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BELO HORIZONTE – 2025 POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS CURSO NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EaD) LEI MARIA DA PENHA E PACOTE ANTIFEMINICÍDIO NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS LEI MARIA DA PENHA E PACOTE ANTIFEMINICÍDIO NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL Coordenação Geral Yukari Miyata Subcoordenação Geral Marcelo Carvalho Ferreira Coordenação Didático-Pedagógica Flávia Portes Teixeira Coordenação de Recrutamento e Seleção Robson Silva de Aguiar Conteudistas Danúbia Quadros Larissa Mascotte Carvalhaes Revisão e Edição Equipe multidisciplinar da Acadepol / MG EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS SUMÁRIO 1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ........................................................................ 3 1.1 Conceito de Violência de Gênero ................................................................. 3 1.2 Breve Histórico sobre o Enfrentamento da Violência Contra a Mulher ............ 4 1.3 Formas de Violência ........................................................................................ 6 1.4 Ciclo ou Espiral da Violência ............................................................................ 9 2 APRESENTAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA ................................................... 13 2.1 Âmbitos de Aplicação .................................................................................. 13 2.2 Procedimento Especial da Lei Nº 11.340/2006 .............................................. 15 2.3 Sujeito Ativo e Sujeito Passivo na Lei 11.340/06 ........................................... 21 3 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ........................................................... 24 3.1 Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas ................................... 29 3.2 Representação pela Prisão Preventiva em decorrência do Descumprimento de Medidas Protetivas ............................................................................................ 31 4 A LEI 14.944/24 OU “PACOTE ANTIFEMINICÍDIO” .......................................... 32 5 VIOLÊNCIA CONTRA MULHER E POLÍCIA CIVIL ............................................. 40 5.1 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher .............................. 40 5.2 O Atendimento e o Acolhimento das Vítimas ................................................. 41 5.3 Atividade Investigativa no Âmbito da Lei Maria da Penha ............................. 44 5.4 Roteiro Prático do Atendimento às Vítimas nas Delegacias de Polícia – Colhendo os elementos probatórios ....................................................................... 45 5.5 Formulário Nacional de Avaliação de Risco ................................................... 47 5.6 Atendimento Médico e Notificação Compulsória ............................................ 49 6 REDE ESPECIALIZADA DE ATENDIMENTO À MULHER ................................. 50 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 57 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 3 1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 1.1 Conceito de Violência de Gênero Pode-se conceituar gênero como uma categoria de análise no campo da sociedade (Scott, 2012). As distinções entre homens e mulheres não seriam pautadas apenas em diferenças sexuais, mas em papéis sociais distintos (Scott, 2017). Como categoria, gênero apresenta dimensões histórica, social e política (Matos, 2008), que compõe a nossa sociedade, assim como a classe e a raça (Saffioti, 1999). Dessa forma, pode-se concluir que gênero é uma construção social que apresenta diretrizes normativas acerca do que se considera masculino e do que se considera feminino (Saffioti, 1999). A expectativa social de acordo com os papéis tradicionais de gênero é de que o homem apresenta características de racionalidade, força, potência e ocupa um espaço público, ao passo que, para a mulher, o imaginário social destaca como características femininas a emotividade, a passividade, a fraqueza, o recato, destinando-as ao espaço privado e à função reprodutiva (Andrade, 2005). Nesse sentido, o não atendimento às expectativas sociais desses papéis tradicionais de gênero, bem como a dominação por meio de força física ou psicológica, a subjugação de mulheres em razão da condição feminina, são elementos que costumam estar presentes nas situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, configurando o que chamamos de violência de gênero. Nesse tipo de violência, diferentemente da violência urbana, os envolvidos são pessoas conhecidas e que mantém vínculo de afeto, seja em razão do convívio doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto. Outra característica específica é a de que a violência não é um ato isolado, mas apresenta uma continuidade no tempo (Saffioti, 1999). A Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – considera violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Por sua vez, a Convenção Interamericana para Prevenir, EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 4 Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará (Organização Dos Estados Americanos, 1994), entende a violência contra a mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. 