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Constituição do Serviço Social Constituição do Serviço Social Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas Dados técnicos do livro Fontes: Tahoma, Book Antiqua Papel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa) Medidas: 15x22cm Impressão: Gráfica da ULBRA Fevereiro/2010 SumáriSumáriSumáriSumáriSumáriooooo Apresentação ........................................................... 7 1 1 1 1 1 Perspectivas para uma compreensão dos fundamen- tos da vida social cotidiana através do trabalho .... 13 2 2 2 2 2 O imaginário e o simbólico na constituição do su- jeito e das interações cotidianas .......................... 33 3 3 3 3 3 Fundamentos da vida social cotidiana em diferen- tes contextos e etnias ............................................ 49 4 4 4 4 4 A construção de vínculos que projetam o ser hu- mano na condição de sujeito coletivo ................ 71 5 5 5 5 5 Concepção de sujeito e de sociedade para o Servi- ço Social na perspectiva positivista e marxista 89 6 6 6 6 6 Concepção de sujeito e de sociedade para o Ser- viço Social na perspectiva fenomenológica e complexa .............................................................. 115 7 7 7 7 7 O Serviço Social perante os fundamentos da vida social ..................................................................... 135 ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação 9 A p re se n ta çã o Caro aluno, o presente estudo aborda reflexões so- bre os fundamentos da vida social, sua importância, re- presentação e seus significados para o assistente social poder realizar seu processo de trabalho. Estudar os fun- damentos da vida social dará o suporte para compreen- dermos o cotidiano de trabalho vivido por assistentes sociais na sua interlocução direta com a realidade em que estamos inseridos. O estudo em foco desdobra-se em sete capítulos. O primeiro versa sobre a importância de termos uma com- preensão dos fundamentos da vida social cotidiana atra- vés do trabalho, o significado de pensarmos sobre a rele- vância da vida cotidiana e sua compreensão. O cotidiano como espaço de representação e organização da vida so- cial, através de ações, conscientes ou não, que vão possi- bilitar a reprodução social do ser humano enquanto ser particular e também em uma dimensão de coletivo. Para ocorrer a reprodução social, o sujeito particular terá de encontrar possibilidades de também poder reali- zar-se enquanto sujeito e, conseqüentemente, reprodu- zir-se socialmente enquanto sujeito coletivo. Nessa lógi- ca, entendemos que o trabalho é uma categoria fundante da vida social que deverá oportunizar essa construção. O segundo capítulo remete-nos a estudar o significa- do da representação do imaginário e do simbólico na constituição dos sujeitos em suas relações cotidianas. Nessa perspectiva de estudo sobre representação do A p re se n ta çã o 10 imaginário social, ressaltamos o significado e a impor- tância das ações cotidianas, no viver esse cotidiano, na construção desse imaginário social nos significados, nas imagens, nos símbolos, valores, elementos importantes para a construção do imaginário e do simbólico do ser humano. É através da linguagem que iremos compor a subjetividade humana. Com essa apropriação simbólica através da linguagem, daremos significado à realidade em que estamos inseridos. No capítulo três, traremos os fundamentos da vida social cotidiana nos diferentes contextos e etnias. Os se- res humanos são seres sociais não somente porque de- pendem de outros para viver, mas porque estão sempre em interação, interligados com os outros, a si mesmos e com a sociedade, através de normas, valores, percepções e emoções. Sendo assim, não podemos pensar na exis- tência de alguma comunidade sem a presença do senti- mento de pertencimento. Esse sentimento é inerente à condição humana, pois todos nós, de alguma forma, buscamos pertencer a algum espaço e/ou lugar nos di- ferentes contextos e etnias por uma questão geográfica, cultural, social, e também de forma particular. Em seqüência, no capítulo quatro explicitamos uma análise concernente aos processos de vida em uma di- mensão de indivíduo situado em um coletivo social. Te- cemos algumas considerações sobre as relações sociais, sua constituição e responsabilidade sobre o agir huma- no através de processos sociais no estabelecimento de vínculos que projetam o ser humano a uma dimensão de coletivo social. No capítulo cinco, apresentamos uma concepção de sujeito e de sociedade para o Serviço Social através das perspectivas positivista e marxista. Na perspectiva positivista, apresentamos Durkheim (1858–1917), que foi o grande continuador do pensamento de Comte. 11 A p re se n ta çã o Durkheim, através de seus estudos, estabeleceu a ciên- cia do “fato social” como fenômeno coletivo. Afirmava que a sociedade é comparável a um animal, com seus sistemas e órgãos diferenciados, cada um com diferen- tes funções. Em um segundo momento, abordamos o método dialético-crítico, que possibilita o desvendamento da realidade, visando constantemente ir além das aparências. As categorias epistemológicas do método dialético-crítico – historicidade, totalidade e contradição – estão presentes e permitem-nos realizar uma leitura e compreensão da realidade concreta, dos fundamentos da vida social. No capítulo sexto, refletimos sobre os referenciais teó- ricos fenomenologia e complexidade, dois grandes cam- pos do conhecimento que nos oportunizam pensar as re- lações sociais na sua profundidade e particularidade. Em nosso sétimo e último capítulo, abordamos o Servi- ço Social perante os fundamentos da vida social, a necessi- dade de estarmos apreendendo a forma como os funda- mentos da vida vão se constituindo, e como poderemos trabalhar de forma solidária no mundo contemporâneo na construção e reconstrução de novos fundamentos para a existência de uma vida social mais justa e igualitária. No cenário atual, o mundo do trabalho requer dos profissionais uma ação articulada entre todos, agregan- do de forma criativa elementos diversos, os quais pos- sam somar e dar respostas a tantas inquietações huma- nas nascidas ainda de um profundo egoísmo que insiste em fazer parte das relações sociais e que aniquila vidas sem limite. Devemos pensar formas de trabalho que as- segurem a construção de ações em conjunto com a pre- sença de atores sociais comprometidos na garantia de uma sociedade democrática. Caro aluno, neste estudo estamos dialogando prazerosamente com obras de grandes pensadores, como A p re se n ta çã o 12 Marx, Agnes Heller, Kosik, Edgar Morin, e, de forma complementar, encontramos base em autores como Iamamoto, Faleiros, Martinelli, Minayo, Turkc, entre outros também importantes. No influxo deste estudo, desejamos que você encontre o sabor de um querer cada vez mais reconhecer no Serviço Social uma profissão que prima por uma sociedade mais justa e igualitária. Jairo da Luz Oliveira e Simone da Fonseca Sanghi PPPPPerspectierspectierspectierspectierspectivas paravas paravas paravas paravas para uma compreensãouma compreensãouma compreensãouma compreensãouma compreensão dddddos fundamentos daos fundamentos daos fundamentos daos fundamentos daos fundamentos da vida social cotidianavida social cotidianavida social cotidianavida social cotidianavida social cotidiana atraatraatraatraatravvvvvés dés dés dés dés do trabalhoo trabalhoo trabalhoo trabalhoo trabalho 1 Jairo da Luz Oliveira é assistente social, gerontólogo social, mestre e doutorem Serviço Social, professor da Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Luterana do Brasil. 15 P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. Jairo da Luz Oliveira O presente capítulo permite-nos refletir sobre os fun- damentos da vida em sociedade, da vida cotidiana atra- vés do trabalho e o significado das bases em que se es- trutura tal sociedade. O cotidiano é visto como espaço de representação e organização da vida social através de ações, conscientes ou não, que influenciarão na re- produção social do ser humano enquanto ser particular e também coletivamente. A vida cotidianaA vida cotidianaA vida cotidianaA vida cotidianaA vida cotidiana A vida cotidiana representa o conjunto das ações do ser humano no seu dia-a-dia, através de atos e ações es- tabelecidos nas relações sociais. É o ser humano em sintonia com a vida. Kosik (1995, p.79) esclarece que: “Todo modo de existência humana ou de existir no mun- do possui sua própria cotidianidade”. Nossa vida é marcada por atos estabelecidos através das criações hu- manas. Muitas vezes esses atos, que fazem parte de nosso cotidiano, não são conscientes, mas repetitivos, automáticos, sem que venhamos a nos questionar ou perceber que estão inseridos em nosso modo de ser. Veja- mos alguns exemplos que estão incorporados em nosso dia-a-dia: http://www.senado.gov.br/sf/senado/ portaldoservidor/jornal/jornal74/ Imagens/gengiva.jpg P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. 