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Avaliação da Aprendizagem MICHELLE DANTAS FERREIRA VITÓRIA DA SILVA BEMVENUTO 1ª Edição Brasília/DF - 2023 Autores Michelle Dantas Ferreira Vitória da Silva Bemvenuto Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4 Introdução ............................................................................................................................................................................. 6 Capítulo 1 Avaliação: introduzindo, conceituando e contextualizando .......................................................................... 9 Capítulo 2 Avaliar na contemporaneidade: desafios e perspectivas ..............................................................................28 Capítulo 3 Avaliação no contexto educacional .....................................................................................................................44 Capítulo 4 Avaliar no cotidiano das instituições educacionais ........................................................................................62 Capítulo 5 Avaliação, sujeitos e cultura: diferentes concepções, possíveis caminhos .............................................88 Capítulo 6 Avaliação: ranços e avanços.................................................................................................................................131 Referências ....................................................................................................................................................................... 147 4 Organização do Livro Didático Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. 5 ORgAnIzAçãO DO LIvRO DIDátICO Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Gotas de Conhecimento Partes pequenas de informações, concisas e claras. Na literatura há outras terminologias para esse termo, como: microlearning, pílulas de conhecimento, cápsulas de conhecimento etc. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 6 Introdução É com muita alegria e entusiasmo que recebemos todos os estudantes na disciplina “Avaliação da Aprendizagem”. Seja bem-vindo a este espaço, que se propõe à troca e construção de conhecimentos. Desejamos que o material contribua para suas reflexões, não somente acerca da temática da avaliação, mas possibilitando aproximações com as miudezas do cotidiano, ao conectar teoria à prática docente, alinhavando, assim, os diversos fios que constroem a educação – em seu sentido mais amplo. Tendo esta disciplina como espaço para uma formação que compreenda a avaliação enquanto processo, que envolve escutas, olhares e relações comprometidas com uma aprendizagem libertadora, na qual educadoras e educandos refletem, criticam e experimentam sobre si e sobre os outros – na interação consigo, com estas/estes outros e com o mundo –, construímos um material que intenciona que, durante e ao final desta conversa estabelecida, por meio da leitura, seja possível refletir sobre o processo avaliativo na educação, unindo teoria e prática e mobilizando ações possíveis de serem implementadas no cotidiano das instituições. Para tanto, as aulas estão organizadas em seis capítulos, a saber: 1. Avaliação: introduzindo, conceituando e contextualizando Momento em que iniciamos a costura, aproximando linha e agulha, ou melhor, o tema ao cotidiano, por meio de um fio narrativo que intenciona construir um conhecimento sobre avaliação que se dará a partir da sua associação a situações do dia a dia, a um panorama histórico e a posição que assume na educação. Dessa forma, os estudantes poderão transitar entre os diferentes tipos de costuras e alinhavar seus conceitos. 2. Avaliar na contemporaneidade: desafios e perspectivas A proposta central deste capítulo é discutir os desafios e as perspectivas de avaliar na contemporaneidade, tendo o capitalismo como propulsor de “tempos líquidos”, que estimulam uma educação baseada no consumo da informação, no individualismo, no acerto e na meritocracia, acarretando cisões – corpo-mente, razão-emoção, corpo-natureza – e disputas territoriais – disciplinas, currículos, etapas e instituições educacionais – para a sociedade. Em contraponto, propomos deslocamentos: do erro como possibilidade de experiência potencializadora e da construção de uma comunidade pedagógica a partir do conceito africano de Ubuntu. 7 IntRODuçãO 3. Avaliação no contexto educacional Após panoramas mais gerais, que objetivaram maior familiaridade com a temática central da disciplina, adentramos as miudezas do processo de avaliação tangidas pelo contexto educacional, relacionando-o aos documentos mandatórios – legislações que regem a Educação – tecendo redes junto ao currículo, construindo pontes com o planejamento e refletindo acerca do papel da avaliação no fracasso escolar. 4. Avaliar no cotidiano das instituições educacionais Mergulhando ainda mais fundo, nosso olhar se volta para o cotidiano das instituições educacionais, fazendo emergir a docência e a discência. Da primeira, ressaltamos a fundamentalidade de olhares e escutas atentas, e, da segunda, seus sentidos, saberes e relações. Após esse primeiro panorama, abordamos os instrumentos de avaliação, destacando as possibilidades em meio à complexidade educacional que vivemos; o projeto político-pedagógico, ressaltando seu caráter identitário, singular e diverso e, por fim, as avaliações externas e em larga escala, buscando compreender o que comunicam e com quem dialogam dentro de todo esse processo avaliativo. 5. Avaliação, sujeitos e cultura: diferentes concepções, possíveis caminhos Seguindo o fluxo, mas sem desconectar das instituições educacionais, estabelecemos ligação entre avaliação, os sujeitos e a cultura, sugerindo caminhos em meio às diferentes concepções de avaliar estabelecidas na Educação Básica (Educação Infantil, Ensinosos resultados são sempre os mesmos, independentemente dos percursos. Cuidado É importante diferenciar os termos distopia de utopia. Segundo o dicionário online de Português Dicio, distopia é uma palavra de origem grega que representa um lugar hipotético onde se vive sob sistemas opressores, autoritários, de privação, perda ou desespero. Uma demonstração hipotética de uma sociedade futura, definida por circunstâncias de vida intoleráveis, que busca analisar de maneira crítica as características da sociedade atual, chamando atenção para seus males (DICIO, s. d.). Já a utopia – segundo o mesmo dicionário –, que também é de origem grega, é o contrário, apresentando-se como uma sociedade ou situação ideal onde tudo é perfeito, harmônico e feliz, inclusive a economia. (DICIO, s. d.). Paulo Freire nos apresenta uma visão mais realista e possível de utopia, os “Inéditos-viáveis”, que como o próprio nome sugere, é algo que ainda não foi feito – e até pensado –, mas é possível, é viável de se concretizar. Da mesma forma, Boaventura Sousa Santos, professor da Universidade de Coimbra, aposta em “utopias reais”, ou seja, situações que saem do campo do devaneio, do sonho, do inatingível, para o real. Há forte analogia entre as distopias narradas nos dois romances e os tempos que temos vivido, visto que a sociedade moderna capitalista se empodera justamente na liberdade vigiada, no controle, na vigilância, não havendo, por isso, discussão em torno de sua manutenção. Sua percepção nos chega a partir de seu fortalecimento, gerado por meio da fragmentação, homogeneização e predomínio das cisões e disputas por poder e influência. Mas o que essa problemática tem a ver com a avaliação, de forma mais específica e com educação, em um âmbito mais geral? Tudo! Sabrina Fernandes (2020, p. 49) aponta que “[...] como a educação nos permite abordar questões de poder, mas também nos inserir e modificar padrões de poder na sociedade, é evidente que os rumos da educação sejam rumos políticos. [Logo] Educação também é sobre poder” e a maneira mais eficaz de demarcar espaço e demonstrar força é por meio das avaliações, já que seus princípios se fundamentam nesta sociedade fragmentada que estabelece uma hierarquização de saberes associada à homogeneização dos discentes, que, como dito anteriormente, passam a ocupar a posição de números, gráficos, pacotes, que têm seus processos, sua história e identidades invisibilizadas. Figura 24. Saberes em diferentes contextos. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/hand-writing-point-view-6-9-1935791824. 39 AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS • CAPÍTULO 2 As instituições educacionais passam, então, a reproduzir as desigualdades presentes na sociedade por meio de sua estrutura de funcionamento, da organização do seu currículo, do planejamento realizado e das propostas ofertadas. Diante desse panorama, o corpo vai para a escola somente para levar a mente. Não há espaço para subjetividades, para afetos, emoções, percepção de si e dos outros. Não há espaço para o próprio corpo existir, a não ser como suporte. Por isso, “[ao] falar em sala de aula sobre o corpo, sobre como vivemos no corpo, estamos automaticamente desafiando o modo como o poder se orquestrou nesse espaço institucionalizado em particular.” (Hooks, 2017, p. 183). E isso é escolha e é fortemente político. Não há como nos mantermos neutros, pois a partir do momento que escolhemos nada fazer, estamos nos posicionando a favor do sistema dominante, que conta com essa inércia, e que, na verdade, depende dela para prosperar e seguir se enraizando e nutrindo. A capacidade de conviver com a diferença, sem falar na capacidade de gostar dessa vida e beneficiar-se dela, não é fácil de adquirir e não se faz sozinha. Essa capacidade é uma arte que, como toda arte, requer estudo e exercício. A incapacidade de enfrentar a pluralidade de seres humanos e a ambivalência de todas as decisões classificatórias, ao contrário, se autoperpetuam e reforçam: quanto mais eficazes a tendência à homogeneidade e o esforço para eliminar a diferença, tanto mais difícil sentir-se à vontade em presença de estranhos, tanto mais ameaçadora a diferença e tanto mais intensa a ansiedade que ela gera (Bauman, 2001, p. 101). No contraponto disso, elegemos processos que se deem por uma educação libertadora (Freire, 2020c), que, por meio de utopias diárias, busque, vislumbre processos avaliativos que considerem os conhecimentos plurais, que abarquem as diferenças e acolham as diversidades. 2.3 Deslocamentos: o erro como possibilidade de experiência potencializadora O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa. Passou um homem depois e disse: Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada. Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás de casa. Era uma enseada. Acho que o nome empobreceu a imagem. (Barros, 2018, p. 303) 40 CAPÍTULO 2 • AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS Figuras 25. Rio ou cobra? Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aerial-view-piracanjuba-river-brazilian-savannah-1686003382; https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/wildlife-big-one-floats-on-surface-1930055000. Quantas vezes, na ânsia de corrigirmos o erro, empobrecemos as imagens dos estudantes, podando sua criatividade? Ser cobra de vidro trazia outra dimensão para o quintal, para a casa, para o rio e para o menino Manoel, que era convidado a outras aprendizagens. Necessidade chata essa que os adultos têm de nomear as coisas, de explicar o que não foi perguntado, na tentativa de “consertar os erros” cometidos. Também pudera, pois em uma sociedade que estimula a competição e o individualismo, não há lugar para o erro. Não se você quer ser o melhor. Errar é frustrar todas as expectativas e projeções que foram feitas para a sua vida. É tirar da zona de conforto, fazer remexer o corpo, desacostumar o olhar que esperava a mesmice, a repetição de gestos. O erro nos confronta, nos afronta, nos exige mudanças de posturas que, muitas vezes, não queremos, esperamos e/ou sabemos que necessitamos. Com certeza, o erro desloca, move, cobra, indaga. Sendo assim, por que o erro é alvo de tantas críticas e desafetos? Partindo da premissa de que somos humanos, portanto, imperfeitos, por que o erro não é aceito como parte do processo de aprender e incomoda tanto? E mais, o que aprendemos quando erramos? Deve existir algumas respostas para essas perguntas. Mas acreditamos que cada uma delas será respondida a partir das conexões estabelecidas com as histórias de vida de cada um, com as aprendizagens que tiveram, com as experiências que vivenciaram. Somos seres sociais e nos constituímos na relação com as outras pessoas. Por isso, a forma como reagimos às situações tem a ver com o repertório que fomos construindo ao longo da vida. Claro que há coisas que mudamos, a partir de novas conexões e da análise crítica da realidade da qual somos pertencentes. Mas, no geral, são as experiências que vivemos que nos marcam e apontam os caminhos pelos quais seguiremos. Na escola, o erro está quase sempre associado ao fracasso e costuma ser punido com castigos, constrangimentos, exposições, que têm o intuito de “ensinar”, de fazer com que não se repita. O mais irônico é que quando adultos, em situações em que o erro se 41 AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS • CAPÍTULO 2 faz presente, costumamos dizer para as outras pessoas e para nós mesmos que “errar é humano”, “faz parte da vida”, “é aprendizado”, “ensina”. Porque, em nossas vidas “privadas” – normalmente ligado a episódios emocionais – o erro é acolhido e na escola é rejeitado e exposto? 2.4 ubuntu: o que isso tem a ver com avaliação? Um antropólogo visitou um povoado africano. Ele quis conhecer a sua cultura e averiguar quais eram os seus valores fundamentais. Assim que lhe ocorreuuma brincadeira para as crianças. Ele colocou um cesto de frutas perto de uma árvore. E disse o seguinte às crianças: – A primeira que chegar à árvore ficará com o cesto de frutas. Mas, quando o homem deu o sinal para que começasse a corrida em direção ao cesto, aconteceu algo inusitado: as crianças deram as mãos umas às outras e começaram a correr juntas. Ao chegarem ao mesmo tempo todos desfrutaram do prêmio. Eles se sentaram e repartiram as frutas. O antropólogo lhes perguntou por que tinham feito isso, quando somente um poderia ter ficado com todo o cesto. Uma das crianças respondeu: – “Ubuntu”. Como um de nós poderia ficar feliz se o resto estivesse triste? Figura 26. Alegria repartida! Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/elementary-school-boys-girls-running-open-667950157; https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/big-group-young-african-ethnicity-children-2092723966; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/happy-children-silhouettes-on-summer-meadow-186960395. A experiência relatada pelo antropólogo nos faz pensar… na cultura do povoado em que o relato se deu, a alegria do coletivo era também a alegria de cada uma, de cada um! Não importava chegar primeiro, comer mais do que o outro… mas sim, compartilhar. Não é incomum que o conhecimento seja vivido, muitas vezes, como algo que se deve guardar individualmente. Na lógica capitalista que discutimos nesta aula, saber mais do que o outro implica ter vantagens sobre o outro. Se eu sei mais que meus companheiros, terei mais oportunidades, serei o melhor! Essa lógica é estimulada e corroborada pela cultura da 42 CAPÍTULO 2 • AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS avaliação competitiva e classificatória, da premiação do melhor, pela classificação entre estudantes (turma dos “mais fortes”, “mais fracos”), pelos rankings que colocam em ordem ascendente os que melhor se saem nas provas e afins. Desse modo, cada um entende que compartilhar seu saber é um risco, uma perda, algo a ser evitado. Conhecimento é compreendido como algo quantificável, como produto de mercado que confere a seu proprietário ascensão sobre os demais. É importante destacar que, focalizando aqui as instituições educacionais, esse modo de relação com o conhecimento, que enfatiza o ter, a competição entre as pessoas, é forjada nas práticas cotidianas. Na maneira como, por exemplo, as atividades se organizam. Na forma como o erro é tratado. Nos instrumentos de avaliação e na concepção de avaliação (para que serve, qual sua função) que estão presentes na organização pedagógica do trabalho. De tudo o que fomos chamando atenção até aqui! Se o erro é compreendido como algo a ser evitado, combatido, criticado simplesmente, é provável que, consequentemente, o estudante passe a ter receio de expor o que pensa e sabe, suas hipóteses, ideias, formas de compreender. E, se teme se expor, acaba também por desconsiderar sua capacidade de aprender! A confiança em nossa capacidade de pensar, de aprender é fundamental para o fortalecimento de nossa autoconfiança! Figura 27. vencer! Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/excited-smart-little-boy-jeans-sweater-1482391814. A filosofia Ubuntu nos permite também pensar o quanto nos fortalecemos no coletivo. Aprender juntos, compartilhar saberes, trocar, são experiências que nos fazem sentir como parte de um coletivo, pertencentes. Pensar juntos, descobrir juntos, permite que uma mesma experiência possa ser vista e visitada sob diferentes ângulos. O que cada um sabe, o que pensa… vai instigando o pensamento do outro. 43 AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS • CAPÍTULO 2 Sintetizando Vimos nesta aula que: » O capitalismo é um sistema econômico que influencia e altera todos os setores da sociedade, reverberando diretamente na forma como nos relacionamos, consumimos, atuamos politicamente, pensamos e fazemos educação na contemporaneidade. » Vivemos tempos líquidos, que escorrem por entre os dedos, como nos aponta Bauman. Nestes tempos, a mudança é certa, rápida e imprevisível. » A sociedade não é neutra, tampouco a educação, que, além disso, é foco de disputas visando ao controle e o poder, daí a importância de termos olhares e escutas atentas, bem como consciência crítica da realidade que nos cerca. » O capitalismo se esparrama para diversos setores, entre eles, a educação, trazendo consigo um consumismo exacerbado e uma perspectiva meritocrática, como se todas as pessoas tivessem tido as mesmas oportunidades e tivessem sido constituídas pelas mesmas experiências, diferenciando-se apenas na força de vontade para alcançar seus objetivos. » O erro é uma experiência potencializadora que precisa ser considerada no percurso elaborativo da aprendizagem, pois possibilita crescimento, reconhecimento de si e das outras pessoas, reelaboração do que fora aprendido e a possibilidade de olhar por diferentes ângulos, transformando os saberes. » Avaliar, na contemporaneidade, requer consciência crítica acerca dos desafios e dos possíveis caminhos, buscando ir na contramão dessas perspectivas que desconsideram os seres em suas incertezas e/ou têm como finalidade a manutenção das desigualdades e dos privilégios nas mãos de pouquíssimos, enquanto a grande maioria é oprimida e esmagada pelo sistema. 44 Introdução do capítulo Nosso conhecimento não era de estudar em livros. Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos. Seria um saber primordial? Nossas palavras se juntavam uma na outra por amor e não por sintaxe. A gente queria o arpejo. O canto. O gorjeio das palavras. Um dia tentamos até de fazer um cruzamento de árvores com passarinhos para obter gorjeios em nossas palavras. Não obtivemos. Estamos esperando até hoje. Mas bem ficamos sabendo que é também das percepções primárias que nascem arpejos e canções e gorjeios. Porém naquela altura a gente gostava mais das palavras desbocadas. Tipo assim: Eu queria pegar na bunda do vento. O pai disse que vento não tem bunda. Pelo que ficamos frustrados. Mas o pai apoiava a nossa maneira de desver o mundo que era a nossa maneira de sair do enfado. A gente não gostava de explicar as imagens porque explicar afasta as falas da imaginação. A gente gostava dos sentidos desarticulados como a conversa dos passarinhos no chão a comer pedaços de mosca. Certas visões não significavam nada mas eram passeios verbais. A gente sempre queria dar brasão às borboletas. A gente gostava bem das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais. 3 CAPÍTULO AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL 45 AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL • CAPÍTULO 3 Quando o menino disse que queria passar para as palavras suas peraltagens até os caracóis apoiaram. A gente se encostava na tarde como se a tarde fosse um poste. A gente gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala. Esses meninos faziam parte do arrebol como os passarinhos (Barros, 2015, p. 15-16). Manoel de Barros traz currículos em suas poesias. Nesta, o menino anuncia, logo no início, que possui um conhecimento que não consta nos livros, que não é ensinado na escola. Suas palavras nos levam a indagar: quais são os conhecimentos tecidos nas instituições educacionais? De que forma e por quem esses conhecimentos são validados? Os estudantes são ouvidos em seus processos? Têm reconhecidos os conhecimentos adquiridos a partir da prática? Escola e vida dialogam? De que jeito? Os currículos expressam essa integração com os desejos e vontades dos estudantes e docentes? Saiba mais Manoel de Barros é um poeta brasileiro nascido em 1916, em Cuiabá, que teve o reconhecimento tardio de suas obras – somente na década de 1980 –, que trazem, principalmente, a infância como temática central. Seus escritos chamam atenção pela potência criativa, imaginativa e inventiva que dialoga de forma tão profunda com o universo infantil. O escritor faleceu em 2014, tendo ganhado duas vezes o Prêmio Jabutie mais outros oito prêmios. Seu acervo conta com mais de 20 livros publicados. Entre os principais estão: “Meu quintal é maior do que o mundo”; “O guardador de águas”; “O livro das Ignorãças”; “Matéria de poesia”. Estas são questões que nos acompanham na educação desde sempre, com maior ou menor intensidade e, por isso, não poderiam estar fora da discussão que propomos nesta aula, que pretende adentrar o cotidiano das instituições e refletir criticamente sobre temáticas que emergem da prática e demandam por aprofundamento, dada a sua fundamentalidade no processo de ensino-aprendizagem. Retomando os conteúdos disponibilizados nas aulas anteriores, percebemos que aquela ideia de avaliação como um ato diário pode ser também estendida para o entendimento de currículo e planejamento. Essa, aliás, é uma tríade para a qual necessitamos voltar nosso olhar, uma vez que estão interligadas e afetam diretamente umas às outras. O planejamento precisa avaliar e reavaliar seus caminhos, assim como necessita estar em comunhão com um conjunto de ideias que deem um contorno ao quê e a como as propostas chegarão aos estudantes. Dessa forma, currículo, planejamento e avaliação se retroalimentam e se completam. 46 CAPÍTULO 3 • AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL Figura 28. Currículo, planejamento e avaliação. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/group-business-people-hands-holding-conecting-1030698541. Diante disso, seguindo o fio que conecta esses assuntos à abordagem que buscamos, e acreditando em uma educação sustentada por princípios democráticos, afetivos, coletivos, éticos e estéticos, trazemos uma concepção de currículo que se relaciona não só com os conhecimentos propostos, mas com o modo como esses saberes serão construídos. A legislação, como poderá ser visto na primeira parte desta aula, aborda a temática da avaliação de forma mais geral e regulatória, estipulando regras comuns a todo o País, mas assegurando a autonomia dos Estados. Nosso propósito é destacar os documentos mandatórios de maior relevância para o cenário educacional – Constituição Federal (1988), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996), Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) e Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNEB, 2010) –, sublinhando em cada um deles as principais orientações acerca da temática da avaliação, o que é muito relevante para as posteriores relações que serão estabelecidas entre a avaliação no contexto educacional, os currículos, o planejamento e o fracasso escolar. Observe a Lei Os princípios éticos, estéticos e políticos aparecem como pilares da educação nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs), documento de 2009/2010, que orienta o fazer pedagógico dos profissionais que atuam nesse segmento. O documento em si não traz maiores explicações acerca das concepções presentes em cada um desses princípios, mas outro documento, denominado Subsídios para Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas da Educação Básica, que serviu de base para as Diretrizes, detalha melhor cada um deles. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/driretrizes_curriculares_consolidado.pdf. Após uma contextualização mais geral sobre como a avaliação está organizada a partir dos documentos mandatórios, trazemos dois temas que, juntamente com a temática central da disciplina, não podem ser apartados entre si: currículo e planejamento. Ambos são cercados de controvérsias, recheados de definições e campos de disputa pelo poder que exercem na organização da educação. Aqui, serão apresentados em consonância com 47 AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL • CAPÍTULO 3 as concepções que mais se aproximam e dialogam com os contextos educacionais, com os conceitos de infâncias, culturas e docência e com os ideais de democracia, liberdade, equidade e respeito como base. Figura 29. Infâncias-corpo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/group-school-kids-reading-education-600737564. Sendo assim, o corpo aparece aqui como currículo, por toda a potencialidade que carrega. As crianças se relacionam e conhecem o mundo por meio do corpo. Nós, adultos, só não o fazemos porque fomos sendo moldados ao longo da vida, por meio, entre outras coisas, de ideias de que há uma cisão entre corpo e mente, tendo o corpo um valor menor na produção desse conhecimento, visto que as emoções, sentimentos e sentidos são atribuídos a ele; enquanto à mente são designados os saberes cognitivos, a razão, o intelecto. Nesse cenário, a ideia de currículo como um apanhado, uma lista de conteúdos é altamente questionada e criticada. Da mesma forma, a avaliação não pode ser vista como um conjunto de ferramentas que quantifica os saberes, que classifica e separa baseada em uma análise quantitativa. Ambas precisam se interrogar sobre que currículo é esse. Como avaliar um currículo-corpo somente com instrumentos quantitativos? Quanto pode esse corpo, quantitativamente falando? Há como medir? Acreditamos que não! Mas outras estratégias podem ser criadas, experimentadas, tais como apurar a escuta, afinar o olhar, dedicar-se à observação, ofertar propostas de práticas que promovam participação, construção e empoderamento desse corpo, dando-lhe condição de crítica ao entorno e de refletir, anunciar e denunciar (Freire, 2020d) como os corpos são percebidos ou invisibilizados na sociedade. Importante Anúncio e denúncia são conceitos presentes na obra de Paulo Freire que permitem pensarmos na história como possibilidade e não como determinismo. Nesse sentido, devemos denunciar uma proposta curricular única, homogênea, invisibilizadora de experiências, que não seja tomada como a verdade a ser seguida. Freire faz o convite ao anúncio, à utopia de ter a história como uma possibilidade de mudança, e, sendo assim, buscar meios de produzir um currículo que se abra à diferença, ao acontecimento cotidiano, às múltiplas experiências. Como? A partir de um olhar crítico e por meio de pequenas ações diárias que contribuem para a possibilidade de um currículo mais democrático. 48 CAPÍTULO 3 • AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL O planejamento é entendido e proposto como um organismo vivo; que vai sendo tecido a partir de um movimento orgânico, que alinhava a prática docente e aponta caminhos para as aprendizagens discentes, possibilitando um olhar para os momentos que passaram e para o que está acontecendo em tempo real, permitindo nos questionarmos e alterarmos as rotas a partir dos sentidos aguçados, da percepção acerca do que falta, do que extrapola, do que reverbera, entendendo esse processo como cíclico, pois parte do que surge no cotidiano, volta para ele em forma de proposta, que novamente é avaliada e ajustada, entendendo que, para planejar, precisamos, a todo momento, avaliar. Por fim, após entendermos a relação que currículo, planejamento e avaliação estabelecem entre si e percebermos o modo como se influenciam a todo momento, discutiremos o fracasso escolar, objetivando compreender suas atribuições, o que as determinam e como tudo isso está atrelado à ação de avaliar. Objetivos » Identificar a avaliação no contexto educacional como um processo cotidiano que relaciona os estudantes, os docentes, as famílias, os espaços e as práticas pedagógicas. » Conhecer a legislação que organiza a educação nacional e orienta a avaliação. » Perceber os diferentes significados atribuídos ao entendimento de currículo e planejamento. » Relacionar currículo e planejamento à avaliação, entendendo como se articulam e como essa articulação reverbera e influencia a prática. » Compreender o fracasso escolar como um cenário complexo, que envolve uma série de fatores externos e internos, afeta diretamente a autoestima dos estudantes e dos docentes e impacta a prática pedagógica a partir da avaliação. 3.1 O que dizem os documentos mandatórios? A legislação é a base para toda a organização do sistema educacional,pois estabelece os contornos, os limites e ainda apresenta possibilidades de atuação. Nesta seção, apresentaremos os quatro principais documentos de caráter mandatório que orientam e regulamentam a educação de todo o País, sendo eles: a Constituição Federal, de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996; as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNEB), de 2010, e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2017. 49 AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL • CAPÍTULO 3 A Constituição de 1988 é um documento de caráter revolucionário, pois sua formulação, juntamente com as eleições diretas de 1986, foi um dos primeiros grandes atos democráticos realizados após o duro período da ditadura militar, instaurada desde 1964. Entre os direitos que esse documento assegura estão: a igualdade de todas as pessoas – raciais, de gênero, religiosa, sexo – perante a lei, combate à escravidão e à tortura, acesso à justiça, garantia à liberdade e à livre expressão, à cultura (art. 5º); ao lazer, saúde e segurança (art. 6º) e à educação (arts. 6º e 205). Figura 30. garantia de direitos. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/races-united-against-discrimination-racism-black-1487238275; https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/gender-equality-concept-male-female-balancing-1535917697; https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/school-books-on-desk-education-concept-213333985. Saiba mais A ditadura militar no Brasil durou 21 anos. Iniciou-se a partir de um golpe militar realizado em 1964, após a renúncia do então presidente Jânio Quadros e impedimento da assunção de João Goulart, vice-presidente e detentor da prerrogativa legal de assumir a presidência do País. Jango foi acusado de apoiar ideias comunistas e o País tornou-se parlamentarista, por meio da Emenda Constitucional n. 4. Em 31 de março de 1964, no entanto, os militares assumiram o poder e instituíram uma série de Atos Institucionais (AI) que, entre outras coisas, deram plenos poderes ao Congresso, instauraram o bipartidarismo – Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) –, acabaram com o Estado de direito e com as instituições democráticas. A ditadura durou até 1985, e durante esse período foram 16 AIs e cinco mandatos militares. O general Humberto Carlos Castelo Branco foi o primeiro a exercer o poder e depois dele vieram Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo. Esse período deixou marcas profundas em nossa sociedade e até hoje vivemos reflexos desses tempos nefastos. Várias produções culturais (filmes, documentários, músicas, composições artísticas, literatura) retrataram o período e podem contribuir para um maior conhecimento e aprofundamento da nossa história. Indicamos os filmes e documentários: “Narciso em férias” (2020); “Marighella” (2019); “Deslembro” (2018); “Dossiê Jango” (2013); “O dia que durou 21 anos” (2013); “Em busca de Iara” (2013); “Verdade 12.528” (2013); “Zuzu Angel” (2006); “O ano em que meus pais saíram de férias” (2006) e “O que é isso, companheiro?” (1997). Os livros: “A ditadura envergonhada”, de Elio Gaspari; “A noite da espera”, de Milton Hatoum; “A ditadura militar e os golpes dentro do golpe”, de Carlos Chagas; “Infância roubada: crianças atingidas pela ditadura militar no Brasil”, da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo; “Rubens Paiva” e “Batismo de sangue”, de Frei Betto. Os artigos de 205 a 214 da CF/1988 tratam da educação e não apresentam orientações específicas sobre avaliação e/ou currículo, mas trazem indícios e pistas de concepções que entendem a educação como um processo que objetiva o desenvolvimento integral dos sujeitos: 50 CAPÍTULO 3 • AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho [grifo nosso] (Brasil, 1988, p. 161). Uma menção ao currículo também aparece no art. 210, ao estabelecer que devem ser “[...] fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.” (Brasil, 1988, p. 162). Essas são premissas que podemos relacionar às ideias veiculadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017). Este documento, promulgado em 2017, busca definir uma base de conhecimentos a serem ensinados em todos os Estados do Brasil, fazendo com que haja um mínimo de conteúdo comum a todos, o que, teoricamente, acabaria com a desigualdade, ou pelo menos, diminuiria os abismos existentes entre, por exemplo, capitais e cidades do interior. Essa preocupação está expressa desde o Parecer que homologou o documento: A BNCC define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, constituídas, como já mencionado, por conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, expressáveis em competências para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do mundo do trabalho e do pleno exercício da cidadania (Brasil, 2017, p. 26). A Lei n. 9.394, promulgada em 20 de dezembro de 1996, estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e tem o diferencial de garantir, pela força da lei, que toda a população tenha acesso a uma educação gratuita e de qualidade, expresso em seus arts. 2º e 3º. A avaliação aparece no art. 24, inciso V, alínea a, deste documento como forma de verificar o rendimento escolar dos estudantes: a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais. (Brasil, 1996, p. 18). Percebemos, assim, que, desde a legislação, há um predomínio pelas análises que buscam qualificar a aprendizagem, ressaltando o seu caráter processual, presente também no entendimento da avaliação como consolidação dos percursos educacionais. A LDB já demonstra em sua redação que há um entendimento diferenciado entre os processos vividos pelas crianças na Educação Infantil e nos outros segmentos da Educação Básica – Ensino Fundamental e Médio – e Universitária. 51 AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL • CAPÍTULO 3 Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: I – avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; Art. 32. [...] § 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino. Art. 35. [...] § 6º A União estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, a partir da Base Nacional Comum Curricular. [...] § 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: [...] Art. 47. Na educação superior, o ano letivo regular, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver. § 1º As instituições informarão aos interessados, antes de cada período letivo, os programas dos cursos e demais componentes curriculares, sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições, e a publicaçãodeve ser feita, sendo as 3 (três) primeiras formas concomitantemente: (Brasil, 1996) Como podemos ver nos artigos destacados, na Educação Infantil não há avaliação com o intuito de aprovação ou reprovação, tendo na observação e na escuta, por meio de relatórios individuais e coletivos, os instrumentos de acompanhamento dos processos de construção de conhecimento das crianças. 52 CAPÍTULO 3 • AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL Figura 31. Avaliação que acolhe. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/asian-child-playing-colorful-wood-blocks-551648587. Já a partir do Ensino Fundamental, a avaliação assume um caráter de promoção, mesmo havendo a preocupação de que os aspectos qualitativos e formativos superem uma visão quantitativa e classificatória. Figura 32. Avaliação que classifica. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/soft-focus-school-university-student-holding-704005726. No Ensino Médio, além dos processos avaliativos entre os anos, há também o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), uma avaliação em larga escala que busca medir a qualidade do ensino ofertado nessa modalidade. Figura 33. Avaliação que rankeia. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/belgrade-serbia-circa-june-2014-adults-198917669. 