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1 O QUE PEDEM AS PESSOAS DA VIDA E O QUE DESEJAM NELA REALIZAR ? Maria de Fátima Fernandes Martins Catão Catão, M. F. (2007). O que pedem as pessoas da vida e o que desejam nela realizar? In E. Kruttzen & S. Vieira (Orgs.), Psicologia social, clínica e saúde mental (pp. 75-94). João Pessoa: Ed. Universitária. O SER HUMANO E O PROJETO DE VIDA O ser humano um ser social e histórico, é um ser constituído no seu movimento, em todas as suas fases e processos de mudança ao longo do tempo, pela cultura e condições sociais produzidas pela humanidade. Concebe-se o desenvolvimento do ser humano vinculado à história social e aos processos de internalização desta, mediado por sistemas simbólicos. Compreende-se que o individuo e seu projeto de vida são constituídos num contexto real e numa cultura de ordenação deste real.Todo individuo, assim como o seu projeto de vida, é individuo e projeto em movimento, podendo-se indagar, como o projeto de vida é construído, qual a sua origem, como se inicia, como chega a existir, qual a sua finalidade. Observa-se que, tanto o ser humano como o seu projeto de vida têm uma origem e uma finalidade, e que o estudo histórico dos mesmos, ou seja, estudá-los no seu processo de mudança não é um aspecto auxiliar do estudo teórico, mas sim sua verdadeira base, requisito básico do método dialético. A sociedade construída por nós mesmos nos dá o limite e as possibilidades de elaboração e construção do projeto de vida, o qual está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real. A cultura coloca-se como parte essencial da constituição do ser humano e de seu projeto e, ao falar de concepção de projeto de vida de indivíduos e coletivos, estaremos falando também do projeto de vida da sociedade. 2 Profa. Drª do Departamento de Psicologia da UFPB. fathimacatao@uol.com.br Apreender o processo de produção do individuo e de seu projeto de vida em todas as suas fases e mudanças, significa fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência, uma vez que é somente em movimento que um corpo mostra o que é. Vigotski ( 2004). Vygotsky, um dos responsáveis pela introdução da dialética no corpo teórico-metodológico da psicologia, já alertava, em 1926, contra as falsas e perigosas cisões que as escolas dominantes da época legitimavam ao elegerem uma característica do psiquismo como se fosse a essência do homem e competirem entre si pela hegemonia da palavra. Dessa forma, instituíam a existência de diferentes homens, sem nada em comum: o do comportamento, do inconsciente, da cognição, da experiência ou da sociedade ( Sawaia, 2005,p. 7) A abordagem dialética, admitindo a influência da natureza sobre o homem, afirma que este age sobre a natureza e cria, através das mudanças nela provocadas, novas condições naturais para sua existência, concebendo o ser humano ao mesmo tempo como criatura e criador, compreendendo as contradições e o movimento de tese-antítese- síntese presente nos fenômenos psicológicos de sua própria constituição e da constituição do projeto de vida. O que a natureza fornece ao homem no momento em que ele nasce não é suficiente para lhe garantir a sobrevivência na sociedade, já que ele precisa adquirir uma série de habilidades e aprender formas de satisfação de suas necessidades, sendo essas sociais e que precisam ser estimuladas de maneira a ser adquirida. O homem é um ser rico em possibilidades, tendo na sociedade, na cultura e nas relações sociais os limites e condições impostas para significações e construções do seu projeto de vida. Nesse contexto, onde o ser humano é concebido como um ser socialmente ativo, com possibilidade de adquirir habilidades físicas, cognitivas e emocionais a partir de sua relação com os outros e com sua cultura, temos verificado, através de trabalhos empíricos realizados sobre os significados de projeto de vida, o caráter psico- social, complexo e multidimensional do mesmo. Considerando o 3 projeto de vida um fenômeno psicológico, pode se supor, tomando por base trabalhos empíricos realizados (Catão, 2005, 2001) uma organização multidimensional dos aspectos constituintes do mesmo, que emerge em três dimensões articuladas entre si: dimensão sócio- cognitiva, dimensão sócio-afetiva e dimensão espaço-temporal. A dimensão sócio-cognitiva é caracterizada pelo estabelecimento de diálogo entre a mente e produção de idéias sobre si e sobre o mundo, o discurso interior na mediação com o mundo