16 Escovar os dentes faz parte de nosso cotidiano. Sabe- mos que é uma ação importante por causa de nossa saú- de, e essa idéia está incorporada em nossas vidas de uma forma automática, sem que tenhamos de estar pensan- do sempre na sua finalidade e funcionalidade. Muitas pessoas dirigem seus carros para se deslocar de um lugar a outro, e muitas vezes esse ato é realizado de forma automática. Sabemos que desejamos chegar a algum lugar, mas não temos, por exemplo, de estar pen- sando em todos os movimentos que o carro faz para que isso ocorra. Ir ao trabalho ou atravessar as ruas também são atitudes que realizamos constantemente. http://globoesporte.globo.com/ESP/Home/foto/0,,11770429-EX,00.jpg http://www.jornalcorreioparanaense.com.br/imagens/uploads/2248.jpg 17 P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. Percebe-se, então, que a cotidianidade é a vida co- mum de todos na sociedade em que se convive. Para melhor compreendermos como o cotidiano que envolve o ser humano se estabelece, observemos a seguinte alu- são de Heller: A vida cotidiana é o conjunto de atividades que caracteri- zam a reprodução dos homens particulares, no qual, pela sua vez, acreditam na possibilidade da reprodução social. (1994, p.19) O cotidiano representa, de forma organizada, toda ação consciente ou não do ser humano, que vai possibi- litar a reprodução social. Kosik esclarece: A vida cotidiana é, antes de tudo, organização, dia-a-dia, da vida individual dos homens; a repetição de suas ações vitais é fixada na repetição de cada dia na distribuição do tempo em cada dia. A vida de cada dia é divisão do tempo e é ritmo em que se escoa a história individual de cada um. (1995, p.80) Para ocorrer a reprodução social, o sujeito terá de encontrar possibilidades de realizar-se e, conseqüente- mente, reproduzir-se socialmente enquanto ser particu- lar. Uma criança, quando nasce, estabelece uma relação direta com seus pais, destes necessitando de cuidados para sua sobrevivência. São os atos repetidos de tais cui- dados que darão à criança as habilidades para seu de- senvolvimento. Nesse processo, tanto a criança como os pais constituirão um cotidiano marcado por atenções materiais, cuidados de higiene e alimentação e muito amor. Todavia, quando essa criança atingir sua vida adulta e sua autonomia, deverá estabelecer-se um novo cotidiano. P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. 18 Como vemos, os seres humanos estão integrados em um contexto social, e suas ações irão possibili- tar a reprodução das rela- ções sociais estabelecidas por cada indivíduo. E, as- sim, vai-se constituindo a história da sociedade. O ser humano, ao nas- cer, insere-se em uma so- ciedade que lhe é revela- da pronta, constituída. Sua sobrevivência dependerá da forma como se apro- priará de recursos que lhe serão garantidos ou não para poder crescer ou encontrar a morte. Devemos ter claro que esses elementos de sobrevivência humana estão in- seridos em um cotidiano de vida organizado no meio onde o sujeito nasceu – o contexto familiar, por exem- plo. É, portanto, somente após receber os cuidados ine- rentes ao seu desenvolvimento que o sujeito poderá crescer e lutar, e, após emancipado, atingir a vida adul- ta, garantindo por si mesmo sua manutenção. Do con- trário, fenecerá. Heller (1994, p.23) afirma: “ou o ho- mem se apropria de sua vida cotidiana, que se lhe dá acabada, desde o seu nascimento, ou estará determina- do a morrer”. Para podermos ampliar nossas reflexões, imagine- mos o quadro da desigualdade social que envolve mui- tas pessoas, as quais, ao nascerem em um mundo bas- tante perverso, se encontram condicionadas a uma si- tuação de extrema falta de perspectivas com relação a padrões mínimos de sobrevivência. Essas pessoas, por- tanto, encontram-se privadas de ter um teto, de alimen- tação, saúde, lazer, entre outras carências que o mun- http://blog.cancaonova.com/eventos/ files/2007/10/familia.jpg 19 P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. do do trabalho deveria suprir com vistas a tornar o ser humano feliz. A população de rua, por exemplo, deve apropriar-se de estratégias de sobrevivência em seu cotidiano, ou es- tará fadada à morte física. Para a maioria, a integridade pessoal encontra-se constantemente em risco. Como vemos, em qualquer situação que o ser huma- no esteja inserido, ele deverá necessariamente desenvol- ver disposições para sobreviver. Parafraseando Heller (1994, p.36), o homem terá de cultivar faculdades e dis- posições que são necessárias para se afirmar, enquanto pessoa, neste mundo que lhe é dado, desde o aprendiza- do da comunicação com as pessoas que o cercam até as estratégias e os mecanismos de sobrevivência. Para ocor- rer a reprodução social, o indivíduo terá de encontrar possibilidades de também realizar-se e, conseqüente- mente, reproduzir-se socialmente enquanto ser particu- lar, uma vez que não nasce pronto e, para sobreviver, necessita construir-se a si mesmo. http://www.apoio-sp.org.br/imagenes/fotos/missao.jpg P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. 20 Para a população de rua, manter estratégias de sobre- vivência em seu cotidiano é algo contínuo e desolador. O ser humano é um ser ontocriativo, quer dizer, aquele que cria o seu próprio ser. Ele nasce uma interrogação, um projeto: a experiência fundamental da vida humana, essa experiência do vazio, do ter que se conquistar, do ter que fazer, do ter que buscar, buscar a si mesmo, quer dizer, a humanização da vida humana é a primeira preocupação, consciente ou não, do ser humano. Assim, o ser humano é processo de luta por sua conquista. (KOSIK, 1998, p.29) A sobrevivência só se estabelece à medida que o ser humano realiza trocas e vínculos que irão engrandecer seu contínuo desempenho humano. A mediação2 reali- http://www.bemparana.com.br/marcus/ wp-content/uploads/2007/10/00-bebe.jpg 2 [...] mediações do cotidiano profissional se baseiam numa ação e numa prática, já que esta não existe sem intencionalidade ou motivação. Toda ação implica uma atitude, pensamento ou comportamento que é norteado por algum valor moral, ou seja, explícita ou implicita- mente, o que motiva uma determinada ação, entre outros aspectos, é um valor moral. (...)a mediação como possibilitadora da transfor- mação (MARTINELLI, 1993, p.136). Segundo Faleiros: “as mediações implicam-se mutuamente no contexto das relações histórico-estrutu- rais, constituindo redes de mediações ou mediações em redes articu- ladas, sob a ótica é que vamos elaborar estratégias de ação” (FALEIROS, 2001, p.53). 21 P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. zada pelo Serviço Social objetiva realizar ações e operacionalizações que deverão garantir a transforma- ção na vida humana, a qual possui características fun- damentadas em valores éticos. Essa ação mediadora promoverá a vida em socieda- de abrindo espaços no sentido de estabelecer recursos sociais e de esclarecimento de direitos, no comprometi- mento do Estado com vistas a garantir uma qualidade de vida em sociedade de forma ampla. Nesse sentido, a vida cotidiana é marcada pela cons- trução social de atitudes produzidas pelo próprio ser humano, que, através do trabalho, promove a transfor- mação da natureza. Temos claro então, que esse cotidiano deverá ser cons- tituído por ações criadoras no sentido de estabelecer dis- posições e garantias a uma qualidade de vida para to- dos através do trabalho. Toda ação do ser humano no processo de transfor- mação da natureza é uma relação de trabalho, na qual o ser humano visa controlar e superar a natureza bruta. Nas palavras de Antunes (1999, p.123), o trabalho, esta- belecido em um cotidiano, significa “momento fundante de realização do ser social, condição para a sua existên- cia; é o ponto de partida para a humanização do ser so- cial e o motor decisivo do processo de humanização do homem”. Encontramos, então, na condição humana, a possibilidade de desempenhar, através da criatividade, uma força transformadora de algo em alguma coisa que lhe seja útil e apreciável, e que leve ao bem-estar, objeti- vo e subjetivo, da humanidade. P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. 22 Marx (1980, p.202) tece a seguinte consideração sobre o trabalho: “Antes de tudo o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”. O tra- balho é o que impulsiona o ser humano na transformação e regulação da natureza. É o que lhe garante o desenvol- vimento de habilidades, exigindo esforço, planejamento e dedicação. Temos no trabalho a organização dos funda- mentos da vida social. Segundo Albornoz (1986), o traba- lho possui a seguinte representação: Na linguagem cotidiana a palavra trabalho tem muitos sig- nificados. Embora pareça compreensível como uma das for- mas elementares de ação dos homens, seu conteúdo oscila. Às vezes carregado de emoção, lembra dor, tortura, suor do rosto, fadiga. Noutras, mais que aflição e fardo, designa a operação humana de transformação da matéria natural em objeto de cultura. (ALBORNOZ, 1986, p.8) O trabalho, então, é uma maneira criativa de mani- festação humana nas mais diversas formas estabelecidas em um cotidiano. O sentido que damos ao trabalho está diretamente relacionado com o meio e a intenção que http://usinfo.state.gov/journals/ites/0107/ijee/nicaragua.jpg 23 P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. nos move a ele, no sentido de obter um resultado que deverá trazer satisfação das necessidades humanas, fun- damentando assim a vida social. Para Wünsch (2001, p.98), o trabalho é “uma catego- ria central, na compreensão da relação homem com o seu meio, de reconhecida historicidade e atualidade, na medida em que este é insubstituível, por ser potencial- mente criativo e pela satisfação das necessidades huma- nas”. O trabalho, enquanto categoria de análise, é consi- derado uma condição primordial de transformação da natureza em possibilidade de recursos para o bem-estar dessa mesma humanidade. Segundo Iamamoto (2001, p.61), trabalho é elemento constitutivo do ser social. Dispõe, portanto, de uma uti- lidade na vida das pessoas. O trabalho é apenas um meio, que traz valor proporcionalmente ao resultado que ob- tém ou a que visa. Torna-se importante entendermos a importância que a categoria valor representa na vida humana, pois valor é tudo que faz parte da vida do ser humano, tudo que possui significado. Está constituído de valor “tudo aquilo que faz parte do ser genérico e contribui, direta ou imedi- atamente, para a explicação desse ser genérico” (HELLER, 1989, p.04). Para compreendermos os fundamentos da vida soci- al através do trabalho, é preciso que se perceba o ser humano em conexão com a história e ver, na caminhada humana, o desenvolvimento do trabalho como sendo a base fundante da vida social, pois sabemos que o ser humano interage na construção dos fatos históricos, em processo contínuo. É através do trabalho que o ser hu- mano vai se aprimorando, elemento importante para o refinamento da vida humana no contato da natureza. A vida humana torna-se desumana quando o traba- lho é corrompido e não traz sentido ao fim a que ele, P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. 