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EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO MÉDIO: PRÁTICA DOCENTE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar o papel da educação física no ensino médio. > Descrever a evolução dos conteúdos e das práticas educativas da edu- cação física no ensino médio. > Reconhecer as principais orientações didáticas para o ensino da educação física no ensino médio. Introdução A educação física no Brasil passou por vários momentos: foi usada pelos militares como intenção de formação de jovens fortes para defenderem a pátria e manterem uma ideologia governamental; pelos higienistas, com seus discursos eugênicos, promovendo-se à custa da educação física; fez parte do currículo escolar, sendo obrigatória nos cursos primários e secundários. Pos- teriormente, gerou-se um debate por parte de diversos educadores sobre os rumos da educação, e, assim, com a criação dos Sistemas Nacionais de Ensino, a educação física passou a ser vista como uma prática educativa. Neste capítulo, você vai reconhecer a educação física como disciplina in- tegradora na formação de jovens críticos e autônomos com a capacidade de tomar decisões fundamentadas e responsáveis. Vai discutir o contexto histórico-metodológico das práticas pedagógicas da educação física no ensino médio e discutir as teorias que norteiam essas práticas e suas aplicações no contexto escolar. Além disso, vai identificar a educação física como disciplina fundamental para a intensificação do conhecimento dos jovens sobre seus Educação física no ensino médio Ravelli Henrique de Souza sentimentos, interesses, capacidades intelectuais e expressivas, ampliando e aprofundando os vínculos sociais e afetivos, os quais refletirão sobre a vida e o trabalho que gostariam de ter. Consciência crítica e tomada de decisões na educação física no ensino médio No ensino médio, a educação física tem como objetivo formar cidadãos reflexivos, críticos e autônomos para a sua própria emancipação; para tanto, a disciplina mediada pelo processo de ensino e aprendizagem entre professor e aluno deve trabalhar com o processo de tomada de decisões e consciência. Conforme Adorno (1995), a semiformação é aquela que podemos chamar de falsa formação, propícia ao pensamento supersticioso que, por meio de conteúdos instrumentalizados da razão, forma indivíduos exclusivamente para a adaptação nos moldes de uma sociedade administrada. Se nos conscienti- zarmos sobre as relações de poder, entende-se que a tomada de consciência a partir da experiência permite que a objetividade humana seja ressignificada pela subjetividade dos sujeitos em movimento na educação física para uma formação justa e emancipada dos sujeitos. Sendo assim, “[...] a tomada de consciência, em poucas palavras, é um processo que possibilita ao sujeito compreender os mecanismos de sua ação. Mecanismos estes que, no princípio da ação do sujeito no mundo, eram enten- didos de uma forma subjetiva” (PALMA; OLIVEIRA; PALMA, 2010, p. 197). Posto isso, é fundamental que o docente em sua formação inicial e/ou continuada compreenda esse processo, a fim de possibilitar ao estudante compreender sua ação por meio da tomada de consciência para superar o fazer técnico (fazer por fazer) e construir um nível elaborado em relação à construção de seu pensamento, de sua consciência crítica, que se forma não só pela ação, mas também pela percepção — que, no caso específico da educação física, é a tomada de consciência sobre o movimentar, o próprio sujeito em movi- mento, englobando suas ações e percepções acerca do conteúdo. Esta ação não está relacionada ao fazer por fazer; Piaget (1987) a denomina como esquema de ação, uma vez que a tomada de consciência é uma atividade constante e permanente, sendo construída sucessivamente entre a relação sujeito, meio e objeto dada pela interacionalidade operante, ou seja, a ação intencionalmente reflexiva. Educação física no ensino médio2 Efetivação da tomada de consciência no ensino médio a partir de reflexos De acordo com Palma, Oliveira e Palma (2010), o princípio dessa relação entre sujeito, meio e objeto através do processo de consciência se efetua a partir do funcionamento de reflexos oriundos da herança genética; desta maneira, é preciso investigar como se organiza e se estrutura. Piaget (1987) nos mostra que os reflexos promovem “[…] a relação entre o sujeito e o meio, possibilitando, assim, o processo de adaptação, com assimilação e a acomodação”. Dessa