exterior e pelo desenvolvimento de processos simbólicos. A dimensão sócio-afetiva caracterizada pela definição dos afetos, das paixões, da ética, pela mediação entre o sofrimento e a felicidade, entre o prazer, ausência do prazer e o desprazer, pela potência da ação humana( Espinosa, 2005) não como propriedade do sujeito, mas como possibilidade do vir a ser, enquanto capacidade de ser afetado pelo outro, num processo de possibilidades infinita de criação e de entrelaçamentos. Estudar o ser humano, sua vida e concepções de projeto de vida, é analisar a ética e a afetividade, como questões de sobrevivência, é ampliar as concepções de projeto de vida para além das necessidades e carência material, morre-se de fome como também morre-se de tristeza pela carência da dignidade. Incorporar a ética é analisar o que é pela ordem do dever ser. (Sawaia, 2006, 2003). A dimensão espaço-temporal é o “agora” cotidiano, por ser a objetivação da interface entre o passado, presente e futuro e entre as duas esferas da vida cotidiana: o público e a da intimidade. O tempo-espaço como processualidade histórica e conotação ética . A temporalidade como questão metodológica fundamental na análise do significado e do sentido do projeto; o passado, presente e futuro em permanente transversalidade e transmutação, especialmente aquilo que ainda não é; o futuro enquanto dimensão temporal da ordem da liberdade e da criação. O passado refere-se à história e a memória O presente a ordem da experiência como superação do passado pela mediação do presente. ( Sawaia,1997) Desta maneira tem-se estudado o Projeto de Vida como um sistema psicológico sócio-cognitivo-afetivo-espaço-temporal historicamente construído na relação passado, presente e futuro, onde o horizonte é o futuro na sua relação com o passado na intenção de transformação do presente.( Catão, 2001) A cultura da desigualdade social, do desrespeito as diferenças, do afrontamento à dignidade humana, da cidadania passiva que se limita aos aspectos formais dos ritos democráticos, a cultura da injustiça e da falta de solidariedade tem provocado a redução do espaço de igualdade entre os grupos sociais ( Catão, 2005). Entende-se assim que a construção do Projeto de Vida respaldada nas bases da cultura da cidadania e inclusão social, está 4 diretamente relacionada à tomada de consciência da ética e dos direitos humanos. É objetivo deste estudo descrever, explicar e refletir sobre as concepções do projeto de vida e seus significados na vida cotidiana. Sobre as Concepções do Projeto de Vida “As pessoas esforçam-se para obter a felicidade, querem ser felizes e assim permanecerem...” ( Freud, 1978)“Ninguém sonha em sair por aí roubando, todo mundo sonha em ser feliz....” ( adulto, 36 anos, recluso em penitenciária) As várias tentativas de construção do Projeto de Vida e o que desejam os indivíduos e coletivos nele realizar, definem-se no processo de buscar a felicidade e evitar o sofrimento; a internalização da cultura, das condições e dos modos de vida colocam-se como variações da construção e incorporação pelos indivíduos do sistema de valor da felicidade nas construções de suas vidas. Para Espinosa, (/ 2005) ser feliz significa seguir o caminho da razão, e razão não é a negação dos afetos, mas um produto dos mesmos. Para este pensador, a natureza humana não é essencialmente e nem originalmente racional, porque o homem é fundamentalmente um ser passional e afetivo que tanto pode ser dominado pelas paixões (o que significa tornar-se seu servo), quanto pode agir por meio delas, o que significa ser racional. Na busca pela felicidade, a atividade do ser humano tem se desenvolvido pela ausência de sofrimento e de desprazer ou a experiência de sentimentos de prazer. O que decide o propósito da vida, expressão usada por Freud (1978), é o princípio do prazer. Para ele, este princípio é expresso como o dominador do funcionamento do aparelho psíquico. As possibilidades de felicidade colocam-se como restritas por nós e pelo sofrimento que nos ameaça, o que faz com que, diante de todas essas possibilidades de sofrimento, as pessoas tenham-se acostumado a moderar suas reivindicações de felicidade, destacando-se que o princípio do prazer, sob a influência das condições sociais, transformou-se no mais modesto princípio da realidade, ou seja, a pessoa pode pensar que é feliz, simplesmente 5 porque escapou à infelicidade ou sobreviveu ao sofrimento colocando o prazer em um segundo plano. Triandafilhidis (1988) estuda o projeto como um “sintoma da normalidade”. Este autor analisa o Projeto de Vida a partir da negação da morte em função da vida, pensa-se que para viver-se de um modo saudável é necessário fazer-se projetos, e para tal é necessário negar a morte. Winnicott ( 1975) expressa que viver criativamente mais do que qualquer coisa faz com que o indivíduo sinta que a vida é digna de ser vivida. Os indivíduos vivem criativamente e sentem que a vida merece ser vivida ou então, que não podem viver criativamente e têm dúvidas sobre o valor de viver. Para este autor, a construção do Projeto de Vida direciona-se em função do sistema de valor do viver criativo ou do viver submisso, incorporado pelos indivíduos ao longo de sua relação com o ambiente externo em função da qualidade das condições que este ambiente oferece. A criatividade na construção do Projeto de Vida evidencia a crença de que viver criativamente constitui um estado saudável e a submissão um estado doentio. O viver de maneira criativa ou viver de maneira não criativa evidencia relações do individuo consigo e com o mundo. A criatividade relaciona-se ao estar vivo e a abordagem dos indivíduos à realidade externa. Em contraste com este pensamento, existe um relacionamento de submissão com a realidade externa, como algo a se ajustar ou a exigir adaptação, trazendo consigo um sentido de nulidade associada à idéia de que nada importa e de que não vale a pena viver a vida. No contexto do viver criativo evidencia-se que os indivíduos são criadores de projetos, o que os leva a participarem de sua cultura, de sua história e a serem sujeitos de si. Fazer projetos requer transformação e ultrapassagem situada na temporalidade futuro, passado e presente. O Projeto de Vida também é concebido como algo incontornável, do qual não se pode escapar. “O homem tem de criar o homem, é o seu grande projeto”, (Sartre,1997) e mesmo o fato de dizer que não tem projeto já é um projeto. Entrelaçados neste tecido social, perpassados nos e pelos outros que cruzam nossa história, o projeto individual e/ou coletivo não tem a mínima possibilidade de estabelecer um caminho que não se insinue num caminho alheio, que não encontre um outro, que não se faça fazendo um outro, e sendo feito por ele. O projeto, assim, caracteriza a dialética do subjetivo e do objetivo. É através da reflexão crítica, em dimensão do vivido, que o indivíduo e o coletivo superam sua situação em direção às possibilidades e impossibilidades do futuro. Maheirie (1994) reflete que será negando sua situação, superando-a em direção, ao ainda não existente, recusando e realizando uma possibilidade, que 6 este homem será este ou aquele sujeito na realização do seu projeto. Não levar em conta este projeto será não levar em conta este homem. Carreterie (2003) destaca que o sujeito humano é criador de projetos, e participar de projetos, imaginá-los, realizá-los, elaborá- los, destruí-los e abandoná-los representa laborar na construção da civilização, sendo esta participação experimentada diferentemente pelos sujeitos individual e coletivo, pois inclui elementos do lugar social ocupado pelos mesmos. Evidencia-se o Projeto de Vida como mediação entre dois momentos da processualidade da história, a realidade negada e a realidade nova, pela superação através da atividade. Entende-se que toda participação evoca um sujeito em situação e que nenhum projeto pode escapar à evidência de ser projeto em situação, incluindo dimensões psico-sócio-históricas, enfoca-se assim, que a construção do Projeto de Vida é processo e produto da práxis, da relação com o outro e consigo. É a intenção de uma transformação do real guiado por uma representação do sentido desta transformação, levando em consideração as condições reais. Castoriadis (1982), em “Instituição Imaginária da Sociedade”, fala sobre o projeto de vida da sociedade ou “ projeto revolucionário”, na expressão do autor, que trata da reorganização e a reorientação da sociedade pela ação autônoma dos homens. O projeto revolucionário tem suas raízes e seus pontos de apoio na realidade histórica, na crise da sociedade estabelecida e em sua contestação pela grande maioria dos homens que nela vivem. No pensar de Castoriadis, destacam-se a práxis e a autonomia dos homens. A práxis é compreendida como o fazer no qual os indivíduos são considerados seres autônomos como agente essencial do desenvolvimento de sua própria autonomia, entendendo-a assim como uma atividade