Prévia do material em texto
AVISO Essa presente tradução é de autoria dos grupos Enchanted Pages. E Wings Traduções. Nossos grupos não possuem fins lucrativos, sendo este um trabalho voluntário e não remunerado. Traduzimos livros com o objetivo de acessibilizar a leitura para aqueles que não sabem ler em inglês. Para preservar a nossa identidade e manter o funcionamento dos grupos de tradução, pedimos que: ↬Não publique abertamente sobre essa tradução em quaisquer redes sociais ↬ Não comente com o autor que leu este livro traduzido; ↬ Não distribua este livro como se fosse autoria sua; ↬ Não faça montagens do livro com trechos em português; ↬ Não poste – em nenhuma rede social – capturas de tela ou trechos dessa tradução. Em caso de descumprimento dessas regras, você será banido desse grupo. Caso esse livro tenha seus direitos adquiridos por uma editora brasileira, iremos exclui-lo do nosso acervo. Em caso de denúncias, fecharemos o canal permanentemente. — Não sou o homem que você pensa que sou, — digo a ela. — Provavelmente não. Mas isso não é maravilhoso? Há todas as possibilidades de você ser muito MAIS. Jass tem sido a criatura do Construto por anos. Um príncipe sinistro. Um homem de sombras e medo. As pessoas se encolhem a seus pés. Elas atendem a todos os seus desejos sombrios. Quem ousaria desafiar o homem mais perigoso já criado? Ninguém… Exceto por ela. Reza está fugindo há sete anos. Ela encontrou paz em seu planeta escondido. Conseguiu construir alguma aparência de vida para si mesma lá. Mas quando o homem que ela mais teme em toda a galáxia finalmente descobre sua localização, ela deve enfrentá-lo para escapar de sua ira de uma vez por todas. Um mar de estrelas os separa, mas nem isso os afasta. Black Moon Rising é um romance de ficção científica da autora best- seller do USA Today, Callie Hart, que escreveu como Frankie Campbell. No início do século vinte e quatro, a humanidade alcançou as estrelas. Existem poucos registros documentando do motivo que os levou a deixar seu planeta natal, mas os errantes que se aventuraram além de seu sistema solar floresceram. Incontáveis colônias foram estabelecidas em incontáveis planetas habitáveis. Logo, a raça humana mal conseguia se lembrar de suas origens. Eles encontraram raças alienígenas muito parecidas com a sua, bem como muitas formas de vida que eram muito diferentes. A humanidade evoluiu, como sempre, e logo todos os postos avançados desenvolveram culturas e traços físicos que contrastavam e se complementavam, criando uma tapeçaria rica e diversa entre as galáxias. A Comunidade dos Planetas foi criada para manter a paz e a civilidade entre todas as raças. Seguiram-se mil anos de prosperidade e harmonia, entre os humanos e outras formas de vida que viviam lado a lado, unificadas por suas crenças centrais. Porém, a corrupção envenena até as águas mais calmas. Sussurros de guerra começaram a circular. Um grupo de líderes planetários formou uma aliança própria e considerou perigoso o livre arbítrio do povo. E assim nasceu o Construto. Suas forças cresceram como um incêndio florestal, sua tecnologia avançando a cada minuto, e logo a Comunidade foi forçada a se desfazer, foram líderes executados, pessoas sequestradas e integradas ao exército Construto. Poucos se recusaram a se curvar ao Construto, no entanto. Ainda há aqueles que não dobram os joelhos. Ainda existem aqueles que lutam por igualdade, liberdade e independência. Você só precisa saber onde encontrá-los. PRÓLOGO REZA Seus dedos estão dentro de mim e não consigo recuperar o fôlego. Sua boca está na minha - quente, exigente, inevitável, e minha cabeça está girando em todo o lugar. Ele interrompe o beijo, o mais breve dos adiamentos, e eu respiro fundo, meus pulmões queimando como loucos. Deuses… Deuses, está acontecendo de novo... Eu não estava acordada quando ele veio até mim. Nunca estou. Sempre acontece exatamente assim: estou dormindo, sonhando, e então meu corpo parece que está subindo, flutuando para a superfície no fundo de águas muito profundas. Não há pânico. Sem som. Sem medo. É como se eu estivesse sendo gentilmente embalada e erguida de algum lugar escuro e sem nome, até romper a superfície da realidade, e lá está ele, esperando por mim. Sempre esperando: o homem de cabelos escuros e olhos dourados em chamas. Sua pele é quente contra a minha, dura e lisa, como mármore aquecido. Sua respiração falha de sua boca, muito irregular enquanto corro minhas mãos sobre os músculos tensos de suas costas. Ele é forte e poderoso, comandando cada centímetro de mim. Aqui, nesses momentos silenciosos e sombrios que compartilhamos, nossos corpos se conectam e se combinam da maneira mais inacreditável. Ele é um sol e eu sou uma lua. Ele é o crepúsculo e eu sou o amanhecer. Seu toque permanece e queima minha pele. Mordendo meu lábio inferior com força, ele puxa minha carne, em seguida, dá um tapinha com sua língua. — Seu coração está acelerado. — Sua voz é um sussurro, acariciando a pele sensível e nua do meu pescoço. — Você come. Você respira, trabalha. Dorme. Você se engana pensando que seus dias são cheios e desfruta de sua existência. É agora, no entanto, que está mais viva, Reza. Aqui, em meus braços. Ele pode ver dentro de mim e pode ouvir meus pensamentos. Aqui, com suas mãos no meu corpo, sua língua trabalhando sobre o botão tenso do meu mamilo, os fios de seu cabelo longo e escuro patinando sobre minha pele, me fazendo arrepiar, não posso esconder nada dele. Não posso admitir que ele está certo, no entanto. Isso seria perigoso. Minha alma não permite, porque sei quem ele é e sei o que ele fez. Ele é uma coisa linda, selvagem e cruel, e um dia desses será a minha morte. Ele retira seus dedos de dentro de mim e os coloca um por um em sua boca, lambendo para limpa-los. Seus olhos brilham com rajadas douradas, tão brilhantes que parecem antinaturais - em um momento eles estão tão escuros quanto breu, no próximo estão iluminados como um sol escaldante. Ele passa a língua ao longo do lábio inferior uma vez que termina com os dedos, como se estivesse saboreando o meu gosto. — Você me quer, — ele sussurra. — Não. Eu não posso. — Meus protestos parecem fracos e pouco convincentes, mesmo para mim. Já estivemos aqui antes. Discutimos isso muitas vezes. A minha parte moral e de princípios, sabe que querê-lo é errado. Essa parte de mim nunca foi a vencedora nesta situação, no entanto. Eu sempre desisto. Sempre o deixo me ter, porque o quero tanto quanto. Ele é a única coisa que tenho medo neste universo, e é a única coisa de que preciso mais do que o sangue que corre em minhas veias - a piada cósmica mais cruel e dolorosa já concebida. Abaixando-se, ele beija minha clavícula e seu cabelo tem um cheiro fresco e limpo. De alguma forma, ele cheira a frio. Ele cheira a inverno. — Você quer gritar. Você quer me bater. Quer que eu vá embora. Você quer me odiar, — ele diz suavemente. — Mas não pode, Reza, porque você sabe que eu te amo. Você sabe que eu nunca te machucaria. Algumas pessoas o chamam de Rei das Mentiras. Outras dizem que ele seria fisicamente incapaz de dizer a verdade, mesmo que quisesse. Eu sei melhor, no entanto. Jass Beylar é extremamente honesto e, na maioria das vezes, está certo. É isso que o torna tão perigoso. Posso sentir sua afeição por mim, mesmo enquanto sinto as outras emoções conflitantes, sombrias e sinistras dentro dele, competindo por sua atenção. E sei que ele nunca me machucaria. A única coisa que ele valoriza mais do que sua própria vida é a minha. — Você precisa parar com isso, — digo a ele. — Você precisa parar de fazer isso conosco. Estamos nos destruindo. Os olhos de Jass brilham. Ele coloca meu cabelo atrás da minha orelha e, em seguida, passa os dedos pela minha bochecha e desce, ao longo da linha do meu queixo. Eue giram, interconectando-se e divergindo ao longo de muitos quilômetros, protegidas das tempestades de areia persistentes que amortecem a superfície do planeta. Sou uma das poucas que escolheu viver acima do solo, arriscando-me contra os padrões climáticos erráticos e imprevisíveis. Minha casa foi varrida inúmeras vezes, meus pulmões queimam com as partículas quentes do deserto que sobem pelo meu nariz e descem pela garganta toda vez que respiro. Eu prefiro isso a sensação de estar presa e enterrada no labirinto claustrofóbico em que os videntes e combatentes da Commonwealth buscam segurança por séculos, no entanto. E quando me aventuro na sub cidade, sempre deixo as pessoas inquietas e desconfortáveis. Viver longe delas parecia uma gentileza. Darius caminha lentamente pela passagem à minha frente, aparentemente sem se incomodar com o ambiente fechado. Ele nasceu aqui, e sem dúvida morrerá aqui também. A cada poucos metros, uma pequena luz acende no escuro, lançando um círculo fraco de luz branca - o suficiente para navegar, mas não para dissipar as sombras que apodrecem em cada canto. Os videntes não estão acostumados com a luz forte, daí a máscara de malha que usam sempre que vão à superfície. Aqui embaixo, Darius removeu sua máscara, revelando a série de saliências espinhosas que marcam sua testa alta. Ao lado de seus dedos excessivamente longos e seus olhos escuros e fundos , essas cristas são as únicas coisas que o marcam como não- humano. Outros Pirianos têm uma mecha de cabelo prateado, mas desde que o conheço Darius mantém sua cabeça raspada. — Seus aposentos são confortáveis, Reza. Mais perto da superfície do que a maioria. Acredito que haja uma janela que pode ser aberta e fechada quando necessário. Peço-lhe que não tente deixar a sub cidade por meio dela, entretanto. O perigo está se aproximando. Você não estará segura lá fora. Foi visto há muito tempo, antes de perdermos nossas habilidades. Nunca fiz muitas perguntas a Darius. Nunca perguntei como as visões dos videntes sobre o futuro funcionam. Só sei que os vislumbres do futuro que eles normalmente captam são quase sempre cem por cento corretos, com muito pouco espaço para erros. Na verdade, acredito que um vidente só se enganou em algumas ocasiões, e cada vez fui uma das principais causas de inquietação entre seu povo. Descobrir que nenhum deles recebeu qualquer visão desde que caí aqui... bem, é bastante preocupante. Eu levanto minha bolsa mais alto no meu ombro, escondendo meu desconforto. Parece que as paredes estão respirando aqui embaixo, se aproximando. — Eu não vou tentar sair. Se o que você está dizendo é verdade e Jass Beylar está a caminho de Pirius, não quero ficar lá sozinha. — Eu estremeço com o simples pensamento disso. Meu último encontro com o homem me deixou traumatizada por semanas. Meses, até. Eu ainda acordo à noite, suando, cheia de medo, sentindo como se ele estivesse apenas olhando dentro da minha cabeça. Que estava comigo de alguma forma. — Os dias que virão são incertos, — Darius medita calmamente. — A Chanceler Pakka teve muitas visões desta época antes de perdermos completamente a visão, mas há muitos que não confiam em visões que são tão antigas. O Construto vai tentar acabar com todos nós. Você é como uma lente, Reza. Uma lente preta polida que não podemos ver através ou ao redor. Você oculta a linha do tempo de nosso futuro e a protege de nós. — Será que Jass não vem mais para cá, então? Darius faz um som de clique repetitivo no fundo de sua garganta. Esquisito. Sinistro. — Alguém está com ele agora. Enviamos Col para contatá-lo e guiá-lo até aqui, então o encontraremos em nossos próprios termos. Além disso, a chanceler Pakka ainda pode ver Jass. A mera sugestão dele. A vida dele entra e sai das visões, distorcida por suas lentes. É como olhar para águas profundas, criança. Quando a água está calma, o fundo do oceano pode ser visto. A areia. As criaturas que vivem dentro da água. Mas quando a água não está calma, agitada por um redemoinho feroz, a areia turva a água. As profundezas das águas estão perdidas para nós, e nada pode ser percebido em meio à turbulência. Tempos difíceis se aproximando. Tempos muito difíceis, de fato. O poder que explode no universo quando você e Jass Beylar se encontram no mesmo local, ao mesmo tempo, pode ser catastrófico. Para você. Para ele. Uma onda de náusea se agita na boca do meu estômago. Eu me sinto como se estivesse no meio de um sonho horrível, desde que Darius me disse que deveria acompanhá-lo até a sub cidade, e essa sensação só está piorando a cada segundo. — Eu não preciso ser capaz de ler sua mente para saber o que você está pensando, criança, — Darius diz. — Qualquer idiota estaria pensando o mesmo, e você não é idiota. Você está se perguntando por que faríamos nosso homem trazer Jass até aqui, quando poderíamos escolher tentar redirecionar o destino da galáxia. — Ele faz uma pausa, cantarolando baixinho, como se estivesse reconsiderando todo esse curso de ação sozinho. Então ele diz: — Não é nosso dever tentar redirecionar uma pedra depois que ela começou a rolar colina abaixo. Mesmo em situações terríveis como essas. Coisas terríveis só podem resultar disso. E há uma chance... — Ele para. O barulho de suas longas vestes contra o chão de terra preenche o corredor estreito e apertado - apenas o som para conter o silêncio, barrar o martelar e o tamborilar do meu batimento cardíaco enlouquecido batendo em meus próprios ouvidos. Minha pulsação certamente deve estar alta o suficiente para Darius ouvir também. Tento conter o medo que sobe de minhas botas, mas é impossível. — Há uma chance de quê? Ele não responde por um segundo. E então mais um segundo. Então, — Há uma chance, sempre uma chance, de que a onda de poder que surge da estranha conexão entre você e Jass possa ser usada para o bem. Para evitar a devastação que se espalhará por nosso sistema, e todos os outros sistemas, nos próximos cem ciclos. Jass Beylar é uma lua negra pairando sobre o horizonte, Reza. Você é uma lua pálida, pura e prateada. Há uma chance que você eclipsará sua sombra. Há uma chance dele eclipsar sua luz. Precisamos ver qual de vocês subirá. 5 JASS HOJE NÃO Eu uso a corda para me atrair para ela, mão sobre mão, puxando-me cada vez mais perto. Eu não acho que ela me chamaria mais. Não agora que sabe que vou procurá- la. Achei que só o medo a faria se proteger dentro de sua cabeça, trancando-se com força, mesmo em seu sono, mas enquanto eu estava perdendo a consciência, a senti puxando nossa conexão. Eu vou até ela. Como sempre, construo um lugar para nós em minha mente. Eu quero vê-la direito. Eu quero ver a luz do sol em sua pele. Quero ver como o cabelo dela reflete a luz e parece queimar, todo cobre, bronze e ouro. Criar um local claro e iluminado é arriscado; os detalhes nítidos de tudo isso poderiam acordá-la. É um risco que estou disposto a correr, no entanto. Abri os limites da minha mente, formando um céu azul claro e brilhante no alto. Abaixo dos meus pés, um mar de grama macia dançando e se curvando quando uma brisa suave a puxa. À distância, no horizonte, crio a silhueta de uma cidade. Em vez disso, devo dizer que a recrio de memória - altas estruturas de vidro, brilhando como lanças de luz branca ardente; a curva em arco da ponte estendendo-se de um lado de um rio também pinto na cena. O estreito e sinuoso curso de água parece um pedaço de fita prateada, cintilando e tremeluzindo ao receber a luz do sol. Um dia lindo. Um dia calmo e tranquilo. Sento-me na grama, cruzando as pernas, e me concentro na corda. Reza está ali, bem perto, esperando por mim. Concentro-me em atraí-la para mim e ela começa a se materializar na grama. Ela ainda está dormindo, enrolada em uma bola, os joelhos dobrados bem alto contra o corpo. Posso criar paisagens,galáxias e mundos inteiros de memória dentro da minha cabeça, mas não posso criá-la. Já tentei inúmeras vezes e nunca funcionou. Sempre há muitas falhas e inconsistências. Ela nunca é o seu eu perfeito. Permito-me um longo segundo para me maravilhar com ela enquanto dorme, e tento não sentir. Estar perto dela é muito perigoso. Ela extrai de mim as respostas mais imprevisíveis e erráticas de que não posso confiar em mim metade do tempo. Seus cílios parecem carvão borrado, espalhando-se contra as maçãs do rosto salientes e coradas. Seus lábios estão ligeiramente separados, seu peito subindo e descendo uniformemente. Seus dedos se contraem, flexionando e abrindo, como se ela estivesse procurando algo em seus sonhos. Eu já sei o que ela está procurando; está procurando por mim. Eu não estaria aqui de outra forma. Eu coloco minha mão em seu ombro, sacudindo-a suavemente. Parece um crime perturbá-la, mas nosso tempo aqui é limitado; Eu quero aproveitar ao máximo. Seus olhos se abrem e ela olha direto para mim. Eu poderia influenciar seus pensamentos e emoções aqui. Poderia acalmá-la. Eu poderia fazê-la pensar e sentir coisas que nunca consideraria normalmente, mas não faço. Eu quero a versão crua, não adulterada e pura de Reza. Eu quero que suas reações sejam reais. Quero que tudo dela seja real. Ela inala, enrijecendo um pouco quando percebe onde está. E com quem está, é claro. — Bom dia, — digo a ela. Ela balança a cabeça, apoiando-se no cotovelo. Ela franze a testa, seu rosto se contorcendo em uma máscara de confusão. — Eu não deveria estar aqui. — Espere um momento. Pense nisso, — eu digo. Cansei de discutir isso com ela há muito tempo. Eu geralmente permito que suas memórias de nossos encontros passados voltem a ela por alguns minutos antes mesmo de dizer qualquer coisa. Economiza tentar arrancar dela sua preocupação. Reza olha para a grama, seus dedos percorrendo os fios longos e flexíveis, e eu sei do que ela se lembra: todas as vezes que nos encontramos assim e conversamos. Todas as vezes que nos encontramos assim e fodemos. Suas bochechas ficam de um vermelho vivo. Ela pisca algumas vezes, então olha para mim acusadoramente. — Por que você continua tirando essas memórias de mim? Eu arranco um talo da grama, torcendo-o distraidamente em volta do meu dedo. — Eu não as tiro de você. Nunca fiz isso. Você simplesmente nunca se lembra quando acorda. — Eu não acredito em você. Eu dou um nó na folha de grama. — Eu quero que você se lembre disso, — eu digo. — Lá fora, no mundo desperto, você tem medo de mim... — Por uma razão muito boa, — ela sussurra. Eu sorrio torto. — Depende de quem você é. Ela faz uma careta. — Enfim, lá fora você tem medo de mim. Se você se lembrasse do que acontece aqui, não fugiria mais. Você moveria montanhas para me encontrar. Seus olhos se estreitam. — Você tem tanta certeza, — ela diz suavemente. — Você está tão certo. Por que eu usaria qualquer uma dessas reuniões como um exemplo de como você será no mundo desperto? Não corro perigo. Você não pode me machucar aqui. Arqueando uma sobrancelha, jogo o talo de grama no chão. Estou sorrindo, o que geralmente não faz nada para acalmar seu nervosismo. — Posso fazê-la gozar aqui, Reza? Ela desvia o olhar, embaraço óbvio, por todo o rosto. Ela não precisa dizer nada. Ambos sabemos a verdade. — Se eu posso te dar prazer, por que não seria capaz de te causar dor? Se você acha que não posso te machucar aqui, está muito enganada. Seus olhos se arregalam. — Eu pensei... — Ela para de falar, esta nova revelação demorando um pouco para ser absorvida. — O que você vai fazer quando finalmente estiver na minha frente, Jass? — Ela pergunta. — Nós não seremos amigos. Farei tudo e qualquer coisa que puder para evitá-lo a todo custo. Eu encolho um ombro. Deitando na grama, olho para o céu claro, perdendo-me na extensão infinita do azul. — Nós vamos cruzar essa ponte quando chegarmos a ela. Mas não estou preocupado. Este vínculo entre nós não é algo que qualquer um de nós possa pegar ou largar. É indestrutível e não vai a lugar nenhum. Você não vai conseguir me evitar, Reza. Você será atraída por mim pessoalmente, assim como é atraída por mim aqui. Ela sibila baixinho. Quando olho para ela, seu rosto está enterrado em suas mãos e seus ombros estão tensos. Eu me sento, envolvendo meu braço em volta dela, e a puxo para mim. Ela não resiste. Ela desaba em cima de mim, estremecendo, como se estivesse aliviada. Eu me deito e ela descansa a cabeça no meu peito, aninhada na curva do meu braço. Não gosto de como essa posição é reconfortante. É diferente estar dentro dela. Quando estou dentro dela e ela se agarra a mim, desesperada pelo meu toque, somos duas forças opostas colidindo, reivindicando uma a outra. Agora, esse não é o caso. Ela está procurando consolo em mim, goste ou não, e em troca estou lhe oferecendo minha proteção. — Você não deveria ter vindo aqui de uniforme, — diz ela. Eu nem tinha percebido que estava usando o preto e dourado do Construto. Um momento de reflexão e o uniforme some, substituído por uma camisa e calça pretas lisas. — Não vou usar aqui de novo, — digo a ela. O silêncio prevalece por um tempo. Um único pássaro solitário voa de um lado para o outro no céu, e o observo, admirando sua agilidade. Quando vi um pássaro fazer um show como esse? Não consigo me lembrar. É fascinante assistir. O cabelo de Reza faz cócegas no meu pescoço. Eu posso sentir seu cheiro - floral e leve, um perfume bonito que me assombra dia e noite. — Você matou alguém hoje? — Ela sussurra. O pássaro desaparece. Eu fecho meus olhos. A brisa brinca ao nosso redor, soprando seu cabelo em meu jrosto. — Não. Eu não, Reza. Hoje não. 6 JASS POR MUITO POUCO Paciência nunca foi uma virtude que possuí. Eu sou provavelmente a pessoa viva mais impaciente neste momento do tempo, de fato, e que diz algo. Há uma raça de seres em um planeta pequeno e estéril que encontrei uma vez, que não têm qualquer conceito de tempo, e a ideia de esperar por algo lhes causa uma dor física muito real. Eles simplesmente não conseguem compreender isso. Agora, sinto que sou igual aquela raça. O tempo de voo para Pirius está sendo longo e árduo, tornado ainda mais desagradável pelas divagações incessantes do meu copiloto ferido. — Eu realmente gostaria de um pouco de assistência médica, — ele anuncia. — Eu não sou médico. Agora, por favor. Sofra em silêncio. — Não é muito humanitário, não é? — Col diz, rindo fracamente. Seu cabelo escuro está grudado em sua cabeça com suor, e seus lábios estão em um tom horrível de branco. — Você é humano, não é? Eu sorrio. Se ele soubesse. — Por muito pouco. — Disseram-me que sou descendente de alguns dos primeiros colonos que deixaram a Terra há milhares de anos. Eu fiquei órfão quando bebê, então não posso ter certeza. Os Pirianos... — Eu não me importo com sua linhagem, Col. Eu me importo com uma coisa, e apenas uma coisa. Aterrissar em Pirius. Quando estivermos lá, vou encontrar a garota. Vou matar quem estiver no meu caminho. — E depois? — A voz de Col está fraca. Eu não preciso ler sua mente para saber quanta dor ele está sentindo. Seu corpo está tremendo por isso, gritando sua agonia para todos ouvirem, tão alto que penetra minha mente, preenchendo-a por inteiro, tornando irritantemente difícil pensar direito. Deve ser um inferno para ele. Seu balbucio é uma tentativa de se distrair, mas não acho que esteja funcionando. — O que você quer dizer com e depois? — Eu exijo. — Quero dizer, o que você vai fazer quando finalmente estiver em um quarto com Reza? Você está planejando matá-la? Sequestrá-la? Leva-la de volta para o Nexus? Você vai me perdoar por dizer isso, mas não parece que seu retorno seria tão bem-vindo. Então, o que você vai fazer com ela depois de encontrá-la? — Não é da sua conta. — As palavrassaem duras e cortadas. Elas parecem seguras e confiantes, mas a verdade é que ele está fazendo uma pergunta muito boa. Não sei o que diabos vou fazer quando a encontrar. O vínculo entre nós é forte. Ela tem uma energia dentro dela idêntica à energia que carrego dentro de mim. Vale a pena explorar e questioná-la. Eu continuo tentando dizer a mim mesmo que quero encontrá-la por causa disso, mas existem outras razões. No início, os encontros que compartilhamos em minhas paisagens de sonho nada mais eram do que uma maneira de mexer com ela. Não demorou muito para eu ficar fascinado por ela, no entanto. Ela não conseguia se lembrar de muito em seu estado subconsciente. Eu lhe perguntei sobre seu passado sem parar, de onde ela veio, quem conhecia lá, mas ela não conseguia acessar essas memórias. Ela só podia ser ela, naquele momento, e muito rapidamente isso se tornou o suficiente. Ela era bonita. Ela era devastadora. Ela capturou minha atenção da maneira mais fodida e não fui capaz de afastá-la desde então. Col ri. É o tipo de risada provocante que faz os cabelos da minha nuca se arrepiarem. — Você é muito ruim nisso, — diz ele. — Posso ver escrito em todo o seu rosto. Você não tem noção. Ele é tão irritante. Eu me inclino para trás em minha cadeira e fecho meus olhos. Eu quero matar esse homem. Eu quero, mas não posso. Ele é um meio para um fim, um bilhete de entrada para um cenário ao qual não terei acesso de outra forma. Senti a intenção dos videntes muito claramente quando rasguei a mente de Col: a fileira de videntes que terei no meu caminho para encontrar a garota, cada um só em posse de um fragmento da informação que necessito para encontrá-la. Uma corrente. E se um deles tiver sua mente tomada contra sua vontade, ou descobrir que Col Pakka está morto, eles se matam, rompendo a corrente. Muito inteligente. Muito inteligente para seu próprio bem. Vou fazer com que eles paguem por me incomodar. Mas... quando chegar a hora certa, e não antes. — Eu não estou usando isso contra você, — Col continua. — Não te culpo por estar confuso. Estou confuso desde que me disseram que deveria me entregar ao Construto. Foi preciso muita fé do meu lado quando me contaram o que iria acontecer. Apesar de tudo, permito que suas palavras me intriguem. — Por que você se forçou a acreditar no que eles estavam lhe dizendo, então? Se sabia a dor e o sofrimento cairiam aos seus pés? Col apenas encolhe os ombros. O movimento lhe causa dor; ele tenta esconder, mas posso sentir o gosto na ponta da língua - acobreado e brilhante, como o sangue que ele ainda está derramando no banco traseiro que corre ao longo da pequena área de carga do raptor. A nave está voando sozinha neste ponto. Não sou necessário na cadeira do piloto, mas estou relutante em ir lá para trás e sentar com ele. Ele pode interpretar isso como um sinal de que quero conversar ou algo assim. Não posso deixar de girar em meu assento quando lhe faço minha pergunta, no entanto. Col fecha os olhos, colocando as mãos nas costelas. Ele expira lentamente e depois sorri. — É simples. Amo meu povo, Beylar. Eu os amo mais do que a própria vida. Se um pouco de dor e sofrimento pode ajudá-los a sobreviver ao que quer que esteja por vir, então de boa vontade assumirei. Um sentimento tão tolo. Eu conheço cada tipo de forma de vida nesta galáxia. Eu interroguei cada um deles em Arquimedes, e todos eles racharam. Todos desistiram de seus amigos e entes queridos quando enfrentaram a ponta de uma lâmina perversamente afiada. Nenhum daqueles idiotas da Comunidade faria o mesmo por ele, e ainda assim ele está aqui, ossos quebrados, sangue jorrando livremente, torturado pela dor, atormentado por eles. Tão cego pra caralho. Eu giro de volta na minha cadeira a tempo do alarme de proximidade começar a tocar. Um planeta está próximo, e não qualquer planeta. Col colocou as coordenadas de Pirius no centro de navegação do Raptor há cinco horas. Desde então, estivemos nos apressando para chegar lá, e finalmente parece que chegamos. — A descida pela atmosfera será difícil, — avisa Col. — Você pode querer ir devagar. Com essa brecha no casco... — Eu sei o que estou fazendo, combatente. — Já estou avaliando o planeta, procurando a melhor trajetória de abordagem. Não disse nada a Col, mas a ruptura no casco é na verdade muito pior do que eu pensava. Um rasgo claro de 30 centímetros ao longo da parte inferior da nave, se acreditar nos scanners externos, e eles são de última geração, então não tenho motivo para duvidar deles. Um planeta com quase nenhuma atmosfera nos daria um passeio acidentado neste estágio. Um planeta com uma atmosfera tão densa e turbulenta quanto a de Pirius? Bem, vamos apenas dizer que teremos sorte se conseguirmos descer sem o raptor se partir em dois. Eu inclino o nariz da nave para que fique pronta para uma abordagem superficial e diminuo os motores para uma terceira potência. Assim que atingirmos a atmosfera externa, desligarei os motores por completo e diminuirei a velocidade, se possível. Esse tipo de pouso exigirá extrema concentração e um alto nível de habilidade. Felizmente, possuo os dois. — Não que eu me importe particularmente com o seu bem-estar, — anuncio por cima do ombro, — mas você pode querer se preparar para isso. — Seria muito lamentável eu ter conseguido segurar minha mão e manter o homem vivo, apenas para vê-lo morrer durante o pouso. Col resmunga enquanto volta para o banco do passageiro ao meu lado, seu rosto um rito de desconforto enquanto prende o cinto de segurança ao redor de seu corpo. — Você não vai se amarrar também? — Ele pergunta. Minha resposta é simples. — Não. Como esperado, o raptor treme ao atingir a atmosfera externa do planeta. Eu permito que a nave afunde um pouco mais, esperando para ver o quanto os escudos térmicos aquecem antes de desligar os motores. Apenas dez segundos e os sensores do raptor estão gritando, alarmes soando em todos os sistemas de bordo . Suporte de vida: 54%. Defletores de calor: 33%. Relé de potência: 16%. Comunicações: Caindo. Células de refrigeração: 12% e caindo rapidamente. — Merda, — Col sibila, tomando as leituras. — Estamos fodidos. Por que diabos você está tentando pousar essa coisa? Vai explodir antes mesmo de rompermos a camada de nuvem. É verdade que a camada de nuvens do planeta é mais baixa do que a maioria. Mais espessa que a maioria. O planeta inteiro parece uma massa branca rodopiante de nosso ponto de vista no limite de sua atração gravitacional. Já tive que fazer isso antes, no entanto. Col não levou em consideração o fato de que eu mesmo posso adicionar um pouco de proteção aos escudos do raptor quando chegar a hora. Eu resmungo enquanto coloco as duas mãos nos controles da nave, lutando para nos manter em nossa trajetória de vôo. A atração gravitacional de Pirius é mais leve do que estou acostumado. Regis faz seus homens treinarem com o dobro da gravidade padrão para torná-los mais fortes e resistentes, mas mesmo com essa vantagem adicional, está sendo difícil manter a nave sob controle. Eu verifico os scanners do casco, e a causa para a quantidade insana de arrasto que estamos experimentando é imediatamente óbvia: a fenda de um pé de comprimento no casco tem agora um metro de comprimento e aumenta a cada segundo. Droga. — Assuma os controles, — ordeno, apertando o botão de liberação para que um painel secundário apareça na frente do Col. — Isso vai precisar de nós dois. Col parece estranhamente aliviado. Ele não reclama sobre seu corpo quebrado enquanto alinha seu painel para combinar com o meu. Ele se move com a autoridade e o comando de alguém que já voou antes e bem. Nós dois trabalhamos furiosamente para controlar a abordagem errática do raptor em direção à superfície de Pirius. O nível de ruído dentro da nave é ensurdecedor. Muitos alarmese buzinas, todos soando ao mesmo tempo. Eu estendo minha mão sobre o painel de controle, e imagino o fluxo de energia indo para todos os alarmes. Eu imagino isso, até que o fluxo seja uma coisa viva e vívida dentro da minha mente. Eu o corto. Os alarmes param de soar, até o último, e Col me lança um olhar nervoso pelo canto do olho. Sem palavras, no entanto. Sem tempo. O planeta está ficando cada vez maior fora da janela de visualização à frente, e não parece que estamos diminuindo a velocidade. Uma pequena língua de fogo lambe o nariz do raptor e percebo que estamos lutando uma batalha perdida. — Trinta mil pés para o impacto, — a voz fria e calma do sistema de navegação da nave nos informa. — Vinte e cinco mil pés. Nós atingimos a camada de nuvens, e Col amaldiçoa em voz alta. — Se não reduzirmos nossa velocidade, vamos nos chocar contra as dunas e nos enterrar cerca de trinta metros. Ninguém nunca vai nos encontrar. Não importa, porque estaremos mortos, mas ainda... — Vinte mil pés para o impacto. Eu corto o sistema de navegação com um movimento da minha mão. Ok, agora é a hora de agir. Antes do que eu esperava, mas Col está certo. Se eu não fizer algo agora, será tarde demais. Fecho minha mente em todo o perímetro do raptor, permitindo sentir o dano, investigar e testar o rasgo. É ruim. Muito ruim pra caralho. Não posso pressionar as bordas denteadas de metal de volta, porque um pedaço sólido dele está faltando. Sento-me na cadeira, liberando os controles. — Que diabos está fazendo? Jass! Eu não consigo segurar isso sozinho! O pânico de Col enche minha cabeça, mas o afasto. Não tenho espaço para isso agora. Eu preciso me concentrar. Eu preciso me concentrar... Eu imagino minha mente como um punho, fechando em torno do raptor. Apertando com força, capturando a nave em seu alcance. Então me imagino puxando a nave de volta, forçando-a, puxando com todas as minhas forças. O raptor estremece, mas continua em seu caminho, rasgando espessas camadas de nuvens. Eu cerro meu punho mental ainda mais forte, puxando com mais força. Isso é mais difícil do que eu esperava. Em vez de diminuir a velocidade, a velocidade da nave aumenta, forçando meu domínio. — Beylar! Estamos quebrando através da nuvem. Estamos quebrando! Eu isolo Col. Inalando uma última respiração profunda, imagino minhas duas mãos se fechando em torno do raptor, agarrando-o, puxando-o para cima, forçando-o a obedecer. Eu o imagino se dobrando à minha vontade com cada fragmento de poder que possuo. Passamos a camada de nuvens e, a apenas três ou quatro mil pés abaixo, o solo se eleva para nos encontrar. Areia. Muita areia. — BEYLAR! Eu puxo a nave para trás com todas as minhas forças, e o raptor finalmente obedece, levantando um pouco. Ainda estamos nos arremessando em direção ao planeta, mas nossa velocidade é reduzida pela metade por meus esforços. Mais próximo. Mais próximo. Mais próximo. Não tenho ideia se será o suficiente. Eu não tenho ide... 7 REZA SUB CIDADE Eu sinto o impacto no momento em que acontece. O chão não treme. Nenhum alarme dispara. Estou deitada na minha cama dentro do meu quarto quando uma onda de medo me atinge, tirando o ar dos meus pulmões. Jass Beylar está aqui. Não perto. Mas em algum lugar do planeta. Tenho que lutar contra a necessidade extraordinária dentro de mim de pular pela janela, como prometi há poucas horas que não faria. Em vez disso, me inclino para o lado da minha cama e vomito. Nunca conheci tal sentimento de pavor e apreensão antes. Não como esse que se enrosca dentro de mim agora como um poço de cobras. Há uma batida educada na minha porta, e então uma batida um pouco mais urgente e apressada quando não respondo. — Sim. Entre, — eu suspiro, cuspindo no chão. Um jovem vidente entra, talvez com não mais de quatorze ciclos de idade, sua cabeça raspada e as mangas perdidas de seu manto marcando-o como um aprendiz, ainda não completamente em posse de sua visão. Ele inclina a cabeça em deferência. — Você foi convocada, — diz ele suavemente, evitando fazer contato visual comigo. — O conselho deseja falar com você sobre um assunto de grande importância. — Sim eu sei. Ele está aqui, não está? Jass? — Se as tempestades em Pirius não fossem tão fortes, a sub cidade estaria viva com a tecnologia. Do jeito que está, poucos aparelhos eletrônicos funcionam adequadamente sob o solo devido à interferência das rajadas de areia persistentes e sufocantes. Pirius tem sistemas de radar avançados que podem cortar essa interferência, no entanto. Eles devem ter visto a nave de Jass entrar na atmosfera do planeta. Eles sabem que ele chegou tão bem quanto eu. O jovem aprendiz pisca para o chão, balançando a cabeça. — Essa foi a única mensagem que me disseram para lhe dar, — diz ele. — Me desculpe, eu não posso... — Ele estremece enquanto tenta olhar para mim. Falha. Olha de volta para seus pés. — Sua presença aqui é muito estranha, — ele me diz, quase como se estivesse contando um segredo contra sua vontade. — Não consigo... Não consigo olhar para você de frente. — Está tudo bem. Eu sinto muito. — Parece uma oferta sem valor, mas é tudo o que tenho a dizer. Outros videntes, mais experientes, sempre têm aquela tensão na boca quando estão na minha presença. Por um longo tempo achei que fosse simples desagrado; Não considerei que houvesse uma chance de deixá-los fisicamente desconfortáveis até que Darius me explicou. Levanto-me já totalmente vestida, deslizando os pés nas botas, e sigo o jovem aprendiz, cujos ombros se contraem imperceptivelmente a cada poucos passos que dá. Há marcas antigas de cinzel nas paredes aqui, com milênios de idade, feitas por videntes do passado que cavaram este túnel específico à mão. A maioria dos túneis são formações naturais na rocha, tubos de lava vulcânica de quando Pirius era jovem e ainda se formando. Darius me disse uma vez que esse povo costumava viver em cidades e vilas na superfície do planeta, mas muitas gerações atrás os videntes tiveram visões de uma terrível catástrofe que levaria seu mundo à escuridão e à destruição. Eles prepararam a realocação no sub solo, e conseguiram concluir a construção de sua casa subterrânea apenas quatro meses antes de um enorme asteroide atingir o planeta causando uma tempestade de areia de setenta e oito anos que apagou os sóis e impossibilitou completamente os voos ou a viagens espaciais. O aprendiz caminha à minha frente, seguindo apenas para a esquerda por um longo tempo. Por fim, ele finalmente vira à direita, levando-me a um espaço grande e cavernoso com o que parece um teto abobadado de vidro. O vidro está claro quando entramos, mas então um manto de escuridão se espalha por ele, faíscas de luz branca perfurando o preto - incontáveis sistemas estelares e galáxias além da nossa, algumas piscando em vermelho, enquanto outras cintilam em um azul etéreo pálido. Este deve ser o único lugar em toda a sub cidade que abriga qualquer forma de tecnologia real. No piso da caverna, várias mesas e cadeiras foram dispostas ao redor de um deck de observação central, onde três videntes estão juntos, rostos erguidos para o teto, olhando para o grande mapa estelar acima. Darius não está em lugar nenhum. Uma mulher sai das sombras do outro lado da sala: Chanceler Pakka. Seu cabelo branco está fortemente trançado e seu nariz é alto e estreito demais para uma vidente. Ela gesticula, e o aprendiz vai direto até ela. Uma brisa fresca assobia pelo túnel atrás de mim, batendo nas minhas costas. Na superfície de Pirius, os sóis binários estarão assando as dunas de areia do deserto, transformando a areia em vidro em algumas regiões. Aqui embaixo, quilômetros abaixo do solo, as temperaturas são bem opostas. Eu tremo ao cruzar o piso da caverna, serpenteando por entre as cadeiras desocupadas em direção a Erika. Ela inclinaa cabeça quando chego, dispensando o menino aprendiz, que foge e desaparece, correndo de volta por onde viemos, com os ombros encurvados em torno das orelhas. — Por favor, aceite minhas desculpas, Reza, — diz Erika, em sua voz rouca e rica. — Van To é considerado um adulto agora, mas ainda é muito inexperiente. Ele ainda precisa construir seus escudos mentais ou aprender como se proteger de influências externas prejudiciais. Para alguns de nós, você queima nossas mentes. Outros relataram que sua presença causa considerável dor nos nervos. Então, outros... — Ela inclina a cabeça para o lado, sorrindo levemente. — Em casos raros, outros relataram uma sensação de prazer incontrolável que percorre sua pele. Muito parecido com a carícia de um amante. Eles são intoxicados por você, apenas para se descobrirem instantaneamente sóbrios no momento em que se afastam. O pobre Van To está cego por você em mais de um aspecto. Ele diz que você brilha muito para ele. Muito brilhante para olhar. Você causa uma perda de controle profunda e angustiante nele. Ele acha difícil se concentrar em suas tarefas. Eu deveria ter enviado outra pessoa para trazê-la aqui, mas achei que isso poderia fazer bem a ele. Desensibilizando-o para você. Com o tempo, ele ficará mais forte. Você só precisa se acostumar um pouco. Estranho. Perturbador. Eu cruzo meus braços em volta do meu corpo, me segurando, sem ter certeza do que fazer. Erika apenas dá um sorriso formal, estendendo a mão. — É bom vê-la de novo, Reza. O outro chanceler estará aqui em breve para nosso encontro. Espero que você saiba por que foi convocada? A onda de choque de medo que me atingiu há apenas vinte minutos ressoa dentro de mim novamente. — Sim. Eu sei. Ele… Jass Beylar chegou ao planeta. Você enviou seu próprio filho para trazê-lo até aqui? Eu não sabia que Col estava realizando missões individuais para a Comunidade. — Desde que conheço Col, ele sempre quis ser piloto. Uma missão individual para ele seria um empreendimento gigantesco. Erika balança a cabeça lentamente, enfiando as mãos nos enormes bolsos do robe. — Eu sei. Eu não tinha certeza se era a melhor jogada, mas... vi muitas coisas que ainda estão para acontecer, e essa foi uma delas. Agi como uma demonstração de fé para outros Pirianos. Acredito que todas as visões que tive sete ciclos atrás acontecerão. E que melhor forma de demonstrar isso do que oferecer como prova a segurança de quem me é mais querido? Eles levarão algum tempo para chegar até nós, mas os preparativos devem ser feitos. Precisamos ter certeza de que estamos prontos quando Col e Beylar chegarem. — E o que eu posso fazer para ajudar? — Já lhes contei tudo que me lembro sobre meus encontros com Jass. Tudo o que experimentei dele pessoalmente e tudo o que sei dele por intermédio de outras pessoas. Contei todas as histórias e boatos que conheço. Os olhos de Erika estão ligeiramente turvos. Uma tênue tonalidade branca leitosa repousa sobre suas íris - um sinal de que ela passou muito pouco ou nenhum tempo fora da superfície do planeta. Apenas os videntes mais ricos e altamente estimados são honrados o suficiente para permanecerem escondidos por toda a vida. Os sóis ardentes afetam, ou costumam afetar suas visões. Quanto mais tempo se passa na superfície do planeta, menos frequentes e intensas são as visões. Os olhos de Erika patinam sobre mim e tudo ao meu redor como se mal percebessem o que está diante dela e, em vez disso, ela está em um estado de transe constante, vendo um plano de realidade totalmente diferente. — Não é sempre que temos visões conflitantes do futuro, Reza. Antes que minha visão desaparecesse, vi o povo de Pirian sendo atacado. Eu vi grandes naves caindo do céu. Naves do Construto. Vi uma lua negra flutuando no espaço. Eu vi fogo, dor e morte. Tanta morte. Mas então, também vi você aqui, Reza. E… eu vi Jass Beylar também. Ele estava nos ajudando. Eu o vi nos ajudar a derrotar o Construto. — Ela para de falar, seus olhos ficando ainda mais nublados. Suas sobrancelhas finas e quase imperceptíveis se juntam, formando uma linha minúscula entre elas. — Foi- me mostrado dois futuros potenciais. Onde todos nós sofremos e morremos. E aquele em que a pessoa mais improvável da galáxia vem em nosso auxílio e nos protege. Algumas visões surgem sem qualquer ajuda, — diz ela. — Em circunstâncias como essas, um pouco de interferência é necessária, no entanto. Uma mão amiga, se você quiser. Estamos cientes do interesse de Jass por você, Reza. Se ele vier aqui, há uma chance, uma mínima chance de você ser capaz de convencê-lo a trabalhar conosco. Oh deuses. Não tem como Erika perceber o que está me pedindo. Ela não pode entender Jass de jeito nenhum. Ele nunca vai deixar sua posição de poder no Construto para lutar pelos Pirians. Ela pode muito bem me pedir para impedir que o planeta gire. Ela poderia muito bem ter me pedido para impedir que os sóis o nasçam. Não importa quem defende este caso a Jass. Ele não vai ouvir. Sou salva de ter que destruir os sonhos de Erika quando Darius e outro vidente que não conheço chegam na caverna, conversando apressadamente entre si. Os olhos de Erika estão repentinamente aguçados. Focados. Sua cabeça gira, seu olhar travando nos dois homens. — Darius. Chanceler Gain. Obrigado por concordar em se reunir aqui no meu setor em vez das câmaras do conselho. Receio que minha condição esteja piorando rapidamente. A caminhada teria me causado problemas consideráveis. Eu examino a mulher parada ao meu lado da cabeça aos pés. Não parece haver nada de errado com ela pela minha avaliação, mas Darius e Gain baixam a cabeça, uma preocupação muito real em seus rostos. — Claro, — Gain diz, sua voz grave. — O que você precisar, Erika. Informe-nos se precisar de ajuda nos próximos dias. Darius chega ao ponto de colocar a mão no ombro da mulher alta. Um gesto incomum para esta raça muito reservada e estoica. — Já mandei recado para o segundo setor. As pessoas começarão a chegar aqui em breve. Erika sorri, balançando a cabeça lentamente. — Tenho certeza que a reunião será esplêndida. Só estou triste por não poder ir pessoalmente. — Ela se vira para mim, estendendo a mão, gesticulando para que eu a siga. — Agora que as cortesias acabaram, devemos nos apressar. Relatórios dos desertos externos afirmam que uma nave Construto pousou lá menos de uma hora atrás. Homens no solo pediram permissão para se aproximar da nave... — Isso não deve acontecer, — intervém Gain. — Eles precisam saber que temos um plano em prática. É fundamental que Col e Jass Beylar abram seu próprio caminho até aqui, através dos canais que foram arranjados. Foi visto. Erika levanta a mão enquanto nos leva até uma tela de exibição. Tocando na tela para ativá-la, ela dá a Gain um olhar de soslaio reconfortante. — Não se preocupe, amigo. A linha do tempo está definida. Tudo ocorrerá como deveria. Nesse caso, pelo menos, não há nada a temer. — E uma vez que o tenha? — Eu hesito. — Uma vez que Jass Beylar chegar aqui na sub cidade, o que acontece então? Todos os três videntes se voltam para mim. Eles permanecem em silêncio por muito tempo. Eventualmente Darius fala, e suas palavras não fazem nada para me confortar. — Você terá que estar pronta para enfrentá-lo, então, Reza. Você terá que ser aquela que o enfrentará, e para isso... há coisas que você deve aprender. Minhas veias de repente estão cheias de gelo. — Aprender? E o que você quer dizer com enfrentá-lo? Os olhos estranhos de Darius não piscam. São vazios escuros que sussurram eternidade. — Existem exercícios de treinamento que podemos mostrar para ajudar a fortalecer sua mente e seu corpo, Reza. Certas técnicas geralmente não compartilhamos com estranhos. O menino pode controlar os outros com sua mente. Ele pode mergulhar profundamente dentro de umhomem e arrancar seus segredos mais terríveis. Nós, videntes, já fomos fortes, mas ele está além de nós agora. Não seremos capazes de restringi-lo ou resistir a ele. Você, por outro lado... você já nos contou várias vezes que o menino não podia te afetar. Ele não conseguiu ler sua mente e não pode forçá-la a se curvar à vontade dele. Isso a torna única em todo o universo. Isso faz de você nossa única esperança. 