maneira, quanto mais esses reflexos se exercitam, melhor eles se organizam e se reorganizam em função da adaptação das modificações do pensamento que é incorporado, fazendo funcionar o meio exterior e possibilitando a adaptação adquirida. Sendo assim, a partir dos reflexos. o processo de tomada de consciência segue uma lei geral: parte da periferia e orienta-se para os mecanismos centrais. A partir desse momento, segundo Piaget (1987) existem três níveis no processo de tomada de consciência: 1. ação material e particular, sem conceituação; 2. conceituação parcial; 3. elaboração de hipóteses que dirigem a ação. É possível concluir, segundo Palma, Oliveira e Palma (2010), que somente por ter obtido êxito em alguma ação não significa que o sujeito tenha com- preendido o fato em si, embora a compreensão (tomada de consciência) sempre ocorra a partir de uma ação, em situações elementares. Logo, compreender é construir estruturas de assimilação, e não proceder a intermináveis repetições. Quando um professor não se interessar em trabalhar a tomada de consciência em seu ambiente de trabalho, ele pode estar passando pelo processo de síndrome do esgotamento profissional (SEP), caracterizada como um sentimento crônico de desânimo, de apatia, de despersonalização que atinge o trabalhador. Essa síndrome ataca os trabalhadores que têm a função de cuidar e educar outras pessoas, como os professores. Educação física no ensino médio 3 Evolução da educação física como disciplina pedagógica obrigatória no ensino médio A educação física que conhecemos na sociedade capitalista não é natural, mas sim um produto do desenvolvimento complexo e contraditório do ser social. Esse desenvolvimento é provocado pelo próprio ser social, diretamente relacionado com sua totalidade que é construída. O ser social não se resume ao trabalho, ele é síntese entre a teleologia e a causalidade, que origina uma totalidade de complexos que vão muito além do trabalho originário. Sendo assim, compreende-se a educação física como um dos complexos que acom- panham todo o desenvolvimento do ser social, pois a reprodução biológica (física) é a base da reprodução do ser social, porém se modifica histórica e socialmente. As atividades físicas no ensino médio também são importantes para haver uma relação social e de comunicação. Outra dimensão do ser social é o ato lúdico (marcado pela teleologia), presente também nas práticas esportivas, na preparação físico-militar e na cultura corporal na sociedade capitalista, inferidas nas práticas de educação física no ensino médio. A educação física no ensino médio como uma prática concreta contribui em vários aspectos para a sociedade, partindo do século XIX, quando fi- cou caracterizada e foi incluída como disciplina escolar e prática educativa. No entanto, esses aspectos que contribuíram também tiveram contradições na sociedade, visando o pensamento binário (cartesiano) de várias pessoas. Essa dicotomia fica evidenciada pela falta de conhecimento científico por pessoas não estudiosas da área que traduzem a educação física pelo próprio senso comum, e até mesmo por cientistas e pesquisadores que acham que uma ciência específica rege a outra. Juntamente com os Sistemas Nacionais de Ensino, nasceu a educação física escolar. A sociedade visava uma área que cuidasse da educação do corpo, pois o corpo deveria ser bem-educado, higienizado, mas os Sistemas Nacionais de Ensino vieram para mudar esse olhar. A preocupação com o corpo está presente desde os primórdios da sociedadecapitalista, em questões de valores e hábitos em relação ao homem independente do que produz. Nessa vertente, para o homem trabalhar, ele precisa de um corpo forte, disciplinado, saudável, higiênico. A valorização da educação física para o aprimoramento do “corpo humano” começa a se manifestar no pensamento de significativos autores desde o início da sociedade moderna, entendendo-se essa valorização do exercício físico como parte de uma “boa educação” que não necessariamente acontecia no ambiente escolar (CASTELLANI FILHO, 1998). Educação física no ensino médio4 A formação dos Sistemas Nacionais de Ensino inicia-se em meados do século XVIII e se consolida, em diversos países, por volta do final do século XIX. Nesse período, a sociedade capitalista se define, deixando explícitas as suas contradições, sendo que a mais latente e potencialmente explosiva era a apropriação privada da produção social da riqueza por uma minoria detentora dos meios e instrumentos