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98 EM BR IO LO GI A ANOMALIAS CONGÊNITAS HUMANAS 1. INTRODUÇÃO No início da década de 40 foram feitos os primeiros relatos de que um agente infeccioso (vírus da rubéola) poderia causar malformações congênitas graves. Na década de 50, filhos de mães que utilizaram o sedativo e antiemético talidomida durante a gestação, nasceram com graves anomalias nos membros e outras alterações no desenvolvimento. Até então, acreditava-se que os embriões estavam protegidos de agentes infecciosos e químicos devido às membranas placentárias. Com estes relatos, iniciou-se os estudos do papel dos fármacos/drogas e de agentes biológicos na etiologia das anomalias congênitas humanas. As anomalias ou malformações congênitas são alterações no desenvolvimento presentes ao nascimento. Elas são importantes causas de morte na infância, de doenças crônicas e deficiência. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), dentre as 2,68 milhões de mortes durante o período neonatal em 2015 no mundo, 303 mil foram em consequência de anomalias congênitas. 2. ETIOLOGIA As causas das anomalias congênitas são divididas em: fatores genéticos, ambientais e herança multifatorial (Fig. 1). De 20-25% das anomalias congênitas têm herança multifatorial, entre 6-7% devem-se a anormalidades cromossômicas, de 7-8% são causadas por genes mutantes e entre 7-10% têm como causadores os agentes ambientais. Entretanto, cerca de 50- 60% têm etiologia desconhecida. Figura 1 – Causas de anomalias congênitas humanas. Adaptado MOORE, K.; PERSAUD, T.V.N. (2012). 2.1. FATORES GENÉTICOS Os fatores genéticos são as causas mais frequentes de anomalias congênitas, cerca de 15%, sendo eles anormalidades cromossômicas e genes mutantes. As anormalidades cromossômicas estão presentes em 6-7% dos zigotos. Muitos zigotos, blastocistos e embriões com anormalidades cromossômicas são abortados até a 3 ª semana de desenvolvimento. Muitos nem sofrem clivagem e não se tornam blastocistos. Veja maiores detalhes sobre as anormalidades cromossômicas numéricas e estruturais na disciplina de Genética Humana. 2.2. FATORES AMBIENTAIS Teratógeno é qualquer agente químico, físico ou biológico que pode causar um defeito congênito ou ainda aumentar a incidência de um determinado defeito na população. Os teratógenos têm diferentes mecanismos de ação. No geral, induzem uma resposta celular inicial que irá causar alterações celulares, como morte celular, falhas nos movimentos morfogenéticos, rompimento mecânico, entre outros. Como resultado final ocorre a morte intrauterina, defeitos no desenvolvimento, retardo do crescimento fetal ou perturbações funcionais. O período mais crítico do desenvolvimento para a exposição a teratógenos está entre a 3ª e a 8ª semana (Fig. 2). Como essa é a fase de diferenciação e morfogênese, grandes defeitos no desenvolvimento podem acontecer. A exposição a teratógenos durante o período fetal pode resultar principalmente em alterações funcionais (Ex: Retardo mental). 99www.biologiatotal.com.br EM BR IO LO GI A Adaptado SADLER, T. W. (2013). Figura 3 – Risco de indução de defeitos congênitos nos períodos embrionário e fetal. Tabela 1 - Teratógenos humanos e malformações congênitas associadas. Adaptado SADLER, T. W. (2013). Figura 2 – Sensibilidade a teratógenos nos diferentes períodos de desenvolvimento. Além do período de exposição ao agente ambiental (Fig. 3), outros fatores como a dose do fármaco e o genótipo do embrião influenciam a possibilidade de teratogenicidade. Para que um fármaco seja considerado teratogênico é necessário que se observe uma relação dose- resposta: quanto maior a dose do medicamento, maior o efeito fenotípico. 2.2.1. Fármacos/Drogas e Agentes químicos Cerca de 2% das anomalias congênitas são causadas por fármacos/drogas e outros agentes químicos. Algumas substâncias comprovadamente teratogênicas são mostradas na tabela 1. Teratógeno Malformações congênitas Agentes infecciosos Vírus da rubéola catarata, glaucoma, defeitos cardíacos, perda de audição, anomalias nos dentes Citomegalovírus Microcefalia, comprimento visual, retardo mental, morte fetal Herpes-vírus simples Microftalmia, microcefalia, displasia da retina Vírus varicela Cicatrizes na pele, hipoplasia dos membros, retardo mental, atrofia muscular Toxoplasmose Hidrocefalia, calcificações cerebrais, microftalmia Sífilis Retardo mental, perda auditiva Agentes físicos Raio X Microcefalia, espinha bífida, fenda palatina, defeitos nos membros Hipertermia Anecefalia, espinha bífida, retardo mental Agentes químicos Talidomida Defeitos nos membros, malformações