8 JASS AREIA Dor. Dor por toda parte. Um zumbido, agudo e irritante. Um tambor alto latejando dentro da minha cabeça. Mãos no meu corpo. Mãos, me virando. Sacudindo-me rudemente pelos ombros. — Jass! Quando foi a última vez que alguém me chamou por esse nome? Quando foi a última vez que o ouvi nos lábios de alguém? Por um segundo, estou atordoado, lutando para lembrar. Abro os olhos, semicerrando-os pela facada de dor que corta minha cabeça, fazendo-me proteger o rosto com a mão. Tão brilhante. Muito brilhante. Tento respirar e de repente estou me contorcendo de agonia, um torno impossivelmente forte apertando minha caixa torácica. — Huh. Parece que você também ganhou algumas costelas machucadas. Que irônico. Você consegue se levantar? — Demoro muito para lembrar quem está falando comigo. A voz é vagamente familiar. E então me lembro: o combatente da Commonwealth. Saindo do Nexus. O campo de asteroides. Batendo em Pirius. A garota. Meus olhos se adaptam lentamente aos sóis ardentes acima. Dois deles. Eu não tinha percebido que era um sistema binário ao me aproximar do planeta. Eu não estava prestando atenção. Estava muito ocupado pensando nela . O que farei quando colocar minhas mãos sobre ela. Para onde vou levá-la. O que realmente quero dela. Tudo o que sei é que uma força inegável me atrai para ela. Tentar ignorar a atração seria tão impossível quanto tentar negar oxigênio aos meus pulmões. Com o tornozelo afundado na areia, o pó branco fino derramando sobre os topos e enchendo suas botas, Col Pakka está de pé sobre mim, o rosto respingado de sangue, um sorriso de comedor de merda se espalhando pelo rosto. — Sabe, você poderia cortar o cabelo, — ele comenta, limpando a garganta. — Honestamente, não achei que você teria cabelo. Esperava que você parecesse um rostick albino. Não havia rosticks no Nexus. Eu sei o que eles são - criaturas do tipo roedor rosados e enrugados com pequenas protuberâncias amarelas nos dentes. Em outras naves e postos avançados com equipes de limpeza menos diligentes, as criaturas mastigam milhares de metros de fiação todos os anos, causando um pandemônio onde quer que possam, demolindo estoques de ração e procriando como... bem, rosticks. Eu franzo o cenho para Col, levantando. Agora que estou totalmente consciente e minhas faculdades voltaram para mim, certifico-me de não exibir minha dor enquanto fico de pé. É uma demonstração de fraqueza. Um sinal de vulnerabilidade. Não quero anunciar o fato de que estou machucado a um homem que considero meu inimigo. — Por que você não me matou? Por que não acabou com isso quando teve a chance? Você ficou apenas... parado aí. Col ri, curvando-se lentamente para pegar a mochila que está a seus pés. — Eu poderia, — ele reflete. — Poderia facilmente ter enterrado sua cabeça na areia e deixa-lo sufocar. Os videntes me disseram especificamente para mantê-lo vivo, no entanto. Eles ficariam muito chateados se eu voltasse sem você, e não adianta tentar mentir para esses caras. Eles são muito talentosos em detectar uma mentira. Eu rosno baixinho, girando, procurando por minha própria mochila. A frustração me atinge como uma onda quando percebo o quão danificado está o raptor. Está em pedaços. Pedaços literalmente, espalhados pelo deserto, metal retorcido empalado na areia. Os pedaços se projetam do solo em ângulos estranhos, espalhando uma profunda cicatriz de impacto que se estende por uma milha ao norte daqui até a duna em que estou. Uma espessa coluna de fumaça negra e acre sobe do maior e mais distante pedaço de entulho, obviamente o motor explodiu assim que a nave atingiu a terra firme. Se não fosse pelos escudos de colisão de emergência da cabine, Col e eu certamente estaríamos mortos. Meu estômago embrulha ainda mais quando olho para cima e vejo além da bagunça que já foi minha nave. Uma parede laranja, marrom, amarela e preta agita-se no horizonte. Tanta areia girando e batendo em si mesma como uma onda quebrando no topo de uma parede de ainda mais areia e terra tão alta que quase bloqueia um dos sóis. E está se dirigindo diretamente para nós a uma velocidade surpreendente. — Sim, — diz Col. — Eu te deixei dormir um pouco, mas quando aquela coisa começou a chegar um pouco perto demais para o conforto, achei que seria melhor te acordar e dar o fora daqui. — Eu preciso encontrar minha mochila. — Eu examino o campo de destroços, procurando por qualquer coisa que se assemelhe vagamente à parte traseira do Raptor, onde guardei minha mochila militar. No entanto, é impossível discernir uma parte da outra. Absolutamente impossível. — Não há tempo para isso, chefe. — Col cospe na areia, inclinando o peso do corpo com a expressão de alguém muito acostumado a pisar em solo instável. Ele aponta para a enorme massa giratória que vem em nossa direção, balançando a cabeça. — Eu vi algumas tempestades no meu tempo, mas essa grande bastarda é um disjuntor de negócios. Precisamos encontrar um lugar para esperar. Debaixo da terra. E neste momento. Pode parecer que está se movendo devagar, mas não está. Temos trinta minutos para encontrar abrigo e isso é exagero. — Eu não dou a mínima se a tempestade te engolir e te devorar vivo. Não vou a lugar nenhum sem essa mochila, Col Pakka. — Eu desço pelo outro lado da duna, indo na direção da tempestade. Posso sentir a areia já tentando me reivindicar, em meu cabelo, arranhando minha pele, mastigando com meus dentes como um grão de areia. Col me agarra pelo braço, rosnando baixinho. — Você acha que algumas mudas de roupa vão ser úteis para você aqui? Vamos, Jass. Encontraremos algo para você vestir assim que estivermos em segurança dentro da sub cidade. Até lá, tenho certeza que você vai sobreviver. Eu liberto meu braço, prendendo-o sob um olhar abertamente hostil. Como se eu me importasse com as roupas limpas que embalei para mim. Como se me importasse com as rações ou com a água. Só há uma coisa naquela mochila que me interessa, e não é algo que poderei encontrar aqui neste planeta esquecido por Deus. Os frascos de Luz que guardei no fundo da mochila podem nem ter sobrevivido ao acidente, mas preciso procurá-los. Eu tenho que ter certeza. Tenho me afastado da dose, ciclo após ciclo, tentando controlá-la e, na maior parte do tempo, tenho tido sucesso. Apesar de meus esforços, ainda sou um viciado. Ainda não posso sobreviver para sempre sem essas coisas. Para ser honesto comigo mesmo, sei que em três dias estarei tentando arrancar a pele do meu próprio corpo e suando como se estivesse sendo assado em uma fornalha. Isso não será bonito. Eu continuo descendo a duna de areia. — Jass! Você está louco! — Col grita atrás de mim. Talvez eu esteja. Mas este combatente, com seu senso de humor horrivelmente inadequado e aparente falta de medo ou bom senso, não gostará do homem que me tornarei sem minha dose de luz. Parecerei um piquenique agora, em comparação. Não posso explicar isso para ele. Se lhe disser que preciso da mochila por causa da Luz que está guardada nela, estarei admitindo outra fraqueza. Eu não posso ter nenhuma fenda na minha armadura. Ele pegará as informações e as usará contra mim. Ele vai contar a esses videntes de quem vive falando. Ele vai contar a ela. A areia se desloca e desliza sob minhas botas enquanto subo pela lateral de outra duna. Eu uso minhas mãos para escalar, mas não parece ajudar. Faço um progresso muito lentoe cansativo, e a dor em minha caixa torácica piora a cada segundo. Quase alcanço o topo da duna quando meu calcanhar trava em alguma coisa e estou caindo de novo, lutando, lutando para tentar me impedir de escorregar até o fundo da duna. Não tão bem, no entanto. Acabo rolando, caindo, a capa preta do Construto que tem feito parte do meu uniforme por tantos ciclos enrolada firmemente em volta do meu corpo, bloqueando a luz. No sopé da duna, luto para sair da capa, apenas para encontrar Col Pakka preso à ponta do meu pé, com a mão em volta do meu tornozelo. Então eu não tropecei. Fui puxado para baixo. Meu temperamento aumenta. É uma maravilha que eu tenha sido capaz de controlá-lo até agora, mas agora a fúria queima minha visão, tornando tudo vermelho, distorcendo os sóis e as dunas que nos cercam. — Você está me tocando, — eu assobio. — Você claramente não valoriza sua vida. Col rola de costas, ofegante, olhando diretamente para o céu acima. — Eu sei. Louco, certo? Normalmente não sou de confronto. Estou tão surpreso quanto você. Eu sou um piloto, sabe? Normalmente não recebo funções como esta. E com certeza nunca fui enviado a algum lugar sozinho. Eu entendo que isso pode... Eu cerro meu punho, enrolando meus dedos em minha palma, um de cada vez, concentrando minha atenção no peito de Col. Flexiono minha mente, imaginando as fraturas em suas costelas. Três delas. Posso sentir cada uma claramente. Eu flexiono um pouco mais, e então há quatro intervalos. Col solta um grito agonizante, dobrando-se, agarrando-se ao seu lado, sua declaração divagante cortada enquanto ofega, os olhos arregalados de surpresa. — Não me toque. Não tente me impedir. — Eu me levanto e começo a subir novamente. Eu atravesso a primeira duna e depois a segunda. A terceira é alta e íngreme e levo dez minutos inteiros para subir, enquanto a parede da tempestade está a apenas alguns minutos de distância. Estou no topo da duna, minha capa balançando loucamente atrás de mim com os ventos crescentes, meu cabelo voando ao redor do meu rosto. Eu me viro para olhar para trás: Col está bem onde o deixei, deitado na areia. Minha visão é excelente, mas não posso dizer se seus olhos estão abertos ou não. Ele pode ter desmaiado com o novo ataque de dor em que o deixei, ou pode ainda estar acordado, apenas recuperando o fôlego. Seja como for, ele mereceu por interferir. Eu me viro para enfrentar a tempestade e calculo quanto tempo vou levar para revistar cada pedaço quebrado do raptor. Mais do que antes da tempestade chegar, isso é certo. Col estava certo sobre isso. Entretanto. Vai ficar tudo bem. Eu empurro para frente, respirando com dificuldade enquanto enfrento outra duna, e depois outra. As primeiras seções do raptor que escolho não são nada mais do que pedaços de metal tortos e deformados. Alcanço o casco principal do Raptor assim que a parede da tempestade chega, envolvendo o mundo em uma escuridão repentina. Agindo rapidamente, crio um campo ao meu redor, empurrando para trás as partículas de areia, de modo que elas atinjam uma parede invisível a alguns centímetros do meu corpo. Ocasionalmente, uma ou duas partículas rompe o escudo, atingindo minha pele, queimando, mas na maior parte do tempo estou seguro. Cato e chuto os restos do raptor, derrubando cegamente assentos rasgados e cintos de segurança, caixas de armazenamento e pedaços de painéis eletrônicos, antes que algo me force a parar no meio do caminho. Quão profunda é essa tempestade? Por quanto tempo vai durar? Col parecia achar que precisaríamos nos esconder e esperar muito tempo para que passasse. E ele está deitado lá, de costas, consumido pela tempestade e pela areia agora, incapaz de se mover, incapaz de respirar... Eu deveria muito bem deixá-lo lá. Deveria simplesmente me livrar dele de uma vez por todas. Mas se eu não fizer nada e o homem morrer... Carrancudo, lanço uma sonda mental, em busca de Col. As dunas eram irritantes e difíceis de escalar, mas a distância que realmente viajei foi mínima. Ele não deve estar muito longe. Eu deveria facilmente ser capaz de localizá-lo e colocar o mesmo tipo de escudo em volta do corpo dele que coloquei ao redor do meu enquanto continuo procurando pela mochila. Não vai me custar nada em termos de energia. Isso deveria ser... Eu paro de avançar em meio à tempestade. Inclino meus ombros, inclinando minha cabeça para um lado, analisando meus sentidos. Encontrei Col, mas ele não está mais onde o deixei. E há mais alguém com ele. Alguém... estranho. Um desconhecido para mim - um tipo de criatura que nunca experimentei antes, o que é estranho, considerando que os Construtos se ocuparam de erradicar, avaliar (e escravizar) todas as formas de vida ao seu alcance. Esta entidade, seja o que for, é inteligente. Posso sentir a borda afiada de sua mente, estendendo a mão, explorando e procurando da mesma forma que eu. Eu sinto sua consciência passar por mim, quase tão tangível quanto um toque físico. Eu me afasto, dando um passo para trás, como se pudesse sair do seu alcance. Como diabos ele está fazendo isso? Como diabos pode fazer isso? Nenhuma espécie é capaz de utilizar sua mente como uma ferramenta da mesma maneira que eu. Nenhum deles pode, pura e simplesmente. Eu saberia. Eu os teria encontrado... Eu me viro e prossigo em direção ao local do acidente, mais focado do que nunca em encontrar a Luz. Fico mais forte do que o normal quando a administro. Minhas reações são extremas. Posso isolar minha mente, o mais importante, fechar minha consciência em uma torre firmemente trancada dentro da minha cabeça, sem nem mesmo tentar, impedindo que qualquer coisa ou qualquer pessoa passe. Foi a paranoia que me levou a aprender como me proteger dessa forma, em vez da experiência, mas agora estou feliz em saber que posso excluir esse intruso. Eu preciso encontrar a luz. Preciso encontrar agora. Eu empurro para frente, na esperança de encontrar o resto do raptor, mas a tempestade está forte agora que é quase impossível distinguir de baixo para cima, muito menos do norte do sul. O vento uiva, e junto com ele vem o som solitário de algum tipo de criatura, gritando com a tempestade. Meus ouvidos disparam. Meus olhos ardem além da compreensão. Não consigo encontrar o resto do raptor. Eu deveria ser capaz de alcançar minha mente e localizá-lo, mas até meus poderes são limitados. Estou me concentrando tanto em Col e em seu amigo misterioso que não posso gastar energia para rastrear o local do acidente. Priorizar e categorizar o perigo é a única maneira de permanecer vivo, e fiquei bom nisso. Eu cambaleio pela tempestade, da esquerda para a direita, esperando ter sorte, mas isso não acontece. Eu sinto Col e seu amigo se movendo. Afastando- se da minha localização. Eles devem ter presumido que estou morto. Uma suposição razoável. Nenhuma pessoa normal poderia sobreviver em uma tempestade brutal como esta. Eu sorrio para mim mesmo enquanto continuo em frente e, por um momento, vejo tudo funcionando perfeitamente. Col e seus amigos vão pensar que morri. Baixarão a guarda. Eles não procurarão por mim. Serei livre para ir aonde eu quiser. Vou rastrear a garota usando meus sentidos apenas. Posso senti-la aqui tão claramente, tão perfeitamente. Posso sentir seu medo enquanto prossigo em meio à tempestade. Ela está ansiosa. Ela... ela sabe. Ela me sente aqui, como eu a sinto. Essa revelação me preocupa. Se ela estiver trabalhando com esses videntes, poderá confirmar que não estou morto. Se as habilidades dela forem tão afiadas quanto as minhas, será capaz de conduzi-los direto para mim. Isso não vai funcionar. Isso não vai... Uma dor violenta e forte queima de repente na minha nuca. Do nada, meu escudo desaba enquanto luto para respirar. O que…? Que porra é essa? Eu pressiono a mão na minha nuca e meus dedos fazem contato com algo frio.Algo duro. Algo de metal. Uma agulha. Algum... algum tipo de dardo? A raiva que senti de Col por tentar me impedir de encontrar minha mochila não é nada comparada com a raiva que me enche agora. Alguém atirou em mim com uma arma de dardos? Meus pensamentos estão lentos. Isso... isso não pode estar acontecendo. Isso não é bom. A confusão me envolve. Eu só... não... eu simplesmente não entendo. Como eles chegaram perto o suficiente para atacar? Ainda estou monitorando Col e o outro ser enquanto eles se movem cada vez mais para longe de mim, muito além do alcance até mesmo da arma de dardos de alta tecnologia. Eu os libero do meu foco mental e abro minha consciência amplamente, lançando uma rede sobre o deserto. Tem que haver uma explicação para isso. Tem que haver. E então, ali, à beira da tempestade, eu o sinto. Um soldado solitário. Outra criatura desconhecida. Um sinal de vida tão irreconhecível, tão único quanto o outro. Eu fui um tolo. Nunca deveria ter desligado os reinos da minha mente. Eu deveria ter permanecido vigilante. Deveria ter me assegurado de que meus sentidos ainda estivessem em alerta máximo, porque não havia dois deles aqui fora na areia devastadora e rodopiante. Haviam três. 9 REZA QUEIMA LENTA 4 ciclos atrás O Invictus está queimando. Eu sei que é o Invictus, porque o nome da nave está estampado em tinta amarela no casco interno de aço bem na minha frente. Além disso, lembro-me da cena se desenrolando da janela de visão da cápsula de fuga em que estou sentada. General Stryker, o rosto coberto de sangue, espreitando de uma ponta à outra da baía de lançamento, atirando em qualquer soldado que entrasse no caminho dele. A pulsação, o gemido e o estouro dos rifles de fase disparando por toda parte. O cheiro de cabelo queimado e metal, contaminando o ar. O gosto do meu próprio sangue na minha língua. E Jass Beylar, parado no convés do lado de fora da minha cápsula de fuga, a mão estendida, impedindo-me de deixar a maldita nave. Minha frequência cardíaca dispara. Eu sei que isso é um sonho. Sei que estou morando em Pirius há três ciclos e que estarei segura quando abrir os olhos. Não posso fazer esse conhecimento permanecer, no entanto. Tudo parece tão real. Parece que está acontecendo agora. Deuses, tenho que sair daqui. Eu tenho que sair. Toda a nave está instável; é provável que exploda a qualquer segundo. Esta será minha última chance de fugir deste lugar. Não terei outra oportunidade como essa. Se não me libertar desta prisão agora, nunca serei livre. Uma sensação de alfinetadas empurra os limites da minha mente, e levanto meus escudos mentais, tão fácil quanto apertar um botão. Jass está tentando entrar na minha cabeça. Ele quer me controlar. Para me submeter a ele. Eu não farei isso, no entanto. Nunca vou me submeter a ele. — O que você acha que teria acontecido se eu tivesse conseguido segura-la naquele dia? — A voz de Jass me assusta. Quase pulo da cadeira de comando do casulo, um alto grito de alarme saindo da minha garganta. Eu me viro e lá está ele atrás de mim, uma linha fina de sangue escorrendo por sua bochecha. Seu uniforme Construto está queimado em seu braço esquerdo e rasgado no colarinho. Uma mancha preta desce por sua têmpora, pintando sua bochecha. Inclinando-se para a frente, ele aperta vários botões no painel de controle e a cápsula de escape salta para frente, arremessando-se em direção às portas abertas da baia de lançamento. — O que você está fazendo? — Eu assobio. — Você não estava aqui naquele dia. Jass ajusta os sistemas de navegação da cápsula novamente, ainda pairando sobre mim, e então se inclina contra a parede, cruzando os braços sobre o peito. O fogo floresce como flores vermelhas e laranjas raivosas ao nosso redor enquanto o casulo voa para fora do Invictus em alta velocidade. — Eu posso pagar uma pequena licença poética, eu acho. Tive um dia horrível. — Ahh, pobre Jass. Não atingiu sua cota de mortes para o trimestre? O governador Regis removeu seus privilégios? Ele faz beicinho, passando a mão enluvada pelo suporte ao lado dele, aparentemente estudando-o. — Não pude te sentir hoje. Eu achei... achei que talvez algo tivesse acontecido. Ele não parece estar mentindo. Ele soa como se estivesse realmente, genuinamente preocupado. Sento-me na cadeira de controle e permito que meus olhos viajem sobre ele da cabeça aos pés. Há um ar pensativo e inquieto nele esta noite. Suas bochechas estão vermelhas, seus olhos brilhantes e alertas, passando por mim com uma intensidade que ele normalmente tenta esconder. Não sei o que lhe dizer. Não sei como fazê-lo se sentir melhor, nem por que deveria querer fazê-lo se sentir melhor. — Eu estava no subsolo, — digo a ele, franzindo a testa. — Talvez minha distância abaixo da superfície tenha diminuído nossa conexão. Tornando mais difícil para você me detectar. Jass bate a unha contra o suporte, seus lábios se separando levemente. — Pode ser. — Se for esse o caso, com certeza vou passar mais tempo no subsolo a partir de agora, — digo nitidamente. A cápsula de fuga está a trezentos metros da nave agora. Ela para por conta própria, inclinando-se por um segundo antes de Jass sacudir a cabeça e todo o casulo girar em um eixo invisível, até que a janela de exibição esteja voltada para a nave em chamas. A Invictus, a nave no qual passei oito longos anos aprendendo como sobreviver, parece que finalmente acabou. Toda a seção de estibordo que costumava abrigar os alojamentos do pessoal agora sumiu. Nada resta, exceto um rasgo dentado no metal da nave funcional; parece que alguma criatura enorme surgiu e destruiu o setor com os dentes nus. Além da nave, o planeta Darax ainda está enviando saraivada após saraivada de mísseis de fase para destruir a nave presa em sua órbita. Enormes faixas de azul, verde e amarelo marcam as massas terrestres, os oceanos e os desertos na superfície. É lindo. Toda a cena de destruição e carnificina é bonita à sua maneira. — Você precisa ser capaz de ver as estrelas no céu à noite, — Jass diz calmamente. — Você nunca seria capaz de viver no subsolo. Não permanentemente, de qualquer maneira. Já lhe contei quantas vezes me sento do lado de fora de minha cabana à noite, sempre que o céu em Pirius está limpo e fico olhando para as estrelas? Eu já lhe disse como elas me confortam? Confessei isso a ele durante uma de nossas outras reuniões como esta? Não consigo me lembrar. Ele poderia ter invadido minhas memórias ou minhas emoções em algum momento. Ele poderia ter conseguido essa informação contra a minha vontade, ou poderia apenas ter adivinhado. Como ele descobriu isso sobre mim realmente não importa. Faz-me sentir distorcida e torcida por dentro pensar que ele me conhece tão bem. Lentamente, o Invictus começa a rolar, girando para dentro em direção ao planeta. Jass sibila por entre os dentes; Eu não acho que devo ouvir sua reação ao que está acontecendo na nossa frente, mas ouço. — Achei que a nave tivesse explodido, — digo. — Impactou na atmosfera de Darax? — Fez mais do que isso. Ela caiu na superfície do planeta. Eu viro minha cabeça, procurando a decepção no rosto de Jass. Não há nenhuma, no entanto. — Você deveria estar morto, então. Você não saiu da nave. Ficou para trás. Eu te vi ali no convés quando o casulo saiu. Os olhos de Jass estão rodeados de ouro brilhante e resplandecente. De alguma forma, há mais sangue em seu rosto. Suas bochechas e testa estão salpicadas disso. E a camisa dele... Eu não percebi antes, mas está ensopada e pegajosa de sangue também. Ele estremece enquanto desliza pela parede, caindo de bunda. — Eu deveria ter morrido mil vezes até agora, Reza. Continuo conseguindo limpar a poeira, no entanto. Minhas mãos não funcionam enquanto me atrapalho com o arnês de segurança me prendendo na cadeira de controle. Demoro muito para conseguir abrira maldita coisa. Uma vez que estou livre, caio no chão ao lado de Jass, pressionando minha mão em sua testa. Ele está frio. Tão, tão frio. — O que aconteceu? O que aconteceu com você naquele dia? E por que em sete infernos você está escolhendo revivê-lo agora? Ele me dá um sorriso breve e quebrado enquanto agarra o peito. — Eu afundei com a nave. Se eu tivesse ido atrás de você... eles teriam me seguido. Teriam te impedido. Eles teriam te aceitado de volta. Parece que algo desagradável e afiado está esfaqueando minha cabeça. Mal posso respirar. — Então... você escolheu me deixar ir? — Eu sussurro. — Por quê? Por que faria isso, quando estava tão decidido a tentar me impedir no início? Outro sorriso quebrado. — Não me importava se você ficasse na nave, Reza. Eu só queria que ficasse comigo. Quando isso não seria possível... — Sua voz falha um pouco, e mais sangue pinga de seus lábios. Ele está morrendo. Posso sentir na própria raiz da minha alma. É uma sensação esmagadora e terrível, e não posso permitir que isso aconteça. Pressionando minhas mãos contra seu peito, aplico pressão em suas feridas. — Acabe com isso, Jass. Pelo amor de Deus, acabe com isso. Leve-nos para outro lugar. Seus olhos estão tristes e cheios de dor. Ele estende a mão e passa seus dedos contra a minha bochecha, seus olhos estudando minhas feições da maneira fascinada. — Onde você gostaria de ir? — Ele raspa. — Qualquer lugar menos Aqui. Por favor. Eu não posso... eu não posso suportar isso. Eu ficaria tão perturbada com qualquer pessoa ferida. Seria dilacerada por qualquer um que sofresse tanto. É o que digo a mim mesma. Jass fecha os olhos e há um lampejo na minha visão. Uma sensação de queda. As paredes da cápsula de fuga caem e, em seu lugar, um centro médico Construto bem iluminado se materializa. Uau… O lugar está vazio. Jass está sentado na beira de uma cama, ainda usando seu uniforme do Construto, mas não está mais com dor. Seus olhos não estão mais nublados pela morte. Ele parece, pelo que eu posso dizer olhando para ele, perfeitamente normal. Seu rosto está limpo e suas roupas parecem novas. Ele agarra a beirada da cama, me dando um sorriso tenso. — Partes da nave sobreviveram, — diz ele. — Os compartimentos médicos ficaram lotados por semanas. Eles levaram muito tempo para me consertar, mas no final... — Ele estende as mãos, com as palmas para cima, me mostrando que está ileso. — Senti que você estava chegando em Pirius, — ele continua. — Eu não sabia exatamente onde estava na galáxia, mas sabia que estava segura. Eu senti isso através do vínculo. Fiquei aliviado. Eu ando lentamente ao redor da cama, fixando-o sob o meu olhar. — Por que você está me contando isso? Por que me contaria alguma coisa? Os músculos de sua mandíbula saltam e flexionam. Sua expressão fica em branco. — Não sei. Não serve a nenhum propósito. Eu só... — Ele dá de ombros, aparentemente sem palavras. — Naquele dia, quando te encontrei na divisão oito. Quando você tentou se matar, — ele disse lentamente. — Depois que os médicos te examinaram e remendaram, eles te anestesiaram. Enquanto você estava inconsciente, puxou a corda e fui até você novamente. Você falou. Falou comigo por horas e eu escutei. Eu aprendi muito sobre você. Eu… eu não sou capaz de falar assim, Reza. Mas posso te mostrar coisas... Ele se levanta e caminha em minha direção, como se tivesse todo o tempo do mundo. — Eu tenho inveja de você às vezes, sabe. — Inveja de mim? Por quê? — Porque você não se lembra da primeira vez que nos beijamos. Cada vez que isso acontece aqui, é a primeira vez para você. Cada vez que te toco, ou você me toca, é a primeira vez e posso ver em seus olhos. O medo, a surpresa, a esperança e o desespero, todos sangrando uns nos outros. — Sua voz é baixa, profunda e feroz. — Isso me faz desejar poder voltar e reviver tudo da mesma maneira. O que? O que diabos ele está falando? — Nós nunca nos beijamos. Eu nunca faria isso. Eu nunca beijaria um... — Um monstro como eu? — Ele inclina a cabeça para o lado, estreitando os olhos. — Eu juro a você que é verdade. Às vezes você se lembra do que aconteceu em outros sonhos quando vem aqui. Às vezes não. Você nunca se lembra de nada disso quando está lá fora, acordada. Eu posso te mostrar, no entanto. Posso te mostrar tudo isso. Você quer ver nosso primeiro beijo de verdade? Um scanner médico portátil está sobre a bancada ao lado da cama. Eu considero usá-lo para escanear minha própria cabeça, para ver se estou doente. Não há outra razão para eu dar um passo à frente e lhe dizer sim. Porque é exatamente isso que faço. — Mostre-me, então. Prove para mim. Pelo menos então saberei se você está dizendo a verdade, mesmo que seja só até eu acordar. Os olhos de Jass ardem com o fogo de mil sóis. As faíscas luminosas douradas que circundam suas íris escuras me lembram dois eclipses solares perfeitos; é como se a luz por trás da escuridão que o consumiu estivesse constantemente tentando escapar, conquistá-lo de alguma forma. Ele estende a mão, oferecendo-a para mim. Eu olho para baixo, tremendo um pouco. — Você não precisa que eu segure sua mão. Você nos trouxe aqui sem ter que me tocar. — Eu sei, — diz ele, sorrindo de forma imprudente. — Eu só quero segurá- la. Pare de olhar para mim como se estivesse prestes a atirar em você. Se eu quisesse mata- la, teria destruído aquela cápsula de escape na Invictus. Eu não sei o que me domina - pode ser que eu sinta que preciso lhe provar algo, ou pode ser que simplesmente queira tocá-lo também - mas me encontro colocando minha mão na dele. Uma inundação de adrenalina passa por mim, me avisando do perigo, me dizendo que devo fazer o que puder para escapar desse predador. Também está me dizendo para segurá-lo com força. Para nunca deixá-lo ir. Eu sinto que estou levando uma chicotada, apenas de pé ao lado dele. Jass enfia seus dedos nos meus, segurando-me com força. — Você tem certeza que quer ver? — Ele pergunta. — Você não achou que eu diria sim, não é? Você achou que eu recusaria, e agora está se perguntando como vai inventar algo tão convincente que eu desmenti... O mundo tomba para o lado. Um segundo, nós estamos parados no centro médico, rodeados por uma iluminação forte e fria e paredes cheias de equipamentos médicos. No próximo, estou caindo, meu corpo rolando e minha mão é arrancada da mão de Jass. Estou caindo, girando, dando cambalhotas de ponta a ponta, e isso dói. Eu continuo batendo no chão, despencando encosta abaixo, e toda vez que giro minha visão pisca em verde, depois em amarelo, depois em azul. Verde, depois amarelo, depois azul. Verde, depois amarelo, depois azul. Uma dor aguda me atinge na caixa torácica. Eu grito, o pânico começando a se instalar, mas então há mãos em mim, me parando, me puxando de volta. Estou sentada, coberta de poeira e sangue, e Jass está sussurrando com urgência em meu ouvido. — Está tudo bem, Reza. Eu te peguei. Eu te peguei. — Seus dedos cravam em minha pele enquanto ele me agarra. Ele está me segurando por trás, minhas costas apoiadas em seu peito e suas pernas estão abertas de ambos os lados do meu corpo. Estamos sentados em uma encosta íngreme e rochosa que leva a uma grande extensão de praia. O dia está fresco e lindo. No céu, um único sol queima, pairando diretamente sobre nossas cabeças, sinalizando que é meio-dia. Já faz muito tempo que não vejo tanta água; demoro um momento para processar a vista à minha frente. — Onde estamos? — Eu suspiro, pressionando a palma da minha mão no meu lado. Espero que pare de doer em breve e eu consiga respirar direito. Jass pega minha mão e a remove, substituindo-a pela dele. Ele esfrega em círculos pequenos e apertados, claramente não prestando atenção ao que está fazendo. O Jass Beylar que eu conheci no Invictus nunca mostraria tanto cuidado com outro ser vivo. — Casa, — dizele. — Lembro-me desta praia da minha infância. Eu te trouxe aqui cerca de um ano depois que você fugiu. — Apontando para a praia, Jass aponta para duas figuras caminhando em nossa direção. Somos nós. E parece que estamos brigando. Conforme o outro Jass e Reza se aproximam, posso ver as lágrimas em meus olhos. A marca de nascença no meu ombro é perfeitamente visível. Posso ouvir a cadência raivosa e a elevação da minha voz enquanto grito com Jass. Seu rosto está duro. Mais forte do que já vi antes. Um segundo atrás, pouco antes de Jass nos trazer aqui, literalmente virando o mundo de cabeça para baixo, eu estava prestes a acusá-lo de fabricar este momento, mas posso ver agora que é real. Não importa o quão bom ele seja, quão talentoso e habilidoso em costurar novos reinos da realidade, nunca poderia criar algo tão perfeito e detalhado quanto isso. — Sobre o que estamos discutindo? — Eu pergunto. — A mesma coisa sobre a qual sempre discutimos, — ele responde. Seus lábios estão perto do meu ouvido. De repente, percebo o quão perto estamos. Jass parece perceber ao mesmo tempo. Espero que ele se afaste primeiro, mas ele não o faz. Sou eu que tento fugir para frente, fora de seu alcance. Seus braços se prendem a minha volta, me impedindo de fugir, no entanto. Ele me puxa para trás, então o músculo duro de seu peito pressiona contra minha coluna e minhas omoplatas. — Você estava tentando me convencer a deixar o Construto. Para ver o erro dos meus caminhos. Como pode ver, minha resposta não foi a que você esperava. Mais acima na praia, a outra eu para em seu caminho. Ela está furiosa. Além de furiosa. Ela está sofrendo. Atacando, ela tenta acertar o outro Jass, mas ele a agarra pelo pulso, puxando-a para si. Ela vacila, seus calcanhares cravam na areia por um momento, mas então ela parece apenas... parar de lutar. Ela cai para frente nos braços do outro Jass, e ele a aperta contra ele. Ele parece hesitar por um segundo. Um segundo muito breve. Então está levando sua boca para a dela, colocando seu rosto em suas mãos, e ela está se afundando nele, beijando-o de volta. Não é um beijo gentil, pacífico e amoroso. É um processo cheio de dor, beijo torturado e desesperado que parece estar pegando os dois desprevenidos. Como se nenhum deles jamais esperasse que isso aconteceria em um milhão de anos. A outra eu agarra e prende as roupas de Jass, enquanto ele a levanta de seus pés. Ela envolve as pernas em volta da cintura dele, e então ele está rasgando sua camisa, arrancando-a de seu corpo. — Puta merda... — Sim. Eu esqueci de mencionar. Tivemos uma série de estreias naquele dia, — Jass sussurra baixinho na minha nuca. Posso sentir seus lábios ali, pressionando levemente contra minha pele, e não consigo conter o tremor de prazer que sacode minhas terminações nervosas. Ele mal está me tocando, mal me beijando, mas parece que minha mente está se fragmentando, desmoronando. Assistimos em silêncio enquanto nossos colegas se despem na praia. A única coisa que posso ouvir, além do barulho das ondas quebrando na praia, é minha própria respiração difícil. O Jass sentado atrás de mim desliza a mão por dentro da minha camisa. Estou paralisada, confusa demais para saber o que diabos fazer; ele não levanta a mão para os meus seios ou para baixo, entre minhas pernas. Ele a deixa lá, descansando contra minha barriga nua, enquanto desenha padrões lentos e intrincados em minha pele com a ponta dos dedos. Na praia, o outro Jass se recosta, ofegante, o peito nu subindo e descendo como um louco. Ele passa as mãos pelos cabelos, balançando a cabeça, como se tentasse se recompor. A outra eu, uma Reza que nem consigo começar a compreender - uma Reza sem vergonha, nua, deitada de costas na areia, com as pernas novamente enroladas na cintura de Jass - se inclina e pega a mão de Jass, colocando-a seu seio. Eu o queria. Naquele momento, é claro que eu o queria, assim como quero agora. Deuses, quando isso ficou tão confuso? O Jass sentado atrás de mim geme baixinho. Ele está ficando excitado com o que está acontecendo, e não posso nem ficar com raiva dele. A verdade é que também estou lutando para manter a calma. A maneira como estamos nos olhando, nos acariciando, nos tocando, nos beijando... é mais do que eu posso suportar. — Nós devemos ir, — eu sussurro. A energia dentro de mim está queimando, subindo, tentando se conectar com a energia dentro de Jass. A corda quer se fortalecer, e que melhor maneira de isso acontecer do que espelhar o que as outras pessoas estão fazendo? Jass está duro. Eu posso sentir seu pau pressionando contra minhas costas, e leva tudo o que tenho para não me torcer em seus braços e lhe pedir para me tocar. Estou queimando. Estou encharcada. Eu o quero tanto que não consigo nem pensar direito. Jass geme de novo, mais alto desta vez. Ele morde suavemente, seus dentes pressionando a pele da minha nuca, e eu quase quebro. Eu não posso... eu não posso me impedir... eu... A luz desaparece. A praia desaparece. Os outros Jass e Reza desaparecem. Tudo isso, de repente desaparece. Que porra é essa? Meu Jass ainda está atrás de mim, respirando com dificuldade, sua mão ainda desenhando círculos em meu estômago. Sua ereção ainda está cravando em minhas costas, exigindo atenção. Tudo é escuridão, no entanto. Tudo está quieto. Tudo está... vazio. A infinidade deste lugar deveria ser assustadora para mim, mas de alguma forma não é. É reconfortante e familiar. Sei que já estive aqui com ele antes, neste nada, e sei que estive segura, mesmo que não consiga me lembrar disso. — Nós deveríamos ter ficado, — Jass murmura, sua voz vibrando sob sua caixa torácica. Também vibra através de mim, direto nas minhas costas. — Nós fizemos um show e tanto, eu acho. Eu fico vermelha, e sei que Jass pode perceber. Ele não precisa de luz para ver minhas bochechas vermelhas. Meu constrangimento e necessidade são tão fortes que ele deve ser capaz de sentir através de nossa conexão, tão alto e óbvio quanto um alarme soando no silêncio. — Eu preciso acordar, — eu digo. — Não posso ficar com você para sempre. Jass beija meu pescoço novamente, e minha determinação leva outro golpe. Já fizemos sexo em nossos sonhos. Já nos tocamos e beijamos os corpos um do outro. Já sucumbi à necessidade mais sombria e vergonhosa que poderia ter. Qual seria o mal... — Não se preocupe. Vou te deixar acordar, — Jass fala. — Mesmo que meu pau vá me odiar quase tanto quanto você. — Eu não te odeio. — As palavras saem correndo da minha boca antes que eu possa detê-las. Jass ri baixinho pelo nariz, como se não acreditasse em mim. Nem por uma fração de segundo. Mas é verdade. Eu sei disso, aqui, neste lugar. Eu posso estar triste por causa dele. Posso ter medo dele ocasionalmente. Posso ficar desapontada com as coisas que ele diz e faz, mas não o odeio. Eu nunca odiei. Odiá-lo seria mais fácil. Em vez disso, há um núcleo de algo muito perigoso escondido dentro de mim. Eu franzo a testa, a mais fraca das memórias me provocando, fazendo cócegas no fundo da minha mente. — Você disse que estávamos discutindo porque eu queria que você deixasse o Construto. É isso que os Pirianos querem que eu faça agora. Convença-o a nos ajudar. — Eu não estou surpreso. Eles devem ser otimistas, como você. Eles provavelmente acham que se você disser as palavras certas na ordem certa, essas palavras vão me mudar de alguma forma em um nível fundamental. — Não vai funcionar, vai? Escovando meu cabelo para trás por cima do ombro, Jass o reúne em suas mãos e o enrola em um nó em sua mão. Não consigo ver seu rosto, mas posso sentir seu humor, turbulento e taciturno. — Não. Não vai. Receio que vá precisar um pouco mais do que isso. 10 JASS FARREN Agora Quando acordo, está escuro e estou virado. Eu não morri? As neurotoxinas daquele dardo não me paralisaram? Não estou restrito.tremo quando seus dedos se movem para baixo, circulando meu mamilo. — Eu só venho aqui quando você me chama, — ele diz. — Nunca venho sem convite. Se você quiser que isso pare... — Ele sorri, um sorriso cru e escandaloso que faz meu estômago revirar. — Se você quer que isso pare, tem que parar de me pedir para vir aqui. — Eu nunca pedi para você vir aqui. Seus dentes roçam meu pescoço, levemente no início e depois com mais força, me fazendo sibilar com a breve pontada de dor. Ele se afasta, segurando primeiro meu pulso direito, depois o esquerdo, prendendo meus braços acima da cabeça. Minhas costas arqueiam, fazendo com que meus seios se esfreguem em seu peito. Uma explosão de adrenalina dispara por mim, circulando meu corpo, queimando entre as minhas pernas, e mal posso aguentar mais. Eu o quero. Eu o quero dentro de mim pra caralho. Sua necessidade por mim é óbvia; seu pau está duro como uma rocha, pressionando contra minha barriga. Eu ângulo meus quadris para cima sem pensar, e Jass range os dentes. O estrondo profundo e baixo de sua voz no meu ouvido faz meus dedos do pé se curvarem. — Há uma corda entre nós, Reza. Uma conexão que ainda não entendo. Você pode sentir isso, eu sei que pode. Às vezes, esteja ciente disso ou não, você puxa essa corda. Você me atrai para você. Jamais negarei esse pedido. Assim como você nunca negará o prazer que te dou. Você me quer dentro de você. Quer me sentir dentro de você quando o seu clímax te levar. Você me quer cada vez mais duro, até que eu não aguente mais e goze. Admita. Diga-me a verdade. — Eu... — Eu não posso deixar as palavras saírem da minha boca. É inútil tentar segurá-las, mas tento, assim como tento toda vez que ele vem até mim. — Eu não quero —— Deuses, isso é difícil. Minha respiração está fora de controle, irregular, alta até para mim. Estou ofegante, minha visão turva e mal posso formar um único pensamento coerente. Meu desejo obscurece tudo. Jass se abaixa, pairando sobre mim, apoiando seu peso nos cotovelos. Eu não posso lutar para libertar meus braços dele... não que eu esteja tentando. — Eu vou te foder, Reza. Você pode me fazer ir embora, se é isso que quer. Pode me forçar a sair de você. Me machuque. Me negue. Essa é sua chance. Mas se você não fizer isso, vou te foder e te farei gozar até que grite meu maldito nome. Tome sua decisão. Eu vou machucá-lo. Eu vou negar a ele. Eu vou fazê-lo sair. Só que quando abro minha boca, nada sai dela. Ele me encara por um longo, prolongado e interminável momento, e a luxúria em seus olhos quase me manda para as profundezas da loucura. Ele é o portador da noite. Ele é a condenação e destruição de uma galáxia inteira. E ainda assim meu coração está fundido com o dele, e não há nada que eu possa fazer a respeito. Eu me ofereço a ele. Minhas pernas se abrem e o homem de olhos dourados sorri maliciosamente. Ele libera minhas mãos, gemendo enquanto empurra para dentro de mim, e uma onda de prazer cai sobre mim como uma onda de tempestade violenta batendo contra uma costa rochosa. — Deuses, Jass! — Eu cravo minhas unhas em suas costas, e ele mostra os dentes, empurrando em mim mais uma vez. Eu não me canso dele. Os planos de músculos que compõem seu peito e estômago ondulam e ficam tensos enquanto ele se move, e estou hipnotizada por ele. Ele é perfeito. Não há uma linha de seu corpo que esteja fora do lugar, e não consigo parar de observá-lo enquanto ele me fode. Meu coração está martelando uma batida frenética, meus ouvidos zumbindo. Jass se curva sobre mim e sua boca encontra a minha. Sua língua está na minha boca, lambendo-me, traçando suavemente a linha dos meus lábios. Ele tem um gosto estranhamente doce - como um pequeno doce cítrico que meus pais costumavam me dar quando eu era pequena, antes de morrerem. Agora não é a hora de pensar em meus pais, no entanto. Eu os empurro para fora da minha mente, assim como Jass empurra para dentro de mim novamente. E de novo e de novo. Seus braços estão tensos, seus bíceps rijos, e eu cravo meus dedos nele também. Eu mordo seu peito, e ele rosna baixinho. A vibração do som estremece dentro da minha cabeça enquanto ele empurra profundamente dentro de mim - tão profundo quanto pode. Ele é duro, mas sabe quando parar. Ele sabe onde foi traçada a linha na areia e nunca a ultrapassa. Ele me acompanha até ela, ameaça obliterá-la, mas sempre para. Ele empurra o suficiente para me emocionar, então se afasta. — Você é minha, Reza. Você é minha para foder e minha para manter, — Jass rosna em meu ouvido. Ele junta um punhado do meu cabelo e enrola em seu punho, puxando minha cabeça para trás com um puxão forte. — Nossas almas estão unidas. Nossos destinos estão alinhados. Não importa para onde vamos, sempre nos encontraremos. Agora goze para mim, — ele rosna. — Eu quero sentir isso. Encharque- me. Eu quero senti-la sobre mim. Eu não consigo resistir a ele. Não com ele dentro de mim, olhando para mim como se eu fosse a criação mais valiosa da galáxia. E ele sabe como me foder. Sabe como me fazer contorcer e torcer embaixo dele. Ele prometeu que me foderia até que eu gritasse seu nome e lhe desse o que quer. Eu empurro e gemo quando meu orgasmo rasga através de mim, tornando minha visão vermelha. Eu grito até que minha garganta pareça crua e não exista mais oxigênio em meus pulmões. — Jass! Deuses, Jass, estou gozando! — Eu vou gozar também, — ele sussurra. Eu me agarro a ele, puxando-o para mim, balançando meus quadris para encontrar os dele, e ele estremece quando chega ao clímax, um rugido de prazer ecoando dentro da minha cabeça. Estamos ambos sem fôlego e cobertos de suor quando ele se abaixa em cima de mim, descansando a cabeça no meu peito. As pontas de seus dedos acariciam minha pele, traçando padrões, fazendo os cabelos da minha nuca se arrepiarem. Ele é tão... mais. Não tenho palavras para descrevê- lo. Enrolando seu cabelo escuro, grosso e ondulado em volta do meu dedo indicador, o estudo intensamente. Ele realmente é lindo. Bonito de uma forma que torna difícil para mim me concentrar. Homicida. Assassino. Fantoche. Ele é todas essas coisas, mas é muito mais. Eu me permito mergulhar de volta nas águas silenciosas da inconsciência, sabendo que não vou me lembrar disso quando acordar. Eu o saboreio o máximo que posso antes que tudo desapareça e suma. Eu me certifico de respirá-lo até que o cheiro das manhãs frescas de inverno e da neve fria se desintegre, e esteja sozinha na minha cama mais uma vez. 1 NENHUM LUGAR ESCURO O SUFICIENTE REZA Prefiro morrer a ser um membro do Construto. Decidi isso quando tinha sete ciclos de idade, três ciclos depois que o Construto devastou meu planeta natal e assassinou minha mãe e meu pai. Assassinou todo mundo que eu conhecia ou conheci. Fui levada e empurrada para um orfanato em um planeta avançado no meio do nada, deixada para apodrecer com trinta ou quarenta outras crianças até que alcancei o que os Anciões do Construto chamam de 'idade útil'. Foi quando eles voltaram para me buscar. Essa foi a primeira vez que tentei me matar. Achei que tinha tudo planejado quando tinha sete anos. Era melhor me afogar no fundo de uma hipercâmara do que aprender o código todo- poderoso do Construto. Ser amarrada a uma cadeira e forçada a assistir clipe após clipe de corpos em chamas, estrelas explodindo e luzes caindo do céu continuamente até que fosse um pedaço de carne maleável e flexível que faria tudo o que fosse dito, sempre que fosse dito para fazê-lo. Basta dizer que não consegui acabar com minha própria vida. Fui encontrada. Eu fui salva. Fui amarrada à maldita cadeira de qualquer maneira. O condicionamento deles preso por um tempo. Aprendi o Construto de um jeito ou de outro, gritava seu ditado toda vez que era exigido de mim: Uma Vida. Um dever. Um Construto. Minha voz estava rouca quando desabavaEstou deitado de costas, minhas mãos empilhadas uma em cima da outra, meus tornozelos empilhados da mesma forma também, e minha cabeça está apoiada em um travesseiro macio. Meu corpo está quente, relaxado e confortável, mas meu rosto parece congelado. Sento-me, passando as mãos pelo corpo, franzindo a testa quando percebo que estou debaixo das cobertas em uma cama que não é minha. Minhas costelas protestam violentamente com meu movimento, mas faço o possível para ignorar, pesquisando ao meu redor. Vou me permitir o luxo da dor mais tarde. Vou me permitir o luxo, e então vou obliterar o desconforto com um pouco de luz. Fácil. Eu me levanto, segurando a bandagem áspera que foi presa ao acaso em volta do meu peito. As solas dos meus pés estão frias contra o chão de pedra, Minha camisa sumiu. As minhas botas também. Minhas calças foram cuidadosamente dobradas e colocadas em uma cadeira bamba ao lado da cama. Puxá-las é difícil, para dizer o mínimo. Cada vez que me viro ou giro, um espasmo me atravessa, forte e doloroso, roubando meu fôlego. Fiquei intimamente familiarizado com a dor sob o olhar atento de Stryker. Ele garantiu que eu conhecesse cada faceta e dimensão dela quando me levaram para o Invictus, muito antes da nave ser destruída pelo povo de Darax. Acabei aprendendo como abraçar a agonia e torná-la minha amiga. Demorou, mas consegui. Se a ameaça de dor não o assusta além de qualquer cálculo, então ninguém pode controlá-lo, afinal. Isso não significa que a sensação de punhalada na minha lateral e no meu peito seja divertida, no entanto. Uma vez que minhas calças estão abotoadas, levo um momento para avaliar melhor os arredores. Estou em um quarto semelhante a uma cela, com teto baixo e sem janela. As paredes são construídas com pedras incompatíveis. A areia rastejou através das fendas, escorando-se em montanhas em miniatura em cada um dos quatro cantos. A cama e a cadeira são as únicas peças de mobília aqui. Nenhum tapete para proteger meus pés do chão gelado. Sem estantes de livros ou mesas laterais, e sem luminária no teto. Uma pequena luz brilha fracamente na parede oposta à cama, lançando um brilho amarelo - luz apenas o suficiente para enxergar. Um zumbido baixo e suave chega aos meus ouvidos; deve haver um gerador solar em algum lugar por perto. Interessante. Sem camisa, sem meias ou botas, e sem outro meio de evitar o frio intenso, pego o cobertor fino da cama e o coloco em volta dos ombros. Agora, para descobrir a fechadura da porta. Vou levar menos de um segundo para abri-la e então estarei fora daqui e a caminho para encontrar a garota. E se tiver que deixar um rastro de corpos mortos no meu caminho, a fim de sair daqui, onde quer que esteja, então que assim seja. Eu coloco minha mão na maçaneta da porta e expulso as fronteiras da minha mente, focando no mecanismo que está me mantendo prisioneiro. Será fácil abrir a fechadura. Tão fácil. Só que... não há fechadura. Nenhum mecanismo dentro da maçaneta. O pedaço de ferro redondo e enferrujado nem gira direito. Ele está aqui apenas como um meio de empurrar e puxar o pedaço fino de madeira para abrir e fechar novamente. Eu não estive trancado aqui? As últimas vinte e quatro horas foram realmente estranhas, mas isso? Ser confiável para vagar livremente além dos confins desta sala, entre meu inimigo? Isso é loucura. Eu abro a porta, vendo-me em um corredor longo e estreito, marcado a cada cinco ou seis pés por outra lâmpada fraca presa às paredes ásperas cinzeladas. Eu procuro com minha mente, examinando o corredor tanto à esquerda quanto à direita, procurando ameaças potenciais. Uma vasta e aparentemente interminável rede de túneis fica além de onde estou. E pessoas. Tantas pessoas, cada uma diferente e incomum. Há muitas vozes diversas aqui. Não estou acostumado com o