fundamentais de produção e, como consequência, a miséria para a maior parte da população, ou seja, para aqueles que só possuíam a força de trabalho como única mercadoria a ser trocada. É também para estes que será estendida a educação escolar pública e laica. Como parte desse processo, ressurge a educação física, não mais entendida como as antigas práticas do passado (educação guerreira, educação cortesã), mas vista como parte essencial da formação do homem, que somente a Grécia antiga conhecera e a desenvolvera em formas originais da época (MELLO, 2009). Com a Constituição Brasileira promulgada em 1937, a educação física torna-se obrigatória no ensino primário e secundário (fundamental e médio) e facultativa no ensino superior. Essa disciplina, juntamente com educação moral e cívica, estava relacionada com a Lei de Segurança Nacional do Es- tado Novo, que temia, conforme Castellani Filho (1993), os perigos internos — relacionados principalmente a perigos externos — e a iminência de uma guerra mundial. Nessa perspectiva, os pilares do ensino da educação física no ensino secundário, conhecido hoje (século XXI) como ensino médio, seriam a “moralização do corpo pelo exercício físico”, o “aprimoramento eugênico” e o “preparo físico para o trabalho”. Além desses pilares no âmbito educacional, havia a preocupação em controlar os trabalhadores no seu tempo livre para aumentar a capacidade de produção e amenizar os conflitos “capital–trabalho”, descaracterizando a classe trabalhadora enquanto classe. Para isto, foram criados em 1942 o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Ainda nas ideias de Castellani Filho (1998), no final do século XIX e na pri- meira metade do século XX, a educação física permanece ligada às questões de higiene, saúde e formação do homem, sempre pronto a servir a Pátria e ser um trabalhador eficiente. Sua cientificidade estava relacionada à biologia e ao positivismo. Havia uma grande preocupação de que fizesse parte dos currículos escolares e contribuísse para a formação do povo brasileiro, assim como já acontecia com a organização escolar em outros países. Educação física no ensino médio 5 Fica claro até aqui que durante grande parte do século XIX, a educação física principalmente no ensino médio foi regida pela medicina e pela biologia, pois o homem sempre foi olhado pelo aspecto biológico. Nessa época, o ser pensado socialmente ainda não tinha forças para ser discutido, pois a medi- cina comandava o século. Então a área voltava-se apenas para a educação do físico, e assim nasceram os métodos gímnicos que educavam o homem para o exército, o homem disciplinador e saudável. No entanto, com a formação dos sistemas nacionais de ensino, a educação física começou a ser vista com mais amplitude, sendo parte essencial para a formação do homem. A educação física é um complexo permanente, sendo que a reprodução biológica é apenas uma base da reprodução do ser social em sua totalidade (CASTELLANI FILHO, 1993). Sendo assim, para entendermos a educação física nos tempos contempo- râneos, foi preciso entender um pouco da história no século XIX. A partir do contexto apresentado, na década de 1980 foi discutida a questão da identidade e da legitimidade da educação física para tirar esse olhar do biológico, que cuida somente do corpo disciplinado, passando-se a pensar nas questões humanas da área que não sejam vinculadas com o empirismo e o positivismo. Então houve a necessidade de junção dos conhecimentos metódicos e siste- matizados na área para chegar à compreensão da sua totalidade. Foram propostos objetos de estudo para a educação física, como: jogos, lutas, dança, ginástica e esporte. No entanto, a concepção denominada crítico-emancipatória teve como objetivo o ensino por meio do movimento humano. Essa teoria não está relacionada ao empirismo, que seria o saber fazer, e sim com autonomia e competências social e objetiva. Essa concepção não elimina os fatores existenciais do esporte, lutas, dança, ginástica e jogos, porém valoriza sua cultura, estuda historicamente cada fenômeno. Ainda assim, essa concepção não foi firmada. Pressupostos da educação física na contemporaneidade Os anos de 1980 até 1990 foram marcados por rupturas de paradigmas e pela procura da legitimidade e identidade da educação física no âmbito pedagógico. Para termos um entendimento geral sobre a educação física, a partir de agora temos como propósito esclarecer a própria no âmbito da contemporaneidade a partir de seus