consciente. A práxis corresponde à transformação constante do próprio indivíduo e coletivos a partir das práticas sociais nas quais está inserido, colocando-se como contexto de formação/ transformação das concepções de Projeto de Vida. A questão da autonomia está no âmago dos objetivos e dos caminhos do projeto, a autonomia no plano individual e coletivo. Para execução da autonomia no plano individual, Castoriadis busca referências na psicanálise, evidenciando a máxima proposta por Freud “onde era o id, será o ego”. Ego entendido como o consciente em geral e o id representando neste contexto o inconsciente no sentido mais amplo, “ego, consciência e vontade devem tomar o lugar das forças obscuras que têm em mim, dominam, agem por mim, atuam-me”. (Castoriadis, 1982, p. 123). O sentido da 7 autonomia no plano individual sem reduzir o pensamento do autor seria o domínio do consciente sobre o inconsciente. Quanto à compreensão do sentido da autonomia no plano coletivo, torna-se possível a partir da autonomia no plano individual e da estrutura do sujeito. A autonomia neste plano conduz diretamente ao problema político e social, sendo esta desejadapara todos e sua realização só podendo conceber-se plenamente como empreitada coletiva. O plano da autonomia coletiva remete ao problema da relação do sujeito e dos outros. O outro aparece como constitutivo do sujeito, de seu problema e de sua possível solução. Evidencia o autor que a intersubjetividade é a dimensão essencial do problema, e é, de certo modo, a matéria da qual é feito o social, sendo esta existente como parte do momento desse social que ela compõe. A abordagem da psicologia sócio-histórica sobre a construção do Projeto de Vida reflete o universo subjetivo dos indivíduos e traduzem um conjunto de respostas objetivas e subjetivas a esse universo de recursos e constrangimentos. Enfatiza a análise entre sistema e atores ,e objetivo e subjetivo, entendendo-se a vida cotidiana dos indivíduos como objeto de grande pertinência para a compreensão de suas construções psicossociais. Esta abordagem busca articular os tempos de vida dos indivíduos, uma vez que se refere ao passado, produz respostas face às condições presentes e inclui o futuro animado de projetos e estratégias com o objetivo de contorno ou transformações dessas mesmas condições, permitindo apreender o sentido de vida dos indivíduos na articulação do seu passado, presente e futuro. Assume-se, deste modo, uma intencionalidade de ação nos indivíduos que derivam da sua representação de mundo, de sentido de Projeto de Vida, dos seus interesses e dos seus constrangimentos. Tomás (1997), em sua pesquisa sobre “Adaptação cognitiva e (re) estruturação dos Projetos de Vida em doentes cardiovasculares”, revela que a concepção de Projeto de Vida nos mostra uma grande pertinência ao permitir a apreensão do sentido com que os indivíduos equacionam a sua doença no contexto específico dos seus modos de vida, ou seja, como é que a partir da situação presente e do seu passado organizam a sua vida relativa ao futuro. Capucha (1993) utilizou em seus trabalhos de pesquisa sobre “Problemas da Pobreza” articulações com concepções sobre Projeto de Vida, aspirações e orientações de vida. Entende-se que a visão de mundo,dá sentido a construção do Projeto de Vida e que é no horizonte das relações com os outros, com as coisas, com a natureza, com o passado, e com o futuro que o homem se faz, se objetiva e se constitui numa identidade.Pode-se dizer, portanto, que o projeto caracteriza a dialética do subjetivo e 8 do objetivo através do qual o homem se objetiva pela ação em direção as possibilidades e impossibilidades do futuro, lançando-se para a possibilidade de objetivar-se de outra forma, superando a objetividade anterior negada pela subjetividade, transformando sua situação. Neste sentido, concebe-se a estreita ligação do Projeto de Vida e identidade pessoal, no qual pode-se dizer que a noção projeto/ identidade é inseparável da noção de pertença social e cultural. O significado de Projeto de Vida, em nível de comunicação, circula através de estereótipos, de discursos feitos, histórias de vida vivenciadas desde a infância e partilhadas nos grupos de pertenças ao longo da vida. A perspectiva de futuro enquanto Projeto de Vida é vivenciada já na infância, nela o indivíduo apreende sua condição social e de classe através da família e da comunidade. Normas e valores são impostos ocorrendo a primeira tentativa de