alvoroço de tantas mentes falando ao mesmo tempo. O furor de um milhão de pensamentos e desejos, todos ecoando em minha cabeça, é quase insuportável. Eu baixo minha guarda, me protegendo, cambaleando um pouco enquanto me inclino contra a parede para recuperar o fôlego. O Nexus fervilhava de energia, dia e noite, uma colmeia constante de atividade. Não havia vida real lá, no entanto. Os soldados do Construto têm uma só mente. Um objetivo. Um propósito. Eles passam por uma lavagem cerebral desde tenra idade para erradicar traços enfadonhos como o livre arbítrio e o pensamento individual. Não estou acostumado com tantas vozes distintas chamando no vazio, gritando e clamando ao mesmo tempo, como se completamente ignorante do barulho que estão criando. É desorientador, para dizer o mínimo. Com minha guarda no lugar, minha cabeça gira um pouco menos loucamente, mas ainda posso sentir a vibração de toda essa energia tremendo no ar, me mordendo, fazendo os cabelos da parte de trás dos meus braços se arrepiarem. Sete infernos, é assim que alguém dorme aqui? Tenho certeza de que só consegui porque estava sedado. Eu começo a fazer uma lista na minha cabeça. Tenho que sair daqui e, para isso, preciso encontrar roupas. Um meio de transporte. Um meio de encontrar Reza. Só abri minha mente para este lugar novo e estranho por alguns segundos, mas foi o suficiente para saber que ela não está aqui. Ela está em um lugar como este, muito semelhante, mas a muitos quilômetros de distância. Longe, mas ao alcance se eu concentrar todos os meus esforços em sua direção. Norte. Norte. Norte. Eu sei que caminho devo seguir. A palavra pulsa dentro de mim, batendo como o ritmo de um tambor demente. Se eu for para o norte, vou encontrá-la. Quando me aproximar, saberei exatamente para onde ir e como chegar até ela. Parece que o próprio universo está nos aproximando, como ímãs supercarregados, destruindo tudo em seu caminho, incapazes de resistir à atração que os força a se unirem. Ela se sente da mesma maneira que eu. Quando ela se deita na cama à noite, essa mesma atração insistente a arranca de seus sonhos. É por isso que ela me chama, e por que construí essas paisagens de sonho para ela em primeiro lugar. — Ah. Você está acordado. Já estava na hora. Eu giro, sem fôlego. O turbilhão de emoções que me dominou um segundo atrás desaparece, deixando para trás um abismo vazio e oco. Col está no corredor, carregando uma pequena bandeja em uma mão e um par de botas na outra. Minhas botas. Limpas e polidas. São membros da tripulação do Nexus que devem preparar minhas roupas, engraxar minhas botas e limpar meus aposentos. Sempre recusei suas aterrorizantes ofertas de ajuda, no entanto. Eu mesmo passo o pano no couro das minhas botas. A negligência de tal tarefa mecânica é uma espécie de fuga. Posso desligar em vez de analisar, escanear, avaliar e calcular constantemente. Todas as noites, quando me sento na beira da cama, trabalhando o pano de polimento em círculos apertados, posso desligar tudo. Posso apenas... existir. Col empurra as botas para mim, batendo-as em meu peito. Um sorriso incrivelmente falso se estende por seu rosto, apertado nos cantos de seus olhos. Desagradável. — Você quase me matou, — diz ele alegremente. — Obrigado pela costela extra quebrada. Poderia ter passado sem isso. Eu pego as botas, carrancudo. — De nada. Da próxima vez você terá mais juízo. — Eu normalmente não blasfemo, mas estou começando a achar que os videntes estavam errados sobre você, Jass Beylar. Eles têm que estar chapados. Ou talvez o suprimento de água esteja contaminado aqui ou algo assim. Pode haver uma explicação para tudo isso, mas pessoalmente estou lutando para acreditar que você é um tipo de cara que pode ser redimido. E a ideia de que seremos amigos é, bem... — Ele zomba, balançando a cabeça para trás sobre os ombros. Ele parece exausto. Há círculos escuros sob seus olhos e sua pele está manchada e acinzentada. Ele provavelmente precisa de uma boa noite de sono e de uma transfusãode sangue, mas em vez disso está aqui, sozinho, insultando-me em um corredor. Esfrego o ponto dolorido na nuca. — Quem era seu amigo? Aquele que atirou em mim? E onde posso encontrá-lo? Col ri baixinho. — Ele é um dos sentinelas de superfície. Ele voltou para seus deveres. Eu o enviei para outro posto avançado, onde você não ficaria tentado a caçá-lo e machucá-lo. — Esperto. — Eu teria feito exatamente isso. Eu teria chutado os dentes do cara garganta abaixo por ousar me tranquilizar. Pena Col ter pensado adiante. Eu realmente poderia usar um saco de pancadas agora. — Isso é comida para mim? — Eu pergunto, olhando a bandeja em sua mão. Dois pequenos rolos de pão, um pouco de queijo, uma fruta de aparência estranha e um copo grande de água estão em cima da bandeja, um globo roxo e verde, uma fruta que nunca vi antes, rolando por todo o lugar sempre que Col se move. Col suspira, obviamente enojado, estendendo a bandeja para mim. — É melhor você comer rápido. O chanceler deste setor está vindo para nos dizer com quem precisamos nos encontrar a seguir. Não somos bem-vindos aqui, aparentemente. Sua presença na sub cidade está causando uma grande inquietação entre os superiores. Não posso dizer que estou surpreso. Eu pego a bandeja dele, meu estômago se revirando – eu não tinha ideia de como estava com fome até sentir o cheiro da comida. A fome é uma resposta corporal básica que normalmente não me incomoda. Os pacotes de ração do Construto são pequenos, mas carregados com absolutamente tudo que o corpo precisa. Um a cada cinco ou seis horas é mais do que suficiente para abastecer um homem. E nas raras ocasiões em que um grupo demora um pouco mais do que o previsto e fico sem comida, a constante, embora pequena, dose de Luz que tenho fluindo em meu sistema o tempo todo afasta qualquer apetite que eu possa ter. Já se passou muito tempo desde que olhei para um prato de comida e senti qualquer tipo de excitação com a perspectiva de comê-lo. — Eu não pedi para vir aqui, Pakka. Não pedi para ser drogado e levado. No que me diz respeito, podemos partir assim que tivermos as informações de que necessitamos. Onde está minha mochila? Col franze o cenho, inclinando a cabeça um pouco para a esquerda. — Mochila? — A compreensão do amanhecer transforma sua expressão. — Oh. Certo. A mochila que você estava procurando quando me deixou para sufocar na maior tempestade que este planeta já viu em uma geração. Deve ter queimado no acidente. Os aprendizes que saíram em busca dos escombros disseram que não havia nada além de cinzas e plástico fundido sobrando de sua nave. Sinto muito por isso. — Ele não parece sentir nem um pouco. Ele soa como se não desse a mínima, o que me faz querer socar seu rosto. Sem mochila. Não há mochila. O que significa sem luz. Que significa… Eu estremeço, não querendo considerar isso ainda. Eu dosei há dois dias; menos de quarenta e oito horas inteiras se passaram desde que pressionei a agulha em meu braço e me permiti flutuar na nuvem de felicidade que se seguiu. Isso significa que tenho pelo menos mais um dia inteiro antes de sentir que minhas veias estão endurecendo sob a pele. Um dia para encontrar a garota e levá-la comigo, para longe deste planeta árido, insípido e sem características. É possível que eu consiga encontrar alguma luz aqui em Pirius? Duvidoso. O Construto criou a droga em seus laboratórios, mexendo e brincando até aperfeiçoar a fórmula para estimular o corpo e a mente em partes iguais. Não tenho ideia do que contém, nem os técnicos de laboratório do Nexus. Eu os questionei várias vezes, vasculhando suas mentes quando alegaram que não tinham as informações que solicitei e estavam dizendo a verdade. As remessas dos compostos individuais usados na Luz chegam em intervalos aleatórios e variados, e em quantidades aleatórias e variáveis. Sem rótulos e sem marcações, exceto um número de processo estampado nas tampas dos frascos, os ingredientes separados combinados em pequenos frascos, aquecidos a uma temperatura alta e, em seguida, refrigerados por um período de setenta e duas horas. Eu poderia ter pegado um pouco da Luz que roubei dos laboratórios e processado, separando-a em um nível molecular, mas ao contrário da tripulação do Nexus, a nave em si não era algo que eu pudesse manipular facilmente. Uma coisa é limpar a mente de alguém ou forçá-lo a fechar os olhos sem querer, mas cada diagnóstico executado a bordo da base primária do Construto é automaticamente registrado e enviado aos anciões. Manutenção de registros perfeita, por mentes muito suspeitas. Eu nem teria a oportunidade de excluir os dados de varredura antes que Regis soubesse o que eu estava fazendo. Eu forço os pensamentos da Luz de minha mente. Não há nada que eu possa fazer sobre isso agora. Melhor lidar com a situação em questão e partir daí. Eu coloco meus pés descalços dentro das minhas botas, um de cada vez, e então pego o queijo e o pão da bandeja, devolvendo o resto a Col. — Quem é este chanceler? E quando podemos partir? — Não me importo com a sensação de estar no subsolo; Posso dizer que estamos bem abaixo da superfície do planeta. Depois de estar em uma espaçonave por tantos ciclos, não sofro mais com a sensação de estar preso como costumava acontecer quando fui levado pela primeira vez pelo Construto. Mas no Nexus, havia portas de visualização. Milhares delas, cada uma oferecendo um instantâneo diferente nas extensões infinitas de espaço que nos cercam em todas as direções possíveis. Aqui na sub cidade, como Col a chamou, minha visão do universo é muito limitada. — O chanceler Farren dirige esse setor. E ele não é muito amigável. — O rosto de Col, sua boca voltada para baixo e a linha profunda entre suas sobrancelhas franzidas dizem que ele teve relações com o cara antes e claramente não se importa muito com ele. — Ele não saberá de nada além de quem devemos encontrar em seguida, então não há por que torturá-lo, — acrescenta ele rapidamente. — Não adianta machucar ninguém a partir deste ponto. Isso não o levará ao seu destino mais rápido. A parte determinada e persistente de mim discorda dessa afirmação. Torturar alguém sempre ajuda a chegar mais rápido ao seu destino, mesmo que a outra pessoa não saiba onde é. Os códigos de ignição para um cruzador; moeda local; armas; informações extras que podem ajudá-lo ao longo do caminho: todas essas coisas podem potencialmente nos ajudar a alcançar a garota mais rápido. Enfio o pão e o queijo na boca, momentaneamente assustado com a textura. As rações do Construto são duras, borrachudas e francamente mais agradáveis se engoli-las inteiras e depois esquecê-las. O pão que Col me deu é macio e pastoso, amanteigado na minha boca. O queijo é azedo e picante, fazendo os lados da minha língua zumbirem com seu sabor incomum. Col me fornece uma camisa preta apertada e quente que ele estava carregando para mim no bolso de trás, e então fica em silêncio com as mãos fechadas em punhos, encostado na parede enquanto ando de um lado para o outro, resmungando para mim mesmo. Toda essa espera está me deixando louco. Quantas noites passei pensando em Reza? Quantos dias passei lutando contra o desejo de abandonar meu posto, de sair sozinho em meu raptor para rastreá-la? Muito mais do que posso contar. Nunca pude senti-la naquela época da mesma forma que posso agora. Durante as horas em que estava acordado, eu sabia que ela estava viva e, ocasionalmente, tinha um vislumbre de seus pensamentos e emoções. À noite, era mais fácil. Ela me chamava e eu era capaz de criar um lugar para nos reunirmos. Nunca soube sua localização exata, no entanto. Ela ainda conseguiu proteger partes de si mesma de mim. Agora, posso sentir a presença dela como um atiçador em brasa queimando dentro da minha mente. Se eu fechar meus olhos, posso sentir seus pensamentos como sefossem minhas sombras. Recordações. Suas esperanças e medos, dançando evasivamente na periferia da minha consciência, a apenas um fio de cabelo de distância. É como se um véu tivesse caído, um escudo tivesse caído e ela fosse se revelando para mim aos poucos. Estranho. O chanceler Farren é severo, frio e cheio de pânico. Imediatamente não gosto dele com base no simples fato de que ele cheira a medo. Não é um medo específico, sobre qualquer coisa. Um medo geral e constante que afeta seus pensamentos e ações em um nível básico. O pior tipo de medo que, no final das contas, é sempre a ruína do homem. — As coordenadas estão aqui, — diz ele, entregando a Col um chip de dados verde aceso. Col desliza o chip de uma polegada quadrada em seu bolso sem verificar. Farren zomba de mim pelo canto do olho. — A mulher que você está procurando se chama Ayah. Ela é uma lojista no bazar de Sellarue. Ela tem a próxima peça do seu quebra-cabeça. Não sei do que se trata, mas sei que é um negócio ruim, Col Pakka. Quem é ele? — Farren diz, sacudindo a cabeça em minha direção. — Erika avisou que a Comunidade o despachou para cá, mas ele não é da Comunidade. — Ele é apenas um homem, — Col responde rigidamente. — Ele está aqui para nos ajudar. Ha! Ajuda-los. E aqui estava eu achando que Col não era nem remotamente engraçado. — Não sou idiota — Farren rosna. — Isso tem algo a ver com aquelas visões de duelo que Erika tem repetido, ciclo após ciclo, eu sei que tem. Ninguém acredita mais nela, Col. Eles acham que ela é uma mulher louca, pregando sobre o fim do mundo. — Muitas pessoas acreditam nas visões da minha mãe, inclusive eu, — Col dispara de volta. Farren grunhe, seu lábio superior se curvando para cima. — Erika não é sua mãe biológica. Ela não é seu sangue. Você não é Pirian, Pakka . Você tem tanto direito de estar aqui quanto ele. — Farren lança um olhar fulminante em minha direção. Eu levanto minha cabeça e encontro seu olhar, meus olhos transmitindo muito pouco, mas Farren imediatamente desvia o olhar, limpando a garganta. — O tempo de Erika como chanceler está chegando ao fim, como você bem sabe. Em breve, não importará o que ela viu. Em breve, outra pessoa tomará seu lugar. Todos os cenários que ela previu serão alterados. Nada é permanente. Assim como a superfície de nossa casa em constante mudança, o futuro não está definido. Quem sabe o que vai acontecer depois que ela se for? Eu inclino minha cabeça, voltando minha atenção para Col. Isso é interessante. Parece que sua mãe, sua mãe adotiva, está prestes a deixar o cargo ou ser destituída de seu assento de poder. Col nunca mencionou que tinha laços com alguém com influência. Ele também nunca mencionou que as profecias dos videntes não são infalíveis e são suscetíveis a mudanças. Col aperta a mandíbula. — Você está certo, Farren. Mas até que esse dia chegue, a palavra da minha mãe é evangelho. E como qualquer outro bom filho, vou obedecê-la. — Ele se vira e passa por mim, com o corpo inclinado para frente, desesperado para ficar longe do outro homem a todo custo. Fico para trás com o chanceler por um momento. Eu fecho a lacuna, então há apenas alguns centímetros restantes entre ele e eu, e estudo suas características faciais. Sobrancelha pronunciada com uma linha de saliências altas; lábio superior fino; olhos estreitos e encobertos. A miséria desse homem dura a vida toda, gravada em sua estrutura óssea e nas linhas que contornam sua pele. — Você nasceu buscando o poder, — eu sussurro para ele, — e morrerá ainda sem conseguir segurá-lo. Eu não preciso ser um vidente para saber disso. Eu me viro e sigo Col. As vozes dos muitos milhões que residem aqui na sub-cidade chegam correndo até mim como um maremoto, inundando as calçadas, enchendo os corredores de cima a baixo. Desta vez, elas não me consomem, no entanto. Desta vez, elas fluem ao meu redor, abrindo espaço para mim. 11 REZA NIGHTCREEPER — Não posso fazer isso. Eu não posso. Eu só… não sou quem você acha que sou. Não posso forçar as pessoas a se curvarem à minha vontade. Sou apenas uma garota que fugiu do Construto. A galáxia está cheia de pessoas que fugiram do Construto. Por que eu deveria ser diferente? Darius gira o bastão que está segurando em sua mão, andando lentamente ao redor da pequena sala de treinamento circular para a qual me trouxe. Acima, uma janela estreita no telhado permite que um pilar alto e angular de luz seja filtrado e atinja o chão de terra. Partículas de poeira giram em redemoinho dentro do feixe de luz, revelando o quão sufocante é o ar aqui embaixo. — Outras pessoas não são especiais simplesmente porque não são especiais. Você é especial simplesmente porque é. O universo nos conduz a todos em nossos próprios caminhos. Não há como escapar disso, Reza. Nossas visões cessaram no momento em que você chegou aqui. Fomos capazes de ver por séculos, e então você chegou e tudo parou. Isso não é coincidência. Enquanto você é apenas uma garota, uma garota simples, há algo hibernando dentro de você que a torna notável. Precisamos despertar essas habilidades e rápido. De uma forma ou de outra. Eu não gosto de como ele diz isso. Ele já me atingiu com seu bastão duas vezes no lado esquerdo e uma vez no direito; Vou ficar preta e azul e coberta de hematomas no final do dia. Se ele se achar no direito de em ir mais longe do que já fez, terei de começar a contra-atacar. Não perdi meu tempo aqui em Pirius. Tenho aprendido a lutar, a sobreviver, e me tornei muito boa nisso. Eu não quero machucar Darius. O vidente tem sido mais gentil comigo do que qualquer outra pessoa que encontrei desde que escapei do Construto. Mas ainda assim... só posso apanhar um pouco antes de me defender. Há dois dias, passei dezoito horas inteiras com Erika, praticando como defender minha mente - uma tarefa difícil, já que Erika não consegue me ler em primeiro lugar, então deixei sua biblioteca esparsa me sentindo insatisfeita e ansiosa, sem saber se seu treinamento vai realmente adiantar alguma coisa quando chegar a hora. Pretendo aprimorar o que aprendi com Erika e incorporar ao treinamento físico que estou recebendo de Darius agora, mas os últimos dois dias pareceram inúteis e nada impressionantes. Posso bloquear a maioria dos ataques de Darius, mas é preciso concentração para tentar manter a guarda mental que Erika me ensinou a construir ao mesmo tempo. Enfrentar alguém como Jass Beylar, alguém que foi incessantemente treinado e afiado para se tornar uma arma mortal? Eu vou morrer. Não há duvidas sobre isso. Ele é um feroz, experiente predador. Minhas habilidades são semelhantes às de uma criatura recém-nascida, mal capaz de ficar em pé, quanto mais andar. — Você não terá que lutar com Beylar, — Darius me informa. — Ainda não, de qualquer maneira. Erika tem certeza disso. Haverá tempo para aprimorar e aprender. Contudo… — Contudo? — Eu criei algo para você. Uma saída. Uma proteção, caso a areia acabe se movendo sob nossos pés. Minha esperança é que isso a mantenha segura. — O que é isso? Darius enfia a mão em suas vestes e retira algo, apertando-o com força. Ele abre o punho e na palma da mão: uma pequena cápsula preta. Parece bastante inofensiva, mas não é. Darius é um curandeiro mestre aqui na sub cidade. Ele também é um envenenador mestre. Suas habilidades são incomparáveis. Os combatentes da Commonwealth de toda a galáxia o encarregam de fazer pílulas suicidas para eles, que podem ser ingeridas em um piscar de olhos se forem capturados. Ele segura a cápsula entre o dedo indicador e o polegar, erguendo-a para que eu veja. — Nightcreeper, — ele diz gravemente. — Incrivelmente difícil de encontrar. Ainda mais difícil de diagnosticar. Impossível de curar. Engula isso e não há volta para você, criança. Uma terrível sensação de mau agouro crava suas garrasnas minhas costas. — Se é tão mortal, como é possível que isso me mantenha segura? — Beylar está com fome de alguma coisa. Você deve ter algo que ele precisa, — Darius diz. Sua voz ecoa dentro da sala de treinamento. — Mas como pode reivindicá-la de você, se não estiver mais viva? 12 JASS SELLARUE Nós viajamos por dias. Não há meios de transporte na sub cidade, então caminhamos, serpenteando pelos túneis estreitos, passando por incontáveis Pirianos que nos olham com os olhos arregalados de surpresa. Forasteiros não são comuns aqui. Pirius é um dos últimos bastiões da Comunidade, um dos poucos planetas restantes ainda livres do controle do Construto; aparentemente, forasteiros não são bem-vindos ou esperados. Também não existem drones ou robótica. As telas montadas nos sistemas de túneis piscam e cintilam, exibindo anúncios públicos em uma linguagem de símbolos estranhos que não consigo ler, mas, fora isso, há poucos sinais de tecnologia. De acordo com Col, as tempestades de areia que assolam por dias a superfície do planeta atrapalham qualquer tipo de eletrônica e impedem que os sinais sejam enviados de uma vez. Não tenho certeza se ele está ciente disso ou não, mas esta é a única razão pela qual qualquer uma dessas pessoas ainda está viva. O Construto usa instrumentos altamente sensíveis para detectar civilizações avançadas. Se em alguma exploração da frota as naves encontrassem sinais de energia significativa em Pirius, uma equipe seria enviada para desenterrar e destruir tudo o que encontrassem. Conforme o tempo passa, Col começa a nos levar para baixo, os túneis cavando profundamente o alicerce do planeta. Eu mantenho o controle de para onde vamos, gravando mentalmente cada curva e canto, certificando-me de que posso encontrar o caminho para sair deste labirinto se for necessário. Eventualmente, chegamos a Sellarue. Não é uma cidade, como eu esperava, mas uma grande caverna que se abre, cheia de gente. O lugar é movimentado, uma espécie de mercado, repleto de barracas e lojas que se estendem até as alcovas na rocha que margeia o perímetro da caverna. Col é encarado aqui embaixo menos do que eu. Alguns dos Pirianos até sabem seu nome e o cumprimentam enquanto avançamos pela loucura. Os olhos saltam de mim, como se as pessoas soubessem que sou algo que não deve ser observado. Como se olhar na minha direção lhe causasse dor de alguma forma. No final do bazar, entramos em uma alcova escura cheia de cristais polidos, placas brilhantes feitas de prata e ouro, junto com lâmpadas que parecem queimar sem a necessidade de fogo ou fonte de energia externa. Uma mulher alta e esguia com mãos cobertas de tatuagens nos cumprimenta com um sorriso assustado. Ela corre para a entrada de sua loja e fecha um par de cortinas, bloqueando a confusão além. — Ayah, — Col diz, cumprimentando-a. — Este é... — Eu sei quem ele é, — ela responde rapidamente. Seus olhos são mais negros que carvão, grandes demais para seu rosto. Seu cabelo é branco como todos os outros Pirians, trançado no topo de sua cabeça. Um fragmento de osso pende de uma corrente em sua orelha direita, frágil e pequeno. Parece que já pertenceu a algum tipo de pássaro. Ela estreita os olhos para mim, entrelaçando as mãos em um nó de dedos longos. — A chanceler Pakka mandou uma mensagem. Ela disse que não devemos nem mencionar o nome dele em voz alta. Para qualquer um em Pirius ele é, seu amigo, — ela diz, tropeçando na palavra, — é um membro da Comunidade, está aqui para ajudar. As pessoas têm falado sobre sua chegada. Farren disse isso. Inteligente. Sem meu uniforme do Construto, eu poderia ser qualquer um. Eu sou humano. Poderia facilmente ser um combatente da Commonwealth como Col, trazendo notícias e mercadorias para o comércio. É estranho que Erika tenha contado a Ayah minha verdadeira identidade e não a Farren, no entanto. Ayah pigarreia, ficando um pouco mais ereta. Ela tem medo de mim, mas não tanto quanto deveria. Há uma força nela que admiro. — Há um problema com o seu próximo ponto de encontro, — ela diz calmamente. — Erika te chamou de volta ao setor dela. Ela pediu que você fosse para lá diretamente. Eu sinto a tensão imediata enrijecendo a barriga de Col. Esses pontos de encontro têm sido a única coisa que o mantém vivo até agora. — Não deveríamos nos encontrar no primeiro setor, — diz ele, lançando-me um olhar cauteloso. — Eu não deveria saber nosso destino final até chegarmos. Ayah torce o osso pendurado na orelha. — Seu último ponto de contato ficou com medo. Ele não o queria em qualquer lugar perto de sua família. As pessoas estão migrando para o segundo setor de fora da sub cidade, já em busca de acomodações para as celebrações do eclipse. Ele se recusou a colocar alguém em perigo. Não havia nada a ser feito. Erika escolheu respeitar seus desejos. Eu nem tento esconder meu sorriso. — Parece que você está sobrando como requisito agora, Pakka. Provavelmente posso encontrar meu caminho para o primeiro setor sozinho. — Você faria bem em ficar com o seu guia, — Ayah diz bruscamente. — Haverá consequências se ele não voltar para a mãe. Consequências. A ideia de que poderia sofrer por matar Col é ridícula. Estou intrigado com a confiança da mulher, no entanto. Eu olho em sua mente. Seu corpo fica tenso, sua mão acalma no brinco. Ela não luta comigo, no entanto. Ela me permite examinar suas memórias, procurando as informações de que necessito. Ela até ajuda, forçando-as para frente de sua mente. A garota Reza fez uma barganha. O retorno seguro de Col e a segurança de todos os outros aqui em Pirius. E em troca, ela não resistirá a mim. Ela vai se encontrar comigo, por vontade própria. Se alguém for ferido pela minha mão, ela se matará e ponto final. — Ela está presumindo muito, — eu digo alegremente. — Por que acharia que eu valorizo tanto a vida dela? Ayah sorri, e seus dentes são de um branco brilhante. — Vamos lá, Sr. Construto. Não vamos fazer jogos tão bobos. ****** Somos recebidos no primeiro setor por outro chanceler, desta vez a própria mãe de Col. Ela exala o controle calmo de uma mulher acostumada ao poder e ao respeito. Depois de abraçar Col e segurar seu rosto com as mãos, sorrindo para ele, ela vira seu sorriso para mim, seus olhos enrugando nos cantos. — Estou muito feliz por você estar aqui, Jass. Estou esperando há muito tempo para conhecê-lo. Isso está longe do que eu esperava. Não há subterfúgio em suas palavras. Sua sinceridade é muito real, e acho que não tenho certeza do que dizer de volta para ela. Depois de pensar um momento, digo o óbvio. — Tenho certeza de que você é a única pessoa na sub cidade que se sente assim, Chanceler Pakka. Ela coloca a mão no meu ombro, benevolência e bondade brilhando dela - um halo dourado que só eu posso ver. — Como você já sabe, o povo Pirian não tem conseguido acessar suas visões, mas tenho uma memória excelente. Eu vi o que aconteceria aqui antes de ficar cega para o universo. Isso me deixou esperançosa. Estou ansiosa por este dia por sete ciclos. Ela ainda está me tocando, sua mão queimando em mim como uma marca quente. Eu ficaria menos desconfortável agora se ela estivesse fazendo ameaças à minha vida em vez de olhar para mim como se eu fosse seu salvador pessoal. — Não tenho certeza do que você viu, mas o tempo deve ter distorcido suas visões, Chanceler. — Por favor. Chame-me de Erika. Inclino lentamente minha cabeça. — Estou aqui por Reza, Erika. Nada mais. Nada menos. Ela me prometeu uma audiência. Ela também me prometeu que se submeteria a mim. No momento em que descobrir que ela não cumpriu sua palavra... — Reza é uma pessoa honesta. Ela cumpre suas promessas. Você deve se lembrar que ela também jurou que tiraria a própria vida se você não se comportasse civilizadamente. Você não tem nenhuma razão para duvidardela. Ela está certa. Eu não. A primeira vez que vi Reza, ela estava preocupada com a confusão de morrer. Eu ordenei que ela não o fizesse e ela obedeceu, mas vi a determinação em seus olhos. Eu sabia que ela falava sério. Não vi isso como um ato de covardia. Foi um ato de bravura da parte dela, onde retomou o controle do Construto. Ela definitivamente faria isso de novo. Não gosto da ideia de Reza sangrando pelos pulsos. Eu empurro a memória dela deitada na grade, seu rosto uma máscara de morte, para fora da minha cabeça completamente. — Você não parece ter nenhum problema em olhar para mim, Chanceler. Não posso dizer o mesmo de todas as outras pessoas aqui. — Olhar no olho de uma tempestade exige prática. Meu povo não está acostumado com a ideia de você, Jass. Eles percebem sua alteridade, mesmo que não saibam por que ou quem você é. Eles não sabem decifrar o caos. Tive muito tempo para estudá-lo dentro de minha própria cabeça e em meus sonhos. Nossas visões são coisas poderosas. — E às vezes erradas, eu ouvi. Erika não se intimida com meu comentário. Sua compostura é inquietante. — Não essas visões, — ela diz com confiança. — Essas visões eram indeléveis. Uma tintura já lançada, eventos simplesmente esperando sua hora de se concretizar. Você vai ver. Você vai descobrir. — Ela sorri para mim, tão autoconfiante, mas pego o lampejo de dúvida que torce as feições de Col. Ele não acredita tão firmemente quanto sua mãe, não importa o que disse a Farren. Ele poderia ter acreditado antes de me conhecer, mas agora... — A única coisa que preciso descobrir é quando verei a garota, — respondo. Erika acena com a cabeça. — Ela sabe que você está aqui. Disseram que ela pode ir até você, se desejar. Enquanto isso, por que não descansa? 13 REZA UM MENINO... Meu coração está tropeçando dentro do meu peito. Eu estou do outro lado da porta da sala de preparação, minha cabeça baixa, as pontas dos meus dedos dormentes. Não consigo me recompor. Isso é importante. Erika conseguiu me impressionar sobre quão crucial esse encontro é. Se eu não conseguir fazer algum tipo de avanço aqui com Jass, o Construto chegará a tempo para o próximo eclipse duplo, e eles erradicarão este posto avançado. Haverá muita morte e destruição. Jass se tornará a força imparável do mal na galáxia. E quanto a mim? Erika não disse o que aconteceria comigo se o Construto aparecesse em Pirius, mas posso imaginar. Jass chegará ao poder e à loucura. Ele não vai deixar que eles me matem. Ele vai aproveitar a energia dentro de mim e usá-la para me controlar. Serei sua escrava, condenada a cumprir suas ordens, presa dentro do meu próprio corpo, incapaz de evitar a morte que acontecerá em tantos mundos. Vou matar uma e outra vez e não vou conseguir desviar o olhar. Eu o odeio. Eu o temo. Devo mudá-lo de alguma forma. Col, meu amigo nos últimos sete ciclos, coloca a mão nas minhas costas, esfregando em pequenos círculos. — Não sei como vai ser, Reza. Não sei se há uma maneira de argumentar com ele, muito menos uma maneira de conquistá-lo. Ele se recusou a me dizer o que queria com você. Não acho que ele tem planos de escraviza-la, no entanto. Tecnicamente, suas palavras deveriam me tranquilizar, mas serei amaldiçoada se elas não têm o efeito inteiramente oposto. — Posso entrar com você, se quiser? — Ele oferece. — Jass é um bastardo cáustico, mas eu meio que me acostumei com ele nos últimos dias. Existe um truque para lidar com ele. Não lhe mostre o seu medo. Ele é como um cavalo puro sangue. Se souber que você está intimidada por ele, a descartará imediatamente. Se você tiver nervos de aço e lhe mostra isso, haverá uma chance melhor dele ouvir o que tem a lhe dizer. Ouvir. Me ouvir, não me matar. Parece uma opção muito melhor. Eu sou capaz de fazer o que Col está me dizendo para fazer, entretanto? Posso deixar de lado esse medo e aversão arraigados? Posso esconder o quanto estou apavorada de que o dia que temi e senti em pânico por tanto tempo finalmente chegou, como eu sempre soube, no fundo, que chegaria? Eu não acho que sou boa em fingir. — Honestamente. Eu realmente não me importo de entrar com você, se quiser. — O sorriso amável de Col diz que ele está falando sério. — Eu ficarei bem. Eu acho. Espero. Mas se você ouvir gritos... — Eu vou me certificar de quebrar a porta, armas em punho. — Obrigada, Col. — Respiro fundo, a mão pressionada levemente no painel de acesso da sala de preparação. Um pouco mais de pressão e a porta deslizará silenciosamente e terei de enfrentar um dos meus piores pesadelos. Antes de ir, me viro e faço a Col uma última pergunta. — Você lhe mostrou que não tinha medo dele. Você ficou sozinho com ele por quatro dias. Ele poderia ter te matado a qualquer momento com nada mais do que um pensamento, e você não vacilou. Como fez isso? Como foi capaz de superar seu medo? Col solta uma risada alta e ousada, balançando a cabeça para trás, os músculos de sua garganta trabalhando. Seus olhos azuis, completamente contrastantes com os olhos escuros, quase negros dos videntes e seu povo, brilhando intensamente. — Eu não fiz, Reza. Eu não fiz nada. Mas de alguma forma consegui puxar a lã sobre seus olhos. A verdade é que eu estava me cagando o tempo todo. ****** Um menino... Não, um homem está sentado em uma cadeira. Ele está sozinho. Seu tufo de cabelo escuro ondula descontroladamente por todo o lugar, espesso e indomável. Seus olhos também são escuros. Marrom escuro, como chocolate derretido, salpicado de ouro e caramelo. Caloroso. Vivo. Muito intenso. Abaixo de seus olhos: um nariz longo e reto e lábios carnudos pressionados um contra o outro. As maçãs de seu rosto são altas. Mais altas do que normalmente seriam em um menino, mas de alguma forma combinam com ele. Seu rosto é todo anguloso - severo, mas suave ao mesmo tempo. Eu esperava ser atingida pela necessidade urgente de correr quando coloquei os olhos nele pela primeira vez, mas estou impressionada com o quão normal ele parece. Ele é, para todos os efeitos e propósitos, apenas um homem. Já o vi antes, no Invictus, mas em breves fragmentos. Não mais do que alguns segundos aqui e ali. Quando olho para ele agora, conheço seu rosto intimamente, muito melhor do que deveria. É como se eu tivesse passado horas com ele. Dias, até. Só que não passei. Ele se endireita na cadeira quando me vê, seus ombros puxando para trás, seu queixo levantando, uma tensão tomando conta dele, e sinto isso também. Uma espécie de corda sendo esticada dentro de mim, vibrando como a corda dedilhada de um instrumento musical. — Você está atrasada, — diz ele rigidamente. — Eles disseram que você viria me ver há duas horas. Eu retruco sem pensar. — Desculpe. É muito movimentado por aqui. Eu não podia simplesmente largar o que estava fazendo e vir correndo. A boca de Jass se contorce imperceptivelmente, mas eu percebo o movimento. — Você queria, — diz ele lentamente. — Eu podia sentir isso. A coisa preocupante é que eu queria. Tenho estado tão envolvida e confusa com o que tenho sentido nos últimos dias. Tantas emoções violentas, todas competindo para estar na frente e no centro das atenções. Tem sido difícil diferenciar entre todas elas. Não posso negar, no entanto. Senti isso no momento em que o aprendiz correu pelo corredor e nos disse que Col tinha chegado com Jass. Eu queria ir até ele imediatamente, como se corresse para encontrar um velho amigo. Eu queria correr até aqui, cegamente, sem um único pensamento sobre o que poderia acontecer, e não tenho absolutamente nenhuma ideia do por que. Dou um passo para dentro da sala, minhas mãos suando com a perspectiva de realmente me aproximar o suficiente dele para me sentar na cadeira em frente à dele. Ele não tem restrições. Não há um vidro a prova de explosões entre nós. A única coisa que meprotege é sua palavra de que não vai me machucar, e até que ponto isso pode ser confiável? Deus, isso é tão estúpido. — Você é exatamente como eu me lembro, — Jass diz calmamente. — Seu cabelo. Seus olhos. Suas sardas. Essa marca de nascença no seu ombro. — Ele aponta para a pequena marca que de fato está no meu ombro direito, e de repente me sinto nua. O colete com o qual estava treinando me cobre o suficiente para preservar minha modéstia, mas certamente me sentiria melhor agora se estivesse usando uma camisa adequada. — Você não se parece em nada com o que eu me lembro, — eu atiro de volta. Sua cabeça inclina-se para o lado. Interessado. Intrigado. — Como assim? — Eu me lembro de ter medo de você naquela nave. Você parece bastante inofensivo para mim agora, no entanto. É tolice dizer que ele parece inofensivo. Seus ombros são largos, seu peito cheio de músculos. Suas mãos, repousando à sua frente na superfície da mesa, com a palma para baixo, são fortes e capazes. Seus olhos escuros são afiados e focados, estudando e avaliando. Um ar de desafio, provocação e confiança saí dele em ondas esmagadoras que ameaçam me superar. Não, ele não é nada inofensivo. Ele ainda é o homem mais perigoso da galáxia; Eu sei disso apenas pela maneira como meu coração está acelerado agora. Jass sorri lentamente, batendo o dedo indicador contra a mesa. É como se ele soubesse de algo que não sei. — Muita coisa mudou entre nós desde o Invictus. — Nada mudou, — eu retruco. — Você ainda é o brinquedo do Construto. Ainda machuca as pessoas e faz com que sofram. Você é um monstro sem rosto. Um terror noturno. Um fantasma sombrio, — eu sussurro. Os olhos de Jass brilham com alguma emoção desconhecida. Ele encolhe apenas o ombro direito. — Como quiser. Uma pressão intensa está crescendo dentro da minha cabeça. Não consigo pensar direito. É como se meu crânio estivesse preso em um torno e alguém girasse lentamente a manivela, aumentando o aperto. Tenho que acelerar esse processo. Eu tenho que dar o fora daqui. — Tenho certeza que o Construto perdeu mais de um soldado nesse tempo. Eles não podem me querer de volta o suficiente para treinar sua arma mais valiosa contra mim. — Ela bufa, mostrando sua frustração. — Você está tentando reivindicar minha energia? É isso? Você teve todo esse trabalho para me encontrar porque quer me drenar até a morte? Recostando-se na cadeira, Jass inclina o queixo, levantando-o de forma que a luz do teto projete sombras escuras em sua garganta. — Os líderes do Construto acham que você está morta. Eles presumiram que você foi morta no conflito que eclodiu após o ataque ao Invictus. Você feriu muito Stryker. Independentemente disso, você é irrelevante para eles. Se suspeitarem que você está viva, podem enviar um caçador de recompensas para pegá- la. Levá-la de volta ao Nexus para torná-la um exemplo. Eles certamente não gostam que seu povo escape e os faça de idiotas de forma alguma. Mas para uma garota insignificante? — Ele balança a cabeça. — Eles se esqueceram de você, Reza. — Meu nome soa como um compromisso em sua língua. Algo estranho e incômodo. Uma admissão de algum tipo. A maneira como ele diz isso me faz contorcer, não. — Mas onde o Construto pode esquecer tão facilmente de você, eu, por outro lado, não pude. Sim, estou interessado na sua energia, — confessa. — Eu não quero drená-la de você, no entanto. Estou muito mais interessado no que poderia ser realizado se combinássemos nossas energias, voluntariamente. Um arrepio desce pela minha espinha, como se uma mão gelada tivesse acabado de me agarrar pela nuca. Eu não acredito nele. Resisti a ele no Invictus. Ninguém mais foi capaz de fazer isso. Ou pelo menos nenhum registro foi mantido de alguém fazendo isso. O poder de Jass é indiscutível. Se ele soubesse que alguém lá fora poderia resistir a ele, poderia potencialmente lhe causar problemas no futuro, é claro que iria querer destruir essa pessoa. Por que de boa vontade me permitiria manter meu poder, se ele achasse por um segundo que poderia toma-lo? Como se soubesse o que estou pensando, Jass começa a rir. Nunca na minha vida imaginei como Jass Beylar seria ou soaria quando risse. Parecia um evento tão improvável que o pensamento nunca passou pela minha cabeça. — Para alguém tão disposta a jogar a vida fora, você parece ter muito medo de ser morta, — diz ele. — O que é isso? Que pacto de suicídio você fez? — Seus olhos se estreitam e eu sinto aquela pressão intensa como uma agulha na minha cabeça novamente. — Nightcreeper, — ele diz. — Humm. Eu não conheço. Eles embutiram a cápsula em seu dente de trás. Faz sentido. Você pode mordê-la se estiver em perigo, muito antes que alguém pudesse sonhar em impedi-la. Veja, sua mente tem paredes altas, Reza, — ele me diz alegremente. — Mas eu ainda posso entrar, embora você seja teimosa. Droga. Eu me permiti distrair. Renovo o escudo que ergui para me proteger, assim como Erika me ensinou, juntando todas as minhas forças e aplicando-as na tarefa, determinada a mantê-lo fora. Ele não deve ter permissão para ter esse tipo de poder sobre mim. Eu não posso permitir isso. Se eu fizer isso, com certeza será mais fácil para ele entrar sorrateiramente na minha cabeça da próxima vez que sentir vontade de invadir minha privacidade. A risada de Jass se torna cansada. — Seu poder é muito cru. Indomável e destreinado. Com tempo de sobra, sempre vou romper, Reza. Já sei a pergunta que te mandaram aqui para me fazer. Eles querem que eu me junte a eles. Ajude-os a derrotar o Construto. Eles querem que eu salve o dia. É irritante que ele já tenha descoberto essa informação. Eu tentaria senti-lo, para ver se ele tinha absolutamente alguma consciência antes de gentilmente cutucá-lo sobre sua lealdade ao Construto. — Não se preocupe, — eu estalo. — Já sei que você não é o tipo de cara que salva o dia . — Eu fui uma vez. — Ele avança, agarrando-me pelo pulso. Ele gira meu braço e ali, roxa e feia sob o brilho totalmente branco da luz de emergência acima, está a cicatriz que ganhei quando tentei me matar no Invictus. Especificamente, o momento em que Jass interveio e me impediu de tirar minha própria vida. — Eu me lembro disso também, sabe. Tão inquietante. Eu estava no meio de uma reunião com os mais velhos e meu estômago revirou da maneira mais estranha. Eu me senti... desequilibrado. Eu sabia que algo estava errado. Sabia exatamente aonde ir para te encontrar. Eu sabia que, se não fosse até você imediatamente, sentiria a mesma sensação de desequilíbrio para sempre. Eu não podia permitir que isso acontecesse. Você me sentiu indo te encontrar? Você sentiu o momento em que tudo mudou? Eu liberto meu braço, segurando meu pulso sob a mesa, agarrando-o como se ele tivesse acabado de quebrar o osso. Meu pulso está fora de controle, todo atrapalhado, mal bombeando meu sangue ao redor do meu corpo. Minha cabeça está girando, meu peito incrivelmente tenso. — Eu não senti nada, — eu sussurro. — Eu estava morrendo. Estava quase inconsciente. Eu perdi muito sangue, eu nem estava coerente. Resmungando baixinho, Jass me encara como se pudesse ver através de mim. Seu cabelo cai em ondas grossas, quase pretas até os ombros. Seus olhos são ferozes enquanto ele examina meu rosto, e outra trepidação fria e aterrorizante bate em meu corpo. — Mentirosa. — Sua voz está baixa e rouca, mas aos meus ouvidos soa como um outeiro mortal. — Você está se escondendo de si mesma tanto quanto está se escondendo de mim. Um dia desses, terá que enfrentar a verdade. Você sabe disso tão bem quanto eu. Sua vida vai depender disso. Minha garganta parece que está fechando. Eu fico de pé, minhas pernas tremendo, mal conseguindo me segurar enquanto me viro e saio correndo da sala. A porta se fecha atrás de mim e, por um momento, tudo o que posso fazer é ficar ali,encostada na parede, tentando não desmaiar. Porque ele está certo. Eu senti. Não importa o quanto queria negar isso, naquele dia, quando Jass chegou para salvar a minha vida a bordo do Invictus, eu senti o momento tudo mudou. E gostei. 