pressupostos. Educação física no ensino médio6 Na contemporaneidade da educação física, houve sistematização e re- gulamentação, por meio da Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL, 1996). Essa lei é a base do sistema educacional brasileiro, seja ele privado ou público, da educação básica ao ensino superior, definindo as responsabilidades e deveres de cada um. Com essa lei, propõe-se dar uma importância de disciplina pedagógica à educação física, e não apenas de atividade física. A lei fundamentou-se em pensamentos de Marx, como a compreensão de que: [...] todo cidadão moderno é, por excelência, a expressão jurídica e política mais plena dos indivíduos na sociedade burguesa e, por conseguinte, a personalização de uma sociedade fundada na propriedade privada dos meios e instrumentos de produção (MELLO, 2009, p. 157). Ou seja, todos os seres humanos possuem liberdade política e econômica para tornarem-se proprietários, havendo uma essência social dualista na qual contrapõe o homem do cidadão, tudo isso ligado a uma sociedade burguesa. Sendo assim, em concordância com Mello (2009), em todos os principais documentos que norteiam a educação pelo mundo podem ser encontrados vestígios de características voltadas a pensamentos marxistas, históricos e dialéticos. Ainda de acordo com Mello (2009), nas primeiras discussões da LDBEN, em 1987, não houve quaisquer apontamentos ou questões que interessavam à educação física. Um ano depois, em um projeto proposto pelo Deputado Otávio Elísio, de Minas Gerais, ainda sem qualquer relação com a educação física, há uma leve menção, no artigo 27, de que deveria se desenvolver nas crianças e jovens os aspectos físicos, emocionais e intelectuais. Em 1993 é aprovada uma proposta, elaborada ainda em 1988 pelo Depu- tado Jorge Hage, da Bahia, que, enfim, menciona a educação física, ainda de forma superficial, na qual ela é “usada” apenas como componente curricular na educação básica, o qual ainda dá muita ênfase ao desporto, ignorando algumas discussões que deveriam ser necessárias acerca da educação física (MELLO, 2009). Já em 1996, o Senador da República Darcy Ribeiro, do Rio de Janeiro, san- ciona a LDBEN, em que a educação física é, enfim, tida como componente curricular nos ensinos fundamental e médio, porém facultativa no ensino noturno, o que, ao nosso modo de ver, é uma maneira equivocada de se avaliar tal disciplina.Essa mudança ocorreu não porque os responsáveis por reger a educação acharam necessário para o desenvolvimento cognitivo, mas porque houve pressão de docentes e discentes da área. Contudo, a pressão para que Educação física no ensino médio 7 a educação física tivesse mais espaço e igualdade com outras disciplinas a fazer perder sua legitimidade, ou seja, houve o esgotamento da finalidade da educação física no ambiente escolar (MELLO, 2009). Entende-se que o: [...] esgotamento de uma educação física que, tendo balizado sua prática pedagó- gica pelo parâmetro da aptidão física, vinculado — a caracteres inerentes à — que entendia ser sua — função higiênica e eugênica, acoplada à ideia do rendimento físico-esportivo, que abriu o precedente para o pensar de novos papéis sociais para ela, em uma sociedade que se desejava justa e democrática (CASTELLANI FILHO, 1993, p. 121). Tal situação é desgastante para um bom caminhar da educação física, pois existem interpretações equivocadas sobre a disciplina e seus conceitos ligados às leis que são sua sustentação, assim, em diversas instituições de ensino, sua carga horária é extremamente reduzida em comparação a outras disciplinas, chegando até a ser excluída para serem incluídas disciplinas vistas como melhor contribuição para uma mão de obra mais qualificada e um nível de competição maior no mercado de trabalho. Há, ainda, quem diga que uma das causas dessa exclusão é o despreparo dos professores em acompanhar as novas estratégias metodológicas. Há um importante fato ao qual está ligada a desvalorização da educação no Brasil — e não apenas da educação física —: quanto mais se discute que o futuro do país depende da educação, mais se cortam os investimentos para ela. Existem indivíduos conservadores, que, ao nosso modo de pensar, caracte- rizam a educação física de uma maneira superficial, sem levar em consideração diversos aspectos que há nas “entrelinhas” de sua existência, principalmente na escola, em que é vista apenas como importante para o desenvolvimento motor, para a saúde e para a formação de talentos