24 “trabalho”, se destina, ou seja, a evolução do ser huma- no na Terra através da transformação da natureza na sua forma bruta. Nas mais distintas formas de relações sociais do ser humano, a atividade humana através do trabalho dis- tingue-se na sua existência individual e social. Para Marx, O significado humano da natureza só existe para o homem social, porque só neste caso é que a natureza surge como laço com o homem, como existência de si para os outros e dos outros para si, e ainda como elemento vital da realida- de humana: só aqui se revela como fundamento a própria experiência humana. Só neste caso é que a existência natu- ral do homem se tornou humana. Por conseguinte a socie- dade constitui a união perfeita do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo inte- gral do homem e o humanismo integral da natureza. (MARX, 1993, p.194) Marx (1993), em seus apontamentos, infere que o pro- cesso de humanização do homem e da mulher se dá na constituição das suas experiências através do trabalho em sociedade, o que lhes fundamenta a existência soci- al. Percebemos o quanto o ser humano e a natureza es- tão implicados entre si, colocando a humanidade na con- dição vital de dependência da natureza para a sua so- brevivência. A sociedade em que vivemos é o resultado do que o ser humano constrói enquanto ser social. Nessa seqüên- cia de pensamento, percebemos o quanto é paradoxal constatarmos que, muitas vezes, o resultado desse mo- vimento realizado pelo ser humano, quando inserido no trabalho em sociedade, é não obtermos como resultado desse processo de trabalho a contrapartida dos recursos sociais que garantam para todos a dignidade e a sobre- 25 P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. vivência humana e também a manutenção da própria natureza de que se apropria o ser humano. A sociedade capitalista é contraditória, pois poucos usufruem as suas facilidades. Muitos ficam à margem. O trabalho tem que ser visto como espaço de realização, de promoção da humanidade do sujeito, a este propici- ando as condições favoráveis de equilíbrio físico e men- tal. Lamentavelmente o que ocorre, porém, é um pro- cesso de aniquilamento de muitas pessoas nessa mesma sociedade. Nesse sentido, o trabalho, quando deixa de se consti- tuir em realização, torna-se objeto de dor e sofrimento, mudando totalmente o seu significado. Parafraseando Wünsch (2001, p.106), dir-se-ia: “o processo que se esta- belece no binômio ‘saúde–doença do trabalhador’ é construído de diversas formas, e seu motivo de existir está relacionado ao contexto das relações sociais, engajadas com as formas de existência da população, de modo geral”. Antunes (1999)afirma: Se na formulação marxiana o trabalho é o ponto de partida do processo de humanização do ser social, também é verdade que, tal como se objetiva na sociedade capitalista, o trabalho é degradado e aviltado. O que deveria se constituir na fina- lidade básica do ser social – a sua realização no e pelo traba- lho – é pervertido e depauperado. O trabalho transforma-se em meio de subsistência. (ANTUNES, 1999, p.124) A realidade, então, revela-se contraditória quando constatamos viver em uma sociedade que apresenta um movimento dialético visto através do trabalho e do de- semprego, da riqueza e da miséria, da inclusão e da ex- clusão sociais. Esse movimento dialético é percebido de forma obje- tiva quando vemos índices de violência, miséria e fome; P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. 26 e, de forma subjetiva, através do sentimento de não- pertencimento social e do estar-se alijado dos recursos que a sociedade constrói para alguns, não atingindo a finalidade de crescimento do indivíduo na saciedade mais ampla. Temos, na grande maioria das vezes, o binômio doença–trabalho relacionado diretamente à vida das pessoas. A sociedade contemporânea está fundamentada em relações sociais contraditórias que se estabelecem de forma direta na relação capital sobre o trabalho. Cons- tatamos seres humanos sendo explorados e muitos ou- tros vivendo em condições de escravidão, enquanto outras pessoas usufruem uma boa qualidade de vida. Existem também aqueles que, durante muito tempo de suas vidas, venderam sua força de trabalho e ago- ra se encontram doentes ou envelhecidos, sem mais ter a possibilidade de vender sua força física. Nessa mesma sociedade, tais pessoas possuem como desti- no o abandono. http://dossie.centrovivo.org/imagem/capituloIII/moradores_rua_ennio3.png A exploração comumente atinge grandes proporções, colocando a pessoa necessitada em uma situação cons- trangedora e de subalternidade. Cria também uma cons- 27 P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. ciência alienada, e o sujeito, sem dinheiro3 no bolso, tenta sobreviver de forma degradante. Iamamoto (2001) as- sim comenta o processo da força produtiva do trabalho social na vida cotidiana: À medida que cresce a força produtiva do trabalho social, cresce a riqueza que domina o trabalhador como capital e cresce sua pobreza, indigência e sujeição subjetiva. Resul- ta na reprodução das contradições de classes – e dos confli- tos a ela inerentes – e da consciência alienada que viabiliza essa reprodução. (IAMAMOTO, 2001, p.79) Essa condição de pobreza faz com que muitas pessoas organizem suas vidas na sociedade das mais diversas for- mas. Uma delas é a saída do campo, das pequenas cidades interioranas em busca de novas frentes de trabalho na ca- pital, principalmente quando se esgotam todas as possibi- lidades de crescimento pessoal, pois “o crescimento do ca- pital e o aumento do proletariado são resultados contradi- tórios do mesmo processo” (MARX, 1974, p.103). http://www.sjp.pr.gov.br/noticias/imagens_news/1148582514247933-03.jpg 3 O dinheiro é originalmente o representante de todos os valores. Na prática, as coisas invertem-se, e todos os trabalhos, os produtos reais, tornam-se representantes do dinheiro. De sua função de servo, como simples meio de circulação, torna-se soberano e deus das mercadori- as. Representa a existência celestial das mercadorias enquanto estas representam sua existência terrena (MARX, 1980, p.156). P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. 28 As perdas relacionadas à ruptura de vínculos, com a saída do campo, são, geralmente, irreparáveis. A procu- ra itinerante do trabalho para a sobrevivência torna-se muitas vezes a única alternativa de vida para as pessoas que procuram uma atividade profissional. Portanto, o processo pelo qual o ser humano busca encontrar qualidade de vida através do trabalho passa por uma trama de relações no enfrentamento das adver- sidades da vida, na busca da superação desses entraves, no sentido de se garantir, em sociedade, a conquista da liberdade, da autonomia das pessoas, oportunizando crescimento social. A vida em sociedade deverá estar marcada por uma relação de igualdade de direitos para todos. Devemos perceber o outro através do respeito humano. É essa uma das formas de se construir cidada- nia e se estabelecer a liberdade e a paz entre os povos. Nesse sentido, o trabalho é categoria central que tem por finalidade promover a humanização da natureza e da vida em sociedade. AtiAtiAtiAtiAtividadevidadevidadevidadevidade Caro aluno, procure entrevistar três pessoas de dife- rentes espaços sócio-ocupacionais (por exemplo um médico, um varredor de rua e um assistente social) per- guntando a elas como vivenciam o seu cotidiano. Com as informações coletadas na abordagem, pro- cure refletir sobre esses elementos e discuta com seus colegas no presencial aprofundando a constituição do cotidiano nessas diferentes esferas da vida social implicadas no mundo do trabalho. 29 P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. Referência comentadaReferência comentadaReferência comentadaReferência comentadaReferência comentada Caro aluno, trazemos até você a obra Trabalho e indi- víduo social, de Marilda Villela Iamamoto. Essa obra oportuniza a reflexão sobre a centralidade do trabalho na vida dos indivíduos numa sociedade de mercado. Nela você perceberá o quando uma sociedade que se organiza e fundamenta num sistema capitalista perver- so faz com que as pessoas percam o controle de suas vidas e as relações sociais se fragilizem. ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios so- bre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 6.ed. Campinas: Cortez, 1999. ALBORNOZ, Suzana. O que é o trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1986. FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2001. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. (Título origi- nal: Allag und Geschichte). 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. ______. Sociología de la vida cotidiana. Barcelona: Pe- nínsula, 1994. IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2001. KOSIK, Karel Dialética do concreto. (Título original: Dialektika Konkrétního). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. MARX, K. 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( ) A vida cotidiana representa ações do ser humano de- correntes de um ato de autoridade imposto; ( ) A vida cotidiana não existe, é uma fantasia necessá- ria para a sobrevivência do ser humano; ( ) O cotidiano é marcado por atos estabelecidos atra- vés das criações humanas; ( ) A vida cotidiana representa o conjunto das ações do ser humano no seu dia-a-dia, através de atos estabe- lecidos nas relações sociais; 2- Em relação ao trabalho, temos a seguinte compreensão: ( ) toda relação doser humano com a natureza, no seu pro- cesso de transformação, é uma relação de trabalho; ( ) o trabalho é um meio que impulsiona o ser humano 31 P e rs p e ct iv as p ar a u m a co m p re e n sã o d o s fu n d am e n to s. .. na transformação e regulação da natureza exigindo do ser humano o desenvolvimento de habilidades e exigindo esforço; ( ) o ser humano não necessita do trabalho para a trans- formação da natureza bruta em algo que venha a be- neficiar a vida humana nas suas necessidades; ( ) o trabalho, então, é uma maneira criativa de mani- festação humana nas mais diversas formas estabelecidas em um cotidiano, espaço que funda- menta a vida social; ( ) a vida humana torna-se desumana quando o traba- lho é corrompido, não trazendo sentido ao fim que ele, “trabalho”, se destina, ou seja, a evolução do ser humano na Terra através da transformação da natu- reza na sua forma bruta; ( ) o trabalho tem de ser visto como espaço de realiza- ção, de promoção da humanidade, estabelecendo aos seres humanos as condições favoráveis de equilíbrio físico e mental, pois muitas pessoas vão sofrendo pro- cessos de aniquilamento nessa mesma sociedade. RespRespRespRespRespostasostasostasostasostas F-F-V-V-V-V-F-V-V-V O imagO imagO imagO imagO imagináriináriináriináriinário e oo e oo e oo e oo e o simbólico nasimbólico nasimbólico nasimbólico nasimbólico na constituição dconstituição dconstituição dconstituição dconstituição dooooo sujeito e dassujeito e dassujeito e dassujeito e dassujeito e das interaçõesinteraçõesinteraçõesinteraçõesinterações cotidianascotidianascotidianascotidianascotidianas 2 Jairo da Luz Oliveira é Assistente social, gerontólogo social, mestre e doutor em Serviço Social, professor da Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Luterana do Brasil. 35 O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... Jairo da Luz Oliveira O presente capítulo busca refletir sobre o significado da representação do imaginário e do simbólico na cons- tituição dos sujeitos em suas relações cotidianas. O estu- do desdobra-se sobre a relevância de pensarmos a re- presentação do imaginário social simbólico do ser hu- mano, das ações cotidianas, no viver esse cotidiano, na construção desse imaginário nos significados, imagens, símbolos, valores, entre outros elementos. O imagO imagO imagO imagO imagináriináriináriináriinário e o simbólicoo e o simbólicoo e o simbólicoo e o simbólicoo e o simbólico Os conceitos estabelecidos em nossa sociedade sobre o agir humano como sendo bom ou ruim estão marca- dos por uma competência comportamental que nos leva a tomar decisões em nossas vidas, tais como trabalhar, pagar as contas, gerenciar a vida, entre outras. Essas ações se efetivam em um clima de condições sociais, fi- nanceiras, ambientais, emocionais, ecológicas, de forma a podermos atingir diferentes dimensões da vida cotidi- ana, garantindo ou não qualidade de vida. Assim, essas dimensões da vida cotidiana que se estruturam no trabalho, nas artes, na cultura, na família, etc., oportunizarão às pessoas condições de se sentirem interessadas pela vida, de modo que a vida se torne tam- bém interessante para as pessoas. Nessa perspectiva de construções e ações cotidianas, pensamos que ao viver esse cotidiano estaremos assimi- lando significados, imagens, símbolos, valores, elemen- tos importantes para a construção do imaginário e do simbólico do ser humano. É através da linguagem que O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... 36 comporemos a subjetividade humana. Com essa apro- priação simbólica através da linguagem, daremos signi- ficado ao plano real ou da realidade em que estamos inseridos. Torna-se importante pensarmos como a educação de base está sendo oportunizada às pessoas em sociedade, educação essa que irá alimentar o imaginário e o simbó- lico na vida das pessoas em relação à própria vida e a tudo que nos cerca estimulando o ser humano no seu desenvolvimento, no meio em que está situado, enten- dendo que a educação nas suas mais diversas dimen- sões representa a base que alimenta os processos criati- vos do ser na transformação da natureza. Mosquera (1987, p.14) esclarece que a vida do ser humano vai sendo constituída através da estimulação do meio em que ele vive, denominado pelo autor como “estimulação ambiental” em que o homem está inserido. Cada situação (geográfica, social, biológica) terá a sua devida representação para a formação da personalida- de humana. Heller (1994, p.7) enfatiza que a essência humana não é o ponto de partida, nem o núcleo em que se sobre- põem as influências sociais, senão que constitui um re- sultado, e que o indivíduo encontra-se desde o seu nas- cimento em relação ativa com o mundo em que nasceu, e que sua personalidade se forma através dessa relação. É na vida cotidiana que se constrói a história, e o indiví- duo, influenciado pelas experiências estabelecidas e ar- mazenadas, contribui para a construção da história da humanidade. Para ilustrarmos um pouco mais nossas reflexões sobre o imaginário humano e o simbólico como elemen- tos constituintes dos fundamentos da humanidade, po- deremos citar alguns fatos históricos que marcaram de forma decisiva a história da humanidade. 37 O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... – Temos em nosso país um rico contexto cultural, do Estado do Amazonas ao Estado do Rio Grande do Sul. A vida cotidiana do brasileiro é permeada por um tecido social impregnado de um imaginário rico em significados, através de lendas, mitos e outros ele- mentos que favorecem o fortalecimento de nossa regionalidade e nacionalidade, tornando-nos um povo alegre e religioso. – Temos também, no contexto histórico mundial, fatos que marcaram de forma triste o cotidiano da vida planetária. Adolf Hitler desejou que se constituísse uma raça “pura” na Alemanha, e para isso os judeus deveriam ser eliminados do meio social naquele país. Os pequenos, como os grandes acontecimentos hu- manos, representam as tramas de relações que irão cons- truir a história da humanidade, acontecimentos vividos no particular da vida dos sujeitos, bem como na socie- dade mais ampla, provocando um constante estado de movimento. O ser humano é um ser histórico, e suas eta- pas – infância, adolescência, vida adulta e velhice – re- presentam as partes de um todo em seqüência, em cons- tante transformação, que influenciam o cotidiano das relações humanas. Em cada uma dessas etapas da vida vamos nos apropriando de símbolos, imagens, valores que irão dar o sentido ao nosso comportamento. Quando crianças, dizem-nos que menino brinca com menino e menina brinca com menina; que azul é a cor do menino e rosa a cor da menina; que menino brinca de bola e menina brinca de boneca. Que significados estão implicados nesses chamamentos para a vida do mundo infantil? Será que subliminarmente não estamos dizen- do que o futuro lugar da menina no contexto social é ser cuidadora do lar, e o lugar do menino é ser no futuro o chefe da família, o provedor do lar? Dizemos constante- O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... 