14 REZA PARA TRÁS — Você precisa voltar lá. Você precisa convencê-lo. Você tentou entrar em sua mente como nós praticamos? — Nos últimos dias, quando treinei com Erika, ela foi sempre educada. Reservada mesmo. Agora, ela não é nenhuma dessas coisas. Ela anda de um lado a outro sob o dossel de estrelas projetadas no teto da caverna, torcendo as mãos. — O tempo é tão curto, Reza. Estamos trabalhando contra o relógio. Eu vi o ataque acontecendo durante um eclipse duplo. O próximo eclipse duplo ocorre em menos de um mês. Eu sei que isso está longe de ser fácil, mas a galáxia está em jogo. Sacrifícios devem ser feitos. Lamento ter que pressioná-la a isso, a ele , mas quanto mais informações pudermos conseguir dele, melhores nossas chances de sobreviver ao que está por vir. Sentado em um dos consoles, Col pigarreia. — Ela entende, mãe. Todos nós entendemos. — Ele parece triste. Nunca soube que Col fosse nada além de feliz e despreocupado, mas está claro que algo pesa sobre ele. Darius tratou de seus ferimentos em algum momento na noite passada, e agora ele quase não mostra nenhum sinal de desconforto. Ainda há uma dor vazia dentro dele, no entanto. Algo que vai muito mais fundo do que suas costelas quebradas e seus músculos machucados. Ele se levanta e Erika observa seu filho se aproximar dela. Ele segura o rosto dela com as mãos, e a tensão que a tem enrolada desde que vim relatar meu encontro com Jass parece se dissipar um pouco. Ela suspira, fechando os olhos. — Eu sinto muito. Sei que tarefa difícil deve parecer, Reza. Sei que você está tentando enfrentar os desafios que lhe propomos. Peço desculpas pelo fardo que colocamos em seus ombros. Isso tudo... é muito. Isso é bastante eufemismo. As pessoas deste planeta têm sido boas comigo, no entanto. Desde o dia em que aterrissei aqui, eles cuidaram de mim. Certificando-se de que os saqueadores que vivem nas dunas não me incomodem. E quando encontrei meus pés e aprendi a me defender sozinha, eles não me abandonaram. Em retrospecto, isso pode ter algo a ver com meus laços com Jass Beylar, que tenham me observado para ver que novas informações posso lançar sobre a situação que está se desenrolando agora, mas no final do dia essas são boas pessoas. Gentis. Pacíficas. Eles não me colocariam em uma posição perigosa, a menos que fosse absolutamente necessário. — Estou disposta a voltar, Erika. Estou disposta a continuar tentando. Eu não acho... — Eu suspiro, falhando em esconder minha frustração. — Parece estranho, mas não acho que ele queira me machucar. — Admitir isso é uma coisa bizarra. Mesmo agora, com Jass tão perto, meu corpo parece que estar zumbindo com energia nervosa e pronto para fugir. Cada parte de mim está gritando, exigindo que eu encontre o primeiro ônibus espacial saindo de Pirius e certifique-me de que estar nele. Mas, estranhamente, no momento em que considero isso uma opção, parece que estou sendo fisicamente dividida em dois. Eu quero fugir. Eu quero ficar. Sentada lá, em frente a ele, parecia que eu o conhecia. Eu era atraída por ele de uma forma muito perigosa. Esse não deveria ser o caso. Col coloca a mão no ombro de sua mãe. — Jass é uma força a ser reconhecida, não há como discutir sobre isso. Mas há algo sobre ele. Ele não é... — ele faz uma pausa, franzindo a testa, como se procurasse a coisa certa a dizer. — É possível que se Jass... se ele não tivesse sido mantido trancado a sete chaves pelo Construto... — Ele bufa pesadamente pelo nariz, balançando a cabeça. — Eu acho que o que estou tentando dizer é, você acha que ele pode mudar? Existe alguma razão para acreditarmos que ele pode abandonar seu treinamento do Construto e ver a galáxia de outro ponto de vista? Uma expressão serena e triste cruza o rosto de Erika. Ela cobre a mão do filho com a sua, apertando-a, e uma onda de inveja me inunda. Erika pode não ser parente de sangue de Col, mas é fácil reconhecer o amor que irradia dela sempre que olha para ele. Ele é filho dela. É simples assim. O rosto de minha própria mãe é pouco mais do que uma mancha borrada de cor e luz para mim agora. Eu era muito jovem na última vez em que a vi para me lembrar dela com alguma clareza. Se eu tive irmãos e irmãs em meu planeta natal, nunca saberei. Eu invejo a proximidade que Col e Erika compartilham além da crença. Eu vivi uma vida inteira de solidão, sem saber como seria compartilhar um vínculo como esse. E a perda disso, embora nunca tenha experimentado, é de partir o coração. — Uma nave pode voar para trás, filho, — diz Erika. — Mas ainda assim foi projetada para seguir em frente, da mesma forma. Não sei se é possível para Jass Beylar ser outra coisa que não ele. Uma mudança como essa seria difícil de realizar. Quando a morte, a violência e o sofrimento vêm naturalmente para uma criatura, a bondade, o sacrifício e a própria vida parecem não existir mais. 15 REZA DREAMSCAPE Eu tenho areia nos meus olhos. Uma tempestade está se formando no horizonte e, por algum motivo, estou caminhando em sua direção. Minha camisa está escorregadia de suor, meus músculos protestam enquanto subo continuamente a duna mais alta que já vi. Ela se eleva sobre a paisagem circundante, uma inclinação íngreme e extenuante que pretendo escalar. Sou impulsionada para frente, ou melhor, sou puxada para frente, um pé plantando na areia solta após o outro. Meus pulmões estão queimando pelo esforço da escalada. Seria bom sentar e descansar um pouco, tomar um gole d'água do meu cantil, mas meu corpo simplesmente não permite a trégua. Uma urgência inquietante me atrai para frente. Uma urgência à qual não consigo resistir. No topo da duna, vejo o que está além: uma nave quebrada, despedaçada e espalhada por quilômetros, fumaça negra e acre subindo dos destroços em gavinhas grossas e oleosas que alcançam o céu escurecendo. Não há nada lá no local do acidente, exceto perda e dor. Posso sentir isso, mas tropeço no outro lado da duna de areia, indo direto para ela. Eu não bebo. Eu não paro. Eu não descanso. Empurro adiante através da areia, envolvendo minha cabeça em um lenço enquanto o vento começa a aumentar e grãos de areia começam a bater em meu rosto. As horas passam. Pelo menos parece que horas se passaram. Estou ofegante e exausta quando chego ao primeiro pedaço dos destroços. Eu não paro para inspecionar. O que estou procurando não será encontrado aqui. Em vez disso, continuo. E assim por diante, sem fim à vista. Finalmente, chego ao maior pedaço de entulho e sei que cheguei ao meu destino. Eu desabo no chão, a exaustão me oprimindo. Fico ofegante, lutando para recuperar o fôlego. — Demorou bastante, — diz uma voz. Eu reconheço a voz imediatamente. Não há engano. Estou aliviada. Eu me apoio nos cotovelos e Jass está sentado na areia, com as costas apoiadas na área principal de um raptor que já foi elegante e fenomenalmente caro. Suas roupas são simples e pretas, seu cabelo penteado para trás, embora ainda ondulado e selvagem, como se se recusasse a ser domesticado. Seus olhos estão ainda mais claros do que antes - um tom suave de marrom e ouro, fundidos criando um caramelo muito rico. Ele parece cansado, embora não exausto e perto de desmaiar, tenho certeza. — Estive esperando por você há muito tempo, — Jass diz suavemente. — Parece que continuo te desapontando. — Eu luto com as palavras, minha garganta seca e crua. Não entro em pânico quando Jass se levanta. Meu medo está lá, como um fogo ardendo sob um cobertor, e ainda realmente não consigo sentir isso. Eu o observo enquanto ele se aproxima e meu pulso permanece estável. Não afetado.Seu andar é fácil e confiante, completamente tranquilo, e algo desconfortável se agita em meu peito. Algo inesperado. Isso volta para mim lentamente – como todas as vezes que me encontrei com ele assim antes. Tantas vezes. Ele me beijando. Ele me segurando. Ele me fodendo e eu amando cada segundo disso. Deuses, estou perdendo a cabeça? Estou inventando isso na minha cabeça de alguma forma? Não, simplesmente não é possível. Os detalhes, todas as conversas que compartilhamos. A quantidade de vezes que ele pressionou sua boca na minha, deslizou dentro de mim, acariciou meu cabelo depois - não posso ter inventado tudo isso. É real. Isso é real há muito tempo. Jass se senta na areia à minha frente, cruzando as pernas; ele retira o cantil de água da pequena bolsa de couro que carreguei até aqui e abre, estendendo-o para mim. — Beba. Se não o fizer, você morrerá. Ele é todo profissional, seu tom é neutro. Há um brilho duro em seus olhos que me faz beber. A água é gelada enquanto desce pela minha garganta e praticamente gemo de prazer. Jass balança sobre os calcanhares, sorrindo enquanto me observa. A vergonha se precipita sobre mim, me pegando de surpresa. Eu não deveria estar sentindo esse toque de afeto por ele em minhas entranhas. Não deveria querer que ele estendesse a mão e me abraçasse. Eu não deveria precisar dele, do jeito que preciso agora. — Você deve ter achado hilário, sentado ali na minha frente naquela sala, sem eu me lembrar de nada disso, — eu murmuro. Jass junta as mãos, enganchando os cotovelos em torno dos joelhos para evitar cair para trás. — Não particularmente. Eu queria te tocar. Eu queria te beijar. Você teria atirado em mim. — Ele olha ao redor, sua cabeça inclinada para trás enquanto olha para o céu, apertando os olhos contra a luz. Os sóis no alto estão escurecendo conforme a tempestade se aproxima, obscurecendo mais e mais o céu, mas ainda são brilhantes o suficiente para tornar a areia totalmente branca quase impossível de se olhar. — Decidi que não gosto deste planeta, — continua Jass. — É absolutamente normal. Sem recursos resgatáveis de qualquer espécie. — Os Pirianos são boas pessoas. Eles tornaram os últimos ciclos suportáveis para mim. O olhar de Jass retorna para mim, seus olhos fixos no meu rosto. Ele não tem expressão. Ainda. Congelado no lugar. Uma intensidade ardente se agita dentro dele, logo abaixo de sua superfície. Eu posso sentir isso. Eu sei isso. Eu reconheço. A emoção tumultuada dentro de Jass me chama, acenando para que eu me perca dentro dele, para que possa me abraçar também. Ouvir que ele queria me tocar, me beijar quando me viu antes... apenas saber que ele se sentia assim está fazendo minha cabeça girar. Eu não consigo parar de olhar para ele. — Não sei muito sobre a galáxia, Reza, — diz ele. — Eu só sei o que o Construto me mostrou, e isso não é muito. Eles são muito seletivos quanto às informações que decidem compartilhar com seu pessoal. Mas não sou idiota. Eu sei que há mais. Sua visão estreita da vida serviu ao seu propósito de algumas maneiras. Eu sou forte. Sou resiliente. Eu sou capaz e sou determinado. — Ele inclina a cabeça para um lado, estreitando os olhos, me estudando tão ferozmente que parece que minha pele está pegando fogo. — Você pode dizer o mesmo? Eu levanto meu queixo em desafio, olhando de volta para ele, me recusando a desviar o olhar. Se ele acha que pode me persuadir à submissão, terá uma surpresa. — Sim. Eu posso dizer o mesmo. Sou todas essas coisas e muito mais. Eu sou órfã. Eu não tenho herança. Nenhum lar. Não tenho riqueza nem poder, mas seria um erro me subestimar. Eu luto muito quando estou encurralada em um canto. Um lampejo de diversão passa por seu rosto. Eu o entretive. — Eu nunca cometeria um erro tão grave, — diz ele, seu tom carregado de sarcasmo. — Mas quem disse alguma coisa sobre lutar? Minhas mãos apertam em torno do cantil de água que ainda estou segurando. — Também não sou idiota, Jass. Você quer minha energia. — Se isso fosse verdade, teria acabado com essa merda assim que você entrou naquela sala. Eu teria pegado e matado cada um daqueles videntes. Eu já poderia estar de volta a bordo da Nexus, dormindo confortavelmente na minha própria cama se esse fosse o meu propósito de vir aqui. — Ele abre bem os dedos, mostrando-me as palmas das mãos. — E ainda assim aqui estamos. Conversando como gente civilizada. Como amigos reunidos. Como amantes. — Nada disso é real. E não somos nenhuma dessas coisas, Jass. Você é um assassino. Você matou centenas de pessoas. — Milhares, — ele corrige. — Eu matei mais pessoas do que você pode imaginar. Eu nem me lembro mais dos rostos deles. Como ele pode dizer algo assim sem um pingo de remorso? Nem um lampejo de emoção. Tantas pessoas, todas mortas, todas mortas por suas mãos. Como ele pode não se importar com isso? Como as mortes deles não significam absolutamente nada para ele? Jass dá um sorriso estranho e distorcido que contorce suas feições. — Você está recuando. Recuando de mim. Eu posso sentir sua mente se esvaindo. Não sou um monstro, Reza. Eu sou um pragmático. Eu reconheço o caminho do universo. Sempre haverá aqueles com poder e aqueles sem ele. Aqueles que não têm nenhum, se esforçarão continuamente por isso. E quem tem vai acumular mais sem nem tentar. Eu não pedi para ser mais do que qualquer outra pessoa. Não pedi para ser cutucado e examinado em um laboratório do Construto por ciclos. Não persegui esse futuro em particular em detrimento de qualquer outro. Recebi uma mão de cartas e tenho jogado desde então. Você teria feito a mesma coisa no meu lugar. Minha reação é instantânea e violenta. — Eu não faria! As coisas indescritíveis que você fez... eu nunca... Jass levanta a mão direita, me interrompendo. — Nunca é um tempo longo. Até que tenha vivido um dia no meu lugar, você realmente não tem ideia do que faria ou não faria. — Há um tom frio, vazio e solitário em suas palavras que me faz estremecer. — E não vamos esquecer, — diz ele, — você foi um membro do Construto uma vez. Pode me dizer honestamente que nunca matou ninguém? Você pode dizer honestamente que não seguiu as ordens que recebeu, porque não segui-las significaria a morte para você? Deuses. Meu estômago revira, o peso nauseante da culpa enterrada erguendo sua cabeça feia. Há muito tempo, digo a mim mesma que não posso ser responsabilizada pelas pessoas que morreram por minha causa. Eu sofri uma lavagem cerebral. Eu não era eu mesma. Eu fazia parte de uma máquina vasta, bem lubrificada e enorme que continuaria girando com ou sem mim. As pessoas que morreram no final da minha arma teriam morrido não importa o quê. Algum outro soldado Construto os teria matado se eu não tivesse. E escapei assim que tive a chance. Eu joguei minha arma no chão e me recusei a participar mais. Isso tem que significar alguma coisa, certo? Falo essas coisas para mim mesma, mas tarde da noite, quando estou lutando para adormecer, lembro-me dos rostos das pessoas que matei. Sou atormentada pela memória de seu medo e terror enquanto fugiam diante de mim, e nenhuma mentira que disser a mim mesma fará com que isso desapareça. Eu não gosto dessa conversa. Nunca conversamos tão seriamente antes. Contornamos os obstáculos óbvios e sinistros que se interpõem entre nós, como se ignorá-los os fizesse desaparecer completamente. Jass cantarola baixinho. Ao não responder, dei a resposta que ele procurava, confirmando suas suspeitas. Lentamente, ele estende a mão e levanta, segurando um pedaço do meu cabelo. Ele o estuda e cuidadosamente o coloca atrás da minha orelha; seu toque é quente, embora não faça contato com a minha pele, e meu coração começa a disparar. — Você é péssima em esconder suas emoções. Eu seria capaz de ler seus pensamentos mesmo que não pudesse ler sua mente. Eu sei a culpa que carrega com você.Não se preocupe, — ele diz suavemente. — Soltar é a parte difícil. Depois de admitir a verdade para si mesma, tudo o que se segue é fácil. — Eu não sei do que você está falando, — eu sussurro. Há uma voz assustada dentro de mim que sabe do que ele está falando, no entanto, e está me incentivando a aceitar suas palavras. Isso seria tão fácil. Faria muito sentido. Desligar a parte de mim que insiste em sentir tanto. O sorriso de Jass se amplia, embora eu possa dizer que ele está irritado com minha resposta. — Acabou o tempo, Reza, — ele me diz. — Mas não se preocupe. Nos veremos novamente em breve. — Não. Não mais. Ou preciso lembrar o que acontece aqui quando nos encontramos, ou não fazemos mais isso. Eu juro, não vou mais chamá-lo até mim. Falo sério. Jass ri - um som profundo, perigoso e carnal. — OK. Se é o que você quer. Mas não sou eu quem esconde essas interações de você, Reza. Você já considerou que talvez seja você quem os está escondendo de si mesma? Estou prestes a responder, chamá-lo de louco, jogar todas as palavras cruéis que conheço nele, mas de repente minha respiração é sugada de mim. Não percebi a rapidez com que o tornado de terra e areia se aproximou de nós. Não notei como de alguma forma ficamos encerrados nele, e que estávamos sentados bem no centro de sua massa turbulenta e caótica. As paredes da tempestade se fecham, mais rápido do que eu poderia imaginar, e sou arrancada da duna, a areia voando e atingindo meu corpo como um milhão de cacos de vidro. Por um segundo, fico sem peso, e então parece que estou sendo dilacerada, uma força esmagadora me puxando em todas as direções. Abaixo, Jass está no centro da tempestade, com os braços levantados, um maestro louco dirigindo sua sinfonia... e então, em um piscar de olhos, ele se foi. 16 JASS A SALA DE PENSAMENTO O sonho foi diferente desta vez. Difícil de iniciar, e depois fora de controle. A tempestade nem foi minha culpa. Tentei segurá-la ao máximo possível antes que nos consumisse. Eu sentei lá, bebendo dela, meu sangue rugindo em meus ouvidos, desesperado para pegá-la e tomá-la em meus braços, mas não havia tempo. Fui forçado a deixar o sonho desabar. Sou forte, é verdade, mas como todas as outras fontes de poder na galáxia, sou forçado a reconhecer minhas limitações. Eu gostaria de ter ficado mais tempo, mas o recuo dela tornou impossível manter os fios do estado de sonho juntos sem minha própria mente dobrar sob a tensão. Agora que estamos tão próximos, ela é muito mais forte do que imagina. É mais forte do que jamais admitirei para ela, e isso me deixa seriamente nervoso pra caralho. Fico deitado no escuro por uma hora ou mais, ouvindo os sonhos de todas as pessoas que dormem por perto, maravilhado com o quão indiferentes elas vagueiam pela experiência, mal participando da jornada que seu subconsciente os leva a fazer. As coisas poderiam ser tão diferentes para eles, com um ajuste aqui e uma pequena edição ali. A vingança pode ser vencida. O sucesso pode ser alcançado. A raiva pode ser aplacada. Os desejos sexuais podem ser satisfeitos. E, no entanto, nenhuma dessas pessoas está ciente de que podem tomar as rédeas e controlar suas desventuras noturnas, se apenas tentassem um pouco. Patético, realmente. Depois de um tempo, sinto uma irregularidade entre todas as mentes adormecidas: um ponto agudo de clareza, queimando intensamente em meio a todo o ruído de fundo mudo. Alguém mais está acordado. Não é Reza. Conheço o padrão exclusivo de sua mente quase tão bem quanto conheço a minha neste momento, e esta nova mente desperta não é nada parecida com a dela. Nada como a dela. Jogo os lençóis de volta na minha cama, tentando não tremer de frio com muita violência enquanto coloco minhas roupas e enfio os pés dentro das botas. Mais uma vez, fico maravilhado com a completa loucura dessas pessoas quando saio do meu quarto e entro no labirinto gigante de túneis que compõem a sub cidade. O Construto nunca permitiria que um de seus prisioneiros tivesse acesso à nave. Eles seriam torturados (às vezes por mim) e, então contidos da maneira mais dolorosa possível até que cedessem e desistissem de qualquer informações que possuíam, e então seriam mortos (às vezes por mim) e sumariamente ejetados para fora da câmara de ar mais próxima. Esses videntes, com suas testas estranhas e enrugadas, e seus estranhos olhos negros, não devem ter um grama de bom senso entre eles. O que eles honestamente acham que vai acontecer aqui? Será que acham que vou testemunhar seu modo de vida pacífico, vivendo como rosticks, tomando seu caminho emprestado no subsolo, e de alguma forma decidirei que quero ser um deles? Posso sentir sua esperança. Senti um pilar alto e brilhante queimando no coração daquela mulher, Erika, e isso me encheu de pena. Eles nem mesmo sabem o que estão esperando. Eles não têm ideia do que está por vir. A própria existência de Reza os cegou, obscurecendo a verdade do que acontecerá no futuro próximo. Levei um segundo para descobrir isso. Cada mente em que entrei desde que cheguei aqui em Pirius foi protegida por este vazio estranho. Não fui capaz de discernir como estavam todos, até um último homem, escondendo seus pensamentos de mim, até que percebi que não estavam escondendo absolutamente nada. Suas visões nebulosas cessaram no momento em que Reza apareceu à sua porta. Encontro meu caminho através da rede de túneis sem nenhum problema, focalizando a consciência clara e nítida lá fora, no escuro. Eu permito que minha própria mente divague. Como sempre, Reza estava à vontade na paisagem dos sonhos. Ela não vacilou com a minha presença até que falamos da morte. Ela provavelmente não acredita em mim quando digo que quero que ela se lembre de nossas aventuras noturnas, mas é a verdade. Se ela se lembrasse, não teria sentido medo de mim durante nosso primeiro encontro pessoal real. Eu normalmente não dou a mínima se as pessoas sentem medo de mim - na verdade, é muito útil em Arquimedes se todo mundo cagar nas calças quando estou por perto – mas é diferente com ela. Eu não gostei da hesitação que inundou nosso vínculo. Definitivamente não gostei da forma como sua adrenalina aumentou. Eu vi a pulsação acelerada em sua garganta. Eu vi como suas pupilas dilataram. Ela era a própria personificação do medo, e doeu mais do que deveria. Eventualmente, minha caminhada me leva a uma caverna escura e seca. Estou momentaneamente surpreso com o imenso tamanho do lugar. O ar está fresco e cheira vagamente a incenso. Assim como a velha capela no Nexus, este lugar parece sagrado. Posso ouvir os ecos de mil orações antigas sendo erguidas aqui, mas não orações feitas de palavras. Essas orações foram formadas a partir da batalha. Eu posso ouvir os gritos de vitória vibrando no ar, e sentir a dor ardente da derrota ainda ressoando nas paredes ásperas. O chão da caverna é organizado como o de um ringue de gladiador, mas não há galerias para os espectadores. Os homens e mulheres que entraram nesta caverna ao longo dos tempos não vieram para se provar aos outros. Eles vieram apenas para provar seu valor a si mesmo. Minha cabeça gira enquanto mergulho na atmosfera, até que me sinto bêbado. Cego por isso. Eu fecho meus olhos, permitindo-me sentir cada uma das vozes individuais que existem aqui neste lugar silencioso. — Eles chamam isso de Salão do Juízo, — diz uma voz, saindo das sombras. Não estou surpreso; Eu sabia que o homem estava lá, sentado no escuro, esperando por mim. — Muitos ciclos atrás, — ele continua, — quando um aprendiz apareceu pela primeira vez, eles vinham aqui para serem testados contra seu mestre. Se o aprendiz pudesse enganar seu mestre ao predizer o que ele ou ela faria antes de fazê-lo, eles ganhariam suas vestes. — Parece um jogo de gato e rato para mim. — Eu mantenho meus olhos fechados. Eu possover, no entanto. Os mestres, clareando suas mentes, e então os jovens protegidos, ferozes e resolutos, prontos para provar sua coragem, estendendo a mão, tateando pelo que poderia vir a seguir. — Eu me pergunto se algum deles foi bom o suficiente para se ver falhando, — eu sussurro. — Muitos deles foram. Muitos deles nem pisavam neste lugar por ciclos, porque cada vez que tentavam se viam derrotados e humilhados, — responde o homem. — Diga-me. Você pode ver o que está por vir? Quando está em Arquimedes, escondido naquela lua negra e brilhante, você consegue adivinhar o futuro de uma pessoa olhando em seus corações? Eu bufo forte pelo nariz. Ele não deveria saber sobre Arquimedes. As instalações de pesquisa do Construto não são exatamente anunciadas. Nem é minha posição lá. — Não. Eu não fui amaldiçoado com esse fardo específico, — eu respondo. Há uma longa pausa. Um farfalhar de mantos. O homem que estava esperando por mim entra a vista, um longo cajado graciosamente apoiado em seu ombro. Ao contrário dos outros videntes que encontrei até agora com seus cabelos empoeirados e incolores, a cabeça desse cara é raspada, revelando uma série de cristas que sobem até o crânio. Sua pele é lisa como uma máscara, o que torna difícil dizer quantos anos ele tem. Há algo velho nele, mas ao mesmo tempo algo igualmente afiado e jovem. — Eu sou Darius, — ele diz, girando seu cajado. O comprimento da madeira pode ser um auxílio para caminhar, mas não é o caso. A maneira como ele maneja a arma com facilidade e perícia fala de muitos longos ciclos de treinamento. — Achei que poderia encontra-lo esta noite, — Darius diz. Ele não para de andar até estar diante de mim, e há pouco mais do que alguns metros de espaço entre nós. O homem pisca para mim, como se tentasse livrar os olhos da areia, as rugas em sua testa se aprofundando enquanto se concentra. Depois de muito tempo, ele diz: —Você está doente. — Achei que vocês não conseguissem me ler. Darius encolhe os ombros, sorrindo amplamente enquanto olha para seus pés. — Não podemos. Eu não posso. Mas ainda posso usar meus olhos para ver o que está bem na minha frente. Eu sou um curandeiro. Eu observo essas coisas. Você está suando. Suas mãos estão tremendo, Jass. O pulso em sua garganta está latejando fora de controle. Então, sim, você está doente. Até um cego poderia ver isso. Eu olho para baixo e ele está certo. Minhas mãos estão tremendo. Minha mente tem estado tão cheia de pensamentos sobre Reza que tem sido relativamente fácil deixar de lado a necessidade crescente de luz no meu corpo. Não vou ser capaz de ignorar isso em breve, no entanto. Meu vício virá chamando, e terei que prestar atenção a ele. Eu fecho minhas mãos em punhos ao meu lado. — Estou bem, — respondo. — Está quente aqui. Não há nada mais nisso. Darius sorri - ele claramente não acredita em uma palavra do que estou dizendo. Ele aponta a ponta de seu cajado para mim, me circulando, uma expressão perplexa no rosto. — Você se considera um homem honrado, Jass? — Ele pergunta. — O Construto não liga para honra. Apenas obediência. — Mas e você? Você se considera um homem de palavra? Eu hesito. Nunca tive que considerar tal coisa. Ele quer saber se cumpro minhas promessas. Acontece que, antes de concordar com os termos de Reza, não me lembro de ter feito uma. — Suponho que sim, — digo. — O que quer que isso valha. Darius faz um som de clique baixo no fundo de sua garganta. — Vale muito aqui embaixo. Sua palavra, sua honra, é sua única moeda. Cultive uma excelente reputação e você será um homem rico e influente. Ganhe uma má fama, o nome de um mentiroso e um trapaceiro, e se tornará o mais pobre dos pobres. — Eu não preciso de dinheiro aqui embaixo, estranho. Posso pegar o que eu quiser. Novamente, Darius encolhe os ombros. — Na maioria das vezes, pode ser esse o caso. Mas há algumas coisas que não podem ser tiradas. — Tal como? — Amizade. Compaixão. Entendimento. Gentileza. Amor. Nenhuma dessas coisas pode ser tirada de outra pessoa sem seu consentimento. Elas devem ser oferecidas gratuitamente. Você certamente pode pegar coisas que tem essas características, mas elas são falsas. Baseadas no medo. Inútil bajular aqueles que fugiriam de você no momento em que tivessem a chance. Eu luto contra a vontade de rir. Este vidente deve estar louco. Absolutamente insano. — Eu não preciso de amizade. Eu não preciso de gentileza. Eu com certeza não preciso de amor. — Mesmo a alma mais negra e corrupta deseja o amor, — rebate Darius. — Ela apenas se recusa a acreditar, com medo de que aceitá-lo o enfraqueça. E faria, porque o amor faz com que pessoas más façam coisas boas o tempo todo. — Você está divagando. — Eu imagino pegar aquele cajado dele e enrolá-lo em sua cabeça. Isso faria um som de estilhaçamento bastante satisfatório quando a coisa se partisse em dois no topo de seu crânio. Como se ele sentisse o que estou pensando, Darius ri, jogando o cajado para mim então tenho que pegá-lo no ar. A madeira é incrivelmente lisa, gasta por ciclos de manuseio e fiação. É perfeitamente ponderado – uma coisa bonita, realmente, embora inegavelmente simples. Não teria a menor chance contra um rifle do Construto, mas admiro a sensação dele em minha mão do mesmo jeito. Agora, Darius, o vidente, está completamente desarmado contra mim. Ele tem estado o tempo todo; minha mente é mais rápida do que seu equipamento jamais poderia ser. Eu poderia rasgar seu corpo em dois simplesmente imaginando isso, e então tudo estaria acabado para ele. A maioria dos homens na posição de Darius gosta de se agarrar a seus rifles e forcados, e a tudo mais que tenham em mãos, porque isso os faz sentir como se tivessem uma chance de lutar para se defender, mesmo sabendo que não é verdade. Darius parece ser muito mais inteligente do que a média, o fazendeiro apavorado que costumo encontrar em minhas viagens, no entanto. Não consigo decidir se essa informação me faz respeitá-lo ou não gostar dele. Que posição incomum; Não consigo me lembrar da última vez que analisei o que sinto por um estranho. Por muito tempo, só fui eu, e depois todos os outros. Um homem contra uma galáxia cheia de conspiração, conivência traiçoeira, bastardos egoístas. E, na verdade, tenho sido o maior bastardo conspirador, conivente e egoísta de todos eles. Eu planto a ponta do cajado na terra a meus pés e uso o pedaço de madeira polida para apoiar meu peso. É uma postura estranha. Minhas costas estão tão acostumadas a permanecer eretas o tempo todo que é preciso esforço para relaxar contra o cajado. Eu faço meu movimento parecer o mais natural que posso, mas há uma razão pela qual estou inclinado. Eu estou indisposto. Estou ficando cada vez mais doente, e sem esperança de obter qualquer Luz, só vou ficar mais doente. Com a abstinência, a doença vem com a raiva e a imprevisibilidade. Essas pessoas não vão saber o que os atingiu quando eu realmente começar a falhar. Talvez deva avisá-los. Dizer a todos para irem. Para entregar a garota já, e permitir que eu parta com ela para que eles possam preservar seu modo de vida miserável. Uma grande parte de mim não quer fazer isso, no entanto. Por que deveria, se eles me conduziram a uma perseguição tão alegre nos últimos dias? Eles esconderam a verdade de mim, me fizeram cumprir seus desejos e então se recusaram a me dar o que eu exigia deles. Eles merecem tudo o que está vindo para eles. Eles também te alimentaram. Vestiram. Dando a você sua liberdade aqui entre eles. Eles confiaram em você em sua casa, quando tudo dizia que não deveriam. Não gosto da voz calma e tranquila que fala essas palavras na minha cabeça. Eu reconheço a voz como minha, mas não a ouço há muito tempo que é como se um membro da família indesejado aparecesse na minha porta, querendo me dar um conselho depois de ter me abandonadona minha cama dura todas as noites. Eu não me importava, no entanto. Eles arrancaram minhas memórias. Então: puberdade. O Construto odeia a puberdade. Aquele coquetel Molotov de hormônios é suficiente para deixar qualquer criança louca - mesmo uma criança que passou por uma lavagem cerebral. Mais uma vez, a codificação deles começou a não fazer sentido. Por que era necessário limpar o desordeiro? Por que a esterilização das massas era para o bem de todos nós? Eu não queria matar famílias em suas camas. Eu não queria destruir cidades inteiras. Tentei me matar de novo quando tinha treze anos. Peguei a lâmina perversamente afiada que veio como parte do meu uniforme de serviço e coloquei-a contra meus pulsos. O fluxo de sangue parecia catastrófico. Novamente, eles me pararam. Novamente, me salvaram. Essa foi a primeira vez que o vi: Jass Beylar, o garoto de cabelos rebeldes e ondulados e olhos escuros emocionantes. Eu já tinha ouvido falar dele, é claro. Todo mundo tinha. O Construto o encontrou sozinho em um planeta abandonado, vivendo entre as ruínas de uma cidade antiga, com bilhões de ciclos. Ninguém conseguiu descobrir como ele havia chegado lá sozinho. Ninguém conseguia entender como ele havia sobrevivido sem suprimentos ou abrigo adequado, por... bem, ninguém sabia exatamente quanto tempo ele estava lá. Eles perguntaram. Eles o torturaram. Eles usaram todos os truques imagináveis, mas Jass nunca lhes deu a informação que procuravam. Sua mente era um cofre, e os líderes dos Construtos simplesmente não tinham a combinação para abri-lo. Depois de um tempo, boatos começaram a se espalhar pela nave. O Construto estava treinando Jass, treinando-o de uma maneira que poucos foram treinados, e ele estava respondendo. Ele estava na Invictus há um pouco mais de um ciclo quando me encontrou morrendo no piso de grade de metal da divisão oito, onde me designaram as tarefas de purga. Eu fui mais inteligente daquela vez. Tranquei a porta, me barricado, mas isso não importou no final. Naquela época, não tinha ideia de como ele me encontrou. Eu não sabia sobre a ligação entre nós. Estava longe demais para realmente saber o que estava acontecendo quando as cadeiras e mesas de metal que empilhei bem sobre a minha cabeça caíram quando Jass forçou seu caminho para dentro da sala. Lembro-me de seu cabelo escuro. Sua boca perfeitamente formada, puxada em uma linha tensa. Seus olhos, escuros e sem fundo, e como me senti como se estivesse caindo quando olhei para eles. Ele me levantou do chão. Ele ordenou que eu não morresse. Eles me disseram que imaginei essa parte, no entanto. Eles me disseram que ele não falava. Ele devia ter dezessete na época. Quatro ciclos mais velho do que eu em seu corpo, mas ciclos mais antigos em sua mente. Não o vi de perto novamente até os dezoito anos - o último dia que passei na nave estelar Invictus. — Conte-me sobre esse último dia, Reza. Conte-me novamente sobre o que aconteceu com Jass Beylar. — À minha frente, na cabana de metal enferrujado que agora chamo de lar, o Vidente Darius está sentado com uma máscara de malha de náilon cobrindo o rosto. Essa é a forma dos videntes quando se aventuram à superfície; eles têm olhos sensíveis. Desde que encontrei meu caminho para Pirius, os videntes me interrogaram incessantemente sobre Jass. Eu não sei por que eles se importam. Eles são telepatas. Podem ver dentro da minha cabeça tão bem quanto eu posso ver os sóis acima ou as dunas de areia se espalhando por quilômetros e quilômetros em todas as direções ao nosso redor. Eu encolho os ombros. — Foi como qualquer outro dia até que não foi. Estávamos a caminho do sistema Keptan. Os Anciões planejavam limpar um pequeno planeta classe M chamado Darax. Pelo que o Construto sabia, os habitantes de Darax eram pobres. Nenhuma riqueza real. Nenhuma tecnologia real. Eles presumiram que seu trabalho seria feito rapidamente e eles poderiam retomar sua missão inicial. — Que era? — Reparos em outra embarcação do Construto que foi danificada. — Danificada por quem? — Piratas. Um grupo de saqueadores. Eles não tinham certeza. Eles ficaram furiosos com o ataque, no entanto. Darius bebe de seu cantil de água vencida, pressionando a borda do receptáculo de metal na boca através da malha de náilon. — E quando você chegou a Darax? — O Invictus mal estava ao alcance quando um bombardeio de mísseis foi lançado da superfície do planeta. Eles não previram um ataque. O Invictus era uma grande nave. Não dava para manobrar rapidamente de perto com tão pouco aviso. Sofremos danos críticos em quase todos os setores. — E o que você fez durante o caos que se desenrolava? — Eu agarrei minha oportunidade. Corri para as baias do hangar e subi em uma das cápsulas de escape de emergência. Os soldados do Construto estavam fugindo em massa. Foi quando vi Jass. — Minhas palmas estão suando. Eu odeio contar essa história. Cada vez que o faço, de alguma forma me sinto cúmplice dele. Como se estivéssemos conectados aos olhos dos videntes, de uma forma ou de outra, e eles esperassem que eu o trouxesse aqui para acabar com todos eles. Darius é o mais educado dos videntes, no entanto. Se eu tiver que contar essa história de novo, as palavras tão repetitivas e familiares agora que se tornaram mecânicas, prefiro contar a ele. Darius coloca seu cantil de água no chão, entre suas botas gastas e cobertas de poeira, e estende as mãos à sua frente. — O que ele fez, criança? — Ele... ele correu para o hangar. Ele não parecia estar procurando uma rota de fuga, mas era difícil dizer. Ele parecia estar procurando por algo. Tudo estava acontecendo muito rápido. Alarmes soavam por toda a nave. Um dos generais estava atirando em outros soldados do Construto, derrubando-os um por um. — Por que ele faria isso? — Stryker era um louco. Ele tentou me impedir de entrar em uma cápsula de fuga quando entrei correndo no hangar, mas peguei um maçarico de corte do chão. Eu cortei seu rosto com ele. Ele ficou furioso como um sol moribundo. Talvez sua raiva o tenha levado a isso. Lá fora, um som estranho uivante corta o gemido baixo do vento. Grãos de areia voam contra as paredes corroídas do abrigo. Darius ignora o chamado do cão das dunas e a tempestade que se aproxima, esperando silenciosamente que eu continue. Então o faço. — Eu estava em pânico. Demorou um pouco para descobrir como iniciar o protocolo de lançamento de emergência da cápsula. Quando olhei pela janela de visão da cápsula, Jass estava parado no lado oposto do hangar, absolutamente imóvel. Ele estava de frente para mim. Fui preenchida com... uma sensação imediata de... não sei como chamar. Temor? Medo? Apertei os controles de lançamento e me prendi. O pânico diminuiu por um segundo quando a cápsula foi ejetada e começou a se mover pelo hangar, indo para o espaço, mas então simplesmente parou. Não importava o que eu pressionasse, ela permanecia pairando no ar. Outras cápsulas foram ejetadas e partiram sem problemas, mas a minha estava presa. — Eu olhei para fora do visor da cápsula novamente e vi Jass, de pé mais perto agora. As pessoas corriam ao seu redor, loucas e com medo, mas nenhuma delas o atingiu. Era como se ele estivesse magnetizado e os repelisse. As pessoas fluíam ao redor dele como a água flui ao redor de uma rocha, sem tocá-lo, sem perturbá-lo. Sua mão direita estava levantada no ar, sua palma apontada diretamente para mim, e... e parecia que todo o seu corpo estava tremendo. Minha cápsula estava congelada no espaço por causa dele. Eu sabia que ele era capaz de afetar as coisas com sua mente, mas não tinha ideia de que seria capaz de parar uma. — O General Stryker finalmente percebeu o que Jass estava fazendo. Ele marchou e falou com ele. Parecia que Jass o estava ignorando no início, mas eventualmente ele baixou a mão lentamente. Eu senti…por ciclos para me defender. Eu empurro a voz para baixo, sacudindo-a. Minha cabeça gira e sinto o suor se formando em minha testa. Estou tão enjoado que parece que o conteúdo do meu estômago está fervendo. Eu poderia me inclinar e vomitar no chão agora, mas como ficaria? Darius contaria a todos o que viu, e as pessoas saberiam o quão vulnerável estou. Eu aperto minha mandíbula até sentir que meus dentes vão quebrar e, eventualmente, a náusea passa o suficiente para eu respirar fundo e ficar em linha reta novamente. — A razão pela qual pergunto se você é um homem de palavra, Jass, é porque gostaria de fazer um acordo. Um negócio que pode ser do seu interesse em sua atual... posição. — Não estou em uma posição, — respondo. — E não preciso fazer barganhas com nenhum de vocês. Estou passando meu tempo aqui. No momento em que me cansar dessa farsa, pegarei Reza e acabarei com tudo isso. Darius sorri de uma maneira conhecedora e terrivelmente condescendente. — E por que ainda não se cansou dessa farsa, Jass? Por que não destruiu a sub cidade e levou o que veio buscar aqui? Abro a boca para responder, mas não há palavras na ponta da língua. Nunca fico sem palavras, mas agora não consigo pensar em uma única coisa para dizer ao homem com o manto empoeirado parado à minha frente. Eu já deveria ter matado todo mundo. Deveria ter acabado com essa loucura antes mesmo de começar, e ainda... não. Até eu posso ver o quão fora do personagem isso é para mim. Mas quando penso em destruir este lugar, colocar fogo em toda a cidade subterrânea e deixar a loucura e a anarquia tomar conta enquanto sequestro Reza e voo para longe... há algo que me impede de agir. Algo me segurando. — Eu não tenho que responder seus enigmas. — Eu afeto o tédio, mas sei que Darius vê através do ato. Irritante. — Você sabe, lá em Nexus, ninguém ousaria olhar para mim do jeito que você está olhando agora, — eu digo. — Seria mais do que suas vidas valiam. — Essa é uma declaração estranha. — Darius balança o dedo para mim, franzindo a testa. — Devo presumir que minha vida vale tão pouco? Que minha existência vale muito menos do que alguns momentos de contato visual aberto com um estranho. Um estranho com uma reputação feroz, é claro, mas ainda... apenas um homem, mesmo assim. Que tipo de criatura rasteira eu seria se não pudesse olha-lo de cima a baixo e medir seu valor, assim como você mediu o meu? Eu seria uma criatura da mais baixa ordem, e garanto que não é o caso. Você descobrirá isso com o tempo. Fico surpreso pela maneira como ele fala comigo, como se estivesse repreendendo uma criança. Eu realmente pareço tão doente? Tão fraco? Devo parecer estar à beira da morte, se ele pensa que pode se safar sendo condescendente comigo. Eu jogo o cajado aos pés de Darius, olhando para ele por baixo de minhas sobrancelhas arqueadas. — Basta dizer o que quer dizer. Estou cansado de ficar aqui discutindo com um homem que não faz sentido. Mais uma vez, o outro homem sorri. Ele é cheio de sorrisos. Parece ser sua resposta natural a qualquer sinal de confronto - a defesa de um político. — Eu não sei que substância você precisa para acalmar a necessidade que rasga suas veias agora, Jass, mas sei que está queimando por dentro. Afinal, não há fumaça sem fogo. E considerando a fumaça saindo de você, o fogo deve ser considerável. Posso te ajudar. Sou um curandeiro especialista. Não há um composto nesta galáxia do qual não possa cura- lo. Isso levará alguns dias e você terá que estar em conformidade, mas pode ser feito. Você ficará livre do jugo que está pendurado em seu pescoço. E tudo que peço em troca... Eu fico lá esperando que ele continue com meus olhos fechados. Suas palavras me abalaram. Me jogaram. Me fez desligar. Eu não quero sua ajuda. Não preciso disso, eu posso lidar com isso sozinho. Eu não preciso que ele enfie o nariz enrugado onde não é desejado. E me dizer que sua ajuda exige minha obediência? Eu deveria arrancar sua cabeça de seus ombros bem onde ele está. Estou vibrando, tremendo fora de controle. O poder que reside dentro de mim é como uma cobra enrolada, recuando, pronta para atacar. — Talvez você não esteja pronto para ter essa conversa, afinal, — Darius diz suavemente. Há um sussurro de material pesado e um leve som de grunhido e, quando abro os olhos, ele pegou seu cajado do chão e o colocou sobre o ombro novamente. — Quando quiser saber os termos da barganha que estou preparado para fazer com você, pode voltar e me encontrar aqui sempre que quiser. — Então ele faz algo inesperado; ele estende a mão e coloca no meu ombro. Ele é trinta centímetros mais alto do que eu, o que não é um fator que geralmente permito que me incomode, mas a estatura de Darius de repente me faz sentir mal. — Tenho certeza de que o verei em breve, — ele me diz. — Nesse ínterim, talvez você possa considerar a pergunta que te fiz um momento atrás. E talvez você devesse dormir um pouco. Tecer paisagens tão complexas em seus sonhos não pode fornecer um descanso muito valioso. Eu me afasto, longe de seu toque. Darius parece vacilar um pouco, e então... Huh... O Salão do Julgamento está derretendo. Minha boca parece que está se enchendo de água. Meus joelhos cedem debaixo de mim; Eu estendo a mão, tentando agarrar o cajado de Darius novamente, mas meus dedos agarram o ar. De repente, tudo é escuridão. A caverna se foi. Darius se foi. Estou sozinho na escuridão e não consigo me mover... Acordo com um sobressalto, meu coração martelando como um pistão dentro da minha caixa torácica. Sentando-me totalmente ereto, agarro minha garganta, tentando me libertar da corda que está apertando em torno dela. Só que, não há corda. Não há absolutamente nada. Estou na minha cama, no meu quarto pequeno e frio, e sozinho. — Inferno… — Limpo o suor da testa com o lençol já encharcado que me cobre. Eu achei... achei que tinha saído da minha cama e ido até Darius. Achei que estava acordado. O desgraçado fez comigo exatamente o que faço com Reza, e eu nem percebi. Como ele pode ser tão forte? Como pôde passar furtivamente pelas minhas defesas sem que eu sequer suspeitasse? Isso não faz sentido. A raiva que surge e explode dentro de mim é incomparável. Eu afundo no colchão fino e me permito o prazer de imaginar a morte de Darius, uma e outra vez, jogando em um loop infinito. Eu o decapito. Eu o eviscero. Eu mergulho uma lâmina profundamente em seu peito. Eu o empurro para fora de uma nave auxiliar, três mil pés de altura. Eu o vejo congelar no vazio do espaço, seu sangue escorrendo de suas orelhas, nariz e boca. Eu o vejo se desintegrar quando um rifle de fase o acerta bem no rosto. E então… Eu o imagino me curando. Isso foi o que ele me ofereceu. Ele se ofereceu para tirar meu vício da Luz completamente. Para me curar de minha necessidade disso. Uma solução para o problema, em vez de um curativo temporário para ocultá-lo. É isso que eu quero? A luz tem sido uma coleira em volta do meu pescoço desde que me lembro. Regis tem usado isso para me controlar por tanto tempo que há períodos - semanas, meses, até mesmo ciclos - em que a situação nem me parece mais fodida. É simplesmente normal. Sem a Luz, eu não seria mais vulnerável, dependente ou fraco. Mesmo agora, Regis provavelmente está contando as horas e até eu voltar rastejando para o Nexus com o rabo entre as pernas, implorando e mendigando por mais uma dose miserável. Posso engolir meu orgulho e voltar para Darius depois que ele me enganou? E poderei cumprir os termos de sua barganha? Quem sabe o que ele vai querer em troca de sua ajuda? Eu tremo violentamente enquanto fecho meus olhos. A sala ainda está fria, eu sei que está, mas minha pele está pegando fogo, escaldante ao toque e encharcada de suor. Quando eu acordar de manhã, vou querer morrer. Vou orar pela morte, só pelo simples fato deque não vou mais sentir tanta dor. — Nesse ínterim, Jass, talvez você possa considerar a pergunta que te fiz um momento atrás. — A voz de Darius repete dentro da minha cabeça como um eco enquanto permito que a escuridão me engula inteiro novamente. No entanto, meu último pensamento antes de cair na inconsciência, é uma pergunta diferente que ele me fez. Ele perguntou por que não me cansei dessa charada. Disse a mim mesmo que não sabia a resposta a essa pergunta, mas era mentira. Eu poderia facilmente tomar Reza antes que ela tivesse tempo de morder aquela cápsula de veneno. Poderia prendê-la fora de seu próprio corpo, ter certeza de que não pudesse mover um músculo, uma polegada, nem mesmo piscar seus malditos olhos. Tudo isso está ao meu alcance. Sei muito bem por que não fiz isso. Não fiz, porque Reza não gostaria. 