esportivos. Este último ganhou força com o crescimento do sucesso de atletas brasileiros; antes, as aulas de educação física chegaram até a receber a “culpa” por fracassos olímpicos. Algumas intervenções, principalmente ligadas ao Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), acarretaram modificações na LDBEN (BRASIL, 1996), na qual há a confirmação da educação física como componente curricular obrigatório. A legitimidade da educação física é a grande busca de profissionais que estão ligados a ela, pois não é apenas a obrigatoriedade por lei que traz a tão esperada legitimidade. Educação física no ensino médio8 É possível concluir que a educação física deve ser repensada como ciên- cia e com um objetivo proposto: o movimento humano intencional. Assim, romperemos com o olhar binário e com o paradigma newtoniano/cartesiano para que o ser seja uno, total, global, e manteremos uma nova reestruturação pedagógica na área, focada na intencionalidade humana rumo à transcen- dência para a efetivação da educação física como uma ciência pautada no movimento humano, na diversidade e nas diferentes maneiras de expressar-se como cidadão crítico, significativo e transformador. O professor necessita construir sua identidade para reconhecer o que sabe e o que é. Deve ser crítico para tornar o seu aprendiz crítico. Também deve ter organização em seu local de trabalho e ter um “fio condutor”. O professor tem que dialogar com o outro, ser reflexivo e saber que sua escolha foi certa. O professor precisa ensinar de tal maneira que crie uma necessidade, uma curiosidade no aluno, a fim de efetivar o processo de ensino e aprendizagem de maneira lúdica, crítica, reflexiva e construtiva. Faça uma busca no YouTube pelo vídeo “Como estimular sua criatividade em apenas alguns segundos” e tente encaixar as dicas em seu contexto profissional. Orientações didáticas para o ensino de educação física no ensino médio Um bom programa escolarizado de educação física no ensino médio deve contribuir como uma disciplina fundamental para a intensificação do co- nhecimento dos jovens sobre seus sentimentos, interesses, capacidades intelectuais e expressivas; ampliando e aprofundando os vínculos sociais e afetivos; os quais refletirão sobre a vida e o trabalho que gostariam de ter. Sendo assim o ensino de educação física deve contribuir com a: [...] construção de autonomia intelectual, na ação moral, na relação socioafetiva e na relação motoro. Contudo, nenhum dos aspectos deve ser tratado isoladamente ou considerado mais importante que o outro, tampouco que um seja pré-requisito de outro (PALMA; OLIVEIRA; PALMA, 2010, p. 185). Educação física no ensino médio 9 De acordo com os autores, a escola em seu processo contínuo referente ao ensino e aprendizagem deve ponderar que todos os alunos são sempre capazes de aprender, independente do desenvolvimento e dos aspectos cognitivos e atitudinais de cada um. Sendo assim, a escola deve centralizar um ensino de qualidade referente à construção do conhecimento entre os esquemas e reflexos que os jovens estabelecem. No que concerne ao entendimento do processo de ensino e aprendizagem, o professor deve ter em mente que a essência desse processo é a relação pedagógica, sendo um processo interativo entre professor e aluno, uma vez que é o docente quem produz o conhecimento, mas que também aprende com os alunos. Sendo assim, a relação entre ensino e aprendizagem deve ser compreendida como um ato de ensinar de maneira intencional, afetiva, planejada e responsável (PALMA; OLIVEIRA; PALMA, 2010). Desse modo, ao relacionar a educação física e o ensino médio, busca-se refletir sobre corpo e movimento em sua totalidade enquanto agir no mundo por meio de significados do próprio mundo. Assim, essa relação precisa ser envolvida pela expressão subjetiva e integral do jovem e, para isso, neces- sita ser rica e significativa a fim de garantir um lugar para que esses jovens (independentemente de suas limitações humanas) possam manipular, expe- rimentar, interagir, se relacionar, exercitar e envolver de maneira autônoma (PALMA; OLIVEIRA; PALMA, 2010). Assim, a instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que os jovens possam, sempre animados pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo por meio de atividades referentes ao movimento humano. Na educação no ensino médio, conforme explicam Palma, Oliveira e Palma (2010), a educação física precisa potencializar, por meio das práticas corpo- rais, de gestos e