superação de uma situação, para lançar-se em outra possibilidade, atravessando a existência da criança, vivenciando as contradições de maneira a superar ou conservar. Lahlou (1998), em seu trabalho “Penser Manger”, tomou como referência de análise a teoria das representações sociais e expressou que “Graças às representações os atores podem prever, escolher e coordenar. A representação permite o plano” (p. 13).O sujeito não se isola no mundo independente, existe uma intersubjetividade, um espaço comum de representações possíveis que favorecem a construção do Projeto de Vida através de definições, emoções, sensações, imagens que se forjam no senso comum, num dado grupo, perpassado por um certo contexto e uma cultura que orientam sua conduta e permitem a atividade. Moscovici (2003, 1979) chamou a atenção nas suas teorias da influência social e nas representações sociais para a questão das mudanças sociais, expressadas por esse autor, que são as minorias que levam à frente a mudança social, introduzindo inovações. Os processos de influência da maioria e da minoria não são vistos como dois pólos separados, mas como duas facetas de influência mutuamente interdependentes. Através do modelo genético, subjacente aos estudos do referido autor (Moscovici, 2003,1979 ), evidencia-se que o sistema social e o ambiente como produtos da ação dos indivíduos, os quais, nesta perspectiva, não tendem a se adaptar, mas sim crescer, no sentido do desenvolvimento da capacidade de criar novas maneiras de pensar, de definir seus limites, de modificar o ambiente e ampliar a rede de relações sociais, enfatiza também “crescimento” como “co- crescimento”, isto é, crescimento de ambas as partes na díade indivíduo / grupo, ou minoria/ maioria. O referido autor considera a sociedade como objeto de estudo na constituição do indivíduo, 9 concebendo-a como uma rede mais ou menos estruturada, não construída, as relações vão se construindo. Evidencia-se, assim, a representação social do Projeto de Vida como decorrência da mediação indivíduo/ sociedade (Coutinho& Catão,2003), ou seja, da visão de mundo deste indivíduo, das possibilidades/ impossibilidades produzidas e das relações mantidas com o mundo, permitindo aos indivíduos dar um sentido as suas condutas. SIGNIFICADOS DO PROJETO DE VIDA NO COTIDIANO Temos desenvolvido estudos, em níveis de pesquisa e de intervenção, sobre significados e sentidos do Projeto de Vida no cotidiano, coordenamos: “a construção do projeto de vida na exclusão social por indivíduos e coletivos em processo de exclusão” e o “ projeto de vida pessoal e o projeto de vida organizacional: articulações e desarticulações”(Catão, 2003). Realizaram-se estudos com: adultos e adolescentes em conflito com a lei; portadores de doença crônica; portadores de deficiência; portadores de doença mental; alcoolistas; acidentados do trabalho em processo de reabilitação profissional; aposentados; moradores de comunidades carentes; estudantes de escola pública; adolescentes em situação de risco; idosos institucionalizados; policiais militares e com instituições de saúde; escolas; comunidades e penitenciária. Nas pesquisas realizadas com adultos e adolescentes em conflito com a lei em espaços de reclusão sobre significados do projeto de vida (Catão, 2001), apreendeu-se o projeto de vida como: pensamento /reflexões sobre escolha de vida e desenvolvimento humano e foi possível verificar que o Projeto de Vida subsidia expressões de Exclusão/ Inclusão social, como o olhar de si para o mundo e o olhar do mundo para si, tendo o trabalho como mediador entre si e o mundo; o Projeto de Vida expresso como sentido e valor de vida e como manutenção financeira e qualidade de vida, delineando-se em torno da centralidade da tríade Trabalho/ Educação/ Família. Apreendeu-se que a Relação com o Outro e Consigo coloca-se como eixo de construção do projeto de vida, expressando-se pelo sentimento de necessidade de ajuda do outro e de si; Evidencia-se que o Projeto de Vida subsidia também sentimentos de agressão/ destruição no grupo de adultos, expresso por manifestações de sentimentos agressivos destrutivos.Foram evocados antecedentes sócios ocupacionais como expressão da temporalidade do Projeto de Vida no passado e produto do presente numa perspectiva de futuro. O Projeto de Vida 10 subsidiando expressões de desejo de mudança de vida acompanhadas de sentimentos de possibilidade/ impossibilidade, objetivada no trabalho / desemprego, na exclusão /inserção social e nos modos de vida. Teixeira; Montenegro & Catão (2005) pesquisaram sobre as representações sociais do câncer de cabeça e pescoço e as implicações na construção do projeto de vida dos portadores desta enfermidade. Apreendeu-se neste estudo o projeto de vida como: uma coisa positiva frente à doença; livrar-se de um aspecto ruim da doença; apoio familiar; trabalho como enfrentamento da doença e ter saúde. É importante ressaltar que esta pesquisa partiu da perspectiva das implicações da doença na construção do projeto de vida de seus portadores; no entanto, os resultados apontaram para as implicações positivas da perspectiva da construção do Projeto de Vida na relação com a doença. Tubino; Arruda; Leon, Gomes & Catão (2005) desenvolveram estudos de pesquisa e intervenção em escola pública de comunidade de baixa renda com adolescentes na faixa etária de 12 a 18 anos, apreendendo-se significados do Projeto de Vida como : Estudo: Família; Profissão; Manutenção Financeira e Preocupação Social, evidenciando-se expressões tais como: “(...) ser uma pessoa educada, respeitar os outros (...)” “(...) ser uma pessoa direita, com responsabilidades (...)” “(...) ter minha família, respeitar o próximo (...)” quero ser médico, para cuidar dos outros, salvar vidas (...) “. Nos estudos realizados por Marcelino, Lima & Catão (2005) sobre os significados do projeto de vida por adolescentes da escola pública em bairro de classe média e da escola privada, apreendeu-se o projeto de vida como um conjunto de desejos que se pretende realizar e para a realização desses desejos, configurando uma série de metas, como planos e etapas a serem vencidas rumo ao futuro. Observa-se que o Projeto de vida evocado por esses adolescentes está sempre subsidiado pela tríade educação/ trabalho/ família, corroborando com estudos anteriores realizados por Catão (2001) com adolescentes em conflito com a lei. Concebe-se também o Projeto de Vida como algo essencial ao longo da Vida, já que a necessidade de se pensar e refletir antes de praticar qualquer ação, faz com que, constantemente, se necessite planejar a vida, projetar suas ações e refletir sobre as condutas adotadas. Pensamento semelhante pode-se verificar também nos adolescentes em conflito com a lei, reclusos em centro de re- educação. Para esses grupos, os adolescentes de escolas públicas e privadas, o ser “alguém na vida” e o ser um “Zé ninguém” (na expressão deles), vai depender daquilo que foi logrado em termos de estudos ou educação formal, ficando evidente a forte relação estabelecida 11 por esses jovens entre a educação e a construção do Projeto de Vida. Nas falas dos adolescentes, emergem questionamentos acerca desse mérito individual na construção do Projeto de Vida. Indaga-se sobre se essa construção depende da individualidade ou da alteridade, entre o ideal e o real, o que se deseja e a realidade objetiva. Os grupos situam as dificuldades em decidir entre aquilo que se quer e aquilo que se considera possível conseguir. Concepções sobre o projeto de vida nestes grupos revelam também a busca por parte dos sujeitos em evitar algum sofrimento de uma possível decisão errada e no seu projeto de vida de ser feliz. “... É importante para no outro dia não ter que sofrer (...) É ser feliz...”. Evidencia-se o desejo de ‘ser feliz’, onde o individuo busca a felicidade e a permanência neste estado, evitando a ocorrência de sofrimento. É importante refletir sobre o que subsidia a busca dessa felicidade pelo projeto, sua base ética. Maciel; Alves; Aquino; Tubino & Catão (2005) na investigação sobre “O Significado do Projeto de Vida para Alcoolistas Integrantes dos Alcoólicos Anônimos”, realizado com sujeitos do sexo masculino com faixa etária dos 20 aos 76 anos. Foi apreendido o projeto de vida como: meta a alcançar; paz e felicidade viver em paz com Deus, comigo e com o mundo (...) obter a paz com a minha família e com o mundo (...) ser uma pessoa feliz (...) viver feliz. Ter alegria no que faz (...); sobriedade Ficar sóbrio. Só em não beber já me sinto realizado (...); mudança de comportamento mudança total do meu comportamento, deixar de ser agressivo, ser calmo, sereno (...);equilíbrio e serenidade (...) manter o equilíbrio em todas as atividades (...). Observamos também estudos desenvolvidos por Gontiés, Araújo, Junior & Catão(2005) sobre as representações sociais do alcoolismo e a importância do seu respaldo para estudos sobre as concepções do projeto de vida com