53 AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL • CAPÍTULO 3 Por fim, as universidades têm, garantidas na lei, liberdade para organizarem seus currículos e escolherem seus métodos avaliativos, sendo necessário apenas informá- los aos estudantes. Os cursos universitários, porém, também são avaliados por exames de larga escala, tendo o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) como instrumento. Atenção A Educação Básica compreende a Educação Infantil e os Ensinos Fundamental e Médio. A Educação Infantil é voltada para crianças de 0 a 3 anos, no segmento Creche e de 4 e 5 anos, no segmento Pré-escola. Desde a Lei n. 12.796, de 2013, que altera a redação da Lei n. 9.394, de 1996, o ensino se torna obrigatório a partir dos 4 anos de idade. O Ensino Fundamental tem a duração de 9 anos e está dividido em duas etapas: Anos Iniciais (1º ao 5º ano) e Anos Finais (6º ao 9º), sendo obrigatório a partir dos 6 anos de idade. O Ensino Médio tem duração mínima de 3 anos. A Educação de Jovens e Adultos (EJA), a Educação Quilombola e Indígena, a Educação Especial e a Educação do campo são modalidades contempladas dentro da Educação Básica. As Diretrizes estão em compasso com a LDB, ratificando as orientações presentes e ampliando o entendimento e as articulações entre as diferentes dimensões que compõem o fazer pedagógico, uma vez que o documento publicado aponta a concepção de currículo que defende, ressalta a organização da Educação Básica, detalhando cada um dos segmentos; sublinha a importância do Projeto Político-Pedagógico (PPP) e orienta quanto à avaliação, compreendida a partir de três dimensões: “I – avaliação da aprendizagem; II – avaliação institucional interna e externa e III – avaliação de redes de Educação Básica” (Brasil, 2010, p. 51) A avaliação da aprendizagem refere-se ao percurso trilhado pelos estudantes, assumindo um caráter classificatório e de promoção no Ensino Fundamental e Médio e de acompanhamento para a Educação Infantil, como já havia sido postulado pela LDB. As avaliações institucionais internas e externas referem-se aos olhares estabelecidos para dentro e para fora das instituições. A primeira é realizada anualmente, partindo de uma autoavaliação, e a segunda, promovida por órgãos que regulamentam os sistemas educacionais que contam com instrumentos de maior amplitude, como provas padronizadas para uma avaliação em larga escala, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a Prova Brasil e o Enem, alterando o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Por último, as avaliações das redes de Educação Básica são organizadas periodicamente, por órgãos externos às escolas e abrangem os resultados avaliativos da instituição, sinalizando para toda a sociedade se a escola apresenta qualidade suficiente para continuar funcionando. 54 CAPÍTULO 3 • AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL A BNCC traz poucas menções à avaliação, focando mais suas propostas na construção de um currículo comum para a Educação Básica – Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Com isso, percebemos que os documentos mais novos trazem materiais que permitem maior aprofundamento e evidenciam a fundamentalidade da relação entre as diferentes dimensões que formam o contexto educacional, enquanto os mais antigos foram pioneiros na garantia e inclusão de direitos essenciais para uma organização social mais justa e igualitária. Observe a Lei LDB: » Parecer CNE/CEB n. 1/1997, aprovado em 26 de fevereiro de 1997, dá as primeiras orientações sobre a Lei n. 9.394/1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=6699&Itemid=. » Parecer CNE/CEB n. 5/1997, aprovado em 7 de maio de 1997, regulamenta a Lei n. 9.394/1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=6700&Itemid=. » Parecer CNE/CEB n. 12/1997, aprovado em 8 de outubro de 1997, esclarece dúvidas sobre a Lei n. 9.394/1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1997/pceb012_97.pdf. BNCC: » Parecer CNE/CP n. 15/2017, aprovado em 15 de dezembro de 2017, homologa a BNCC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=78631-pcp015-17- pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192. » Resolução CNE/CP n. 2, de 22 de dezembro de 2017, que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79631-rcp002-17- pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192. DCNEB: » Parecer CNE/CEB n. 7/2010, aprovado em 7 de abril de 2010, homologa as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=5367&Itemid=. » Resolução CNE/CEB n. 4, de 13 de julho de 2010, define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=6704&Itemid=. Sugerimos consulta ao portal do Ministério da Educação (MEC) para maior aprofundamento. Disponível em: http://portal. mec.gov.br/expansao-da-rede-federal/323-secretarias-112877938/orgaos-vinculados-82187207/12992-diretrizes-para-a- educacao-basica#:~:text=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CNE%2FCEB%20n%C2%BA%202%2C%20de%207%20de%20abril- %20de,Nacionais%20para%20o%20Ensino%20Fundamental. 55 AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL • CAPÍTULO 3 3.2 Avaliação e currículo: tecendo redes Embora tenha nascido numa aldeia, não foi nela que sempre morei desde sempre. Minha primeira infância foi vivida em comunidade, e sob um céu de estrelas ainda possível de contemplá-las, recebi minhas primeiras instruções, minhas primeiras lições. Um pouco mais tarde, fiquei entre aldeia e cidade. Tinha de estudar, segundo as orientações da época. Eram tempos militares e havia uma política pública que obrigava que todos os indígenas – e as demais crianças – tinham que ir para a escola para aprender “a ser alguém”, frase que significava ser gente, civilizado, abandonando assim o ato selvagem, ou seja, entrar na fôrma. [...] não gostei da escola, pois, ao contrário do que eu pensei inicialmente, ali eu não poderia ser eu mesmo. Eu tinha que ser outro (Munduruku, 2019, pp. 79-80, grifo nosso). Ao olharmos para a história vivida e narrada por Daniel Munduruku, fazemos um convite para que você, estudante, se permita rememorar os vestígios de sua trajetória na escola: o que emerge? O que transborda? Quais sentimentos e sensações são acionados?O que pulsa mais latente? Nesta aula, queremos percorrer um caminho em diálogo com as provocações tecidas por ele, e acrescentamos mais uma pergunta: Que marcas estão entranhadas num corpo que perde sua identidade? Um corpo para o qual o convite era se adequar, na tentativa de se despir de sua história, cultura e, “ser outro”. Quais concepções de escola e currículo têm como sustentação, civilizar e colocar na fôrma? Aqui, queremos fortalecer modos de viver e praticar um currículo que seja corpo, vivo, orgânico, movente, que se contraponha ao modelo vivido por Munduruku. Nos pautaremos em uma perspectiva que concebe o corpo como arquivo. Mas, o que seria isso? Trata-se de tomar um currículo não somente como um depositório de documentos, lista de conteúdos, projetos, planos, diretrizes, livros didáticos, mas também como tudo aquilo que nele e/ou fora dele é vivido, sentido, praticado, e que é arquivado no corpo, produzindo determinados modos de subjetivação (Díaz; Munhoz; Monclús, 2022, p. 2). Vale ressaltar e ratificar que o campo do currículo é repleto de disputas, e cada elemento contido nas propostas curriculares possui um conjunto de concepções nas quais são impressas as marcas, os conteúdos, o modelo de educação que estão sendo forjados para determinada sociedade. Contudo, e sobretudo, o que queremos evidenciar aqui são os modos praticados nas instituições e as impressões que ficam impregnadas nesses corpos, 56 CAPÍTULO 3 • AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL já que o currículo pode e deve ser vivido incluindo os sujeitos que o estão vivenciando, escutando as vozes (Skliar, 2019) que pulsam para serem ouvidas, tornando essas escolas um espaço vivo, coletivo e plural. Figura 34. Por um currículo vivo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/education-elementary-school-learning-people-concept-303888209. Sugestão de estudo O campo do currículo é um território em disputa e a cada movimento de reformulação curricular entram em atrito diferentes concepções de sociedade e educação em busca de poder. Nesse sentido, entra em cena o que deve ser ensinado, quais conhecimentos serão privilegiados e por quê. Como são escolhidos? Enquanto isso, muitos conhecimentos e experiências se mantêm à margem. Sugestão de leitura: “Currículo, território em disputa”, de Miguel Arroyo. Para isso, nos coloca Freire, é essencial saber escutar, já que “não é falando aos outros de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, mas é escutando que aprendemos a falar com eles” ( Freire, 2011, p. 111, grifo do autor). Assim, teremos corpos-arquivos com experiências que produzem currículo, acolhendo diferenças e identidades, tecendo redes potentes entre currículo e avaliação, já que um currículo vivido e praticado, que tem a escuta como mote, terá, possivelmente, processos avaliativos ricos e inclusivos. Importante Segundo Díaz, Munhoz e Monclús (2022, p. 6), arquivo-corpo é o lugar onde, de um lado, arquivamos as memórias de um currículo, às vezes homogeneizantes, e, de outro, podemos reinventar modos outros de pensar, agir e existir. Afinal, o corpo não é só uma superfície modulável; é, sobretudo, o lugar da tensão, de campo de forças, de embates, de relações de poder. Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php. 57 AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL • CAPÍTULO 3 Nesse sentido, a escuta aqui é compreendida no intuito de ter “disponibilidade por parte do sujeito que escuta para abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro” (Freire, 2011, p. 117). Assim, ampliamos a concepção de um currículo “impessoal e frio”, que deve ser cumprido por meio de listas de conteúdos, para uma escuta atenta e respeitosa ao outro, de modo que o que eram apenas “escritos frios”, vão se tornando vivos, palpáveis, com sentido, já que o mais importante nessa perspectiva, é que o ato de ensinar vai além dos campos disciplinares, pois o essencial é ir “tratando a temática que é, objeto de um lado de meu ensino, e de outro, da aprendizagem do aluno, ajudá-lo a reconhecer-se como arquiteto de sua própria prática cognoscente.” (Freire, 2011, p. 121). Dito de outro modo, é encorajar, empoderar o discente, aprofundar seu olhar para além do conteúdo, deixar suas marcas, perceber de outra maneira o assunto tratado, ter espaço para dúvidas, erros, incertezas, criação, curiosidade, intervindo a partir de seu lugar, com suas singularidades, e, em coletivo, tecer redes, ou seja, criar e arquivar no corpo, repertórios de autonomia cognoscente, pois é “no corpo que arquivamos os acontecimentos, os fluxos variáveis de nossas vidas” (Díaz; Munhoz; Monclús, 2022, p. 5). Assim, afugentamos a ideia de conteúdos sem sentido, enfadonhos e salientamos que somos seres únicos, dotados de histórias e singularidades, possuidores de preferências individuais que irão se sobressair em algum campo. Por isso, é preciso olhar para a escola, para o currículo e para a avaliação com uma postura crítica, com o intuito de potencializar essa instituição que é promotora de uma educação Integral dos sujeitos que nela estejam imersos, rompendo com uma lógica repetitiva e irracional de puro treino (Freire, 2011). Logo, Freire adverte que é preciso lutar contra métodos que insistem em silenciar, já que os sistemas pedagógicos de avaliação de professores e discentes vêm, cada vez mais, munidos de discursos autoritários que se colocam numa postura de cima para baixo, escondidos sob premissas democráticas. Mas, como romper com isso? Uma das possibilidades seria: [...] lutar em favor da compreensão e da prática de avaliação enquanto instrumento de apreciação do que fazer de sujeitos críticos a serviço, por isso mesmo, da libertação e não da domesticação. A avaliação que se estimule o falar a como caminho do falar com (Freire, 2011, p. 114, grifo nosso). Nesse caminho, a avaliação engloba múltiplas dimensões, pois o processo avaliativo se torna mais um instrumento da escola que acompanha os percursos de aprendizagem dos discentes, já que ao escutá-los, terão mais possibilidade de intervir positivamente visando a uma educação integral. 58 CAPÍTULO 3 • AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL 3.3 Avaliação e planejamento: construindo pontes Durante minha infância, vivida em outras paragens, a contemplação das coisas da terra não era um milagre, mas uma necessidade. Tudo deveria fazer parte do processo do homem que me tornaria. O homem adulto que morava na criança tinha o olhar tudo como um sistema vivo, que se integra e interage por meio dos sentidos. Nada deveria passar despercebido do olhar atento do sobrevivente da floresta. Cada pegada era um sinal. Cada som emitido em longínquas distâncias, cada sopro do vento, cada pio da coruja, cada ronronar que parecesse aproximação de perigo… nada podia ser ignorado, nada podia ser considerado com indiferença. O adulto que acompanhava a criança tinha de ir ensinando como observar, como se precaver, como enfrentar cada um dos sons que era capturado pelo ouvido humano, cada cheiro, cada sensação, cada imagem (Munduruku, 2019, p. 49). Ao nos debruçarmos sobre a narrativa de Munduruku, observamos que tudo o que vivia, desde criança, fazia parte do processo de construção para sua vida adulta. Sendo assim, todas as suas experiências eram importantes, e o adulto tinha papel fundamental no ato de ampliar suas lentes para transver o mundo, afinar os sentidos para diferenciar cada som, cada gesto, cada mudança da natureza, para se proteger e construir seus conhecimentos. Mas, o que isso tem a ver com planejamento e avaliação? De que modo e como podem se retroalimentar, em vistas de uma educação mais dialógica, libertária e democrática? Aqui teceremos algumas escolhas para discutir essa construção de pontes sobre tais temas, dada a complexidade que possuem em sua construção histórica, política e social. Sabemos que numa concepção tradicional de planejamentoeducacional, os discentes não fazem parte de sua elaboração, cabendo, apenas, cumprir o já planejado e os objetivos traçados, não tendo espaço para mudanças, já que o objetivo final já foi decidido, e aqueles que não conseguirem cumpri-lo ficam pelo caminho. Nesse sentido, poderíamos então definir o planejamento curricular como a criação e aplicação de critérios para formulação de um plano eficaz de ensino, constituído de objetivos e conteúdos, assim como de orientação didática e critérios de avaliação. Planejar seria definir metas e estabelecer formas de atingi-las de maneira eficaz, com economia de tempo e recursos (Lopes; Macedo, 2011, p. 63). Logo, é um planejamento “fechado”, que invisibiliza o cotidiano, a escuta, o olhar, a criação, excluindo a possibilidade da construção de conhecimento com autonomia, já que as experiências são abafadas, deixadas do lado de fora do contexto educacional. Os discentes se despem de sua organicidade, de sua história, de seus conhecimentos, em 59 AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL • CAPÍTULO 3 detrimento de propostas, que pouco dialogam com o contexto e a pluralidade daquele local. A contrapelo, caminharemos com a perspectiva de um planejamento flexível, cuja avaliação das propostas seja realizada no percurso, por meio de uma educação do sensível (Duarte Jr., 2000), que é mola propulsora na tessitura de propostas e objetivos que tenham sentido e significado para aquele contexto. Um planejamento que acontece por meio da dialogicidade. Importante destacar aqui que não há um esvaziamento do papel da docência, muito pelo contrário, nesse processo de abertura aos acontecimentos do cotidiano, acontece a riqueza do ato de planejar em conjunto, pois todos aprendem e ensinam, e, sendo assim, o docente, se potencializa em suas práticas, escutas, metodologias e avaliação. Sugestão de estudo A educação sensível acontece por meio dos sentidos, compreendendo que somos seres integrais, conectados, que as aprendizagens acontecem por meio de experiências que tenham como premissa o aguçamento dos sentidos, ampliando a escuta atenta, o olhar, convocando os sabores, os cheiros, acessando as memórias, sejam elas boas, ou não, mas fazem parte de um repleto de histórias que são formadoras. Duarte Junior traz em sua tese de doutorado “O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível”, um aprofundamento desse conceito. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/ Detalhe/197855. Assim, são tecidas pontes que conectam o planejamento de propostas e os processos avaliativos, intrinsecamente, pois quando o que é proposto é compreendido, faz sentido e abarca o docente como sujeito participante do processo, a avaliação não acontece objetivando um produto, mas considerando todo o percurso vivido e sentido. Desse modo, abarcamos o desplanejamento, que não diz respeito a uma falta de planejamento, mas sim à possibilidade de desmontar – remontar e transformar – o que fora anteriormente planejado (Lopes; Macedo, 2011), acolhendo o inesperado e a imprevisibilidade que compõem o fazer educativo, ao compreendermos que a escola é viva, que suas veias pulsam por meio de diferentes ritmos, sendo, portanto, passível de mudanças no caminho. 3.4 Fracasso escolar: qual é o papel da avaliação nisso? Muitas são as causas atribuídas ao denominado fracasso escolar. Do mesmo modo, muitos são os “culpados”: os estudantes, as famílias, os docentes, a escola, a sociedade etc. Mas, antes de iniciarmos os julgamentos e começarmos a “apontar os dedos” em todas as direções, precisamos nos interrogar sobre o que consideramos fracasso escolar. 60 CAPÍTULO 3 • AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL Figura 35. Erro como fracasso. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/boy-exasperated-his-homework-338678675. Assim como qualquer outro conceito, o fracasso escolar pode ser compreendido por diferentes vieses e possuir nuances diversas, a partir do referencial que se toma como parâmetro. De acordo com o dicionário, fracasso significa “não ter êxito; falhar; frustrar- se”, o que corrobora com a ideia anterior de uma concepção definida subjetivamente. Vamos a um exemplo para facilitar a compreensão: uma criança que possui uma série de dificuldades na aprendizagem e chega ao final do 2º ano iniciando a alfabetização pode ter o seu resultado considerado como um “fracasso”, se ao analisarmos os dados friamente, tivermos como indicador somente os conteúdos pertinentes a esse segmento educacional. Se, ao invés disso, porém, todo o percurso for considerado e estabelecermos o seu avanço pessoal como meta, perceberemos o quanto essa criança avançou, mesmo que ela não tenha atingido os objetivos gerais estabelecidos de forma homogênea. Isso mostra que a avaliação, por englobar uma série de fatores, precisa ter critérios definidos que sejam coerentes com as concepções que se têm de infâncias, crianças, práticas educacionais, contextos pedagógicos, aprendizagens, planejamento e docência, sob o risco de condenarmos os estudantes a experiências que podem ser traumáticas e deixarem marcas para o resto da vida. Outro fator que influencia o fracasso escolar é o instrumento utilizado para avaliar. Imaginemos a mesma criança citada no exemplo anterior. Digamos que ela iniciou o seu processo alfabetizador e ainda necessita de apoio para realizar as atividades, pois sente- se insegura. Ela já entendeu o mecanismo de juntar os pedaços para ler palavra, mas ainda busca a presença física da professora, seu olhar afetuoso e sua voz calma para ter a confiança que necessita para realizar a leitura. 61 AvALIAçãO nO COntEXtO EDuCACIOnAL • CAPÍTULO 3 Figura 36. Parceria. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/happy-elementary-school-teacher-giving-highfive-2183363749. Se, ao avaliar, a professora tomar como instrumentos a observação diária, a feitura das atividades, as propostas cotidianas, o conhecimento expresso pela oralidade e os percursos individuais, para além das provas, a aprendizagem dessa criança não será vista como um fracasso. Mas, se ao contrário, todo esse caminhar for ignorado e somente a prova for o elemento balizador, provavelmente sua aprendizagem será vista como comprometida. A ideia que buscamos expressar aqui é a de que, assim como a educação não é neutra, a avaliação também não o é. Ela depende dos diversos indicadores que foram estabelecidos, levando em consideração outros fatores como o ambiente, as relações, a comparação com o entorno e consigo mesma, os aspectos afetivos, sociais e cognitivos, a postura docente, a familiaridade com os instrumentos a serem utilizados e tantos outros. No entanto, o entendimento que precisa pulsar é o da busca pela coerência entre teoria e prática, concepções educacionais e cotidiano, a fim de que aprendizagens não sejam abaladas por rótulos e, ao mesmo tempo, uma educação comprometida com a formação integral e com o despertar do pensamento crítico aconteça cotidianamente. Sintetizando Vimos nesta aula que: » O fracasso escolar é um acontecimento subjetivo, que depende dos parâmetros estabelecidos pelos docentes, pelas instituições educacionais, pela prática pedagógica e por uma conjuntura de fatores que envolvem o ato de avaliar e seus instrumentos de medição do conhecimento. » O planejamento é uma importante dimensão educacional, estando intrinsecamente relacionada ao currículo e à avaliação, uma vez que sustenta as atividades a serem propostas e possibilita acolher o imprevisível, os interesses dos estudantes, o replanejamento da rota, a partir da observação e da intimidade criada com os discentes, os espaços, os interesses, as habilidades e conteúdos. » O currículo é muito mais que uma grade curricular, uma seleção de conteúdos, uma organização de matérias, uma sequência de práticas educativas. Ele é um conjunto de práticas, saberes, ações e caminhos para quê e por meio do qual o processo de construção de conhecimento de si, do outro e do mundo seja(re)elaborado e (re)significado. » Desde 1988, com a Constituição Federal, até 2017, com a Base Nacional Comum Curricular, a legislação foi garantindo o direito à educação e se comprometendo com o atendimento obrigatório, público e gratuito, a fim de corrigir e reparar ações históricas e afirmar as instituições educacionais como espaços de luta por uma sociedade mais justa, crítica, igualitária e equânime. » As concepções de currículo, planejamento e avaliação balizarão a prática pedagógica e vice-versa. Sendo assim, é necessário se apropriar de seus sentidos e significados de forma a ser coerente em sua prática cotidiana. 62 Introdução do capítulo [...] Menos do que as respostas que pode trazer, importa mais, muito mais, as verdades que põe em questão, os discursos que põe em dúvida e os espaços que abre à pergunta. Importa mais o movimento que emprega: os deslocamentos, as aberturas, suas formas de vibrar, de produzir sussurros, ressonâncias, ecos, vazios, espaços – para que se dê espaço ao pensar, ao escutar, ao estranhar. Não persegue um resultado, mas performa um ato – [...] [da] (trans)formação. [...] Desconfiamos de que uma investigação que não se alimente do acontecimento, da experiência, das histórias vividas e tecidas, não pode provocar deslocamentos, pois segue ratificando o mesmo, o já sabido, o já pensado no que tange às vidas vividas no cotidiano da escola e nos processos educativos, em diferentes espaços (Guedes; Ribeiro, 2019, pp. 42-43). Adrianne O. Guedes e Tiago Ribeiro, ao pensarem sobre as formas de fazer pesquisa, no trecho transcrito, nos provocam a refletirmos também sobre a ação de avaliar; firmando premissas que consideramos fundamentais e das quais não devemos abrir mão quando o assunto for avaliação. Sublinhamos, aqui, a dúvida, as interrogações, os deslocamentos, os espaços, as experiências. É disso que este capítulo trata. É sobre isso que queremos problematizar: para além de ser “quem” avalia, qual é o lugar da docência na avaliação? Para além de ser “quem” é avaliado, qual é o lugar dos discentes nesse processo? Como ambos – professores e estudantes – se implicam e se responsabilizam pelos saberes que vão sendo aprimorados e construídos nesse percurso? Quais instrumentos estão disponíveis? Eles dizem do quê? Dialogam com o quê? Qual a importância do Projeto Político-Pedagógico (PPP) e o que ele tem a ver com a avaliação? E as avaliações em larga escala, qual lugar assumem nessa roda? Essas são as perguntas que nos movem neste capítulo. Elas estão conectadas às outras perguntas feitas e aos assuntos tratados até aqui. Sendo assim, seguimos tecendo os fios que entendem a avaliação como uma ação cotidiana, realizada de forma processual e em conjunto, sem perder de vista as dimensões com as quais se relaciona: sujeitos, espaços, tempos, materiais, planejamento e currículo. 4 CAPÍTULO AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS 63 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 Sendo assim, não podemos refletir sobre avaliação sem considerarmos as instituições educacionais, seu cotidiano, suas complexidades. Cada escola, seja de Educação Básica ou universitária, carrega consigo especificidades que fazem com que sejam um micromundo dentro de um sistema mais amplo. Cada uma delas é uma pequena engrenagem de algo muito maior e mais complexo. Figura 37. A escola e suas engrenagens. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/business-team-connect-pieces-gears-teamwork-1239786040. Diante disso, por mais que tenhamos métodos avaliativos e instrumentos avaliadores, não se pode ignorar as singularidades desses processos, pois eles envolvem pessoas e pessoas, não são classificáveis; não são números, mas seres dotados de unicidades, de combinações que as tornam incomparáveis e, por isso, não categorizáveis por meio de avaliações em massa, que objetivam descobrir as possíveis “falhas”, não trilham caminhos, não fomentam experimentações, não acompanham processos. Daí a importância de ampliarmos o olhar para a docência e a discência, entendendo que, sem elas, não há avaliação. E não porque uma é destinada a avaliar e a outra a ser avaliada. Quando dizemos da essencialidade delas, pretendemos acender os sentidos para compreender, verdadeiramente, os papéis que desempenham, para além da superficialidade do senso comum, e não há como fazer isso sem uma escuta ampliada, disponível, desejosa de saber do outro; um olhar curioso que não busca dissecar, mas investigar, conhecer as nuances; um desejo de afeto, que não só afaga, mas marca, toca o outro, mobiliza. Assim, englobamos essas duas dimensões de forma a integrá-las. Não há aqui uma hierarquização, ou seja, uma não é mais importante do que a outra, pois, na verdade, elas só existem juntas, em relação. Dessa forma, enquanto docentes, não podemos, caso tenhamos o intuito de avaliar processos, perder de vista o quanto uma escuta atenta e um olhar comprometido são diferenciais nos conhecimentos construídos pelos estudantes. 64 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS No que tange à discência, esse comprometimento com a aprendizagem também tem o seu lugar, pois os estudantes precisam entender que são parte ativa desse processo e necessitam se implicar. Há de se criar e fortalecer uma comunidade de aprendizagem, cujo propósito seja o da criação coletiva e no qual todos estejam “[...] igualmente comprometidos com a criação de um contexto de aprendizado.” (Hooks, 2017, p. 205). Figura 38. Avaliação que acompanha. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/female-teacher-helps-school-kids-finish-1918252379; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/preschool-kid-raise-arm-answer-teacher-691219450. Mas, diante de cenários tão complexos, como avaliar, sem ser corrompido por um sistema que é genuinamente classificatório? Como nos libertar das amarras que nos são impostas por currículos compartimentalizados e conteudistas? Como propor avaliações que sejam coerentes com uma educação libertadora e democrática? Nossa aposta é, novamente, sublinhar a avaliação processual, na qual o conhecimento vai sendo construído de forma gradual e consistente e que tem o engajamento docente e discente em todo o percurso. Além disso, ressaltamos a autoavaliação como uma ação essencial para uma educação que se pretende crítica e um conhecimento que se quer partilhado, coletivizado. Figura 39. Conhecimento processual. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/ladder-success-positive-outlook-step-by-2249179903. Nesse sentido de coletividade, lançamos foco no Projeto Político-Pedagógico (PPP), por sua característica identitária e agregadora, que necessita do olhar de todas as pessoas envolvidas com a educação do espaço que contempla, que se constrói a partir do que já existe e do que se quer alcançar, conferindo particularidades e afirmando singularidades. A forma como 65 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 os profissionais da instituição entendem a avaliação está impressa nesse documento e, invariavelmente, dialoga com a forma como a educação também é concebida. Por fim, discutiremos um pouco sobre as avaliações externas e de larga escala, tentando entender em que ponto elas se aproximam e em quais tensionam as concepções de avaliação e o trabalho cotidiano realizado nas instituições. Esperamos seguir o fio narrativo que temos costurado desde o primeiro capítulo, fazendo emergir o cotidiano e todas as suas especificidades. Objetivos » Compreender a avaliação como um processo constituído na relação entre docência e discência, dialogando com dimensões que a complementam e influenciam, tais como tempo, espaço, materiais, currículo e planejamento. » Conhecer os diferentes instrumentos de avaliação, identificando as possibilidades e percebendo as complexidades dentro de cada contexto. » Refletir sobre o Projeto Político-Pedagógico dentro do contextoda avaliação, como um documento que não só orienta, mas confere identidade, singularidade e diversidade ao trabalho realizado nas instituições educacionais. » Perceber os impactos que as avaliações externas e de larga escala causam no cotidiano das instituições, no trabalho docente e na vida dos educandos. 4.1 Docência em cena: olhares e escutas atentas O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver- se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer. Alguns desses caminhos e algumas dessas veredas, que a curiosidade às vezes quase virgem dos alunos percorre, estão grávidas de sugestões, de perguntas que não foram percebidas antes pelo ensinante. Mas agora, ao ensinar, não como um burocrata da mente, mas reconstruindo os caminhos de sua curiosidade – razão por que seu corpo consciente, sensível, emocionado, se abre às adivinhações dos alunos, à sua ingenuidade e à sua criatividade – o ensinante que assim atua tem, no seu ensinar, um momento rico de seu aprender. O ensinante aprende primeiro a ensinar mas aprende a ensinar ao ensinar algo que é reaprendido por estar sendo ensinado (Freire, 2001, p. 1). 66 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS O trecho em destaque faz parte de uma carta de Paulo Freire endereçada aos professores. Nela, ele reflete e nos faz refletir sobre as nuances da docência, entre elas, as destacadas acima, que colocam o ser docente em cena, como um ensinante que aprende cotidianamente no ato de ensinar, colocando-se como um investigador que traça caminhos, rotas, mas que também está aberto às surpresas, curiosidades e convites que o caminhar convoca. Figura 40. Abertura aos caminhos. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/make-decision-which-way-go-walking-1348018796. Ou seja, aqui Freire afirma que a docência tem papel fundamental no processo de construção de conhecimento, especialmente quando os docentes ocupam uma posição que não busca verdades prontas e acabadas, colocando-se como aqueles que aprendem na relação com os discentes e seus conhecimentos, com uma escuta atenta e ampliada, com um olhar investigativo para as curiosidades que emergem desse processo, que pode encontrar vários caminhos até chegar ao resultado. Importante É importante refletirmos sobre o que entendemos e buscamos com esse “resultado final”. Todo percurso chega a um ponto considerado final, sem que isso signifique o encerramento da jornada. Mas, um momento no qual conseguimos olhar para todo o caminho percorrido e reavaliar, propor novos rumos, desejar outros objetivos, apostar em diferentes formas de caminhar, podendo, para isso, estabelecer parcerias outras, tempos outros, espaços outros. Sendo assim, quando dizemos aqui desse resultado, privilegiamos o percurso, as trocas, as aprendizagens, as relações que foram estabelecidas e os vínculos firmados. A avaliação não só está presente em todos esses momentos, como é fundamental, pois sem olhar para todo o vivido e planejado, percebendo como os rumos que foram tomados afetaram os sujeitos envolvidos e os propósitos determinados, ficamos estagnados. Nesse sentido, a docência exerce papel central ao instigar a curiosidade de seus estudantes e, com isso, oportunizar uma educação engajada e significativa para aqueles que estiverem disponíveis à experimentação. É fundamental vivenciar práticas cotidianas que aconteçam por meio de uma Educação Sensível (Duarte Jr.,, 2002) possibilitando rever caminhos, desconstruir e reconstruir o construído, fissurar verdades, visibilizar pluralidades de ideias, ensinando e aprendendo coletivamente. 67 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 Saiba mais João Francisco Duarte Junior é formado em Psicologia, pela PUC (Campinas), Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Doutor em Filosofia da Educação, também pela Unicamp. Professor aposentado nessa mesma universidade, lecionou em seu Instituto de Artes e, desde 2013, dedica-se a pesquisar e escrever livros que têm como foco a educação das sensibilidades e a relação entre arte, estética e educação. Sua tese, que deu origem ao livro “O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível”, citado no capítulo anterior, é material riquíssimo para refletirmos sobre a educação em tempos de automatismos e aceleração como os que temos vivido. Convidamos você a conhecer um pouco mais do trabalho do professor Duarte Junior, por meio da entrevista que ele concedeu à Revista Contrapontos, disponível em: https://periodicos.univali.br/index.php/rc/article/view/4039. Mas, como tudo isso pode se relacionar com a avaliação nas instituições? Que papel ocupa a docência nesse processo? Essas perguntas relacionam dois movimentos importantes e que precisam ser abordados. O primeiro está diretamente ligado à hierarquização da educação, que coloca os professores como únicos responsáveis pela ensinagem e pela aprendizagem. Dessa forma, são esses profissionais que detêm o “poder” de formular as avaliações e corrigi-las, atribuindo as notas que estabelecem o quê, como e quanto foi aprendido, determinando também se a aprendizagem demonstrada é suficiente. O segundo ponto, que está imbricado ao primeiro, questiona esse aparente poder que se atribui aos professores, pois escava a educação mais fundo e revela o quanto ela, enquanto um projeto já preconcebido – mais profundamente discutido no capítulo 1 deste livro –, molda as estruturas das instituições educacionais e, consequentemente, o currículo e os fazeres docentes. Diante disso, será que a docência tem espaço para falar de seus caminhos e das descobertas tecidas ao longo dos percursos? Será que há abertura para essa escuta na construção e na realização das avaliações? Há possibilidades de os docentes não serem burocratas da mente diante de processos avaliativos que se apresentam tão massivos? Figura 41. Os espaços da docência. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/lonely-person-walking-along-faceshaped-path-191785520. 68 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS A docência é uma teia entremeada por camadas complexas, e, por isso, as questões acima exigem olhares por diferentes perspectivas. Podemos alinhavar algumas respostas que não se pretendam únicas, mas que trazem questionamentos e reflexões. Isso posto, poderíamos dizer que não, pois os sistemas tendem a realizar processos avaliativos em grande escala no qual não levam em consideração as singularidades, descobertas, curiosidades que foram vividas no caminhar pelos docentes e discentes. Já que elas tendem a promover uma educação que leva o docente a atuar como um burocrata da mente, reforçando uma educação bancária (Freire, 2020a) que deposita o conteúdo que está previsto no plano curricular, para ser cobrado logo depois. Figura 42. Em busca de preenchimento. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/mannequin-earring-jewelry-necklace-display- stand-1721677624. Isso nos leva novamente a questionar: Quem escuta o docente? De que modo essa escuta poderia contribuir nos processos de construção das avaliações? Que sociedade queremos? Que educação buscamos quando não abrimos nossas escutas para os responsáveis por lidar cotidianamente com os discentes? São os docentes que conhecem os discentes para os quais as avaliações são pensadas e aplicadas, mas em muitas avaliações seus saberes são desconsiderados e o que temos são provas aplicadas em massa, para todos igualmente, sem levar em conta os diferentes contextos de vida e percursos. É aí que a observação e a escuta entram em cena, destacando o papel central da docência nas avaliações institucionais, e demonstrando o quão essencial é que os docentes ergam suas vozes e sejam escutados para que a educaçãotenha equidade (Hooks, 2019b). Figura 43. Erguendo a voz. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/bokmakierie-bird-calling-telophorus-zeylonus-south-176966441. 69 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 Pois bem, até agora colocamos foco no papel da docência na construção de conhecimento e nos processos avaliativos nas instituições por meio de uma escuta atenta, um olhar ampliado que visa potencializar as aprendizagens, levando em consideração as multiplicidades de conhecimentos e as polifonias de vozes que compõem as instituições. Mas, como já dissemos anteriormente e ratificamos aqui, professoras e professores só existem em relação com os estudantes. Por isso, na próxima seção colocaremos a discência em cena, desvendando os sentidos, os saberes e as possíveis relações estabelecidas entre essas atrizes e atores no grande palco da escola. Figura 44. O grande palco da escola. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/collective-musicians-singers-dancers-gypsy-costumes-2098317325. 4.2 Discência em cena: sentidos, saberes e relações Precisamos de corpos fechados ao projeto domesticador do domínio colonial, que não sejam adequados nem contidos para o consumo e para a morte em vida. Precisamos de outras vozes, políticas porque poéticas, musicadas; da sabedoria dos mestres das academias, mas também das ruas e de suas artimanhas de produtores de encantarias no precário. A escola colonial, tão presente, busca educar corpos para o desencanto e para os currais do mercado de trabalho, normatizados pelo medo de driblar/gingar/ pecar (Simas, 2021, p. 56). Simas (2021) usa a palavra encanto para se referir à educação. Ele também firma e afirma que sua tarefa principal “[...] é a descolonização.” (p. 16) e o melhor termo que a qualifica é vida, “[...] compreendida em toda a sua diversidade.” (p. 15). Encanto, descolonização, vida e diversidade não são palavras que comumente usamos e nos vêm à mente quando refletimos sobre o que acontece nas instituições educacionais. Mas, por que será que não priorizamos o encantamento no cotidiano das escolas? Porque não encantamos os estudantes e não nos encantamos com as suas e as nossas práticas? Por que separamos a vida da escola? Porque descolonizar pensamentos e conhecimentos tão profundamente 70 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS enraizados em nossa sociedade e em nós é essencial para o reencantar e afirmar da vida, e até garantir que haja vida, em toda a sua diversidade? E o que a avaliação e os estudantes têm a ver com tudo isso? Figura 45. Encanto, descolonização, vida e diversidade. Fontes: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/back-school-happy-cute-industrious-child-2185962481; https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/first-day-school-mother-leads-little-1136492420; https://www.shutterstock.com/ pt/image-photo/happy-diverse-multiethnic-kids-junior-school-2036186225; https://www.shutterstock.com/pt/image- photo/students-using-digital-tablet-while-teacher-1352117225. Ousamos responder a esta última pergunta com a palavra: tudo! Ao compreendermos educação como um organismo vivo, atravessada pela diversidade e profundamente afetada pelo que a cerca, firmamos um olhar para a avaliação que busca contemplar e incluir, verdadeiramente, todas as pessoas envolvidas. Que se importa com os caminhos percorridos e os conhecimentos trilhados. Que reflete sobre os impactos da avaliação e planeja percursos que empoderem os estudantes, os encorajem a erguerem suas vozes (Hooks, 2019b) e a se implicarem em seus processos de aprendizagem. Que os encorajem a ser em coletivo, a estar em uma comunidade pedagógica (Hooks, 2021a), fortalecendo os laços que os unem e as esperanças (Freire, 2020d) que os movem. No entanto, entendemos que, na maioria das instituições educacionais, esses propósitos não figuram entre as principais preocupações e objetivos. Por isso, fizemos questão de demarcá-los aqui, pois tão essencial quanto a docência é a discência. Ambas estão sempre em relação, seja tensionadas ou maleabilizadas, estão entretecidas e não existem sozinhas, nem apartadas. 71 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 Figura 46. Docência e discência em relação. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/tangle-untangle-psychotherapy-psychology-concept- tangled-2031803234. A discência é fundamental para a educação. Não por uma visão hierárquica, que subjuga sua função de ser no jogo educacional do poder, mas pela possibilidade de renovação e mudança que carrega consigo. Daí a urgência de uma participação mais horizontal, ativa e consciente dos estudantes, principalmente nos sistemas avaliativos, a fim de tensionar o que é considerado e o que deveria ser prioridade: Aprendizagem implica tempo diferenciado, interesses diversos, motivação, heterogeneidade, verdades provisórias, construção, circularidade, razão e emoção. A dinâmica da aprendizagem é plural. Os processos pelos quais os sujeitos aprendem são infinitos [...] (Fernandes, 2022, p. 26). Infelizmente, a concepção de aprendizagem compartilhada acima por Fernandes (2022) não é comumente difundida nas escolas. Uma aprendizagem conteudista, descolada da realidade e dos interesses dos estudantes é priorizada, gerando, entre outras coisas, uma eterna sensação de dívida, um desânimo e uma tentativa de padronização e apagamento. Quando, na verdade, precisamos “nadar contra a maré”, descolonizando nossos saberes e sentidos, desocupando os lugares que nos foram impostos, recusando os destinos que nos foram orquestrados pelos grupos dominantes. Figura 47. Educação no contrafluxo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/golden-fish-against-flow-1764076505. 72 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS Isso, no entanto, não é possível sem o protagonismo discente. Precisamos parar de ver os estudantes como folhas em branco a serem preenchidas, como corpos a serem mandados, manipulados e disciplinarizados (Foucault, 2014), com sentidos a serem apartados da razão e compartimentalizados em diferentes caixas, acionadas quando se tratar de uma situação específica. A educação bancária, cunhada por Freire (2020a), perde cada vez mais o sentido na era digital, cuja informação está disponível com apenas um toque. Uma educação crítica, com bases decoloniais, libertadoras e democráticas, que necessita urgentemente do engajamento discente. Precisamos romper com essa lógica hierárquica nociva que opera na escola ao mobilizarmos desejos e presença nos corpos que a habitam. A escola precisa pulsar a vida, fomentar prazer, irradiar curiosidade, possibilitar experimentações e, assim, gerar aprendizados. Para isso, precisamos deslocar o entendimento que temos sobre ela, as práticas docentes e as aprendizagens discentes: [...] a educação emerge como um radical vivo; corporal; vibrante; dialógico; inacabado; alteritário; comunitário; produtor de presença, dúvida, vivência e partilha. [...] A educação [...] é uma força errante, que negaceia, instaura dúvida, avança nas perguntas e persegue o seu fazer como prática de liberdade. A educação como radical da vida, como experiência corporificada do ser e de suas práticas de saber é comum a todos. Ela nos marca como seres únicos, de vivências intransferíveis, imensuráveis e que têm como característica existencial dar o tom do acabamento de cada um de nós pelas mãos dos outros e dos afetos roçados nas relações. A educação é uma esfera de autoconhecimento, responsabilidade, liberdade, esperança e cura [...] a educação deve ser entendida como uma forma de erguer existências, mobilizá-las, uma encantaria implicada em contrariar toda e qualquer lógica de dominação (Rufino, 2021, pp. 11-12). Urge o momento em que teremos uma escola na qual haja disponibilidade de trânsito, mais perguntas do que respostas, multiplicidade de corpos e o encantamento como pedagogiaFundamental e Médio); nos Ciclos de Formação; na Educação Universitária, e na Educação a Distância (EaD), na Educação Especial e na Educação de Jovens e Adultos (EJA). 6. Avaliação: ranços e avanços Por fim, fechando o material, compartilhamos algumas reflexões acerca da avaliação nas políticas públicas, sintetizando os retrocessos e as descontinuidades que marcam esse processo. Salientamos algumas perspectivas e desafios de avaliar na contemporaneidade e encerramos com uma mensagem positiva, defendendo a ideia de que a avaliação é um processo coletivo, dialógico e possível, que envolve todos e cada um de nós. Por fim, convidamos todos a trilharem este percurso conosco, desejosas e esperançosas de que a caminhada seja provocativa, movente e entusiasmada. Ansiamos que o conteúdo 8 IntRODuçãO presente nas páginas que seguem promova um encontro entre você, futuro profissional da educação, a teoria e a prática. Esperamos que, mais do que respostas, você encontre possibilidades de reflexão, fagulhas que acendam perguntas e o desejo de construir conhecimento, preenchendo seu corpo de boniteza e encantamento. Vamos juntos?! Objetivos do Livro » Refletir sobre o que é e por que avaliar, identificando quais as possíveis maneiras de avaliação e seus instrumentos mais pertinentes, bem como fomentando novas/outras possibilidades para tanto. » Compreender como a avaliação pode operar como um recurso pelo qual possamos considerar o estudante em sua integralidade. » Pesquisar sobre como a avaliação nos dá subsídios para entender/perceber a aprendizagem. » Compreender o papel do professor na avaliação e que relações ele pode tecer entre avaliação e planejamento. » Estabelecer relações entre avaliação e currículo. » Conhecer quais orientações trazem os documentos mandatórios (Educação Infantil, Fundamental, EJA, EaD, Educação Especial) a fim de problematizar os modos de avaliação vigentes, a partir do estudo de tais documentos, para compreender como contemplar a diversidade e a singularidade nesse processo. 9 Introdução do capítulo Na escola, inquieto, o menino indagava: Deus é homem ou é mulher? Ninguém tinha uma resposta. As respostas anelavam as bocas e os olhos. A criança continuava a questionar o mistério. Uma hora, inesperada, um pequeno respondeu: homem é homem, mulher é mulher, Deus é Deus. A lógica e as imagens atravessaram as fronteiras. Eu e o outro, o outro e eu, tudo igual e diferente. em todas as coisas um, e em um todas as coisas. (Antônio, 2017, p. 43) O poema que abre o texto deste capítulo é intitulado “Identidade e diferença”. Ele inaugura estas páginas por dialogar com perspectivas muito peculiares da infância: a curiosidade e a experimentação. 1 CAPÍTULO AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO 10 CAPÍTULO 1 • AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO Figura 1. Encontros. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/child-opened-magic-book-175520738. Mas, o que tudo isso tem a ver com a temática desta disciplina? (a saber “Avaliação da Aprendizagem”). Muito! Avaliar é uma ação que envolve disponibilidade, diálogo, relação, olhares sensíveis e escutas atentas. Em que “eu” e o “outro” somos iguais e também diferentes; somos individuais e também coletivos. A avaliação é um processo que está presente em nossas vidas, não somente nas instituições educacionais, mas nas decisões que tomamos no cotidiano: nas compras do mercado, no local onde passaremos as férias, na escola onde matricularemos as crianças e até nos desafios que escolhemos encarar. Em todas essas situações fazemos uma avaliação, seja da conjuntura, das nossas necessidades no momento, do que nos é mais viável e/ou possível. Sendo assim, avaliar está intimamente ligado, entre outras coisas, às escolhas que fazemos, afetando nossas decisões acerca dos rumos que tomaremos e, consequentemente, dos caminhos que percorreremos para cumprir os objetivos traçados. Figura 2. Situações cotidianas. Fontes: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/young-cheerful-happy-woman-20s-wear-2243792403; https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/couple-loungers-on-tropical-beach-maldives-606047177; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/cute-pupil-writing-desk-classroom-elementary-1288136623; https://www.shutterstock. com/pt/image-photo/make-decision-which-way-go-walking-1348018796. 11 AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO • CAPÍTULO 1 Diante disso, neste capítulo faremos uma introdução ao tema, olhando para a avaliação a partir de conceitos que nos permitem não só perceber sua presença e importância, como toda a complexidade que envolve o ato de avaliar, contextualizando-a para além da educação, pois como já mencionamos anteriormente, ela está na sociedade, nas relações que estabelecemos conosco, com as outras pessoas e com o mundo que nos cerca, bem como nos diferentes tempos e espaços, que ocupamos ora de forma individual, ora coletiva. Dessa forma, esperamos que você, estudante, possa se familiarizar com o conceito de avaliação, conhecendo um pouco do panorama histórico que o envolve, percebendo o quanto ele permeia sua vida e está materializado em seu dia a dia. Com isso, pretendemos que o conhecimento acerca da avaliação seja construído de forma processual e afetiva, permitindo um olhar ampliado que enxerga o todo, mas que também percebe as partes; que chegará a um resultado, mas que se envolve intimamente com o percurso; que está tão interessado na reverberação das lógicas e imagens quanto no atravessamento das fronteiras, pois não se trata de chegar, mas de tudo o que foi experienciado no caminho e a forma como essas vivências passarão a constituir o seu ser, transformando-se em saberes. Objetivos » Conceituar avaliação, percebendo sua presença no cotidiano, para além das instituições educacionais e práticas pedagógicas. » Reconhecer o ato de avaliar como uma prática inerente à vida, processual, potencializada pela relação estabelecida com o processo e não com o resultado. » Compreender que a avaliação é parte da educação, mas não a define. 1.1 Avaliar: o que é? Para que serve? Como se dá? O que é avaliar? Como fazê-lo? Quais instrumentos usar? Essas são indagações muito comuns quando o assunto é avaliação. Isso porque este é um tema central na forma como nossa sociedade concebe educação, mas que ainda é alvo de controvérsias e equívocos. Como vimos na abertura desta aula, a avaliação está presente em nosso cotidiano, intrinsecamente ligada às escolhas, às decisões e aos objetivos que traçamos, seja para um ponto específico ou para uma situação mais ampla. Vamos olhar para isso de forma mais concreta, trazendo essa reflexão para a nossa vida. Todo dia, tomamos decisões que afetam a forma como habitamos o mundo e reverberam na vida das pessoas que nos cercam, como uma onda, que se espalha até virar espuma na areia da praia. Algumas dessas decisões são mais simples, impactando de forma mais 12 CAPÍTULO 1 • AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO contundente a vida do nosso núcleo familiar mais próximo, como: o que comeremos no almoço ou jantar? Qual roupa usar na reunião? Qual faculdade fazer? Qual trabalho aceitar? Outras escolhas são mais complexas, precisando ser analisadas de diferentes ângulos, pois influenciam não só a vida dos que estão mais próximos a nós, como também daqueles que nem conhecemos. Um exemplo muito atual são as eleições, momento em que cada um de nós vai às urnas para escolher aqueles que vão governar toda a nação, ou seja, que tomarão decisões que influenciarão diretamente todos nós, independentemente se eleitos foram os escolhidos individualmente por cada um. Figura 3. Exercendo a cidadania. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/november-19-2020-brazil-this-photo-1857314206. Diante do exposto, percebemos que avaliar é um processo contínuo que faz parte da nossa vida, mesmo(Rufino, 2021). Essa escola é possível e só depende do nosso desejo de fazê-la acontecer. Destacamos o “nosso” por ele se referir a nós, pessoas que compõem o território brasileiro, quiçá o planeta Terra. Pois essa não é uma transformação que somente nós, profissionais da educação, conseguiremos fazer, uma vez que exige mudança na mentalidade, no comportamento, na política, nas bases da sociedade. Por isso, dependemos da coletividade, da vontade de transformação, da ocupação consciente dos espaços e da defesa veemente dos discursos que se opõem à “[...] produção de um mundo monológico, adoecido pela ganância, escasso de beleza e poesia” (Rufino, 2021, p. 11). Necessitamos amar (Hooks, 2021b), esperançar (Freire, 2020c), sonhar (Freire, 2020d), encantar (Rufino, 2021), embelezar (Vecchi, 2017), acreditar e implementar utopias reais 73 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 (Santos, 2001) e inéditos viáveis (Freire, 2020c; 2020d), promovendo, cotidianamente, uma educação que está a contrapelo (Benjamin, 1985), que resiste e reexiste ao apostar na força do coletivo, na relação, no afeto e no enfrentamento de políticas de morte e apagamento. Sugestão de estudo Boaventura Sousa Santos e Luiz Rufino são dois expressivos educadores que defendem uma educação decolonial. O primeiro, de nacionalidade portuguesa, é sociólogo de formação, vinculado à Universidade de Coimbra, que cunhou, entre outros importantes termos, as epistemologias do sul, que destacam os conhecimentos que emergem das lutas sociais e das resistências aos saberes eurocêntricos e já alicerçados como universais. Sendo assim, o sul não se refere a uma localidade geográfica, mas à oposição aos saberes hegemônicos consolidados pela dominação proveniente do colonialismo, do patriarcado e do capitalismo. Como destaque em suas obras, sugerimos: “O fim do Império Cognitivo – a afirmação das epistemologias do sul”; “O futuro começa agora: da pandemia à utopia” e “A cruel pedagogia do vírus”, esse último disponível em: https://www.abennacional. org.br/site/wp-content/uploads/2020/04/Livro_Boaventura.pdf. Indicamos também uma entrevista e um texto que trazem uma dimensão acerca das concepções que Boaventura defende, disponíveis nos links: » https://www.ebp.org.br/epistemologias-do-sul/#:~:text=Boaventura%20de%20Sousa%20Santos%3A%20 As,capitalismo%2C%20o%20colonialismo%20e%20o. » https://www.scielo.br/j/ln/a/CLwxcMF6Kq6Rzc9h74xt98t/?format=pdf&lang=pt. Luiz Rufino é Doutor em Educação e professor da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (Febef), vinculada à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Desenvolve pesquisas que se interessam pela cultura popular, pelo sincretismo religioso e por uma educação antirracista. Como destaque de suas obras, temos: “Vence-demanda: educação e descolonização”, “Fogo no mato” e “Flecha no tempo”, em parceria com Luiz Antonio Simas e “Arruaças”, também em parceria com Simas e Rafael Haddock-Lobo. Indicamos, também, uma entrevista, um site com a sua biografia e acesso a outras informações e a sua tese de doutorado, que deu origem ao livro “Pedagogia das encruzilhadas”, que trazem uma dimensão acerca das concepções que Rufino defende, disponíveis nos links: » https://elastica.abril.com.br/especiais/luiz-rufino-escritor-sabedoria-ancestral-racismo-liberdade/ » https://culturaseidsnocoti.wixsite.com/culturaseidentidades/luiz » https://www.bdtd.uerj.br:8443/bitstream/1/10434/1/Tese_Luiz%20R%20Rodrigues%20Junior.pdf. Os estudantes precisam, o quanto antes, assumirem a responsabilidade pela construção de seus conhecimentos. Isso não significa ficarem à deriva, nadando sem rumo até terem a sorte de encontrar uma ilha no meio do oceano. Mas, sim, enxergarem os docentes como parceiros de luta, pois, juntos somos mais fortes. E isso se reflete também na forma de avaliar e nos instrumentos de que dispomos para fazer da avaliação mais um momento de aprendizagem e não de frustração e competição. 74 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS 4.3 Instrumentos de avaliação: possibilidades na complexidade Na escola que caço em meus sonhos risco a proposta de que os processos educativos sejam lidos e problematizados a partir da capacidade que os envolvidos tenham de fazer perguntas, e não de dar respostas. A criança, então, saltou os olhos e perguntou: “Desse jeito seria ótimo para as crianças, pois todas seriam aprovadas, né?”. Fiquei matutando e questionei qual é a lógica de medição entre sucesso e insucesso que não vasculha as possibilidades inscritas nas itinerâncias do ser? A dúvida como esfera que instaura o movimento nos leva a perambular com inteligência, curiosidade e inventividade ao dar o acabamento provisório no que entendemos sendo a vida e o mundo. Investir nas perguntas nos lança na responsabilidade do diálogo e na experiência radical com a diferença ( Rufino, 2021, p. 65). Rufino conta de uma escola movida a perguntas, sacudida pela curiosidade e pela imaginação que, geralmente, acompanham as indagações e os indagadores infantis. E, assim sendo, como avaliar sujeitos perguntadeiros? Como avaliar para além das amarras institucionais tradicionais que insistem em quantificar, classificar, destacar? Sendo os seres humanos tão complexos, é possível medir o que é, por nós, aprendido? Há instrumentos que deem conta disso? Figura 48. Indagações. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/portrait-child-classroom-kid-toy-virtual-696775111. Já afirmamos em outros capítulos deste livro que avaliar é uma ação cotidiana e, também por isso, processual. Desse jeito, ela não pode acontecer de forma estanque, pontual, mas sim permear toda a jornada pedagógica. Veremos a seguir os tipos de avaliação, esmiuçando o que são, a quem se destinam e em quais momentos devemos lançar mão delas. Posteriormente, trataremos dos instrumentos de avaliação, nos detendo mais em uns do que outros, visto que se encaixam melhor nas concepções difundidas e defendidas ao longo de todo o material. 75 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 As avaliações são classificadas em quatro tipos: diagnóstica, formativa, somativa e comparativa. » Avaliação Diagnóstica – como o próprio nome já sugere, essa avaliação tem o objetivo de diagnosticar o conhecimento dos estudantes. Por isso, costuma ser realizada no início do período de trabalho – ano, semestre – e ser repetida ao fim de um período – módulo, bimestre, ano. » Avaliação Formativa – segundo Isabela Villas Boas (2018), essa é uma “avaliação para a aprendizagem” (p. 111), pois os apontamentos obtidos com ela dão indícios que auxiliam na formação discente em meio ao processo, ou seja, não é uma avaliação que pretende verificar o que foi aprendido ao final, mas sim o que está sendo ensinado e como a mensagem está chegando ao entendimento de cada um. » Avaliação Somativa – é a “avaliação da aprendizagem” (Villas Boas, 2018, p. 111), objetivando sabermos o que foi aprendido pelos estudantes ao final de um processo. » Avaliação Comparativa – é a avaliação que aponta os níveis de aprendizagens adquiridos, já que compara o conhecimento discente em diferentes períodos. Figura 49. Metáforas avaliativas. Fontes: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/photo-rorschach-inkblot-test-isolated-on-2136264335; https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/cute-56-year-girl-relaxing-mountains-1184766595; https://www.shutterstock. com/pt/image-photo/balance-stones-weight-pros-cons-balancing-524250877; https://www.shutterstock.com/pt/image- photo/little-child-holding-hands-big-small-607616723. Para cada tipo de avaliação, há um ou alguns instrumentos que mais se afinam para a captação das informações desejadas. Ao longo da nossa vida estudantil, as formas mais comuns de avaliação são provas e testes. Às vezes, esbarramos em trabalhos em grupo, seminários e exposições, propostos, em sua maioria, por componentescurriculares tidos como de menor importância – Educação Física, Artes, História, Geografia e Ciências. 76 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS Dificilmente isso se dá em Matemática e/ou Língua Portuguesa, disciplinas tidas como cânones do saber. Isso porque, entre outras coisas, existe a hierarquização dos saberes, uma vez que a educação é território em disputa de poder (lembra?!). Com a maior difusão do conhecimento e circularidade no entendimento sobre avaliação, esse cenário tem sofrido alterações e já despontam outras formas de dialogarmos com o conhecimento que vai sendo construído. Abordaremos três delas, por considerarmos que se encaixam bem nas concepções que defendemos sobre educação. São elas: Registros de percursos narrativos; Portfólios e Autoavaliação. Os Registros, assim como os Portfólios, têm forte influência da prática educacional que acontece na Educação Infantil, principalmente por seu caráter de acompanhamento de processo que não visa à classificação e/ou promoção, ou seja, não possui a premissa de avaliar para “passar de ano”. Eles comumente se dão por meio da observação, da escuta atenta e do olhar apurado docente para com as descobertas e vivências estudantis. A proposta de registrar narrativamente – escrita, desenhos, imagens, sons – o caminho e o caminhar dos estudantes vai ao encontro do entendimento da aprendizagem enquanto processo sinuoso, espiralar, que foge da linearidade e de etapas predefinidas de saber. O Portfólio traz consigo um recolhimento maior de materiais, mas ambos possuem propósitos e feituras similares. Figura 50. narratividades. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/close-hand-splashing-colorful-paint-bucket-213243622; https:// www.shutterstock.com/pt/image-vector/grunge-page-magik-book-45546172. A autoavaliação e/ou a avaliação entre pares é um mecanismo de empoderamento, autonomia e responsabilização discente acerca do seu aprendizado. Aqui, não consiste na atribuição de uma nota pelos estudantes ao final de um período letivo, com a intenção de somá-la ao conceito dado pelo docente para chegar a uma média final. Mas sim, em um momento de reflexão e criticidade sobre o percurso trilhado. É um momento de mergulho interno, no qual as vulnerabilidades estarão abertas à escavação e um diálogo, para dentro e para fora, se instaurará. 77 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 Figura 51. Olhar para dentro. Fonte: https://www.shutterstock.com/image-vector/personality-psychology-branch-individuals-self-600w-2226638771.jpg. 4.4 Projeto Político-Pedagógico: identidade, singularidade e diversidade Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pauta. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes (Alves, 2008, s.p.). Figura 52. Experiência que vem antes. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/black-white-singer-guitarist-drummer-hands-2190846973. Rubem Alves (2008), importante educador brasileiro, ressalta três dimensões, que acreditamos, deveriam ser basilares na educação: experiência, beleza e relação. No trecho que destacamos, percebemos um conhecimento que intenciona ser construído na parceria, pelo afeto, pelo despertar da curiosidade, pelo encantamento. Uma aprendizagem que vai acontecendo no movimento fluido da simplicidade, nas minúcias do cotidiano, no aguçar dos sentidos, no movimento de dar a mão e “ajudar a olhar” (Galeano, 2002). O que Rubem Alves nos mostra é uma concepção de educação, uma forma de relação entre ensino e aprendizagem que respeita os saberes e as pessoas que com eles estão envolvidas, que aposta, sobretudo, na potencialidade da relação e na força da experiência. 78 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS A educação é feita de premissas e concepções, de práticas e teorias, de gentes que compartilham sonhos e desejos. Ela é feita de coletividade e precisa expressar isso. O Projeto Político-Pedagógico (PPP) é a expressão do que determinado coletivo entende, intenciona e constrói como educação. Ele é um documento que registra movimentos, compartilha angústias, dialoga com possibilidades de rotas que intentam desbravar territórios. É um documento vivo, construído por muitas mãos e interlocuções diversas que conferem identidade e personalidade ao processo educacional. Figura 53. Documento vivo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/development-movements-one-beautiful-ballerina- dancing-2019996410. O Projeto Pedagógico é um instrumento teórico-metodológico que visa ajudar a enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, consciente, sistematizada, orgânica e, o que é essencial, participativa. É uma metodologia de trabalho que possibilita ressignificar a ação de todos os agentes da instituição (Vasconcellos, 2000, p. 177). O Projeto Político-Pedagógico tem como uma de suas principais premissas ser construído de forma coletiva e participativa, pois é o instrumento que aponta os possíveis caminhos de reinvenção da escola, ressignificando suas finalidades e objetivos. Por isso, o PPP representa o compromisso de um grupo com determinada trajetória no cenário educacional. Figura 54. Compromisso firmado. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/team-spirit-necessity-during-any-work-1875779068. 79 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 No entanto, é necessário que tenhamos clareza sobre a força e os limites desse documento. A corporeidade do projeto acontece na interação entre os sujeitos: professores, estudantes, equipe de coordenação e gestão, responsáveis e funcionários, sujeitos que dão vida à escola. Mais do que um papel, o projeto compromete pessoas com uma ideia, com uma prática que é, não só pedagógica, como política, uma vez que está “[...] intimamente articulada [...] aos interesses reais e coletivos da população; ao compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade” (Silva, 2018, p. 27). No entanto, não podemos perder de vista que há diversos vieses políticos e não é unânime a defesa por uma educação libertadora e transformadora, já que ainda vivemos em uma sociedade com uma desigualdade gigante, na qual ainda imperam relações de poder pautadas entre “opressores” e “oprimidos” (Freire, 2020a). Além disso, por ser construído em conjunto e depender de ações coletivas, incontáveis são os desafios de colocá-lo em prática, esbarrando também em políticas públicas que estão pautadas em leis, mas que não são garantidas na prática, como é o caso, por exemplo, da Lei n. 11.738, de 2008, que estabelece 1/3 da carga horária docente para ações sem a interação com os educandos. Observe a Lei A Lei n. 11.738, de 2008, que regulamenta o piso salarial de profissionais da educação estabelece, em seu art. 2º, § 4º, que: “Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos”. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/ lei/l11738.htm. Como podemos ver, está na letra da lei. No entanto, o cumprimento disso pelas outras esferas – estaduais e municipais –, no cotidiano das instituições, não é totalmente garantido e há realidades diversas espalhadas pelo território brasileiro. Isso porque, na ausência dos professores, quem fica com os estudantes? Nas instituições do Rio de Janeiro, no âmbito municipal, a Matriz Curricular estabelece tempos com componentes curriculares diversificados – Artes, Educação Física, Inglês, Roda de Leitura,Ensino Religioso (4º e 5º anos do Ensino Fundamental) – que deveriam suprir essa lacuna. No entanto, entre outras coisas que atravessam o dia a dia das instituições, há a falta de profissionais para atuar em todas as escolas da Rede e a diferença entre a carga horária praticada nas instituições (Parcial – dois turnos de 4h30 cada –, Integral – um turno de 8h – e Único – um turno de 7h), o que gera divergência entre os tempos ofertados pela Secretaria Municipal de Educação (SME) e o que preconiza a legislação. Para entender um pouco mais sobre as minúcias da Rede Pública Municipal do Rio de Janeiro, indicamos o artigo “Entre a letra da lei e os desafios da prática: tensões e contradições da Educação Infantil carioca”, publicado em 2018, na Revista Zero- a-Seis, disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/zeroseis/article/view/1980-4512.2018v20n38p397. A forma de firmar esse compromisso implica planejamento, dando lugar e sentido a uma ação conduzida pelas diretrizes do PPP. A função, portanto, do Projeto é delinear o horizonte da caminhada, estabelecendo a referência geral, expressando o desejo e o compromisso do grupo, fundamentado em um referencial teórico alinhado com as concepções educacionais e pedagógicas que se deseja firmar; comprometido com as 80 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS práticas cotidianas, seus fazeres e metodologias, com o currículo e com a avaliação. Caso contrário, a intenção de mudança permanecerá no discurso. Figura 55. Horizonte de ações. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/career-growth-development-concept-businessman-on-1505561105; https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/reading-getting-knowledge-473801038. O PPP como um todo deve ser compreendido numa perspectiva dinâmica, em constante reformulação, ainda que algumas partes sejam de “durabilidade” maior. Mas em seu conjunto, o PPP é sempre uma manifestação de sujeitos concretos que devem estar sintonizados com os avanços da ciência, da educação e sociedade, e que, por isso, ousam reinventar as relações pedagógicas sob diferentes perspectivas, uma vez que agrega óticas diversas – comunidade, funcionários, docentes, responsáveis, estudantes. Figura 56. A escola e as reinvenções que a une. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/concept-team-unity-teamwork-idea-business-1685161738. As percepções sobre avaliação também precisam estar presentes nesse documento da instituição e necessitam, assim como as outras dimensões, estar coerentes com as concepções de educação que são praticadas ou que se pretende praticar na instituição. Da mesma forma que as avaliações externas – assunto da próxima seção – também precisam ser consideradas, tendo sua existência, execução e os resultados obtidos, divulgados e discutidos, de modo que não aconteçam em vão, mas sirvam para fomentar reflexões importantes entre todos que compõem a comunidade escolar. 81 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 4.5 Avaliações externas e em grande escala: o que comunicam? Com quem dialogam? [...] seria a avaliação externa responsável pela qualidade em educação? Como lidar com ela no interior da escola, uma vez que ela não é da escola mas sobre a escola, tornando invisíveis os sujeitos que nela circulam, posto que é de massa, que ignora as subjetividades produzidas em seus espaços de aprendizagem de cultura escolar, elaborada externamente a ela, por pessoas que não pertencem àquela cultura escolar que não compactuam com os ritos e rituais, dos hábitos, das crenças e dos valores? (Fernandes, 2022, p. 28). A avaliação externa e em grande escala é um mecanismo que tem como foco principal avaliar os sistemas de Educação do País, com o objetivo de promover políticas públicas para alavancar as potências ou dirimir prejuízos que possam estar ocorrendo em um contexto mais amplo. O território brasileiro é vasto, por isso essas avaliações preconizam chegar e analisar cada cantinho, mapeando a situação educacional brasileira, por meio de uma avaliação única. Figura 57. Mapeando avaliações. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/map-south-america-brazil-353291048. As avaliações externas são todas aquelas idealizadas, elaboradas e aplicadas por pessoas que estão fora das instituições a que se destinam. Elas são de larga escala quando o público-alvo pertence não só a uma escola ou a um grupo de escolas, mas sim a todo um segmento, por exemplo, aplicável em todos ou diversos Estados do Brasil. Comumente, essas avaliações são padronizadas, ou seja, possuem um padrão que é realizado por diferentes estudantes em diferentes partes do País. Elas estão muito ligadas às ideias de um currículo mínimo, um currículo único ou uma base curricular comum. No entanto, essas são informações mais gerais, apontadas sem entrarmos nos meandros da complexa relação deste tipo de avaliação com os cotidianos das escolas, das diferenças, da pluralidade das instituições, formações dos docentes, condições de 82 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS trabalho, escuta dos discentes. Esse tipo de avaliação coloca todos os estudantes em uma mesma linha de largada, sem considerar, porém, que cada pessoa que está nela possui características diferentes e, portanto, não terá as mesmas chances e condições de chegar ao final da corrida. Na verdade, o que essas avaliações fazem é, em grande parte das vezes, acentuarem as desigualdades, rotulando e excluindo uns, enquanto enaltecem e premiam outros – docentes e discentes. Figura 58. Meritocracia? Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/athletes-waiting-marathon-start-line-300745766. Agora, ao refletirmos um pouco mais sobre tais avaliações, que não são produzidas na escola, mas que contam sobre ela, nos perguntamos: com quem dialogam? Que lugar ocupam os atores que fazem parte do contexto avaliado? O que elas dizem da e para a escola? Fernandes (2022) afirma que, na maioria das vezes, eles ficam em segundo plano, quando ficam, pois, em muitas ocasiões, sequer há espaço para as singularidades, importando apenas a “nota como resultado/coroação dos esforços e quando o estudante sabe recitar aquilo que lhe foi transmitido” (Fernandes, 2022, p. 26). Além disso, os resultados acabam por criar uma versão da realidade que não existe e/ou não expressa o que acontece de fato, pois não levam em consideração coisas do tipo: entorno, saúde, alimentação, condições de moradia, relações familiares, acesso a equipamentos e bens culturais etc. Figura 59. Decorando informações. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/write-off-exam-school-156151217. 