movimentos, a garantida centralidade do corpo dos jovens enquanto território, o qual é vivido por meio do cuidado físico, da liberdade de ação, da expressividade criativa, da subjetiva humana e, portanto, de emancipação. A juventude é um tempo de experiência vital que é compartilhado e experi- mentado de várias maneiras, sendo composta por um misto de complexidade e sutileza. Em Kohan (2007), a juventude exige pensar em uma temporalidade para além do tempo “normal” da existência humana, das etapas da vida e das fases do desenvolvimento, que, de certa forma, ocupam um lugar de debili- dade. Está mais articulada a uma possibilidade de intensificar certa relação Educação física no ensino médio10 com o tempo, de instaurar outro tempo e de se envolver em um círculo repleto de intensidades. De antemão, “[...] o tempo jovial, é o tempo circular, do eterno retorno, sem a sucessão consecutiva do passado, presente e futuro, mas com a afirmação intensiva de um outro tipo de existência” (KOHAN, 2007, p. 114). Benjamin (1985) revela uma juventude que considera o jovem como sujeito envolvido pela complexidade da trama social, imerso na problemática histórica de seu tempo. Na contramãodo olhar, em Benjamin, é possível ver o tempo da juventude a partir do que ela tem, e não do que lhe falta: “[...] como presença, e não como ausência; como afirmação e não como negação, como força, e não como incapacidade” (KOHAN, 2007, p. 101). Essa mudança de percep- ção promove a inter-relação dos temas “tempo, juventude e experiência”, em sintonia com nascimentos e novos inícios para o pensamento, para o pensado e para o não pensado nesta terra comum. Com uma visão peculiar, o autor direciona para a construção de outra racionalidade, diferente daquela empregada pela modernidade, desde que essas noções sejam analisadas de forma crítica, considerando as contradi- ções que lhe são inerentes. Por fim, busca-se articular elementos para uma educação como resistência a essa temporalidade em uma perspectiva crítica imanente da própria modernidade. Diante disso, Kohan (2007), ao tratar da juventude e suas especificidades e inter-relações com a escola (ensino médio), diz que é possível vislumbrar uma compreensão digna de atenção, principalmente no que se refere à orga- nização do trabalho pedagógico docente de modo geral e, em específico, da educação física. Por conseguinte, os jovens precisam expressar livremente seus medos, inseguranças, leituras de mundo, impressões e hipóteses. Além disso, precisam ter espaços para conhecer, perguntar, elaborar hipóteses, estabelecer relações e aprender de maneira real e significativa. Muitos(as) professores(as) veem a juventude apenas como um período de carências (afetivas, físicas e sociais), uma vez que as maneiras próprias do jovem de agir e interagir nem sempre são levadas a sério, submetidas desde cedo às imposições dos adultos ou paparicadas e/ou deixadas à deriva em seu desenvolvimento (KOHAN, 2007). Diante disso, o cotidiano na educação física no ensino médio, também conhecido por rotinas pedagógicas, muitas vezes é organizado por um conjunto de ações culturalmente tradicionais que evidencia hábitos consolidados em relação à inércia institucional, frutos da tradição e de um saber consolidado na prática, que, de certa forma, impede a compreensão, pelos profissionais envolvidos, dos elementos constitutivos desse cotidiano. Educação física no ensino médio 11 Desse modo, cabe à escola e ao professor de educação física mediar e enriquecer a experimentação dos jovens, potencializando o corpo em relação ao espaço com objetos diferentes, ensinando a resolver os conflitos que surgirem (ou seja, resolver com eles, e não por eles), a guardar os objetos e a permitir o afeto, de forma a envolver a linguagem do corpo de maneira efetiva. É importante lembrar que os jovens estão aprendendo o tempo todo. Eles não aprendem só quando estão na sala de aula e muito menos só com atividades teóricas. As atividades físicas são fontes importantes da aprendi- zagem, assim como o movimentar-se, daí a compreensão da especificidade da educação física no ensino médio e do sujeito nesse contexto social atual. À medida que vamos desenvolvendo nosso trabalho diário, vamos buscando alternativas educativas com os jovens que, cada vez mais, envolvem em suas descobertas a capacidade lúdica do saber. Nesse sentido, a educação física no ensino médio precisa se envolver no processo de formação da cidadania dos brasileiros, contribuindo efetivamente