38 mente que homem não chora, e menina não pode sen- tar-se com as pernas abertas! Que elementos estão sen- do passados de geração para geração na construção dos significados de papéis no imaginário e no simbólico do universo familiar? Nesse sentido, vamos construindo e reconstruindo a sociedade através desses elementos que compõem o imaginário social. Temos outros elementos a serem pen- sados em se referindo ao imaginário social. As concep- ções de juventude e velhice, por exemplo, estão associa- das a um imaginário social que garante às pessoas a sua inserção ou não nos grupos sociais, ao longo do seu pro- cesso existencial. O ser jovem ou velho se altera subs- tancialmenteao longo de uma existência. E essas trans- formações influenciam a forma e o modo de encarar a vida. Valores, hábitos e fatos vão influenciando o esta- belecimento das relações sociais, e materializam-se na história do indivíduo e na sociedade. Muitos dos “pré-conceitos” estabelecidos nas relações sociais estão associados a um imaginário social calcado na força, na beleza, no desempenho sexual e outras dis- posições que impedem as pessoas de serem felizes da for- ma como são. Vivem sob uma concepção que aprisiona as potencialidades criativas no agir e no pensar, ou seja, muitos não acreditam ter os padrões estabelecidos e re- produzidos socialmente como pretensamente legítimos. Heller (1994, p.22) enfatiza: “por conseguinte, a re- produção do homem particular é sempre a reprodução de um homem histórico, de um particular em um mun- do concreto”. As transformações que ocorrem nesse “ho- mem particular”, representam o conjunto de nossas rea- lizações particulares, vividas pelo indivíduo e represen- tadas na sociedade. As grandes teorias sobre o desenvolvimento huma- no afirmam o valor que as relações pessoais e 39 O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... interpessoais representam para uma qualidade de vida em sociedade, ou seja: as capacidades intelectivas, o mundo das emoções, inibições e conflitos, todas essas situações estão implicadas de forma a nos apropriarmos das imagens recebidas do mundo real na construção da subjetividade humana, que irão definir a personalidade das pessoas, materializada em pensamentos e atos, im- primindo na sociedade ações através das quais construi- remos o coletivo social. Na cultura brasileira, vivemos a influência do meio em nosso imaginário social. Os brasileiros acreditam estar vivendo em um país no qual a beleza e o vigor físi- co são qualidades imprescindíveis para o sucesso. A fi- gura feminina representa, para muitos, um objeto de uso sexual e subalterno. A imagem do homem viril e bem- sucedido está ligada ao adulto jovem. Esses são alguns conceitos errôneos que deverão ser repensados em nos- sa sociedade, pois influenciam negativamente e dificul- tam as mudanças necessárias no sentido de valorizar a condição de ser dos indivíduos. Portadores de deficiên- cia, pessoas na terceira idade, afro-descendentes, ho- mossexuais, índios, judeus são pessoas que muitas ve- zes sofrem preconceitos da sociedade devido à não acei- tação da diversidade humana. Com o avançar da idade e o declínio físico, por exem- plo, o homem passa a viver um “envelhecimento soci- al”. Torna-se então marginalizado por aqueles que esta- belecem os padrões de beleza e vigor como condicionantes para a verdadeira felicidade e colocam os idosos em uma condição de inferioridade, não garan- tindo a essas pessoas a possibilidade de sequer desfru- tarem da vida nessa fase existencial. As gerações mais jovens, devido à grande estimulação do meio, não percebem a velhice como uma etapa impor- tante e positiva, e vivem na ilusão de que para eles essa O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... 40 fase não chegará. Tal imagem está no imaginário social da grande maioria das pessoas. Salvarezza afirma: o en- velhecimento leva os jovens a ver os velhos como dife- rentes e não considerá-los como seres humanos com iguais direitos e, o que é pior, não identificar-se com eles (1988, p.51). Essa situação instiga-nos a pensar: qual o melhor caminho para mudarmos conceitos e valores estabeleci- dos até o momento através das relações sociais que influ- enciam o imaginário social? Eis o grande desafio. Para romper esses padrões, tem-se de pensar conti- nuamente em uma educação voltada para o conhecimen- to sobre os valores estabelecidos e legitimados social- mente. Podemos refletir um pouco mais sobre outros elementos que compõem o imaginário e o simbólico na vida das pessoas e estabelecidos nas relações sociais. Em nosso cotidiano, muitas vezes, questiona-se o porquê da existência de determinadas situações, que degradam as condições de vida humana. Respostas para esse tipo de questionamento vão de- terminando o rumo das situações e dos fatos na vida em sociedade. Muitas vezes, o que se recebe são respostas automáticas, e o que é estarrecedor para alguns cai na banalidade, na indiferença, e isso caracteriza o descomprometimento individual com o coletivo. Pensa-se que esse descomprometimento com o outro não deva incorporar-se aos costumes, ao imaginário e ao simbólico do coletivo social, e haja uma discussão constante para que a condição de abandono em que se encontram as pessoas não se torne algo banal em nosso cotidiano. Esse processo individualizante não deverá ser estabelecido na sociedade; deve-se refletir teoricamente sobre os fundamentos sociais que determinarão as rela- ções sociais. O fato de o ser humano ser livre no seu agir não o exonera de responsabilidades. O futuro da humanidade 41 O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... está nas mãos desse mesmo ser humano, que deve, por- tanto, respeitar as diferenças sociais e evitar relações preconceituosas. A sociedade tem de ser compreendida na sua totalidade, e os sujeitos precisam alongar seus olhares superando a visão acanhada da realidade. Os problemas sociais, para a sua compreensão, não podem ser vistos somente de uma forma isolada do todo. A compreensão da realidade está articulada às vivências contraditórias das pessoas em sociedade, na vida de cada um e de todos. Heller (1985, p.17) afirma que sentir significa estar im- plicado a algo. Essa implicação se dá de forma consciente, e esse algo poderá ser qualquer coisa: o ser humano, um conceito ou mesmo um processo, um problema, uma situ- ação, outro sentimento, outra implicação... Será que estamos comprometidos com a vida humana na sua plenitude? Como estamos estabelecendo essa implicação individual com o outro, no imaginário e no simbólico social? Cada ação humana traz em si responsabilidades, motivações que poderão ser conscientes ou inconscien- tes, através de atos voluntários ou não. Para tanto, te- mos de levar em conta o que cada ação carrega em si e suas conseqüências. Várias têm sido as ações preconceituosas na socieda- de, com agravantes estabelecidos por atos de violência, como é a questão sobre crianças em situação de vulnerabilidade, a crescente situação da violência do- méstica, o desemprego, as drogas e o abandono social dos idosos em situação de rua e tantos outros. A humanização nas relações da vida cotidiana, atri- buto esse que deveria ser exercido por todos os indiví- duos, encontra-se mais no plano do ideal, pois na práti- ca não vem revelando-se. Ao realizar uma retrospectiva sobre os valores que compõem esse imaginário simbólico das relações soci- O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... 42 ais ao longo do tempo, percebe-se que em relação ao sujeito “pobre”, por exemplo, tais conceitos vão sendo alterados. Antigamente, no Brasil, o fato de alguém não possuir recursos não significava que fosse um malfei- tor, alvo de temor ou ameaça. Este, ao contrário, muitas vezes era recebido nas casas para a execução de peque- nos serviços. Na literatura infantil, observa-se o “Jeca Tatu”, figu- ra do homem simples do interior do Brasil. A persona- gem não causava dano a ninguém, e era vista como uma figura típica do cenário interiorano. Nos tempos da di- tadura, o principal documento que credenciava a pes- soa a receber o respeito das autoridades de segurança pública, tanto da polícia civil como militar, era a carteira de trabalho. Hoje, percebe-se que indivíduos materialmente po- bres, desprovidos de trabalho ou que sobrevivem no mercado informal carregam consigo o estigma de serem vistos como inferiores ou, até mesmo, pessoas perigosas e nocivas à sociedade. Com isso, a maioria dos que se encontram em melhor situação sequerrevela-se dispos- ta a oferecer, como antigamente, pequenos serviços àque- les que os solicitam, na necessidade de subsistir. Hoje, no imaginário social, os pobres carregam o estigma de serem “bandidos”. Não se pode permitir que a indiferença em relação ao sofrimento humano atinja o patamar da banalidade. Essa deve ser uma questão considerada sob a ótica dos direitos humanos. Ferreira Filho (2000, p.19) destaca a importância da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, mencionando: “os homens são LIVRES e IGUAIS, trazendo a solidarieda- de como sendo o fio condutor das relações humanas”. Acredita-se que a humanidade seja constituída de seres morais. A sociedade sempre estabeleceu sistemas 43 O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... de valores e normas morais para possibilitar a convi- vência entre as pessoas, no sentido de que o imaginário social fosse construído por valores universais. Nesse processo, descobre-se a diferença entre o que é e o que deverá ser, o desejo de um mundo diferente. Mas para que isso se estabeleça na vida cotidiana do homem, ele terá de ter um controle sobre os efeitos intencionais e não intencionais de suas ações, e o interesse particular não deverá prevalecer sobre o interesse comum de to- dos, pois do contrário ocorrerá o conflito. Essa será a particularidade em que insurgirá o pen- samento ético como balizador das ações do homem. Não se podem encobrir interesses particulares em detrimen- to do outro. Quando essas ações comprometem a liber- dade, principalmente a liberdade de poder sonhar, deve- se parar e refletir sobre como estão sendo estabelecidas as relações humanas. Entendemos que o ser humano é o único ser vivo que pensa e entende o contexto em que está inserido, no qual dá sentido às coisas e a si mesmo. Para sobreviver, ne- cessita estar agregado e constituir relações de correspon- dência entre a estrutura econômica e as demais estrutu- ras da sociedade5 , estabelecendo relações de produção e poder que, muitas vezes, ferem a liberdade humana6 . 