1.2 Breve Histórico sobre o Enfrentamento da Violência Contra a Mulher A partir da década de 1980, os movimentos de mulheres se intensificaram, sendo possível perceber a institucionalização de políticas públicas de defesa de direitos e a especialização do atendimento das vítimas (Farah, 2004). Naquela época, o movimento denominado Quem ama não mata ganhou as ruas do Brasil, representando a luta de mulheres pela garantia do direito à vida. O estopim do movimento foi o segundo julgamento de Doca Street, assassino de Ângela Diniz, crime ocorrido em 1976, juntamente com a morte de outras duas mineiras, Heloísa Ballesteros e Regina Souza Rocha, por seus maridos, no início da década de 1980. No primeiro julgamento, Doca Street foi condenado a uma pena de apenas dois anos, saindo livre do tribunal em razão da suspensão condicional da pena. Naquela época, havia a sustentação da legítima defesa da honra (Andrade; Matos, 2017), tese atualmente rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de controle concentrado de constitucionalidade (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 779). O argumento retórico até recentemente utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio e de violências contra a mulher, de acordo com o STF, atenta contra a dignidade da pessoa humana e os direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres, devendo ser entendido como inconstitucional. Além disso, essa tese promovia a desigualdade entre homens e mulheres e gerava uma tolerância e uma naturalização descabidas da violência doméstica e familiar contra mulheres. Deve-se ressaltar que os direitos das mulheres representam direitos humanos (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 5 contra a Mulher, a CEDAW, de 1979) e a violência contra a mulher configura uma grave violaçãoque trabalham na linha de frente da violência doméstica alertam que muitas vezes a vítima procura a polícia apenas requerer as medidas protetivas, sem a intenção de ver seu (ex) parceiro ou (ex) companheiro responsabilizado criminalmente. Assim, ao tornar a ação penal pública incondicionada nos crimes de ameaça, a vítima pode desistir de procurar ajuda, temendo que a denúncia leve automaticamente a um processo penal contra o agressor. Portanto, tal alteração pode desestimular a mulher a denunciar a violência sofrida, tornando-a invisível frente ao sistema de justiça, e consequentemente desamparada das medidas protetivas necessárias para sua segurança. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 38 Além do mais, a alteração pode sobrecarregar o sistema de justiça com inquéritos policiais e processos criminais que poderiam ser evitados se a vítima tivesse a opção de buscar somente as medidas protetivas. Isso porque, nesses casos, a vítima tende a não colaborar com as investigações, resultando em uma utilização ineficiente dos recursos policiais e judiciais e, potencialmente, em uma menor eficácia na proteção das vítimas de violência de gênero (Cunha et al., 2024). Por sua vez, o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência também sofreu modificações. Nos mesmos moldes das outras alterações promovidas nos crimes cometidos em contexto de violência contra a mulher (feminicídio, lesão corporal, ameaça, crimes contra a honra e vias de fato), a Lei 14.994/24 também aumentou as penas do tipo penal previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, passando de 3 (três) meses a 2 (dois) anos de detenção, para 2 (dois) para 5 (cinco) anos de reclusão. Antes da Lei 14.994/24 Depois da Lei 14.994/24 Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018) Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018) Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa Sobre a magnitude do aumento das penas promovido pelo legislador no caso do crime previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha, Sanches (2024) afirma que tal alteração “revela o reconhecimento de que o descumprimento de medidas protetivas pode configurar uma situação de risco de morte – e por outro, pode levar a uma aplicação de pena desproporcional em relação à gravidade concreta da conduta” (Cunha et al., 2024). Outras alterações implementadas pela Lei 14.994/24 são: a) o art. 141 do Código Penal foi acrescido do §3º, passando a prever a aplicação das penas em dobro aos crimes de calúnia, difamação e injúria, quando praticados em razão de condição do sexo feminino, nos termos do §1º do art. 121-A do Código Penal; b) o EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 39 preso condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do §1º do art. 121-A do Código Penal, terá proibição de visita íntima durante o tempo de cumprimento da pena; c) passar a se exigir a fiscalização por monitoração eletrônica para o gozo de quaisquer benefícios concedidos aos condenados por crimes cometidos contra a mulher por razões do sexo feminino. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 40 5 VIOLÊNCIA CONTRA MULHER E POLÍCIA CIVIL 5.1 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) compõem a estrutura da Polícia Civil e, portanto, como qualquer outra Delegacia de Polícia, possuem a função constitucionalmente estabelecida de ser a Polícia Judiciária dos Estados, desempenhando a primeira fase da repressão estatal, de caráter preliminar à persecução processual penal (instauração e conclusão do inquérito policial), oferecendo ainda suporte às demandas ordenadas pela autoridade judiciária. As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher integram a Política Nacional de Prevenção, Enfrentamento e Erradicação da Violência contra a Mulher, representando uma resposta do Estado brasileiro à violência contra as mulheres e desempenham um papel decisivo nesse contexto, pois além de serem uma importante porta de entrada das vítimas na rede de serviços, possuem a função de prevenir, reprimir e investigar os crimes praticados contra a mulher.1 Importante destacar que, apesar de já existirem antes da implementação da Lei Maria da Penha, a missão institucional das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher ganhou força com o advento da Lei 11.340/06. Isso porque, esse dispositivo legal trouxe vários instrumentos para conter a violência contra a mulher, tais como a implementação das medidas protetivas de urgência, a criação de juizados especiais para processarem e julgarem esses atos de violência doméstica e familiar, o encaminhamento da vítima para abrigo temporário, o afastamento da aplicação da Lei 9.099/95, a possibilidade de prisão em flagrante do agressor, dentre outras providências. 1 SECRETARIA DE POLÍTICA PARA AS MULHERES. Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres – DEAMs, ed. atual., Brasília: Ministério da Justiça, 2010. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 41 Frente aos ditames constitucionais e às necessidades de uma sociedade moderna, surge como desafio para a Polícia Civil desempenhar papel não apenas de um órgão repressor, mas também educador e aberto a ouvir o público usuário. As DEAMs são unidades especializadas da Polícia Civil para atendimento à mulher em situação de violência de gênero e, nessa qualidade, adequaram sua atuação à nova realidade social, pautando suas ações no respeito aos direitos humanos e aos princípios do Estado Democrático de Direito. Assim, desde o registro da ocorrência, bem como como os atos de investigação e àqueles voltados à prevenção, devem ser feitos por meio de acolhimento com escuta ativa, e por equipes de policiais profissionalmente atentos ao fenômeno da violência de gênero, nos termos da Lei Maria da Penha. A conduta profissional dos policiais que exercem suas funções nas DEAMs tem por base um atendimento humanizado às vítimas de violência, lembrando-se que tais mulheres devem ser consideradas sujeitos de direito e merecedoras de especial atenção. Assim, espera-se daquele servidor policial que ele tenha uma escuta atenta e observadora, sem qualquer tipo de discriminação, buscando compreender os fatos apresentados, de forma a possibilitar o rompimento do silêncio daquela vítima para que ela possa sair daquele ciclo de violência ao qual está submetida. 5.2 O Atendimento e o Acolhimento das Vítimas O primeiro contato entre o policial e a vítima de violência doméstica e familiar é de extrema importância, pois ele que poderá determinar como que se dará o encadeamento do atendimento, do registro do boletim de ocorrência e da investigação criminal. Dessa feita, é importante que as instalações da delegacia e a postura dos policiais propiciem um atendimento acolhedor. Observem alguns pontos importantes nesse sentido: EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 42 ✓ O policial deve certificar-se de que a mulher e o agressor estão em ambientes separados durante a espera do atendimento; ✓ O acolhimento das vítimas deve ser humanizado, levando sempre em consideração a palavra da mulher, mantendo-se a privacidade do seu atendimento e do seu depoimento; ✓ Os policiais devem exercer uma escuta qualificada, sigilosa e não julgadora; ✓ O atendimento deve se dar sem qualquertipo de preconceito ou discriminação, independentemente de marcadores sociais; ✓ A equipe de policiais responsáveis