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Prezado(a) colega, família e leitor atento, Escrevo como quem observa, com a delicadeza de um entalhador, a superfície mais sensível que existe: a pele de uma criança. Há nela uma geografia de primeiros mapas — bochechas que guardam o riso, joelhos que colecionam quedas, pequenas marcas que contam histórias. E quando pensamos em “tratamento estético” nessa paisagem, somos chamados a decidir se vamos apenas embelezar um contorno ou alterar o curso de uma vida. Por isso lhe dirijo esta carta — não apenas para persuadir, mas para conjugar razão, ética e cuidado numa mesma forma verbal. Defendo que a dermatologia pediátrica com enfoque estético seja guiada por três pilares inegociáveis: primazia do desenvolvimento, proporcionalidade do benefício e transparência consentida. O primeiro exige que reconheçamos a pele infantil como dinâmica: epiderme mais fina, melanócitos em maturação, respostas imunológicas e cicatriciais distintas. Tratamentos concebidos para adultos não são transponíveis por analogia; precisam de adaptações, estudos e prudência técnica. O segundo pilar, a proporcionalidade, lembra-nos que a intervenção estética só se justifica quando o ganho funcional, psíquico ou social supera riscos imediatos e de longo prazo. O terceiro exige processos claros de informação, assentimento da criança quando possível, e consentimento esclarecido dos responsáveis. Argumento, com dados e experiência clínica, que existe espaço legítimo para procedimentos estéticos pediátricos: correção de malformações vasculares que comprometam visão ou alimentação, tratamento de cicatrizes inestéticas que acarretam bullying persistente, remoção cirúrgica criteriosa de nevos congênitos com risco oncogênico e até intervenções mínimas para afinar a autoestima em adolescentes com acne cicatricial grave. Contudo, o espaço legítimo não é uma avenida livre; é um corredor estreito onde caminham a evidência científica e a responsabilidade ética. Contra a tentação comercial de harmonizar rostos infantis a modelos adultos, proponho um entendimento clínico-ético claro. Primeiramente, toda indicação estética deve partir de avaliação multiprofissional: dermatologista pediátrico, psicólogo infantil e, quando indicado, cirurgião plástico. Diagnóstico preciso e documentação fotográfica, com registro de expectativas e impactos sociais, protegem a criança e o profissional. Em segundo lugar, priorizar medidas menos invasivas: uso de topicais adequados, terapia comportamental para cicatrizes, proteção solar rigorosa para prevenção e acompanhamento longitudinal antes de recorrer a procedimentos ablativos ou injetáveis. Em terceiro lugar, respeitar janelas de desenvolvimento; muitos traços melhoram com o tempo ou respondem a intervenções de baixa agressão implementadas na infância. É crucial discutir riscos: cicatrização hipertrófica, alterações pigmentares permanentes, dor, necessidade de múltiplas sessões e impacto psicossocial adverso caso o resultado não atenda às expectativas. Ajudar as famílias a compreender probabilidades e limites é tão terapêutico quanto o procedimento técnico. Além disso, há um imperativo social: evitar que a medicalização precoce da estética perpetue padrões estéticos excludentes, transformando tratamentos em resposta a pressões sociais, e não a necessidades reais de saúde. A formação do especialista é vetor de qualidade. Recomendo programas de residência com módulos específicos em dermatologia pediátrica estética, treinamento ético e supervisão em decisões complexas. Protocolos de consentimento, registros de resultados a longo prazo e pesquisas prospectivas devem ser fomentados para que nossas práticas evoluam sobre evidência, não sobre modismos. Por fim, proponho uma postura pública: comunicar com clareza à sociedade que estética pediátrica não é sinônimo de vaidade precocemente legitimada, mas uma disciplina que pode aliviar sofrimento e prevenir danos quando exercida com critérios. Devemos recusar intervenções desnecessárias, promover alternativas conservadoras e envolver crianças, na medida de sua maturidade, no processo decisório — não como objetos de transformação, mas como sujeitos cuja pele conta e merece ser respeitada. Concluo esta carta com um apelo que é, antes de tudo, cuidado: tratemos a pele das crianças como o que ela é — órgão que protege e revela, mapa de crescimento e memória. Que cada escolha estética seja gesto circunspecto, fundamentado em ciência, temperado por empatia e orientado para o bem-estar integral. Assim construiremos não só peles mais saudáveis, mas vidas menos marcadas pela pressa de corresponder a imagens. Com estima e responsabilidade, [Assinatura] Especialista em Dermatologia Pediátrica PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) Quando é justificável um tratamento estético em pediatria? R: Quando houver prejuízo funcional, risco de agravamento, sofrimento psicossocial significativo ou risco oncológico — sempre após avaliação multiprofissional. 2) Quais alternativas não invasivas priorizar? R: Terapias tópicas, proteção solar, tratamentos fisioterápicos, acompanhamento psicológico e técnicas de camuflagem como medidas iniciais. 3) Como garantir consentimento ético? R: Informar claramente riscos/benefícios, documentar expectativas, obter consentimento dos responsáveis e assentimento da criança conforme sua idade. 4) Quais riscos específicos devo considerar? R: Cicatrização anômala, hiperpigmentação, dor, necessidade de múltiplas intervenções e impacto emocional se resultados forem insatisfatórios. 5) Que papel tem a formação do profissional? R: Fundamental: treinamento em dermatologia pediátrica, ética, técnicas específicas e prática supervisionada para decisões seguras e baseadas em evidência. 4) Quais riscos específicos devo considerar?. R: Cicatrização anômala, hiperpigmentação, dor, necessidade de múltiplas intervenções e impacto emocional se resultados forem insatisfatórios. 5) Que papel tem a formação do profissional?. R: Fundamental: treinamento em dermatologia pediátrica, ética, técnicas específicas e prática supervisionada para decisões seguras e baseadas em evidência.