cardíacas Aminopterina Anencefalia, hidrocefalia, fendas labial e palatina Difenil-hidantoína (fenitoina) Síndrome de hidantoína fetal: defeitos faciais, retardo mental Ácido valproico Defeitos do tube neural; anomalias cardíacas, craniofaciais e esqueléticas Lítio Malformações cardíacas ISRS Malformações cardíacas Anfetaminas Fenda labial e palatina, defeitos cardíacos Varfarina Anomalias esqueléticas (hipoplasia nasal, epífises pontilhadas) Inibidores da ECA Retardo do crescimento, morte fetal Micofenolato de mofetila Fendas labial e palatina, defeitos cardíacos, microtia, microcefalia Álcool Sindrome alcoólica fetal (SAF), fissuras palpebrais crustas, hipoplasia maxilar, defeitos cardíacos, retardo mental Isotretinoína (vitamina A) Embriopatia da isotretinoína: olhos pequenos e com formato anormal, hipoplasia mandibular, fenda palatina, defeitos cardíacos Solventes industriais Baixo peso ao nascer, defeitos craniofaciais e do tubo neural Mercúrio orgânico Manifestações neurológicas semelhantes às da paralisia cerebral Hormônios Agentes androgênicos Masculinização da genitália feminina: lábios fundidos, hipertrofia do clitóris (etisterona, noretisterona) DES Malformação do útero, das tubas uterinas e da porção superior da vagina; câncer vaginal; testículos malformados Diabetes materna Malformações diversas; defeitos cardíacos e do tubo neural são os mais comuns obesidade materna defeitos do tubo neural, defeitos cardíacos, onfalocele ISRS= Inibidores Seletivos da Racaptação de Serotonina; ECA=Ensima Conversora de Angiotensina; DES= Dietilestilvestrol 100 EM BR IO LO GI A O tabagismo é um hábito que causa Retardo no crescimento intrauterino (RCIU) e baixo peso ao nascer ((prega de pele na pálpebra superior), mãos com hipoplasia digital grave (dedos curtos). A Isotretinoína (ácido-13-cis-retinoico) é utilizado como tratamento para acne em muitos jovens. A exposição a este composto eleva o risco de aborto espontâneo, pode causar dimorfismo craniofacial (microtia e micrognatia), fenda palatina, anomalias cardiovasculares, defeitos no tubo neural e prejuízo neuropsicológico. 2.2.2. Agentes infecciosos Alguns agentes infecciosos podem atravessar a membrana placentária, penetrar na circulação sanguínea do embrião/feto e causar anomalias congênitas ou aborto. Alguns dos agentes infecciosos teratogênicos mais conhecidos estão citados na tabela 1. A toxoplasmose é uma infecção materna que pode ser causada pelo consumo de carne crua ou mal cozida e pelo contato com fezes de animais domésticos contendo cistos de Toxoplasma gondii. As anomalias congênitas causadas por este agente infeccioso incluem alterações destrutivas no encéfalo (calcificações intracranianas) e nos olhos (coriorretinite). Como resultado destas alterações, a criança pode ter deficiência mental, microcefalia, microftalmia e hidrocefalia. Recentemente, nos anos de 2015 e 2016, o Zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, foi associado ao aumento de casos de microcefalia (perímetro cefálico abaixo da média) e outras anomalias congênitas. 101www.biologiatotal.com.br EM BR IO LO GI A ANOTAÇÕES 2.2.3. Agentes físicos A exposição a altas doses de radiação ionizante (exames radiológicos, testes diagnósticos que utilizam radioisótopos e bombas atômicas) pode causar lesão nas células embrionárias, resultando em morte celular, lesão de cromossomos, deficiência mental e crescimento reduzido. Dentre as mulheres que sobreviveram e estavam grávidas durante a explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki, cerca de 28% abortaram espontaneamente, 25% das crianças morreram no 1° ano de vida e 25% deram à luz bebês com defeitos graves no sistema nervoso central (SNC). 102 EX ER CÍ CI OS EXERCÍCIOS 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 O que são anomalias ou malformações congênitas? Quais são as causas mais frequentes de anomalias congênitas humanas? a)Anormalidades cromossômicas e genes mutantes. b) Agentes químicos. c) Agentes físicos. d) Agentes infecciosos. e) Agentes ambientais. O que é um teratógeno? Os diferentes fatores citados abaixo determinam a teratogenicidade de um agente, exceto: a) Período de exposição. b) Idade materna. c) Dose do fármaco. d) Genótipo do embrião. Qual é o período mais crítico do desenvolvimento para a exposição a um teratógeno? a) 1ª e 2ª semanas. b) 3ª até a 8ª semana. c) 9ª até a 38ª semana. d) Período fetal. e) O risco de indução de teratogênese independe do período do desenvolvimento. São alterações causadas pelo tabagismo, exceto: a) Retardo no crescimento intrauterino (RCIU). b) Baixo peso ao nascer (