alcoolistas. Araújo; Lima; Gontiés & Catão ( 2005) na pesquisa sobre “ O significado de Projeto de Vida enquanto Direito Humano para Policiais Militares” , os policiais evocam o projeto de vida como um planejamento da vida, que está relacionado aos seus projetos pessoais seja no âmbito individual e/ ou familiar , profissional e social. Projeto de Vida apreendido como perspectiva do futuro com o objetivo de estratégia de contorno ou transformação das suas vidas. O Projeto de Vida enquanto Direito Humano evoca esses direitos como fundamentais e facilitadores na construção do Projeto de Vida e que, para que haja a construção desse projeto, é necessário que haja harmonia e o respeito ao outro. Direitos Humanos e Projeto de Vida colocados numa relação de complementaridade.( ...)impossível para um indivíduo conseguir realizar seu projeto de vida se não tiver seus direitos individuais respeitados e reconhecidos. A concepção de Projeto de Vida 12 perpassa pela questão das políticas públicas que irão possibilitar ou não a construção de tal projeto.(...) depende de políticas públicas que garantam a inclusão social. Arruda; Tubino; Gonzaga; Da Silva & Catão (2005) desenvolveram estudos sobre o significado do Projeto de Vida para adultos de uma comunidade de baixa renda da cidade de João Pessoa, constituída de aproximadamente onze mil moradores, sendo perpassada por graves problemas sociais, dos quais podemos destacar a baixa renda, o tráfico de drogas, a prostituição, a violência, o desemprego, a falta de saneamento, o alcoolismo. Para compor a amostra, foi feito um recorte da população, tendo por critério a escolha de indivíduos que tivessem seus filhos estudando numa escola que atende à comunidade, escola esta que também foi objeto de estudo. Um conteúdo muito evocado foi o financeiro, os moradores da comunidade concebem o projeto de vida na expressão do desejo de manter as suas famílias “com um certo conforto”, de ter uma casa para morar, de trabalhar, poder estudar, ter saúde e que os filhos cresçam bem. Observa-se na relação do projeto de vida pessoal com o projeto de vida social, ou seja, o da comunidade para os seus moradores, uma situação desejada, evocada pelas concepções do projeto pessoal, muito acima das possibilidades do contexto real e da cultura de ordenação do projeto social, ao mesmo tempo em acordo com o que deveria ser em termos deste projeto, o social para aquela comunidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Pode-se expressar que cada sujeito não é isolado no mundo independente, existe uma intersubjetividade, um espaço comum de significações possíveis. Entende-se que neste contexto da vidacotidiana, das inter-relações entre os indivíduos, das comunicações, da atividade, da apreensão de mundo à ação deste, são evocadas concepções, indagações, objetivos, constituídos nos e pelos afetos, no movimento da história individual e social. Expressam-se desejos e necessidades, movimentam-se, agem, atropelam, superam, mantém, transformam. A apreensão dos significados e sentidos do projeto de vida enquanto conhecimento complexo e multidimensional, não pretende dar conta de todas as informações sobre o fenômeno evocado, mas respeitar suas diversas dimensões. Entende-se que o projeto não tem de produzir o esquema total e detalhado de vida que pretende direcionar, tampouco tem de demonstrar e garantir em termos absolutos, que este projeto poderá resolver todos os problemas que eventualmente poderão aparecer. Aponta-se, porém, ser necessário, no concebido por ele, não existir incoerência e que, até onde se pode ver sua construção de forma consciente, trabalhada nas 13 dimensões que o constitui, sócio-cognitiva-afetiva-espaço-temporal, aumentaria enormemente a capacidade dos indivíduos e coletivos resolverem seus problemas. Assim, o presente estudo pretendeu descrever, explicar e refletir sobre as concepções do projeto de vida e seus significados no cotidiano. REFERÊNCIAS ARAÚJO, B. A; LIMA, C. M. P; GONTIÉS, B & CATÃO, M.F.F.M. Construção de projeto de vida e direitos humanos: representações sociais de policiais da segurança pública. In: IV Jornada Internacional e II Conferência Brasileira sobre Representações Sociais (trabalhos completos), João Pessoa, 2005. ARRUDA, P.M; TUBINO ,L.R; GOMES, T.H.S; LEON, J.P.P & CATÃO, M.F.F.M As representações sociais da construção do projeto de vida para adultos da comunidade carente Novo Horizonte. 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