio e Coordenação Essencial para a segurança e a independência na locomoção. * Testes Padronizados: Utilização de escalas como a Berg Balance Scale (Escala de Equilíbrio de Berg), Tinetti (Performance-Oriented Mobility Assessment) e Romberg. Essas escalas fornecem uma pontuação objetiva sobre o equilíbrio estático e dinâmico do paciente. (Para detalhes sobre esses testes, consulte as seções sobre Coordenação Motora e Avaliação do Equilíbrio no documento anterior). * Avaliação em Diferentes Bases de Suporte: Observar o equilíbrio do paciente em diferentes situações, como sentado, em pé com os pés juntos, em pé com os pés afastados, em superfícies instáveis, etc. 1.4.4 Avaliação Cognitiva e de Comunicação Verifica a capacidade do paciente de compreender, processar informações e se comunicar, o que impacta diretamente a adesão ao tratamento e a participação nas atividades. * Teste de Mini Exame do Estado Mental (MEEM): Uma ferramenta de triagem rápida para avaliar o comprometimento cognitivo global. (Para detalhes sobre o MEEM, consulte a seção sobre Nível de Consciência e Cognição no documento anterior). * Comunicação Verbal e Não Verbal: Observar a clareza da fala, a capacidade de formar frases, a compreensão de comandos e o uso de gestos e expressões faciais para se comunicar. * Compreensão de Comandos: Avaliar se o paciente consegue seguir instruções simples e complexas. 1.5 Intervenção Fisioterapêutica no AVE A reabilitação do paciente pós-AVE é um processo contínuo e dinâmico, que deve respeitar a fase da doença (aguda, subaguda ou crônica) e ser baseada nos princípios da neuroplasticidade. A neuroplasticidade é a capacidade extraordinária do sistema nervoso de se reorganizar e formar novas conexões sinápticas em resposta a uma lesão, ao aprendizado ou à experiência. É essa capacidade que permite a recuperação funcional após um AVE, pois o cérebro pode aprender a usar outras áreas para compensar as funções perdidas. 1.5.1 Objetivos Terapêuticos Os objetivos da fisioterapia no pós-AVE são multifacetados e visam maximizar a independência e a qualidade de vida do paciente. Os principais objetivos incluem: • Prevenir complicações secundárias: Como úlceras de pressão (escaras), encurtamentos musculares, contraturas articulares e trombose venosa profunda, que podem surgir devido à imobilidade. • Promover controle motor e postural: Reeducar o cérebro para controlar os movimentos e manter a postura adequada, tanto em repouso quanto em movimento. • Estimular a independência funcional: Treinar o paciente para realizar as Atividades da Vida Diária (AVDs), como se vestir, comer, tomar banho e ir ao banheiro, da forma mais independente possível. • Recuperar a marcha e o equilíbrio: Melhorar a capacidade de caminhar com segurança e eficiência, utilizando dispositivos de auxílio (como bengalas ou andadores) se necessário. • Facilitar a reintegração social: Ajudar o paciente a retornar às suas atividades sociais, familiares e, quando possível, profissionais. 1.5.2 Estratégias Terapêuticas por Fase do AVE A abordagem fisioterapêutica varia significativamente dependendo da fase em que o paciente se encontra: Fase | Período Aproximado | Condutas Terapêuticas - [ ] Análise aprofundada do conteúdo, identificação e adição de informações ausentes • ☐ Revisão e reestruturação do texto para clareza e detalhamento