83 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 Nesse contexto, os saberes, os acontecimentos, as descobertas da escola ficam de fora, pois esse tipo de avaliação não tem proximidade com os territórios e suas singularidades, com as demandas urdidas coletivamente por uma comunidade pedagógica (Hooks, 2021a) que se une para planejar caminhos, traçar metodologias, firmar escolhas, construir currículos, como está presente no Projeto Político-Pedagógico das instituições (PPP). É uma avaliação que pode ser para todos e qualquer um, que quantifica, classifica, exclui, pois deixa de fora os modos de aprender que são “quase impossíveis de serem captados por instrumentos e procedimentos de avaliação julgados como objetivos e milimetricamente elaborados em suas fórmulas mirabolantes para ter um resultado fidedigno do processo.” (Fernandes, 2022, p. 26). Portanto, são avaliações marcadas pela exclusão, e que necessitam ampliar seu olhar para outros prismas, como por exemplo, as condições de trabalho de quem atua e de quem estuda nos diferentes contextos, pois só assim podemos considerar que a avaliação cumpre o papel da reavaliação e que sua atuação seja assertiva, contextualizada e dialógica. Figura 60. “Provando” a aprendizagem. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/school-students-taking-exam-writing-answer-536624842.Diante disso, podemos nos perguntar: por que, então, essas avaliações existem? Quais são os seus (des)propósitos? Na verdade, elas servem para classificar e quantificar as aprendizagens, por meio de avaliações que não medem conteúdos, mas sim habilidades, relacionadas e expressas nos currículos. Hoje, esses conhecimentos estão firmados e presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que se propõe a ditar os conhecimentos tidos como mínimos para cada segmento da educação – da Educação Infantil ao Ensino Médio. Figura 61. Ranqueando saberes. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/concept-banner-setting-five-star-goal-1214460832. 84 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS Como podemos perceber, essas avaliações tensionam as disputas de poder já existentes na educação e acabam por tirar o foco do que é mais importante: a aprendizagem. As políticas de avaliação centralizadas se esquecem que não basta o dado do desempenho do aluno ou do professor coletado em um teste ou questionário e seus fatores associados. É preciso que o dado seja “reconhecido” como “pertencendo” à escola. Medir propicia um dado, mas medir não é avaliar. [...] A avaliação tem também um lado político [que a legitima]” (Freitas et. al, 2014, p. 48). Figura 62. Desfocando a aprendizagem. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/silhouette-team-business-helps-systematically- patience-575726659. Até agora, tecemos provocações a respeito de como as avaliações em larga escala e externas deixam de fora inúmeros conhecimentos que não podem ser mensurados por tais propostas avaliativas. Mas, é importante que as conheçamos. São elas: Prova Brasil e Provinha Brasil, Enem e Enade. As duas primeiras são voltadas à Educação Básica, aplicadas, respectivamente, no 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e no 2º ano também do Fundamental. A Prova Brasil, que desde 2019 é conhecida como Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), é aplicada a cada dois anos, nos anos de terminalidades do Ensino Fundamental I (5º ano) e II (9º ano) e é composta por questões de Português e Matemática, além de questionários socioeconômicos. A Provinha Brasil tem o intuito de medir o nível de alfabetização e letramento das crianças, sendo aplicada no 2º ano do Ensino Fundamental I. Além dessas, a Prefeitura do Rio de Janeiro instaurou uma avaliação que visa acompanhar o desempenho de seus estudantes do 3º e 7º anos do Ensino Fundamental. Ela é realizada em âmbito municipal, mas, pelo fato de a Rede do Rio ser a maior da América Latina, com cerca de 1.542 escolas, e todas as turmas de ambos os segmentos realizarem a avaliação, podemos considerá-la uma avaliação externa e de larga escala. 85 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), configurado inicialmente para avaliar as condições do Ensino Médio, posteriormente se tornou balizador para o ingresso na Educação Universitária, substituindo os antigos vestibulares. E, por fim, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) mede a qualidade dos cursos de graduação, por meio da testagem dos estudantes concluintes. Figura 63. Padronização. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/belgrade-serbia-circa-june-2014-adults-198917669. Saiba mais De acordo com o Ministério da Educação, temos três avaliações principais que têm como objetivo avaliar os sistemas de ensino, no Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior, respectivamente. São elas: » Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) – seu propósito é avaliar a Educação Básica, com vista a elaborar, reformular e inspecionar as políticas educacionais. São avaliações aplicadas a cada dois anos. Neste ano de 2023, especificamente, serão avaliadas as turmas de 2º, 5º e 9º ano do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio. Essas avaliações fornecem os dados para a composição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), um indicador da qualidade do ensino, que além das habilidades adquiridas pelos estudantes, considera também os índices de aprovação, reprovação e evasão. » Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – sua proposta inicial era avaliar os estudantes do Ensino Médio em sua etapa final, mas atualmente ele é pré-requisito para participar do Ensino Universitário, ou seja, é o seu vestibular de acesso. » Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) – tem como objetivo avaliar os estudantes ingressantes e os concluintes do Ensino Universitário. Como observamos, as avaliações medem conhecimento por amostragem em grande escala, sendo, para isso, pensadas externamente às instituições. Mas podemos nos perguntar o que as instituições fazem em relação aos resultados dessas avaliações? Como se posicionam? É possível reformular políticas, ritos e rituais por meio de uma reavaliação, a partir dos resultados? O que dizem esses resultados para as instituições? 86 CAPÍTULO 4 • AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS Figura 64. Quantificando a educação. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/closeup-womans-hands-measuring-bar-graph-144543284. Como pudemos ver, essas avaliações externas e em larga escala costumam propagar que objetivam medir, acompanhar e cuidar da qualidade educacional das instituições. No entanto, devemos nos perguntar por um momento: o que é uma educação de qualidade? Quais são os critérios e padrões que determinam a qualidade da educação ofertada e dos conhecimentos aprendidos? Como medir, verdadeiramente, o tanto de conhecimento adquirido ao longo de uma vida escolar? Figura 65. É possível medir a aprendizagem? Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/side-view-two-young-women-communicating-1183713721. Essas respostas, mais uma vez, estão entremeadas às concepções que temos sobre educação. Aqui, no entanto, frisamos novamente que acreditamos que a qualidade está profundamente envolvida com a diminuição da desigualdade e promoção da equidade, da capacidade de acolher e não de classificar e excluir, garantindo os direitos à educação, igualdade e ensino-aprendizagem. Dessa forma, [...] a avaliação não é medida nem sinônimo de exame, portanto, não deveria classificar os estudantes ao longo do processo de aprendizagem, nem excluí-los. Avaliação teria um cunho de formação, de orientadora dos processos e não de verificação dos resultados que, distanciada do caminho de aprender, ao final dele resultaria em um produto (Fernandes, 2018, p. 90). 87 AvALIAR nO COtIDIAnO DAS InStItuIçÕES EDuCACIOnAIS • CAPÍTULO 4 As avaliações externas estão postas e servem para atender a uma demanda meritocrática capitalista. Assim sendo, devemos nos perguntar: o que podemos extrair de positivo delas? Como utilizá-las em favor das instituições educacionais? Acreditamos que as informações compartilhadas podem ser pontos de reavaliação do trabalho docente e discente; não como verdades instituídas e acabadas, mas como mais um instrumento de análise no percurso da aprendizagem. Sintetizando Vimos nesta aula que: » Docência e discência só existem em relação e são fundamentais para o sistema de avaliação. » O Projeto Político-Pedagógico é um documento criado a partir de um processo que envolve planejamento e avaliação, engajando toda a comunidade escolar em sua construção e implementação. » As avaliações externas e em larga escala são aquelas formuladas por instâncias externas à escola e realizadas de forma padronizada por estudantes diversos, de diferentes regiões do País, objetivando medir a qualidade da educação nacional. » As instituições podem e devem ressignificar o resultado dessas avaliações externas e em larga escala, utilizando as informações que oferecem para reavaliar percursos e criar outras estratégias de ensino. » O termo qualidade na educação depende sempre do parâmetro que se tem acerca do que é importante ser alcançado. Na concepção tecnicista, conseguir ingressar no mercadode trabalho conferia qualidade ao que fora estudado nos cursos profissionalizantes. Além disso, é imprescindível estar alinhado criticamente à realidade sociopolítica e econômica. 88 Introdução do capítulo A forma e o sentido A página em branco chama a criação. A menina, de quatro anos, horizontaliza o papel em cima da pequena mesa. Pega uns tijolinhos de giz de cera, desenha no meio da folha, de baixo para cima, algumas linhas, depois pinta entre elas, com uma cor de cada vez. Para os adultos que veem, seria um arco-íris. Indagada, responde com precisão de autora, suave, como se meditasse: É o caminho de cada um. Os adultos ficam quietos. Sentem em seus próprios corpos o símbolo, que se torna parte deles, não será esquecido, nunca será arrancado (Antônio, 2019, p. 52) [grifo do autor]. Figura 66. Caminho arco-íris. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/little-boy-drawing-greeting-card-on-788806762. Ao longo de todo o material da disciplina de Avaliação da Aprendizagem, buscamos construir e fortalecer a ideia de uma avaliação enquanto ação cotidiana, contínua, processual, que se dá de diferentes formas e precisa lançar mão de ferramentas diversas, considerando as singularidades e especificidades de cada ser que se coloca em relação 5 CAPÍTULO AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS 89 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 de ensino-aprendizagem. Apontamos a escuta atenta e o olhar presentificado, apurado e afetuoso como companheiros inseparáveis dessa ação. Não só como caminhos possíveis, mas sim, pilares inegociáveis do ato de avaliar. Ressaltamos as figuras docentes e discentes como essenciais ao percurso, cada qual com suas atuações e complementaridades, pois somente juntos, em relação, na coletividade, que comunidades de aprendizagens (Hooks, 2017; 2021a) são criadas e fortificadas e uma avaliação Ubuntu é passível de existir, rompendo com uma lógica meritocrática, produtivista, massificada, colonial e exploratória, que domina, até hoje, o pensamento e os processos educacionais brasileiros, como afirma Rufino (2021, p. 13): [...] esse mesmo mundo erguido na pilhagem de seres, na destruição de comunidades, saberes, linguagens e do meio ambiente se faz como um aparato de mentira, indefensável moral e espiritualmente. Esse mundo regido por contratos de dominação invoca um simulacro que chamam de educação, mas que tem suas raízes fincadas na catequese, no espólio, no pacto protetivo e de poder branco, heteropatriarcal, antropoceno e eurocentrista. Dessa maneira, muito do que se pinta como educação é, na verdade, malabarismo discursivo para mistificar o que é mobilizado na agenda curricular do Estado colonial. Modos reguladores que, se confrontados com outras maneiras de ser e saber, serão despidos e revelados como parte da política e da gramática normativa da dominação colonial. Figura 67. Coletividade! Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/students-standing-teacher-elementary-school-309239795. Atenção Tratamos do conceito de Ubuntu na avaliação, no capítulo 2, seção 2.4, deste Livro. Apontamos que seria interessante retornar ao capítulo e ler novamente a seção indicada, a fim de que novas conexões possam ser estabelecidas e/ou conhecimentos já interiorizados possam ser ressignificados. 90 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Nesse sentido, as políticas públicas e a legislação precisam expressar as concepções que possuem sobre os paradigmas que envolvem a educação e materializar os caminhos, apontando também alternativas possíveis de serem implementadas e experimentadas, ao levarem em consideração as realidades distintas que compõem o território e a população brasileira. É disso que este capítulo trata. Nele, dialogaremos com a legislação vigente, nos debruçando sobre os documentos mandatórios que regem a forma como a educação será concebida, implementada e praticada no âmbito nacional. Aqui, no entanto, focaremos no que esses documentos apontam acerca da avaliação, que é a temática central dessa disciplina e centro de nosso interesse no momento. Os documentos com os quais estabeleceremos uma relação mais próxima são: a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, 1996), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). Observe a Lei A Constituição de 1988, já abordada aqui anteriormente (capítulo 1 do Livro Didático) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, orientam a organização da educação e são avanços legislativos no que tange à promulgação de políticas públicas para a educação. Foi na referida Constituição que, pela primeira vez, a educação foi entendida como direito de todas as pessoas e dever do Estado em ofertar o acesso e da família em garantir a frequência e a permanência. Da mesma forma que foi a LDB que demarcou a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica, abrindo caminho para que ela passasse a ser responsabilidade da Educação e não mais da Assistência Social. Além disso, em 2006, a LDB é alterada e o acesso ao Ensino Fundamental passa a se dar a partir dos 6 anos de idade, demarcando o atendimento da Educação Infantil de 0 a 5 anos. Mais uma alteração vem em 2009, com a Emenda Constitucional n. 59, determinando a obrigatoriedade da Educação Básica dos 4 aos 17 anos. Mas, somente em 2013, por meio da Lei n. 12.796, essa alteração é incluída na LDB, consagrando, a partir daí, a matrícula de crianças de 4 e 5 anos em instituições que atendam à Educação Infantil, no segmento Pré-escolar. Para melhor compreensão e até visando que as nuances e minúcias possam ser percebidas por você, estudante, o capítulo será dividido em seções, que se subdividem, de forma a esmiuçarmos ainda mais as reflexões acerca de cada etapa educacional. Sendo assim, a primeira divisão trará um panorama mais amplo sobre as concepções de avaliação na Educação Básica. Apontaremos quais etapas abrangem este nível educativo e destacaremos os artigos da Constituição Federal e da LDB que tratam especificamente da temática da avaliação, bem como faremos menção também à BNCC e às DCNs, uma vez que são os documentos que orientam, indicam e condensam os entendimentos sobre a educação e o fazer educacional, trazendo possibilidades cotidianas para a prática docente. Esta seção será subdividida, a fim de tratarmos das particularidades de cada uma das etapas que compõem a Educação Básica: Educação Infantil e Ensino Fundamental e o Ensino Superior – aqui denominado Educação Universitária. Da mesma forma, com 91 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 a intenção de escavar ainda mais, ao tratarmos do Ensino Fundamental, abriremos uma janela para refletirmos acerca dos Ciclos de Formação, presentes na organização educacional de muitos Estados brasileiros e uma proposta que traz concepções interessantes de processo educativo, estruturação da aprendizagem e, consequentemente, sistemas avaliativos. Figura 68. níveis e etapas educacionais. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/kids-toddlers-playing-color-blocks-on-1541175803; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/woman-teacher-helping-drawing-group-kids-1903059157; https://www.shutterstock. com/pt/image-photo/classroom-multi-ethnic-students-listening-lecturer-1077839504. Da mesma forma, dentro da seção que abarca a Educação Universitária, destacaremos o tripé que sustenta o entendimento e as práticas cotidianas nas universidades: Pesquisa, Ensino e Extensão. Consideramos ser fundamental esse à parte por conta de uma estruturação e forma de entender educação, pelo menos teoricamente, que não seguem o mesmo fluxo das outras etapas, mas as abarca. Por fim, mas não menos importante, apresentaremos algumas modalidades educacionais existentes,que permeiam todas as etapas já mencionadas, ressaltando como o entendimento de avaliação está presente em cada uma delas. De modo a conseguirmos estreitar o diálogo, nos relacionando mais intensamente com três destas modalidades: Educação a Distância (EaD), Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos (EJA). 92 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Figura 69. Modalidades educacionais. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/notebook-paper-laptop-pen-pencil-eraser-1761407273; https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/group-special-students-classroom-down-syndrome-1912686718; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/two-women-sharing-desk-adult-education-388591426. Enfim, esperamos que os conhecimentos aqui possibilitados abasteçam a tessitura de fios que encorpam a trama, fornecendo condições de que novos pontos, outros tecidos, sejam incorporados, viabilizando, ao final do processo, uma peça única, um saber customizado e a confiança no poder da criação. Vamos lá?! Objetivos » Perceber as relações existentes entre a letra da lei, as práticas educacionais e o cotidiano das instituições. » Ressaltar as discrepâncias existentes entre as concepções de avaliação propostas nos documentos mandatórios e as políticas públicas instituídas. » Aprofundar o conhecimento em cada um dos níveis, etapas e modalidades da Educação, de modo a refletir mais especificamente sobre os objetivos, propostas e concepções presentes no ato de avaliar de cada um deles. 5.1 Concepções de avaliação na Educação Básica Pensar por imagens Em um horário de almoço, duas meninas conversam. A mais velha, de seis anos, conceitua: O ovo é um círculo. A outra, que tinha acabado de fazer cinco anos, pondera: É, mas tem um levantadinho. E a imagem dá vida ao conceito: traz a sensação e o sentimento, a experiência direta, a concretude do conhecimento. A linguagem primeira é a imagem. 93 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 Os conceitos vêm mais tarde e têm seu lugar fundamental. Mas não podem silenciar o pensamento por imagens. E nem ser considerados o ponto final dos aprendizados. No conhecimento vivo, como é o da criança, os conceitos precisam retornar às coisas, aos seres, às experiências vividas, à teia de interações que constituem as histórias. Não é com o conceito de cachorro que uma criança brinca. Não é com o conceito que ela tem laços de afeto. Não é do conceito que ela sente falta, nem é o conceito que torna presente o cachorro ausente, como fazem os símbolos. Não é o conceito de cachorro que espera a criança na volta para casa. Não é o conceito que permanecerá como substância viva de memória e emoção através da existência (Antônio, 2019, p. 38) [grifo do autor]. Figura 70. Imagens pensantes. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/surreal-female-portrait-made-leaves-fractal-550769539. Severino Antônio pontua, de forma firme e categórica, que “[...] os conceitos precisam retornar às coisas, aos seres, às experiências vividas, à teia de interações que constituem as histórias” (2019, p. 38), pois, só assim, aliados às vivências, às imagens, reflexões primeiras que constituem as aprendizagens infantis, é possível construir conhecimento. As crianças precisam do tangível, do sensorial; são, em sua grande maioria, cinestésicas e sinestésicas, portanto, sua percepção de mundo, o estabelecimento de relações, a forma como apreendem e compreendem os saberes é diferenciada, o que tem relação direta com o modo como deveriam/devem ter seus percursos avaliados. Cuidado Há diferença entre cinestesia e sinestesia. A primeira está ligada à percepção dos movimentos corporais ou musculares; enquanto a segunda tem relação profunda com os sentidos, que atuam em relação. Sendo assim, uma pessoa sinestésica é capaz de ouvir sons em cores e ver cores em sons, associando audição e visão. E a pessoa cinestésica necessita do movimento ou do toque para processar melhor as informações. Diante disso, um conhecimento sinestésico é aquele que se dá por meio dos sentidos, e um conhecimento cinestésico é aquele que necessita do movimento e/ou do tato para ser mais bem processado. Em grande parte das vezes, as crianças possuem e necessitam dos dois, por sua relação aflorada com o mundo e com tudo que as cerca. Uma educação que busca moldar os corpos e enquadrar os saberes, porém, pode, com o tempo, ir minando e enfraquecendo essa forma potente de conhecer e se relacionar com a vida, seus sabores e saberes. 94 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Figura 71. Aprendizagem de corpo inteiro. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/double-exposure-abstract-art-portrait-young-1786592417. E, sendo assim, tendo toda uma forma diferenciada de aprender, por que insistimos em categorizar os saberes? Dicotomizar emoção e razão; corpo, mente e natureza? Além disso, por que concebemos aprendizagem e avaliação de formas distintas ao tratarmos de crianças que pouca idade têm de diferença entre si? É isso que indagaremos e buscaremos explicitar na próxima parte do material, ao ampliarmos com uma lupa as nuances que separam (será que separam? E se separam, será que deveriam separar?) as etapas que compõem a Educação Básica: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Figura 72. A potência dos bebês. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/babies-playing-together-play-room-1250502877. Segundo a LDB (1996), a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e compreende o atendimento de crianças em dois momentos: a Creche, voltada para crianças de 0 a 3 anos e a Pré-escola, para crianças de 4 e 5 anos. Como pode ser visto, essa é uma etapa voltada ao atendimento de bebês e crianças bem pequenas, que acabam por deslocar o entendimento que se tem sobre aprendizagem e avaliação, uma vez que nos interrogamos: como avaliar os conhecimentos que estão sendo construídos por um bebê de 6 meses que não verbaliza claramente suas intenções e saberes, não representa 95 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 seus pensamentos por meio da escrita (nem do desenho) e não se locomove sozinho, com autonomia, pelos espaços? Com certeza, uma avaliação quantitativa não dará conta de comunicar as aprendizagens desses seres potentes, que se desenvolvem a todo momento, mas que precisam de métodos e instrumentos bem diferentes de provas, testes e questionários de observação. Figura 73. Ensinando bebês. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/running-babies-catching-finish-231187651; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/small-boy-businessman-looking-board-mathematic-162634469; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/cute-little-boy-pointer-sitting-on-609336674; https://www.shutterstock.com/pt/image- photo/three-boys-learning-alphabet-169390430. Após a Educação Infantil, entramos no Ensino Fundamental, que tem duração de 9 anos, e compreende do 1º ao 9º ano. É subdividido em Ensino Fundamental I ou Anos Iniciais, de 1º a 5º ano e Ensino Fundamental II ou Anos Finais, que compreende de 6º a 9º ano. As crianças permanecem nessa etapa dos 6 aos 14 anos de idade, sendo o momento em que a alfabetização é iniciada e consolidada. Aqui, porém, pode haver uma ruptura, uma fissura na concepção de infância e na forma como os processos e necessidades das crianças serão compreendidos e relacionados. Esse é um dos pontos de discussão que pretendemos focar, uma vez que apostamos em um alargamento maior dos balizadores advindos da Educação Infantil, para o Fundamental, especialmente nos Anos Iniciais. 96 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Figura 74. Rupturas. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/johannesburg-south-africa-june-13-2014-1718417995; https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/schoolgirl-reading-her-desk-elementary-school-667971985. É preciso ressaltar também que dentro de cada uma das etapas existem possibilidades diferenciadas de organização da jornada educacional – grupamentos, idades, tempos e espaços –, bem como modalidades de ensino que perpassam todas elas, como por exemplo, a Educação Especial, a Educação a Distância (EaD) e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que serão abordadas mais especificamente na seção final deste capítulo. Dando seguimento, abordaremos o Ensino Médio, última etapa da Educação Básica e adentraremos outro nível, que é a Educação Universitária, também chamada de Ensino Superior. Aqui há também diferenças e especificidades que marcam o atendimento desse momento educacional. Por isso, ressaltaremos o tripé: pesquisa, ensino e extensão, que baliza as ações e organiza os projetos e programas que lhes dão sustentação. Convidamos você a embarcar conosco nessa trilha, percorrendo caminhos que investigam os documentos mandatórios do País e a forma como as concepções presentes são colocadas em prática no dia a dia das instituições. Preparado? Vamos lá! 5.1.1 Concepções de avaliação na Educação Infantil Horário do almoço: começamos a organização para o almoço, auxiliando as crianças a se sentarem nas cadeiras. Bryan (7 meses), está no bebê conforto, observando. Continuamos ajudando as crianças a se sentarem. Bryan resmunga. Observamos, mas não o pegamos no colo. Começamos a pegar os primeiros pratos e a servir as crianças. Bryan mais uma vez resmunga e começa a chorar. A professora se abaixa, olha em seus olhos, pega na sua mão, conversa com ele, mas não o leva ao colo. Ao ver a professora pegar mais um prato de comida, Bryan, que ainda não recebera seu prato, chora com mais intensidade. A professora vai ao seu encontro e, ao se aproximar, pergunta em tom suave: “Você está com fome?”, revelando para ele que entende seu desconforto. Acolhe seu choro, interage olhando nos olhos 97 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 dele, e seguem conversando, após lhe dar o prato. Nesse momento, ele abre um sorriso e para de chorar. Bryan demonstra que necessita da atenção da professora. Segundo ela, o mesmo acontece quando ele está com sono. São momentos em que ele a requisita e se utiliza do choro para expressar a necessidade de atenção e proximidade (Silva; Lage; Ferreira, 2020, pp. 17-18). Figura 75. Interação e acolhimento. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/asian-baby-crying-601668344; https://www.shutterstock.com/pt/ image-photo/cute-little-children-eating-healthy-food-1283517052. O fragmento destacado conta de uma interação dialógica entre um bebê de 7 meses e a professora do grupamento Berçário, em uma Creche Municipal do Rio de Janeiro, que atende crianças de 6 meses a 2 anos de idade. Com ele, queremos alumiar a concepção de avaliação presente na Educação Infantil. A cena ter como protagonista um bebê é intencional, uma vez que, apesar de bebês fazerem parte da Educação Infantil, ainda hoje percebemos o quanto são vistos a partir de uma concepção de “menor valor”, “da falta”, daqueles “que não têm conhecimento”, aqueles que estão nas instituições apenas para serem cuidados em suas necessidades fisiológicas e preenchidos de conhecimento pelos adultos. No entanto, ao observarmos com cuidado e atenção o trecho acima, fica nítido o quanto de conhecimento a respeito do processo educacional o Bryan já havia adquirido, pois ele sabe o que vai acontecer, o que fazer para chamar atenção e ser atendido pela professora em suas necessidades, demonstrando estar inteirado da rotina cotidiana da creche. Mas, saber de todos esses elementos só foi possível pela presença ativa de uma interlocutora atenta, com uma escuta sensível, um olhar apurado às comunicações estabelecidas por ele. Uma pessoa que deu credibilidade e visibilidade às suas inquietações, possibilitando que nesse interagir, ele vá alargando a intensidade de seus gestos, a ponto de, ao receber seu prato, demonstrar sua satisfação com um sorriso e, prontamente, parar de chorar. 98 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Figura 76. Escuta atenta. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/infant-school-boy-pointing-book-held-1279943923. Com essa cena, podemos observar alguns princípios essenciais para iniciarmos um processo de avaliação, seja em qual faixa etária for. Porém, muitas de nossas instituições educacionais são formadas para implementarem uma avaliação que se pauta na aprendizagem, numa perspectiva da Educação Bancária (Freire, 2020a), que busca medir o conhecimento, separando e excluindo os que “sabem” dos que “não sabem”, por meio de instrumentos quantificáveis e desiguais, que deixam à margem potências que não podem ser medidas. Então, diante de tudo isso, indagamos: como se avalia na Educação Infantil, especialmente os bebês e as crianças bem pequenas? O que dizem os norteadores legais a respeito da avaliação dessa faixa etária? Figura 77. unicidade. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/row-six-multi-ethnic-babies-smiling-1787304743. A Constituição Federal de 1988 coloca a Educação Infantil como dever do Estado e direito da criança, com o atendimento realizado em Creches e Pré-escolas, mas não aprofunda, por exemplo, a questão da avaliação para essa faixa etária. Já a LDB (1996) postula a EI como primeira etapa da Educação Básica em seu art. 29, tendo como ponto central o desenvolvimento integral da criança, e no art. 31, determina que o processo avaliativo das crianças seja por meio de registro do desenvolvimento, sem foco em promoção, mesmo que seja para outra etapa da Educação. Mas, como se dá essa avaliação e quais instrumentos? As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009), em seu art. 10, estabelece que as instituições de Educação Infantil criem procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo: 99 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 I – a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano; II – utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.); III – a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transição casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transição creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental); IV – documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança na Educação Infantil; V – a não retenção das crianças na Educação Infantil (Brasil, 2009, p. 29). Observamos que a avaliação na Educação Infantil se dá por meio de múltiplos instrumentos, investigados por diversos prismas, olhando para o miúdo, com ênfase nos detalhes das/nas ações, relações e reações urdidas pelas crianças em interações com seus pares. Corrêa (2020) aponta que é na Educação Infantil que a criança tem o primeiro contato com a avaliação educacional, e pondera que, se nesse princípio ela tiver contato com uma avaliação formativa, poderá se apropriar e reivindicá-la depois, caso contrário, seja a forma classificatória, a tendência é que haja a naturalização dela. Corrêa ressalta ainda a essencialidade da presença ativa e atenta do professor para proporcionar e potencializar um processo avaliativo que seja vivido e construído coletivamente, já que: A avaliação por pares, nessa etapa, dá início à aprendizagem colaborativa, respeitosa e de apreço pelas contribuiçõesde outras pessoas [...] nessa etapa é mais fácil praticá-la porque as crianças ainda não passaram na escola, por experiências avaliativas desrespeitosas ( Corrêa, 2020, p. 26). Assim sendo, o docente precisa aguçar seus sentidos para entremear os fios das aprendizagens criando links para dar visibilidade às produções e descobertas das crianças. Figura 78. Linkando vivências. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/56-years-old-asian-little-girl-1142403608. 100 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Atenção A partir de uma maior intensidade de estudos acerca da Educação Infantil e das crianças que contemplam essa etapa, uma série de discussões sobre as terminologias utilizadas para nos referirmos às crianças começam a surgir, apesar de ainda haver divergências entre quem é o bebê e o que determina que um ser humano seja nomeado como bebê. Será a faixa etária? Serão as habilidades? Tomamos aqui a Base Nacional Comum Curricular, um dos únicos documentos que traz pistas sobre o que é ser bebê. Segundo ele, bebês são aqueles que têm de 0 a 1 ano e 6 meses; a criança bem pequena é a que compreende de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses, e a criança pequena, a que tem entre 4 e 5 anos e 11 meses (BNCC, 2017). 5.1.2 – Concepções de avaliação no Ensino Fundamental A aprendizagem é filha do tempo. Não podemos separar as condições de aprendizagem – o que e principalmente o como se aprende – das condições em que nos movemos, nem do contexto histórico social e cultural, nem das circunstâncias da vida cotidiana, os dias sem nome em que se dá a nossa existência. A aprendizagem: como um texto que se vai lendo e escrevendo nas linhas e entrelinhas do tempo. Em nossos dias, o que temos aprendido? O que podemos aprender? Que tempo é este, o nosso, que texto? Como educadores, como levar a aprender, levar a pensar, levar a criar? (Antônio; Tavares, 2020, p. 92). Figura 79. Aprendizagem, experiência, vida. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/malindi-kenya-jan-25-2017-children-580207378. Katia Tavares e Severino Antônio trazem questionamentos fundamentais: O que temos aprendido? O que podemos aprender? Que tempo é este, que temos? Enquanto educadores, como levar a aprender, levar a pensar, levar a criar? Estas são perguntas que se potencializam quando o foco é a avaliação e quando quem está no centro da 101 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 roda são crianças de 6 a 14 anos, que, em pouco mais de dois meses deixam de ser vistas como crianças pequenas e passam a ser entendidas como seres responsáveis por seus processos de aprendizagem. Os laços que lhes davam contornos, na Educação Infantil, são abruptamente cortados por rotinas que nada mais têm de interativas e brincantes, mas que carregam o peso da “aprendizagem séria”, do “fim da brincadeira” e início do ensino, do estudo, do compromisso com os conteúdos e com as rotinas engessadas e rígidas que permeiam grande parte dos grupamentos de 1º ano do Ensino Fundamental. E a troco de quê fazemos isso? Será que só há aprendizagem onde há imobilidade, silêncio, corpos horas a fio sentados, inertes, em cadeiras? Só há alfabetização por meio da cópia das letras, famílias silábicas, ditados, palavras simples e complexas? Só há êxito se matarmos a essência infantil que, em grande parte, é sinestésica/cinestésica, movente, pulsante, falante, interessada, criadora? Cremos que a resposta para essas perguntas seja: Não! No entanto, no cotidiano das instituições, infelizmente, essa é uma lógica ainda muito presente. Por isso, é fundamental refletir sobre ela aqui, com você, futuro profissional da educação, graduandos em Pedagogia. Pois é/será você que ocupa/ocupará esses espaços e atua/atuará com crianças e jovens, tendo a chance de interromper esse ciclo de práticas que violam as infâncias. Figura 80. Rotinas lúdicas. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/hand-child-fingers-overcast-color-painting-12336880. Antes de mais nada, precisamos evidenciar a necessidade de refletirmos e considerarmos infâncias e adolescências, no plural, pois não há uma homogeneidade nas ações, percepções e comportamentos que possam englobar todas as crianças e todos os adolescentes. A cultura, a localidade geográfica, as crenças e organizações familiares, as condições sociais, físicas, econômicas e emocionais a que são expostos e submetidos influenciam diretamente nas vivências que as constituirão e, consequentemente, na pluralidade dessas categorias geracionais, culturais, sociais. Sendo assim, 102 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Os alunos do Ensino Fundamental regular são crianças e adolescentes de faixas etárias cujo desenvolvimento está marcado por interesses próprios, relacionado aos seus aspectos físico, emocional, social e cognitivo, em constante interação. Como sujeitos históricos que são, as características de desenvolvimento dos alunos estão muito relacionadas com seus modos próprios de vida e suas múltiplas experiências culturais e sociais, de sorte que mais adequado seria falar de infâncias e adolescências no plural (Brasil, 2013, p. 110). Diante disso, já podemos, novamente, questionar os motivos pelos quais padronizamos a formação, por meio de conteúdos, práticas e avaliações que buscam uniformizar as aprendizagens. Além disso, entendendo que cada ser humano é dotado de singularidades que influenciam nos modos como a aprendizagem se dá, compreendemos também que existem características comuns, que permeiam as infâncias e as adolescências, que nem sempre seguem somente o tempo cronológico (Kohan, 2005). Saiba mais Os gregos possuíam mais de uma palavra e, também, mais de um entendimento para o tempo. Sendo assim, havia o tempo Chrónos, que pode ser superficialmente associado ao tempo do relógio, por dar a dimensão de um tempo que é sucessivo. Segundo Kohan (2005, s.p), “[...] O tempo é, nesta concepção, a soma do passado, presente e futuro, sendo o presente um limite entre o que já foi e não é mais (o passado) e o que ainda não foi e, portanto, também não é mas será (o futuro)”. Mas, também, o tempo Kairós, que é o tempo da oportunidade, um momento e o Aión, o tempo do sentido, da intensidade do vivido. Diante disso, a criança viveria no tempo aiónico, diferentemente dos adultos, que têm o tempo Chrónos como norteador e se relacionam, esporadicamente, com o tempo Kairós. O que buscamos evidenciar com isso é que, para além do segmento no qual a criança está inserida ou vai se inserir, há que se ter um olhar para essas infâncias/adolescências, a fim de que não rompamos abruptamente com o processo de construção de conhecimento que vinha sendo alicerçado até então. Um exemplo importante é a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental I (Anos Iniciais) e, em menor medida, as transições do Ensino Fundamental I (Anos Iniciais) para o Fundamental II (Anos Finais) e do Ensino Fundamental II (Anos Finais) para o Médio, citados também nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica: [...] a transição entre Pré-Escola e Ensino Fundamental pode se dar no interior de uma mesma instituição, requerendo formas de articulação das dimensões orgânica e sequencial entre os docentes de ambos os segmentos que assegurem às crianças a continuidade de seus processos peculiares de aprendizagem e desenvolvimento. Quando a transição se dá entre instituições diferentes, essa articulação deve ser especialmente cuidadosa, garantida por instrumentos de registro – portfólios, relatórios que permitam, aos docentes do Ensino Fundamental de uma outra escola, 103 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 conhecer os processos de desenvolvimento e aprendizagem vivenciados pela criança na Educação Infantil da escola anterior. Mesmo no interiordo Ensino Fundamental, há de se cuidar da fluência da transição da fase dos anos iniciais para a fase dos anos finais, quando a criança passa a ter diversos docentes, que conduzem diferentes componentes e atividades, tornando-se mais complexas a sistemática de estudos e a relação com os professores (Brasil, 2013, p. 20). Observe a Lei De acordo com a Resolução CNE/CEB n. 3/2005, o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos tem duas fases com características próprias, chamadas de: Anos Iniciais, com 5 (cinco) anos de duração, em regra para estudantes de 6 (seis) a 10 (dez) anos de idade; e Anos Finais, com 4 (quatro) anos de duração, para os de 11 (onze) a 14 (quatorze) anos. O Ensino Fundamental é de matrícula obrigatória para as crianças a partir dos 6 (seis) anos completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer matrícula, conforme estabelecido pelo CNE no Parecer CNE/CEB n. 22/2009 e Resolução CNE/CEB n. 1/2010. Isso impacta diretamente as práticas educativas e as posturas docentes que, em primeiro lugar, precisam abandonar a ideia de que há seriedade e comprometimento educacional em um segmento e em outro não, pois a ludicidade, a interação e a coletividade que marcam a Educação Infantil, deveriam fazer parte de todos os processos, em todas as etapas, visto que aprendemos melhor quando estamos em um ambiente seguro e acolhedor, partindo de experiências significativas e brincantes. Em segundo lugar, essa é uma crença também da família, que vê a Educação Infantil como lugar somente do cuidado, da brincadeira desprovida de intenção e aprendizagem, sendo comum falas do tipo: “Acabou a brincadeira. No 1º ano o ensino é sério. Você vai aprender a ler e a escrever”; “ela (nome da criança) disse para mim que ontem só brincou” ou ainda “ela faltou porque estava chovendo muito e como ela aqui só brinca, não faz dever, eu não trouxe”. Cabe aos professores desconstruírem esse entendimento, mostrando a potencialidade do brincar e os diversos estudos, em diferentes áreas do conhecimento, que apontam que a Educação Infantil é a etapa mais importante da vida escolar discente. Precisamos romper com essa lógica que foi sendo incutida na sociedade que “Para provar a seriedade acadêmica do professor, os alunos devem estar semimortos, silenciosos, adormecidos. Não podem estar animados, entusiasmados, fazendo comentários, querendo permanecer na sala de aula” (Hooks, 2017, p. 194). 104 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Figura 81. Aprendizagem significativa. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/child-dough-play-school-plasticine-children-1008033301; https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/children-playing-tug-war-park-459100483; https://www.shutterstock.com/pt/ image-photo/kids-playing-room-123166408. Por conta de interesses exploratórios, fomos levados a crer que só há aprendizagem se houver sofrimento, se for exaustivo, repetitivo, maçante. “O prazer na sala de aula provoca medo” (Hooks, 2017, p. 194) e essa é uma estrutura difícil de mudar, “[...] porque o hábito da repressão é a norma” (Hooks, 2017, p. 197). No entanto, é urgente que o façamos, pois “A educação como prática da liberdade não tem a ver somente com um conhecimento libertador, mas também com uma prática libertadora na sala de aula” (Hooks, 2017, p. 197). Ao analisarmos os documentos mandatórios voltados ao Ensino Fundamental, mais especificamente as leis – Constituição Federal de 1988 e a LDB, de 1996 –, percebemos que as concepções e ações descritas são encontradas de forma muito condensada, direta, sem maiores explicações e preocupações com as contextualizações, com a promoção de discussões. Em menor proporção, mas ainda presente, isso também acontece na Base Nacional Comum Curricular, que apesar de ter uma primeira parte introdutória, se destina de forma mais extensa a apresentar as Áreas do Conhecimento em articulação com as Unidades Temáticas, as competências e as habilidades. Já as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica é um documento mais completo, que além de trazer a legislação, com seus parágrafos, incisos e alíneas, traz as redações dos Pareceres e uma parte anterior, na qual se demora em explicar os conceitos, contextualizando-os e promovendo reflexões acerca de todo o panorama educacional. Atenção As áreas do conhecimento são: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Religioso. Duas delas compreendem mais de um componente curricular, como é o caso de Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa (Anos Finais – 6º ao 9º ano), que pertencem à área das Linguagens e os componentes de História e Geografia, que estão inseridos em Ciências Humanas. O documento das Diretrizes, então, não só destaca e reforça a força da lei, como também convida ao diálogo, à reflexão e ao entendimento de que as práticas precisam considerar a formação integral das crianças, adolescentes, jovens e adultos: 105 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 [...] a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa, ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem – e promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades. Além disso, a escola, como espaço de aprendizagem e de democracia inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades (Brasil, 2017, p. 14). Diante de tudo isso, não podemos perceber a avaliação de outra forma, senão como um processo contínuo, individual e coletivo, singular e diverso que se dá a todo momento e se fortalece por meio da escuta atenta, da observação cuidadosa, da experimentação livre e inteira, do diálogo aberto e do amor, aqui entendido como fora compartilhado e defendido por Bell Hooks, uma ação, uma escolha diária por meio da qual assumimos responsabilidade e (re)afirmamos comprometimento cotidianamente (Hooks, 2021b). E isto está expresso nos documentos, que apontam: Art. 47. A avaliação da aprendizagem baseia-se na concepção de educação que norteia a relação professor-estudante-conhecimento-vida em movimento, devendo ser um ato reflexo de reconstrução da prática pedagógica avaliativa, premissa básica e fundamental para se questionar o educar, transformando a mudança em ato, acima de tudo, político. § 1º A validade da avaliação, na sua função diagnóstica, liga-se à aprendizagem, possibilitando o aprendiz a recriar, refazer o que aprendeu, criar, propor e, nesse contexto, aponta para uma avaliação global, que vai além do aspecto quantitativo, porque identifica o desenvolvimento da autonomia do estudante, que é indissociavelmente ético, social, intelectual. § 2º Em nível operacional, a avaliação da aprendizagem tem, como referência, o conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções que os sujeitos do processo educativo projetam para si de modo integrado e articulado com aqueles princípios definidos para a Educação Básica, redimensionados para cada uma de suas etapas, bem assim no projeto político-pedagógico da escola. § 3º A avaliação na Educação Infantil é realizada mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento da criança, sem o objetivo de promoção, mesmo em se tratando de acesso ao Ensino Fundamental. 106 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS § 4º A avaliação da aprendizagem no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, de caráter formativo predominando sobre o quantitativo e classificatório, adotauma estratégia de progresso individual e contínuo que favorece o crescimento do educando, preservando a qualidade necessária para a sua formação escolar, sendo organizada de acordo com regras comuns a essas duas etapas [grifos nossos] (Brasil, 2013, p. 76). Art. 48. A promoção e a classificação no Ensino Fundamental e no Ensino Médio podem ser utilizadas em qualquer ano, série, ciclo, módulo ou outra unidade de percurso adotada, exceto na primeira do Ensino Fundamental, alicerçando-se na orientação de que a avaliação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: I – avaliação contínua e cumulativa do desempenho do estudante, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais; II – possibilidade de aceleração de estudos para estudantes com atraso escolar; III – possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado; IV – aproveitamento de estudos concluídos com êxito; V – oferta obrigatória de apoio pedagógico destinado à recuperação contínua e concomitante de aprendizagem de estudantes com déficit de rendimento escolar, a ser previsto no regimento escolar [grifo nosso] (Brasil, 2013, p. 76). Dessa forma, não há motivos para concebermos e realizarmos avaliações que visam apenas classificar e quantificar o que foi aprendido pelos estudantes. Temos respaldo legal para praticarmos uma Avaliação Ubuntu, ou seja, aquela que entende que todas as dimensões da vida dos discentes precisam ser consideradas e abarcadas quando avaliamos, pois todos somos responsáveis por suas aprendizagens. A seguir, vamos tratar dos Ciclos de Formação, uma forma de organização educacional prevista no art. 23 da LDB, que determina que: A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar (Brasil, 1996, p. 17). 107 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 Provocação Quantas instituições você conhece que organizam os estudantes de forma diferente de turmas? Ou agrupam crianças por níveis de interesse, por exemplo? Se a LDB prevê outras organizações para além de séries/segmentos anuais e turmas, geralmente agrupadas por idade, por que ainda reproduzimos modelos que consideramos receitas de sucesso, em um país que conta com cerca de 11 milhões de analfabetos? Em 2019, segundo pesquisa realizada pelo IBGE, o índice de analfabetismo foi de 6,6%, em pessoas acima de 15 anos de idade. Os dados podem ser consultados no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html. 5.1.2.1 Os ciclos de formação A organização de uma instituição educacional em ciclos de formação está prevista em lei e contemplada nos documentos mandatórios. Mas, o que é essa organização e no que ela difere da seriação, que organiza os grupamentos por séries que possuem um conjunto de saberes a serem aprendidos e podem ser repetidas até que essa aprendizagem seja consolidada? Antes de responder a esta pergunta, precisamos entender os contextos e recorrer à legislação. O art. 32, §§ 1º e 2º da LDB (1996), que trata do Ensino Fundamental, estabelece, respectivamente, que “É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos” e que é possível a adoção, no Ensino Fundamental, do “regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino” (Brasil, 1996, p. 23). Na prática, isso quer dizer que o Ensino Fundamental pode ser organizado por períodos contínuos e ciclados, dentro dos quais as crianças/jovens teriam tempo mais alargado para consolidar suas aprendizagens, respeitando-se o currículo existente. Durante esse período, as crianças não são reprovadas, pois há o entendimento de que algumas levam um tempo maior para adquirirem certas habilidades, o que não significa aprovação automática, mas sim a adoção de uma concepção de “[...] conhecimento como processo e vivência que não se harmoniza com a ideia de interrupção, mas sim de construção, em que o estudante, enquanto sujeito da ação, está em processo contínuo de formação, construindo significados” (2013, p. 54). Sendo assim, as crianças, ao terem três anos para consolidar a alfabetização têm suas “[...] oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas, imprescindíveis para o prosseguimento dos estudos” (2013, p. 122) e para afirmação de sua autoestima. Com isso, a aprendizagem deixa de assumir um caráter linear e se aproxima de uma imagem espiralada, na qual o conhecimento é cíclico, retomado de tempos em tempos, não só para conferir outros sentidos, como também para possibilitar que novas 108 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS aproximações, aprofundamentos e expansões sejam realizadas pelas crianças (Krug, 2005; Vasconcellos, 1999). Essa é uma concepção que se afina com a ideia de uma avaliação processual, que leva em conta as subjetividades dos estudantes, seus percursos e experiências, afastando-se de sistemas reprobatórios que muitas vezes se prolongam por anos, até que o sujeito abandona a escola, como afirma e encoraja as DCNGEB (2013, p. 122): Para evitar que as crianças de 6 (seis) anos se tornem reféns prematuros da cultura da repetência e que não seja indevidamente interrompida a continuidade dos processos educativos levando à baixa autoestima do aluno e, sobretudo, para assegurar a todas as crianças uma educação de qualidade, recomenda-se enfaticamente que os sistemas de ensino adotem nas suas redes de escolas a organização em ciclo dos três primeiros anos do Ensino Fundamental, abrangendo crianças de 6 (seis), 7 (sete) e 8 (oito) anos de idade e instituindo um bloco destinado à alfabetização. Figura 82. Conhecimento cíclico. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/golden-yellow-antique-old-clock-spiral-617386883. A retenção, quando existe, dar-se-á somente ao final do segundo ou terceiro ano – a depender da forma como o ciclo está organizado – para aqueles que não conseguiram, mesmo com todas as alternativas e tentativas, consolidar as aprendizagens asseguradas para esse bloco pedagógico, a saber: Mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua autonomia, fizerem opção pelo regime seriado, é necessário considerar os três anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um ciclo 109 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 sequencial não passível de interrupção. Os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem assegurar: a) a alfabetização e o letramento; b) o desenvolvimento das diversas formas de expressão, incluindo o aprendizado da Língua Portuguesa, a Literatura, a Música e demais artes, a Educação Física, assim como o aprendizado da Matemática, de Ciências, de História e de Geografia; c) a continuidade da aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização e os prejuízos que a repetência pode causar no Ensino Fundamental como um todo, e, particularmente, na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o terceiro (Brasil, 2013, pp. 122-123). O projeto de organização pedagógica dos ciclos se dá por formas diferentes. Podem ser organizados de modo a não terem nenhum momento de retenção ou possibilitarem a reprovação nos períodos finais de cada ciclo (3º, 6º e 9º anos). Inicialmente, pensava-se em ciclos de formação, mas após uma reformulação ocorrida em 1980, surgiram os ciclos de aprendizagem, que entendem que todosquando as análises e decisões são tomadas de forma menos consciente. Essa é uma ideia corroborada por diversos autores que estudam a temática da avaliação, tal como Bernadete Gatti (2003, p. 26): Processos avaliativos, em geral, fazem parte do nosso cotidiano. A gente avalia até para escovar os dentes. Quando eu vou escovar os dentes, de manhã, eu avalio a força que eu vou imprimir para não me machucar, a força suficiente para limpar. E isto me acompanha o dia inteiro, eu não percebo, mas eu estou avaliando para poder andar, eu avalio o terreno, avalio a força muscular, o movimento; eu avalio se consigo ou não fazer um determinado trabalho, se vou dar conta no fim do dia, enfim, o processo de avaliação em geral está embutido, de certa maneira, nas nossas formas de existir, sejam individuais, sejam sociais. No entanto, o que nos leva a perder de vista essa dimensão cotidiana da avaliação em nossas vidas? O que nos faz acreditar que a ação avaliativa está apartada do nosso processo de construção de conhecimento? E, assim sendo, faz com que normalizemos paradigmas 13 AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO • CAPÍTULO 1 avaliativos que reduzem o conhecimento a momentos estanques, a conteúdos que, em grande parte das vezes, estão descolados dos nossos interesses e/ou realidades, a aspectos quantitativos, que invisibilizam as subjetividades e enaltecem as quantidades? Muito disso tem a ver com a forma como a avaliação foi sendo introduzida e experienciada em nossa sociedade, como veremos a seguir. 1.2 Breve panorama histórico da avaliação Os contextos vividos por nós em sociedade não nascem de um dia para o outro, a partir de um fato estanque e/ou isolado. Muito pelo contrário! Os cenários, principalmente o educacional, vão sendo construídos como uma colcha, linha por linha, costura por costura, no qual cada ponto dado influencia no posterior. Assim, o contexto que temos hoje acerca da avaliação foi sendo tricotado fio a fio, tendo forte ligação com a construção de todo o pensamento educacional brasileiro. Diante disso e entendendo que o cenário atual da nossa educação ainda é reflexo de suas raízes coloniais, traremos um breve panorama histórico da formação desse pensamento, desde a chegada dos portugueses, destacando os eventos que contribuíram para que tenhamos as concepções atuais sobre a temática da avaliação. Figura 4. Expedições portuguesas. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/portugal-lisbon-belem-detail-huge-wind-72742243. Em 1549, com a chegada do primeiro Grupo de Jesuítas (ordem monástica também conhecida como Companhia de Jesus) ao Brasil, tem início o que podemos chamar de educação formal. Ela surge da necessidade de converter os habitantes da nova terra à cultura do colonizador, de modo que não houvesse resistências, ou melhor, que elas fossem minimizadas na exploração da Colônia, que serviria para abastecer Portugal em suas faltas – cereais, ouro, especiarias, mão de obra etc. (Saviani, 2019). Podemos perceber que o primeiro passo em direção a uma organização educacional tinha forte ligação com a religião, principalmente com a Igreja Católica, que deteve, ainda durante aproximadamente dois séculos, essa posição. 14 CAPÍTULO 1 • AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO Sintetizando A catequese marca, então, o início de uma relação educacional, que já começou com uma ideia de avaliação na qual existia a sobreposição de uma cultura, uma língua, um comportamento e um modo de ser e fazer que tomavam o outro como menor, sem valor, ignorante. Essa é uma marca que ainda hoje se faz presente em nossa educação, só que, no lugar dos indígenas, há crianças e pessoas adultas, igualmente tidas como ingênuas, “vazias”, moldáveis. Figura 5. Molas da sociedade colonial. Fontes: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/rural-scenery-background-ripening-ears-wheat-1729001563; https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/old-illustration-slaves-unyamwezi-region-tanzania-76215943; https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/spices-moroccan-market-45192313; https://www.shutterstock.com/pt/image- photo/background-coins-ukraine-128775221. A Companhia de Jesus traz uma Educação voltada para a elite portuguesa que aqui vivia e atuava também na formação do próprio grupo de padres e outros membros que exerciam a docência. O Modus Parisiensis, adotado como método de ensino na época, em muito se assemelha ao modelo de organização educacional que vemos atualmente em muitas instituições escolares, nas quais a alocação é feita por turmas e conta com uma proposta de realização de atividades motivada por incentivos advindos dos docentes. Além disso, outros aspectos também são muito semelhantes, tais como: A organização das classes dava-se pela reunião de alunos aproximadamente da mesma idade e com o mesmo nível de instrução aos quais se ministrava um programa previamente fixado composto por um conjunto de conhecimentos proporcionais ao nível dos alunos, sendo cada classe regida 15 AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO • CAPÍTULO 1 por um professor. [...] Os mecanismos de incentivo ao estudo implicavam castigos corporais e prêmios, louvores e condecorações, além da prática da denúncia ou delação. [...] supõe edifícios específicos, classes homogêneas, a progressão dos níveis de escolarização constituindo as séries e os programas sequenciais ordenando conhecimentos ministrados por determinado professor (Saviani, 2019, p. 52). Saiba mais O Modus Parisiensis era um conjunto de normas pedagógicas que o Brasil importou de Paris, dada a coerência, rigor e eficácia pela qual era conhecido. Estava estruturado nas seguintes bases: a organização dos estudantes em classes, a presença de atividades escolares e de punições, o Quadrivium – aritmética, música, geometria e astronomia –, a decúria – sistema no qual um estudante destaque realizava uma espécie de monitoria para um grupo de 10 estudantes, sob a supervisão de um adulto –, uma formação moral que tinha a Bíblia como guia e o cultivo da língua vernácula. Para saber mais sobre o assunto, indicamos o texto “A institucionalização da pedagogia jesuítica ou o Ratio Studiorum”, pertencente ao capítulo 3 do livro “História das ideias pedagógicas no Brasil”, de Dermeval Saviani. Caso o acesso a esse texto seja dificultoso, indicamos também o texto “Do Modus Parisiensis ao Ratio Studiorum: os jesuítas e a educação humanista no início da Idade Moderna”, de João Batista Storck, disponível em: https://www.scielo.br/j/heduc/a/86nDnFbXbp6hbN8RrhcL KCj/?lang=pt. Conforme vamos adensando a leitura, percebemos que há familiaridade nos métodos e modelos organizacionais vigentes em nosso dia a dia, ficando claro o quanto nossa educação é pautada em uma base arcaica, que tem o tempo como um marcador e controlador de uma rotina que disciplinariza e domina os corpos, o que Foucault (2014) nos apontou como o maior dos mecanismos utilizados pelas instituições educacionais. Figura 6. Sutil disciplinar dos corpos. Fontes: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/side-view-school-kids-standing-corridor-257483371; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/childrens-wooden-toy-child-collects-sorter-1511085716. Sintetizando Nossa educação, então, tem uma base literária (jesuítica), centrada na figura de uma pessoa (docente) que fará os esclarecimentos e nos preencherá com um saber que necessita ser mediado, reforçando a premissa de que o conhecimento está nas mãos de poucos, uma vez que não havia o interesse em expandi-lo, pois um povo educado de forma crítica e consciente representa um perigo para os que desejam sobrepujá-lo. 16 CAPÍTULO 1 • AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO Não é à toa que a educação não era – e apesar de uma legislação mais clara e incisiva com relação a isso, continua não sendo – pensada para todas as pessoas, tal qual pelo menos hoje figura na lei, mas sim voltada para os gruposos estudantes têm o mesmo tempo para concluir os objetivos de aprendizagem, diferenciando o caminho que será percorrido para que ela seja alcançada (Perrenoud, 2004, p. 18, apud Pereira, 2018, p. 48). O período dos ciclos de aprendizagem pode ter duração de dois ou três anos. As crianças são organizadas por idade e pode existir a retenção ao final de cada ciclo. Um exemplo de organização ciclada previa a divisão do Ensino Fundamental em três grandes blocos: Inicial (1º ao 3º ano), Intermediário (4º ao 6º) e Final (7º ao 9º), com três anos de duração cada, englobando, assim, o tempo total de nove anos. Atualmente, em alguns Estados há a organização em ciclos somente no bloco inicial, como é o caso do Rio de Janeiro e de Brasília. O ciclo, porém, não é somente uma forma diferenciada de (re)organizar as crianças, mas um modo distinto de entender a aprendizagem, pois organizado dessa forma, “[...] o trabalho nos ciclos de aprendizagem se caracteriza pela crença de que as heterogeneidades devem ser levadas em consideração e que, para haver aprendizagem, a relação pedagógica também deve ser heterogênea” (Pereira, 2018, p. 48). Isso, no entanto, nem sempre entra em consonância em sua implementação, uma vez que exige alteração na percepção que se tem sobre a infância/adolescência, sobre a forma como os estudantes aprendem e as concepções de avaliação, pois, como nos aponta Dalben (2009, p. 68): 110 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS [...] o conceito de avaliação proposto considerava a ação de avaliar como processual e reveladora das possibilidades dos alunos e da construção de um processo educativo mais rico e mais dinâmico, articulando necessariamente os processos de avaliação aos processos de ação pedagógica. Enfim, há muitas possibilidades de repensarmos e reorganizarmos a educação. A proposta de ciclos é ainda pouco apropriada e muito criticada, tendo ficado estigmatizada, principalmente pela ideia errônea de que a promoção é automática e as crianças passam sem saber. Aliada ao fato de que, em nossa sociedade, todas as pessoas acreditam estarem habilitadas a falarem sobre educação. Muito disso se deve ao fato de quase todos termos passado, em algum momento da vida, por uma instituição educacional. Nos sentimos apropriados do processo e dos seus mecanismos, por nossas vivências. O problema é que, com isso, muitas opiniões e críticas são feitas de forma superficial, sem os devidos aprofundamentos. Para refletir Aqui, necessitamos de um olhar que nos implica no processo de ensino-aprendizagem, pois será que ao não conseguir aprender os conteúdos básicos ao final de três anos podemos questionar somente o interesse e o comprometimento dos estudantes e das famílias? O quanto nós, profissionais da educação, responsáveis pela aprendizagem e possuidores do conhecimento e instrumentos pedagógicos, estamos comprometidos e implicados nisso? O próximo tópico também envolve polêmicas, dividindo opiniões. Temos certeza de que em algum momento você também se indagou sobre as reformulações que essa etapa da Educação Básica sofreu e vem sofrendo. Vamos conhecer um pouco mais sobre ela? 5.1.3 Concepções de avaliação no Ensino Médio Como já vimos anteriormente, o Ensino Médio é a terceira e última etapa da Educação Básica, cursado por estudantes que tenham, em média, entre 15 e 17 anos. Sua duração é de três anos, podendo ser ofertado no turno da manhã, da tarde, da noite ou de forma integral. A LDB (1996), em seu art. 35, determina suas finalidades: Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; 111 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina [grifos nossos] (Brasil, 1996, pp. 24-25). Dessa forma, podemos perceber que, pelo menos na letra da lei, há uma intenção de continuidade, um entendimento da aprendizagem como um processo contínuo e permanente. O objetivo principal do Ensino Médio é, então, aprimorar a formação humana dos educandos, por meio do seu pleno desenvolvimento e do entendimento de quem eles são e o que buscam na vida. Dito assim, parece simples, porém, não é. Essa é uma fase de muitas dúvidas e inseguranças, permeada por várias preocupações e marcada por atravessamentos, como a necessidade de se inserir no mercado de trabalho, por exemplo. Todas essas questões, aliadas a uma relação de ensino-aprendizagem maçante e desinteressante acabam por encurtar esse caminho, fazendo com que um número significativo de estudantes abandone a escola sem concluí-lo. Figura 83. Padrões. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/multiracial-group-teenage-students-working-class-1825254350. Saiba mais Segundo uma pesquisa realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) para a Unicef (traduzido como Fundo das Nações Unidas para a Infância), em agosto de 2022, dois milhões de crianças e adolescentes, entre 11 e 19 anos, estão fora da escola no Brasil. Entre os principais motivos para o abandono estão: necessidade de trabalhar (48%) e/ou de cuidar de algum familiar (28%), dificuldade de aprendizagem (30%), manutenção de aulas remotas (29%), gravidez (14%), falta de transporte (18%), deficiência (9%) e racismo (6%). A matéria na íntegra está disponível em: https://www.unicef.org/ brazil/comunicados-de-imprensa/dois-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-de-11-a-19-anos-nao-estao-frequentando-a- escola-no-brasil. 112 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Essa realidade alarmante contribuiu significativamente para uma mudança de perspectiva acerca do Ensino Médio, que culminou com a Lei n. 13.415, de 2017, que alterou a LDB e instituiu o chamado “Novo” Ensino Médio, que trouxe mudanças estruturais e, principalmente, metodológicas. Segundo o art. 35-A da LDB, as definições de objetivos e direitos serão explicitadas na Base Nacional Comum Curricular, sendo a composição dividida em quatro áreas do conhecimento: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais aplicadas. Essas grandes áreas abarcam, respectivamente, os seguintes componentes: Figura 84. áreas do Conhecimento BnCC. Fonte: elaborada pelas autoras com base nas regulamentações da BnCC. Cada uma delas possui competências e habilidades específicas. Outra mudança diz respeito à carga horária, que passou de um total de 2.400h (dividida pelos 3 anos)/800h anuais, para um total de 3.000h (nos 3 anos), sendo no máximo 1.800h de Formação Geral Básica (FGB) e 1.200h de Itinerários Formativos (IF). A Formação Geral Básica contempla as competências gerais e as habilidades específicas das áreas de conhecimento. São elas: 113 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 Figura 85. Competências gerais. Fonte: elaborada pelas autoras com base nas regulamentações da BnCC. A mudança não é só na nomenclatura, mas na forma como os componentes serão trabalhados, visando ao desenvolvimento dos estudantes e a relação entre os conteúdos e a vida, como está afirmado no art. 35-A, “§ 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalhovoltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais” (Brasil, 1996, pp. 25-26). Além da Formação Geral Básica, há também os Itinerários Formativos (IF), que trazem a parte diversificada do currículo, apresentando-se como um conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, centros de interesses, que poderão ser escolhidos pelos estudantes para aprofundamento, a partir do 2º ano do Ensino Médio, em uma tentativa de “[...] romper com a centralidade das disciplinas nos currículos e substituí-las por aspectos mais globalizadores e que abranjam a complexidade das relações existentes entre os ramos da ciência no mundo real” (Brasil, 2013, p. 183). Algumas possibilidades de articulação entre as áreas de conhecimento são: laboratórios, oficinas, clubes, observatórios, incubadoras, núcleos de estudos, núcleos de criação artística (Brasil, 2017, p. 472). As eletivas estão pautadas em quatro eixos estruturantes: Mediação e intervenção sociocultural; Investigação científica; Empreendedorismo e Processos criativos. Figura 86. Itinerários. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/new-ideas-thougths-power-modern-design-2143099247. 114 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS E, mediante toda essa mudança, como a avaliação passa a ser compreendida? Entendemos que uma mudança na perspectiva precisa gerar novas concepções acerca da avaliação. Ainda no art. 35-A, é ressaltada a forma como a avaliação será realizada nesta etapa de ensino: § 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem (Brasil, 1996, p. 26). Como podemos ver, houve uma ampliação dos instrumentos e a ratificação da adoção de uma avaliação processual e formativa. No entanto, ainda precisamos aguardar para ver como essas modificações se darão na prática, visto que as mudanças estão sendo implementadas muito lentamente. Para refletir Muitas foram as mudanças na organização e na concepção do Ensino Médio. No entanto, a forma como essa etapa passou a ser estruturada provoca algumas interrogações, principalmente ao levarmos em consideração nossa estrutura socioeconômica e política, ressaltando as relações que são estabelecidas hoje em uma sociedade excludente, preconceituosa, violenta, conservadora, que tenta fechar os olhos para as mazelas do povo. Partindo desse cenário, perguntamos: Será que a grande maioria dos estudantes provenientes das escolas públicas conseguirá focar seus estudos nas suas áreas de interesse? Pensando num contexto de tamanha falta de profissionais da educação e no sucateamento das escolas públicas, haverá oferta generosa de Itinerários Formativos diversificados? Ou o abismo entre as redes pública e privada aumentará ainda mais, refletindo de forma contundente na sociedade? E caso consiga, em qual medida essa formação trará subsídios para uma real formação integral dos estudantes? Será que não estamos fomentando o aumento de mão de obra trabalhadora e, ao “permitir” o contato mais direto com somente alguns componentes, estamos tirando a chance de uma educação que amplie sentidos, que traga possibilidades, que desperte emoções e traga conexões outras? 5.2 Concepções de avaliação na Educação universitária Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra – Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? Pergunta Kublai Khan. – A ponte não é sustentada por essa ou aquela pedra – responde Marco – mas pela curva do arco que estas formam. Kubai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: – Por que falar das pedras? Só o arco me interessa. – Sem pedras o arco não existe (Calvino, 1990, p. 79). 115 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 Refletir sobre avaliação é, necessariamente, olhar, tal qual nos convida Calvino no texto que abre esse tópico, “pedra por pedra”, pois avaliar envolve múltiplas questões. Em cada etapa e modalidade da educação, alteram-se os contextos, os sujeitos, o foco da avaliação. Mas, algumas perguntas permanecem orientando nossas escolhas, a saber: Para que avaliamos? O que avaliamos? Qual o contexto em que os conhecimentos estão sendo produzidos e para que aprendemos? Quem são os sujeitos que ensinam e aprendem? O que é aprender? O que é ensinar? Que projeto educativo fundamenta as práticas pedagógicas (e dentro delas, as avaliativas)? Perguntas que abrem nossas reflexões, indicando que para pensarmos a avaliação na Educação Universitária, numa direção processual, formativa, reflexiva, como a que temos defendido neste Livro Didático, é preciso considerarmos todas essas questões! Figura 87. Educação universitária. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/lecturer-multinational-group-students-auditorium-1420330706. É Boaventura de Souza Santos, sociólogo português cuja obra tem sido muito difundida no campo da educação no Brasil, que afirma que a aprendizagem é autobiográfica ou não é aprendizado. O conhecimento é autoconhecimento ou não é conhecimento do qual possamos dispor (Santos, 2014 apud Passeggi, 2016). Essa afirmação ressalta o aspecto de que toda aprendizagem envolve um sujeito que é contextualizado histórica e culturalmente. Ele traz em si matrizes conceituais, afetivas e cognitivas que são chaves do seu processo de aprendizagem do novo. Isto é, o sujeito ancora o novo na sua estrutura já posta, ressignificando a informação a partir de si mesmo como matriz. Esse aspecto é também defendido pela psicóloga e pedagoga argentina Emília Ferreiro, patrona da Psicogênese da Língua escrita, que, fundamentada nas concepções construtivistas piagetianas, compreende que há um conhecimento prévio que é mobilizado diante dos novos aprendizados, sendo ressignificado a partir de um movimento ativo dos sujeitos na construção de seus conhecimentos. Isto é, aprender não é algo que se dá por mera transmissão, é um processo que implica ação por parte do aprendente! Não somos tábulas rasas nas quais o conhecimento vai ser inscrito! Somos sujeitos da experiência, que aprendemos a todo tempo, em casa, nas ruas, nas instituições. Somos constituídos por experiências que nos habitam e é com elas que iniciamos cada novo aprendizado! 