5 [...] na produção social da sua existência, os homens estabelecem rela- ções determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvi- mento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida soci- al, política e intelectual de modo geral (MARX, 1989, p.38). 6 A liberdade humana consiste na possibilidade de escolher, de preferir um comportamento a outro, de autodeterminação (definir-se ideolo- gicamente, ter convicções próprias a respeito das questões humanas) e de agir na perspectiva de sua vocação fundamental, que é tornar-se sempre mais humano (COLOMBO, 1993, p.21). O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... 44 Torna-se importante refletirmos a implicação do ato humano, no senso de pensarmos que algumas pessoas poderão sofrer situações que limitarão o seu agir como ato de escolha e possibilidade na sociedade, bem como ter acesso a benefícios do mundo do trabalho. No dizer de Brites e Barroco (2000, p.21), “a escolha implica a li- berdade; o ser humano só se torna livre quando encon- tra alternativas para poder realizar escolhas de forma consciente”. Para o Serviço Social, esse caminho reflexivo faz-se necessário. É no cotidiano da vida profissional que o assistente social vai deparando-se com uma infinidade de situações nascidas dessas mesmas relações contradi- tórias, desenvolvendo a construção e análise de seu ob- jeto7 . A vulnerabilidade social torna-se objeto de estudo e de intervenção do assistente social que materializa o seu processo de trabalho na reversão de tal realidade. Estabelece-se, assim, o objeto de intervenção do Serviço Social nas suas mais diversas e complexas particulari- dades e expressões. Podemos afirmar que o pensamento está associado a um ser que possui uma racionalidade, que projeta, que idealiza e que dá configuração às idéias, que irão se mate- rializar ou não na sua vida cotidiana. Esse ato contínuo de pensar, projetar e sonhar dá sentido e movimento à vida, propiciando o valor de existência à vida humana. É um perceber a si mesmo, enquanto ser particular, bem como na sua condição de sujeito social inserido em um contexto de sociedade. O ato de perceber a si mesmo 7 O Serviço Social desenvolve a construção de seu objeto, sua relação com esse objeto de uma forma significativamente peculiar. O assisten- te social defronta-se, em seu cotidiano profissional, com questões prá- ticas e humanas para as quais busca soluções. Nesse sentido é um pro- fissional que deve conhecer profundamente o objeto de sua ação para dar resposta eficiente e de qualidade aos problemas propostos (BULLA,1997, p.18). 45 O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... somente ocorrerá na medida em que o sujeito puder re- alizar apropriações importantes durante a sua própria existência. Essas apropriações nascem de relações estabelecidas no cotidiano da vida, sejam nos relaciona- mentos familiares, no acesso à educação de base, aos valores que nascem da cultura, da arte, da música, da poesia, do seu processo de relação com o mundo do tra- balho, enfim, de tudo que possa dar sentido à vida. Um grande repertório de significados que darão sentido e qualidade a esse pensar criativo. AtiAtiAtiAtiAtividadevidadevidadevidadevidade Caro aluno, procure ler três livros de histórias infan- tis. Na leitura, procure observar: 1. o contexto da organização social contida no enredo que a narrativa se propõe; 2. quais os elementos da narrativa, que seriam aponta- dos como sendo os mais marcantes, que estimulam o imaginário infantil; 3. qual a mensagem da narrativa, e como poderemos, a partir da história infantil, pensar a vida social con- temporânea. Referência comentadaReferência comentadaReferência comentadaReferência comentadaReferência comentada Caro aluno, apresentamos a você, como leitura, a obra Paradigmas do cotidiano – introdução de um campo de análise social, de João Carlos Tedesco. Nessa obra, o autor propõe tratar o cotidiano com sentido históri- co, político, cultural e econômico, elementos muito O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... 46 importantes para a compreensão dos fundamentos da vida social. ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências BARROCO, Maria Lucia Silva; BRITES, Cristina Ma- ria. A centralidade da ética na formação profissional. Revista Temporalis, Brasília, v.2, p.19-34, 2000. BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo: Cortez, 2001. BARROS, Ricardo Paes; MENDONÇA, Rosane Silva Pinto de. As conseqüências da pobreza sobre a in- fância e adolescência. In: FAUSTO, Airton; CERVINI, Ruben. O trabalho e a rua – crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez, 1992. BULLA, Leonia Capaverde; ARAUJO, Jairo Melo (org.). A produção de conhecimento no Mestrado em Ser- viço Social da PUCRS. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997. COLOMBO, Olírio Plínio. Pistas para filosofar (II): questão de ética. 3.ed. Porto Alegre: Evangraf, 1993. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos hu- manos fundamentais. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. HELLER, Agnes. Teoria dos sentimentos. 3.ed. Bar- celona: Fantamara, 1985. MARX, Karl. O capital. 13.ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. Livro I, Vol. I. MOSQUERA, Juan; STOBÄUS, Claus. 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( ) Várias têm sido as demandas sociais que afetam a vida em sociedade, frutos desse imaginário social caracteri- zado por ações preconceituosas, e tendo como decor- rência os agravantes estabelecidos por atos de violên- cia, como por exemplo a questão sobre crianças em si- tuação de vulnerabilidade, a crescente situação da vio- lência doméstica, o desemprego, as drogas, o abando- no social dos idosos em situação de rua e tantos outros. ( ) A sociedade como um todo não se constitui do ima- ginário humano. A sociedade é fruto da ação mecâ- nica do ser humano. ( ) A família como espaço de formação humana não re- presenta fonte de criação para a constituição do ima- ginário social; ( ) Entendemos que o ser humano é o único ser vivo que pensa e entende o contexto em que está inserido, dan- do sentido às coisas e a si mesmo. ( ) Os problemas sociais que afetam a vida das comuni- dades deverão somente ser vistos de uma forma iso- lada do todo para a sua compreensão. ( ) A compreensão da realidade está articulada às vivências contraditórias das pessoas em sociedade, na vida de cada um e de todos. O im ag in ár io e o s im b ó lic o n a co n st it u iç ão d o s u je it o ... 48 ( ) Para a sua sobrevivência, o ser humano não necessi- ta estar agregado à sociedade. ( ) O Serviço Social não realiza processos reflexivos com o usuário, pois este já está inserido em relações sociais. RespRespRespRespRespostasostasostasostasostas V-V-V-F-F-V-F-V-V-F Fundamentos daFundamentos daFundamentos daFundamentos daFundamentos da vida social cotidianavida social cotidianavida social cotidianavida social cotidianavida social cotidiana em diferentesem diferentesem diferentesem diferentesem diferentes contecontecontecontecontextos e etniasxtos e etniasxtos e etniasxtos e etniasxtos e etnias 3 Simone da Fonseca Sanghi é ssistente social, mestre em Serviço Social, professora da Universidade Luterana do Brasil. 51 Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. Simone da Fonseca Sanghi O presente capítulo aborda questões referentes ao ser humano, um ser social que vem se transformando ao mesmo tempo em que transforma a sociedade em que vive. Dessa forma, esse ser necessita cuidar e ser cuida- do, pressuposto essencial para seu desenvolvimento. Isso requer o sentimento de pertencimento a um contexto, a uma etnia, a um modo de vida que são construídos a partir de sua inserção cultural, familiar e comunitária. Com este capítulo, espera-se que o aluno possa fazer uma breve imersão nos fundamentos da vida social co- tidiana em diferentes contextos e etnias identificando características, culturas, formas de vida, linguagem, ou seja, possa apreender a realidade e a diversidade que constitui nossa sociedade, a partir da idiossincrasia de cada povo. Fundamentos da vida socialFundamentos da vida socialFundamentos da vida socialFundamentos da vida socialFundamentos da vida social cotidiana em diferentescotidiana em diferentescotidiana em diferentescotidiana em diferentescotidiana em diferentes contecontecontecontecontextos e etniasxtos e etniasxtos e etniasxtos e etniasxtos e etnias O ser humano é um ser social não apenas porque depende de outros para viver, mas porque com estes e com a sociedade está sempre em interação, através de normas, valores, percepções e emoções. Historicamente, o homem tem sobrevivido, em todas as sociedades, pertencendo a grupos sociais. Desde o nas- cimento de uma criança já se pressupõe a existência de al- guém para alimentá-la, cuidá-la e ampará-la na chegada a este mundo novo. De acordo com Kaloustian (2002, p.48), Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. 