17 REZA A VERDADE PODE SER NÃO AGRADÁVEL Acordo com o som de sinos e a sensação de um peso de mil toneladas pressionando meu peito. Demoro um segundo para me lembrar de como respirar, e depois outro segundo para lembrar onde estou. No momento em que penso no nome de Jass, o sonho volta à minha mente. E então... muitos mais sonhos. Muitos, muitos mais. Que… …porra… …é essa? Oh... deuses. Já estive com ele antes. Movi os céus para chegar até ele. Por... oh não. Tem sido assim por ciclos. Desde o Invictus. Uma parede de horror bate em mim quando me lembro de nossas conversas anteriores. No começo, resisti a ele. Fiz tudo o que pude para evitar a conexão que podia sentir cada vez mais forte a cada vez que nos encontrávamos. E então, minhas emoções se tornaram demais. Eu me entreguei a ele. Eu o beijei em um campo varrido pelo vento que ele criou com sua mente, e depois ele me segurou e acariciou meu cabelo enquanto eu chorava. Ele me levou a uma praia e nós brigamos. Ele me abraçou. Ele me beijou. Nós rasgamos a roupa um do outro e ele me reivindicou pela primeira vez. Ele me levou a planetas onde nunca estive antes. Quando entrava em um sonho e não conseguia me lembrar do passado que compartilhamos, ele me mostrava suas memórias de nós uma e outra vez. À medida que cada sonho volta para mim, eu quero morrer. Eu me odeio pelo que permiti que acontecesse. Eu quero odiar Jass também, por me manipular e me usar. Mas há um problema: ele não fez nenhuma dessas coisas. Sei com absoluta certeza que ele não se aproveitou de mim. Cada vez que ele estende a mão para mim, me oferece uma saída. Ele me ofereceu a opção de recuar e deixá-lo. Eu nunca me senti ameaçada ou realmente com medo dele em meus sonhos. Senti uma estranha afinidade, profundamente enraizada dentro de mim, e isso substituiu qualquer outra emoção que eu pudesse ter. Quando seus lábios encontram os meus, dou boas-vindas ao gosto dele. Quando ele se empurra para dentro de mim, seu hálito quente e pesado em meu ouvido, me sinto completa. E quando seus braços me envolvem, eu me sinto... segura. Deuses. Isso é tão fodido. Eu escondi tudo isso de mim mesma. Enterrei de propósito, para não ter que lidar com isso. Foi a coisa mais fraca que eu poderia ter feito. Ainda posso sentir o puxão da corda que compartilhamos agora, puxando-me, tentando me puxar para ele. Jass me disse que eu não era responsável pelo fato de não conseguir me lembrar de nossas reuniões e, contra todas as probabilidades, acredito nele. Muitas milhas nos separavam antes, quando ele estava no Nexus, e a conexão que nos ligava era fraca. Eu ainda podia sentir isso me incomodando, me provocando, me chamando para o espaço, mas foi fácil empurrá-la para o fundo da minha mente e fácil o suficiente ignorá- la. Agora, com ele a apenas algumas centenas de metros de distância, essa mesma conexão parece capaz de me levantar dos meus pés e me puxar para o seu lado, quer eu goste ou não. É forte e brilhante, abrindo um caminho através das sinapses da minha mente. Jass estava certo. De alguma forma, eu consegui, inconscientemente, bloquear minhas próprias memórias, seja por vergonha ou pelo simples fato de que não quero lidar com elas, mas agora que a conexão está se reforçando tão rapidamente, não vou mais me dar ao luxo da ignorância. O som de botas correndo e vozes tensas inundam o corredor fora do meu quarto enquanto um punhado de pessoas passa correndo. O clamor dos sinos continua enquanto me apresso vestindo minhas roupas e saio do quarto. A urgência e o pânico que preenchem o ar finalmente me atingem quando entro no túnel que leva ao centro de comunicações onde conheci Erika. Cem corpos estão bem juntos, onde as laterais do túnel formam um gargalo, e uma mulher chorando com uma criança nos braços cai no chão, desaparecendo sob o tumulto. — Esperem! Esperem! — Eu luto para chegar mais perto, mas mais e mais pessoas estão enchendo o túnel, todas tentando desesperadamente abrir caminho através do gargalo. — Parem! — Eu grito. — Alguém caiu! Alguém caiu! Um homem alto ao meu lado agarra meu braço, me puxando para trás. — Espere sua vez. Todos nós passaremos se você esperar! — Quando ele olha para mim, seus olhos ficam vidrados e ele me libera, no entanto, sacudindo a mão. Sua boca fica aberta, frouxa e ele cai imóvel. Uma onda de pessoas flui ao seu redor e ele se perde na multidão. Eu avanço, tentando localizar a mulher e seu filho que caíram, mas sempre que me curvo, mãos, pernas e braços colidem comigo, ameaçando me empurrar para baixo. Chego ao local onde a mulher desapareceu e procuro no chão o melhor que posso sem cair, mas não há ninguém ali, ninguém sendo esmagado. Ela poderia ter tropeçado em direção a segurança? Ela deve ter se levantado e seguido em frente. Alguém deve tê-la ajudado a se levantar. Eu examino os rostos que me cercam, procurando as feições em pânico da mulher, mas não a vejo. Apenas centenas de pessoas urgentes e frenéticas, todas desesperadas para chegar ao seu destino. Eu agarro o homem mais próximo, gritando em seu ouvido. — O que aconteceu? Estamos sendo atacados? — Minha cabeça está cheia de imagens - desagradáveis. Naves do Construto enchendo o ar. Soldados a pé se posicionando na superfície de Pirius, usando seus scanners manuais para detectar a enorme sub cidade sob seus pés. Deuses, se isso aconteceu... há muitas pessoas aqui. Não há saídas suficientes. Já testemunhei como o Construto lida com situações como essa antes. Uma lata de gás-tronco jogado dentro de cada entrada. Isso é tudo o que é preciso. Eles permitem que os túneis façam seu trabalho por eles, usando a ventilação natural que flui por cidades subterrâneas como esta para espalhar seu veneno. Quanto tempo levaria para que todos morressem? Quinze minutos? Vinte? Um tapete de corpos, olhos revirando, corpos se contorcendo, todos deitados um em cima do outro enquanto saem desta vida. Tento respirar com cautela - há algo de errado com o ar? - mas tudo que consigo sentir é o suor e o medo. O homem que agarrei, na verdade um menino, que mal saiu de seu aprendizado, aperta os olhos para mim, tentando se libertar. — A chanceler... — ele engasga. — Temos que ir ao Salão de Compromissos. Me solte, droga. Você está me machucando. Meu aperto está folgado. Não há como machucá-lo com a mão. Ele está se referindo a mim ; minha presença está causando o desconforto dele. Nunca vou me acostumar com o fato de que posso causar tanto mal apenas por existir. É desconcertante. Eu o liberto, deixando-o escapar de mim, e ele desaparece, abrindo caminho através da multidão sem pensar nas pessoas ao seu redor. Leva muito tempo para superar o gargalo. É muito mais fácil me mover depois de lutar para abrir caminho através do corpo a corpo; o túnel se abre em uma passarela mais ampla e o tráfego flui muito mais rápido. Eu sigo o enxame de suor e corpos, e logo me encontro sendo cuspida dentro do que deve ser o Salão de Compromissos. Acima, o teto do enormeespaço está tão mal iluminado que apenas uma sugestão de suas enseadas abobadadas é visível na escuridão. O ar está denso e quente. Enjoativo. Cada centímetro de espaço disponível é ocupado por grupos de amigos e famílias reunidas. Vizinhos, todos sussurrando por trás de suas mãos, seus olhos escuros turvos e nebulosos enquanto conversam. Na frente do Salão de Compromissos, uma enorme plataforma elevada fica acima do solo rochoso irregular que se estende à minha frente. No estrado, uma explosão de cores me pega de surpresa. Flores. Muitas flores. Milhares delas. Minha respiração fica presa na garganta, meus olhos incapazes de processar a cena por um segundo. Não há flores em Pirius. Pelo que tenho visto, o único terreno agrícola que permanece na superfície, ferozmente protegido das tempestades do planeta, é usado exclusivamente para o cultivo. Os videntes nunca poderiam ceder terreno fértil a algo tão frívolo como flores. Então de onde elas vieram? Em um planeta tão despojado de cor, os brilhantes roxos, vermelhos, laranjas, rosas e amarelos são uma surpresa para mim que por um segundo não consigo ver através das minhas lágrimas. Elas são tão lindas. Tão inesperadas e adoráveis. É como se todos vissem as flores ao mesmo tempo, porque um silêncio reverente cai lentamente sobre a assembleia, e todos os rostos se voltam para o estrado. Apenas à esquerda da plataforma enferrujada, eu noto Darius, de pé com o Chanceler Gain. Col está lá também. É como se ele sentisse meus olhos nele; ele olha para cima, examinando a multidão de pessoas na meia- luz até me encontrar, de pé atrás. Seu rosto está sem sangue, mais pálido do que quando ele chegou com Jass. Ele levanta a mão e gesticula para mim, sinalizando que devo me aproximar, mas é impossível. O chão do Salão de Compromissos está compactado ombro a ombro. Eu só pareço causar dor às pessoas quando entro em contato com elas, e ter que tocar em tantas pessoas para chegar até Col? Isso seria indesejável, mas, mais importante, desagradável. O olhar de Col endurece; a princípio acho que ele está com raiva por eu não estar fazendo o que ele me disse, mas então sinto a presença em minhas costas e sei que o olhar duro de Col não é para mim. É para Jass. Um sussurro desliza pela minha pele. Uma carícia de palavras. — O que você sente dentro desta sala? — Jass está tão perto de mim que seus lábios movem meu cabelo enquanto ele fala. Seu hálito quente deixa os cabelos da minha nuca em pé. Meus olhos se fecham lentamente, e por um segundo, um breve e inesperado segundo, o cansaço que está pesando meus membros desde que acordei diminui. Um vazio enche minha cabeça. Um vazio feliz amortece a conversa implacável ao nosso redor e, por um momento, fico calma. Meus músculos afrouxam e a ansiedade que se instala no fundo dos meus ossos afrouxa seu domínio sobre mim. Sou transportada de volta para uma infinidade de sonhos em que Jass cuidou de mim. Salpicou meu rosto com beijos. Ele acalmou minha alma, para depois incendiá-la novamente. Como eu poderia não ter me lembrado de tudo isso? Como pude apagar tanto? — Não consigo sentir nada, — sussurra Jass. — Não que eu esteja tentando. É meio divertido se deleitar com esse tipo de confusão, você não acha? Estou longe de me divertir com isso. Estranhamente, é como se eu tivesse sido libertada disso e ele sabe. Ele não está me tocando, mas está me protegendo de alguma forma, me protegendo do barulho e das vozes elevadas que continuam guerreando por atenção ao nosso redor. Meus pulmões se expandem dentro do meu peito e posso respirar. É uma sensação incrível. — Como você está fazendo isso? — Eu sussurro. Ele está aqui comigo, dentro desta pequena bolha de silêncio que ele criou, então sei que pode me ouvir. Ele suspira; há uma espécie de energia escapando dele, formigando minha pele. — É a coisa mais fácil do mundo, — ele pondera. — Só preciso pensar e acontece. Você também poderia fazer isso, mas já sabe disso. Você já sabe o quanto somos parecidos, não é? — Eu sei tudo, — eu sussurro. — Eu sei há quanto tempo estamos... — Droga, não posso dizer as palavras. É muito difícil. Não posso admitir que o desejei sem nem perceber. Não posso admitir que... que me importo com ele. Esses sonhos que compartilhamos... nem sei se contam como reais. Nossas mentes estavam lá, mas nossos corpos não. Eu gostaria de poder dizer que nada disso realmente aconteceu por causa desse fato, mas como? Senti suas mãos no meu corpo. Pressionei minha própria boca contra a dele. Eu ouvi seu coração batendo descontroladamente sob o músculo sólido de seu peito. E minha mente desmoronar quando ele me fez gozar. Eu estaria mentindo para mim mesma se tentasse me convencer de que não era verdade, e aparentemente tenho mentido para mim mesma o suficiente nos últimos tempos. Jass fica quieto por um momento. Ele não diz nada, mas posso senti-lo pensando. Um minuto sólido passa antes que ele fale. — Tudo. Você se lembra dos momentos que passamos juntos até então. — Não é uma pergunta. Uma afirmação. Ele se mexe e seu peito roça nas minhas costas por um segundo. Meu corpo parece que vai explodir em chamas. — Estava pensando que teríamos de recomeçar, Reza. Eu não queria ter que fazer isso. — Isso não significa nada, — eu assobio. — Nada disso. Só porque compartilhamos uma conexão não significa que temos que estar juntos. Só porque estivemos juntos em nossas cabeças não significa que temos que estar juntos na realidade. — Não seria simplesmente tudo? Seria maravilhoso descontar tudo o que aconteceu e enterrar sob as dunas de areia. Eu nunca vou contar a Col. Eu nunca vou contar a Darius. Nunca vou contar a ninguém sobre a nova história que compartilho com Jass. Eles nunca entenderiam. Jass cantarola profundamente. — Se você acha que ir embora é tão fácil, então te admiro. Você é muito mais forte do que eu. Eu sei que não posso fazer isso. Um tremor percorre todo o comprimento do meu corpo, alfinetes e agulhas afiadas se instalando em minhas mãos e pés. Ele é inegavelmente uma pessoa fria, dura e indiferente a maior parte do tempo. Ouvi-lo dizer que não podia se afastar disso - de mim - causa uma reação estranha em mim. Uma confissão dessas é uma fraqueza de sua parte. Não sei como processar sua demonstração de vulnerabilidade. O controle de Jass sobre a bolha que ele criou em torno de nós some, e o barulho dentro do Salão de Compromissos desaba novamente, quase me ensurdecendo. Agora, quando eu falo, tenho que gritar para ser ouvida. — A facilidade não tem nada a ver com isso, — digo a ele. — Não sou como você, Jass. A única coisa que você e eu temos em comum é que o Construto levou a nós dois. Além disso, as semelhanças acabam. Você não tem bússola moral. Você não tem consciência. — Eu balanço minha cabeça, exasperada. Girando para encará-lo, minha resolução vacila quando olho em seus olhos salpicados de ouro. — Somos incompatíveis, — digo. Os olhos de Jass se estreitam, enrugando nos cantos. Não com aborrecimento, no entanto. Com diversão. Ele se eleva sobre mim, sua presença enviando ainda mais energia crepitante que voa do topo da minha cabeça até a ponta dos meus pés. Ele é pura eletricidade e eu sou um para- raios. A tontura se apodera de mim. Tenho que engolir em seco, puxando uma golfada de ar para tentar impedir que minha cabeça gire. Uma linha tênue se forma entre as sobrancelhas quase pretas de Jass - um visual que eu não esperava vê-lo usando. Preocupação? Não. Não, não poderia ser isso. — Incompatível é uma má escolha de palavras, — diz ele. — Ninguém mais em todo o universo é compatível comigo. Você é a única. E poderia procurar pelo resto de sua vida, Reza, e nunca encontrará ninguém que se encaixe em você tão completamente quanto eu. Eu não quero que seja verdade. Se eu calar suas palavras e me recusar a deixá-lasentrar, talvez consiga anular o conhecimento de que ele está certo. Por que é tão difícil? — Impossível, então, — eu contraponho. — Se alguém aqui soubesse quem você realmente é, o lugar estaria deserto. Nunca poderemos ser nós. Você sempre teria que ser outra pessoa, você teria que mudar, e nós dois sabemos que não é capaz disso. Um flash de raiva torce brevemente suas feições, e um pensamento preocupante me atinge enquanto Jass pisca para mim. Há uma beleza selvagem, indomável e crua nele. Ele não é classicamente bonito por nenhum esforço da imaginação, mas a linha reta e forte de seu nariz confere solidez a seus traços; a linha alta e pronunciada das maçãs de seu rosto tempera isso, oferecendo uma suavidade em troca. Sua boca cheia é expressiva, o arco de cupido que forma seu lábio superior perfeito em sua linha. E seus olhos, tão mercuriais e voláteis, calmos em um momento, selvagens e extremos em sua beleza no próximo, são mais do que um pouco perturbadores. Ele é fascinante de se ver qualquer que seja seu humor, mas, de maneira preocupante, ele fica mais deslumbrante quando está com raiva. — Povo de Pirius, estamos gratos por terem podido se juntar a nós aqui hoje. Estamos cientes de que este evento não deveria acontecer nos próximos seis dias, no entanto, como vocês sabem, a linha do tempo do setor oeste desenvolveu-se dramaticamente na noite passada. — Darius está de pé no estrado, uma expressão triste em seu rosto. Suas vestes, que geralmente são brancas, são pretas hoje, com uma única linha vermelha no lado direito. Ele usa uma máscara de preocupação que parece ter sido permanentemente esculpida em seu rosto - uma máscara muito semelhante à que Col está usando enquanto sobe na plataforma ao lado de Darius. — Isso não é nem um pouco interessante, — Jass sibila em meu ouvido. — Cale-se. Surpreendentemente, Jass se cala, mas posso sentir uma parede de calor irradiando dele, queimando minhas costas. Ele não está acostumado a ser mandado calar a boca. Não posso me preocupar com as repercussões da minha língua afiada agora, no entanto. Essa confusão emaranhada entre nós vai ter que esperar. Tudo isso vai. Darius está dizendo algo, e parece importante. A mulher ao meu lado está chorando, as lágrimas escorrendo livremente por seu rosto. — …morte natural. No entanto, a insuficiência cardíaca que Erika e muitos de seus amigos próximos previram em seu futuro há muito tempo não aconteceu. Em algum momento da noite passada, alguém invadiu os aposentos de Erika e a esfaqueou no estômago com uma lâmina cerimonial. Ela não procurou ajuda. Ela usou os minutos que lhe restavam para escrever uma carta para o filho, seguida de uma carta para vocês, seu povo. Col vai abrir e ler essa carta para vocês agora, de acordo com os desejos de Erika. Murmúrios abafados se espalham pela multidão como um incêndio, aumentando para um zumbido incrivelmente alto. Eu não posso enfiar na minha cabeça a declaração que acabou de sair da boca de Darius. Erika está morta? Erika... não pode estar morta. E do que diabos o curandeiro está falando? Erika previu sua própria morte? Ela pensou que teria um ataque cardíaco em seis dias? Quando tento encaixar as peças do quebra-cabeça teimoso, percebo que é sobre isso que Erika estava falando na noite em que vim para a sub cidade. Ela disse que estava doente, que seu estado estava piorando, mas ela parecia bem. Darius mencionou uma reunião, e a chanceler ficou triste. Ela estava cheia de pesar por não poder comparecer à cerimônia pessoalmente. Ela estava falando sobre seu próprio cortejo fúnebre. Deuses, que coisa terrível de saber sobre você. E então estar errada? Ter ainda menos tempo do que você esperava... — Por que isso aconteceu? — Alguém no fundo grita. — A data da morte de Erika foi prevista há quinze ciclos! Muitos de nós vimos isso. Por que isso aconteceria agora? — Não houve nenhum assassinato entre nosso povo durante séculos, — grita outro. Darius e Col ignoram a sucessão de perguntas furiosas que são lançadas contra eles de todo o Salão de Compromissos. Estranhamente, Col fica no centro do estrado e cuidadosamente abre o pequeno pergaminho branco que ele está segurando em suas mãos. Suas mãos tremem enquanto ele desembrulha o papel. Sua voz falha quando ele começa a falar. — Amigos. Eu antecipei a chegada deste dia por meia vida. Tive muito tempo para pensar nas palavras que deixaria para guiá-los, mas agora, na hora da minha morte, parecem insuficientes. Pelos últimos quarenta e três ciclos, tem sido minha maior honra servir ao meu povo. Nenhum outro caminho poderia ter me trazido tanta alegria, satisfação e felicidade. Espero sinceramente ter correspondido às suas expectativas como uma boa líder e ter sempre os orientado na direção certa. Ocasionalmente, nossos caminhos são obscurecidos e o futuro é incerto. Quanto a todas as espécies e povos da galáxia, momentos como esse são assustadores. A incerteza é sempre assustadora. Quando não podemos mais ver o caminho à frente... —Col faz uma pausa, piscando, enxugando as lágrimas com as costas da mão. Ele limpa a garganta e continua. — Quando não podemos mais ver o caminho à frente, ficamos paralisados de medo e indecisão. Qual é a escolha certa? Como devemos proceder? Devemos ficar e lutar, ou nos esconder, para lutar outro dia? Eu digo a vocês, amigos, que somos boas pessoas. Um povo justo. Os próximos dias podem ser sombrios e repletos de decisões difíceis, mas ainda somos uma força poderosa para enfrentar, mesmo sem nossas visões. Há sempre uma linha clara entre o certo e o errado. Vamos sempre saber de que lado da linha nós estamos, porque nós não permitimos que os fracos e sem voz sofram. Não passamos por aqueles que estão esquecidos com dores sem oferecer nossa ajuda. As portas de nossas casas estão sempre abertas para os necessitados e nossas mãos estão sempre estendidas para oferecer ajuda. É quem nós somos. É quem devemos permanecer. Sempre. Não importa o custo. Lembrem-se disso, povo de Pirius. Minha melhor despedida, Erika Pakka. Você poderia cortar o silêncio pairando sobre o corredor com uma faca. Você quase pode sentir sua textura no ar, como fumaça gordurosa. Por muito tempo, ninguém fala nada. Todos nós assistimos enquanto Col derrama sua dor, suas lágrimas escorrendo pelo rosto, seus ombros tremendo enquanto ele chora. Ao lado dele, Darius coloca a mão em suas costas, entre as omoplatas, e ele fecha os olhos, curvando a cabeça. Lentamente, o chanceler Gain coloca a mão no meio das costas de Darius, curvando a cabeça e fechando os olhos. Um padrão se forma, a mulher atrás de Gain o copiando. Consideravelmente mais baixa do que o chanceler, ela tem que estender a mão para colocá-la nas costas dele, mas ela inclina a cabeça e fecha os olhos o tempo todo. A pessoa atrás dela segue o exemplo, e então a pessoa atrás dele e então a pessoa atrás dele. Não demora muito para o movimento fluir para as pessoas ao redor do estrado e, em uma cadeia de tristeza, de repente todos estão conectados. Os homens e mulheres pressionados ao nosso redor imitam o gesto em silêncio, e logo Jass e eu somos os únicos intocados, parados com nossas cabeças erguidas. No estrado, os olhos azuis pálidos de Col encontram os meus. Ele enxuga o rosto com as costas da mão, os ombros puxando enquanto obviamente respira fundo. Muito tempo passa. Ninguém fala uma palavra. Ninguém se contorce. Ninguém se move. Nem mesmo Jass. Eu arrisco um olhar para ele pelo canto do meu olho e seu rosto está sério, sua expressão sem o nojo que eu teria esperado dele em uma situação como esta. Parece que ele está absorvendo tudo, catalogando os sons e imagens dentro do grande Salão de Compromissos. É tão estranho tê-lo parado ao meu lado. Tão estranho. É difícil aceitar que ele está mesmo aqui, à parte do Construto, e apenas...de pé aqui ao meu lado. Meus sentidos gritam que eu deveria colocar tanto espaço entre nós dois quanto possível. Meu senso de autopreservação me levaria aos confins da galáxia, se fosse possível. Por outro lado, meu senso de curiosidade estaria bem aqui, esperando para ver o que aconteceria a seguir. Minha necessidade e meu afeto profundo e assustador por ele exigem que ele permaneça ao meu lado. Ele tem sido um fac-símile por tanto tempo. Um fantasma. Um homem sonhado em um campo sonhado, ou uma cidade sonhada, ou escuridão sonhada. Agora que está aqui, com a mão a menos de dez centímetros da minha, não sei o que devo fazer. Como devo reagir. Como se pudesse sentir meu olhar sobre ele, Jass olha com desconfiança, refletindo meu próprio movimento secreto enquanto me observa pelo canto do olho. — Você pensa muito alto, — ele murmura. — Meus escudos estão levantados. Você não pode dizer o que estou pensando, — eu sussurro de volta. Sem qualquer aviso, as milhares de pessoas na multidão de repente levantam a cabeça em uníssono, liberando o controle sobre as costas do vizinho, e um zumbido alto enche o salão enquanto todos começam a tagarelar e discutir novamente. Seu momento de tristeza acabou. Eu pulo com a atividade inesperada após um silêncio tão sombrio, e um sorriso ruinoso se espalha pelo rosto de Jass. — Seu escudo é muito bom, — ele me informa. — Mas é como se você estivesse carregando água em um balde cheio de buracos. Você esconde a maior parte de sua mente, mas seus pensamentos e ideias ainda vazam por todo o lugar. Não posso ser responsabilizado se tropeçar em alguns deles aqui e ali. Eu faço uma carranca, olhando para longe dele. Como ele ousa falar sobre responsabilidade. Jass Beylar não se considera responsável por nada, muito menos por suas próprias ações. Eu sei disso perfeitamente bem. Estou prestes a tentar escapar no meio da multidão, para chegar mais perto do estrado, mas Darius dá um passo à frente e levanta a mão, pedindo aos Pirianos que se acalmem. Não é até que a paz retorne que ele fala suavemente, sua voz suave chegando a todos os cantos do Salão de Compromissos. — Como a chanceler Pakka nos deixou mais cedo do que o esperado, não tivemos tempo de aceitar indicações para seu sucessor. Existem regras que devem ser seguidas, no entanto... — Chanceler Farren! — Alguém grita perto do estrado. — Sim! Farren! — Segue outra voz. Darius sorri com força. — Como você sabe, um chanceler não pode presidir mais de um setor. Isso significa que o Chanceler Farren infelizmente não está qualificado para assumir as responsabilidades do Chanceler Pakka. Várias vozes se levantam, gritando seu desânimo, discutindo o ponto com Darius. Meu amigo no estrado simplesmente balança a cabeça, dispensando-os de imediato. — Como curandeiro do primeiro setor, não sou elegível para a posição, nem o Chanceler Gain. O novo Chanceler do primeiro setor não deve já ocupar um cargo de poder. Esse é o nosso método. Sempre foi nosso método. Não vamos nos afastar de nossas tradições e de nossa política agora, quando deveríamos segui-las com ainda mais rigor. As palavras de Dario não são bem recebidas por parte da multidão, mas há outros que concordam com ele. Uma mulher com sobrancelhas pronunciadas e olhos quase completamente pretos cospe no chão a seus pés. — Farren é um vigarista. Um bandido que dá socos para resolver seus problemas. Ele apenas nos levaria à destruição e à guerra, — ela sibila. — A guerra já está chegando. A guerra já está à nossa porta, — responde um homem baixo com um nariz bulboso e tatuagens marcando suas bochechas. — Nunca tivemos um líder com experiência militar antes, porque nunca precisamos de um. As coisas estão diferentes agora. Precisamos de alguém que saiba como nos proteger. Uma discussão irrompe e as vozes ficam cada vez mais altas, cheias de raiva, frustração e medo, tão altas que os gritos desesperados de Darius por paz quase não são ouvidos. — Amigos! Amigos! Continuaremos com as nomeações como sempre fizemos. Ao sair da sala, vocês poderão escrever sua indicação para chanceler em um símbolo e lançá-lo anonimamente na urna eleitoral. — Darius faz uma pausa, seus olhos vagando pelo corredor, sua boca entreaberta, como se ele estivesse prestes a dizer algo mais. Ele fecha a boca, franzindo a testa, e então um olhar de determinação assume. — Estou ciente de que é incomum compartilhar sua nomeação, mas, neste caso, sinto- me compelido a fazê-lo. Quando jogar minha ficha na urna esta noite, já sei o nome que estará escrito nela. Esse nome será... — Todos prendem a respiração, esperando o que Darius vai dizer. O homem se endireita um pouco, respira fundo e completa a frase. — Col Pakka. Pandemônio. A loucura instantânea ecoa do chão sob meus pés, subindo, subindo, subindo, vibrando nos tetos altos e abobadados do corredor. O nome é uma surpresa para todos. Um choque que ninguém sabe processar. Até eu estou um pouco surpresa com a decisão de Darius. — Col não pode ser o próximo chanceler! — Alguém grita. — Ele não é um de nós! — Ele não é Pirian! Alguns membros da multidão olham uns para os outros, confusão escrita por toda parte enquanto consideram claramente a validade deste anúncio estranho. O próprio Col parece atordoado, ainda segurando o rolo de papel que sua mãe pediu que ele lesse em voz alta. Ele olha para Darius, sua boca aberta, como se ele não pudesse compreender o anúncio de Darius. Darius é firme em sua convicção, no entanto. — Col é um homem de grande coragem. Ele tem demonstrado repetidamente grande amor e afeição pelas pessoas deste planeta. Ele se sacrificou e sofreu por um povo com quem não compartilha sangue, quando não precisava. Ele demonstrou maior dedicação e compromisso com a segurança contínua de nosso pessoal do que qualquer outra pessoa que conheço. Antes de rejeitar Col como candidato a esta posição, pergunte a si mesmo. O que você deu para garantir a segurança de seus vizinhos? — Darius parou por um momento, esperando que sua pergunta se assentasse nas mentes de seu povo. Sua voz é reforçada pela convicção quando ele continua. — Erika Pakka era uma líder reverenciada e muito amada por nosso povo. Ela era honrada, benevolente, honesta e gentil. Ela vai deixar saudades, e será quase impossível encontrar alguém para ocupar seu lugar. Mas quem melhor do que seu filho? Um homem formado e moldado pela própria mão de Erika, desde que tinha menos de três ciclos de idade? Um homem em quem ela incutiu um amor feroz por este planeta e seu povo? A fé de Col em nosso estilo de vida é inabalável, assim como a de sua mãe. Não consigo pensar em ninguém mais qualificado e adequado para ocupar o lugar dela. — Ele não é abençoado com a visão! — Uma senhora idosa vestindo uma túnica preta chama. — Como ele nos guiaria? Darius abre os dedos, estendendo as mãos, com as palmas para cima. — Nenhum de nós é abençoado com a visão neste momento, avó. Quem sabe se nossos talentos vão voltar? Contamos com nossas visões para nos guiar por tanto tempo que, sem elas, ficamos presos em nossa própria indecisão, como Erika disse em sua carta. Col sempre teve que confiar em sua intuição, seu instinto e seu próprio bom senso para abrir seu caminho pela vida. Ele está em uma posição muito melhor para liderar do que qualquer outra pessoa, somente por causa disso. Um estrondo de inquietação se espalha pela multidão. Jass ri baixinho, balançando a cabeça, ondas escuras de cabelo caindo em seu rosto enquanto ele olha para seus pés. — Tão inútil, — ele diz suavemente. — Todas essas brigas e discussões. Se o Construto encontrar este posto avançado empoeirado e sombrio, não importa quem esteja liderando o primeiro setor, ou qualquer um dos outros setores. Não importa quem pode ver o que está por vir, ou quem é completamente cego. Não haverá nada que elespossam fazer a respeito. Eles serão apagados dos anais do tempo. Sua civilização se espalhará como grãos de areia. Ou melhor, eles serão enterrados sob a areia. Regis nem precisa suar para que isso aconteça. — Jass vê meu rosto e para de rir. — Parece que você quer arrancar minha cabeça. Você acha que estou sendo cruel. Eu não estou, no entanto. Sua raiva está sendo desperdiçada. — Minha raiva definitivamente não está sendo desperdiçada. É perfeitamente garantida. Você é um idiota insensível e sem consciência. Jass encolhe os ombros. — Levei muito tempo para aprender que as pessoas não gostam de ouvir a verdade. A verdade pode ser desagradável. Lamento que a realidade desta situação seja tão difícil para você engolir, Reza. Sinto muito por isso, pelo menos. Se essas pessoas estão realmente prestes a atrair a atenção do Construto, então não há absolutamente nenhuma esperança para elas. Você sabe disso. — Ele olha em volta, um leve ar de desinteresse emanando dele agora. Seu olhar pousa em Col, e uma linha gentil se forma entre suas sobrancelhas escuras. Seu rosto empalideceu significativamente nos últimos segundos. — É melhor você segurar a mão daquele pobre coitado, — Jass diz. — Parece que ele vai chorar de novo. — Com isso, ele gira no calcanhar e vai embora. 18 REZA SOL DE SANGUE Estou ciente de que as pessoas gostam de apostar nas coisas. O Construto não permite confraternização social entre seus membros, no entanto, nós invadimos vários bares e bordéis por toda a galáxia, e sempre há criaturas de raças e espécies variadas reunidas em torno de mesas, arriscando o conteúdo de seus bolsos ao acaso, aparentemente jogos de sorte sem importância. Nunca fiz uma aposta na minha vida - nunca vi sentido em arriscar nada em algo do qual você não pode ter certeza - mas agora não tenho tanta certeza. Aposto que estarei morto antes do final da noite. As chances parecem muito boas. Meu corpo está se revoltando contra mim. Estou tão fraco que é preciso muito esforço para andar sem trançar. Estou congelando de dentro para fora, o que não faz sentido porque estou suando por todos os poros, mal conseguindo suportar a fina camada de tecido que uso sem desmaiar. Dois dias se passaram desde a noite em que Col foi nomeado chanceler do primeiro setor. Aparentemente, para ser considerado para o papel, um nomeado precisa receber pelo menos cinco tokens da população de Pirius. Uma professora, uma mulher franzina com um olhar tenso, recebeu mil e cem tokens. Um homem idoso, um ex-combatente da Commonwealth com uma cabeleira branca, recebeu setecentos. Apesar das palavras de Darius, o chanceler Farren recebeu quase duas mil tokens nas urnas. E o Col? Col recebeu apenas quatorze tokens. Haverá uma votação em uma semana. Eu realmente espero ter descoberto uma maneira de tirar Reza daqui até lá, ou que eu morra em meu sono. A política deste lugar sombrio me deprime demais. Não vejo Reza desde o Salão de Compromissos. Ela não me chamou durante o sono. Pensei em construir uma paisagem de sonho e puxá-la para dentro dela, mas custa energia fazer isso, e energia é algo que não tenho agora. Eu preciso de luz. Eu preciso disso como preciso de oxigênio, e se eu não conseguir... Eu tremo enquanto sigo através dos túneis em direção à sala de preparação, onde Reza concordou em se encontrar comigo novamente. Estou farto dessas reuniões observadas que o Chanceler Pakka organizou. Estou cansado de ganhar meu tempo e esperar. Estou farto de ser vigiado como um cão desobediente. Essas regras e regulamentos estão se esgotando e rapidamente. É uma piada, realmente. Agora que Reza se lembrou de todo o tempo que passamos juntos, ela deveria ter acabado com essa bobagem. Ela deveria ter vindo até mim sem a necessidade de um lugar e tempo atribuídos. Isso é besteira. Meus ossos parecem brasas de fogo enquanto espero. Eu puxo a corda invisível que existe entre nós, e há uma resistência tensa do outro lado: Reza, lutando contra o chamado. Seu ressentimento ecoa alto através da conexão. Ela sente a atração em minha direção. Seu corpo quer responder, puxar de volta, me atrair para ela, e ela odeia isso. O poder por trás da conexão a deixa desconfortável. Assustada. E a ligação está cada vez mais forte. Posso sentir que cresce dia a dia, se enraizando dentro de mim, reivindicando um pouco mais de mim cada vez que a acesso para sentir onde ela está ou o que está fazendo. Minha intriga nela tem um custo. No passado, esse custo era tão pequeno que era insignificante. Eu pagava sem nem pensar. Agora, com o preço aumentando a cada dia, exigindo cada vez mais de mim, estou começando a gastar um pouco mais frugalmente. Quando Reza finalmente chega, Col está atrás dela. Círculos escuros circundam seus olhos e seus ombros se curvaram sobre ele nos últimos dias, dando-lhe a aparência de um homem abatido. Eu sou aquele agarrado nas profundezas da retirada, desejando algo que não posso ter, e ainda parece que Col é o único desesperado por uma dose. — Ouvi dizer que é preciso dar os parabéns, — digo, quando ele se senta ao lado de Reza do outro lado da mesa. — Indicado para chanceler. Muito auspicioso. Col afunda de volta em sua cadeira, esfregando cansadamente o olho esquerdo. — Eu não vou ser chanceler. É tudo Darius. Ele nem me consultou antes de fazer esse anúncio. — Estendo a mão e leio um pouco, procurando a mentira. Ele deve estar brilhando por dentro com orgulho de que haja a menor chance dele ser escolhido para governar nos passos de sua mãe. Ele deve estar secretamente fantasiando sobre as vantagens que vêm com o trabalho. As mulheres com quem ele poderia dormir, ou as travessuras que poderia fazer. Não há orgulho dentro dele, no entanto. Eu sondo um pouco mais fundo, examinando os perímetros de sua mente, procurando o cantinho culpado e escondido onde seus pensamentos sombrios vivem. Não encontro canto. Não encontro nada, exceto exaustão, dor, tristeza e pesar. — Pare, — Reza sibila. — Pare com isso agora. Não é o seu lugar. Col merece sua privacidade, assim como qualquer outra pessoa. Os olhos de Col se arregalam, passando de Reza para mim. — Achei que doeria quando você olhasse dentro da minha cabeça. — Sim, — eu respondo. — Quando eu quiser. A dor torna difícil para as pessoas esconderem as coisas. Às vezes é mais fácil entrar e sair sem ser detectado. — Não tinha ideia de que Reza seria capaz de dizer que eu estava invadindo a mente de Col. Eu não tinha ideia de que outra pessoa poderia detectar esse tipo de coisa. Talvez ela esteja aprendendo a ler nossa conexão, da mesma forma que eu aprendi. Possivelmente… Eu coloco minhas mãos espalmadas sobre a mesa, embalado pelo meu último pensamento. Talvez ela tenha sido capaz de sentir a agonia queimando dentro de mim. Talvez ela tenha conseguido detectar o quanto venho sofrendo nos últimos dois dias. Eu olho para Reza, e ela me dá um olhar astuto que faz meus dentes doerem. Porra. Como pude presumir que ela não investigaria a ligação entre nós? Ela tem uma mente curiosa. Ela quer saber como as coisas funcionam e quer ser capaz de se defender. A ligação entre nós é um perigo para ela. Não é nenhuma surpresa que ela queira entendê-la e, potencialmente, aprender como afastá-la. É um rude despertar que meus segredos podem não estar seguros. Nunca tive que erguer paredes altas em volta da minha mente. Desde que sirvo ao Construto, ninguém foi capaz de olhar dentro da minha cabeça. Os anciãos presumiram que eu era a única pessoa que restava na galáxia capaz de tal coisa. Se eles soubessem que Reza poderia ser capaz de fazer as coisas que eu posso fazer...? Se eles soubessem que esses videntes ainda existiam aqui em Pirius...? Eu não teria desfrutado de uma posição tão intocável entre as fileiras do Construto, com certeza. Eu teria que seguir a linha muitomais do que fiz. Eu sou muito mais forte do que Reza, no entanto. E os videntes nada mais eram do que crianças, brincando de jogos de adultos. Sem acesso às suas visões agora, são ainda menos do que isso. Eu bloqueio minha mente, fechando o link para Reza, e seu rosto registra surpresa. Eu já cortei o link antes? Eu já nos desconectei tão abruptamente? Acho que não. E não acho que ela possa cortá-lo. Se ela pudesse, seria cortado a cada segundo de cada dia, não tenho dúvidas em minha mente. Reza se recosta na cadeira, uma expressão de breve perplexidade no rosto. Col arqueia uma sobrancelha, inclinando-se para sussurrar para ela. — Você está bem? — Ele pergunta. — Sim. Sim, fiquei tonta por um momento. Estou bem agora, no entanto. Melhor do que bem, na verdade. Eu me sinto normal. — Ela ri, um som feliz e sem fôlego, e de repente quero me reconectar com ela novamente. Eu quero sentir o que ela está sentindo no link. Eu quero experimentar sua felicidade e sua surpresa por mim mesmo. Sentir a felicidade de Reza em nosso vínculo é inebriante. Experimentar a alegria dela sempre, de forma confusa, foi uma sensação muito mais intensa do que a Luz que flui em minhas veias. Reza encontra meu olhar e pisca rapidamente, o alívio em seus olhos é claro. Estar livre de mim é uma dádiva. Ser capaz de simplesmente ser ela mesma sem o peso de outra consciência amarrada a ela é um alívio abençoado. Para mim, sentir a mente de Reza do outro lado da linha era uma garantia da qual gostei de várias maneiras. — Vamos continuar com isso, então, — Col diz. — Quanto antes você tiver as informações que deseja de Reza, mais cedo todos poderemos seguir em frente com nossas vidas. Temos uma nave que podemos te dar, Jass. As tempestades vão cair em alguns dias. Haverá várias janelas de inicialização. Seria melhor para todos os envolvidos se você saísse durante uma dessas janelas. Eu cravo minha unha na textura da mesa de madeira que apodrece lentamente entre nós, um sorriso sarcástico esticando minha boca em uma careta. — Você desistiu de nossa amizade ao longo da vida , então, Pakka. Eu disse a você que o bom senso prevaleceria. Col se move desconfortavelmente em seu assento. — Se você não percebeu, uma das visões da minha mãe recentemente provou estar errada, — ele diz calmamente. — Quando um vidente morre, suas visões se tornam fluidas. Deslocadas e mutáveis. Elas podem ser afetadas pelo fluxo e refluxo das visões de outros videntes. Então sim. Tenho certeza de que a visão de minha mãe de nos tornarmos amigos não foi nada mais do que uma falha. Uma piada cósmica estranha que a galáxia pregou nela. Por mim. Eu tirei isso da cabeça. — Ele parece envergonhado, como se estivesse com raiva de si mesmo por sequer contemplar uma reviravolta tão bizarra nos acontecimentos que um dia seria verdade. Col limpa a garganta de uma maneira superficial, puxando sua cadeira um pouco mais perto da mesa. — Faça suas perguntas, Beylar. Você tem trinta minutos e então tenho que sair. Eu olho para Reza, avaliando a maneira estranha como seus braços estão cruzados ao redor de seu corpo. Então ela não contou a Pakka sobre as reuniões anteriores que compartilhamos. Ela não disse a ele que nos conhecemos muito mais do que ele jamais poderia saber. — Por que você precisa estar aqui em primeiro lugar? — Eu pergunto, ainda sorrindo. — Para proteger Reza, é claro. — E como você faria isso? Como salvaria a vida dela se eu pegasse essa faca do bolso interno do seu colete e a pressionasse contra sua garganta? Um longo segundo se passa, em que nos encaramos. Col tem uma decisão a tomar. Ele precisa decidir se realmente vou tirar a faca dele e atacar Reza com ela, ou se não vou. Eu o vejo procurando a verdade em meus olhos. Eu o sinto me separando da melhor maneira que pode. Ele estreita os olhos depois de um momento, a tensão que vinha crescendo em seus ombros diminuindo um pouco. Aparentemente, ele se decidiu: não vou agredir ninguém hoje. Grande. Eu volto minha atenção para Reza. — O que você lembra do seu planeta natal? — Ela pisca para mim, confusa. Olhos tão verdes quanto os campos infinitos que costumavam cercar o Nexus, antes do Construto, desnudar a paisagem e a transformar em um lugar árido, rochoso e implacável. — Eu não entendo, — ela diz. — Não me lembro de nada. Eu tinha apenas sete anos quando o Construto... — Que tipo de lugar era?— Eu pressiono. — Um planeta de água? Um planeta deserto e arenoso, como Pirius? Um planeta de florestas e árvores por quilômetros em todas as direções? Como ele parecia, Reza? Ela balança a cabeça rapidamente, olhando para a mesa. — Não tenho certeza. Quando penso naquele lugar, tudo que me lembro é... pânico. O dia em que as naves do Construto romperam a atmosfera e abriram fogo contra a cidade. — Portanto, havia uma cidade. — Eu aperto minha mandíbula, tentando não cerrar meus dentes com tanta força. Isso é tão frustrante. Se eu pudesse entrar em sua mente livremente, poderia acessar memórias que ela nem sabe que ainda possui. Há algo muito diferente nas memórias que posso ver dentro da mente de outra pessoa, em comparação com a maneira como elas próprias as veem. Elas são mais fiéis e exatas. Elas estão livres de emoções. As próprias emoções de uma pessoa sempre distorcem sua lembrança de eventos e lugares. Como um estranho, posso peneirar experiências traumáticas sem ser sugado pelo medo e pela ansiedade que as acompanham. Reza acena com a cabeça, os olhos vidrados. — Uma cidade com torres altas. Centenas delas. Milhares. Ruas largas e pavimentadas. E grandes edifícios brancos com colunas altas. Sempre ocupada. Sempre agitada. A bile sobe no fundo da minha garganta, aguda e desagradável. — E as pessoas. O que você lembra sobre elas? O rosto de Reza se contrai. — Não sei. Nada realmente. — Eles eram médicos? Arquitetos? Técnicos de vôo? O que eles faziam todos os dias? Qual era o seu propósito? — Eu não sei, Jass. Eu era muito jovem para saber. — A frustração tinge sua voz - ela obviamente não gosta de pensar sobre essas coisas - mas não vou interromper minha linha de questionamento agora. Não quando finalmente estamos chegando a algum lugar. E ela fez uma promessa. Uma barganha estúpida que nós dois sabemos que é uma farsa, e eu segurei minha parte no acordo. — Pense. Tente mais. A informação está aí na sua cabeça. Você só precisa cavar um pouco mais fundo, só isso. — Ei. Ela disse que não lembra. Você não pode forçá-la a se lembrar de algo se a informação simplesmente não estiver lá. — Col é conciso e tenso. O estresse dos últimos dias está finalmente cobrando seu preço; parece que ele não tem dormido, o que, pela primeira vez, não tem nada a ver comigo. Eu não estive perambulando por seus sonhos em tudo. Eu lanço a ele um sorriso dissimulado e tenso, mostrando meus dentes. — Só estou tentando incentivar um pouco, — digo a ele. — Ela tem a informação presa dentro do crânio dela. Só estou tentando ajudá-la a tirar isso. — Por que você quer saber sobre meu planeta natal, afinal? — Reza pergunta. — Não tem nada a ver com Pirius, ou o Construto, diga-se de passagem. Meu povo está morto há ciclos. —Estou apenas intrigado, suponho. Por que o Construto os destruiu? — Não tenho ideia do por que. Eles precisam de um motivo para destruir planetas inteiros? Quando fiquei presa no Invictus, os anciões ordenaram que destruíssemos dezessete planetas no total, e eu nunca soube por quê. Parecia totalmente aleatório. Isso não me surpreende. O Construto não compartilha a lógica ou raciocínio por trás de suas ações com os escalões inferiores da ordem. Por que deveriam? A vida de um soldado é obediência básica e nada mais. Um soldado que pergunta por que é um soldado não é mais confiável como um instrumento contundente que você pode usar para cumprir suas ordens. Elesdevem ser promovidos ou destruídos, e promoções são quase impossíveis de ocorrer no Construto. — No que diz respeito ao que impulsionava meu povo, — continua Reza. — Não tenho certeza. Eles não eram designers ou curandeiros. Pelo que posso lembrar, eles eram intelectuais. Cientistas. Pessoas viajavam para se encontrar com eles de toda a galáxia. Sempre havia gente muito importante visitando. — Ela fecha os olhos, franzindo a testa, baixando a cabeça. — As ruas estavam sempre cheias de faixas e cartazes. Havia celebrações dia sim, dia não. Todo mundo sorria o tempo todo. Todos eram felizes. Eu acho... acho que meus pais eram importantes. Lembro-me de muitas pessoas que vinham vê-los o tempo todo. Havia homens com vestes estranhas que vinham muitas vezes, e eles sempre ficavam muito gratos quando iam embora. Eles abraçavam muito a minha mãe. — Você já os ouviu falar de uma arma? — Eu pergunto devagar. — Um novo tipo de arma que construiriam e venderiam? Os olhos de Reza abrem lentamente. Ela levanta a cabeça, e a conexão puxa minhas entranhas, insistentemente empurrando minhas defesas, exigindo ser deixada entrar. Está ficando mais forte mesmo enquanto estamos sentados aqui conversando. Reza também percebe. Ela empalidece ao inclinar a cabeça para um lado e dilatar as narinas. — Eu não sei nada sobre uma arma. Meus pais não estavam envolvidos em coisas assim. Tão certa. Tão hipócrita. Como ela pode falar com tanta autoridade e confiança, se afirma se lembrar de tão pouco? Eu faço o meu melhor para esconder meu aborrecimento, embora seja difícil. — OK. Eu acredito em você, — eu digo, cruzando os braços sobre o peito. — Deve haver algo mais que você lembra sobre o lugar, no entanto, — eu digo. — O clima. As estações. Os sóis. O transporte, ou a música, ou o... — O sol de sangue, — sussurra Reza. Ela está distante agora, como se tivesse se libertado dessa realidade e flutuado para algum lugar distante. — A cada poucos ciclos, havia um sol de sangue. A estrela inteira ficava vermelha no céu, e a cidade era banhada por uma luz vermelha. Não sei por que acontecia, ou quanto tempo durava, mas lembro que o sol de sangue era muito importante para meu povo. Trazia consigo prosperidade, sorte e felicidade, ou... Até Col parece interessado. — Ou? — Ou trazia miséria, dor e infortúnio, — finaliza Reza. — Durante as primeiras horas da chegada do sol de sangue, todos saiam as ruas, suas cabeças erguendo-se para ver a estrela subir no céu. Todos esperariam para ver o que aconteceria. Se... — Ela faz uma pausa. — Se o sol de sangue estava claro no céu quando aparecesse pela primeira vez, tudo ficaria bem. Mas se o céu estivesse nublado e a coroa do sol estivesse obscurecida, as pessoas acreditavam que era um mau presságio. — Superstições trágicas, — sussurro baixinho. Há um aperto na minha barriga, no entanto. Uma rigidez que está me deixando nauseado. Tirando o cabelo do rosto, inclino-me sobre a mesa, concentrando toda a minha atenção em Reza. Ela é tão bonita. Seu cabelo é castanho arenoso, mas mais interessante do que isso - com ouro e prata, como se fosse tecido de metais finos e preciosos. Sua franja longa e fina é muito pálida, descolorida pelos sóis, embora pareça ter sido beijada pelo luar em vez disso. As sardas espalhadas pela ponte delgada de seu nariz são delicadas e tênues, mas emprestam a ela uma qualidade feminina que a faz parecer mais jovem do que realmente é. Sua boca é cheia, inchada pela frequência com que mastiga os lábios quando está nervosa, o que acontece o tempo todo. Apesar de seu nervosismo, porém, há um fogo dentro dela. Um inferno que consumirá qualquer um que estiver em seu caminho. Eu posso ver isso claro como o dia, mesmo que ela não possa. Ainda. Ela vai, no entanto. Ela logo reconhecerá a poderosa chama que a ajudou a sobreviver por tanto tempo em um ambiente tão hostil, e aprenderá a usá-la a seu favor. Uma onda de náusea cai sobre mim, fazendo minha visão dançar um pouco, e do nada me sinto como se estivesse prestes a desmaiar. Eu me seguro, me forçando a sentar ereto na minha cadeira, me recusando a deixar minha necessidade de Luz mostrar sua cara feia. Está ficando cada vez mais difícil de ignorar, no entanto. Dia e noite, a menos que esteja pensando em Reza, fico obcecado pela ideia de caminhar pelas dunas para tentar encontrar minha mochila militar. — O que mais acontecia durante esse sol de sangue? — Eu pergunto, minha respiração patinando sobre as palavras levemente, enquanto tento me impedir de tremer. — Cerimônias. Rituais. Bênçãos. Não consigo me lembrar dos detalhes. Se o sol era um prenúncio de riqueza e boa fortuna, na noite de sua chegada havia sempre uma grande festa. Um enorme coliseu, com doces e comida, dança e música. Lembro-me de pessoas rindo e perseguindo umas às outras pelas ruas. Minha irmã mais velha beijando um menino que morava ao lado da nossa. — O rosto de Reza está maravilhado, como se esta fosse a primeira vez que ela esticava essas sinapses, recuperando esses instantâneos específicos dos armários de sua mente. — Minha irmã... — Ela parece espantada com a própria ideia. — Havia uma grande estátua no centro do coliseu, — diz ela, levantando a voz. — Um líder respeitado do meu planeta. Era uma estátua alta de bronze. As pessoas se sentavam a seus pés, tocando instrumentos e contando piadas. Era tão alta. Há um punho frio em volta do meu coração, e seu aperto está aumentando a cada segundo. Eu sinto que não posso respirar, muito menos pensar. Reza ergue os olhos, arrastando-se de seu passado de volta ao presente. Seus olhos encontram os meus e eu percebo que estou olhando para ela. — O que? O que é? — Ela pergunta. Eu afasto meu olhar dela, então estou olhando diretamente para a porta atrás de Col. — Nada. Eu só estava pensando. — Mentira. Mentira. Mentira. Eu não estava pensando em nada. Eu estava cambaleando com a compreensão que acabou de me atingir e estava fazendo um péssimo trabalho em esconder o fato. — Isso não vai a lugar nenhum, — Col diz. — A reunião para os indicados começa em breve e não posso me atrasar, de qualquer maneira. Eu estreito meus olhos para ele. — Achei que você não queria ser chanceler? A careta de Col seria cômica se não o fizesse parecer ainda mais cansado do que já está. — Eu não quero. Mas infelizmente meu comparecimento a essas coisas é obrigatório. Se eu não aparecer, serei detido e mantido na paliçada durante um dia como punição. Pessoalmente, a ideia de Col preso dentro de uma paliçada é meio engraçado. Posso ver por que ele não pensaria assim, no entanto. — Vá em frente, — eu digo a ele, apontando para a porta com um movimento do meu pulso. — Nós continuaremos sem você. Tenho certeza de que Reza lhe dará a versão resumida assim que você cumprir seus deveres cívicos. — Absolutamente não. Eu balanço minha cadeira para trás, para que ela se equilibre nas pernas traseiras. — E porque não? — Disseram-me especificamente que você não deveria ser deixado sozinho com ela. E embora eu esteja ficando cada vez mais acostumado com sua personalidade cativante a cada dia, ainda não acredito que você tenha os melhores interesses no seu coração sobre Reza. Então, se eu tiver que ir, ela também vai. — Ele se vira para Reza, levantando-se, uma expressão de determinação no rosto. Reza estende a mão e o segura levemente pelo pulso. — Eu vou ficar, — ela diz a ele. — Eu ficarei bem. Ele teve muitas oportunidades de me matar e não o fez. — Eu não o fiz. — Eu balanço meu dedo indicador para Col, que me ignora cuidadosamente. — Reza, eu sei que tudo isso é complicado, mas ficar sozinha com ele dentro de uma sala trancada é um risco desnecessário. Podemos voltar amanhã. — Todos podem estar mortos amanhã, — eu acrescento. — Sem nenhum de seus amigos capaz de ver nada em suas visões, quem sabequando o Construto vai aparecer e começar a incendiar as coisas? Col fica em silêncio por um momento, seus olhos fixos em Reza. À primeira vista, ele parece calmo, mas pequenos músculos estalam e flexionam em sua mandíbula, traindo seus verdadeiros sentimentos. — Você realmente sabe como testar uma pessoa, Beylar. Reza suspira, esfregando a testa com a mão livre. — Eu vou ficar bem, Col. Juro que posso cuidar de mim mesma. Darius me mostrou como me defender e posso mantê-lo fora da minha cabeça pelo tempo que precisar. Se eu achar que as coisas estão saindo do controle, mandarei uma mensagem para você, prometo. Agora vá, antes que perca sua reunião e as pessoas comecem a jogar comida estragada em você. Col inala, então fica rígido. Ele parece preso pela indecisão, suas mãos fechando e abrindo em punhos ao lado do corpo, e então ele se vira para me encarar. — Vou fazer uma pergunta e quero que me responda honestamente, se isso for possível... — Eu nunca menti para você, Col. Eu nunca precisei. Ele não parece impressionado com minha resposta. — Você matou minha mãe, Jass Beylar? Quase perco o equilíbrio e caio da cadeira para trás. Eu não tinha ideia do que ele me perguntaria, mas não era isso. — Não me olhe assim, — Col diz com cansaço. — Ela já ia morrer. Ela sabia disso, e eu também. Mas morrer dormindo, em paz, quando seu tempo acabar é uma coisa. Morrer com uma faca cerimonial enfiada no estômago e o sangue vazando do corpo é outra. Não é coincidência que ela morreu poucos dias depois de você ter aparecido aqui. Você não pode negar isso. Não consigo pensar em uma única vez em que alguém me acusou de matar alguém e eu realmente não o fiz. A ironia disso tudo é bastante esmagadora. Tento não rir, porque não acho que isso fará muitos favores à minha causa. — Eu não a matei, Col. Eu juro a você. Eu não tinha motivo para machucá-la. Além de estar irritado com ela, é claro. Eu sei que posso ser cabeça-quente, mas não costumo gastar a energia necessária para matar alguém por algo tão fútil. Col vai me bater. Acho que ele vai tentar, pelo menos. Ele fica absolutamente imóvel, seus pés firmemente plantados na largura do quadril, a violência por toda parte. Ele quer me machucar. Ele quer ter encontrado o arquiteto da morte prematura de sua mãe e quer me fazer pagar por meus crimes. O problema é... ele acredita que estou dizendo a verdade, o que o está deixando ainda mais furioso. Se eu - o único assassino a sangue frio confirmado na sub cidade – não matou Erika, então isso representa problemas maiores para Col. O crime não existia aqui há muito tempo, segundo todos os relatos. Como poderia, quando todos sabiam quem faria o quê, a quem e quando? Mas agora que a população de Pirius está cega há tanto tempo, as pessoas aqui não são responsáveis pelos crimes, a menos que sejam estúpidas o suficiente para serem pegas em flagrante. Col se vira e se dirige para a porta, obviamente fervendo. — Se você precisar de alguma coisa, Reza, certifique-se de mandar me buscar, — ele diz com firmeza. Ele bate a porta atrás de si com tanta força que uma pequena chuva de terra e areia cai do teto. As partículas se acomodam no cabelo de Reza e em seus cílios como uma cinza fina. Ela não as espana. Inclinando a cabeça e o queixo, há um fogo desafiador queimando dentro dela enquanto me encara, — OK. Estamos sozinhos. Que tal pararmos com os jogos? Por que você está me perguntando sobre meu planeta natal? E por que não me perguntou antes, dentro dos sonhos? — Eu tentei. Você não estava realmente inteira, no entanto. Sua memória estava confusa. Você nunca conseguia me dar uma resposta direta. Nada disso importa, Reza. Agora, eu sei a verdade. Você e eu somos mais parecidos do que eu pensava. Essa conexão entre nós... não é uma coisa aleatória, acidental. É muito mais do que isso. — Ela fica cada vez mais pálida enquanto eu falo, e minhas mãos começam a tremer sob a mesa. Já faz muito tempo que tenho minhas teorias sobre Reza, mas verificá-las me deixou de cabeça para baixo. Eu não quero que ela veja isso. Eu não quero que ela saiba... — Não somos apenas semelhantes. Não é nenhum milagre que você possa resistir a mim onde os outros não podem. Sua capacidade de alcançar a corda que nos conecta da mesma forma que eu, não é por acaso. Nós somos iguais, Reza. Ambos viemos do mesmo planeta. O berço de toda a vida humana entre as estrelas. Somos os últimos verdadeiros sobreviventes da Terra. 