pelo atendimento e acolhimento das mulheres em situação de violência deve conhecer as diretrizes, os procedimentos e os encaminhamentos da Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher, objetivando sempre a orientação e acolhimento das mulheres; ✓ Evitar a revitimização e/ou a violência institucional. ➢ O QUE É A REVITIMIZAÇÃO DA MULHER E COMO EVITAR? A revitimização, também chamada de vitimização secundária, refere-se ao processo pelo qual uma vítima de violência, ao buscar apoio ou justiça, enfrenta uma nova experiência de vitimização, devido à maneira como é tratada pelas instituições, profissionais ou sociedade em geral. Uma situação de revitimização é a repetição da lembrança de atos de violência sofridos quando o relato do trauma necessita ser repetido para vários profissionais diferentes. É uma forma comum de violência, que pode acarretar prejuízo também para a justiça, pois a vítima, por cansaço, pode omitir fatos ou, por considerar que está chamando a atenção, pode aumentar os acontecimentos. Outras formas de revitimização é a peregrinação pelos serviços de saúde e de segurança pública para receber atendimento ou, quando esse atendimento é EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 43 sem privacidade, expor a dor e o sofrimento perante terceiros. Essa falta de sigilo pode estigmatizar a mulher, agravando o trauma. Para a não revitimização, é importante: • Não desconsiderar o sentimento da vítima; • Evitar falar frases como: “isso não foi nada”, “vai passar”, “não precisa chorar”; • Evitar o excesso de zelo, bem como a hostilidade diante da situação; • Não culpar a vítima pelo erro ou crime cometido pelo agressor; • Não demonstrar surpresa, choro, horror (sinais de censura ou desaprovação); • Não fazer humor com a situação vivenciada pela vítima; • Realizar uma escuta não julgadora. Uma prática que tem sido adotada na Delegacia de Atendimento a Mulher de Belo Horizonte para evitar a revitimização é o chamado “ciclo completo”, ou seja, o mesmo profissional que irá atender a mulher, já realiza o acolhimento, o registro do REDS, a oitiva da vítima (Termo de Declarações, Termo de Requerimento de Medidas Protetivas, Representação Criminal) e demais encaminhamentos, garantindo que a vítima receba um atendimento mais completo, célere e eficiente. É importante destacar que a revitimização pode desestimular as mulheres a denunciarem agressões e buscarem ajuda, perpetuando o ciclo de violência. A legislação e as políticas públicas visam, entre outras coisas, proteger as vítimas e garantir que elas recebam atendimento adequado e respeitoso, evitando que tenham que passar por novas experiências traumáticas ao buscar justiça. Combater a revitimização é essencial para promover um ambiente de apoio e confiança para as mulheres que sofrem violência. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 44 5.3 Atividade Investigativa no Âmbito da Lei Maria da Penha A atividade investigativa é realizada com a instauração do respectivo Inquérito Policial e deve, portanto, ser empreendida e coordenada pela Autoridade Policial responsável pelo procedimento, o qual deve ser regido pelo princípio da privacidade, em razão da especificidade do fenômeno da violência de gênero. Todo ato de violência cometido contra a mulher, praticado na forma do artigo 7° da Lei 11.340/2006 e que configure crime ou contravenção penal, deve ser de atribuição de investigação e apuração das DEAMs. Na ausência de delegacia especializada, respeitam-se as áreas circunscritas de atuação, conforme a localidade onde ocorreu o fato. Não obstante a incidência maior ser dos crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a honra, contra a liberdade individual, contra a dignidade sexual e contra o patrimônio, diversos outros delitos previstos no Código Penal Brasileiro e em legislação especial, desde que relacionados à violência doméstica e familiar, são de atribuição investigativa na forma da Lei Maria da Penha. O Boletim de Ocorrência deverá ser o mais completo possível, com a inserção de dados detalhados que facilitem a apuração do fato típico. Ressalta-se que as informações contidas no Boletim de Ocorrência são determinantes para a efetiva qualidade probatória do Inquérito Policial e, consequentemente, da ação penal. Deve-se ressaltar ainda que a violência contra a mulher qualificada pela Lei Maria da Penha não é considerada delito de menor potencial ofensivo (artigo 41), sendo afastada a aplicação da Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais) para os crimes praticados no âmbito de aplicação da Lei Maria da Penha e, por conseguinte, não é possível a lavratura de Termo de Circunstanciado de Ocorrência. Desta feita, o instrumento investigativo utilizado pela polícia judiciária para a apuração dos delitos é o Inquérito Policial, o qual tem por finalidade servir de base EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 45 para a instauração da ação penal pública (proposta pelo Ministério Público) ou para a ação penal privada (proposta pela ofendida através de advogado). Destaca-se ainda que é necessário haver justa causa para que o juiz receba a denúncia ou a queixa, e submeta o réu ou querelado ao processo criminal, ou seja, é preciso que fique demonstrado ao menos indícios mínimos de autoria e de materialidade (prova da existência do crime). É necessário que a violência sofrida seja bem definida no Inquérito Policial para uma correta e justa tipificação penal. A valoração do relato da mulher, das circunstâncias em que ocorreu o crime, das suas consequências são fatores importantes para o convencimento do juiz tanto no inquérito quanto para a análise do pedido das medidas protetivas. 5.4 Roteiro Prático do Atendimento às Vítimas nas Delegacias de Polícia – Colhendo os elementos probatórios Proteger a mulher vítima de violência deve ser um compromisso ético- profissional. O contato com a vítima deve ser um momento de privacidade, a fim de favorecer a expressão de sentimentos e da situação de violência. É relevante que o profissional deixe claro para o paciente a sua disponibilidade para escutá-lo, sem fazer julgamentos, favorecendo o vínculo de confiança. Caso a vítima manifeste seu desejo em ser ouvida por uma policial (profissional do sexo feminino), diligenciar para que sua vontade seja atendida, a fim de proporcionar que a vítima fique mais confortável para relatar os fatos. Em situações de violência, é importante: • Observar o relato da vítima durante a confecção do REDS ou sua oitiva, procurando-se elucidar questões obscuras, contraditórias ou que gerem dúvidas; EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 46 • Informar, em linguagem apropriada, as opções da vítima com relação a representação criminal, e oferecer a ela a oportunidade de requerer as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha; • Explicar a vítima sobre a necessidade e importância de comparecer ao IML para realização do exame de corpo de delito; • Perguntar a vítima se ela possui testemunhas do fato criminoso, diligenciando na qualificação completa das testemunhas, ou buscando dados que possibilitem a qualificação mediante Ordem de Serviço a ser expedida à Inspetoria; • Caso a vítima tenha sido agredida fisicamente e dispense atendimento médico por não se encontrar machucada, consignar no REDS ou em seu Termo de Declarações tal fato (que dispensa atendimento médico por não apresentar lesões); • Em se tratando de agressão pretérita, consignar se a vítima recebeu atendimento médico na data dos fatos, e em qual local sedeu esse atendimento (possibilitando o exame de corpo de delito indireto); • Perguntar à vítima se ela possui quaisquer meios de provas do delito relatado, como mensagens de texto ou de áudio, cartas ou outros documentos escritos, etc., devendo os documentos serem juntados aos autos como elementos probatórios; • Caso a vítima não deseje que seu aparelho celular seja apreendido para fins periciais, consignar o fato em sua oitiva, diligenciando para que, se possível, seja feita a degravação do conteúdo durante o seu depoimento; • Diligenciar para que a vítima informe o endereço atual do agressor ou o local onde pode ser encontrado (local de trabalho, por exemplo), bem como forneça a maior quantidade possível de dados pessoais do agressor; • Elucidar à vítima sobre como proceder em eventuais casos de novas agressões/ameaças, explicando sobre a necessidade de reportar o crime de descumprimento de medidas protetivas, acionando a Polícia ou registrando um novo REDS; • Informar a mulher nos casos em que a ação penal depende de representação EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 47 ou queixa-crime acerca da possibilidade de se exercer o direito no prazo decadencial de seis meses; • A família pode ser envolvida no atendimento, devendo ser ouvida quando tiver conhecimento dos fatos; • Orientar a família da ofendida para evitar comentários sobre o ocorrido com vizinhos e/ou amigos, pois a exposição gera nova violência à vítima. • Evitar a revitimização, conforme já mencionado acima. Lembre-se que se sentir impotente para lidar com o caso ou sentir vontade de revanche contra o agressor são vivências reais. Entretanto, é importante agir dentro da estrita legalidade, pautado nos princípios éticos e morais e, através dessa experiência, você aprenderá a lidar com os sentimentos negativos e também se perceberá parte de um movimento muito importante: o da comunidade dos que defendem os direitos humanos, porque respeita a dignidade de todos. 