116 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Figura 88. vislumbrando. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/reading-getting-knowledge-473801038. Iniciamos a reflexão sobre a avaliação na Educação Universitária do professor afirmando que avaliar é um processo que supõe, portanto, um sujeito historicamente situado, que já possui uma gama de saberes construídos ao longo de suas experiências de vida e que se fazem presentes em seu percurso formativo na graduação em Educação, incluindo nesses aprendizados as experiências prévias vividas em processos avaliativos anteriores ao longo de sua escolarização. Não são poucos os estudos que dão notícias de que grande parte das experiências avaliativas vividas na escola básica e no ensino médio (e arriscaríamos dizer que também no ensino superior!), tem ênfase maior nos aspectos quantitativos, assumindo, muitas vezes, um caráter autoritário, punitivo, voltada para reprodução do conhecimento e incitando competitividades entre os estudantes (Villas Boas, 1995; Cunha, 1999). É ,muitas vezes, com essa experiência avaliativa que chegamos à universidade e acabamos por esperar que a relação com a avaliação seja semelhante. Outro ponto muito comum também é que ao longo de nossa vida escolar o erro tenha sido vivido como algo de que devemos nos sentirenvergonhados, e, do ponto de vista do professor, algo a ser corrigido. A construção de outra prática avaliativa é um desafio que supõe também considerar as concepções epistemológicas (teoria do conhecimento que estuda como o ser humano adquire e justifica seus conhecimentos), os valores e objetivos que fundamentam o projeto político-pedagógico do curso em questão e as concepções sobre o que é ensinar e aprender na universidade. Nesse sentido, esses aspectos indicados acima, tais como o papel do erro, o sentido e objetivos da avaliação, são temas que ganham outro significado, a depender de como compreendemos tais questões supracitadas. As dificuldades de pensar a avaliação estão, portanto, ligadas às relações de poder que ali se encerram e às necessidades de situar sua função dentro do que se deseja construir no percurso formativo. Do ponto de vista epistemológico, por exemplo, se a ideia que fundamenta dada prática pedagógica é a de que o estudante precisa acumular 117 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 os conhecimentos transmitidos pelo docente, então as práticas que decorrerão serão calcadas na memorização, na repetição, na cópia. E a avaliação terá como objetivo exclusivo averiguar o quanto foi “apreendido” por parte do estudante, quantificando esse aprendizado e conferindo a ele uma nota. Figura 89. Padronização. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/hands-university-student-holding-pen-writing-668259205. Os instrumentos mais usuais para essa verificação serão as provas e/ou testes, com questões objetivas e respostas previstas. De outro modo, se o conhecimento é compreendido na perspectiva crítica, em que as certezas são relativizadas, em que o que se almeja é que o estudante produza suas próprias reflexões a partir dos conhecimentos em foco, seja capaz de elaborar suas ideias, fazer relações entre suas experiências e os conhecimentos, inferências, análises... então as práticas didáticas e avaliativas ganharão outra direção: buscarão fomentar e propiciar experiências que provoquem e estimulem o pensamento crítico, o cotejo entre conhecimentos dos campos teóricos e experienciais, valorizando a autonomia de pensamento dos sujeitos envolvidos. A avaliação é dependente da condição pedagógica, está ligada ao Projeto da Instituição e às Diretrizes Curriculares para a formação de professores (Que professores se quer formar? Para quais funções precisarão se preparar?). Colocadas essas perguntas que enunciamos – Para que avaliamos? Para que aprendemos? O que e como aprendemos? – compreendemos que no caso em especial da formação de professores, interessa-nos formar um profissional capaz de pensar, de transitar por ideias, de interpretar os conceitos, de relacionar os estudos com as experiências vivenciadas no chão da escola, criativamente, reflexivamente. Recorrendo às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia (DCNP), temos no art. 2º, § 1º, que a docência deixa de ser prática docente em sala de aula e assume dimensão mais abrangente: 118 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo (Brasil, 2006, p. 1). Saiba mais A história e luta política que discute a formação do professor, expressa no processo de discussão das DCNP, é também tema que merece aprofundamento. Indicamos o artigo “Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: docência, gestão e pesquisa”, de Olinda Evangelista e Jocemara Triches, da Universidade Federal de São Carlos (disponível em: https:// gepeto.ced.ufsc.br/files/2015/03/artigo_olindaejocemara_docencia_gest%C3%A3o_e_pesquisa.pdf). O artigo, embora seja de 2018, traz uma reflexão atual sobre o teor das DCNP e a necessária atenção para que a formação não se fragilize e superficialize. Vimos, então, que avaliar na Educação Universitária é uma ação que está relacionada ao Projeto Pedagógico institucional, às Diretrizes Nacionais e seus indicativos. Trata-se de uma prática social, intersubjetiva e relacional, carregada de valores. Avaliar implica uma reflexão radical sobre os significados dos fenômenos educativos, dos sentidos e valores que estão sendo realizados na educação (Dias Sobrinho, 2008). Práticas avaliativas que podem efetivamente contribuir para a formação docente precisam, portanto, compreender o professor como sujeito ativo na produção de seus conhecimentos, que precisa ter suas experiências e conhecimentos prévios mobilizados e valorizados. Compreende também que formar um docente diz respeito a possibilitar o incremento e desenvolvimento da capacidade interpretativa dos sujeitos, de elaboração crítica dos contextos sociais em que vivem e atuam, colaborando para que possam construir uma docência viva, comprometida política e eticamente com a formação de crianças e jovens. 5.2.1 Pesquisa, ensino e extensão: tripé que amplia o diálogo O princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão remete a um conceito de qualidade do trabalho acadêmico que favorece a aproximação entre universidade e sociedade, a auto-reflexão crítica, a emancipação teórica e prática dos estudantes e o significado social do trabalho acadêmico. A concretização deste princípio supõe a realização de projetos coletivos de trabalho que se referenciem na avaliação institucional, no planejamento das ações institucionais e na avaliação que leve em conta o interesse da maioria da sociedade (Andes, 2003, p. 30 apud Mazzilli; Maciel, 2010, p. 4). 119 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 A epígrafe acima afirma o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, pilar da universidade brasileira. Essa indissociabilidade se refere à capacidade de retroalimentação desses três pilares. A pesquisa impacta o ensino, que impacta as ações de extensão, que impacta a pesquisa... e num processo recursivo, em que cada esfera impacta a outra, se dá essa interconexão. Importante destacar que quando pensamos o ensino, a pesquisa e a extensão necessariamente estamos incluindo as práticas avaliativas, pois elas são parte fundamental dos percursos pelos quais esses três pilares se estruturam e organizam. Figura 90. O tripé. Fonte: elaborada pelas autoras. Maria Isabel Cunha, cientista social que tem se dedicado a investigar o ensino superior, e atualmente é colaboradora no PPG Educação da Universidade Federal de Pelotas, defende que a avaliação seja vivenciada como uma atividade de pesquisa. Citando a obra de Paoli, Cunha afirma que a relação entre ensino e pesquisa pode representar uma ação importante no contexto da formação docente. Compreender o ensino como pesquisa possibilita a construção de “[...] habilidades intelectuais básicas para ocorrer a reflexão” (Paoli, 1988, p. 39). Isto é, viabiliza a incorporação de atitudes científicas que envolvem a investigação e a pesquisa como ações pedagógicas cotidianas. Pensar o ensino como pesquisa, e, portanto, também a avaliação, que é parte do ensino, implica considerar a dúvida, a inventividade, o questionamento permanente como elementos pertencentes ao aprendizado. Há também no modo de entender ensino como pesquisa que compreende o conhecimento como provisório e relativo, contextualizado historicamente. Valoriza também a ação reflexiva, o desenvolvimento da capacidade de estudar, refletir e sistematizar conhecimentos socialmente organizados. Estimula a análise, a capacidade de compor e recompordados, argumentos, informações, ideias, valorizando a reflexão crítica sobre as situações, conhecimentos, contextos. A pesquisa valoriza o pensamento divergente, a incerteza como parte do processo de aprender e conhecer. Estranha verdades muito estabelecidas e encara o erro como um processo que faz parte do 120 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS percurso formativo. É também característica da pesquisa a compreensão da necessária interdisciplinaridade dos conhecimentos, o desafio de propor conexões e relações entre informações e saberes oriundos de distintos campos do saber. Supõe certa autonomia intelectual na construção do conhecimento e compreende o professor do ensino superior menos como alguém que vai tutelar o estudante e mais como um orientador, que instiga caminhos de busca, organização do pensamento e formulação de questões de estudo, bem como aquele que apoia no percurso de busca de informações e organização dos achados. Cunha afirma que a pesquisa é uma atividade inerente ao ser humano, acessível a todos e a qualquer nível de ensino em verdade, claro que com distintas formas de realizá-la e níveis de aprofundamento também distintos (Cunha, 1996). Esses pressupostos convocam o docente no cenário da aula da graduação a integrar uma série de possibilidades! Valorizando a produção de conhecimento, convidando o estudante a construir com ele a aula, provocando questionamentos, instigando o estudante a trabalhar coletivamente, a refletir sobre o contexto histórico e social em que está imerso. Vale destacar que ao conceber ensino como pesquisa, estamos também interessados em pensar em um conhecimento que não se fixa apenas no campo das ideias, mas está ligado ao cotidiano, às questões que emergem das escolas, as problemáticas que assolam a atualidade, tomando a pesquisa também como modo de construir caminhos para os desafios que se colocam nos dias de hoje. Por fim, reconhecemos que a formação profissional é um processo em que não se pode separar o que é a formação pessoal da profissional, que se dá numa realidade concreta, que responde a questionamentos que as pessoas se fazem. A educação e a pesquisa são elementos constituintes do processo de formação humana, que se colocam contra a ignorância, os autoritarismos e centralidades do saber instituído, valorizam o questionamento como marca específica do sujeito histórico e se dedicam a investigar a correlação entre teoria e prática 5.3 As modalidades de ensino e a avaliação A Educação brasileira está organizada em níveis, etapas e modalidades de ensino. O primeiro nível é a Educação Básica, dividida em três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. O segundo nível é a Educação Universitária. Além dessas divisões, existem as modalidades, que poderão percorrer todos os níveis e etapas, uma vez que não há um momento específico para que aconteçam. São modalidades: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional e Tecnológica, Educação à Distância, Educação do Campo, Indígenas e Quilombolas e Educação em 121 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 Estabelecimentos Penais. Dessa forma, a Educação Especial, por exemplo, acontece na Educação Infantil, no Ensino Fundamental, Médio e na Educação Universitária. Sugestão de estudo Conhecer os níveis, as etapas e as modalidades educacionais, de acordo com as nomenclaturas corretas, pode parecer confuso. Por isso, indicamos este vídeo que traz esse conteúdo de forma simples, a partir de uma analogia bem assertiva e de fácil assimilação. O vídeo está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sY55-eY3LBI&t=143s. A partir de agora, trataremos rapidamente sobre a avaliação em três modalidades de ensino, a saber: Educação a Distância (EaD), Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Especial. Essa escolha se deu pela necessidade de um recorte, uma vez que essa disciplina lança um olhar sobre a avaliação da aprendizagem e está em constante diálogo com as outras disciplinas do curso e por acreditarmos que essas três modalidades são as que você mais irá se deparar no cotidiano das instituições educacionais. No entanto, como já dissemos anteriormente, não pretendemos trazer aprofundamentos, mas sim, dar um panorama mais geral. 5.3.1 Concepções de avaliação na EaD A modalidade do Ensino a Distância (EaD) já tem um longo percurso em nosso país e se desenvolveu a partir de diferentes aparatos: correspondência, rádio, televisão e outros. É regulamentada pela LDB e outros pareceres e resoluções que foram sendo editados pelo governo ao longo dos anos para regrar e adaptar a EaD às diferentes demandas que vêm surgindo. Os diversos decretos e leis visam organizar e qualificar seu exercício, supervisionando e ampliando sua oferta e favoreceram não apenas o aumento da oferta de vagas no ensino superior, mas também impactaram em sua qualidade ao definir critérios para seu credenciamento, supervisão e avaliação dos cursos (Soares; Silva, 2020). Figura 91. Disciplina e protagonismo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/young-millennial-male-student-searching- information-1179932260. 122 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Sugestão de estudo Para saber um pouco mais sobre a história e os percursos da EaD, sugerimos o o artigo “Entenda como surgiu o EaD e sua evolução no Brasil”, disponível em: https://www.ead.com.br/blog/como-surgiu-ensino-a-distancia. Agora, para conhecer as Resoluções e as alterações que impactaram a EaD, sugerimos o artigo de Soares; Silva, intitulado “Regulamentos da EAD no Brasil e o impacto da Portaria n. 343/2020 no Ensino Superior”, publicado na Revista EaD em Foco, no ano de 2020, disponível em: https://eademfoco.cecierj.edu.br/index.php/Revista/article/view/1043/550. Atualmente, a EaD já é considerada uma modalidade consolidada no Brasil, e especialmente após o período de pandemia, segue em plena expansão. No primeiro ano de pandemia no Brasil, as matrículas na Educação Universitária, na modalidade EaD aumentaram 7,7 pontos de 2019 para 2020, o que representa um salto de 19,1% para 26,8% (SEMESP, 2022). Destaca-se como um dos aspectos positivos da EaD a perspectiva de democratização do ensino que permite o acesso à população que mora em regiões com limitações geográficas e/ou espaciais a instituições educativas ou que, por alguma outra razão, não tem a possibilidade de realizar seus estudos presencialmente. São mais de 1.800 cursos, do Ensino Fundamental até a Pós-graduação, que atendem cerca de 4 milhões de pessoas em todo o território nacional. No que diz respeito à avaliação, um desafio em especial se coloca. Dada a ausência ou a pouca incidência de encontros presenciais, a comunicação textual ganha um destaque fundamental e é preciso que permita, tanto quanto possível, criar uma proximidade no processo de ensino e aprendizagem. Isso requer que o docente construa uma comunicação o mais tangível possível, explicitando de forma compreensível e acessível seus pedidos e proposições, no caso das atividades e propostas de avaliação. É também via texto escrito que os feedbacks poderão ser feitos, bem como a elucidação das dúvidas e o intercâmbio de conhecimentos. Na educação online, as estratégias de avaliação são mediadas pela tecnologia e, dependendo da plataforma e do projeto político-pedagógico do curso, muitas são as ferramentas possíveis para se propor experiências de avaliação. Fóruns, que permitem uma interação entre os participantes; questionários, testes de escolha múltipla, possibilidade de criação de blogs e portfólios, entre outras. Os novos contextos digitais têm também modificado a forma como as pessoas utilizam a internet e interagem umas com as outras, e também a maneira como lidam com a informação e com o conhecimento, refletindo no campo educacional. Fortalece-se a possibilidadede que os estudantes tenham uma atitude mais criativa em suas produções, passando de consumidores de informações a criadores de conteúdos, por meio do 123 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 compartilhamento por meio do software social, passando a fazer parte do corpus de informação e de conhecimento disponíveis na web. Figura 92. tecnologia. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/analyst-working-business-analytics-data- management-1857484450. Amante, Oliveira e Pereira (2017) utilizam o conceito de avaliação digital alternativa, defendendo uma cultura da avaliação em contraposição a uma cultura do teste. O modelo pedagógico virtual da Universidade Aberta em Portugal inspira a possibilidade de se ultrapassar práticas tradicionais de avaliação centradas nos conteúdos e na mera função de classificação (Pereira; Oliveira; Amante, 2017), considerando quatro princípios: a aprendizagem centrada no estudante; o primado da flexibilidade; o primado da interação; o princípio da inclusão digital (Amante; Cabral, 2014, p. 2). É também uma perspectiva fundamental que a avaliação possa fazer relação com questões “reais”, relativas ao campo educativo, que permita aos estudantes conectarem teoria e prática. Nesse sentido, a chamada “cultura de avaliação” dá relevo a aspectos como autenticidade (aprendizagem situada em contextos reais e ligada à vida profissional), o trabalho coletivo, em grupo, com interação e troca e no feedback, essencial para a comunicação e a construção de conhecimentos. É também muito importante na EaD que o estudante possa autorregular-se, desenvolvendo autonomia intelectual, uma atitude propositiva com relação às tarefas. Nesse sentido, algumas propostas são mais favoráveis ao incremento da autonomia e do pensamento crítico, tais como a realização de podcasts, ensaios, textos argumentativos reflexivos etc. A respeito da relevância do feedback, trazemos uma reflexão de Angelita Flores que destaca o papel central da comunicação na EaD e o papel do professor: 124 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Todos os que emitem uma mensagem sentem necessidade de feedback, seja acerca dos aspectos positivos ou da necessidade de melhorias. Nos modelos de Educação a distância (EaD) que utilizam a Internet como tecnologia principal ou de apoio, o professor que está no ambiente virtual de aprendizagem diretamente em contato com os alunos, pode utilizar o feedback para a responder dúvidas, avaliar e desenvolver outras atividades inerentes à docência. Como isso, estará cumprindo o seu papel de, “[...] orientar, acompanhar e avaliar os alunos durante o desenvolvimento das disciplinas. O professor virtual é responsável pela orientação pedagógica dos alunos. Seu papel central é alinhar os conteúdos com o repertório cultural dos estudantes. Os professores virtuais estimulam a motivação dos alunos para aprendizagem, esclarecem as dúvidas e problemas que surgem durante o estudo, avaliam e fornecem feedback em relação ao processo de aprendizagem, proporcionando, por fim, uma aprendizagem significativa” (Unisulvirtual, 2009a, p. 41-42 apud Flores, 2009, p. 2). Em síntese, para que a avaliação na EaD tenha caráter formativo, como temos defendido nesta disciplina, fundamentadas nos estudos do campo da avaliação e nas Diretrizes Nacionais, é preciso que as atividades e propostas colaborem para auxiliar o estudante a aprender a se desenvolver com autonomia, promovendo a possibilidade do incremento da visão crítica e contextualizada e concorrendo para a coerência entre as práticas educativas e o projeto pedagógico mais amplo do curso ao qual está vinculado. A avaliação formativa não é um modelo científico, mas antes uma aposta, uma utopia promissora, como afirma Hadji (2001), capaz de orientar o trabalho dos docentes no sentido de uma prática avaliativa que esteja a serviço da construção de conhecimentos. Essa dimensão utópica possibilita compreender a impossibilidade de apresentar e de realizar o que corresponderia a um modelo acabado de avaliação formativa. Ela sempre será parcialmente sonhada. Mas isso não impossibilita trabalhar para progredir nessa direção, bem ao contrário (Hadji, 2001, p. 25). Fundamental ter em mente que atrás das telas há um sujeito, com sua história, sonhos, desejos, dificuldades e toda a sua subjetividade, recebendo, enviando e interpretando mensagens (e na frente das telas também! Professores e estudantes, sujeitos reais, e não máquinas!). O desafio que se coloca é, portanto, realizar uma educação a distância que não promova uma “distância da educação”! 125 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 5.3.2 Concepções de avaliação na Educação Especial [...] aquilo que está “do outro lado” da normalidade não é a anormalidade senão o tempo. Ou, dito de outro modo: necessitamos do normal quando não temos tempo para conversar. Se tivéssemos tempo, não necessitaríamos da ideia do normal nem julgaríamos. Mas como não há tempo, julgamos. Nada na atualidade das instituições educacionais parece mostrar que se vêm intervindo em termos das intensidades do tempo pedagógico. Muito pelo contrário, tudo continua preso à voracidade, à urgência, à celeridade. E já sabemos que, diante da pressa como imperativo de uma época, sempre caem derrotados os mesmos: aqueles e aquelas cuja diferença implica outra relação com o tempo, outra identificação com o tempo, outra existência dentro do tempo (Skliar, 2019, p. 70). A Educação Especial é, conforme sinalizado anteriormente, uma modalidade da educação. Isso porque ela perpassa todas as etapas e segmentos, não ficando restrita a nenhuma delas. Dessa forma, ela estará presente da Educação Infantil ao Ensino Médio e na Educação Universitária. A LDB traz, a partir do art. 58, determinações sobre seu funcionamento e atendimento. O público atendido nessa modalidade tem características específicas, atualmente contemplando as deficiências, os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) – abrangendo mais comumente autistas e asperges – e as Altas Habilidades e Superdotação. A inserção desses estudantes nas redes de ensino, garantindo, por exemplo, o direito de atendimento na Sala de Recursos Multifuncional, a redução do quantitativo de crianças em turma e o acompanhamento por profissional especializada/o – Agente Auxiliar de Educação Especial (AAEE), Estagiários, Intérpretes de Libras – geralmente só podem ser feitos mediante apresentação de laudo médico, o que acaba por gerar atrasos e dificuldades, já que o fechamento de um laudo não é simples – na maioria dos casos. Figura 93. Adaptações. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/minas-gerais-brazil-april-11-2020-1701193264; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/kindergarten-preschool-classroom-interior-145240774. 126 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS São muitas as conquistas circunscritas na letra da lei, mas ainda está longe de ter seus direitos respeitados dentro das instituições, pois ainda há uma carência significativa de pessoal para um acompanhamento pedagógico de qualidade ao público, já que os professores das turmas regulares, em muitos casos, ficam sozinhos, sem mediadores e o agente de apoio à Educação Especial, impactando diretamente no processo avaliativo do estudante, pois se torna complexo ampliar e potencializar as aprendizagens de cada criança, já que os processos são singulares. Saiba mais Libras é a sigla utilizada para nos referirmos a Língua Brasileira de Sinais, um conjunto de gestos por meio dos quais os deficientes auditivos usam para se comunicarem com ouvintes ou outras pessoas surdas. Na rede pública municipal do Rio de Janeiro, além da possibilidade de os deficientes terem intérpretes de Libras, existem as Escolas Bilíngues em Libras, nasquais a presença desses profissionais é mais regular, atuando em parceria com os docentes responsáveis pelo atendimento das turmas. A perspectiva de inserção que a legislação fomenta é a de caráter inclusivo, primando pela participação desses estudantes no convívio com os outros, nas popularmente chamadas “classes regulares”. Isso porque há as Classes Especiais, turmas compostas somente por discentes que são público-alvo da Educação Especial. Ao longo dos anos, elas foram sendo reduzidas e os estudantes que tinham condições, foram sendo realocados em turmas sem quaisquer especificidades, permanecendo nessas classes, somente aqueles que apresentavam maiores comprometimentos. Hoje, a concepção é de uma educação inclusiva, que abarque as diferenças de todos, visto que somos seres únicos e singulares, não só em nossa forma de ser e estar no mundo, como em nossa forma de nos relacionarmos com o conhecimento ( Glat; Blanco, 2009). Figura 94. Inclusão. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/world-autism-awareness-day-mental-health-1563486019. As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica reforçam essa ideia ao afirmarem que: 127 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 Uma escola que inclui todos supõe tratar o conhecimento como processo e, portanto, como uma vivência que não se harmoniza com a ideia de interrupção, mas sim de construção, em que o estudante, enquanto sujeito da ação, está continuamente sendo formado, ou melhor, formando-se, construindo significados, a partir das relações dos homens entre si e destes com a natureza (Brasil, 2013, p. 54). E é de maneira integral que a formação é entendida nessa modalidade, que se utiliza de instrumentos bem específicos no que tange ao acompanhamento dos processos vivenciados pelos estudantes. O principal deles é o Plano Educacional Individualizado, conhecido como PEI, um documento que abriga informações sobre cada pessoa incluída, e traça os caminhos que serão trilhados por elas, de modo a dialogar com as suas necessidades educacionais: pedagógicas, sociais, afetivas, cognitivas. A LDB traz, em seu art. 59, a forma como essa modalidade é concebida, destacando também concepções sobre avaliação, a saber: Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular (Brasil, 1996, p. 40). Como podemos perceber, há um olhar diferenciado para a avaliação nessa modalidade de ensino. Precisamos, portanto, compreender e adotar, cada vez mais, uma perspectiva 128 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS verdadeiramente inclusiva para com todos os estudantes, pois cada um é diferente e é no acolhimento dessas diferenças, somando forças e atuando coletivamente, que traremos para uma educação democrática, libertária e decolonizadora. 5.3.3 Concepções de avaliação na Educação de Jovens e Adultos (EJA) Ao ensinar, deveríamos deixar passar o que já sabemos e atravessar pelo que ainda não sabemos; deveríamos oferecer signos, palavras, textos, sabores que possam atravessar aqueles que os recebem; educar com uma travessia ao mundo e não como uma representação ou duplicação ou seleção de certo tipo de mundo particular ou privado; oferecer signos diversos do mundo, construir travessias do educar e torcer para que o tempo não passe tão depressa. Ensinar também é uma arte que conjuga travessia e a pausa: caminhos entre passados, presentes e por vires distintos; caminhar para os lados para viver juntos durante o ensinar, detendo-nos a escutar, olhar, escrever, ler, pensar, brincar, narrar, estudar (Skliar, 2019, p. 54). Skliar mobiliza a viver uma Educação em que vamos nos encantando na travessia, convocando a sentir outros sabores, outros signos, enveredando por outros caminhos, pausando, mudando de rota se for necessário. Acreditamos que isso tudo tem a ver com as concepções de avaliação da Educação de Jovens e Adultos. Já que o público que faz parte dessa modalidade conhece as nuances da escola e seus rituais. Por isso, é fundamental caminhar para outros lados, olhar por outros vieses, pois diferente de como apontou Corrêa (2020) na seção referente à concepção de avaliação da Educação Infantil, os estudantes da EJA já passaram por processos de avaliações excludentes, em alguns casos até desrespeitosos, que deixaram à margem outros saberes e sabores que cada um possui, e, por isso, é preciso que os processos avaliativos sejam outros, contando com instrumentos diversos, que não somente as avaliações classificatórias. É preciso se aproximar dos instrumentos que avaliam a Educação Infantil, pois eles são basilares para qualquer processo avaliativo, como travessia de uma avaliação formativa, respeitosa, e que a contribuição do outro seja parte integrante do processo. A Educação de Jovens e Adultos (EJA), assim como a Educação Especial, é uma modalidade de ensino. Ela objetiva oportunizar o retorno aos estudos daquelas pessoas que, por algum motivo, não conseguiram terminar seus estudos na idade/tempo certo. Ela pode ser ofertada de forma presencial ou remota e tem como público-alvo pessoas de 15 anos completos ou mais, no caso do Ensino Fundamental e acima de 18 anos, no que se refere ao Ensino Médio, que exercerão seu direito à educação ao longo da vida. 129 AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS • CAPÍTULO 5 Figura 95. nunca é tarde! Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/elderly-man-studying-group-young-college-104037536. A organização das práticas pedagógicas precisa estar alinhada com as especificidades do grupo de estudantes. Sendo assim, os métodos e a linguagem precisam ser adequados de acordo com a faixa etária e interesse dos estudantes. O oferecimento dessa modalidade precisa considerar que muitos de seus estudantes trabalham, por isso, há necessidade de oferta da EJA nos turnos da manhã, tarde e noite. É importante demarcarmos também o art. 4º, inciso VII, da LDB, que trata “Do Direito à Educação e do Dever de Educar”: “oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola” (Brasil, 1996, s.p.). A LDB traz informações sobre a EJA no art. 37, que trata da forma de ingresso, destacando-se aqui o seu inciso II: “os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames” (Brasil, 1996, s.p.). O art. 38 abrange as concepções avaliativas: Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos emcaráter regular. § 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I – no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II – no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. § 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames. 130 CAPÍTULO 5 • AvALIAçãO, SuJEItOS E CuLtuRA: DIFEREntES COnCEPçÕES, POSSÍvEIS CAMInHOS Como podemos perceber, está presente uma mesma perspectiva de avaliação enquanto processo formativo que visa ao desenvolvimento integral dos sujeitos. Nessa modalidade, no entanto, pode-se adotar a progressão continuada, a fim de viabilizar avaliações “fora” de um período anual, como normalmente estamos acostumados. Há também avaliações regulares a cada bimestre, possibilitando que a conclusão dos módulos seja acelerada e permitindo um tempo mais alargado para os que ainda necessitarem. Enfim, concluímos que em todas as etapas, níveis e modalidades de ensino é necessário não só uma legislação que garanta especificidades, mas uma prática pedagógica, um cotidiano, atividades, espaços-tempos que propiciem uma educação integral, que compreenda os sujeitos como seres inteiros, em constante mudança e possibilidade de interação, cujos processos de construção de conhecimento se darão de forma contínua, por toda a vida, seja ela formal ou não. Sintetizando Vimos nesta aula que: » Os documentos mandatórios trazem em seus textos concepções de avaliação que costumam dialogar com as ideias que se tem para cada nível, etapa e modalidade. » A Educação Básica é o primeiro nível da Educação e a Educação Universitária, o segundo. » A Educação Básica é subdividida em três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. » A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica é atendida nas Creches (0 a 3 anos) e Pré-escola (4 e 5 anos). » A avaliação na Educação Infantil não tem intenção de promoção, mas sim de acompanhar e auxiliar no processo de construção de conhecimento das crianças. » O Ensino Fundamental é a segunda etapa da Educação Básica. » O Ensino Fundamental é ofertado para crianças/jovens de 6 a 14 anos, compreendendo os Anos Iniciais (1º ao 5º ano) e Anos Finais (6º ao 9º). » O Ensino Médio é a terceira etapa da Educação Básica e tem a duração de 3 anos. » O Ensino Médio passou por reformulações e, agora, além dos componentes referentes à Formação Geral Básica, compreende também os Itinerários Formativos. » Os componentes estão divididos da seguinte maneira: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais aplicadas. » A Educação Universitária compõe o segundo nível da educação. » A Educação Especial, Educação a Distância e a Educação de Jovens e Adultos são modalidades educacionais, pois permeiam todas as etapas da educação. » Em todas as modalidades, etapas e níveis, a discussão e reflexão sobre uma avaliação integral, processual, formativa se faz urgente e necessária. 131 Introdução do capítulo Num mundo caótico, sonhar é sobrevivência União e um propósito, subir junto nesses pódios “Enfrentamo” dez leão por dia, pra zerar juntos esses jogos Brasil, Round 6 num nível hard, mas temos coragem que enche os olhos Meu canto nunca foi só meu, vem de longe, papo de séculos Eu não carrego o mundo só, mesmo quando é eu e meus cadernos “Caminhamo” junto até no incerto, nada paga a fé que em mim investem Dos coros até esgotar ingressos, mãe, sou resultado das suas preces É por nós, quando “to no mic” Fortalecida pro combate Às vezes, o corre é sem massagem E esses abraços são resgate Quem sonha junto, sobe junto (é quente) Sonha junto, sobe junto (por nós) Quem sonha junto, sobe junto (é isso) Ninguém sonha sozinho nesse mundo Hip-hop é sobre vencer coletivamente, certo? Se você vencer sozinho, a vitória é do sistema Quem sonha junto, sobe junto É isso Paz (Souza et al., 2022). 6CAPÍTULO AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS 132 CAPÍTULO 6 • AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS Este é o último capítulo do livro de Avaliação da Aprendizagem. E é sonhando coletivamente e resistindo para reexistir, como trazem Drika Barbosa, Emicida e Matuê, na música “Sobe junto”, cujo trecho está destacado acima, que pretendemos finalizar este material, pois acreditamos em uma Educação que se faz a partir de uma base estética, ética, afetiva, política, na qual todas as pessoas estão juntas em prol de uma sociedade mais justa, democrática, equânime, equilibrada e afinada com uma vida sustentável e saudável, em que os processos educativos sejam experiências fortalecedoras, espaços onde vivemos experiências potentes que passarão a nos constituir, onde firmaremos nossas bases numa comunidade de aprendizagem. Ao longo de todo o material, fomos tecendo fios e, agora, ao final, esperamos que as tramas tenham sido bem costuradas e os pontos firmemente alinhavados, a fim de que teoria e prática tenham se entretecido e gerado um conhecimento bem cerzido. Nosso objetivo é que você possa ir correlacionando os conhecimentos e estudos aqui apresentados, refletindo sobre os questionamentos que trouxemos e fazendo também a articulação entre esses estudos e as diferentes experiências de avaliação que você já vivenciou, seja na condição de estudante ou professor. Tais reflexões pretendem ser flecha lançada em direção ao professor que você está se formando. Como seus novos conhecimentos permitem a você pensar nas práticas que pretende vivenciar como docente? Ou, se já atua no campo, essas leituras lhe trouxeram ideias e desejos de promover alterações, experimentações na sua prática? Quais? Como? Ou se, de outro modo, essas propostas lhe parecem muito difíceis de serem colocadas em prática? E se assim lhe parece, por quê? Quais os desafios para se promover práticas avaliativas que tenham um caráter processual, que possam efetivamente se constituir em oportunidades de pensar sobre o que se sabe? De fato, defendemos uma compreensão de avaliação que tem como objetivo ampliar sua possibilidade de relacionar o que está aprendendo com outros temas, assuntos, enfim, que permitam que o conhecimento seja apropriado de forma ativa pelos estudantes por meio de uma avaliação que mobiliza a reflexão, a criação, de modo desafiante e formativo. Diante disso, a ideia é que neste capítulo algumas reflexões sejam retomadas, no intuito de organizar uma espécie de síntese do que fomos trabalhando, que permita também estabelecer algumas referências importantes, algumas ideias mais robustas sobre o tema, a título de conclusão, que não pretende, de forma alguma encerrar o assunto, mas sim, dar alguns arremates que ampliem o repertório e fomentem diálogos. Sendo assim, a primeira seção fará um apanhado da parte legislativa aliada às políticas públicas que tratam do assunto, destacando os retrocessos e as descontinuidades a partir de um olhar que se volta à prática cotidiana. No próximo item deste capítulo, elencaremos os desafios que envolvem realizar uma avaliação na contemporaneidade que tome o chão 133 AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS • CAPÍTULO 6 da escola e as relações cultivadas no dia a dia como foco de trabalho. Esse é um desafio, pois vivemos em meio a uma sociedade pautada em relações capitalistas que primam pelo mérito e lucro. Sociedade em que os individualismos regem as relações que acabam por garantir a vitória do sistema, como diz o trecho que abre o capítulo. Mas, será possível colocar em prática ações que sejam uma força contra-hegemônica, atuando como resistência a essa lógica? Acreditamos que sim! E, ao longo do material, fomos dando diversas pistas. Por último, finalizamos o texto (re)afirmando o que defendemos desde o primeiro capítulo: a educação como um processo coletivo, que só tem sentido nessa coletividade e que, por isso, necessita de uma Avaliação Ubuntu, na qual as partes sejam integradasa um todo, formando uma comunidade de aprendizagem (Hooks, 2017) pautada em relações dialógicas, pensamentos decoloniais e uma educação sensível. Figura 96. Cosmovisão. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/modern-flat-character-woman-dream-universe-1548312617; https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/modern-flat-character-woman-dream-universe-1532349059; https://www. shutterstock.com/pt/image-vector/two-hands-creation-adam-design-concept-1838732326; https://www.shutterstock. com/pt/image-vector/universe-motivation-banner-cloud-dark-cosmos-1904852215. Esperamos que a jornada tenha sido tão frutífera para você quanto foi para nós. Pretendemos construir uma rede de conhecimentos que entremeiem prática-teoria-prática-teoria, de forma que uma retroalimente a outra, em um processo que não se finde, já que a formação é constante, mesmo quando não nos damos conta, não prestamos tanta atenção. Desejamos que você tenha conseguido compreender as reflexões críticas que trouxemos e se inquietar com a realidade do sistema avaliativo na educação, de modo que, ao ingressar nas instituições educacionais possa escolher olhar para o miúdo, escutando atentamente e se implicando no processo. 134 CAPÍTULO 6 • AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS E se você já atua na educação, que possa lançar um olhar renovado sobre as práticas, experimentar caminhos e propostas diferentes das mais tradicionais e criar uma prática avaliativa nas direções sugeridas! É trabalho que também é processo. Lemos, estudamos, experimentamos, colocamos em prática, avaliamos, revemos, replanejamos. Educar é um trabalho que nos convoca a estar sempre ampliando nossos olhares, compreendendo melhor o que fazemos, inventando modos de habitar os espaços institucionais. Trabalho que não está pronto e acabado, mas que se faz é assim, no caminhar. Com estudo, troca, experimentação, reflexão. Vamos a ele! Objetivos » Ratificar uma concepção de avaliação de cunho processual, contínuo e formativo. » Arrematar discussões que foram sendo tecidas ao longo do material. » Defender uma educação que se faz coletiva e criticamente. » Apontar caminhos que envolvam a relação dialógica, o senso de comunidade, a educação do sensível e a decolonialidade como premissas para uma educação integral, democrática e libertadora. 6.1 Políticas públicas: retrocessos, descontinuidades e desencontros Figura 97. Perguntar, refletir, observar. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/adorable-african-little-boy-wearing-glasses-1724344921. Ao longo do material, percebemos o quanto as políticas públicas, principalmente, mas não somente, também as educacionais, são marcadas por rupturas e descontinuidades; grande parte delas por conta da necessidade de afirmação política por parte dos governantes, que, ao serem eleitos, tendem a romper com as ações do governante anterior, 135 AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS • CAPÍTULO 6 numa demonstração de poder e “trabalho”. Essa atitude, porém, acaba por atravancar o progresso de ações que, em alguma medida, estavam começando a dar bons resultados, pois necessita-se de um tempo para que as sementes comecem a germinar. Tempo este que, grande parte das vezes, não é respeitado, arrancando-se o arbusto da terra ou “alimentando-o” com agrotóxicos que acabam por acelerar o seu crescimento, mas sem a qualidade que se esperava. Uma proposta, ao ser implementada, requer um tempo, envolve errar, acertar, experimentar, compartilhar dúvidas, tentar caminhos. É um processo de construção, que convoca à reflexão, ao trabalho coletivo, à tomada de decisões. Isso envolve profissionais ativos, pensantes, interessados em promover uma educação que inclua, acolha, faça pensar. Figura 98. Maturar. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/young-man-child-hold-small-tree-1718247283; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/start-think-big-recovery-challenge-life-2055565847. Esse é um panorama que se repete, quadriênio após quadriênio e, às vezes, acontece dentro do próprio governo reeleito. Não podemos perder de vista que, na educação, lidamos com seres humanos, organismos vivos, complexos e diversos, para os quais pretendemos coisas que nem sempre dialogam com as ideias que têm para si mesmos. Dessa forma, não é tarefa simples implementar políticas públicas que agradem todos os profissionais da educação, estudantes e suas famílias, bem como a sociedade civil, que tende a opinar bastante quando o assunto é educação. Tendo isso em corpo – já que a mente traz a ideia de que somente a cabeça pensa – iniciamos nossas reflexões com as avaliações de larga escala, seus contextos e objetivos para a educação de crianças, jovens e adultos; bem como os impactos que trazem para as suas vidas. De que forma? A quais custos? Para provar o quê? Para quem? Não é novidade que vivemos em uma sociedade extremamente desigual e excludente. Enquanto profissionais da educação, lutamos para que essa não seja uma realidade. No entanto, ainda compactuamos com esse sistema necropolítico (Mbembe, 2016) ao buscarmos mecanismos avaliativos que nos padronizam e impossibilitam que nossas subjetividades e singularidades se destaquem, aumentando ainda mais os abismos que nos separam e 136 CAPÍTULO 6 • AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS os buracos que nos igualam a uma condição de subalternidade, enquanto uma minoria lucra com nossos esforços e reforça a ideia de que temos que nos preparar para o mercado de trabalho, produzir mais, nos doar mais, mantendo, assim, as relações de opressão e dominação de um sistema insustentável e nocivo. Entretanto, a ênfase excessiva nos resultados das avaliações externas – que oferecem indicações de uma parcela restrita do que é trabalhado na escola – pode produzir a inversão das referências para o trabalho pedagógico, o qual tende a abandonar as propostas curriculares e orientar-se apenas pelo que é avaliado por esses sistemas. Desse modo, a avaliação deixa de ser parte do desenvolvimento do currículo, passando a ocupar um lugar indevido no processo educacional. Isso ocasiona outras consequências, como a redução do ensino à aprendizagem daquilo que é exigido nos testes. A excessiva preocupação com os resultados desses testes sem maior atenção aos processos pelos quais as aprendizagens ocorrem, também termina obscurecendo aspectos altamente valorizados nas propostas da educação escolar que não são mensuráveis, como, por exemplo, a autonomia, a solidariedade, o compromisso político e a cidadania, além do próprio ensino de História e de Geografia e o desenvolvimento das diversas áreas de expressão. É importante ainda considerar que os resultados da educação demoram, às vezes, longos períodos de tempo para se manifestar ou se manifestam em outros campos da vida humana. Assim sendo, as referências para o currículo devem continuar sendo as contidas nas propostas político-pedagógicas das escolas, articuladas às orientações e propostas curriculares dos sistemas, sem reduzir os seus propósitos ao que é avaliado pelos testes de larga escala (Brasil, 2013, p. 124). Saiba mais Necropolítica é um conceito filosófico criado pelo filósofo e historiador camaronês Achille Mbembe, explicado e citado pela primeira vez por ele, em 2003, em um ensaio que publicou e acabou virando o livro “Necropolítica”, lançado em 2019. Nele, o autor aponta a existência de uma política de morte, controlada e, em certo ponto, fomentada pelo Estado, por meio de seu aparato público. Alguns exemplos seriam a polícia, que, por meio de suas ações violentas, determina quem vive e quem morre, e a pandemia, cuja falta de políticas públicas eficazes e ações desastrosas levou milhões de pessoas à morte e a situações de extrema precariedade. Um dos artigos do autor, intitulado “Necropolítica”, pode ser lido por meio do link: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169. 137 AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS • CAPÍTULO 6 Figura 99. Abismos. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/two-groups-people-separated-by-cracked-564866005.Esse é um elemento que precisa ser considerado e sobre o qual reflexões foram feitas aqui, neste material, no componente curricular Avaliação da Aprendizagem, pois não podemos naturalizar um processo avaliativo que busca incentivar a competição e o mérito, principalmente numa sociedade com tantas desigualdades. Não dá para seguirmos métodos avaliativos de países que não têm que lidar com as mazelas sociais, políticas e econômicas com as quais temos que conviver e enquanto tomarmos esses países como parâmetros exclusivos, em uma busca desenfreada por um padrão de qualidade inatingível, que desconsidera nossa história e realidade, seguiremos com sérios problemas educacionais. Não temos que olhar para “fora”, mas sim para “dentro”, modificando mentalidades e práticas arraigadas a uma tradição arcaica e potencializando o que temos de mais criativo. Com isso, não queremos dizer que devemos nos fechar em nosso mundinho, mas sim que não podemos simplesmente transpor práticas, desconsiderando nossas singularidades. Referências externas podem nos ajudar a pensar, instigar com ideias e possibilidades, mas sempre será fundamental que as nossas questões contextuais sejam o ponto de partida para a construção de nossas práticas. Figura 100. Distorções. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/reflection-brazilian-slum-windows-new-modern-576398818. 138 CAPÍTULO 6 • AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS Isso nos leva a outra reflexão crítica: o desencontro entre o que está postulado nos documentos mandatórios e as condições fornecidas pelas redes de ensino para que essas concepções sejam postas em prática. Como pudemos ver, a legislação não só indica, como reforça a necessidade de uma avaliação formativa, com o enaltecimento dos aspectos qualitativos e a utilização de instrumentos diversificados. A avaliação do aluno, a ser realizada pelo professor e pela escola, é redimensionadora da ação pedagógica e deve assumir um caráter processual, formativo e participativo, ser contínua, cumulativa e diagnóstica (Brasil, 2013, p. 123). Mas, por que, então, ainda continuamos apegados a provas, testes e outras formas de avaliar que só valorizam a reprodução de conteúdos? Por que não conseguimos assumir uma postura mais coerente, com a assunção de princípios avaliativos que aproximam as dimensões teórico-práticas? Muito disso se deve ao fato de nossa educação estar pautada em ideários coloniais, exploratórios e patriarcais. Por isso, se faz necessário e urgente que mudanças sejam efetivadas e que tenhamos tempo para que elas sejam implementadas e aprimoradas. É fundamental que políticas públicas sejam continuadas, sem cortes e interrupções. Lapidações e até algumas correções de fluxo podem ser necessárias, porém, isso não significa interromper ou extinguir, como temos visto. Para isso, os profissionais da educação precisam ser escutados, emitir opiniões, fazer considerações, ser valorizados e não tratados como ameaças, ou como reprodutores de conteúdos prontos e obrigatórios, tendo o sucateamento das instituições e, consequentemente, de seu trabalho como resultado. A categoria precisa se organizar como rede, como coletivo, como grupo, pois “uma andorinha só não faz verão”. Figura 101. Companheirismo. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/flock-swallow-birds-migrates-autumn-warm-1012754890. 139 AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS • CAPÍTULO 6 O que nos leva a um último ponto a ser tratado nesta seção que é o nosso entendimento sobre educar e sobre o lugar que ocupamos nesse processo. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica apontam que: [...] é oportuno e necessário considerar as dimensões do educar e do cuidar, em sua inseparabilidade, buscando recuperar, para a função social da Educação Básica, a sua centralidade, que é o estudante. Cuidar e educar iniciam-se na Educação Infantil, ações destinadas a crianças a partir de zero ano, que devem ser estendidas ao Ensino Fundamental, Médio e posteriores. Cuidar e educar significa compreender que o direito à educação parte do princípio da formação da pessoa em sua essência humana. Trata- se de considerar o cuidado no sentido profundo do que seja acolhimento de todos – crianças, adolescentes, jovens e adultos – com respeito e, com atenção adequada [...] (Brasil, 2013, p. 17). Essa, que é uma discussão ainda não esgotada na Educação Infantil, está posta no documento como uma necessidade real, presente em toda a Educação Básica. Ousamos dizer que é um entendimento que precisa fazer parte da nossa compreensão de mundo, das nossas ações cotidianas para com o mundo e nós mesmos. Precisamos perceber as outras pessoas em suas inteirezas, cultivando relações de afeto e cuidado, independentemente da posição e situação. Não podemos mais estabelecer posturas distanciadas, rígidas e impessoais no fazer educacional, pois educar é ato de amor e esperança, que precisa ser ensinado e vivido, dia a dia, pois, como diz Bell Hooks (2021b, p. 42), “[...] não existem escolas para o amor. Todo mundo supõe que saberemos, instintivamente, como amar”. Esse é um dos desafios de avaliar na contemporaneidade, fazer com que “[o amor seja] tão fundamental para a nossa sobrevivência como nação quanto o ímpeto de ter sucesso” (Hooks, 2021b, p. 42). A seguir, veremos outros. 6.2 Perspectivas e desafios de avaliar na contemporaneidade Operário numa construção grande Time centrado, foco, revanche Coletividade e visão além do alcance Pega essa avalanche Quem sonha junto, sobe junto, hã Quem sonha junto, sobe junto (yeah) Quem sonha junto, sobe junto 140 CAPÍTULO 6 • AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS Quem sonha junto, sobe junto Escritório? Um Nokia véio e uma mochila (lembra, Fióti?) Dali veio todas verde, clorofila (tendeu? Verde) Violão tonante, inferno Dante, isso era vila (isso era vila) Um big bang entre pedi um teco e chamar tequila (universo inteiro, mano) Voamos sem deixar rastro, como os pardais Pernilongos se achando drácula, tão demais (sai, sai, sai!) Preço impressiona no início, são questões hormonais (é sério memo) Com maturidade, os valores falam mais (calma) (Souza et al., 2022) Figura 102. Renovação. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/flying-dove-formed-out-people-seen-227662870. Vivemos a “era da informação”, da tecnologia, dos avanços científicos. Conseguimos encurtar distâncias, conectar pessoas, acessar informações a um clique de distância. Temos aparelhos cada vez menores, que fazem coisas grandiosas. Mas, tudo isso a que preço? O quanto tem nos custado? Custado ao planeta? Krenak (2020, p. 18-24) nos alerta que: Estamos a tal ponto dopados por essa realidade nefasta de consumo e entretenimento que nos desconectamos do organismo vivo da Terra. Com todas as evidências, as geleiras derretendo, os oceanos cheios de lixo, as listas de espécies em extinção aumentando [...] Temos que parar de nos desenvolver e começar a nos envolver. 141 AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS • CAPÍTULO 6 Figura 103. Esgotamento. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/left-hand-holds-money-right-holding-1995774200. A conexão, que é capaz de juntar pessoas de diferentes partes do mundo, numa mesma sala virtual, isola seres humanos em suas casas, cercados por telas, focados nessas telas que são objetos de desejo e consumo em uma sociedade de automatismos. Acordamos apressados. Andamos apressados. Fazemos refeições apressados. Vivemos lógicas apressadas. Aligeiramos processos – educacionais, alimentares, relacionais. Mutilamos saberes e nos perdemos em labirintos de possibilidades que exigem cada vez mais tempo, energia, atenção, concentração e garantem cada vez menos tempo, descanso, prazer, criação, possibilidades de sonharmos. Quais são as bases que temos cultivado? Que mundo estamos construindo? Que mundo deixaremos para as gerações futuras? Como temos influenciado e educado as gerações presentes? A que temos dado valor e em que depositado nossas energias?Quais valores têm nos constituído? Mais uma vez, somos impelidos a refletir sob a ótica da sabedoria indígena de Krenak, que sinaliza que “[...] se não tomarmos cuidado, a próxima geração vai ter suprimida de vez a experiência da infância como esse lugar fantástico – de seres ainda pousando na Terra – e será introduzida de cara em um mundo em disputa” (2022, p. 99). Essas são questões que, em alguma medida, todos já se fizeram. E que para as quais apontamos caminhos possíveis, ao longo do material, pois não há mudança na educação se não houver mudança na sociedade, na mentalidade, nas prioridades, nos paradigmas. Figura 104. Destruição e vitalidade. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/noise-pollution-concept-flat-tiny-person-1650227998; https:// www.shutterstock.com/pt/image-vector/child-smelling-flower-continuous-line-art-1988114186. 142 CAPÍTULO 6 • AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS Na escola isso é pulsante e determinante, pois os estudantes já estão inseridos nesse mundo digital. Diante disso, a pergunta que devemos nos fazer é: como propor práticas educacionais que abarquem essa tecnologia a qual estamos constantemente expostos, sem perder de vista toda a ancestralidade que nos integra e constitui e agregando dimensões essenciais para a propagação de uma vida de maior conexão com nossas necessidades mais amplas e férteis? Não trazemos respostas prontas, nosso papel não é esse, de indicar caminho único. Nossa intenção é inquietar, mobilizar reflexões, favorecer a que cada estudante reflita sobre sua própria realidade, pense, relacione os conhecimentos que está mobilizando e possa construir o seu próprio modo de trabalhar, de ser professor. Mas traçamos algumas rotas que podem ampliar o reconhecimento do terreno, afinal, espera-se que: Os professores, atentos a esse processo de desenvolvimento, buscarão formas de trabalho pedagógico e de diálogo com os alunos, compatíveis com suas idades, lembrando sempre que esse processo não é uniforme e nem contínuo. [...] Novos desafios se colocam também para a função docente diante do aumento das informações nas sociedades contemporâneas e da mudança da sua natureza. Mesmo quando experiente, o professor muitas vezes terá que se colocar na situação de aprendiz e buscar junto com os alunos as respostas para as questões suscitadas. Seu papel de orientador da pesquisa e da aprendizagem sobreleva, assim, o de mero transmissor de conteúdos (Brasil, 2013, pp. 110-111). Apostamos aqui numa perspectiva que não se pauta apenas em orientação, mas em uma curadoria docente. Durante muito tempo, olhamos para as relações que os professores estabelecem no exercício de sua docência. Muitos são os encontros travados no cotidiano do vivido nas instituições de educação, mas nem todos são momentos de experiência, no sentido atribuído por Larrosa (2014). São tantos momentos, que acontecem tão rápido ou que, mesmo quando surgem nas pausas, acabam atropelados por demandas que não podem aguardar. E assim, não há espaço para a decantação do pensamento, que acelerado, acaba por priorizar o burocrático que se acumula. Saiba mais O termo curador é muito utilizado no meio da arte, principalmente ligado aos museus e espaços culturais. O curador de arte é o responsável por organizar, montar e cuidar de uma exposição artística, que pode ter um ou mais artistas, a depender da seleção feita pelo próprio curador. O papel do curador de arte, atualmente, vai além do da organização, sendo também responsável pela intermediação entre o artista, a crítica artística e o mercado consumidor da arte. O trabalho de um curador atinge não apenas os “bens materiais” do mercado da arte, mas também possui um importante compromisso educacional na sociedade, agindo como um mediador cultural entre a arte e a população que visita as exposições. Essa ação também é conhecida como “curadoria educativa”. (SIGNIFICADOS, s.d.). 143 AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS • CAPÍTULO 6 Figura 105. Multiplicidade de olhares. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/woman-working-library-image-book-museum-2195197407. Pensar o profissional da docência como curador é trazer o foco de luz para esses sentidos abertos e disponíveis que a curadoria precisa ter ao organizar, por exemplo, uma exposição. Tal qual esse profissional, havemos de ter uma intimidade com os artistas, as crianças, aproximando-nos da essência de suas produções, participando do processo de suas composições, entendendo os desejos que motivam suas ações. Dessa forma, vemos a curadoria como um modo de pensar a docência que funciona como feixes de luz, que iluminam pontos, dependendo da direção em que estão apontados; mas têm uma maleabilidade em permitir que sombras se acendam e que o que ora está iluminado, possa também ser visto por outros ângulos, assumindo formas outras e permitindo que novos diálogos sejam travados. Figura 106. Aberturas. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/venice-italy-july-17-2018-16th-1211870137. Diante disso, ser professora-curador é ser coautor com cada um dos estudantes e também da turma, enquanto coletivo. É acompanhar e respeitar os processos de criação, o tempo-espaço de cada um e do grupo, o seu próprio. É se apropriar de variadas lentes para olhar o cotidiano, as sutilezas, as grandezas, o que não chama atenção, mas que, no silêncio, não cala, reverbera. Ser professor-curador é ofertar de tudo um pouco: conhecido, desconhecido, improvável, absurdo. É se aventurar junto. Frustrar-se às vezes também, mas não se acomodar em práticas repetitivas, rígidas e ineficazes. E é esse o convite que fazemos na próxima e última seção deste material, sonharmos juntos para sermos juntos. 144 CAPÍTULO 6 • AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS 6.3 “Quem sonha junto, sobe junto”: avaliação como processo coletivo e dialógico Tipo scarface, o neon grita que o mundo é meu Sabe o que disse pros meu? Motivo do brinde tem que valer mais que o drink Nem todos entendeu Tijolo amarelo do meu caminho Fundamento antigo, igual pergaminho Serve pra Kombi e pro jatinho Resumo, ninguém sonha sozinho, é isso Quem sonha junto, sobe junto Eu já rodei por todo o mundo À minha família eu sou leal Tem muito pra alcançar, nada vai nos desviar Eu sei que quando caminhamos juntos O sonho pode ser maior que o mundo (pode ser maior) Eu sigo tranquilão Até na contramão fazemos nosso fluxo Mantenho minha esperança e um bom futuro Nunca vão me pegar em cima do muro Meu tesouro, meu porto seguro (minha família) Quem sonha junto é que sobe junto (Souza et al., 2022). O “motivo do brinde tem que valer mais que o drink”, diz Drika, Emicida e Matuê. Da mesma forma, podemos dizer, em analogia, que o caminho percorrido tem que valer mais que o resultado obtido e esperamos que, diferentemente do que aconteceu com a frase acima, você tenha conseguido entender essa prerrogativa difundida e defendida nesses seis capítulos. 145 AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS • CAPÍTULO 6 Figura 107. Humanidade. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/diverse-hands-heart-united-diversity-unity-2057905046. Escolhemos essa música para compor conosco o texto pela força da mensagem: Quem sonha junto é que sobe junto! E por acreditarmos que a educação só tem sentido se for sonhada assim, de forma coletiva; se for esperançada na ação e na vontade de (trans)formação. E, por isso, encerramos esse percurso defendendo, até as últimas linhas, uma avaliação que enxergue os sujeitos, seus passos e percalços, os apreços e os tropeços, pois tudo isso compõe quem somos, nos dando contornos e volumes e dizendo de como as relações que estabelecemos reverberam em nós e ecoam no/para o mundo. Destacamos a importância de seguirmos sonhando, alimentando nosso imaginário e nossa criança interior, cultivando a beleza, nos (re)conectando com nossas ancestralidades, com a natureza que nos habita, a fim de que não sucumbamos a lógicas que buscam nos despotencializar, pois “[...]de elite da classe média, uma vez que a classe alta estudava em casa e depois ia para a Europa continuar seus estudos. Não havia, portanto, o interesse em criar escolas que atendessem o povo, pois a educação não era valorizada e, desde muito cedo, as escolas que estavam sob controle do Estado serviam apenas para dar uma base rudimentar – ensinar a escrever, ler e contar – muito interessada em aprimorar mão de obra para o trabalho. Os reflexos desse pensamento e estruturação foram e ainda são percebidos até hoje. Nas décadas de 1960 e 1970, a taxa de reprovação, evasão escolar e eliminação de estudantes de baixa renda eram altíssimas e isso não era questionado, nem discutido. A avaliação aqui, principalmente s de larga escala, reforça a ideia de que “avaliar é medir conhecimento” (Gatti, 2002, p. 18), o que foi ratificado por teorias educacionais que acabavam por afunilar o ensino, ao invés de difundi-lo, como o tecnicismo. Sobre isso, é importante termos em vista que as avaliações de larga escala são aquelas aplicadas a um grande quantitativo de estudantes. Elas podem objetivar estabelecer parâmetros para a educação nacional, por meio de provas de caráter objetivo, aplicadas por amostragem, nas diferentes redes de ensino do País. As mais conhecidas hoje em dia são o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a Prova Brasil, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Veremos mais sobre elas no capítulo 4 deste material. Figura 7. Perceber caminhos. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/man-walking-night-707694577. 17 AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO • CAPÍTULO 1 Sugestão de estudo A Pedagogia Tecnicista, ou o Tecnicismo, que surge a partir do processo de industrialização, no século XVIII, e sofre forte influência do capitalismo, tendo no Taylorismo, Fordismo e Toyotismo suas inspirações, é uma estrutura pedagógica na qual o ensino é voltado para a produção de mão de obra trabalhadora. Para saber mais sobre o tema, assista ao vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eLwpQUo-6mg. Para aprofundar as questões abordadas na seção 1.2 deste primeiro capítulo, sugerimos que assista ao vídeo do professor Dermeval Saviani, no canal Leituras Brasileiras, no YouTube, disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=13ojrNgMChk. A transição vem no século XVIII, com as reformas propostas pelo Marquês de Pombal. Ficando conhecida como Reforma Pombalina, ela tirou o controle educacional da Igreja Católica, que tinha por objetivo criar fiéis, e colocou no Estado, buscando criar súditos. Ainda assim, apesar de um conjunto de medidas que visavam modificar o sistema educacional da época, não havia uma estrutura pensada e organizada, bem como não existia a preocupação com uma formação integral, tendo o foco da aprendizagem no ensino dos conteúdos a serem transmitidos nas escolas primárias. Essa é mais uma característica que ainda persiste na educação contemporânea, preocupada em grande parte, mais com o conteúdo do que com a forma, com o processo e a reflexão sobre a construção do conhecimento. Saiba mais A Reforma Pombalina foi um conjunto de medidas que visavam à reestruturação do sistema colonial, propostas e realizadas por Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal. No que tange ao aspecto educacional, visavam tirar a educação das mãos dos jesuítas, até então responsáveis pela organização e efetivação do ensino. Sugerimos a leitura do texto “A reforma pombalina e suas implicações para a educação brasileira em meados do século XVIII”, disponível emhttps://revistas.uam.es/tendenciaspedagogicas/article/view/tp2019.33.009. O Marquês de Pombal foi secretário de Estado de Portugal, entre os anos de 1750 e 1777, e teve papel importante na história do Brasil, principalmente pelo conjunto de reformas propostas. Durante muito tempo, o paradigma objetivista esteve no centro da avaliação da aprendizagem e por mais tempo ainda esse sistema avaliativo seguiu sem sofrer críticas e sem ter formações voltadas a estudá-lo, contribuindo para uma baixa consciência avaliativa entre os profissionais da educação. Ou seja, durante muitos anos ocorreu uma reprodução mecânica e acrítica de ideias e procedimentos avaliativos que não levavam em consideração fatores como: condições socioeconômicas, raça, gênero, idade e consciência política, trazendo ainda mais frustrações e descrédito a essa área de estudo. 18 CAPÍTULO 1 • AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO Figura 8. Diversidade racial. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/earth-day-diversity-cultural-celebration-diverse-2056713653. Importante O paradigma objetivista é de caráter quantitativo, ou seja, se baseia na quantificação como medida avaliativa. Por isso, seus instrumentos são testes e provas que objetivam medir o desempenho a partir de critérios previamente estabelecidos. Trataremos dos instrumentos de avaliação de forma mais esmiuçada no capítulo 4, ao abordarmos o contexto educacional e a prática educativa. O caminho traçado pela avaliação segue o fluxo da maioria das demais políticas educacionais, marcado por interrupções e descontinuidades, que perduram até hoje; por projetos que se repetem ao longo da história, sendo parcamente reformulados ou travestidos com outras roupagens, mas permanecendo em seu íntimo com objetivos bem próximos. Gatti (2002, p. 23) sinaliza que “a descontinuidade era a marca não só com referência aos estudos avaliativos, como também a todos os aspectos de iniciativas de administrações anteriores”. Acreditamos que um dos fatores para que isso aconteça seja o fato de, ao longo da história, termos tido vários processos de resistência, mas não uma real ruptura com o ideário construído. Aliado a isso, a Educação no Brasil não possuía um projeto específico nem uma estruturação. Da mesma forma, não tinha como objetivo chegar a todos, tampouco trazer uma instrução que propiciasse a construção do conhecimento e a reflexão. Afinal, conhecimento é poder, e nunca fez parte dos planos das camadas dominantes compartilhá-lo. Enfim, o que conseguimos perceber após esse breve sobrevoo pela história da educação é que uma proposta educacional que se proponha democrática e aberta a todos, é uma conquista extremamente recente, visto que somente na Constituição de 1988 essa premissa é expressa, estando a cargo do Estado, pelo menos na letra da lei, a responsabilidade por uma educação pública de qualidade. 19 AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO • CAPÍTULO 1 Figura 9. Constituição. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/july-1-2019-brazil-woman-reads-1440777665. Observe a Lei A Constituição de 1988, promulgada em 5 de outubro do referido ano, é o conjunto de leis que rege os deveres e direitos de todos os cidadãos do Brasil. Vigente até os dias atuais, contém 250 artigos, tendo sido elaborada após o período da Ditadura Militar, instaurado entre 1964 e 1984, num movimento de retomada da democracia, por parlamentares recém-eleitos por voto dos e cidadãos, com influência de grupos populares. Por isso, ficou conhecida como a constituição mais democrática do País, sendo também a maior. Teve como maior premissa afirmar a democracia e terminar com o espectro da ditadura. No que tange à avaliação, o brutal fracasso escolar que foi se acumulando durante mais de um século começou a chamar a atenção, sobretudo com a mudança da Constituição, pois começamos a dar os primeiros passos em busca de uma nova estrutura política, que ainda não era ideal para reparar as mazelas educacionais marcadas por tanto tempo de completo abandono, mas deram início a um período de maior interesse e estudo no campo da avaliação. Esse tipo de ação deixa marcas e traz consequências para toda a organização e concepção educacional da sociedade, sobremaneira no que tange à avaliação. Fica claro que,não podemos nos render à narrativa de fim de mundo que tem nos assombrado, porque ela serve para nos fazer desistir dos nossos sonhos, e dentro dos nossos sonhos estão as memórias da Terra e de nossos ancestrais” (Krenak, 2022, p. 37). Sugestão de estudo Para finalizar, indicamos alguns documentários que podem ser respiro e florescimento de educações mais sensíveis, moventes, vivas e respeitosas para com estudantes e docentes. » “Tarja Branca”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Yls6vrqwtCg. » “Nunca me sonharam”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aE2gOo9rW1w&t=512s. » “Quando sinto que já sei”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HX6P6P3x1Qg. Desse modo, esperamos ter promovido ebulições, pois nossa intenção era fazer remexer, tirar da zona de conforto, provocar, mas também apresentar referenciais potentes, que contribuem para deslocar os saberes e embasar práticas que nadem contra a maré. 146 CAPÍTULO 6 • AvALIAçãO: RAnçOS E AvAnçOS Sintetizando Vimos nesta aula que: » As políticas públicas foram e ainda são marcadas por retrocessos, rupturas e descontinuidades que mais atravancam do que promovem o progresso. » Necessitamos de tempo e constância para que consigamos perceber se as políticas implementadas dão ou não os resultados esperados. » Ainda temos muitos desafios a enfrentar, tanto no que tange à efetivação de uma educação mais justa e equânime quanto numa avaliação que não se renda às lógicas hegemônicas. » Defendemos uma educação que se faz na coletividade, em comunidade e, para tanto, precisamos de uma avaliação que esteja afinada com esses princípios, uma Avaliação Ubuntu, que considere as singularidades e inteireza dos estudantes. 147 Referências ALVES, Rubem. 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Acesso em: 14 mar. 2023. _30j0zll _Hlk148198095 _Hlk148268500 Organização do Livro Didático Introdução Capítulo Avaliação: introduzindo, conceituando e contextualizando Capítulo Avaliar na contemporaneidade: desafios e perspectivas Capítulo Avaliação no contexto educacional Capítulo Avaliar no cotidiano das instituições educacionais Capítulo Avaliação, sujeitos e cultura: diferentes concepções, possíveis caminhos Capítulo Avaliação: ranços e avanços Referênciasapesar de sermos um país de mais de 500 anos, somente 30 deles foram destinados a pensar de fato em uma educação menos excludente, mais igualitária e universal, ainda que estejamos longe de consolidar todos esses objetivos. Figura 10. Mazelas sociais. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/dharavi-slums-on-river-bank-mumbai-1071502313. 20 CAPÍTULO 1 • AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO Sintetizando Entender a avaliação como um processo contínuo, inclusivo, empoderador, que aprimora o percurso, ao invés de enaltecer as falhas, para impedir o caminhar, é também uma construção recente e que está longe de ser consolidada. 