19 REZA CLARO Terra. Nada mais do que um mito. Uma lenda. Uma história que mães contam a seus bebês para colocá-los para dormir. Uma história de vida e pastagens abundantes. O planeta de origem de mais de noventa por cento de todas as espécies evoluídas na galáxia. Jass não pode estar dizendo a verdade. Há tão poucas chances dele e eu compartilharmos qualquer tipo de herança. As chances são de um milhão para um. Mas agora ele está me pedindo para acreditar que nós dois viemos da Terra ? Acho que não. — Eu não estou pedindo que você acredite em mim, — diz Jass. — Estou lhe contando o que sei. Eu nasci na Terra. Era exatamente como você descreveu. Éramos um planeta de filósofos, educadores e cientistas. A cada sete anos, um sol de sangue enchia o céu e as pessoas da Terra se reuniam para discernir seu destino para o ciclo seguinte. Como você disse, um céu claro significa boa sorte e fortuna. Um céu envolto em nuvens significava problemas à frente. A estátua de bronze que ficava no centro do coliseu era de um homem chamado Arrotec Ja'En. Ele foi responsável por trazer unidade e governo ao planeta durante seu último período de agitação. Lembro-me de tudo vividamente. Eu era um pouco mais velho do que você quando o Construto veio nos erradicar da superfície do planeta. Lembro-me das comemorações e da arte. Eu me lembro da música. Eu me lembro das risadas. — Todo mundo sabe que a estrela da Terra explodiu. É por isso que os humanos colonizaram a galáxia. O planeta foi destruído há milênios. — O sol não explodiu. Ele esfriou, — Jass corrige. — A vida se tornou muito difícil, os recursos muito escassos, então as pessoas começaram a construir novas vidas para si mesmas em outros planetas. O sol ainda brilhava, no entanto. Ainda subia e se punha todos os dias. As plantas ainda cresciam. Animais ainda eram criados. Setenta por cento do planeta congelou, mas a vida foi mantida. A vida melhorou. E milhares de anos depois, você e eu nascemos. Sua voz falha da maneira mais estranha. Eu tenho que olhar duas vezes para tentar dar sentido à sua expressão intensa. Sua pele tem uma coloração estranha, escorregadia de suor. É como se as memórias deste planeta de que ele fala o estivessem fazendo mal ao estômago. Por outro lado, porém, tenho sentido seu desconforto nos últimos dois dias. A princípio achei que fosse um truque, que ele estava tentando me fazer acreditar que estava doente, para que eu não o considerasse uma ameaça. Eu vi o momento em que percebeu que eu podia dizer o que ele estava sentindo agora, no entanto. Eu vi o momento de choque e então senti a corda entre nós cair imediatamente. — Você não está brincando, está? — Eu sussurro. — Você realmente acredita que viemos da Terra. — Sim. — Sua voz está rouca. Ele abre a boca para dizer outra coisa, mas nenhuma palavra sai. Seus olhos adquirem uma névoa vaga e distante, mas ele não deslizou em algum lugar de seus pensamentos. É perfeitamente óbvio que ele está lutando para pensar em alguma coisa, à medida que mais e mais gotas de suor escorrem por sua testa. Uma cor rosa estranha e doentia começa a se desenvolver no alto de suas bochechas - definitivamente não o rubor vibrante rosa que as pessoas saudáveis exibem. Os ombros de Jass tremem um pouco quando ele se inclina para frente, apoiando o cotovelo na mesa à sua frente. Ele limpa a gargantae aponta para mim acusadoramente. — Você sumiu, Reza. Eu já havia desenvolvido alguns dos meus talentos quando eles vieram atrás de mim. Se eles soubessem que você era como eu, os anciãos teriam se certificado de que recebesse a mesma educação que recebi. Talvez você tivesse acabado assim como eu. — Ele ri, e o som de sua diversão é mais do que um pouco confuso. Devo levantar? Devo pedir ajuda? Algo não parece certo. É como se ele pudesse explodir a qualquer momento. Do nada, suas paredes mentais de repente desabam. A onda de emoção que me atinge é o suficiente para tirar o fôlego dos meus pulmões. Dor. Tristeza. Arrependimento. Mágoa. Esperança. Medo. Dor. Dor. Dor. Eu sinto a agonia rasgando Jass com cada batida persistente de seu coração, e é quase demais para suportar. — O que há de errado com você? — Eu sussurro. Os olhos normais e vivos de Jass são piscinas escuras de confusão enquanto ele tenta se levantar. — O que não há de errado comigo? — Ele ri, sua mente girando, os portões dentro de sua cabeça totalmente abertos, e eu posso me sentir sendo atraída, irrevogavelmente puxada para frente contra minha vontade. Ele é um homem que está se afogando, lutando por um lugar na margem do rio mais próxima, e essa margem do rio mais próxima é minha sanidade. Eu salto da minha cadeira, prestes a correr para a porta, para correr para o corredor, para chamar alguém. Para pedir ajuda? Mas então percebo que não sei quem realmente precisa de ajuda - eu ou Jass. Eu paro no meio do caminho. — Você estava lá o tempo todo, — ele sussurra suavemente. — Você estava aqui, bem debaixo do meu nariz. Eu não estava sozinho. Eu não estava... sozinho. Com isso, ele tomba para o lado de sua cadeira, os olhos revirando... completamente inconsciente. ****** — Eu já vi isso antes. Um pequeno veneno único e inteligente, na verdade. Caro. Difícil de conseguir. Com o tempo, a toxina se acumula em seu sistema, armazenada na gordura, nos músculos e nos ossos. Até no seu cabelo. Ele fica lá bem satisfeito e não vai causar problemas, desde que o antídoto seja administrado diariamente junto com ele. Se você parar de tomar o antídoto, no entanto, as toxinas armazenadas em suas células são liberadas gradualmente ao longo de alguns dias, te deixando cada vez mais e mais doente. É surpreendente que ele tenha durado tanto para ser honesto. Seus níveis são apenas... — Darius encolhe os ombros, balançando a cabeça. — É realmente notável. Já ouvi falar que o Construto alimenta Luz por gotejamento em seus prisioneiros mais valiosos. Quando a toxina e o antídoto são administrados ao mesmo tempo, o resultado é bastante eufórico para o receptor. Eles se tornam dependentes da solução. Complacentes. Sem saber que poderia ser usado para matá-los a qualquer momento. Realmente foi inteligente da parte do Construto controlar Jass assim. Se ele saísse da linha, seria fácil derrubá-lo. Duvido que tivessem alguma ideia de que seu corpo era tão resistente, no entanto. Eu forço meus braços mais apertados ao redor do meu corpo, olhando para baixo no corpo caído de Jass, ainda inconsciente e suando sob um lençol nos aposentos de Darius. — Então ele vai morrer. — Minha voz é uma coisa vazia e incerta. — Eu não posso dizer. Provavelmente. Eu sabia que ele estava sofrendo. Suspeitei que fosse isso. Eu me ofereci para ajudá-lo dias atrás, mas ele recusou. Tenho esperado que ele acabe aqui desde então. Está frio na câmara privada de Darius; uma brisa fria encontrou o seu caminho aqui de alguma forma, e serpenteia em volta dos meus tornozelos nus e provocando seu caminho pelas costas da minha camisa. Eu estremeço involuntariamente, tentando entender o que estou ouvindo. — Então, depois de todo o estresse e medo... Depois de se sentir perseguido e vigiado por tanto tempo... Agora que ele está aqui, simplesmente vai morrer? E isso vai ser tudo? Darius ajusta a máscara de malha que ainda está usando - ele deveria estar na superfície do planeta quando soube que Jass precisava de sua atenção. Mexendo nas amarras de cada lado da cabeça, ele faz um trabalho rápido com os fechos e desliza a tela, arrumando-a. — Vou fazer o possível, mas se ele está viciado na Luz por um longo período de tempo, então é bastante provável. Se for esse o caso, você estará livre, Reza. Você poderá sair deste lugar sem medo de ser seguida ou caçada. Não é isso que você estava esperando? Deuses, sempre. Não existe um dia que não tenha fantasiado sobre escorregar em um transporte e simplesmente desaparecer no espaço. Existem tantos planetas habitáveis agora. Muitos lugares que eu poderia ir e começar de novo. Eu deveria estar pulando de alegria, olhando para o peito de Jass, esperando que ele pare de subir e descer para que eu possa seguir em frente com minha vida, mas isso foi antes. Antes de saber das reuniões, que me escondi de mim mesma. Antes que eu soubesse do carinho e da suavidade que ele me mostrava. Antes que todos os sentimentos que desenvolvi nesses sonhos desabassem sobre mim com uma força incompreensível. E, além disso, acabei de saber que ele e eu compartilhamos o mesmo sangue. Viemos do mesmo lugar. Não há dúvida de que ele está errado sobre esse lugar ser a Terra, mas sua descrição da cidade em que nasci foi muito específica, até a estátua, e quantos planetas nesta galáxia poderiam ser afetados por um sol de sangue? As semelhanças são grandes demais para serem desconsideradas. Tenho adiado a análise dos próprios sentimentos de Jass - uma parede de mágoa emocional que eu nunca teria imaginado que residisse dentro do homem. Sua dor encheu minha cabeça, gritando por cima de suas outras emoções, mas foi sua solidão o que mais me atingiu. Eu não tinha ideia de que ele poderia experimentar tal coisa. Eu esperava um deserto dentro de Jass Beylar, muito parecido com a superfície de Pirius, mas em vez disso o que encontrei foi uma paisagem de angústia e tormento. — Você não quer que ele morra, — Darius diz. Ele limpa o rosto de Jass com um pano úmido com o mesmo cuidado e compaixão que demonstrou a incontáveis outros. Não há julgamento em sua voz. Nenhum tom ou inflexão que possa me levar a acreditar que ele acha que sou louca. Eu me sinto louca, porém, porque ele está certo. Eu não quero que Jass morra. Se eu soubesse que isso aconteceria com ele semanas atrás, estaria gritando do topo das dunas, dando piruetas por todo o lugar. Eu teria me sentido como se tivesse sido libertada. Mas agora, depois de testemunhar o caleidoscópio de turbulência dentro do homem que passou tanto tempo me procurando? Junto com tudo o que estou sentindo agora? Só não sei o que devo pensar. — Você não precisa ter vergonha, — Darius me diz. — Jass tem uma reputação. Uma nuvem negra o segue aonde quer que vá. Isso não significa que você tem que desejar a morte dele. — Ele levanta o braço esquerdo de Jass, amarra um pedaço de tecido ao redor dele, então dá uma sacudidela em um frasco com um líquido claro que colocou em uma seringa. Meu estômago se contrai quando vejo a agulha afiada desaparecer no braço de Jass. Normalmente não fico enjoada, mas há algo perturbador em ver o metal perfurar sua pele. — Parece uma traição me sentir assim, — digo em voz baixa. — Como se estivesse traindo todas as pessoas que morreram em suas mãos. Darius suspira pesadamente, colocando o braço de Jass suavemente na cama. Ele bufa de novo, aparentemente lutando com o que quer que queira dizer a seguir. Depois de um doloroso momento de silêncio, pontuado pela respiração difícil de Jass, ele se senta na beira da cama e entrelaça seus longos dedos, fixando-me com um olhar penetrante. — A Luz com a qual o Construto tem alimentado Jass tem vários efeitos colaterais, Reza. Euforia. Temperamento reduzido. Sentidos aguçados. E um total desprezo pelos outros e seu bem-estar. A solução atua comoDarius inclina a cabeça para um lado, um pouco mais longe do que um ser humano normal faria. — O que você sentiu, criança? Esta parte era sempre a mais difícil. O que experimentei naquele momento, quando Jass soltou minha cápsula, ainda me confunde até hoje. Isso me assusta. — Eu senti como se ele estivesse tentando se comunicar comigo de alguma forma. Senti como se ele estivesse tentando entrar na minha cabeça. — E você permitiu que ele entrasse? — Não. Houve uma pressão intensa e eu tive essa... sensação dele. Foi assustador. Eu empurrei contra a pressão. Aumentou por um segundo e então... simplesmente sumiu. Darius e os outros videntes nunca pareceram interessados no que aconteceu depois desse momento. Eles desmontaram minha cápsula, pedaço por pedaço, quando cheguei aqui em Pirius, então têm todos os relatórios de telemetria. Eles sabem que a cápsula passou por sete planetas habitáveis antes de chegar aqui. Fiquei presa dentro da capsula por doze dias, quase sem nenhuma ração de sobrevivência. Eu não tinha meios de controla-la, nenhum conhecimento técnico de como definir um curso, então apenas fiquei sentada lá, surtando até que a leitura de energia começou a piscar loucamente e os alarmes começaram a soar. Pela primeira vez, um alerta apareceu na tela dentro da cápsula, perguntando se eu queria tomar medidas de emergência para chegar ao planeta mais próximo com um ambiente estável antes que o suprimento de oxigênio acabasse, e apertei o grande botão verde piscando SIM. Eu caí em Pirius duas horas depois, sofrendo com três costelas quebradas e uma concussão que me fez desmaiar em intervalos aleatórios por três dias depois. Darius acena com a cabeça, parecendo processar a informação que lhe passei. Lá fora, o cão das dunas uiva novamente, agora mais perto, desta vez seguido por outro uivo, mais longo e melancólico. Darius deve ir logo se quiser voltar para a sub cidade antes da tempestade de areia chegar, mas ele não se move de sua posição empoleirado na beirada do meu único banco de madeira. Em vez disso, olha para mim, seus olhos turvos apenas visíveis através de sua máscara de malha. — Você já sentiu essa pressão novamente, Reza? Nos sete ciclos que esteve aqui em nosso planeta, você já experimentou a mesma sensação dentro de sua mente? Meu estômago revira. Não gosto de mentir para meu amigo. Eu sinto essa mesma sensação dentro da minha cabeça. O tempo todo. É mais do que isso agora - uma espécie de conexão, me ligando a Jass. Está sempre lá, tão arraigada que parece que é parte integrante de mim. Dizer a Darius, não vai me levar a lugar nenhum, no entanto. Isso vai me expulsar do planeta, e depois? — Não, — eu digo, balançando minha cabeça. — Eu não senti. Darius se endireita, mudando com movimentos meticulosamente lentos e ponderados. Pegando seu cantil e sua bolsa de couro, ele embala sua água e desliza a alça da bolsa sobre sua cabeça. Ele suspira pesadamente, caminhando em direção ao pano esfarrapado que cobre a entrada da minha casa. A areia entra girando, ondulando sobre o chão previamente varrido, se reunindo na base do meu baú. — Sei que faço essas mesmas perguntas a você há muito tempo, criança, e peço desculpas por isso, — diz ele por cima do ombro. — Veja, infelizmente não fui muito honesto com você. Meu povo pode vislumbrar a mente de outra pessoa. Normalmente podemos ter visões do futuro, mas ... desde que você pousou aqui, nenhum de nós foi capaz de ver nada. Não fomos capazes de confirmar a verdade por trás de sua história, porque não podemos chegar dentro de sua mente. Nossas pistas do futuro praticamente desapareceram. Você é um enigma. Sua presença aqui em nosso planeta alterou nossas habilidades. Você é uma luz brilhante, cegando todos aqueles que estão muito perto de você. E mesmo se ainda tivéssemos acesso aos nossos dons, Reza, nunca os usaríamos em você sem o seu consentimento. Como Jass Beylar, sua mente está bloqueada por dentro. Ao contrário do Construto, nunca estivemos no negócio de tentar abrir fechaduras contra a sua vontade. A culpa se infiltra em mim, criando raízes. — Se for esse o caso, se sou a razão pela qual suas visões o deixaram, então por que não me fez ir embora? Por que me permitiu ficar aqui todo esse tempo? Darius sorri. — Antes de você chegar aqui, uma pequena parte do seu futuro foi testemunhada, — ele continua. — A vidente disse a chanceler Pakka que te viu aqui em um momento de necessidade para nós. Uma vez que precisaríamos de sua ajuda. Manda-la embora teria sido contra o futuro que ela viu. A chanceler Pakka também falou que você e Jass... são o mesmo. Uma onda de pavor me atravessa. — Eu sinto muito? O mesmo? Acho que não. — A mesma energia que corre nas veias de Jass também corre nas suas. Você pode sentir quando fecha os olhos, Reza. Você sabe que está lá, adormecida e parada. Eu me revolto contra a ideia. Não pode ser verdade. De jeito nenhum em sete infernos. Uma parte de mim está paralisada, no entanto. Não possuo uma energia inexplicável. Eu posso senti-la girando através das minhas veias, a cada momento de cada dia. Ela está lá desde que me lembro, e ficou mais forte desde que fugi do Invictus. Existe a menor possibilidade de que...? Não. Não. Darius está errado. Isso é tudo. O vidente se inclina contra a parede de minha cabana de lata, sorrindo sem rodeios por trás de sua máscara de malha. — Não tenha medo, Reza, — diz ele. — As pessoas só precisam temer coisas que não entendem. Com nossa ajuda, você entenderá o dom que recebeu. Aprenderá como controlá-lo, assim como Jass fez. Vamos ajudá-la a dominar e, em troca de nossa ajuda, você nos ajudará. Um calafrio se instala sobre meus ossos. — Ajudar com o quê? — Precisamos de Jass longe do Construto. Ele está vindo para cá encontra-la, Reza, e precisamos mantê-lo aqui. Para o bem. 2 JASS COMBATENTE Tentar não ler a mente de alguém é como tentar não cutucar um dente quebrado. O desejo de explorá-lo, sentir seus contornos, testar os limites da dor associada a ele é quase impossível. E, além disso, negar a si mesmo algo tão satisfatório é simplesmente, bem... inútil. Muito melhor simplesmente fazer isso e tirar do caminho. Muito mais fácil entrar na mente de alguém e simplesmente arrancar as informações que você procura, em vez de perder horas torturando-as. Eu tentei explicar isso a uma garota uma vez. Ela me entendeu mal, no entanto. Ela inclinou sua linda cabeça para um lado, piscou seus olhos castanhos de coruja para mim e disse: — Você acha que é melhor pedir perdão do que permissão? Eu admito que fiquei desapontado. Até aquele momento, parecia que estávamos na mesma página. Ela entendia como o poder era inebriante. Ela disse que sabia como isso poderia te fazer se sentir liberado, embriagado com a crueza disso. Ela disse que sabia como seria difícil virar as costas para isso, então por que tentar? E então disse isso e estragou tudo. Eu me inclinei para frente, pressionando minha testa contra o vidro que nos separava, e suspirei, apunhalando a ponta do meu dedo indicador enluvado contra o material áspero do uniforme Construto preto que cobria minha coxa. — Não, — eu disse a ela. — Não acho melhor. Eu não peço permissão. Não peço perdão. Qual seria o propósito? Mais tarde, soube que Stryker ordenou que a garota fosse expulsa de uma das eclusas de ar a bombordo da nave. Que ela estava perguntando por mim antes que eles a empurrassem pelas portas de metal entrelaçadas e apertassem o grande botão vermelho que sinalizava sua morte. Se ela não tivesse feito aquela pergunta estúpida, eu poderia ter sentido remorso por não ter estado lá para me despedir. Do jeito que foi, eu estava feliz que a garota tinha ido embora. Não há mais cabeça bonita. Chega de olhos castanhos de coruja. Eu estava livre para me concentrar no meu trabalhoum amortecedor para quase todas as emoções. Eu sou a última pessoa a dar desculpas para um membro tão notório do Construto, mas há uma chance muito real de Jass não ter seguido as ordens que recebeu se não estiver dosado até os olhos sobre essas coisas. Isso depende inteiramente da pessoa que ele era antes de se tornar viciado na toxina, é claro. Mas gosto de pensar que a maioria das criaturas desta galáxia são boas em seu núcleo. Eles merecem o benefício da dúvida. No entanto, convencer outros membros da Comunidade de que Jass merece uma segunda chance não será fácil. Jass teria que se limpar da luz. E não só isso. Ele teria que realmente querer uma segunda chance. Palavras tão incendiárias. Eu nunca seria corajosa o suficiente para dizê- lss em voz alta, mas estou me perguntando o que acontecerá quando os cidadãos da sub cidade finalmente descobrirem quem vive entre eles. O que será de Jass? Quem ele será uma vez que as toxinas que o Construto bombeou forem eliminadas de seu sistema? Sua mente pode ficar mais clara, talvez toda a extensão de suas emoções retorne a ele com o tempo, mas realmente não há garantia de que isso mudará quem ele é. Quem ele tem sido por tanto tempo agora. Ele ainda será forte. Ainda será capaz de alcançar a mente das pessoas e controlá-las ao seu bel prazer. Eu olho para ele deitado na cama, seu cabelo é uma auréola selvagem e escura espalhada ao redor de sua cabeça em ondas grossas, suas pálpebras piscando suavemente enquanto ele sonha, e uma névoa de dúvida nubla minha mente. O que está acontecendo em sua cabeça agora, enquanto seu corpo luta desesperadamente para se curar? Ele está sonhando com campos de corpos, massacrados e decadentes a seus pés? Planetas inteiros dobrando os joelhos, adorando-o como um deus? Ou está sonhando com outra coisa? Algo muito menos sinistro. Eu não posso evitar. Não consigo parar de pensar nisso. Ele está sonhando comigo? 20 JASS INFERNO Até a escuridão machuca meus olhos. Eu já suportei as profundezas do esquecimento antes, mas então não senti nada. Aqui, preso em minha própria cabeça, incapaz de me mover ou falar, o próprio nada me causa dor. Eu flutuo em um mar de vazio, desapegado e expulso. Cada vez que luto para abrir meus pulmões e enchê-los de oxigênio, me amaldiçoo por sucumbir à minha necessidade desesperada de respirar. Se eu pudesse evitar a agonia de simplesmente existir neste ponto, o faria. Eu morreria e ficaria extremamente grato por me soltar dessa espiral mortal. Seria melhor do que sofrer com esse maldito vazio, onde nada parece funcionar, exceto minhas terminações nervosas e os receptores de dor correspondentes em meu cérebro. Oh, e meus ouvidos. Meus ouvidos parecem estar funcionando bem, o que é tanto uma bênção quanto uma maldição. Em algum lugar próximo uma torneira de água está vazando, e o gotejamento constante, pingando, pingando está me deixando louco. Não consigo desligar o som. Não posso girar a torneira os três milímetros necessários para conter o fluxo de água e, portanto, tenho que suportar a tortura repetitiva dela, sem nenhuma maneira de bloqueá-la. Tão frustrante. Darius entra e sai, cantarolando muito para si mesmo. Ele não é um cantor muito bom, mas pelo menos suas tentativas desafinadas de melodias afastam o gotejamento por curtos períodos de tempo. Não tenho ideia do que ele faz quando entra e sai, mas muitas vezes o cheiro de óleo de cânfora e fumaça queimando enche a sala, ou algum outro cheiro leve, de ervas, vagamente desagradável, e sei que ele está prestes a cuidar de mim, esfregando cataplasmas e substâncias espessas e enjoativas em meu peito. No começo odiei o contato; Reuni força mental suficiente para derrubar a tigela de pomada da mão do vidente, fazendo-a voar. Eu só consegui fazer isso uma vez, no entanto; minha mente estava exausta com o esforço de uma ação pequena e inconsequente que normalmente seria capaz de realizar sem pensar duas vezes, e tenho certeza que Darius poderia dizer. Ele continuou usando a loção em mim em intervalos regulares e, por um breve período após cada aplicação, é mais fácil para mim respirar. Outras vezes, ouço Reza. Ela vai e vem, sem dizer uma palavra, mas reconheço a cadência de seus passos e a respiração cautelosa e irregular. O elo entre nós acabou. Mesmo quando forço os limites da minha mente o mais longe que podem alcançar, não consigo senti-la como antes. Não há eco dela dentro da minha cabeça. Nenhuma coisa. É como se o elo tivesse sido totalmente rompido, cortado de uma vez por todas, e ela simplesmente... se foi. Só que ela não foi, porque vem a mim por sua própria vontade. Ela cuida de mim e espera, e posso sentir a tensão saindo dela. Eu não tive tempo para analisar o jeito que ela estava se sentindo sobre suas memórias de nós antes de tudo isso acontecer. Não sei se afetou sua opinião - ou seu medo - por mim. Não sei de nada, e o não saber está me matando. Estou tão vulnerável quanto uma pessoa pode estar agora; ela poderia usar um travesseiro para me sufocar. Poderia me fazer ter uma overdose com qualquer número de drogas e poções que Darius certamente tem em mãos. Reza poderia me matar sem nem suar, mas ela não o fez. Acabar com uma vida se tornou uma segunda natureza para mim, mas vi como enfrentar essa tarefa pode ser para os outros. Como suas mãos tremem e seus corações vacilam. Corações estúpidos, imprudentes e moles. O meu é esculpido em aço. O tempo passa estranhamente. Não há dia e noite dentro da fenda que se formou dentro de mim. Não tenho como saber por quanto tempo estou deitado aqui, mas parece que vidas se passam, uma após a outra. Eu tremo e convulsiono, e Darius passa mais pomada no meu peito. Eu tremo e convulsiono. Eu tremo e convulsiono. Mais pomada. Mais suor. Mais intermináveis horas vagas no escuro. Até… Eventualmente, o tremor diminui. O fogo furioso dentro de minhas veias obscurece para uma centelha sutil, e minha mente começa a despertar novamente. Parece que estou submerso, bem abaixo da superfície, onde a luz não consegue penetrar e não sei realmente qual é o caminho para cima. Começo a sentir meu corpo e imediatamente desejo não poder. Os alfinetes e agulhas que penetram na minha pele parecem mais lanças. Depois de um tempo, começo a sentir a corda novamente, me conectando a Reza. Não consigo sentir nada através do link. Não tenho ideia de onde ela está ou o que está pensando, mas saber que a conexão ainda está lá, nos unindo, é um alívio enorme. Pela primeira vez, o vazio dentro de mim não parece mais uma prisão. Eu finalmente durmo. 21 REZA JARDIM ZOOLÓGICO — Você vai ter que entrar lá e pegá-lo. Não quero entrar na cabeça de Jass e tirá-lo disso, mas Darius não vai deixar o assunto de lado. Já faz uma semana. Nove dias durante os quais Jass parou de se sacudir e se revirar, lutando contra sua própria pele ruborizada e febril, e está apenas deitado na cama de Darius, silencioso, imóvel, com um ar de morte pairando sobre ele. Darius removeu o IV que estava no braço de Jass há dias, esfregando álcool em sua pele para limpá-lo. — Se ele não acordar logo, seu corpo vai começar a atrofiar. Seus músculos vão enfraquecer. Suas células começarão a morrer. O fluxo de sangue para seu cérebro é constante, mas seus órgãos internos estão diminuindo. Os nutrientes que venho lhe dando estão fazendo seu trabalho, mas não são páreo para comida e água de verdade. Eu me afasto da parede, movendo-me para ficar ao lado do meu amigo. — Talvez um Jass fraco não seja uma coisa tão ruim. Agora que sabemos que ele não vai morrer, pode ser benéfico ter certeza de que não estará operando em sua capacidade total quando acordar. Darius me lança um olhar de desaprovação de soslaio. — Cortar propositalmente as asas de um animal soa como algo que o Construto faria. Acho que essa é acoisa mais dura que o homem já me disse. Ele sabe que fazer um comentário como esse vai me irritar. Eu faço uma carranca para ele, xingando baixinho. — Certo, tudo bem. Posso tentar, mas o vínculo nunca funcionou assim antes. Eu nunca fui até ele. Ele sempre foi aquele que se esgueirou em minha mente, sem avisar. Eu não tenho idéia de como fazê- lo. Ou mesmo se posso. — Eu não menciono os sonhos. Tecnicamente, eu ia até ele nessas ocasiões, mas estava inconsciente. Não tenho ideia de como o chamei, ajudei-o a me levar para as paisagens de sonho que ele criou, mas deve ser possível. Eu simplesmente não tenho ideia de por onde começar. — Se ele pode fazer isso, você também pode, — diz Darius com firmeza. — Você é do mesmo planeta. Não há razão para ser capaz de nada menos do que Jass. Você só precisa se concentrar. Visualize seu objetivo. Isso vai acontecer naturalmente. Eu mantive a revelação de Jass para mim por um tempo depois que Darius o mudou para seus aposentos. Eu precisava de tempo para processar. Para entender. Para tentar descobrir o que a notícia de que compartilho uma herança com Jass Beylar pode significar para mim. Eu não fiz absolutamente nenhum progresso, no entanto, e rachei. Eu confidenciei isso a Darius, pelo menos, que fez um grunhido nada impressionado no fundo da garganta e continuou seu trabalho. Ele completou uma enxurrada de testes, no entanto, extraindo frasco após frasco de sangue de mim e de Jass, analisando os resultados e o tempo todo frustrantemente calmo e silencioso. Depois de muito cantarolar e apertar os olhos, ele me deu sua conclusão: Jass e eu somos complicados. Ele não descobriu muito, além do fato de que nosso DNA confirmou que somos realmente do mesmo planeta. Darius suspeitou que o vínculo mental que compartilhamos poderia ter algo a ver com um vínculo familiar, mas quando olhou mais atentamente, nosso código genético específico era muito diferente. Nem mesmo compartilhamos parentesco distante, muito menos próximo. — Eu vou comer, — Darius me diz, colocando a mão no meu ombro. — Talvez enquanto estiver fora, você possa tentar falar com ele pelo menos. Por favor. Por mim. Não faça caretas, Reza. Não vai te matar. Pelo menos... eu não acho que vá. — Ele ri ao sair de seus aposentos, e mais uma vez me encontro sozinha com o homem de cabelos escuros dormindo na cama. Passei um tempo considerável aqui na semana passada e, durante esses dias, tive muitas oportunidades de estudá-lo. No começo, evitei olhar para ele, esperando que seus olhos se abrissem a qualquer momento e me encontrassem olhando para ele, mas quando a corda caiu e Jass parou de se mover, fiquei mais ousada. Estudei os traços de seu rosto. A inclinação de seus ombros. Seus braços amarrados. Eu gravei as linhas poderosas de seu peito musculoso e estômago na memória. Eu me vi olhando para a plenitude de sua boca, incapaz de desviar o olhar. Para meu horror, tenho caído repetidamente em minhas memórias recém-descobertas, repetindo a sensação de seus lábios nos meus, e cada vez é como um balde de água escaldante sendo jogado sobre mim. Eu lutei e me repreendi o máximo que pude para manter essas coisas impossíveis e inapropriadas da minha cabeça desde então, mas... está se provando cada vez mais difícil de realizar. Estou constantemente tentando me convencer de que não me importo com ele. Que ele não significa nada para mim. Eu me sacudo, lutando para me recompor enquanto me empoleiro cautelosamente na beirada da cama de Jass. Sem Darius aqui em seus aposentos, sinto que estou me intrometendo de alguma forma, espionando alguém enquanto está dormindo. Jass não está dormindo, no entanto. Sua consciência fugiu para dentro de seu corpo e não quer sair. Seu corpo nada mais é do que uma casca oca. Não sei se isso torna meus pensamentos estranhos e assustadores sobre ele melhores ou piores. Desde que senti a conexão entre Jass e eu pela primeira vez, tenho feito tudo o que posso para evitá-la. Para afastá-la. Para afastá-la e evitar que abra uma porta dentro da minha cabeça. Parece contra-intuitivo agora fazer o oposto. Eu me concentro no rosto de Jass, as primeiras pontadas de pânico em meu estômago. E se eu não puder fazer isso? E se ele pode fazer coisas que eu não posso? E... e se eu puder fazer isso? Aonde entrar em sua mente me levará? Por quais cantos sombrios de sua psique me pegarei tropeçando? O que diabos lhe direi quando o encontrar? E, o mais preocupante de tudo, serei capaz de encontrar a saída? As pálpebras de Jass tremem, uma carranca suave marcando seu rosto, e sou atingida pelo ridículo da situação. Ele parece tão calmo. Tão pacifico. Tão... incrivelmente bonito. Deuses. Eu inclino minha cabeça, respirando fundo, lutando contra a vontade de me levantar e sair correndo da sala o mais rápido que posso. Como este homem pode ser responsável por tanta perturbação e caos na galáxia? Como ele pode ser a razão de tantos filhos estarem sem pais? Sem comida? Sem água? Sem um lar sobre suas cabeças? Como ele pode ser a razão de eu ter vivido com medo por tanto tempo, petrificada demais para viver minha vida? E como posso ainda desejá-lo tanto? Isso só mostra que as aparências enganam. Uma criatura que parece inofensiva, até mesmo acessível e convidativa em um minuto, pode ser a mesma criatura que ataca e arranca sua cabeça no minuto seguinte. A conexão estala e crepita dentro da minha cabeça assim que a procuro, tentando agarrá-la em minha mente. Estou chocada com o potente fluxo de energia que corre através de mim assim que me entrego ao link. É uma sensação estranha. Como um pedaço de mim encaixando no lugar. Sempre senti como se faltasse algo dentro de mim, algo ausente e distante, até perdido. Assim que paro de resistir à conexão, parece tão certo. Como se aquela parte que faltava em mim tivesse retornado e eu estivesse inteira novamente. É mais do que isso. Estou mais do que completa. Eu me sinto fortalecida. Viva e rejuvenescida. Como se eu pudesse fazer qualquer coisa. Deitado na cama, Jass se contorce, seus dedos abrindo e fechando em seus sonhos. Ele suspira levemente, e a carranca gentil que estava usando diminui, desaparecendo. A conexão me puxa, pedindo mais, e um arrepio de pânico percorre minha espinha. Eu deveria ter dito a Darius para ficar. Se algo der errado e eu não resistir a isso, seria melhor se ele estivesse aqui. Ele poderia me forçar a sair, talvez. Trazer-me de volta à realidade. Estou sozinha agora; Vou ter que confiar em minha própria força mental para ter certeza de não me perder completamente nessa coisa. Deuses, espero que funcione. Espero ser forte o suficiente. Espero... porra, espero que isso não seja a coisa mais estúpida que já fiz. Eu libero os últimos fios restantes de resistência em minha mente, me segurando, e me permito cair. A sensação que me atinge é mais do que uma sugestão de emoção ou ambiente. É leveza. É escuridão. É um borrão e uma nitidez da realidade ao mesmo tempo. Está quente e frio, certo e errado, e as profundezas estonteantes de tudo isso surgindo através de mim de uma vez fazem meu coração gaguejar da maneira mais perigosa. Por um segundo estou cega, perdida em uma onda de poder. Uma sensação bizarra de acomodação toma conta, começando nas solas dos meus pés, vertendo para cima, e quando minha visão volta a mim momentos depois, não estou mais nos aposentos de Darius, olhando para Jass de cima. Estou deitada de costas, minhas mãos presas no alto da cabeça, e Jass está montado em mim, seus joelhos segurando minha caixa torácica entre eles, seu cabelo escuro caindo sobre seu rosto como uma cortina. — Você não deveria estar aqui, — ele sibila. Suas mãos apertam meus pulsos, esticando meus braços um pouco mais acima da minha cabeça. — Você não deveria me machucar, — eu rosno de volta, tentando me libertar.O garoto em cima de mim inclina a cabeça, me examinando. Seus olhos estão semicerrados, mas o ouro está lá dentro de suas íris, faiscando e brilhando, como se possuíssem uma energia própria, presa dentro deles. — Para um hóspede indesejado, você está fazendo muitas suposições sobre as regras de etiqueta, — ele sussurra. — Esta é a minha mente, Reza. Você acha que pode simplesmente aparecer sem avisar e esperar um chá com bolo? Você não me conhece? Ele tem razão. Esta é a sua mente. Tecnicamente, as regras de engajamento em nossa pequena guerra não se aplicam aqui. — Apenas me deixe levantar. — Eu luto para puxar meus pulsos de seu aperto. — Vim falar com você, não lutar. Jass sorri, o sorriso devastador começando pequeno, mas logo dominando todo o seu rosto. O perigo surge em seus olhos. — Uma coisa boa. Você nunca ganharia. — Ele me solta, empurrando para trás e balançando na ponta dos pés para que possa se levantar. Livre dele, olho ao meu redor pela primeira vez, e minha respiração deixa meu corpo de uma só vez. Estamos no meio de um anfiteatro - um que eu reconheço e que não é familiar ao mesmo tempo. Fileiras de assentos sobem, sobem, sobem, cem níveis ou mais, envolvendo todo o anfiteatro. Enormes velas brancas crepitam e ondulam com a brisa, dando alguma sombra à luz de um único sol que se equilibra como uma moeda de prata polida no céu diretamente acima. Uma monstruosa estátua de bronze está tombada no chão a nossos pés. Pedaços enormes de entulho e detritos cobrem o chão, e o cheiro suave e enjoativo de decomposição atinge a parte de trás do meu nariz. Este é um lugar moribundo, morto, cheio de vozes clamando, e ainda além de Jass e eu, não há outra alma à vista. Eu giro, lembrando e não me lembrando do lugar ao mesmo tempo. — Isso... é isso, não é? — Eu sussurro. — Esse lugar. Eu já estive aqui antes. Este é o coliseu na... na... — Você pode dizer a palavra. Terra. — Jass também olha ao redor, aparentemente entediado. — E sim. É o que parece, — ele responde. — Cheio de fantasmas. Lugar horrível pra caralho. Eu engulo, protegendo meus olhos do sol enquanto procuro, examinando as vigas. — Por que você nos trouxe aqui, se odeia tanto isso? — Eu não nos trouxe aqui. Você trouxe. — Isso não é possível. Não me lembro do lugar com esse tipo de detalhe. Isso é tudo você. Tem que ser. Jass não diz nada. Ele me observa enquanto olho ao redor, seus braços cruzados sobre o peito, suas narinas dilatadas como um cavalo puro sangue que sentiu um cheiro. Ele é tão magnífico agora quanto quando está acordado. E, meus sentidos me informam, muito perigoso. Eu tenho que desviar o olhar dele por um segundo para me recompor. — Você tem passado muito tempo cuidando de mim, — ele sussurra. — Nada melhor para fazer? Eu afasto seu comentário sem habilidade nem graça. — O duplo eclipse acontecerá hoje. As naves do Construto chegarão a qualquer segundo. Jass sorri, tamborilando os dedos na lateral do corpo. — Isso não é verdade, é? — Certo, tudo bem. Não é. Mas e se fosse? — Então seus videntes estariam todos prestes a morrer. Você estaria prestes a morrer. Sua resposta branda e insensível forma cacos de gelo em minha corrente sanguínea. — Você também está aqui, Jass. Se o Construto nos atingir na sub cidade, você morrerá junto conosco. — Pode ser. Mas se eles suspeitarem que estou aqui, eles virão e me reivindicarão primeiro. Não sou uma arma que eles podem substituir facilmente. Dou um passo para mais perto dele, me preparando. Quero colocar mais espaço entre nós, não fechar a lacuna, mas... Não consigo evitar. — Você tem certeza? Col me disse que os caças do Construto nem tentaram te seguir até o campo de asteróides quando você deixou o Nexus. Certamente não teriam parado por nada para persegui-lo então, se o valorizam tanto. Jass não vacila com a minha lógica. Ele permanece preso em mim, seu rosto em branco, mas sua mente está longe de estar quieta. Eu posso sentir a atividade de seus pensamentos disparando no ar que nos cerca, rápido como um relâmpago. Ele está fazendo um trabalho estelar de protegê-los de mim, no entanto. — Regis se apega a seu livro de regras o tempo todo. O edital do Construto determina que os recursos não devem ser desperdiçados em situações que oferecem menos de 8% de probabilidade de sucesso. Eu conheço o livro de regras que ele está falando. É um livro teórico - que estudei de capa a capa. Amarrada a uma cadeira no centro de reeducação do Construto no Invictus, eu aprendi linha por linha, na verdade. Jass está certo. Regis nunca teria permitido que seus valiosos soldados seguissem Jass naquele campo de destroços sem excelentes chances de recuperá-lo. — Sou o melhor piloto deles, — continua Jass. — Eu não posso ser igualado, e Regis sabia disso. Mas aqui, no chão, preso dentro de um labirinto de túneis? Ele vai me encurralar sem saída. Ele virá até mim aqui. — Você quer que ele faça isso? — Eu sussurro. Eu procuro a confusão em seu rosto. O conflito, impelindo-o em duas direções ao mesmo tempo, mas não se materializa. — Sim. Eu preciso voltar para o Nexus. — Por quê? — A palavra explode de mim, ecoando nos restos quebrados e despedaçados do coliseu onde milhares de nosso povo costumavam se reunir para comemorar. Um único pássaro solitário voa descontroladamente das camadas superiores, girando e girando por todo o lugar, seus gritos enchendo o céu. Em um segundo, ele está lá, no próximo se foi. Jass finge não perceber, mas posso ver a pulsação disparando em seu pescoço, da mesma forma que dispara no meu. Com as tempestades de poeira ferozes que atingem a superfície de Pirius, não vi um pássaro levantar voo... Não me lembro da última vez que vi algo tão bonito. Jass pisca, abaixando-se para tocar a terra a seus pés com a ponta dos dedos. Ele contempla as pedras minúsculas e os grãos de areia, sem olhar para mim. — Eu tenho um propósito, — ele diz severamente. — Morte? Assassinato? Desordem? Esses são os únicos propósitos que você pode ter se voltar para o Construto. É isso que você quer? — Eu não quero nada, — ele responde. — Essa é a beleza do Construto. Não há espaço para querer. Ou esperança. Ou desejo. Existe apenas a cadeia de comando. Só existe obediência e respeito. — Agora é você quem está mentindo para si mesmo. — Eu estreito meus olhos para ele. Ele não fez nenhum movimento para se aproximar de mim desde que me deixou levantar do chão. Dou mais um passo à frente. Honestamente, mal percebo que estou fazendo isso. — É isso que você precisa? Respeito? Onde está seu coração, Jass Beylar? Sua alma? Sua consciência? Você não consegue ver que o Construto está errado? — Eu jogo minhas mãos no ar, girando, gesticulando para a estrutura outrora fina que agora está em ruínas ao nosso redor. — Eles destruíram nosso planeta. Eles mataram todos que conhecemos ou amamos. Eles levaram nossa casa e nossas famílias. Como você pode querer voltar para eles? Não entendo. Não faz sentido! Eu me deparo com uma parede de silêncio. Jass se levanta, endireitando-se. Então, em duas longas passadas, ele está de repente parado na minha frente. Ele está tão perto de mim quanto estávamos no salão depois que Erika foi assassinada, mas ele estava atrás de mim. Eu não tive que olhar para o rosto dele. Não senti toda a força de seu olhar queimando minha pele. Eu faço o possível para não fugir do inferno que posso sentir invadindo seu peito, mas minha cabeça gira pelo esforço, ameaçando me trair. Jass inunda meus sentidos da maneira mais penetrante. Minha cabeça está cheia dele e não há como escapar. Dou um passo para trás, mas ele me segue, refletindo meu movimento. — Esta galáxia está cheia de dificuldades, Reza. A morte e a destruição existem desde o início dos tempos, ao lado da vida e da criação. É tudo um e o mesmo. Não existe bem e mal. Existe apenasa vazante e o fluxo do universo e a transferência de poder de uma pessoa para outra. Um dia reina a paz. O próximo, caos. Se o Construto não tivesse acabado com nosso povo, doenças e pestes teriam acabado. Ou guerra civil. Ou desastre natural. Nada no universo é permanente. Todas as coisas morrem. Todas as coisas acabam. Cada um de nós tem que escolher como navegaremos pela loucura. Eu escolhi meu caminho há muito tempo. Meu curso está definido. Há uma finalidade em suas palavras que me faz querer cortar a conexão entre nós imediatamente e escapar de sua cabeça. Se ele está falando a verdade, então estou perdendo meu tempo até mesmo falando com ele agora. Ele não vai nos ajudar. Ele não vai hesitar ou mudar de ideia... ou a si mesmo. Jass sussurra, sua voz enchendo minha cabeça. — O problema é que você quer muito, Reza. Você quer felicidade. Você quer liberdade. Você quer paz. Eu vejo tudo em seu rosto, toda vez que você olha para mim. Você usa suas emoções como se fossem um escudo, mas não vão protegê-la. Você quer que tudo seja simples e limpo. Você quer uma casa. Você quer... — Ele para de falar, apertando sua mandíbula, os fios dourados brilhando ainda mais contra o castanho suave de seus olhos. Seus lábios se abrem - ele vai terminar o que estava prestes a dizer - mas então se interrompe. Um peso morto e frio se senta em minha barriga - choque, lutando contra minha humilhação. Eu sei exatamente o que ele ia dizer. Exatamente. E não posso suportar que ele saiba. Por que ele simplesmente não diz isso? Por que simplesmente não cospe as palavras e segue em frente? Eu o quero. Jass se move lentamente, estendendo a mão para tirar uma mecha de cabelo do meu rosto. Seus olhos estão arregalados. Chocados. Como se ele nem pudesse acreditar que está fazendo isso. As pontas dos seus dedos roçam minha bochecha, um toque suave, um leve momento de contato, mas ele poderia muito bem ter me acertado no rosto. Nós dois vacilamos, ao mesmo tempo, e Jass puxa sua mão como se eu fosse a única que o machucando. — Eu não pude te sentir, — ele sussurra, — mas sei que você esteve aqui. Eu te senti do mesmo jeito. Sei o quanto você se odeia por me querer, Reza. Não tem que ser assim. Pode ser muito, muito mais simples. — Eu não sei o que você quer dizer. — Até eu sei que é ridículo negar o que sinto, especialmente porque ele parece muito melhor em me ler do que eu em lê-lo, mas faço isso do mesmo jeito. Ele está tão, tão quebrado. E quão danificada eu estou se não consigo parar, apenas me virar e ir embora? Jass balança a cabeça, apertando a mandíbula com ainda mais força, de modo que os músculos de sua bochecha saltam. — Você não pode me salvar, — diz ele. — Eu não estou interessada em salva-lo, — eu estalo. — Eu só me importo em salvar Pirius. Darius e seu povo me ajudaram quando caí aqui. Eles me protegeram o melhor que puderam. Se não puder ajudá-los te convencendo a ajudar a defendê-los, devo ir. Eu me viro, pronta para me afastar dele, para liberar meu domínio sobre a conexão que nos une e retornar à minha própria mente, mas Jass se lança em mim. Ele me agarra, seus dedos pressionando meu braço, me girando de volta. Meu peito esmaga contra o dele, e sinto a onda selvagem de seu pulso, batendo em suas veias. Ele cruza os braços em volta de mim, faixas de aço me segurando no lugar, e eu congelo, imobilizada pela forma violenta e exigente com que ele me olha. — Você acha que eu quero me preocupar com você? — Ele sussurra. — Acha que eu não te mataria se pudesse? Eu levanto meu queixo em desafio, retornando sua raiva, refletindo de volta para ele. — O que está te impedindo? — Você sabe muito bem o que está me impedindo. Você sabe que não pode ser negado. Seria mais fácil me matar do que machucar um fio de cabelo da sua cabeça. Se você morrer... — Seu rosto empalidece, uma sombra cinza de repente dando a sua pele uma palidez doentia e dolorosa. — Se você morrer, não haverá como me conter, Reza. Vou colocar fogo nesta galáxia e vou vê-la queimar mais ferozmente do que as estrelas. Vou me certificar de que viverei até que todas as luzes se apaguem. Eu vou rasgar, e destruir, e vou torturar cada alma viva até que seja o único pesadelo, a única coisa escura que ainda respira, e só então serei capaz de permitir que minha alma enegrecida escape de mim e dê a este lugar qualquer tipo de paz. Ele não se move rapidamente. Se o fizesse, eu poderia ser desculpada pelo que acontece a seguir. Se ele pulasse, eu poderia afirmar que ele me pegou de surpresa, mas Jass se move lentamente, com cautela e com intenção óbvia. O som do meu coração bate forte dentro da minha cabeça como um tambor frenético enquanto Jass abaixa sua boca para a minha. Estou travada no lugar, incapaz de me mover, incapaz de respirar, incapaz de pensar. É isto…? Eu quero...? Devo tentar...? Como posso…? Seus lábios encontram os meus e minhas perguntas fragmentadas desaparecem. Seu toque é suave no início, mal lá, nada mais do que uma sugestão. Tento não reagir, mas meu corpo não permite tal engano. Minhas pernas estão prestes a dobrar debaixo de mim. É difícil dizer se elas o fazem ou não, porque Jass me segura com mais força, me esmagando em seus braços, praticamente me levantando do chão. Cada centímetro quadrado da minha pele zumbe e formiga, a energia mordendo minhas terminações nervosas enquanto Jass aumenta a pressão que está aplicando na minha boca. Seus lábios se abrem, insistentes e exigentes; meus próprios lábios seguem o exemplo, obrigados por sua própria vontade, abrindo mais, permitindo que sua língua deslize por eles. Ele me massageia e me explora, enchendo minha cabeça de fogo até que o anfiteatro ao nosso redor se dobre e entorte, desaparecendo por completo. Eu não presto atenção. O mundo é escuridão e silêncio, e não há nada além dos braços de Jass, segurando-me no lugar. Nada mais do que sua boca na minha. Nada mais do que sua língua, procurando e saboreando. Seu cheiro é insuportável, o calor de seu corpo enlouquecedor e frustrante. Ele me beija com tanta necessidade que sei que vai me reclamar. Talvez essa mesma necessidade tenha me reclamado há muito tempo. Eu luto o máximo que posso, mas é inútil. Minha rendição é catastrófica. Eu desmorono, meu corpo assumindo o controle, e então o beijo de volta. Eu deslizo minha própria língua em sua boca e estou perdida. A conexão entre nós explode. Jass respira fundo no mesmo momento que eu, e ambos somos levados pela força disso. Estou sendo puxada para ele mesmo agora, quando não há mais espaço entre nós, e a sensação oblitera qualquer controle restante que eu possa ter. Eu me estico, correndo minhas mãos ao longo das linhas fortes e tensas de suas costas até chegar em seu cabelo, e enrolo meus dedos em sua espessura e ondulação. Eu queria emaranhar meus dedos em seu cabelo desde o momento em que coloquei os olhos nele pessoalmente. Não fazia sentido. Isso me fez sentir suja e errada, mas ainda assim... o desejo estava lá de qualquer maneira. Jass geme sem fôlego; o som é incrível, quase desesperado, e não posso deixar de reagir. Eu arco minhas costas, curvando meu corpo contra ele. Os braços de Jass afrouxam um pouco e então ele me libera, passando as mãos por todo o comprimento do meu corpo também. Ele não afunda as mãos no meu cabelo como eu fiz com ele. Ele segura meu rosto com as duas mãos e me beija ainda mais forte, roubando meu fôlego. Eu afundo. Eu caio. Eu morro e renasço mil e uma vezes em seus braços, e a sensação parece nunca ter fim. A conexão entre nós não era o pedaço de mim que estava faltando. Era Jass. Ele é minha outra metade. E agora que está me segurando, me beijando, afirmando sua reivindicação sobre mim da maneira mais invasiva, pessoal e alucinante possível, não consigo descobrir onde termino e ele começa. É incrível. É desconcertante.