52 O bebê, ao ser concebido, já pertence a uma rede familiar, que compreende o pai e a mãe e seus respectivos grupos familiares. Ao pertencer a estes grupos, também já está estabelecido quem são os outros e o universo de escolhas amorosas e interdições às quais estará sujeito, de acordo com a cultura onde ele está inserido. Daí se desencadeia todo um processo de identidade desse novo ser. Cada criança recebe um nome próprio e um sobrenome que indicam seu vínculo a uma famí- lia, a uma rede de paren- tesco, a um determina- do contexto social e ge- ográfico. Observa Kaloustian (2002, p.48): A criança nasce, portanto, em uma comunidade. “Sou filho de tais pessoas e sou de tal lugar”. São duas coordenadas que permitem a qualquer um situar-se no mundo. Qualquer lu- gar sempre pertence a uma nação ou está submetido a uma bandeira. A nacionalidade é um presente imediato de qual- quer sociedade a uma criança. São as raízes brotando. É a faceta comunitária da necessidade humana de não estar só. Fonte: www.orm.com.br/.../ default.asp?codigo=263924 Fonte: www.freewebs.com/ vrstefanello/familia.jpg Fonte: www.plenarinho.gov.br/ .../viva-a-familia02.jpg 53 Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. A família aparece como a matriz da identidade de seus membros em todas as culturas, pois é ela que lhes confere um “sentido de pertencimento e um sentido de ser separado” ao se inserir em outros grupos sociais, como nos aponta Minuchin, (1982, p.53): “O sentido de pertencimento de cada membro é influenciado por seu sentido de pertencer a uma família específica; já o senti- do de separação se dá através da participação em gru- pos extrafamiliares”. Os primeiros grupos extrafamiliares surgem no espaço comunitário onde vivem e onde são estabelecidas as primeiras referências de igualdade com pessoas com que par- tilham sentimentos signi- ficativos, conflitos e con- tradições. Esse cotidiano permeado de relações, onde se estabelece o processo de construção de identidade entre iguais, é denominado por Lima (2003, p.299) de “socia- bilidade local”. De acordo com essa autora: É na vivência cotidiana, nas relações ali produzidas e no contato direto, indiferenciado e personalizado, que cons- troem uma noção de si próprios, espelhada na imagem de seus iguais, aqueles com quem compartilham formas de vida, valores, hábitos e padrões de relacionamento e, por conseguinte, com eles se identificam, como pertencendo a um mesmo grupo. Esse traço importante da sociabilidade local se rea- firma com a disponibilidade para a cooperação, já que há uma mobilidade e um compromisso moral em aju- dar e ser ajudado por aqueles que se consideram iguais. Fonte: www.sagradafamiliataubate.com.br/ gifs/familia.gif Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. 54 Nessa “rede de solidariedade, é estabelecida a colabora- ção entre familiares, amigos e vizinhos” (LIMA, 2003) e, mais do que isso, estabelece estratégias de sobrevivên- cia e cooperação. Lima (2003, p.325) ainda refere: A regra básica para ser aceito é, portanto, valorizar o res- peito a si e ao outro, sendo que o não cumpridor dessa pre- missa deixa de ser digno de reconhecimento como igual, tornando-se alvo de sanções e julgamentos. É que a aceita- ção pelo outro provém, exatamente, da obediência ao prin- cípio das complementaridades e reciprocidades. Sendo assim, não pode haver comunidade sem a pre- sença dosentimento de pertencimento. Esse sentimento é inerente à condição humana, pois todos nós, de alguma forma, buscamos pertencer a algum espaço e/ou lugar, seja por uma questão geográfica, cultural, social, étnica, etc. Para Tönnies (1947), desde que existam homens que dependam uns dos outros, por suas vontades, e se apro- vem reciprocamente, haverá comunidade. Esta poderá ser de parentesco, vizinhança ou amizade. O parentesco tem a residência como lugar; a vizinhança é o caráter geral da vida comum, em que a proximidade das casas determina numerosos contatos entre os homens; já a amizade distin- gue-se das duas formas anteriores, pois é caracterizada por uma identidade nas formas de pensar. Portanto, vi- ver em comunidade requer a compreensão do viver em comum, e está associado a um modo de vida. De acordo com Magnani (1998, p.69), A vida na cidade, no entanto, não se restringe as experiên- cias do cotidiano que transcorrem no âmbito do bairro. A circulação em direção e através de territórios mais amplos 55 Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. se dá por meio de trajetos – percursos determinados por regras de compatibilidade – que abrem o particularismo do pedaço a novas experiências, situadas fora das fronteiras daquele espaço conhecido, onde se está protegido por re- gras claras de pertencimento. A construção de uma idéia de pertencimento ligada a uma referência não só físico-espacial, mas também sociocultural, imprime uma força simbólica à idéia de re- presentar-se no mundo e ocupar um espaço na sociedade. Além das características territoriais, também o tempo de moradia dentro de uma comunidade gera mecanismos e regras a serem compartilhados e ritualizados, compondo um código de obrigações e reciprocidades a ser cumprido como condição de reconhecimento e legitimidade (LIMA, 2003). Esse sentimento de pertença a um grupo, com seus valores simbólicos e práticas culturais comuns, sedimenta o processo de formação da identidade social do sujeito, bem como as relações estabelecidas no espaço onde vive. Como se pode ver, o homem é um ser de relações sociais e está em permanente movimento. Estamos sem- pre nos transformando, apesar de aparentemente nos mantermos iguais. Isso porque, internamente, nos ali- mentamos dos conteúdos que vêm do mundo externo e, como nossa relação com esse mundo não cessa, estamos sempre em processo de transformação, sempre constru- indo/reconstruindo o mundo e a nossa história. Essa transformação independe de raça, tribo, ou na- ção, independe das crenças que proferimos, das relações que estabelecemos. As pessoas são sempre as mesmas, com características próprias, como o nome ou os traços digitais, e sua evolução se dá pelas experiências de vida que perpassam nossa raça, nosso credo e nossa cultura. O homem pode adotar ou descartar conceitos ou pre- conceitos, mas existe algo intrínseco a ele, incondicionado Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. 56 em seu espírito: a necessidade de amor, a inclinação pelo conhecimento, pelo prazer estético, o desejo de proteção, o sentimento de solidariedade e de aprovação social. Para compreender como se dá a aprovação social, é necessário conhecer o meio social9 , ou seja, o espaço onde o homem está inserido e vivencia suas experiências de vida. É preciso conhecer aspectos da vida comunitária, como costumes, crenças, hábitos e conflitos, os quais vão diferenciar-se de acordo com o contexto e as etnias. Diferentes conteDiferentes conteDiferentes conteDiferentes conteDiferentes contextos e etniasxtos e etniasxtos e etniasxtos e etniasxtos e etnias Nossa sociedade vem constituindo-se através de uma formação sócio-histórica pautada num contexto diverso de diferentes etnias. O ano de 2008 aponta para os cem anos de imigração japonesa no Brasil, sem contar com outros povos e nações que vieram colonizando nossa pá- tria. Vamos destacar o povo indígena e o povo negro que deram o sangue e o suor nas lavouras e plantações contribuindo com o progresso brasileiro. É nesse senti- do que buscamos aqui apontar características importan- tes da constituição desses povos e sua influência para nossa sociedade. Os pOs pOs pOs pOs pooooovvvvvos indígenasos indígenasos indígenasos indígenasos indígenas Grande parte do que acreditamos saber sobre os ín- dios são fatos fragmentados, histórias superficiais e ima- 9 Meio social aqui é entendido como a comunidade ou o território onde vive a família, onde ela estabelece seus laços de amizade, sua rede primária (LIMA, 2003). 57 Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. gens genéricas, empobrecedoras da realidade. A come- çar pela maneira aparente, quando não preconceituosa ou desinformada, como nossas escolas, livros e a pró- pria mídia tratam do assunto. Quando aprofundamos nossa leitura, vemos que, comparados a nossa sociedade, os povos indígenas re- velam características comuns e, quando vistos de per- to, mostram semelhanças e diferenças entre si, varian- do suas culturas, línguas, hábitat, modos de organiza- ção social, política e maneiras de se relacionar com o meio ambiente. A história, os graus e as formas dos contatos que os povos indígenas têm estabelecido com outros segmentos da sociedade brasileira também são bastante diversos. Ao revisitarmos a historia, em 1500, quando os por- tugueses chegaram ao Brasil, estimava-se que havia por aqui cerca de seis milhões de índios. Mas, passados os tempos de matança, escravismo e catequização forçada, estima-se que hoje a população indigena brasileira não passe de cem mil habitantes. Os índios brasileiros sobrevivem utilizando os recur- sos naturais oferecidos pelo meio ambiente. Com a aju- da de processos rudimentares, eles caçam, plantam, pes- cam, coletam e produzem os instrumentos necessários a essas atividades. A terra pertence a todos os membros do grupo, e cada um tira dela seu próprio sustento. Existe uma divisão de tarefas por idade e por sexo, na qual geralmente cabe à mulher o cuidado da casa, das crian- ças e das roças; o homem é responsável pela defesa, pela caça (que pode ser individual ou coletiva) e pela colhei- ta de alimentos na floresta. Os mais velhos – homens e mulheres – adquirem grande respeito por parte de to- dos, pois a experiência conseguida pelos anos de vida transforma-os em símbolos de tradições da tribo. Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. 58 Os índios vivem em aldeias e, muitas vezes, são co- mandados por chefes, chamados de caciques. A trans- missão da chefia pode ser hereditária (de pai para filho) ou não. Os chefes devem conduzir a aldeia nas mudan- ças e nas guerras, devem manter a tradição, determinar as atividades diárias e responsabilizar-se pelo contato com outras aldeias ou com os homens civilizados. Muitas tribos praticam ritos de passagem, que mar- cam a transição de um grupo ou indivíduo de uma situ- ação para outra. Esses ritos ligam-se à gestação e ao nas- cimento, à iniciação na vida adulta, ao casamento, à morte e a outras situações. Poucos povos acreditam na existência de um ser superior (supremo); a maior parte acredita em heróis místicos, muitas vezes em dois gê- meos, responsáveis pela criação de animais, plantas e costumes. Para os indigenas, a arte mistura-se à vida cotidiana. A pintura corporal, por exemplo, é um meio de distin- guir os grupos em que uma sociedade indígena se divi- de, como também pode ser utilizada como enfeite. A tinta vermelha é extraída do urucum; a azul, quase negra, do jenipapo, e, para a cor branca, os índios utilizam o calcário. Fonte: www.eb23-diogo-cao.rcts.pt/.../img/indpes.JPG 59 Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. Alguns índios realizamtrabalhos de arte feitos com penas e plumas de pássaros. São feitos também traba- lhos em madeira e cestaria. Aliás, os cestos são comuns em todas as tribos, variando a forma e o tipo de palha de que são feitos. Fonte: www.rosanevolpatto.terd.br/indians63.jpg Fonte: www.ambientebrasil.com.br Fonte: Veja.abril.com.br/...imagens/indios1.jpg Fonte: www.desvendar.com Apesar de esses artefatos serem apreciados pela so- ciedade brasileira, esta vê as populações indígenas ora de forma preconceituosa, ora de forma idealizada. Os preconceitos partem principalmente daqueles que con- vivem diretamente com essas populações, destacadamente as elites rurais, que, dado seu interesse nas terras indígenas, nesse objetivo exercem seu poder Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. 60 político, ideológico e econômico. Para obter seu propó- sito, utilizam estereótipos em relação aos índios, chaman- do-os de “ladrões”, “traiçoeiros”, “preguiçosos” e “beberrões”, enfim, de tudo que possa desqualificá-los. Procuram justificar, dessa forma, todo tipo de ação con- tra os índios e a invasão de seus territórios. Já a população urbana, que vive distanciada das áre- as indígenas, tende a ter deles uma imagem favorável, embora os veja de forma muito remota. Os índios são considerados a partir de um conjunto de imagens e cren- ças amplamente disseminadas pelo senso comum, que os caracteriza como os donos da terra e seus primeiros habitantes, aqueles que sabem conviver com a nature- za sem depredá-la. São também vistos como parte do passado e, portanto, em processo de desaparecimento, muito embora, como provam os dados, nas três últi- mas décadas se tem constatado o crescimento da po- pulação indígena. Só recentemente os diferentes segmentos da socieda- de brasileira estão se conscientizando de que os índios são seus contemporâneos. Eles vivem no mesmo país, participam da elaboração de leis, elegem candidatos e compartilham problemas semelhantes, como as conse- qüências da poluição ambiental e das diretrizes e ações do governo nas áreas da política, economia, saúde, edu- cação e administração pública em geral. Hoje, há um movimento de busca de informações atualizadas e confiáveis sobre os índios, um interesse em saber, afi- nal, quem são eles. Qualquer grupo social humano elabora e constitui um universo completo de conhecimentos integrados, com fortes ligações com o meio em que vive e se desen- volve. Entendendo cultura como o conjunto de respos- tas que uma determinada sociedade humana dá às ex- periências por ela vividas e aos desafios que encontra ao 61 Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. longo do tempo, percebe-se o quanto as diferentes cul- turas são dinâmicas e estão em contínuo processo de transformação. No que diz respeito à identidade étnica, as mudan- ças ocorridas em várias sociedades indígenas, como o fato de falarem português, vestirem roupas iguais às dos outros membros da sociedade nacional com que estão em contato, utilizarem modernas tecnologias (como câmeras de vídeo, máquinas fotográficas e aparelhos de fax) não fazem com que percam sua identidade e dei- xem de ser indígenas. A diversidade cultural pode ser enfocada tanto sob o ponto de vista das diferenças existentes entre as socie- dades indígenas e as não-indígenas quanto sob o ponto de vista das diferenças entre as muitas sociedades indí- genas que vivem no Brasil. Mas está sempre relaciona- da ao contato entre realidades socioculturais diferentes e à necessidade de convívio entre elas, especialmente num país pluriétnico, como é o caso do Brasil. É necessário reconhecer e valorizar a identidade ét- nica específica de cada uma das sociedades indígenas em particular, compreender suas línguas e suas formas tradicionais de organização social, de ocupação da terra e de uso dos recursos naturais. Isso significa o respeito pelos direitos coletivos especiais de cada uma delas e a busca do convívio pacífico, por meio de um intercâmbio cultural, com as diferentes etnias. Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. 62 A cultura negraA cultura negraA cultura negraA cultura negraA cultura negra Fonte: www.aic.org.br/boletim/images/raca_boletim7.jpg A cultura africana chegou através dos povos escravi- zados trazidos para o Brasil em um longo período que durou de 1550 a 1850. A diversidade cultural da África refletiu na diversidade trazida pelos escravos, sendo eles pertencentes a diversas etnias, falando idiomas diferen- tes e de tradições distintas. Assim como a indígena, a cultura africana fora subjugada pelos colonizadores. Os escravos aprendiam o português, eram batizados com nomes portugueses e obrigados a se converterem ao ca- tolicismo. Mas, através do sincretismo religioso, uma fusão de elementos culturais diferentes, os escravos ado- ravam seus orixás através de santos católicos, dando origem às religiões afro-brasileiras, como o umbanda e o batuque. Trazido como escravo, o negro africano e os seus des- cendentes contribuíram para uma cultura brasileira com uma diversidade de elementos, como dança, música, religião, culinária e também com ingredientes que dina- mizaram o trabalho durante quase quatro séculos de escravidão. Em todas as áreas do Brasil, eles construí- 63 Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. ram a nossa economia, mas, por outro lado, foram su- mariamente excluídos da divisão dessa riqueza. Fonte: viajenaviagem2.zip.net/images/tambor1600.jpg Fonte: www.palmares.gov.br/.../faz/palmaresfaz04.jpg Durante mais de 300 anos, a mão-de-obra escrava constituiu a principal força de trabalho no país, base de toda a atividade econômica. Com o crescimento da po- pulação e da economia urbana, os escravos passaram a ser utilizados em outras funções nas cidades, emprega- dos ou alugados por seus senhores para produzir, ven- der ou prestar serviços a terceiros. Os escravos foram transformados em pedreiros, sa- pateiros, alfaiates, carpinteiros, marceneiros, barqueiros, quitandeiras, vendedores ambulantes, ajudantes de lo- jas, cozinheiras, damas de companhia, amas-de-leite, carregadores e cavalariços. Com a inserção da população negra na sociedade, a miscigenação também avançava, com um número cada vez maior de mulatos. Nasce uma religiosidade popu- lar em torno das irmandades católicas e dos terreiros de umbanda e candomblé. Em 1800, cerca de dois terços da população do país – três milhões de habitantes – já eram formados por negros e mulatos, cativos ou libertos. Somente na segunda metade do século XIX cresce a campanha abolicionista no país. A escravidão é extinta Fu n d am e n to s d a vi d a so ci al c o ti d ia n a e m d if e re n te s co n te xt o s. .. 64 em 1888, mas sua herança permanece na sociedade bra- sileira, na forma de discriminação racial, social e econô- mica de negros, mulatos e pobres em geral. Na sociedade brasileira do século XIX, havia um ambiente favorável ao preconceito racial, dificultando enormemente a integração do negro, mesmo depois da sua abolição. No Brasil, ainda predominava o ideal de uma sociedade civilizada que tinha como modelo a cul- tura européia, em que não havia a participação senão da raça branca. Esse ideal, portanto, contribuía para a existência de um sentimento contrário aos negros, pardos, mestiços ou crioulos, sentimento esse que se manifestava de vári- as formas: pela repressão às suas atividades culturais, pela restrição de acesso a certas profissões, pela restri- ção de acesso a lugares públicos, à moradia em áreas de brancos, à participação política e muitas outras formas de rejeição ao negro. No campo religioso, não foi diferente. A influência da cultura negra foi inestimável, principalmente porque os africanos, ao invés
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