5.5 Formulário Nacional de Avaliação de Risco No Brasil, a Lei nº 14.149/2021 (BRASIL, 2021) formalizou a adoção do Formulário Nacional de Avaliação de Risco elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por meio da Resolução Conjunta nº 5/2020 (BRASIL, 2020). A avaliação de risco e o preenchimento do FONAR tem como alvo as mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Este formulário traz uma avaliação de risco estruturada e é composto de questões objetivas (Parte I) e subjetivas (Parte II), devendo ser aplicado por profissional capacitado, admitindo-se, na sua ausência, o preenchimento pela própria vítima, no tocante às questões objetivas. Sendo um importante documento técnico, seu objetivo é ajudar na padronização dos fatores de riscos. O profissional responsável pelo atendimento deverá registrar informações consideradas relevantes para a compreensão global da situação. O registro se fará a EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 48 partir de informações que já foram prestadas pela vítima, acrescentadas aquelas sobre suas condições físicas, emocionais e psicológicas. Ao final, um campo aberto permite o registro de informações adicionais e que sejam consideradas relevantes para entendimento da gravidade da situação e medidas que adicionalmente deverão ser consideradas para a proteção da mulher. A lei prevê que o FONAR deve ser preferencialmente aplicado pela Polícia Civil no momento de registro da ocorrência ou, em sua impossibilidade, pelo Ministério Público ou pelo Poder Judiciário, por ocasião do primeiro atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Além disso, a lei faculta o preenchimento do FONAR por órgãos e entidades públicas ou privadas que atuem na área de prevenção e de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher. De acordo com a Resolução Conjunta nº 5/2020, o Formulário Nacional de Avaliação de Risco é um instrumento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, e tem como escopo identificar os fatores que indiquem o risco de a mulher vir a sofrer qualquer forma de violência no âmbito das relações domésticas e familiares, para subsidiar a atuação da Polícia Judiciária, do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos demais órgãos que compõem a rede de proteção, na gestão do risco identificado, devendo ser preservado, em qualquer hipótese, o sigilo das informações. Ademais, o Formulário Nacional de Avaliação de Risco também pode ser utilizado por outras instituições, públicas ou privadas, que atuem na área da prevenção e do enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, inclusive o Disque-Denúncia 180. Pode-se afirmar que o preenchimento do Formulário Nacional de Avaliação de Risco configura importante estratégia da Segurança Pública para identificação e controle dos riscos de novas ocorrências ou de agravamento da violência. As respostas coletadas irão subsidiar a análise dos casos, podendo fundamentar, por exemplo, o afastamento do agressor do lar, o direcionamento da mulher a uma Casa Abrigo, o encaminhamento do agressor a programa de reflexão psicossocial e/ou reeducação, a orientação das partes para serviços de emprego, EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 49 bem como a condução das vítimas a serviços de apoio psicológico. Noutro viés, o risco identificado pelas instituições estatais poderá garantir maior celeridade aos procedimentos policiais e processos criminais, bem como possibilitar a identificação de medidas mais adequadas ao caso concreto. Vale ressaltar que a partir de maio de 2021, o REDS contemplou seção para preenchimento do Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR). Desse modo, todo profissional da segurança pública mineira que iniciar registro de ocorrência relacionado à “Atendimento Denúncia Infrações contra Mulher (Violência Doméstica)” – Código U33004 – deverá preencher o FONAR, salvo se a vítima se recusar ou não tiver condições de preenchê-lo. O FONAR representa um avanço na política pública de prevenção da violência, especialmente para inibir a escalada da violência contra a mulher, incluindo o feminicídio. Dentro de uma estratégia de igualdade de gênero, os órgãos de segurança pública possuem atribuições legais específicas para o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, o profissional de segurança pública deve atuar atentando-se sempre para a perspectiva de gênero. 5.6 Atendimento Médico e Notificação Compulsória Importante ressaltar que a Lei nº 10.778/2003 prevê a notificação obrigatória de qualquer forma de violência física, sexual e/ou outras violências contra mulheres que são atendidas na rede de saúde, seja ela pública ou privada, sendo tal notificação de cunho sigiloso. O artigo 1º, §4º, da Lei nº 10.778/2003, incluído pela Lei 13.931/2019, estabeleceu que a comunicação obrigatória à autoridade policial deve ser feita no prazo de 24 horas para, além de serem tomadas as providências criminais cabíveis, também ser registrada para fins estatísticos. Após o atendimento médico, se a mulher estiver em condições físicas e psicológicas, o ideal é que ela compareça à delegacia de polícia para lavrar o respectivo boletim de ocorrência (REDS) e para que se proceda às diligências e EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 50 encaminhamentos de praxe, como exame de corpo de delito junto ao Instituto Médico Legal. 