É tudo. É.. espere... É assustador. Eu desvencilho minhas mãos do cabelo de Jass, rapidamente o empurrando tão forte quanto posso para longe. O vácuo puxando minhas entranhas é instantâneo e doloroso. Sempre tão cauteloso, sempre tão cuidadoso com o que me permite sentir ou ver através da conexão, Jass não é rápido o suficiente para derrubar suas paredes desta vez. Eu sinto sua rejeição como se fosse minha. Ele me agarra com dentes afiados e então desaparece em uma nuvem de fumaça. Jass se afasta de mim, seu peito subindo e descendo rapidamente, seus olhos quase brilhando de emoção. Ainda estamos na escuridão, mas posso vê-lo perfeitamente. Seus ombros estão tensos, todo o seu comportamento é de recuo, defesa e indiferença. — Você provavelmente deveria ir embora, — ele me diz. Sua voz é baixa e gentil, mas ouço o aviso ali, escondido entre suas palavras. — Acho que o horário de visitas neste zoológico particular acabou. Coloco as pontas dos dedos nos lábios inchados, ainda cambaleando, tentando processar o que acabou de acontecer. — Você precisa acordar, Jass. Seu corpo está morrendo. Jass dá mais um passo para longe de mim, e sombras caem em seu rosto, consumindo-o. — Vou acordar quando for preciso, — diz ele, enquanto seu corpo desaparece. — Vou acordar quando for preciso. Agora vá. 22 REZA CHANCELER Col puxa nervosamente a manga de sua jaqueta, seus olhos percorrendo as pessoas reunidas no Salão de Compromissos. Ele está usando um lindo blazer azul royal, decorado com uma fina risca de giz prateada – bastante arrojado e muito diferente do marrom empoeirado e das vestes bege que os Pirianos usam. Seu traje o diferencia, o que acredito ser o ponto. Entre monitorar Jass e ajudá-lo em sua retirada da Luz, Darius tem incansavelmente defendido Col para o povo do primeiro setor, tentando convencê-los de que ele é o candidato certo para chanceler. Que ele é um deles. Col não fez nada disso. Ele se escondeu atrás de portas fechadas, sua mente claramente em outras coisas. Ele teve tempo para se preparar para isso, mas a morte de Erika ainda o destruiu da mesma forma. Quando o vi encurralado e o questionei longamente sobre como ele administraria o primeiro setor, as respostas de Col foram sem brilho na melhor das hipóteses. E esta noite, a noite da votação, ele propositalmente vestiu roupas que provam que ele não é Piriano. — Quantos deles você acha que tem? — Ele pergunta, desabotoando o primeiro botão da camisa, mudando de ideia e abotoando-a novamente . Eu avalio a multidão, tentando medir o número de pessoas que compareceram para votar. — Dois mil? Talvez três? — Apenas os membros do primeiro setor poderão votar para escolher um novo chanceler, mas há o dobro de Pirianos espremidos no Salão de Compromissos agora. Pessoas vieram de toda a sub cidade para testemunhar essa eleição estranha e pouco ortodoxa. A morte inesperada de Erika, seguida pela nomeação de um forasteiro, claramente despertou o interesse do povo. Os níveis de ruído sobem de levemente irritante a um barulho insuportável, mas Col parece estar surdo a tudo. — Quando eles vão abrir o processo? — Ele murmura baixinho. — É hora de acabarmos com essa charada, para que possamos todos voltar à preocupação real em questão. — Col... Ele balança a cabeça violentamente, abrindo o botão de cima novamente. — Stryker e seus homens estarão à nossa porta a qualquer momento, Reza. Minha mãe previu isso. Ela disse que ou Jass nos ajudava ou morreríamos no próximo eclipse. Não parece que ele vai se inscrever para nos ajudar tão cedo, e estamos nos distraindo com eleições e votações? O eclipse duplo está ao virar da esquina. Deveríamos organizar uma evacuação ou algo assim. Deveríamos estar estendendo a mão para nossos aliados, buscando abrigo de nossos amigos. Isso tudo é tão fodidamente inútil. — Você mesmo disse, Col. As visões de um vidente podem ser mal interpretadas. E se sua mãe teve duas visões potenciais do futuro, talvez haja uma terceira. O Construto pode nem vir até aqui. Eles podem... Col fica tenso, suas pupilas dilatam. Ele viu algo por cima do meu ombro. Eu olho para trás, e um Piriano largo e musculoso com sobrancelhas excessivamente pronunciadas está caminhando rigidamente para o estrado, seguido por duas pessoas - uma mulher alta com olhos negros e rápidos e um homem ainda mais alto, com a cabeça raspada como Darius. Quando o homem que lidera o grupo põe os olhos em Col, faz muito pouco para esconder seu desgosto. Col gira, inclinando suas costas para o estrado, soltando um suspiro trêmulo. — Que é esse? — Eu sussurro. — Chanceler Farren e sua comitiva, — Col responde com firmeza. Onde Farren parecia claramente irritado com a presença de Col, Col parece crivado de ansiedade pela chegada do outro homem. — O que houve? O que está errado? — Farren sente que devemos nos armar e começar um treinamento militar novamente aqui em Pirius. E ele também acredita fortemente que Pirius deveria ser para verdadeiros Pirianos. Sua filha e eu... — Col não consegue terminar sua frase. Farren se aproxima dele, as mãos escondidas nas dobras de sua túnica branca pura. Ele grunhe para anunciar sua chegada. — Estou surpreso que você tenha aparecido, — Farren diz, um sorriso de escárnio torcendo sua boca. — Houve um boato de que você se esconderia em seus aposentos para a contagem dos votos. Eu deveria ter percebido que você não teria respeito suficiente por nosso povo para fazer isso. A cabeça de Col se inclina em deferência, mas até eu posso dizer que o gesto é falso. Seus olhos brilham de ódio enquanto ele se dirige ao chanceler do terceiro setor. — Mais uma vez, vivo para desapontá-lo, chanceler. Estou aqui apenas para observar a tradição piriana. Se eu ganhar esta eleição, minha primeira ordem de dever será renunciar e passar o cargo para outra pessoa. Tenho certeza de que a notícia te agrada. Farren revira os olhos. Ele passa a língua nos dentes enquanto olha para o Salão de Compromissos, uma imagem de arrogância e tédio. — Vamos, Col. Você sabe tão bem quanto eu que não vai ganhar este lugar. Você será capaz de retornar ao seu status quo, correndo pela superfície, tirando areia dos sapatos em breve. Talvez considere montar uma cabana enferrujada ao lado da sua amiga, — diz ele, lançando um olhar malévolo em minha direção. — As coisas vão mudar aqui em breve. O estilo de vida piriano pode não ser para você, agora que Erika não está aqui para protegê-lo. O sorriso de Col é açucarado e tão afiado quanto uma lâmina. — Eu ouvi, — diz ele, baixando a voz, — que mesmo antes de as pessoas pararem de ver, você nunca teve uma visão. Isso não me parece muito Piriano. Quando conheci Darius, ele passou muitos dias explicando os meandros e a política de Pirius. Ele me disse como suas visões eram reverenciadas e que a primeira visão de uma pessoa após completar seu aprendizado era um rito de passagem muito celebrado. Portanto, também nunca teve uma visão? Farren seria considerado meio homem se as pessoas soubessem a verdade. Menos do que isso, até. O rosto de Farren fica com um tom horrível de roxo. O homem e a mulher com quem ele se aproximou lançam olhares constrangidos um para o outro, desviando o olhar. Levantando um dedo e enfiando-o no rosto de Col, Farren luta para pronunciar suas palavras. — Sua insolência não será esquecida, intruso. Você terá sorte se não acabar morto pelo que faz. Assim que tudo isso acabar, vou limpar a casa. Erika tinha ideias selvagens e ultrajantes quando se tratava de manter a segurança deste setor e de nossa gente em geral. Eu sei quem é aquele arrogante que você levou para o meu setor, e assim que o resto da sub cidade descobrir, eles vão te amarrar e estripar por trazer tal perigo para sua porta. Espero que esteja preparado para isso. Farren gira e se afasta, quase derrubandouma mulher baixa de aparência maternal, também vestida com um manto branco fino, para fora do estrado e para a multidão. Darius está lá para segurar seu cotovelo, ajudando a endireitá-la. Ele envia um olhar fulminante para Farren e depois segue em nossa direção. — Ele sabe sobre Jass, — Col diz a ele em voz baixa. — Eu não sei como ele descobriu, mas descobriu. E ele está planejando contar para todos aqui depois que ganhar o setor. Jass. Com a simples menção de seu nome, um calor espinhoso sobe em meu pescoço; parece que está me sufocando. Aquele beijo nunca deveria acontecer. E, no entanto, toda vez que fecho meus olhos, toda vez que o barulho na sala diminui e me vejo desaparecendo naquela escuridão novamente, tudo que posso sentir são seus lábios nos meus, seu hálito quente patinando sobre minha pele, suas mãos em concha no meu rosto. Sua língua, provando e sondando... — Reza. — Darius toca levemente meu braço, e eu estalo de volta para dentro da minha própria cabeça, a comoção do Salão de Compromissos voltando a me invadir como a onda de um tsunami. Col e Darius estão me olhando, mostrando preocupação abertamente em seus rostos. — Tudo certo? — Col pergunta. — Sim, desculpe. É só que... está muito quente aqui. — Uma desculpa pobre e eu sei disso. Não acho que tenha convencido nenhum deles, mas os dois são educados demais para me pressionar por uma explicação adicional. Darius olha em volta para se certificar de que ninguém está nos ouvindo e pergunta: — Você conseguiu entrar em contato com Jass mais cedo? Ele acordou? Farren é um vencedor presunçoso e um perdedor ainda pior. Não importa o que aconteça aqui esta noite. Ele vai dizer a todos que Jass está aqui. Seria melhor se pudéssemos escondê-lo fora da sub cidade antes que isso aconteça. Eu balanço a cabeça. — Ele disse que acordaria quando fosse preciso e nem um minuto antes. — Darius franze a testa - uma expressão que acho que nunca o vi fazer antes. — Garoto teimoso. Ele terá que fazer isso se cem pirianos aparecerem na porta do meu quarto com tochas e facas, exigindo que eu o entregue. — Você realmente acha que alguém será corajoso o suficiente? — Col pergunta. — Todo mundo sabe do que ele é capaz, Darius. É mais provável que todos tentem fugir da sub cidade para se esconder dele. Isso seria um desastre. Pessoas morreriam de pânico. — Povo de Pirius! Estamos reunidos aqui esta noite para anunciar o novo chanceler do primeiro setor! — Uma voz oca ressoa sobre o burburinho que enche o Salão de Compromissos. Um silêncio quase imediato entra em vigor, e todos se viram para encarar o estrado, esperando ansiosamente que o vidente muito redondo e de aparência rosada do outro lado da plataforma continue. Eu nem tinha percebido que o estrado estava tão cheio. Col e Darius parecem frustrados porque sua conversa baixa foi interrompida, mas não há como eles continuarem discutindo sobre Jass agora, com tantos olhos apontados em sua direção. — Enquanto entravam no corredor, todos os residentes verificados do primeiro setor deram seus votos, e estivemos contando os resultados diligentemente na última hora. Agora posso dizer que a contagem está completa e um novo chanceler foi, de fato, selecionado. Por cento e trinta e sete votos, o novo chanceler do primeiro setor é... Não há fanfarra ou rufar de tambores. Apenas um silêncio tenso enquanto o homem grande nas vestes amplas balança as mãos no ar com um floreio desnecessário. —… Chanceler Farren, do terceiro setor! — Ele grita. Meu coração tropeça até parar no meu peito. O quê? Farren? Não sei por que, mas presumi, no fundo, que Col ia ganhar. As probabilidades estavam contra ele, mas ele é um bom homem. Bem querido e respeitado. — Achei que Farren não poderia ganhar legitimamente? — Eu assobio para Darius. Ele parece tão atordoado quanto eu, embora tenha conseguido impedir o queixo de cair. — Ele não pode, — ele responde. — Pelo menos, ele não deveria ser capaz. Mas, neste caso, parece que as pessoas falaram. Cento e trinta e sete votos são irrefutáveis. Eles querem que ele seja seu novo líder. Não vou conseguir impedir isso. Farren vai até a frente do estrado e mantém os braços erguidos sobre a cabeça, sorrindo para seus novos constituintes. — Este é um dia importante para Pirius. Tenho a honra de ser o primeiro chanceler a presidir mais da metade da sub-cidade e juro a cada um de vocês que cumprirei meus deveres com integridade e dignidade, sempre colocando as necessidades de meu povo em primeiro lugar. — Ele consegue olhar de soslaio para Col quando diz isso. Sua mensagem é alta e clara: você não é bem-vindo aqui. Você não é um de nós. Prendo a respiração, esperando que Farren fale as palavras que significarão um desastre para essas pessoas. Que diga à assembleia que Jass Beylar está entre eles há quase duas semanas. Quando os Pirianos descobrirem, haverá loucura e desordem. As rotas de saída não serão capazes de acomodar o grande volume de corpos tentando fluir para fora delas. Haverá colapsos de túneis. Pisoteio. Agarramento. Morte. Minha mente gira enquanto tento calcular como vamos sair, nós mesmos. Se as saídas estiverem bloqueadas por corpos e pedras caírem, será quase impossível chegar à superfície. Seria possível escavar os túneis, mas com tanta gente a mais aqui no primeiro setor para a eleição, os poços de ventilação seriam capazes de atender à maior demanda de oxigênio? Eu faço a matemática. Eu faço de novo. Os resultados não parecem bons. Col está agachado, ao meu lado. Ao que parece, ele está compartilhando minha apreensão, esperando o machado cair. Darius é uma estátua em uma túnica preta, nem mesmo piscando, um pequeno e sereno sorriso em seu rosto enquanto ouve o discurso de aceitação de Farren. Não tenho ideia de como ele pode pensar em sorrir em um momento como este. Darius e Erika propositalmente enviaram Col para a galáxia para encontrar Jass e trazê-lo aqui. Ele não teria vindo se não fosse por mim, no entanto. Se eu não existisse ou morresse no Invictus quando ele foi atacado por aqueles piratas, Jass não teria abandonado sua base. Não haveria nenhuma conexão entre nós, levando-o a me encontrar. Ele não teria ideia de que essa pequena colônia de pessoas existia em relativa harmonia em Pirius. A náusea enfia os dedos na minha barriga. A voz presunçosa de Farren ecoa alto dentro do corredor, e tudo o que posso fazer é me impedir de me atirar nele, para detê-lo, para calá-lo. Mas sou menor do que ele, e como eu pareceria atacando uma autoridade eleita recentemente? Ocorre-me, enquanto o imagino me machucando, enfiando o salto da bota no meu pescoço: um pensamento que eu não deveria ter. Um pensamento que deveria abominar e rejeitar imediatamente, mas em vez disso me pego agarrando com as duas mãos. Eu poderia detê-lo. Eu não teria que fazer isso com a as minhas mãos, agarrando-o e arrastando-o do estrado. Eu poderia deslizar oh-tão-silenciosamente em sua mente, e impedi-lo até mesmo de formar as palavras. Melhor ainda, poderia remover o conhecimento de que Jass está mesmo aqui. O próprio Darius disse: Tenho as mesmas capacidades e talentos de Jass. A única diferença é que ele sabe como usar esses talentos, é extremamente habilidoso em utilizá-los, e eu não. Invadir a mente de alguém vai contra tudo em que acredito. Se Darius soubesse o que eu estava considerando, nem é preciso dizer que ficaria furioso comigo. Eu tenho que fazer algo, no entanto. Eu tenho que tentar. Eu estico minha mente, procurando, procurando um caminho dentro da mente de Farren. É estranho até mesmo estar tentando uma coisa dessas. Mais estranho ainda quando o localizo entre a multidão de pessoas de pé no estrado, e sinto os verdadeiros níveis de rancor e ódio saindo dele, direcionados a Col e a mim. Ele não quer apenas que deixemos Pirius. Ele nos quer mortos.Eu me sinto contaminada e suja por suas emoções enquanto empurro a parede natural que protege sua mente e todos os seus segredos. Sou gentil, cuidadosa, não quero alertá-lo para o fato de que alguém está tentando deslizar para dentro de sua cabeça. Pisando levemente, eu empurro e provoco, tentando encontrar uma rachadura em suas paredes ou um caminho através delas. —... aqueles que ameaçariam nossa sobrevivência aqui em Pirius, — Farren diz. — Aqueles que não respeitaram a natureza secreta da nossa comunidade. Mas agora que somos conhecidos mais uma vez no universo, devemos agir. Eu rompo a parede. Graças aos deuses. Agora, preciso descobrir como remover Jass da memória de Farren. Sua mente não se parece em nada com a de Jass. Era fácil estar dentro da cabeça de Jass. Natural. Como se eu pertencesse lá. A cabeça de Farren é como um labirinto, sem nenhuma sensação de para cima ou para baixo, para a esquerda ou para a direita. Não tenho a menor idéia de como proceder. Eu me atrapalho cegamente, procurando as informações que preciso roubar do novo chanceler do primeiro setor. — Não devemos permitir que nos apaguem dos livros de história, simplesmente porque tínhamos muito medo de pegar em armas e nos defender, — continua. — Pretendo atacar primeiro aqueles que reivindicam nossa liberdade e nossas vidas. Tenho a intenção de erradicar nossos inimigos e enfrentá-los de frente! E para esse fim... — Ele vacila em meio aos aplausos e gritos da multidão, uma carranca profunda e inquieta esculpindo uma marca entre suas sobrancelhas. Seus olhos escuros ficam vidrados e ele dá um passo vacilante para trás, olhando ao redor do corredor. Merda. Ele me descobriu. No mínimo, sabe que algo não está certo. Ele abre a boca para falar novamente, e a perplexidade em seu rosto se aprofunda. Eu recuo, saindo de suas memórias, mas não sou rápida o suficiente. A confusão de Farren se transforma em fúria em um piscar de olhos. Sua cabeça gira, e por um momento sua repulsa pousa nos ombros de Col. Não mais do que um segundo, no entanto. Seu foco desliza para a esquerda e vejo o instante em que ele percebe o que estou fazendo. Suas bochechas ficam vermelhas, todo o seu corpo vibrando, e então cambaleio para trás, mal conseguindo manter o equilíbrio enquanto Farren atira com força minha consciência para fora de sua cabeça. Col me pega, envolvendo um braço em volta de mim para me impedir de cair para trás do estrado. — Que diabos? Farren está fervendo. Ele me encara, sua linguagem corporal prometendo que as consequências de minhas ações serão realmente graves. Ele parece abalado, no entanto. Instável em seus próprios pés. Ele se vira para enfrentar a multidão mais uma vez, enxugando a nuca com a manga de seu manto. Uma estranha expressão passa por ele e a multidão começa a murmurar entre si. A qualquer segundo agora, ele vai explodir. A qualquer segundo agora... Sua boca abre e fecha algumas vezes, mas ele permanece em silêncio. Um minuto se passa e depois outro. — O que ele está fazendo? — Col assobia. Farren fica com um tom horrível de branco. — Estou... muito satisfeito por vocês terem confiado em mim, — diz ele, limpando a garganta. — Eu prometo fielmente que não vou decepciona-los. Obrigado. Com um último olhar de nojo em minha direção, Farren desce do estrado e caminha direto para a multidão, apertando as mãos e batendo nas costas das pessoas enquanto todos o aplaudem. Darius suspira, balançando a cabeça. Ele se vira para mim e diz baixinho, sussurrando: — Isso foi insensato, Reza. Você não estava preparada. Col ainda tem o braço em volta dos meus ombros. Ele me empurra, exigindo minha atenção. — Do que ele está falando? O que você fez? Suponho que minhas ações seriam óbvias o suficiente para Darius. Farren parecia como se tivesse levado um tapa no rosto com um pano molhado quando me detectou. Sua indignação era palpável e era toda dirigida a mim. Houve muito poucas vezes que senti como se tivesse decepcionado Darius, mas agora a vergonha que pulsa quente em minhas têmporas está me fazendo lamentar minha imprudência. — Eu tentei esconder Jass de Farren. — Eu curvo minha cabeça, fazendo buracos no topo de minhas botas empoeiradas. — Eu tentei remover a memória dele de sua cabeça, mas não consegui encontrar. Eu fui desajeitada. Foi tolice... O rosto de Col empalidece. Suas mãos tremem enquanto ele aperta a ponte do nariz entre o polegar e o indicador, gemendo baixinho. — Deuses. Você pode fazer isso também? — Ainda não, aparentemente, — Darius diz secamente. — A habilidade necessária para realizar tal tarefa está muito além de você no momento, Reza. Você é uma criança tentando correr antes mesmo de engatinhar. E pode ter acabado de arruinar qualquer chance que poderíamos ter de salvar este planeta. 23 JASS FRUTA ROUBADA Disse a Reza que acordaria quando fosse preciso e nem um minuto antes, mas assim que percebi que ela havia deixado os aposentos de Darius, me arrastei de volta ao reino dos vivos, chutando e gritando. Retornar ao meu corpo, permitindo-me sentir a dor e a queimação, o eco das minhas células ainda clamando pela Luz, foi brutal. Mas não insuportável. Abrir os olhos foi a parte mais difícil. Assim que consegui isso, piscando contra a forte luz da tempestade pendurada na parede ao lado da minha cama até que meus olhos se lembrassem de como funcionar, foi um processo relativamente simples. Dedos. Mãos. Braços. Pescoço. Dedos dos pés. Pés. Pernas. Tronco. Eu estiquei cada parte de mim e então me sentei, balançando minhas pernas para o lado da cama. Dolorido. Tudo doía. Meus ossos pareciam ter sido fundidos em ferro e minha cabeça latejava, mas eu estava acordado. Poderia ter sido menos doloroso se tivesse esperado um pouco mais, mas eu não podia permanecer lá dentro da minha própria cabeça, inquieto no escuro, lembrando como era envolvê-la em meus braços e beijá-la. Foi uma tortura. Muito pior do que qualquer dor física que meu corpo poderia me oferecer. Não porque eu não quisesse beijá-la e me ressentisse do fato de que isso aconteceu. Mas porque ela se afastou. Eu vi a expressão em seus olhos quando ela me empurrou para longe dela: raiva, decepção e medo, tudo em um. Não foi assim que imaginei nada disso acontecendo. Eu viria aqui, a pegaria e então encontraria um canto tranquilo da galáxia para descobrir o que fazer a seguir. Em vez disso, me encontro enterrado a dez metros do solo, preso e manipulado, forçado a esperar e obedecer, e agora... forçado a reconhecer meus sentimentos por ela. Sentimentos que nunca quis em primeiro lugar. Eu disse a verdade a Reza. Eu não posso matá-la. Realmente seria mais fácil para mim acabar com minha própria vida do que a dela, o que me enfurece. Compaixão é fraqueza. Afeto é fraqueza. Amor é fraqueza. O vício é fraqueza. Graças a Darius, não sinto mais que vou morrer sem a Luz do Construto, mas substituí esse desejo por um ainda mais forte. Ainda mais mortal. Reza é muito mais potente do que a luz jamais poderia ser. A luz apenas acendia uma chama dentro do meu corpo. Reza tem o potencial de colocar fogo nos restos fraturados e carbonizados de minha própria alma. Eu considero destruir os aposentos de Darius e quebrar todos os móveis que ele possui como punição por sua interferência, mas então rejeito a ideia. Não serviria a nenhum propósito real, e acho que estou com mais sede do que nunca em minha vida. Minhas roupas estão cuidadosamente dobradas em uma pequena mesa tosca do outro lado do quarto de Darius. Eu removo a camisa preta solta e a calça que estou usando, que deve pertencer a Darius, e me troco rapidamente. Eu não faço ideia de onde estou na sub cidade, mas consigo encontrar o caminho para uma cantina, que acaba por estar deserta. Ninguém por trás da escotilha de serviço. Ninguém aceitando pagamento.Ninguém sentado para comer. Sirvo-me de comida e água, e termino ambas no caminho de volta para a pequena sala em que Col me colocou quando cheguei aqui. Eu passo por um punhado de pessoas, mas o sistema de túneis tem uma característica estranha e abandonada, como a velha capela na base. Tudo isso parece muito estranho. No Nexus, eu ando por corredores e salões e as pessoas recuam. Eles se viram e caminham para o outro lado com pressa. Quando entro em uma sala, todas as conversas param e todos os olhos se voltam para o chão. Aqui, quando ando pelos túneis, as pessoas ainda me encaram. Elas fazem isso abertamente, embora, apesar do desconforto que me estudar por muito tempo possa causar-lhes, já que se maravilham com a estranheza de um forasteiro vagando sozinho, sem uma preocupação aparente no mundo. Eu sou uma novidade. Intrigante. Sou simplesmente diferente e isso me torna interessante. No Nexus, sou o material dos pesadelos das pessoas transformados em carne. Aqui, sou apenas um homem usando roupas emprestadas, comendo frutas roubadas e bebendo água roubada. Posso sentir Reza em algum lugar do outro lado do setor. Ela está ficando muito melhor em se proteger de mim, então realmente não posso dizer o que ela está sentindo ou pensando. Posso imaginar perfeitamente bem, no entanto. Ela se odeia. Ela me odeia. Ela odeia o Construto e odeia a posição em que se encontra. Ela é cheia de tanto ódio às vezes, e ainda assim afirma que sou eu o consumido por emoções sombrias. No pequeno banheiro anexo ao meu quarto, tomo banho e faço a barba. Estou começando a me sentir muito melhor do que antes. Eu estico meu corpo novamente, testando minhas fraquezas ou quaisquer lesões ocultas, e quando verifico que não há nenhuma, caio no chão e faço uma série de flexões. Cem. Duzentos. Trezentos. Mil. A seguir, abdominais. Eu nem me preocupo em contar. Eu faço isso até meu estômago queimar e eu não conseguir levantar meu corpo fisicamente mais uma vez. Horas se passaram desde que deixei os aposentos de Darius e ninguém chegou, sem fôlego, aliviado por descobrir que não deixei um rastro de corpos em meu caminho. Ando de um lado a outro como um animal enjaulado por mais uma hora e então tomo uma decisão. Já chega. Eu não vou mais fazer isso. Não vou me curvar diante desse povo piriano e de suas exigências ridículas. Não vou segurar minha mão com base na fraca ameaça de que Reza vai se matar. Já perdi tempo suficiente aqui e desperdicei energia suficiente deixando Reza seguir seu próprio caminho. Eu saio do meu quarto e puxo a corda, usando-a para medir exatamente onde Reza está. Ao norte. Não está mais tão longe. E eu sinto confusão nela - um estado emocional intensificado que não existia antes. Não acho que ela esteja em perigo, mas certamente parece angustiada. Meus pés me impulsionam para frente antes mesmo de saber o que está acontecendo. Logo, os túneis começam a se encher de pessoas, e me vejo sendo atraído de volta ao Salão de Compromissos. Eu pego o vidente mais próximo, ignorando a maneira como ele se afasta de mim. — O que está acontecendo? — Eu exijo. — A votação está prestes a ser anunciada. Os coletores estão contando as cédulas. Demoro um segundo para perceber do que ele está falando. Então me lembro: Erika Pakka, morta. Col, nomeado para chanceler. Eu continuo esquecendo que uma semana inteira se passou. Parece que estava aqui dentro do corredor com Reza apenas algumas horas atrás. Estive definhando no inferno da abstinência, no entanto. Todos os demais estão seguindo em frente com suas vidas, preparando-se para a mudança. Se eles soubessem o que lhes acontecerá em breve. Eles não estariam se preocupando com esse tipo de merda. Eu solto o vidente, abrindo caminho no meio da multidão. Por cima do ombro, à minha esquerda, posso sentir Reza. Ela é como o sol, lançando sua luz e calor sobre mim. É realmente a única coisa que posso sentir. Quando estamos muito próximos, ela enche minha cabeça da maneira mais inebriante. Ela não sabe como sua energia me afeta. Se o fizesse, estaria usando o conhecimento a seu favor, tenho certeza. O aperto de ferro que mantenho em minha própria energia está exigindo cada vez mais esforço para mantê-lo. Parece que estou escorregando pelas rachaduras e não consigo parar, não importa o quanto tente. Renovo meus esforços agora, porém, fortalecendo as barreiras dentro da minha mente, reforçando-as com tudo o que tenho. Não quero que ela saiba que estou aqui. Assim que estou no meio da multidão, finalmente me permito olhar para o estrado. Reza está entre Col e Darius, conversando com os dois, e minhas costelas se contraem. Seu cabelo escuro está solto pela primeira vez, solto de suas tranças intrincadas. Bonito. Destaques de loiro e caramelo brilham sob a luz sempre que ela vira a cabeça. Seus traços são finos e delicados. Reza sempre pareceu uma invenção da minha imaginação, um espelho ou um eco de sentimento que só eu posso ver ou ouvir, então realmente vê-la, estar na frente dela, ser capaz de estender a mão e tocá-la... não parece real na metade do tempo. Ela franze a testa e me pergunto o que a está incomodando. Col parece um homicida, e Darius... Darius apenas parece perturbado. Eu logo reconheço a tensão estranha na sala, no entanto. Do outro lado do estrado, o chanceler do terceiro setor está com dois guarda-costas magros, sussurrando tão forte que a pele de suas bochechas está visivelmente tremendo. Farren. Acredito que seu nome seja Farren. Momentos depois, um Piriano atarracado e de aparência peculiar se posiciona na frente do estrado e começa a gritar com uma voz rouca, lutando para se fazer ouvir em meio à confusão da multidão que me cerca. — Povo de Pirius! Estamos reunidos aqui esta noite para anunciar o novo chanceler do primeiro setor! — Antecipação ondula pelo corredor, e posso ouvir muitos pensamentos subindo em direção aos tetos altos. Col Pakka é a única opção viável. Col nos defenderá. Farren é a escolha certa. Farren vai vencer. Col vai ganhar. Col merece seguir os passos de sua mãe. Col… Col… Col… Há dois outros pirianos de pé no estrado, uma mulher muito grande com um sorriso benevolente e um homem idoso, robusto e nervoso, que fica de um pé para o outro, mordendo o lábio inferior. Eles obviamente também são candidatos ao posto de chanceler do primeiro setor, mas não ouço seus nomes nos pensamentos de ninguém. Parece haver uma divisão uniforme entre Col e Farren. — Enquanto entravam pelo corredor, todos os residentes verificados do primeiro setor deram seus votos, e estivemos contando os resultados diligentemente na última hora. Agora posso dizer que a contagem está completa e um novo chanceler foi, de fato, selecionado. Por cento e trinta e sete votos, o novo chanceler do primeiro setor é... Sinto seis vozes fortes, todas ecoando o mesmo nome do outro lado do Salão de Compromissos. Cada um deles diz Col Pakka, como se estivessem alertando o locutor no estrado para prosseguir e completar sua frase. Quando o pequeno vidente gordo finalmente desiste de sua fanfarra e fala o nome do vencedor, porém, a coisa sai completamente diferente. — Chanceler Farren, do terceiro setor! Uma onda de choque percorre o corredor, seis fluxos de surpresa quase fortes o suficiente para colorir o ar com um tom vibrante de verde. Estou assumindo que esses seis pirianos eram os contadores de votos, e o vidente que fez os anúncios acabou de declarar o segundo colocado como o vencedor. O horror de Reza está à vista de todos, pintado por todo o seu belo rosto. Observo enquanto ela tenta esconder seu desânimo, mas não consegue fazer um trabalho muito convincente. Darius parece chocado. E Col? A única palavra para descrever a energia subindo de Col agora é alívio. Farren dá um passo à frente do estrado para aceitar seu novo papel,e a multidão aplaude. Há muitos pirianos que viram as costas e abrem caminho para fora do salão, sua preocupação e suspeita tornando o ar amargo. Eu não escuto Farren. Eu me concentro em Reza, saboreando a jogada de emoções que extravasam dela. Ela está ansiosa. Mais do que ansiosa. Ela está apavorada. Suas paredes estão completamente baixas por um segundo, e vejo seus pensamentos com clareza cristalina. Ela está preocupada com o povo de Pirian. Ela está preocupada que haja pânico e morte. Ela está preocupada comigo. Ela continua evitando isso, dançando em volta disso, evitando o pensamento a todo custo, mas posso sentir em sua cabeça. Seu plano toma forma dentro da minha cabeça assim que se forma dentro dela. Ela vai tentar entrar furtivamente na mente de Farren. Ela vai tentar roubar uma de suas memórias. Há muito de mim nela. Eu poderia intervir. Eu poderia alcançar a cabeça do bastardo presunçoso e arrogante e colher tudo o que Reza está procurando, mas isso não seria divertido. Estou curioso. Será que ela realmente vai sujar as mãos? Irá a perfeita pequena Reza, com todos os seus escrúpulos e moral, cumprir uma tarefa que considera errada para me proteger? Isso deve ser interessante. Cruzo os braços sobre o corpo e espero. Percebo o pânico de Reza quando ela tenta entrar na cabeça de Farren e encontra seu primeiro bloqueio. Então, sua sensação de vitória quando o rompe. Então, sua confusão ao perceber que não sabe como proceder. É difícil caçar e eliminar uma única memória da mente de alguém. Levei ciclos para ser capaz de aperfeiçoar essa habilidade, e mesmo agora realmente não me incomodo em trabalhar com esses parâmetros infinitamente pequenos. Se preciso que uma pessoa esqueça alguma coisa, a faço esquecer tudo. Essa é a única maneira de garantir que o processo funcionará. Reza remexe na cabeça de Farren, essencialmente tropeçando em todos os móveis, e é então que Farren a sente. Ele não é o vidente mais sensível que encontrei - sua mente é relativamente atrofiada em comparação com algumas pessoas aqui em Pirius - mas ele sabe que algo está acontecendo. Reza quase cai para trás, e Col a segura, envolvendo um braço em volta dela para mantê-la de pé. Uma névoa insidiosa se forma dentro da minha cabeça, distorcendo meus pensamentos por um segundo. Col não deveria tocá-la dessa maneira. Ele não deveria ter o braço em volta dos ombros dela. Se alguém deveria estar evitando sua queda, deveria ser eu. Assim que penso isso, uma voz baixa e tímida no fundo da minha cabeça sussurra algo que eu particularmente não quero ouvir: você é a razão pela qual ela vai cair. Um zumbido alto enche meus ouvidos. Eu não ouço ou vejo nada por um momento. O braço de Col, segurando Reza com força, consumiu minha mente, e nada mais parece registrar. Ela não se esquiva de seu abraço. Ela não o afasta, do jeito que me afastou antes. Ela apenas fica parada ali, ofegante, com as bochechas coradas, olhando para Farren enquanto o pedaço de merda horrível a encara de volta. Parece que ele vai machucá-la. Parece que vai matá- la, porra. A resolução jorra dele em ondas. Como chanceler do setor, ele pode expulsá-la. Bani-la. Ele quer fazê-la sofrer por tentar invadir sua mente, no entanto. Ele quer fazê-la pagar antes de mandá-la morrer de sede na superfície. Eu reajo. Eu nem preciso pensar sobre isso. Eu entro na cabeça de Farren, e a ação é tão simples quanto abrir uma porta. Entro e o medo de Farren me inunda. Não fiz nada para disfarçar minha presença. Não fiz nada para me camuflar. Quero que ele saiba que estou dentro de sua cabeça e quero que entenda o que isso significa. Posso acabar com a vida dele agora mesmo, se quiser. Posso mandá-lo pegar um dos rifles de fase que escondeu sob seu manto ridículo e fazê-lo atirar na própria cabeça com ele. Eu poderia tornar ainda mais fácil do que isso, no entanto. Poderia forçá-lo a parar de respirar e ele sufocaria na frente de todos. Eles não seriam capazes de salvá-lo. Eles não seriam capazes de empurrar o oxigênio para seus pulmões se eu não permitisse. Farren se contorce como uma minhoca em um anzol, tentando desesperadamente me ejetar de sua cabeça, da mesma forma que acabou de ejetar Reza. Ele não tem ideia de com quem está lidando, no entanto. Eu vejo dentro de seus pensamentos e testemunho todos os seus segredos. Ele está petrificado comigo. Ele deveria muito bem estar. — Serei o prenúncio de sua destruição, — digo em sua mente. — Vou fechar meu punho ao redor do seu coração frágil e o impedir de bater. Se você olhar para ela de novo, ou pensar nela, vou garantir que nunca mais respire fundo, Waylen Farren. Vou fazer da sua morte a minha realização mais estimada. Arrancarei sua cabeça de seus ombros e pregarei a maldita coisa na minha parede para praticar tiro ao alvo. Sua família não conhecerá paz. Seus amigos vão implorar pela morte antes que eu termine com eles. Você me ouve? Você me entende? Os lábios de Farren não se movem, mas ele responde imediatamente dentro de sua cabeça. — Sim! Deuses, estou te ouvindo! Sim, eu entendo! — Bom. Agora saia, antes que minha misericórdia encontre seu limite. Farren murmura algumas palavras para a multidão, seu rosto ficando roxo de raiva, e então ele desce do estrado, cuspindo fogo, mas fazendo o seu melhor para parecer satisfeito enquanto as pessoas o felicitam por sua vitória. Ele vem na minha direção e, quando nossos olhos se encontram, reconheço a expressão de desafio que vejo ali. Farren pode ter acabado de me dizer que me entendia, mas conheço homens como ele. Ele vai voltar para o buraco escuro e apertado que chama de lar, e vai se sentar lá e cozinhar. Seu orgulho vai convencê-lo de que ele é mais forte do que eu, que pode me enganar de alguma forma, que será capaz de cuidar de mim, se apenas se levantar e agir. E então ele morrerá. Ele vai ter que morrer de qualquer maneira, porque a verdadeira questão e a única coisa que ele realmente deveria saber sobre mim é que não tenho misericórdia. Eu cortei a multidão, assistindo Farren fugir, me sentindo muito bem comigo mesmo. Estou prestes a sair quando me atrapalho com alguma coisa, como tropeçar em uma pedra na estrada. Um segredo, sombrio e desagradável, queimando na frente da mente de alguém. 24 REZA A BORDA DE UMA FACA Sonho com animais mecanizados com casacos fofos, orgânicos e rijos, pulando cercas. Um sonho estranho. Eu acordo, coberta de suor, meu coração batendo muito devagar, meus pulmões se recusando a inflar, e tenho que me levantar e andar pelos meus aposentos para tentar acalmar o pânico que me atinge. Posso sentir que ele está acordado. É uma sensação estranha ser capaz de dizer quando a mente de outra pessoa está ativa. Quando Jass sucumbiu ao estado de sono que Darius induziu, eu mal o detectei. Foi como se sua consciência tivesse escapado e ele tivesse viajado para algum lugar que não consegui acompanhar. Agora, posso senti-lo, como uma mão em meu ombro, um peso, uma presença que reluto em admitir que se torna mais do que reconfortante. Ele deve ter decidido que agora era um bom momento para voltar para nós. Se ele ainda estiver no quarto de Dari... — O que você está fazendo? — As palavras estão manchadas, ligeiramente distorcidas, mas as ouço perfeitamente bem dentro da minha cabeça. Meu coração quase explode nas minhas costelas com o choque de uma voz muito real e muito próxima falando comigo dessa maneira. — Jass! Fora. Saia da minha cabeça! — Foi isso que Farren disse quando você tentou lobotomizá-lo antes? — Eu posso ouvir o sorriso em sua voz profunda e retumbante. — Darius não deveria ter te contado sobre isso. —Ele não me contou. Eu vi tudo acontecer com meus próprios olhos. Eu preciso que você venha comigo, Reza. — Onde? — Fora do planeta. Para uma base do outro lado do sistema. — Uma basedo Construto? Ele faz uma pausa. Meu coração bate um punhado de vezes enquanto espero que ele me responda, mas parece uma vida inteira. — Sim, — diz ele rigidamente. Nada mais. Nenhuma outra explicação. Sem pretensão de tentar me fazer ver seu pedido do ponto de vista dele. Eu não posso deixar de rir. — Você realmente acha que eu iria de bom grado para uma base Construto? Eu preciso dormir, Jass. Por favor... não faça isso de novo. Já é ruim o suficiente poder sentir sua inquietação sem que você comece a conversar comigo contra a minha vontade. — Você está tão inquieta quanto eu. Você pode sentir isso também. A morte paira sobre este planeta. Vai cobri-lo como uma mortalha, bloqueando os sóis, e então será tarde demais. Minha mão se move reflexivamente para a base da minha garganta. — Tarde demais para salvar a todos? — Tarde demais para se salvar. Todos em Pirius vão morrer. Você não pode mudar isso. Se Stryker e seus homens chegarem e te encontrarem aqui, eles não hesitarão. Eles vão leva-la. Eles vão te torturar, assim como me torturaram. Se você vier comigo agora, poderei protegê-la. Estarei encarregado de sua reinserção no Construto. Poderei ter certeza de que você está segura, Reza. Há uma qualidade suplicante em sua voz que faz minha respiração acelerar. Suas palavras são tão frias como sempre foram, mas posso sentir o quanto ele quer que eu o escute. Ele está me estimulando através da conexão, tentando me impressionar com o perigo que se aproxima, como se eu o ignorasse completamente. Estou muito ciente do perigo que corremos, tentei convencê-lo disso antes, mas se ele acha que vou simplesmente deixar Pirius e abandonar todos que vivem abaixo da superfície deste planeta, está muito enganado. — Você sabe qual é a minha resposta, Jass. Você já sabe, e é por isso que nem se incomodou em aparecer na minha porta para perguntar. Você sabia que seria uma perda de tempo completa. Ele não responde. A conexão cai, como um rádio de comunicação danificado, emitindo nada além de estática silenciosa pelos alto-falantes. Eu expiro, afundando para sentar na minha cama. Agradeço aos deuses por isso. Eu não quero discutir com ele. Seria exaustivo. É a última coisa que preciso depois do meu encontro com Farren. Levei horas para adormecer mais cedo, enquanto estava debaixo das cobertas, esperando que um dos homens do chanceler invadisse a porta e me matasse. Agora que sei o quão desesperado Jass acredita ser a situação com o Construto, não vou conseguir dormir por uma semana inteira. Porra. Sem a capacidade de analisar suas visões, os Pirianos nunca sairão de casa. Eles permanecerão aqui e queimarão porque são muito teimosos e assustados para correr o risco de correr a céu aberto para chegar a um lugar seguro. Eu posso avisá-los e Darius e Col também podem, mas até que as naves Construto rompam a atmosfera e estejam pairando diretamente sobre a sub cidade, nada do que eu disser irá mudar suas mentes ou colocá-los em ação. Eles serão... Tap, tap, tap. Eu congelo. A batida suave é baixa, mas poderia muito bem ter sido uma série de explosões ensurdecedoras. Eu sei quem é. Posso senti-lo parado ali no corredor. Esperando. Eu levanto e me movo para ficar perto da porta. Estendendo a mão, permito que a minha palma paire alguns centímetros acima da superfície da madeira. Fechando meus olhos, penduro minha cabeça, respirando profundamente. — Você não deveria estar aqui, — eu sussurro. — Volte para o seu quarto. — Eu não vou. — Sua resposta vem à minha cabeça. É suave. Uma carícia suave que me lembra de suas mãos acariciando meu rosto enquanto me beijava. — Você me desafiou. Agora mesmo, me disse que vir até você seria uma completa perda de tempo. Você sabe que não é. Você sabe que quer que eu entre. — Eu não quero. — Mentirosa. — Ele fala a palavra em voz alta neste momento. Eu posso ouvir a diversão em sua voz através da porta. — Estamos no meio da noite, Jass. Podemos conversar amanhã. Você pode falar comigo então. Pergunte-me o que quiser. — Não preciso perguntar mais nada, — ele diz. — Eu já sei tudo sobre você. E você sabe tudo sobre mim. Abra a porta, Reza. — Não. — Eu poderia abrir sozinho. — Mas você não vai. — Você parece ter muita certeza. Eu não gosto do tom imprudente de sua voz. Sei muito bem que ele abrirá esta porta se quiser. Eu não vou ser capaz de pará-lo. Estou alarmada, mas isso desaparece tão rapidamente quanto veio. O que acontecerá se ele decidir entrar? Ele tentará me fazer deixar Pirius sob o manto da escuridão, independentemente do fato de que eu lhe disse que não o faria? Há todas as chances de que ele pode. Eu rosno, destrancando a porta e a abrindo, pronta para lutar. Melhor encará-lo assim, ao invés de permitir que ele tenha o prazer de entrar contra a minha vontade. Ele está lá, usando calça preta larga e nada mais. Seu peito está nu. Seus pés estão descalços. Seu cabelo está desgrenhado, ondulando por toda parte em um choque de ondas escuras que emolduram seu rosto da maneira mais fascinante e perturbadora. O túnel fora do meu quarto é mais estreito do que a maioria das rotas de acesso da sub cidade, o que significa que ele está muito mais perto da porta. Muito mais perto de mim. — Eu não a teria arrombado, — diz ele, passando por mim e entrando no meu quarto. — Eu teria apenas desbloqueado. Você não precisa ficar tão indignada. — Por favor. Por que você não entra? — Fecho a porta, me arrependendo da decisão imediatamente, mas não quero abri-la novamente. Abri-la apenas mostrará medo, e eu já lhe dei a satisfação de me assustar milhares de vezes. Não vou mais entregar minhas emoções tão facilmente. Não se eu puder evitar. Jass não tem o direito de ficar espremido em um espaço tão pequeno. Ele se eleva sobre mim, o topo de sua cabeça quase tocando o teto, e sou diminuída por ele