1.3 Educação para além da avaliação A educação como prática da liberdade é um jeito de ensinar que qualquer um pode aprender. [...] Nosso trabalho não é o de simplesmente partilhar informação, mas sim o de participar do crescimento intelectual e espiritual dos nossos alunos. Ensinar de um jeito que respeite e proteja as almas de nossos alunos é essencial para criar as condições necessárias para que o aprendizado possa começar do modo mais profundo e íntimo (Hooks, 2017, p. 25). Sugestão de estudo Bell Hooks era o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, escritora, professora e intelectual estadounidense, negra e feminista, falecida em 15 dezembro de 2021, aos 69 anos. O nome pelo qual ficara conhecida foi uma homenagem a sua avó, Bell Blair Hooks, descrita por ela como “uma mulher de língua afiada, que falava o que vinha à cabeça, que não tinha medo de erguer a voz”. Defendia sua escrita em letras minúsculas, como uma forma de se posicionar politicamente contra as vaidades da academia. Lecionou em diversas universidades dos Estados Unidos e é autora de mais de 30 obras que tratam de questões raciais, educacionais, de gênero e classe, culturais, revolucionárias – como o amor –, além de poesia e literatura infantil. Em 2014, fundou o Bell Hooks Institute, com o intuito de promover a justiça social e ambiental por meio de pautas feministas e críticas. As informações aqui apresentadas foram compiladas a partir da minibiografia da autora, disponível no site da editora Elefante, que publicou seus livros mais recentes. O acesso pode ser feito pelo link: https://elefanteeditora.com.br/ quem-e-bell-hooks/. Avaliamos para educar ou educamos para avaliar? Essa pergunta, influenciada por uma propaganda da década de 1980, de uma marca famosa de biscoitos, abre essa seção por sua forte relação com as concepções de avaliação que circulam nos espaços educacionais e na sociedade, de maneira mais geral. Como vimos na seção anterior, a temática da avaliação foi fortemente marcada por políticas que não tinham continuidade, muito menos uma preocupação com a formação crítica dos docentes sobre o assunto; estando intrinsecamente pautada em modelos eurocêntricos, que se propunham a uma análise meramente quantitativa da aprendizagem discente e/ou formas excludentes de seleção às instituições universitárias, com os vestibulares. Saiba mais Na década de 1980, a empresa de biscoitos Tostines lançou um comercial que tinha como premissa a pergunta: “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?” O comercial foi um sucesso e esse bordão ficou gravado no imaginário social. O comercial original pode ser visto na plataforma YouTube, por meio do link: https://www. youtube.com/watch?v=tJ-BKu-WUEk. 21 AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO • CAPÍTULO 1 Dessa forma, avaliar estava pautado em quantificar, medir o tanto de conhecimento que fora adquirido ao longo de um período escolar, segregando, selecionando, separando os que “sabem” dos que “não sabem”, como se a educação estivesse a cargo de manter as estruturas de poder, reforçando as desigualdades sociais e garantindo o abismo existente entre dominados e dominadores, ou, como diria Freire (2020a), opressores e oprimidos. Figura 11. “Saber” e “não saber”. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/concept-rational-irrational-thinking-two-people-754726225. Diante disso, é preciso se perguntar: a que saber estamos nos referindo? Há somente uma forma de conhecimento? Um saber único e universal? Complementar a esta pergunta, também nos indagamos: quais são as bases educacionais que privilegiam instrumentos avaliativos que desconsideram a integralidade dos sujeitos como premissa? Que compartimentalizam os saberes e desumanizam os estudantes, transformando-os em números, em índices, em porcentagens de aproveitamento? É fundamental que reflitamos sobre isso e não esqueçamos da resposta no momento em que a avaliação dos estudantes for responsabilidade nossa. Mantendo isso em vista, aqui queremos defender, a partir dos estudos de Bell Hooks (2017; 2019a; 2019b; 2020; 2021a; 2021b) e Paulo Freire (2020b) que a educação é um processo amplo, potente, repleto de nuances e complexidades, que se constrói na relação dialógica entre as pessoas e envolve criticidade, respeito, escuta, disponibilidade para o diálogo, consciência política, esperança, entusiasmo, alegria, amor e, por tudo isso, não pode, de forma alguma, ser reduzida a momentos estanques, provas, notas e conceitos extraídos a partir de premissas que apartam o conhecimento da inteireza dos sujeitos, reduzindo sua realidade a fragmentos que não se conectam à vida. Saiba mais Paulo Freire nasceu em 1921, no Recife, e faleceu em 1997, em São Paulo. É o mais ilustre dos nossos intelectuais, tendo o título de patrono da educação brasileira e mais de 30 obras publicadas e traduzidas no mundo inteiro – em mais de 20 idiomas. Foi preso no período da Ditadura Militar e ficou exilado de 1967 a 1980, quando retornou ao Brasil após a anistia. Recebeu 39 títulos de Doutor Honoris Causa – 34 em vida e cinco após seu falecimento –, foi criador do método Paulo Freire de alfabetização popular (1961), Professor Visitante convidado pela Universidade de Harvard (1969), Secretário de Educação da cidade de São Paulo (1989), criou o Instituto Paulo Freire (1991) e defendeu, até o fim de seus dias, uma educação democrática, que tem a liberdade como prática e a criticidade como princípio. Mais informações podem ser consultadas no endereço eletrônico: http://www.memorial.paulofreire.org/Linha_do_tempo/linha_do_tempo.html. 22 CAPÍTULO 1 • AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO Assim, acreditamos que não há como refletir sobre avaliação sem mergulhar no dia a dia da escola, esmiuçando as práticas pedagógicas docentes e entendendo como elas vão sendo constituídas no cotidiano, nas investigações propostas, nos questionamentos suscitados – antes, durante e depois – por estas proposições, criando aberturas, frestas pelas quais professoras e professores possam resistir e reencantar a educação, pois concordamos com Simas e Rufino (2019, s/p.) que “o contrário da vida não é a morte, mas o desencanto”. É o cotidiano, então, que imprime o tom, que aponta caminhos, da mesma forma que são as experiências que temos ao longo da vida e de nossos processos formativos que nos (trans)formam, ampliam saberes, permitem experimentações que influenciam diretamente a forma como enxergamos os estudantes, como os percebemos e entendemos seus percursos, acolhendo suas angústias e partilhando suas conquistas, pois uma educação comprometida com a vida reverbera também na formação docente, em um processo contínuo e cíclico, no qual teoria e prática andam juntas, se fortalecendo e retroalimentando, afinal, [...] quando a educação é a prática da liberdade, os alunos não são os únicos chamados a partilhar, a confessar. A pedagogia engajada não busca simplesmente fortalecer e capacitar os alunos. Toda sala de aula em que for aplicado um modelo holístico de aprendizado será também um local de crescimento para o professor, que será fortalecido e capacitado por esse processo (Hooks, 2017, p. 35). Daí a importância de criarmos intimidade com os discentes, fortalecendo vínculos,partilhando afetos, uma vez que “ser professor é estar com as pessoas” [grifo da autora] (Hooks, 2017, p. 222), se interessar por elas, aumentando nossa possibilidade de conhecer e dialogar com e nos grupos, em nossas salas e nas instituições educacionais em que atuamos, dando subsídios para que uma comunidade pedagógica (Hooks, 2017) seja criada. Importante O conceito de comunidade pedagógica foi criado por Bell Hooks e está presente no capítulo 10 do livro intitulado “Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade”. Ele está fundamentado na premissa de que todos, docentes e estudantes, são responsáveis por sua construção de conhecimento; estão implicados no processo, desde o início. E esse conhecimento é construído a partir da relação respeitosa e afetiva entre discentes e docente, do entusiasmo na construção das aulas, da modificação de uma prática educativa que reforça as desigualdades e preconceitos, por uma pedagogia engajada, que educa para a liberdade. Ao longo do texto, trazemos diversas citações da autora, disponíveis nas referências bibliográficas. 23 AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO • CAPÍTULO 1 [...] A sala de aula, com todas as suas limitações, continua sendo um ambiente de possibilidades. Nesse campo de possibilidades temos a oportunidade de trabalhar pela liberdade, de exigir de nós e dos nossos camaradas uma abertura da mente e do coração que nos permita encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginamos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é a educação como prática da liberdade (Hooks, 2017, p. 273). Enfim, ao compreendermos que há uma relação direta entre as práticas pedagógicas, a aprendizagem e a avaliação, temos maiores condições de criar sistemas avaliativos mais coerentes com uma visão integral dos sujeitos, nos quais as relações de dominação existentes na sociedade não sejam reforçadas (Hooks, 2017) e o pensamento crítico seja encorajado e exercido em toda a sua potência. Afinal, “Para educar para a liberdade, [...] temos que desafiar e mudar o modo como todos pensam sobre os processos pedagógicos.” (Hooks, 2017, p. 193). Não é tarefa fácil, bem sabemos; mas se almejamos um mundo melhor, mais justo, solidário e igualitário, precisamos nos implicar, entendendo que nossas ações, mesmo que pequenas e pontuais, têm influência no universo. Figura 12. Criar modos outros de pensar os processos pedagógicos. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/child-blowing-chalk-drawing-wind-turbine-1048634231. Atenção Nesta seção, ressaltamos a fundamentalidade de olharmos detidamente para a prática educativa quando refletimos sobre avaliação. Aqui trouxemos um pequeno panorama, afinal, esse é o primeiro capítulo e estamos aguçando os sentidos para o que está por vir. No capítulo 4 do material aprofundaremos essa discussão, mergulhando no cotidiano das instituições e da prática educativa de forma a perceber o quanto o processo avaliativo anda de mãos dadas com essas duas dimensões. 24 CAPÍTULO 1 • AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO 1.4 tempos, espaços, individualidades e subjetividades: entretecendo relações [...] Zezinho, um pretinho que foi meu amigo de infância e que me ensinou a jogar bolinha de gude. Ele era uma catástrofe na escola! agora, saía da escola!... Esse menino me ensinou como é que se fazia papagaio; com ele aprendi a selecionar bolinhas de gude na coleção que a gente fazia juntos: quem comprava as bolinhas era eu; ele jogava com os outros meninos, e o que ele ganhava era de jogo. Pois bem, ele sabia distinguir as bolinhas melhores, umas branquinhas, por exemplo. Esse menino tinha toda uma sabedoria de criança da época que era dada pela vida dele e que fazia com que ele ganhasse disparado. Organizava campeonatos de bolinha de gude, tinha técnicas absolutamente pessoais, originais, de ganhar o jogo. Ensinava como dar uma cacetada com a própria bolinha; tinha bolinha preferida etc. Você vê como toda essa sabedoria – a partir da qual era possível desenvolver-se o aprofundamento, por exemplo, de conhecimentos de física, de matemática, de história, de geografia –, como toda essa sabedoria, que essa criançada popular tinha e continua tendo, estava absolutamente à margem das preocupações da escola e não valia coisa nenhuma para a avaliação da escola com relação à posição do educando nela. [...] é uma escola de classe dominante, que não tem nenhuma preocupação, nos seus critérios de avaliação, com a constituição de um saber do povo. [grifos nossos] (Freire, 2020b, pp. 46-47). Ao ler as palavras de Freire você pode se perguntar: mas o que isso tem a ver comigo, estudante do curso de Pedagogia e futuro profissional da educação? Como que, atuando “sozinho”, conseguirei mudar a estrutura social e política de um país que foi construído – conforme vimos no item 1.2 – à custa da dominação e dizimação dos povos originários, das sucessivas tentativas de apagamento da sua cultura e identidade; do sangue, suor e lágrima dos povos africanos escravizados que nunca, até então, foram reparados histórica, social ou economicamente? Um país que ainda conserva raízes coloniais, patriarcais, machistas, misóginas, racistas e que possui uma desigualdade social e racial absurda, conforme pode ser visto na figura a seguir, a partir dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 25 AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO • CAPÍTULO 1 Figura 13. Gráfico sobre desigualdade social. Fonte: elaborado pelas autoras com dados de https://www.dmtemdebate.com.br/ibge-mostra-o-tamanho-da- desigualdade-racial-no-brasil-de-bolsonaro/. Saiba mais O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é, segundo o próprio site, o principal provedor de informações geográficas e estatísticas do Brasil. Por meio dele, que realiza pesquisas relacionadas à habitação, condições socioeconômicas, educação, inflação, desemprego, PIB, saúde, trabalho etc., obtemos dados que nos permitem analisar a situação do País e promover estudos em vários âmbitos. Você pode saber mais sobre esse importante instituto no site: https://www.ibge.gov.br/. Você poderá também se perguntar: como resolver todas as dificuldades das crianças e olhar para cada uma delas, atendendo a suas necessidades individuais com a turma lotada, poucos recursos, diferentes questões estruturais, condições de saúde que afetam a aprendizagem e não são resolvidas pelo sistema, fome, violência, pouca participação das famílias e tantos outros percalços presentes nas instituições educacionais do País? Não há resposta única para esses questionamentos, nem uma receita que possa contemplar todos os desafios com os quais você irá se deparar no dia a dia das escolas. Cada escola é um pequeno universo, com especificidades e formas peculiares de funcionamento. Da mesma forma, cada família e cada criança também são micromundos 26 CAPÍTULO 1 • AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO que estarão reunidos dentro de um mesmo espaço, se relacionando, convivendo, dialogando, caminhando juntos por, pelo menos, 200 dias letivos. Figura 14. Interação dos “mundos”. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/professional-enthusiastic-young-female-teacher- reading-2165576463. E você, professor, será o maestro que orquestrará esse grupo, necessitando, como esse profissional, de uma escuta aguçada, olhar atento, gestos precisos e muito tempo junto para que cada pequeno ser e toda a multiplicidade que carrega consigo possa ser individual, mas também coletivo. O importante é que saiba que existem muitos desafios e que há coisas que só serão verdadeiramente aprendidas na prática. Isso não quer dizer que a teoria não importa. Muito pelo contrário! A teoria é fundamental, pois ela aponta caminhos, oferece escolhas, aflora possibilidades. Por isso, não pare de buscar formações! Mas há uma químicaque só acontece quando juntamos todos os ingredientes ao conhecimento que vem da experimentação, unindo aprendizagem à vida real, uma vez que educar é mais que transmitir informações. É por isso que nosso compromisso com a educação vai muito além dos muros da escola, uma vez que “[...] a educação de um aluno não se resume ao tempo passado na sala de aula.” (Hooks, 2017, p. 219). Mesmo que esteja em situação que não permita a mudança na estrutura e/ou dinâmica das aulas, é possível seguir fazendo uma pedagogia engajada (Hooks, 2017), educando para a liberdade (Hooks, 2017; Freire, 2020c). E, para tanto, perguntar: é coerente avaliar uma pessoa somente pelo conteúdo aprendido? Pelas informações memorizadas ou até mesmo apreendidas? É plausível que tenhamos apenas uma forma de olhar para a aprendizagem? Um instrumento para “conferir”? Se cada pessoa é única e peculiar, e o docente também possui suas subjetividades, como encontrar parâmetros avaliativos que contemplem todos os envolvidos no processo? 27 AvALIAçãO: IntRODuzInDO, COnCEItuAnDO E COntEXtuALIzAnDO • CAPÍTULO 1 É possível transgredir no miúdo das relações, por meio de olhares e falas afetivas, da prática do amor enquanto ação cotidiana e ética (Hooks, 2021b), dos vínculos cultivados, da alegria e do entusiasmo no fazer diário, de gestos respeitosos, do acolhimento sincero, de valores fortalecidos e da manutenção e propagação da consciência crítica, por exemplo, no conteúdo a ser compartilhado com os estudantes, na maneira de ensinar, nas atividades propostas. Figura 15. vínculos, afeto e alegria. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/happy-african-american-teacher-small-boy-2121874898; https:// www.shutterstock.com/pt/image-photo/education-children-technology-science-people-concept-559448341; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/pupils-raising-their-hands-during-class-251933845. Sintetizando Vimos nesta aula que: » A avaliação está presente a todo momento em nosso cotidiano, por meio das escolhas que fazemos, mesmo quando não temos essa consciência. » O sistema avaliativo foi sendo construído por meio de políticas públicas descontinuadas e fragmentadas, tendo, inicialmente, as avaliações de larga escala, centradas no paradigma objetivista, como principal referência. » A educação não é definida pela avaliação nem vice-versa. Ambas são complementares e se inter-relacionam na busca por práticas pedagógicas mais democráticas e includentes. » A avaliação é um processo que necessita levar em consideração as subjetividades, tempos e relações que são estabelecidas com os estudantes. Portanto, a ação de avaliar vai muito além de atribuir uma nota; faz parte do que construímos e do que podemos ser. 28 Introdução do capítulo Nesta invocação do tempo ancestral, vejo um grupo de sete ou oito meninos remando numa canoa: Os meninos remavam de maneira compassada, todos tocavam o remo na superfície da água com muita calma e harmonia: estavam exercitando a infância deles no sentido do que o seu povo, os Yudjá, chamam de se aproximar da antiguidade. Um deles, mais velho, que estava verbalizando a experiência, falou: “Nossos pais dizem que nós já estamos chegando perto de como era antigamente”. Eu achei tão bonito que aqueles meninos ansiavam por alguma coisa que os seus antepassados haviam ensinado, e tão belo quanto que a valorizassem no instante presente. Esses meninos que vejo em minha memória não estão correndo atrás de uma ideia prospectiva de tempo nem de algo que está em algum outro canto, mas do que vai acontecer exatamente aqui, neste lugar ancestral que é seu território, dentro dos rios (Krenak, 2022). Figura 16. O futuro é ancestral! Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/orinoco-venezuela-11232021-native-indigenous- children-2105316641. 2 CAPÍTULO AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS 29 AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS • CAPÍTULO 2 A história contada por Krenak nos faz refletir sobre pertencimento, conexão com a vida, com o tempo presente, com a ancestralidade. Todas estas questões têm muita relação com o assunto que abordaremos nesta aula, uma vez que avaliar, nos dias de hoje, requer que analisemos criticamente o panorama mais geral da sociedade, percebendo o que faz e o que não faz sentido, principalmente no que tange à relação com a educação. Para isso, necessitamos entender o que queremos e compreender o que buscamos. O que não quer dizer rigidez. Muito pelo contrário! Acolher o imprevisível é fundamental, mas saber o que se está buscando é essencial para conseguir fazê-lo. Figura 17. Pertencimento. Fontes: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/atalaia-du-norde-amazonia-brazil-feb-1133078582; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/himba-women-sitting-outside-their-huts-2206989933; https://www.shutterstock.com/ pt/image-photo/african-hamer-ceremony-close-hands-98788736; https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/narok- masai-mara-kenya-may-23-1027964749. O segundo ponto é uma conexão com o presente, na qual o futuro não é premissa, mas possibilidade e ilusão, e o passado é o que nos une à nossa ancestralidade, aos que vieram antes de nós (Krenak, 2022), de modo que há uma confiança no caminho percorrido e na sabedoria e experiência das pessoas que nos antecederam e se fizeram presença nesse caminhar. Por último, o sentimento de pertença, de coletividade, a partir do entendimento de que somos um povo; somos constelação (Krenak, 2020). Esses são ensinamentos ancestrais que já estavam aqui antes de nós, com os povos indígenas, mas que também chegaram depois, com os povos africanos escravizados, sendo partilhados e vividos por muitos desses povos até hoje. Esses saberes se contrapõem às ideias presentes no capitalismo e seus modos de vida, para o qual ter é mais importante do que ser. 30 CAPÍTULO 2 • AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS No sistema capitalista, as relações são estabelecidas a partir de interesses econômicos e políticos, visando ao lucro. Sendo assim, não há espaço para vínculos despretensiosos, acompanhamento de processos, incentivo à coletividade, mas sim estímulo à individualidade e ao consumo, um aligeiramento das formações – que preparam para o mercado de trabalho, focando na obtenção de vantagens individuais e riquezas – e o fomento pela competitividade, aliado a práticas meritocráticas, que premiam os “melhores”, sem, contudo, questionar as bases e contextos sociais de onde cada uma das pessoas partem. Figura 18. Os modos capitalistas de vida! Fontes: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/accumulation-wealth-capitalism-1886792233; https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/miniature-businessman-on-top-pile-coins-2064634463. Com a sociedade cada vez mais mergulhada e regida por premissas capitalistas, a educação, que sempre foi um espaço de detenção de poder, se torna um território em disputa no qual, de um lado, pretende-se a manutenção do estado das coisas e, do outro, a emancipação e liberdade, por meio da conscientização e do pensamento crítico. Daí a importância de componentes como o currículo, que, grosso modo, estabelece o que será aprendido, e a avaliação, que valida essa aprendizagem, podendo ambos ou individualmente, rechaçarem ou legitimarem uma das duas posições (manutenção ou emancipação). Diante disso, surge uma deslegitimação do erro enquanto parte construtiva do processo de elaboração do conhecimento e aprendizagem. Em uma sociedade na qual “tempo é dinheiro”, não há espaço para errar, mesmo que isso gere aprendizado. A avaliação vai, então, ratificar essa ideia, punindo física e emocionalmente – castigos corporais, reprovações, situações vexatórias, insultos verbais – aqueles que erram, ao invés de encorajá-los a olharem por outros ângulos, tentarem novamente explorando outras maneiras, divertirem-se procurando novas formas de aprender. Se considerarmos o que vimos na aula passadasobre avaliação, perceberemos o quanto atitudes punitivas para o erro são incoerentes, visto que, cotidianamente, erramos muitas vezes. Em algumas delas, as situações nos geram aprendizado, em outras, possibilitam que descubramos coisas sobre nós que desconhecíamos. 31 AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS • CAPÍTULO 2 Figura 19. Tempo é dinheiro, afirma o capitalismo! Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/businessman-counts-money-on-background-caption-1409003213; https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/time-money-58785163. Na contramão dessas ideologias que compartimentalizam o conhecimento, dividindo-o em caixas (conteúdos), reforçando e estimulando o individualismo, a disputa entre as pessoas e a separação entre cognitivo e afetivo, como se não fôssemos seres inteiros, orgânicos, essencialmente comunitários, apresentamos a filosofia africana Ubuntu, que defende justamente o contrário, ao dizer que “uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas” (Noguera, 2019). Figura 20. ubuntu: eu sou porque nós somos! Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/group-likeminded-people-cupping-their-palms-1930154909. Dessa forma, esperamos que você compreenda como a sociedade está estruturada na contemporaneidade, percebendo os impactos do sistema capitalista na educação e, consequentemente, na avaliação. Com isso, pretendemos que reflitam criticamente sobre a forma como o consumismo, a meritocracia e as desigualdades sociais, oriundas dessa maneira de organização da vida, reverberam nas relações que vão sendo tecidas dentro dos espaços escolares, nas práticas educacionais, no jeito como olhamos e concebemos os processos infantis. Queremos que você se questione, que relacione o conhecimento do material que tem em mãos com a vida que leva e as experiências educacionais já vivenciadas, analisando a realidade na qual está inserido, construindo pontes entre teoria e prática. 32 CAPÍTULO 2 • AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS Objetivos » Conceituar o capitalismo enquanto sistema de produção que tem organizado não só a economia, mas também a vida em sociedade, repercutindo de forma contundente na educação e no modo como entendemos, propomos e avaliamos os percursos discentes. » Reconhecer que o estímulo ao consumo, à competitividade, ao individualismo e à meritocracia estão presentes na educação, impactando, cada vez mais, as práticas educacionais docentes e causando, entre outras coisas, o adoecimento dos profissionais da educação e dos discentes. » Compreender o erro como elemento que nos constitui, que diariamente faz parte da nossa vida e que, a partir de uma concepção movente, pode ser visto como integrador e potencializador do percurso de elaboração da aprendizagem. » Adquirir conhecimento sobre a filosofia africana Ubuntu, percebendo-a como um paradigma importante, que pode contribuir para alterar a forma como nos relacionamos e estruturamos nossa vida em sociedade, influenciando diretamente o modo como fazemos educação e concebemos avaliação. 2.1 “tempos líquidos”: capitalismo, consumo, meritocracia na educação Pane no sistema, alguém me desconfigurou Aonde estão meus olhos de robô? Eu não sabia, eu não tinha percebido Eu sempre achei que era vivo Parafuso e fluído em lugar de articulação Até achava que aqui batia um coração Nada é orgânico, é tudo programado E eu achando que tinha me libertado Mas lá vem eles novamente e eu sei o que vão fazer Reinstalar o sistema Pense, fale, compre, beba Leia, vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga 33 AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS • CAPÍTULO 2 Tenha, more, gaste e viva Pense, fale, compre, beba Leia, vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga Não senhor, sim senhor, não senhor, sim senhor (Pitty, 2003) A música “Admirável chip novo”, da cantora baiana Pitty, faz uma crítica a nossa sociedade e ao capitalismo, que não só “opera” humanos como se fossem máquinas como também os substituem por elas, visando ao aumento da produtividade, à diminuição dos custos e ao maior lucro. Nesse sistema, então, para o qual pessoas são números, não há espaço e nem preocupação com o bem-estar, com o cultivo das relações, com uma vida equilibrada e saudável. Figura 21. Humanos-máquinas? Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mechanized-industry-robot-robotic-arms-assembly-2017845860. As relações propostas nesse sistema contam com a seguinte configuração: de um lado, alguém que detém os meios de produção e que lucra com a exploração do trabalho alheio e, de outro, uma massa de trabalhadores que vendem sua força de trabalho e lutam para sobreviver. Essa situação exploratória vai sendo ciclicamente apresentada de geração para geração e ideologicamente incutida nas pessoas desde muito cedo, fazendo com que seja percebida como “normal”, como algo que “é assim mesmo” e que “não tem jeito de mudar”. Sugestão de estudo Esse panorama de uma sociedade desigual, na qual as relações de trabalho são pautadas na exploração da mão de obra proletariada, que vende sua força de trabalho para sobreviver, grande parte das vezes em péssimas condições, enquanto um pequeno grupo enriquece, pode ser mais bem aprofundado a partir do filme “Tempos modernos”, dirigido e estrelado por Charles Chaplin, disponível no link do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=fCkFjlR7-JQ. 34 CAPÍTULO 2 • AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS A educação e os profissionais que nela atuam muito têm a ver com isso, pois ao reproduzir uma lista de conteúdos sem questionar; ao reprovar uma criança que errou as respostas da prova, sem nem observar e conhecer seu percurso, seus processos; sem oportunizar a consciência e o exercício do pensamento crítico desde as primeiras interações que essas crianças estabelecem com as instituições educacionais, estão não só reforçando como perpetuando as desigualdades e opressões provenientes dessa forma de organização socioeconômica que está enraizada em grande parte do mundo. Dessa forma, o sistema capitalista determina o quê e como: compramos, vendemos, trabalhamos, vestimos, comemos, aprendemos, nos divertimos, moramos e até nos relacionamos. Isso sem contar com a quase total desvinculação com o meio ambiente, que é o tempo todo forçado a se subordinar a um sistema altamente depredatório, inescrupuloso e contraditório, pois “um sistema que preza por acumulação infinita e depende de recursos da natureza, que são finitos, possui uma contradição. É um sistema insustentável” (Fernandes, 2020, p. 69), para o qual o dinheiro está acima de qualquer coisa, inclusive da manutenção e propagação da vida. Figura 22. Os recursos da natureza são finitos! Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/left-hand-holds-money-right-holding-1773537320. O consumo desenfreado aliado à falta de consciência ambiental desenha um cenário de caos e insustentabilidade com projeções que impactarão nossas vidas em curtíssimo prazo. Hoje, já podemos acompanhar as consequências causadas por esse desequilíbrio, como mudanças climáticas, aumento da temperatura, rios e mares impróprios para banho e consumo, catástrofes naturais acontecendo com maior frequência e provocando grandes estragos – desabamentos de terra, enchentes, geadas, queimadas etc. –, animais invadindo cidades, uma vez que as cidades invadiram e alteraram o equilíbrio das florestas, vírus presentes em animais que, em contato com os humanos, se espalharam causando doenças (varíola do macaco) e até uma pandemia (Covid-19). 35 AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS • CAPÍTULO 2 Figura 23. Depreciação da natureza. Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/heavy-rain-erosion-caused-landslide-kundasang-629249666; https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/flames-engulf-road-near-bastrop-state-1691027734. Saiba mais A pandemia da Covid-19 iniciou em fins de 2019 e foi causada pelo novo Coronavírus(um vírus respiratório). Sua primeira aparição aconteceu na China e seguiu afetando seres humanos de todas as partes do mundo. Seu alastramento em nível pandêmico foi possibilitado pela adaptação que sofreu no organismo da primeira pessoa que entrou em contato com ele – devido à sua grande afinidade com receptores celulares humanos. Esse consumo, presente também na educação, pode ser percebido nas práticas cotidianas docentes, que privilegiam a transmissão do maior número de informações e conteúdos possíveis, deixando em segundo plano as vivências na natureza, investigações e pesquisas mobilizadas pela curiosidade e interesse dos discentes, tempos de ócio criativo (De Masi, 2000), livre brincar, de jogos e brincadeiras, de trocas entre os pares e também entre os ímpares, aprendendo na interação, a conviver, cooperar e, principalmente, respeitar as diferenças. O cenário no qual o consumo também está presente no acúmulo desenfreado de informações, mobiliza que a meritocracia, outra dimensão exacerbada pelo capital, esteja cada vez mais presente, não só nas instituições educacionais – públicas e privadas – como também nas políticas públicas para a educação, como pode ser visto no âmbito municipal do Rio de Janeiro, com o pagamento de premiações pautadas na produtividade. Atenção A meritocracia é um conceito que relaciona diretamente mérito e poder, isto é, em um modelo meritocrático ideal, cada um seria premiado de acordo com o seu valor, independentemente de sua classe social, etnia ou qualquer outro fator que não seu próprio mérito. No artigo de Fanjul para o “El País”, o tema é discutido. Disponível em: https://brasil.elpais.com/ economia/2021-07-18/a-meritocracia-e-uma-armadilha.html. 36 CAPÍTULO 2 • AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS À primeira vista, pode parecer tentador, mas, olhando mais de perto, percebemos a perversidade dessa ação, que coloca não só toda uma classe trabalhadora em situação de disputa, como também bombardeia e massacra as crianças que, em sua maioria, são oriundas das camadas mais desprivilegiadas da população e, portanto, já são atravessadas pelas mazelas do sistema. Tudo isso sem discutir a dimensão ética dessa “competição”, na qual, muitas vezes, “vale tudo” por uma remuneração e na parametrização dos saberes, já que a prova aplicada para medir o conhecimento acumulado ao longo do ano letivo é única para toda a rede, como se todos os estudantes e suas realidades fossem homogêneos, bem como as experiências que os constituíram ao longo da vida. Para refletir Diante do exposto, é possível depreender que a meritocracia apregoada pelo sistema escolar é uma falácia, uma vez que não podemos associar o “sucesso escolar” apenas com um suposto mérito pessoal. Trata-se apenas de mais uma forma de dominação ideológica das classes dominantes sobre as classes desprivilegiadas. A meritocracia escolar acaba sendo um dos principais mecanismos do sistema capitalista que contribui para perpetuar e legitimar as desigualdades sociais impostas por esse sistema e fazer com que aqueles que não obtêm bons resultados escolares reputem tais resultados a questões individuais. É justamente esse tipo de avaliação que criticamos, uma vez que não considera o caminho percorrido, somente a chegada. Além de apagar e ignorar as identidades, aquilo que constitui cada ser humano como único, transformando corpos em números, saberes em gráficos, conhecimentos processualmente construídos em porcentagens, relações em rankings. O capitalismo é um sistema que “normaliza as exclusões” (Fernandes, 2020, p. 16) e a educação precisa ser lugar de acolhimento, de escuta, de fala, de formulação de criticidade, de cair e levantar sendo amparado e não pisoteado por alguém que queria chegar primeiro; de fomentar sonhos, de se perceber natureza, “[...] aprender que não estamos sozinhos no mundo. [...] partilhar [...] [ter] o exemplo de uma vida em que o indivíduo conta menos que o coletivo. [...] colocar o coração no ritmo da terra” (Krenak, 2022, p. 118). Esses são alguns dos ensinamentos que necessitamos ter nos currículos e pelos quais devemos lutar cotidianamente, pois somente conseguiremos mudanças reais tendo consciência do lugar que ocupamos na sociedade e esperançando, como proposto por Paulo Freire (2020d), enquanto verbo que pressupõe ação, disputa, movimento. O que está em jogo é não só nossa existência, mas a de todos os seres do planeta. E isso é algo pelo qual vale a pena se levantar e arregaçar as mangas. Você não acha?! 37 AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS • CAPÍTULO 2 2.2 Era das cisões: territórios em disputa É difícil lembrar, e ainda mais difícil compreender, que há não mais de 50 anos a disputa sobre a essência dos prognósticos populares, sobre o que se deveria temer e sobre os tipos de horrores que o futuro estava fadado a trazer se não fosse parado a tempo se travava entre o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley e o 1984 de George Orwell. [...] No entanto, havia alguma coisa que unia as duas visões. (Sem isso, as duas distopias não dialogariam, e muito menos se oporiam.) [...] O fato de o futuro trazer menos liberdade, mais controle, vigilância e opressão não estava em discussão. Orwell e Huxley não discordavam quanto ao destino do mundo; eles apenas viam de modo diferente o caminho que nos levaria até lá se continuássemos suficientemente ignorantes, obtusos, plácidos ou indolentes para permitir que as coisas seguissem sua rota natural [grifos do autor] (Bauman, 2001, p. 70-71). Importante “Admirável mundo novo” é um romance distópico – que apresenta uma realidade imaginária distorcida, comumente organizada de forma autoritária e opressiva –, publicado em 1932, pelo escritor inglês Aldous Huxley. Ele descreve uma sociedade organizada segundo princípios extremamente científicos, na qual as pessoas são pré-condicionadas biológica e psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e as regras sociais, até que resquícios de uma sociedade anterior são encontrados e os costumes são comparados, levando a um sentimento de inconformismo e desafio a esse mundo. A história se passa em um ambiente em que a literatura, a música e o cinema só têm a função de solidificar a alienação; um universo que louva o avanço da técnica, a produção em série, a uniformidade contra a diversidade (Cirqueira, 2014). “1984” também é um romance distópico, publicado em 1949, pelo escritor britânico George Orwell. Segundo a própria sinopse na orelha do livro (publicado pela editora Temporalis), é surpreendente e assustador, criando um mundo imaginário controlado pelo Grande Irmão, que observa tudo e todos ininterruptamente, tendo a Polícia do Pensamento, capaz de ler mentes, como mantenedora da ordem. Tudo ia bem, até que o protagonista se liberta da dominação a que toda a sociedade é imposta e começa a pensar por si mesmo. (Cirqueira, 2013). A provocação trazida por Bauman nos convoca a refletir sobre nossa realidade, a partir dos dois romances citados (“Admirável mundo novo” e “1984”) que apresentam sociedades distópicas que, grosso modo, estariam muito deformadas do que seria palpável existir. Nas décadas de 1930 e 1940, quando foram publicados, pareciam realidades impossíveis. No entanto, ao lermos, hoje, percebemos que existem diversos pontos em comum e que as discussões são mais atuais do que gostaríamos. É justamente essa proximidade com o que vivenciamos nos dias atuais que nos leva a interrogações acerca da educação, dos processos avaliativos, dos caminhos que podem ser traçados a partir de outras perspectivas, por outras vias e que tenham a possibilidade de provocar discussões, empoderamentos, pluralidade de ideias, com o intuito de fissurar o destino do mundo por meio de ações cotidianas que se atentem para as miudezas das 38 CAPÍTULO 2 • AvALIAR nA COntEMPORAnEIDADE: DESAFIOS E PERSPECtIvAS relações, rompendo com uma visão determinista e fatalista, que tende a acreditar que