para o processo de emancipação do jovem pelo caminho da aprendizagem e do desenvolvimento integral, com olhares para a igualdade e a diversidade. Nesse prisma, há a necessidade de um trabalho coletivo entre os profissio- nais envolvidos na educação física no ensino médio em prol de uma educação com mais significado e coerência, com um conhecimento cientificamente elaborado e com os campos de experiência, seja por meio da relação entre professores e alunos ou entre escola e família. Assim, o papel da escola está na organização de formas mais adequadas para a integração dos pais aos propósitos da educação infantil em favor da melhoria do ensino. Ao tratar da corporeidade na escola, é preciso direcionar para a compreen- são do corpo enquanto fenômeno de linguagem, conhecimento e saúde pelo componente de se mover corporalmente de maneira subjetiva e, consequen- temente, proporcionando uma aprendizagem significativa das atividades e exercícios físicos e práticas corporais (BRASIL, 2018). A partir disso, é necessário que haja uma compreensão do corpo do es- tudante enquanto presença no mundo e com a forma de agir peculiar de jovem, que é motivada pela ação de liberdade, que se movimenta, que fala, que tem pensamentos e leituras de mundo, que interage com o outro, que tem expressões do contexto social em que vive, que dá risada e que chora, sendo que seu choro se mistura com os sentimentos de alegria, frustração, desejo, raiva, amor... Desse modo, é um corpo estudante vivo que reage ao mundo exterior, internalizando conceitos que, em outro momento, serão externalizados por ele mesmo. Educação física no ensino médio12 Nesse processo, o corpo do jovem estudante enquanto linguagem, movi- mento e saúde precisa de um lugar para a invenção, liberdade de criação e resistência ao que está instituído, intervenção que possibilita desmontar o andaime de ideias, filosofias e ideologias que norteiam as atuais controladoras práticas pedagógicas da educação física e cerceadoras do conhecimento e da vida (BRASIL, 2018). Há, desse modo, a necessidade de inventar novas formas de pensar na educação para os jovens em sua formação no ensino médio, diferentes da- quilo que está imposto, e construir uma escola como um espaço de criação, de invenção, de vivência e, portanto, de possibilidade emancipada mediada por professores engajados nesse processo. Nesse movimento, cabe à escola e ao professor comprometido com a aprendizagem e o desenvolvimento estudantil envolverem seus alunos em vivências e experiências voltadas às descobertas e aventuras fascinantes pelo saber por meio da expressão corporal enquanto linguagem do movimento. Para isso, destaca-se o trabalho pedagógico docente voltado ao brincar, jogar, imitar e criar ritmos e movimentos como possibilidade e apropriação do repertório da cultura corporal na qual o jovem está inserido. Sobre isso, novamente Barros (2010) nos envolve com sua ardente fascina- ção pela vida e natureza. Não há como resistir aos seus encantos poéticos a fim de traduzir essa liberdade e expressividade do agir estudantil que propomos neste ensaio. E, assim, ele descreve (BARROS, 2010, p. 140): Os bens do poeta um fazedor de inutensílios, um travador de amanhã, uma teologia do traste, uma folha de assobiar, um alicate cremoso uma escória de brilhantes, um parafuso de veludo e um lado primaveril. Desse modo, a forma como apresentamos o mundo para os estudantes é parte do nosso compromisso e intencionalidade pedagógica. O vibrante entusiasmo de Barros (2010) revelado na poesia potencializa a busca do lugar do conhecimento em sintonia com a expressividade estudantil por meio da linguagem corporal e do movimento. Educação física no ensino médio 13 Para isso, é necessário pensar em uma organização escolar e curricular que contemple a educação física enquanto possibilidade dessas experiências. Em relação a educação física no ensino médio, propõe-se as unidades temá- ticas envolvidas por: brincadeiras e jogos, esportes, ginástica, danças, lutas e práticas corporais de aventura. Em conformidade com a BNCC (BRASIL, 2018), a educação física precisa valorizar as situações lúdicas de aprendizagem, com a necessária articulação entre as experiências vivenciadas na educação infantil e os campos de expe- riência do ensino fundamental que se refletem nas práticas do ensino médio. Nesse prisma, a educação física no ensino médio precisa garantir, enquanto unidade temática, os conteúdos potencializadores dos eixos norteadores da