ainda mais do que o normal. Acendi a luz ao lado da minha cama mais cedo; a luz suave derrama sobre os ombros de Jass e desce por seu braço direito como mel, transformando sua pele pálida em ouro. Eu não olho para o peito dele. Eu não olho para o músculo lindamente esculpido, ou as linhas definidas que marcam cada um de seus abdominais. Não olho para os ombros largos ou para o formato pronunciado da clavícula. Eu definitivamente não olho para o jeito que suas calças caem em seus quadris, exibindo um V profundo que desaparece abaixo da cintura do tecido preto fino. Jass passa a mão pelo cabelo, pressionando os lábios de uma forma infantil que me faz querer - precisar - parar de olhar para ele completamente. — Você veio seminu de propósito. — Esta é uma declaração. Um fato. Ele tomou a decisão ao sair do quarto de não colocar roupas, e isso significa algo. Jass se recosta na parede, cruzando os braços sobre o peito. O homem fica muito bem com as camisas pretas lisas que usa, mas é outra coisa sem elas. Seus braços são fortes e poderosos - músculos entrelaçados em torno de ainda mais músculos. Ele provavelmente seria um inimigo formidável, mesmo que não possuísse a habilidade de controlar os pensamentos e ações das pessoas. Assim como sua mente, o corpo de Jass é uma arma e parece que foi mantido em excelentes condições. — Você me disse para vir, então eu vim, — ele diz simplesmente. — Não sabia que uma camisa ou um par de botas fariam diferença em nossa conversa. — Seria mais fácil olhar para você enquanto recuso seu pedido insano, — eu rebato. — Olhe para mim agora, Reza. — Sua voz é baixa e rouca. Assustadora, de certa forma. Eu fecho meus olhos em vez de levantar minha cabeça. Não vou lhe dar o que ele quer. — Reza. É não vai ser fácil para você olhar para mim. Olhando para mim, você se sente viva. Olhar para mim te faz querer. Olhar para mim te faz precisar. Então faça isso, porra. Olhe para mim. Olhe para mim agora, do jeito que estou olhandomais uma vez, para reunir mais poder e me cobrir de glória, e foi exatamente o que fiz. Eles me treinaram até quase perder minha vida. Eles me equiparam com as habilidades necessárias para sobreviver em qualquer lugar desta galáxia e então me entregaram as rédeas. Eles me deram domínio sobre um posto de pesquisa. Pelo menos é assim que o chamam. Na verdade, Arquimedes é um mundo prisional onde os cientistas da Construto conduzem alguns dos testes mais brutais e horríveis já registrados. Não volto lá há semanas. O lugar é muito piegas, até para mim. As portas atrás de mim se abrem, rangendo alto, e um soldado entra na velha capela onde me refugiei. — Você foi convocado, Tenente. — Ele me informa, me saudando duramente. Ninguém no Nexus é mais religioso. Deuses e ídolos são coisas do passado. Um passado há muito esquecido. As pessoas não têm compreensão de um poder superior, que é exatamente como o Construto deseja que seja. Eles são a única divindade que alguém precisa temer. Eles são a única superpotência a ser obedecida. Sete ciclos atrás, o povo deste planeta, Darax, lançou um ataque ao Invictus, danificando-o de forma crítica. Eu estava encarregado de punir o povo de Darax por sua audácia. Quando o Nexus, a maior base de construção já concebida ou construída, pousou aqui na esteira do ataque, encontrei esta capela entre os escombros. Passei um tempo considerável aqui desde então, lendo todas as formas de escrituras e textos dogmáticos que posso encontrar em sua biblioteca empoeirada. Acho a informação fascinante. É desconcertante entender como uma raça iluminada pode acreditar em uma gama tão vasta de boatos conflitantes e patentemente ridículos. — Por quem? — Eu pergunto ao soldado de infantaria, pegando minhas luvas de couro. Minha habilidade é de alguma forma canalizada por meio de minhas mãos. Não usar as luvas me faz sentir livre na maior parte do tempo, mas quando estou perto de outras pessoas, pode ser bastante... opressor. — Governador Regis. Ele tem alguém que deseja que você interrogue. — Alguém? — Um combatente da Commonwealth. Ele foi encontrado vagando pelas planícies. Estava desidratado e delirando, mas agora se recuperou o suficiente para ser interrogado. Eu estava gostando de minha relativa solidão na capela. Às vezes, gosto de fechar os olhos e ouvir as vozes de milhares de pessoas que uma vez estiveram dentro dessas paredes e enviaram palavras de oração ao seu criador benevolente. Suas esperanças e desejos fervorosos eram fortes o suficiente para colorir as próprias fundações do edifício antigo, e agora tocam em loop, como um eco, se você souber como ouvi-los. Eu adoraria dizer a este soldado que tenho outro compromisso para atender e não poderia me curvar às exigências de Regis, mas tenho uma dívida com Regis. E não é como se ele pudesse simplesmente encontrar outra pessoa para completar esta tarefa para ele. Afinal, tenho um talento único. Ninguém mais pode fazer o que faço. Nem uma única pessoa em toda a frota. — Diga a ele que estou indo. — Sim senhor. — O soldado vai embora e fico sozinho com meus milhares de fantasmas mais uma vez. Minhas luvas rangem quando aperto o couro, fechando os olhos para me concentrar. Onde ela está? Em algum lugar lá fora, entre o caos e os escombros, e os restos retorcidos e esqueléticos desse sistema, Reza está viva e bem. Eu saberia se ela estivesse morta. Sentiria uma espécie de alteração de não pertencimento. Já se passaram sete ciclos desde que ela escapou, e não houve um único dia que eu não abrisse minha mente para a poderosa vazante do fluxo de energias neste universo, tentando encontrá-la. Ocasionalmente, sinto algo, como uma palavra mal colocada na ponta da língua, e posso senti-la lá fora. Eu saberei de alguma forma se ela está trabalhando ou dormindo ou apenas existindo de sua própria maneira. Muito raramente, terei uma noção de seu humor, como um fragmento de música repentinamente estourando em alto-falantes que você achava há muito morta, e saberei como ela está se sentindo. Uma experiência tão estranha. Ela parece feliz na maior parte do tempo. É só à noite, quando sua guarda está baixa, que ela volta para a nossa conexão em busca de mim. Eu sei que ela não consegue se lembrar de nossas pequenas reuniões quando está consciente, mas ainda assim. Eu me pergunto se ainda estou em sua mente quando ela acorda? Eu me pergunto se ela pensa nas minhas mãos em seu corpo e se sente em conflito? Eu me pergunto se ela me deseja, do jeito que a desejo? No deck de comando, Regis está esperando por mim com um jovem, que está dobrado na cintura e sangrando pelo nariz. Regis parece enojado, como sempre, e o jovem parece que está prestes a cagar nas calças. Ele parece ter quase 30 anos, e no entanto, quando levanta os olhos para mim enquanto me aproximo, vejo que ele viveu mil vidas. Quando você está se escondendo o tempo todo, lutando pelo seu próprio direito de respirar, todas as manhãs, ao acordar, começa uma nova existência nascida do sofrimento. Isso o envelhece antes do tempo. O Combatente da Commonwealth tenta recuar, o medo se formando em seus olhos quando me vê, mas Regis acena para um soldado de infantaria acertá-lo nos joelhos. O homem atinge o convés com força, gritando de dor. — Estávamos esperando por você, — diz Regis. — Eu vim imediatamente. O Governador Regis, alto e severo parecido com a maioria dos comandantes do Construto, me lança um olhar que diz que não acredita em mim por um segundo. Pena que ele não pode ler minha mente e provar que estou mentindo. Quando o Construto me encontrou e me disse que planejava me treinar para me tornar sua arma, fui obrigado a assinar um acordo que afirmava que nunca usaria minha habilidade de ver dentro das mentes de meus superiores. No entanto, um pedaço de papel é um pedaço de papel. Nada mais. Não há como eles saberem se mergulho ou não em suas mentes, então faço isso o tempo todo. Sou excelente em esconder meus sentimentos, não importa as informações em que possa tropeçar enquanto divago seus pensamentos e sentimentos. Regis tem uma mente mais forte do que a maioria, no entanto. Ele pratica o fortalecimento de suas defesas mentais diariamente. Entrar na mente de Stryker é como entrar por uma porta aberta. Com Regis, tenho que escalar algumas cercas. — Ele sabe de alguma coisa, — diz Regis, sacudindo a mão para o combatente. — Tire isso dele antes que sangre até a morte. — Ele marcha para fora da sala, seguido por três guardas armados, deixando apenas dois para trás. Assim que as portas se fecham atrás de Regis, eu me viro para os homens restantes e fico olhando para eles. Meus olhos ardem em sua pele. — Devemos... devemos ir, senhor? — Um deles pergunta. Eu não respondo. Continuo olhando até que eles lentamente começam a se afastar, e então saem correndo da sala. — É um truque bacana, — diz o combatente, gemendo. Ele cospe sangue na grade de metal. — O adolescente mal-humorado vence o concurso de olhar. Assusta homens armados. Clássico, realmente. Vou me certificar de contar a todos sobre isso quando chegar em casa. — Eu não sou um adolescente. E o que te faz pensar que está indo para casa? — Minha voz é plana e uniforme. O combatente ri, chia e depois tosse de dor. Mais sangue na grade de metal. — Oh, confie em mim. Eu normalmente não acharia que tenho boas chances nesta situação. No entanto, fui informado de maneira muito específica sobre o que aconteceria hoje, e a história termina comigo de volta à minha cama, estourado e sangrando, mas muito vivo. — E você está propenso a acreditar em histórias? — Só quando são de um vidente. Agora é minha vez de rir. Frio, mordaz, insensível. Eu ando até a janela de exibição, olhando para o manto pesado do espaço que se estende indefinidamente, sem realmente ver as estrelas que interrompem a escuridão.para você. Esqueci que não estou usando nada além de um colete de treinamento e minha calcinha. Eu estava tão preocupada com ele aparecendo aqui seminu que meu próprio traje me escapou completamente. Agora não sei qual de nós está mais malvestido, ele ou eu. Eu suspiro, levantando minha cabeça, levantando meu olhar, até que estou olhando nos olhos dele. Há uma fome em seus olhos, tão perigosa e aguda quanto a minha. Minha pele enrubesce com a simples visão disso. — Você nunca vai me convencer a deixar essas pessoas morrerem, — eu sussurro. — Você nunca vai me convencer de que não acha que seria mais fácil se o fizéssemos. — Mais fácil não significa certo, Jass. Nunca significou. Ele se afasta da parede, movendo-se lentamente em minha direção. Assim como dentro de sua cabeça quando ele me beijou antes, se certifica de que eu possa vê-lo chegando. E, assim como antes, não faço nada para impedi-lo. Calor irradia de seu corpo, e quase posso sentir sua pele sob meus dedos, lisa e dura. Jass estende a mão para mim e por um breve e prolongado momento, sua mão não toca a minha. Ele olha para baixo com uma expressão curiosa no rosto, como se realmente não soubesse se vai fazer isso ou não. Ele pisca uma, duas, três vezes, e então fecha os dedos em volta do meu pulso, levantando-o, inspecionando-o da maneira mais estranha. Ele vira minha mão. Não diz nada enquanto estuda minha palma, seus olhos seguindo as linhas que se cruzam e descruzam ali. Já estivemos aqui antes. Nas paisagens oníricas que ele construiu, o toquei e me permiti ser tocada. Eu quis e permiti muito mais do que isso. Isso é real, no entanto. Na carne. — Jass... Ele coloca minha mão em seu peito, fechando os olhos, e minhas palavras morrem em meus lábios. Ele é real. Sua pele é quente ao toque e exatamente como imaginei que seria: firme, sólida e bem definida. Sua respiração fica presa no fundo da garganta enquanto pressiono as pontas dos meus dedos em seu peito. Posso sentir seu coração batendo descontroladamente sob a minha mão - uma batida frenética e errática, completamente em desacordo com sua atitude, de outra forma, muito quieta e contida. Tão inesperado. Tão humano. É errado, mas quero cair nele. Eu quero ser tomada em seus braços. Eu quero cair, sabendo que ele está me segurando e que vai me proteger. Mas como posso confiar que ele fará isso? Ele quer me levar de volta ao Construto. Ele quer que eu dobre o joelho para ele, para jurar-lhe uma fidelidade que não lhe devo. Uma que nunca poderei dar. Eu olho para ele e o pequeno quarto que chamei de casa por algumas semanas agora se inclina desconfortavelmente. Seus olhos ainda estão fechados, o que de certa forma parece uma oferta. Ele se torna vulnerável fechando os olhos. Nós dois sabemos que ele não precisa de sua visão para saber se estou planejando atacá- lo ou matá-lo, mas ainda assim... é uma oferta do mesmo jeito. Sua mandíbula aperta e ele respira pelo nariz - mais como um suspiro do que qualquer outra coisa. — Isto é fácil, — diz ele calmamente. — Isso é certo. Tenho mil coisas a dizer. Tenho mil razões pelas quais isso não é fácil e não é certo, mas minha língua se amarrou em nós, recusando-se a me deixar falar. Jass coloca sua mão em cima da minha, pressionando minha palma para baixo para que não haja como recuar... e eu nem mesmo tento. Sua respiração está ficando mais irregular a cada segundo. Ou a minha está. Eu não sei dizer. — Estamos equilibrados nos dois lados do fio da navalha, — sussurra Jass. — Somos respostas a uma pergunta que foi feita há muito tempo. Somos a mesma resposta, Reza. Eu fecho meus olhos também, incapaz de suportar a eletricidade que está disparando entre nós. — Mas qual é a questão? — Eu pergunto. Estou sem fôlego, minhas palavras pouco mais altas do que o farfalhar de um pano. — Você sabe. Você sempre soube. — Jass remove sua mão da minha, lentamente segurando-me pelos quadris. Ele guia meu corpo para frente e, de repente, não há espaço entre nós. Seu peito nu está pressionado contra mim, e eu sinto a perfeição enlouquecedora de sua pele através do material do meu colete de treinamento. Meus mamilos estão pontudos e rígidos, meus seios pesados. Estou tão tonta. Não consigo fazer com que minhas pernas segurem o resto de mim de maneira adequada. É uma batalha, mas continuo de pé. Com quantas mulheres ele esteve no Nexus? As únicas duas pessoas mais poderosas do que Jass naquela base eram Regis e Stryker, e toda a frota sabia sobre a fila de mulheres entrando e saindo de suas câmaras de dormir todas as noites. Ele pode ter me possuído enquanto estávamos inconscientes, mas e enquanto estava acordado? É ridículo, mas me preocupo com o número de entalhes na cabeceira da cama de Jass. Essa maldita cabeceira provavelmente foi reduzidos a palitos de dente agora. Suas mãos deslizam em torno das minhas costas, e para baixo, para baixo, até que ele está segurando minha bunda. Nossa conexão pulsa, um fio de luz branca queimando cada vez mais quente dentro de mim, e uma onda de euforia me atravessa. Isso é diferente. Isso nunca aconteceu antes. Jass deve sentir o que estou sentindo. Sua cabeça balança para trás e um suspiro tenso escapa de seus lábios. Quando ele permite que sua cabeça caia, seus olhos não estão mais fechados. Eles estão abertos e são quase totalmente consumidos pelas manchas douradas que geralmente circundam suas íris. Ele é um homem implacável e incognoscível, mas quando olho para ele agora, com tanto fogo em seus olhos, sinto que o conheço. A sensação é mais estranha do que qualquer coisa que já experimentei antes. É mais do que conhecê-lo. Eu sou uma parte dele e ele é uma parte de mim. Odeio a sensação e estou viciada nisso. Nunca soube que uma pessoa pudesse ser tão conflituosa. Estar com Jass é como se afogar e flutuar no esquecimento de uma vez. Queimar e congelar. Eu não posso envolver minha cabeça em torno disso. Eu sei que não deveria querê-lo, mas cada célula do meu corpo grita de outra forma. Exige suas mãos no meu corpo. Exige que seus lábios separem os meus. O cabelo de Jass cai no meu rosto quando ele se inclina para me beijar, e meu coração dispara para longe de mim. Ele está excitado. Eu posso sentir o quão excitado está quando ele inclina seu corpo no meu, soprando uma respiração dolorida contra minha boca. Deuses... Isso está realmente acontecendo? Como posso ser tão imprudente? Como posso permitir isso? Parece que estamos trabalhando nisso há muito tempo, ambos caindo, de cabeça, cegamente em direção a essa inevitabilidade, desde que Jass pisou no Invictus. Em todas as realidades possíveis, em todos os universos possíveis, Jass e eu acabamos aqui. Juntos. Unidos por este laço que se recusa a deixar qualquer um de nós ir. Eu sei disso sem sombra de dúvida. Tenho certeza de que Jass também. Quando sua boca encontra a minha, a corda envia um pulso de energia de quebrar os ossos através de mim - mais forte e exigente do que nunca. Eu mal posso respirar quando Jass separa meus lábios e abre minha boca, acariciando minha língua com a dele. Seus dedos cravam em minha pele, seus ombros tremendo; a corda deve estar enviando a mesma quantidade de energia para ele também. Ele é sempre tão composto. Tão estoico e ilegível. Ele nunca permitiria que ninguém o visse tão afetado por algo, a menos que fosse completamente inevitável. Ele descansa sua testa contra a minha, brevemente fechando os olhos novamente, como se estivesse em guerra consigo mesmo. E então é como se algo dentro dele se partisse. Sua cautela desaparece. Seus movimentos lentos e suaves desaparecem e uma necessidade desesperada e frenética toma o lugar. Em um ato rápido e áspero, Jass me varre do chão, me levantando em seus braços, e me prende contra a parede. O vento me deixa sem fôlego por um segundo, mas mal percebo. Ele é um homem— Não há mais videntes, idiota. Eles foram eliminados ciclos atrás. A galáxia está livre desse absurdo tolo agora. O combatente não fala nada. Eu me afasto da janela e me movo para ficar perto dele, já com vontade de tirar minhas luvas. O cara olha para mim e o medo que vi lá quando cheguei já evaporou. É irritante para dizer o mínimo. — Falaram que você diria isso, — ele me diz, sorrindo um pouco. Seus dentes estão vermelhos do seu próprio sangue. Quando foi a última vez que derramei sangue? Uma pergunta estranha - uma para a qual não consigo me lembrar da resposta. — Eles disseram que você não me ouviria, mas que descobriria a verdade em breve. — Oh? E como esse seu vidente disse que isso aconteceria? Eu simplesmente decidiria acreditar em sua palavra? O combatente balança a cabeça. Ele olha para as minhas mãos e faz uma pausa por um momento. Em seguida, diz: — Tire essas luvas e olhe dentro de mim. Eles disseram que ia doer. Disseram que eu gritaria. Mas no final, você veria a verdade. E você a... veria. Eletricidade inunda minhas terminações nervosas, transmitindo adrenalina ao redor do meu corpo, mais rápido do que a luz. — Ela? O combatente apenas dá mais um sorriso ensanguentado. — Eu posso torná-lo indolor, — eu digo. — Se me sentir inclinado. Diga-me de quem está falando e serei gentil. — Eles disseram que você falaria isso também. Eles disseram para não me incomodar, Jass Beylar. Disseram que você faria doer, não importa o quê. Eu o considero por um momento - suas roupas rasgadas e seu nariz obviamente quebrado. A luz desafiadora em seus olhos e a coragem emanando dele. Eu poderia ter sido ele, suponho, uma vez. Se o Construto não tivesse me encontrado. Se não tivessem me alimentado com a Luz pingando até eu ficar viciado nela, então não poderia passar um único dia sem ela. Eu poderia ter sido um combatente da Commonwealth. A curiosidade leva o melhor de mim. — Qual o seu nome? Ele apenas balança a cabeça. — Qual é o sentido de perguntar? Você sabe que só vou mentir. Sabe que vai arrancar meu nome verdadeiro de mim em um segundo de qualquer maneira. Tudo isso parece tão... inútil. — Sua lógica desperta raiva dentro de mim; Não estou acostumado com meus prisioneiros sendo tão calmos. Estou acostumado com eles implorando por suas vidas. Suplicando. Negociando com o pouco que têm para tornar o processo um pouco menos desagradável. Não este combatente, no entanto. Não. Ele acredita, sem dúvida, que sobreviverá a essa provação. Realmente acha que voltará para sua própria cama esta noite, se recuperando de seus ferimentos, machucado, mas por outro lado sem ser molestado. Bem, ele está errado. Meu objetivo é lhe mostrar o quão errado ele está. Tiro primeiro a luva esquerda e depois a direita. Os olhos do combatente se arregalam, mas ele não se encolhe. — Respire fundo, então, estranho, — digo a ele. — E espere enquanto nos conhecemos. Ele grita. O som de sua agonia ecoa por incontáveis corredores, ecoando nas paredes da base fria e estéril, e consigo o que estou procurando. Nome: Col Pakka. Planeta natal: Pirius. Sua missão aqui: Encontrar Jass Beylar. Eu o soltei, cambaleando. Eu? Eu sou sua missão. Vi isso claramente em sua mente. Sua missão, a razão pela qual ele permitiu ser capturado e trazido para a base, foi porque precisava chegar até mim. Col, o combatente, olha para mim estremecendo, olhos lacrimejantes e sorrisos. — Você provavelmente não vai acreditar nisso também, — diz ele. — Mas a vidente me disse que seríamos amigos. Bons amigos. — Ele balança a cabeça, respirando pesadamente. — Até eu estou tendo problemas para engolir isso. Eu não respondo. Coloco minhas mãos sobre ele novamente, precisando ver mais. Precisando encontrar a falha em suas memórias, seu conhecimento, que sugerirá que sua mente foi adulterada de alguma forma. Não há nenhuma falha, no entanto. Não há falhas em suas memórias. Tudo armazenado em sua cabeça é real. A vidente com um longo manto, contando-lhe sobre este momento preciso. Os guardas, pegando Col e trazendo-o aqui mesmo, para mim. E ela. E ela. E ela. Ele a viu. Cabelo castanho comprido, amarrado para trás em uma complexidade de nós e tranças. Olhos escuros cheios de determinação e fogo. Seus lábios corados e sepados. Sua sobrancelha franzida em confusão. É Reza. 3 JASS RAPTOR Eu nunca tive que roubar nada em todo o tempo em que sou um membro do Construto. Nada. As roupas nas minhas costas. A comida que é colocada na minha frente todos os dias. A luz em minhas veias. Qualquer vício ou desejo que precise alimentar é atendido sem questionamento ou reclamação. É uma sensação estranha vasculhar prateleiras de suprimentos e jogar coisas em um saco de combate preto. Eu quero matar o homem atrás de mim, vomitando e tossindo sangue a cada cinco segundos, mas não consigo. Eu vi em sua cabeça: só há uma maneira de encontrar Reza e é por meio dele. Pirius. Eu já ouvi falar. Um planeta enorme. Um pesadelo deserto. Abaixo de toda a areia que cobre cada clique quadrado da superfície do planeta, o manto da crosta do planeta é um favo de mel, um labirinto de velhos tubos vulcânicos de quando o lugar ainda era jovem e volátil, uma coisa ardente. É um planeta nada. Sem importância e sem valor. Achamos que estava abandonado há séculos. O Construto não gastou muito tempo mapeando exatamente o lugar. Esse cara Col não sabe onde a garota está. Só sabe onde encontrar um desses supostos videntes, que então o levará até ela. Se eu aparecer sem Col, o vidente se mata antes que eu possa conseguir qualquer informação dele. Se eu aparecer e Col estiver mesmo remotamente perto da morte, estarei sem sorte. Col geme, segurando seu estômago. — Eu não entendo por que você quer tanto encontrá-la em primeiro lugar, — ele murmura. — O que o Construto quer com ela? Ela é apenas uma garota. Eu mordo minha língua. Não conheço esse homem. Não importa o que ele diga, nunca seremos amigos; o próprio pensamento de tal coisa é absurdo. Não lhe devo uma explicação por minhas ações. Além disso, não preciso lhe dizer que o Construto nem sabe que Reza ainda existe. Ela custou a Stryker um olho. Marcou-o para o resto da vida. Eles me matariam se soubessem que ela está viva todo esse tempo e não compartilhei essa informação com eles. Eles fariam ainda pior se soubessem que não planejo trazê-la de volta a base assim que colocar minhas mãos sobre ela também. Pelo menos, acho que não. Não sei o que vou fazer. Ela é como eu. De todas as pessoas nesta galáxia esquecida por Deus, ela é a única pessoa que já olhei nos olhos e reconheci de alguma forma. Quando estamos juntos em nossos sonhos, ela me consome. Meu sangue queima em minhas malditas veias por ela. Eu tenho que encontrá-la; isso é tudo que sei. — Você a encontrou? Você a conhece? — Eu pergunto. Col balança a cabeça de um lado para o outro. — Sim. Nós somos amigos. Ela está no meu planeta há muito tempo. Ela é... — Ele parece pensar sobre sua próxima escolha de palavras. — Ela é quieta. Bonita. Reservada. Antes que os videntes antecipassem sua chegada, ela vivia sozinha na superfície do planeta. Por quê? — Não é da sua conta. — Ai. — Col coça a nuca. — Eu acho que o tipo taciturno combina bem com seu traje. Botas pretas. Calça preta. Capa preta. Quer dizer, uma capa? Não é um pouco impraticável? Não atrapalha quando você está lutando? Rapidamente, giro no meu calcanhar e o agarro pela garganta, erguendo-o no ar, batendo suas costas contra a parede. Col gorgoleja enquanto o sufoco, espremendo o ar para fora de seus pulmões. — Ok... entendi, — ele raspa. Eu o solto, soltando-o para que ele escorregue pela parede e desmorone em uma pilha no chão. Eu volto a pegar tudo que vou precisar por alguns dias em Pirius. — Acho que, em retrospectiva, ela se expande dramaticamente,— diz Col. — Cale-se. — Desculpe. Quero dizer, a teatralidade de uma capa que vai até o chão... é difícil de perder. Eu aperto minha mão em um punho ao meu lado, concentrando um anel de energia em volta do pescoço de Col. Eu nem preciso tocá-lo para fechar seu suprimento de oxigênio. Ele certamente pode sentir a pressão crescendo em torno de seu esôfago enquanto cerro os dentes. — Cale-se. — Está bem, está bem. Calando a boca, — ele murmura. Tenho comida suficiente para alguns dias agora. Roupas e um cobertor grosso também. Há apenas mais uma coisa que preciso pegar antes de podermos partir, e não vamos encontrar aqui na loja de suprimentos. Precisamos visitar meus aposentos antes de irmos. Consegui controlar minha necessidade de Luz, só tomo uma vez a cada três dias, mas os médicos do centro médico não sabem disso. Eles acham que ainda me dão doses todos os dias. Regis monitora meu vício constantemente, controlando quanto tomo e quando. Isso me ajuda a fazer com que ele ache que me apoio mais na droga do que realmente faço, então altero as memórias do médico, junto com os registros que eles mantêm. Eu apareço todas as manhãs, finjo tomar minha dose, guardo o frasco com um líquido claro e então vou embora. Eu nunca tomo a Luz no centro médico. Nunca. Por vinte a trinta minutos após a dose, fico vulnerável. A forma como a Luz me afeta... nada pode se comparar. Minha mente vagueia por lugares e planetas desconhecidos para mim. Fico cheio de poder, talvez chegue ao meu auge durante esse tempo, mas também sou incapaz de me controlar. Sou volátil, emocional e sujeito a explosões de violência que mesmo eu reconheço serem selvagens e incontroláveis. Eu sempre doso na privacidade de meus aposentos. Os frascos de Luz que não tomo estão guardados lá, escondidos em uma pequena caixa ao lado da minha cama. Quantos acumulei até agora? Vinte? Trinta? Posso sobreviver por três meses com o suprimento que economizei, o que é mais do que suficiente. Estou pensando em ficar fora por dois dias. Três no máximo. — Venha comigo, — eu rosno, jogando a bolsa de combate sobre meu ombro. — E aguente. Se alguém te vir sangrando nos corredores, vão querer saber por que ainda não morreu. Col grunhe enquanto se levanta. — Se você não percebeu, estou meio ferido. — Se você não percebeu, você está no meio de uma base inimiga e cercado por milhares de guardas do Construto, não comumente conhecidos por sua misericórdia. Regis me disse para mata-lo. Precisamos sair antes que alguém perceba que não cumpri as ordens e decida resolver o problema por conta própria. Saio correndo da loja de suprimentos, andando rapidamente na direção de meus aposentos. Col segue atrás de mim; ele não reclama de novo, mas posso sentir a dor que ele está sentindo. Está saindo dele como fumaça de um incêndio. Seu desconforto toma conta da minha cabeça enquanto ando pelos corredores estreitos e angulares. Ele permanece quieto enquanto passamos por um grupo de guardas e depois por outro. As celas ficam um nível abaixo, em uma área totalmente diferente do Nexus, então não há razão para eu estar arrastando Col por aqui. Nenhum dos guardas me questiona, no entanto. Afinal, tenho uma reputação. Eu simplesmente fiz um grande alarido sobre os homens de Regis quererem saber o que estou fazendo com Col, mas eles não são realmente tão estúpidos. Eles não querem seus pescoços ou suas espinhas quebradas, então nos deixam passar sem comentários. Meu quarto está seis graus negativos, exatamente como eu gosto. Col estremece quando o conduzo para dentro e o forço a se sentar na cadeira baixa ao lado da minha cama. — Droga, está congelando aqui, — ele geme, seus dentes batendo para causar efeito. — Ouvi dizer que você tem sangue frio, mas isso é loucura. Não adianta criticar sua zombaria. É uma perda de tempo brigar verbalmente com ele, eu sei disso, mas é difícil manter minha boca fechada do mesmo jeito. Os frascos de Luz estão em uma pequena caixa de madeira ao lado da minha cama. Está à vista de todos; a caixa só abre para mim, então não há risco de deixá-la de fora. Coloco a caixa na sacola de combate, abro meu armário e começo a jogar roupas na sacola também. — Tem alguma coisa branca aí? — Col pergunta. Bastardo brincalhão. Ele pode ver que tudo dentro do armário é preto. Eu continuo juntando camisas e calças, rangendo os dentes. Um minuto se passa. Então outro. Col está desesperado para dizer algo. Eu posso sentir sua necessidade queimando nele, fazendo-o brilhar como um sinal luminoso. Finalmente, ele cospe. — Pirius é um planeta deserto, sabe. Quente. Perspectiva ensolarada, vinte e oito horas por dia, nove dias por semana. Você viu por si mesmo dentro da minha mente. Como pretende andar por um deserto em um traje militar preto espesso? Este homem não sabe nada sobre o treinamento que suportei. Os planetas inabitados escaldantes e quentes nos quais fui lançado do ar e instruído a voltar com vida. Era se adaptar e sobreviver ou morrer. A temperatura da superfície de Pirius não é nem metade tão quente quanto qualquer um desses planetas. Vou ficar bem com minhas roupas militares pretas grossas; Não vou nem suar. — Sua preocupação com meu bem-estar é tocante, mas vou ter que te pedir mais uma vez para ficar quieto. Estou tentando pensar. — Minha mente está correndo. Não consigo parar por tempo suficiente para descobrir o que estou fazendo. Estou agindo precipitadamente, estou ciente disso, mas não consigo me conter. Essa atração que sinto, esse impulso urgente inundando meu corpo... não pode ser ignorado. Está me consumindo ainda mais do que a necessidade da Luz que acabei de colocar na bolsa. Espero que Col continue falando, mas felizmente ele se mantém quieto. Eu reúno as poucas coisas restantes de que preciso, e então me viro e saio de meus aposentos sem dizer uma palavra. Col segue atrás de mim, ainda segurando suas costelas e seu estômago, suas botas fazendo sons de guinchos altos enquanto ele tropeça atrás de mim, tentando acompanhar. Nós chegamos aos hangares, e meu raptor está exatamente onde o deixei, no final da linha de embarcações mais próxima. O casco externo preto e lustroso da nave cintila sob a forte iluminação do teto enquanto eu me apresso em direção a ele, me recusando a olhar na direção do grupo de mecânicos da cabine de comando sentados ao redor de uma mesa a trinta metros de distância, jogando cartas. Col, cambaleando ao meu lado, levanta a mão e faz uma careta, acenando para eles. Eu o acerto no braço, logo abaixo do ombro. Com força. — O que diabos há de errado com você? Você quer morrer? Col grita, rolando seu ombro. — Já sei que não vou, — diz ele. — Foi visto. Então por que diabos não deveria foder com esses caras? E com você, por falar nisso. Eu coloco minha mão nua sobre o painel de acesso do raptor e a porta desliza silenciosamente para trás. Eu entro na nave, despejando a sacola de combate na caixa de armazenamento na parte traseira. Col entra na nave atrás de mim, e seus olhos se iluminam momentaneamente, a dor em seu rosto desaparecendo. Ele assobia enquanto gira, observando o painel de controle e as unidades de comunicação de última geração na parte de trás. — Dentes do inferno. Fale sobre extravagancia. Você realmente é o favorito do papai, não é? — Sente-se e aperte o cinto, — eu ordeno, apunhalando meu dedo em um dos assentos traseiros. — Não temos autorização para sair. Assim que ligar os motores, a tripulação saberá que algo está acontecendo. Nós vamos ter que fugir. —Você vai precisar de um copiloto, então, — Col diz. Sentando-me ao leme, viro minha cabeça e olho para ele. Ele deve sentir meu desprazer rastejando por toda sua pele. — Eu não vou. Col se senta no assento ao meu lado de qualquer maneira, prendendo seu arnês no lugar, estremecendo enquanto torce e gira seu corpo.— Você não tem muitos amigos, tem? — Ele pergunta despreocupadamente. — Sua inteligência e charme cegantes provavelmente intimida as pessoas, tenho certeza. Na periferia da minha mente, sinto algo - uma ruga. Um problema potencial, ainda por surgir. Fecho meus olhos, lançando minha mente mais longe, estendendo-me através da expansão do Nexus, e localizo a fonte de minha hesitação: Stryker. Merda. Ele está pensando em mim. Pensamentos perigosos. Alguém lhe disse que levei Col aos meus aposentos. Ele sabe que algo está errado. Aciono a ignição do painel de controle do raptor e os motores rugem, criando redemoinhos de pressão que empurram a nave atrás de nós, forçando-a a recuar. Temos que sair daqui e agora. — Ei! Ei! Tenente Beylar! Pare! — Um dos mecânicos corre em direção ao raptor, agitando as mãos no ar, uma expressão de pânico no rosto. — Tenente Beylar! Desligue seus motores! Você vai destruir as naves ao redor! — Ele grita em aviso para mim, frenético, como se eu não soubesse o que aconteceria se ligasse minha nave aqui no piso do hangar, em vez de mandá-la para a baía de lançamento. A nave atrás de mim bate contra a parede do hangar, seu nariz se dobra quando a pressão dos meus jatos a esmaga contra um pilar de suporte. O caos explode no convés do hangar. Tudo acontece de uma vez. O mecânico na frente do raptor saca sua arma; as portas do hangar se abrem e uma unidade de soldados entra correndo, as armas já preparadas e contra os ombros, apontadas para o raptor. Os soldados não perdem tempo depois de entrarem no hangar. Eles se dirigem diretamente para nós, suas viseiras piscando em vermelho para alerta máximo. Ao meu lado, Col começa a parecer um pouco nervoso. — Seu chefe soltou os cães. Posso sugerir que dê o fora daqui? Tipo, agora? Uma resposta cáustica seria perfeitamente cronometrada agora, mas antes que eu possa dizer qualquer coisa, o interfone no painel de controle vibra e a voz de Stryker inunda a cabine. — Onde você acha que vai com esse prisioneiro, Jass? Nunca gostei de Stryker. Eu não gosto de ninguém no Nexus - amizades não são encorajadas aqui, e mesmo se fossem, todo mundo tem muito medo de mim para chegar perto - mas o desprezo especialmente. O homem foi encarregado de meu treinamento pela Ordem do Anciões, e desde então tornou sua missão pessoal me deixar infeliz, mantendo-me acorrentado e obediente. Ele encorajou Regis a me colocar na luz para que pudesse me controlar como um cachorro, e nunca vou perdoá-lo por isso. — Vou averiguar informações. A mente deste homem revelou uma célula terrorista localizada nas proximidades. Vou usá-lo para ter acesso ao grupo. — Isso é quase verdade. Se houver videntes por aí em Pirius, eles serão considerados terroristas da mais alta ordem pelo Construto. Eu seria enviado para eliminá-los de qualquer maneira. Stryker não parece convencido da minha explicação, no entanto. — Existem procedimentos para esse tipo de coisa. Você não sai por conta própria, caçando fantasmas, sem meu comando explícito. Precisamos enviar uma equipe para cuidar desta célula. Desligue seu raptor e junte-se a mim na torre de controle imediatamente. Eu provavelmente deveria fazer o que ele diz. Será muito difícil para mim retornar a nave se partir nessas circunstâncias. Ao mesmo tempo, o que isso importa? Estou cansado de ser o brinquedo do Construto. Estou farto de ouvir latidos e ordens como um servo comum. Talvez voltar não seja a melhor ideia, de qualquer maneira. — Eu sinto muito. Acho que é melhor lidar com essa situação sozinho. Enviar uma grande equipe ao planeta só alertará a célula. Eles fugirão assim que virem cruzadores do Construto no céu. Eu sou apenas um homem. Serei capaz de me infiltrar neles e destruí-los por dentro. — Inaceitável, Beylar. Desligue sua nave imediatamente. Não vou avisar mais... Aperto o botão acima do rádio, silenciando-o antes que Stryker possa terminar sua frase. Eu já sei o que ele vai dizer: ameaças, ameaças e mais ameaças. O homem gosta do som de sua própria voz, e nada é mais satisfatório para ele do que prometer tornar minha existência terrivelmente difícil. — Achei que você mentisse melhor, — Col diz, socando as coordenadas para Pirius no raptor. Passo as informações por meio de um misturador para que nem o Regis nem o Stryker possam obter os dados do registro da nave. O raptor se ergue gradativamente do solo, girando em seu eixo de forma que fique de frente para o porto de lançamento a estibordo da nave. Uma pequena área. Um pouco mais. Eu inclino o nariz do Raptor para baixo e empurro o acelerador para frente, enviando a nave da classe de caça em direção ao espaço aberto. Eu atingi pelo menos três dos outros caças no chão sentados na cabine de comando, danificando-os além do reparo. Stryker está tão orgulhoso de sua frota de caças; o fato de eu ter destruído alguns de seus bens mais valiosos não vai moderar sua raiva. Eu o desobedeci. Eu desconsiderei suas ordens diretas. Trouxe um prisioneiro e estou saindo do Nexus. Todas ofensas traiçoeiras dignas de execução. No espaço de menos de uma hora, afastei o Construto, abandonei meu posto e, essencialmente, me rebelei. Mais à frente, as portas do porto de lançamento são ativadas e estão começando a se fechar. É preciso um minuto para que portas como essa sejam abertas e fechadas, no entanto. Elas são enormes - toda a largura e altura do Nexus. É muito metal. Elas não estão nem meio fechadas quando passo o raptor por elas. Uma série de guinchos agudos e gritos saem dos alto- falantes do rádio no painel, fazendo Col quase pular fora de sua pele. Eu fico esperando os sons abrasivos, porém - notificações do computador de bordo da nave de que alguém está tentando invadir os controles do raptor. Procedimento de construção padrão: desativar e destruir. O governador Regis estará gritando com seus homens na torre de controle agora, exigindo que paralisem minha nave, que me impeçam, desligando os motores, então flutuarei livre no espaço. Eles não serão capazes de fazer isso, no entanto. Eu não me preparei para isso. Não tinha ideia de que reagiria dessa forma ao ouvir notícias da garota. Eu sou um cara inteligente, no entanto. Eu sabia que chegaria um momento em que teria que fazer uma saída brusca do Nexus. Tomei precauções. Eu me certifiquei de que seria capaz de abrir uma saída clara para mim. O raptor está carregado de avanços tecnológicos que Regis nunca autorizou. Tenho certeza de que ele pediu a seus engenheiros que desmontassem minha nave, pedaço por pedaço, para verificar minhas atividades, mas aqueles caras sabiam que não deviam chegar a menos de quinze pés da máquina. Eles sabiam muito bem o que eu faria com eles se os encontrasse interferindo em minha nave. Passamos a porta de lançamento e não perco tempo. Eu puxo o nariz da nave para cima e piso fundo. Não terei muita vantagem. Os caças do Construto são mais rápidos do que a maioria das naves da galáxia. Eu mesmo ajudei a projetá-los. Eu sei do que eles são capazes e conheço seus defeitos. Se eu conseguir colocar um ou dois cliques entre o raptor e os caças que vêm atrás de nós, poderei entrar no cinturão de asteroides de Darax e tudo acabará de lá. O raptor pode girar e rodar sob comando, mudando instantaneamente de direção com o toque de um controle. Os caças não são tão ágeis. Seus motores não são capazes de uma parada imediata, o que torna a dança através de um cinturão de asteroides imprevisível uma missão suicida. Regis nunca arriscaria perder naves dentro da vasta extensão rochosa de destroços. Sem chance. Eu faço os propulsores do raptor guincharem. Ao meu lado, Col Pakka fica em um tom fantasmagórico de branco, os nós dos dedos pálidos e sem sangue enquanto ele agarra o arreio que o segura em seu assento. — Puta merda. Você é um maníaco, — ele engasga. Eu o ignoro.Estou esperando, esforçando-me para ouvir o tom revelador e o gemido dos caças do Construto no meu comunicador enquanto eles saem rugindo da porta de lançamento da base. A qualquer segundo agora... Os principais homens de Regis fazem exercícios e treinam sem parar para situações como essa. Na verdade, é tudo o que eles realmente fazem. São armas bem ajustadas e afiadas, e sabem as consequências que cairão sobre eles se desagradarem a Regis. Eles podem fazer disso sua arte e são implantados em espaço aberto em não mais de um minuto - um feito e tanto para mais de trinta embarcações, todas decolando ao mesmo tempo. Não ouço nada no comunicador, no entanto. Eu cerro meus dentes enquanto acelero ainda mais o raptor, meu coração trovejando fora de controle atrás da minha caixa torácica. A qualquer segundo agora... A qualquer segundo agora... Qualquer... segundo... agora... Mas não há som algum no rádio do meu painel. Nenhuma ação e lamento. Sem conversa fiada animada, distorcida através dos comunicadores dos capacetes. Existe apenas o silêncio infinito, negro e sem fundo do espaço. Quase bati no primeiro fragmento que encontramos - um pedaço de material do tamanho de um punho, provavelmente uma combinação de ferro e níquel. Não estou prestando atenção e não o vejo até que o alarme do raptor me avisa com urgência do perigo iminente. Eu viro o raptor, diminuindo um pouco a velocidade, e Col começa a gritar. Ele segura o painel de controle com uma das mãos e com a outra as costelas quebradas. — Você é Insano! Eu nunca deveria ter ouvido aquele vidente. Deveria ter ficado em casa esta manhã. Eu nunca deveria ter saído da cama. Se eu tivesse tempo, provavelmente apertaria o botão de ejeção do passageiro e me livraria dele, mas não o faço. De repente, me encontro em uma espiral em um mar de destroços, esquivando-me de um lado para o outro, minhas mãos movendo-se por conta própria nos controles do raptor. Eu bloqueio minha mente. Eu a encerro e, ainda assim, abro ao mesmo tempo. Eu libero o controle rígido que mantenho sobre mim mesmo, e permito que os dedos curiosos que se formam na minha cabeça se expandam e se estiquem, alcançando, explorando o espaço ao nosso redor. Minha mente processa o campo de destroços, localizando cada pedaço de rocha, asteroide e poeira espacial, observando sua posição, trajetória e potenciais danos à nave. Depois de fazer tudo isso - em pouco mais de um décimo de segundo – ajusto o curso do Raptor com a precisão de um raio. Assim como os soldados de Regis foram treinados e capacitados sob o olhar atento do mestre, eu também tenho treinado para isso. Regis nunca teria aprovado meu treinamento obsessivo e implacável. Sua paranoia e desconfiança geral em relação a mim sempre o tornaram cauteloso em me armar com habilidades além do que ele considerava razoável. Se ele soubesse que eu poderia fazer isso? Se soubesse que minha mente era capaz de tais façanhas, teria me ejetado em uma acoplagem sem um momento de hesitação há muito tempo. Col se volta para mim, com os olhos arregalados, os nós dos dedos ficando mais brancos enquanto segura o painel de controle como um salva vida. — Que diabos ? — Ele engasga. — Isso... isso não é possível. Ele está se referindo aos movimentos ágeis e rápidos do raptor enquanto abro caminho através do campo de asteroides em alta velocidade. Ele nunca viu nada assim antes. Nem uma nave capaz de exibições aéreas tão complexas, nem um homem capaz de controlá-la. A galáxia é um lugar amplo e aparentemente sem fim, mas as mesmas leis da física se aplicam não importa onde sua nave esteja ancorada. A menos que você possa aprender a dobrar um pouco essas leis, é claro. Pelo que sei, sou a única pessoa, viva ou morta, capaz de realizar tal coisa. Col hesita enquanto giro o raptor novamente, evitando com sucesso dois grandes pedaços de gelo que estão travados em rota de colisão. Eu ouço o sibilo nervoso de sua respiração escapar dele quando os projéteis azuis monolíticos e irregulares se chocam, se quebrando em um milhão de pedaços, bombardeando o raptor com lanças de nitrogênio congelado. — Casco externo comprometido. Violação do casco externo detectada. — O computador de bordo anuncia calmamente o perigo significativo com pouca ou nenhuma urgência. Col grita com toda a força de seus pulmões, sua pele acinzentada e contraída. Tão irritante. Eu tenho tempo para nocauteá- lo? Esta situação está se desenvolvendo rapidamente. Se eu não concentrar toda a minha atenção em evitar mais danos à nave, nós dois estaremos flutuando, no vazio, sem roupas, sem sangue, sem vida, e suas reações exageradas não importarão. mais. Então não. Não tenho tempo para nocauteá-lo. Eu executo alguns cálculos mentais rápidos, procurando a maneira mais rápida e segura de sair do campo de asteroides. Eu procuro a rota que fornece a maior probabilidade de sobrevivência. Quinze por cento. Doze por cento. Trinta e nove por cento. Vinte e sete por cento. Cinquenta e um por cento. Ai está. Cinquenta e um por cento? Melhor do que cara ou coroa, por um fio de cabelo. Eu vou levar. Girando o raptor para a direita, aponto seu nariz para baixo e o viro, fazendo Col gritar novamente. — É melhor você saber o que está fazendo, — ele grita. — Porque agora, realmente parece que você não sabe o que está fazendo! Eu sei exatamente o que estou fazendo. O raptor dispara pelo campo de asteroides, tremendo pelo esforço de manobras tão rápidas em velocidades tão altas. Eu me permito um pequeno sorriso enquanto empurro a nave para a esquerda e depois para a direita, evitando outros dois grandes asteroides, cada um com 30 metros de largura. Eu não antecipei totalmente a rolagem do da direita, no entanto. A lacuna entre as duas massas fecha inesperadamente; Eu tenho que acelerar para chegar a tempo. Col grita, fechando os olhos com força. Não posso me dar ao luxo de fechar os meus e esperar o melhor. Eu cerro os dentes, desejando que os dois asteroides permaneçam separados. Usar minha mente para levantar uma pessoa ou um pequeno objeto é uma coisa. Os asteroides, milhares de toneladas de rocha sólida, são outra completamente diferente. Uma gota de suor escorre pela minha testa enquanto me esforço para manter a distância. Eu consigo, por pouco, mas a tensão tem seu preço. Estou ofegante enquanto o raptor rasga a abertura, apenas alguns metros de cada lado de sua envergadura. E então… Estamos a salvo. Espaço livre e aberto. Estrelas se estendendo indefinidamente, ininterruptamente, por uma eternidade. O raptor para de chacoalhar tão violentamente, estabelecendo uma trajetória de vôo suave. Leva um segundo ou dois para Col perceber que não estamos mortos. Quando o faz, ele dá um grito, quase quicando da cadeira, os olhos arregalados em descrença. — Puta merda! Puta merda! Eu não posso acreditar... — Ele balança a cabeça, como se a ação fosse de alguma forma ajudá-lo a entender o que aconteceu. — Como? Como você fez isso? Eu fico olhando severamente para frente, minha mandíbula ainda travada, meus olhos fixos na incerteza da escuridão à frente. — Melhor você perguntar como as estrelas continuam queimando, — eu sussurro. — Melhor perguntar como o universo continua se expandindo. As respostas são mais fáceis de compreender. 4 REZA LUA NEGRA / LUA PÁLIDA Eu não consigo ficar parada. As células que compõem meu corpo não param de vibrar, criando um caos completo e absoluto dentro do meu corpo. Sempre senti essa discórdia desconfortável dentro de mim, nunca encontrando um verdadeiro momento de paz, mas agora, a cada segundo que passa, parece que meu corpo está se revoltando contra mim, tentando me avisar. Incitando-me a correr. A sub cidade dos videntes é muito parecida com o resto dos assentamentos em Pirius: uma rede de túneis e passagens subterrâneas que se retorcem