prática pedagógica, que são: o movimento e a corporeidade, o movimento e os jogos, o movimento em expressão e ritmo, o movimento e a saúdee o movimento e os esportes (PALMA; OLIVEIRA; PALMA, 2010). A partir disso, segundo os autores, as vivências dão margem a novos encontros, diálogos e favorecem o exercício amplo da liberdade, além de possibilitar embates, oposições a movimentos individualistas, criação de novas regras para os jogos ou simplesmente a contemplação da natureza de maneira lúdica e interativa. Na contramão do mundo adulto e da própria educação institucional, o jovem vai em busca de outros aliados, que são encontrados facilmente no mundo dos fenômenos. Apropria-se com interesse e paixão de tudo o que é abandonado e aprende, assim, a fazer história da história. Parece querer nos mostrar que a educação institucional se priva de sua função, que é a indagação e o espírito crítico para assumir um saber fingido. Destarte, além desses preceitos enunciados no texto, a escola precisa fomentar a rotina de atividades físicas, recreativas e de movimento, tanto em aulas de educação física quanto em outros momentos, os quais podem ser planejados em seu interior, como: gincanas e projetos envolvendo atividades relacionadas ao esporte para os jovens, atividades recreativas e lúdicas, entre outras ações. A atividade física intencional e o exercício físico, nesse prisma, revelam a sintonia com a saúde e o bem-estar físico, psíquico e social dos estudantes, contribuindo para seu bem-estar e mais qualidade de vida. Para discutirmos o que é atividade física e/ou exercício físico, é necessário, primeiro, atentarmos para o conceito de saúde estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, que afirma ser um: “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Diante disso, urdidos por uma inquietação sobre a vida e saúde das crianças, anuncia- mos que é papel da escola enquanto instituição formativa potencializar essas Educação física no ensino médio14 experiências, uma vez que atividade física é qualquer atividade relacionada ao movimento do corpo sem uma intenção predominante, e o exercício físico é uma ação intencional com objetivos específicos. Palma, Oliveira e Palma (2010, p.156) propõem objetivos do 1º ao 3º ano do ensino médio a partir de seus núcleos/eixos. � No núcleo movimento e corporeidade, o objetivo deve ser promover a am- pliação dos conhecimentos sobre o movimentar-se, estudando as estruturas físico-anatômicas envolvidas no movimento, as reações orgânicas às ativi- dades e com possibilidades diferentes de ação. � No núcleo movimento e jogos, o objetivo deve ser promover o conhecimento de jogos como integrantes do repertório cultural de movimentos, estudando e vivenciando diversas formas e modalidades. � No núcleo o movimento e esporte, o objetivo deve ser promover o conheci- mento de esportes como integrantes do repertório cultural de movimentos, estudando e vivenciando diversas formas e modalidades. � No núcleo movimento em expressão e ritmo, o objetivo deve ser possibilitar a ampliação de conhecimentos sobre as formas de expressões rítmico-culturais do movimento, reconhecendo e respeitando as características de cada uma delas, fortalecendo a convivência social. � No núcleo movimento e saúde, o objetivo é favorecer a realização de estudos sobre a relação movimento humano e a saúde, possibilitando a tomada de consciência da importância da atividade física na adoção de um estilo de vida ativo. Ao retomar as discussões deste texto, novos desafios acerca de educa- ção física no ensino médio, movimento e saúde são colocados em pauta. As estratégias utilizadas de estímulo às atividades em relação ao movimento precisam ser acionadas pela escola enquanto possibilidade de presença ativa do jovem no mundo e com o mundo. Além disso, podemos desenvolver um trabalho conscientizador da saúde do estudante, reivindicando melhor qualidade de vida para os nossos alunos. Por meio do olhar abrangente que permite entender a relação entre edu- cação física e a juventude, há o entendimento de que as qualidades ligadas à linguagem do corpo e ao movimento estimulam no jovem a inteligência e a constituição das personalidades humanas, sendo essencial o papel do(a) professor(a) nesse cenário. Educação física no ensino médio 15 Referências ADORNO, T. W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. BARROS, M. Poesia completa. São Paulo: LeYa, 2010. BENJAMIN, W. 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