6 REDE ESPECIALIZADA DE ATENDIMENTO À MULHER Do nascimento à morte, os seres humanos fazem parte de grupos sociais, cujo objetivo é gerar um apoio social dentro de si e para outros grupos através da troca de recursosmateriais e não materiais. As redes implicam a vontade de estabelecer laços de ajuda e cooperação mútuas (Passos, 2022, p.70). Nesse sentido, enquanto a rede formal é caracterizada por especialização, burocracia, procedimentos, regras e admissibilidade de serviços, com definição clara do papel de cada um dos membros que nela trabalham, a rede informal refere-se às formas de assistência tangíveis e intangíveis que os indivíduos recebem de colaboradores, geralmente, pessoas próximas, amigos e familiares, caracterizada por sua flexibilidade. Em se tratando de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando a vítima decide romper o ciclo de violência, em geral, ela passa a solicitar apoio tanto da rede formal, quanto de sua rede de proteção informal (Passos, 2022, p.71). A Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência é formada por um conjunto de ações e serviços de diferentes setores (assistência social, justiça, segurança pública e saúde), para ampliar, melhorar a qualidade e humanizar o atendimento, a identificação e o encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência. São chamados de serviços especializados de atendimento à mulher aqueles que atendem exclusivamente às mulheres e que possuem expertise no tema da violência contra as mulheres. Entre os serviços especializados, a rede especializada de atendimento a mulher é composta por: Centros de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Centros de Referência de Atendimento à Mulher, Núcleos de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, Centros Integrados da Mulher), Casas Abrigo, Casas de Acolhimento Provisório, Delegacias Especializadas EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 51 de Atendimento à Mulher (assim como Postos ou Seções da Polícia de Atendimento à Mulher), Núcleos da Mulher nas Defensorias Públicas, Promotorias Especializadas, Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180, Ouvidoria da Mulher, Serviços de Saúde voltados ao atendimento aos casos de violência sexual e doméstica, etc. Hoje, a Polícia Civil de Minas Gerais conta com 70 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher espalhadas pelo território mineiro. A Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher de Belo Horizonte oferece atendimento 24 horas em equipes de plantões permanentes que acolhem as vítimas e adotam as providências de polícia judiciária necessárias de acordo com cada caso concreto, bem como realizam o encaminhamento psicossocial dos envolvidos, se for o caso. Todas as ocorrências registradas geram procedimentos policiais que são posteriormente encaminhados ao setor do expediente para a continuidade da investigação, coleta de provas, andamento e conclusão dos procedimentos investigativos. Na capital, além da Delegacia de Plantão de Atendimento à Mulher, o Governo de Minas Gerais inaugurou, em 2022, a Casa da Mulher Mineira, que funciona na Av. Augusto de Lima, nº 1845, Bairro Barro Preto, Belo Horizonte. A nova unidade policial, tem o objetivo de atender ocorrências de demanda espontânea das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, garantindo um acolhimento humanizado e mais célere, em local projetado especialmente para essa finalidade. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 52 A Casa da Mulher Mineira, que realiza hoje cerca de 600 atendimentos mensais, é muito mais do que um espaço físico. É um refúgio para as mulheres que sofrem violência, onde elas podem registrar o Boletim de Ocorrência, solicitar medidas protetivas de urgência, serem encaminhadas para exames de corpo de delito e formalizar a representação criminal. Nesse mesmo local, as vítimas recebem atendimento psicológico, orientação jurídica, encaminhamento para abrigos e acompanhamento policial para retirada de bens pessoais. Além disso, junto à Casa da Mulher Mineira, funciona o Espaço Reviver, também inaugurado em 2022. Esse ambiente acolhedor é voltado para o resgate da autoestima das mulheres, oferecendo roupas, calçados, materiais de higiene e outros itens essenciais, que ficam disponíveis às mulheres que, por conta da violência, perderam ou tiveram, de alguma forma, seus bens inutilizados. É sabido que para atender as demandas de violência doméstica e familiar contra a mulher de forma adequada e eficaz, é necessário um trabalho multidisciplinar, realizado por uma equipe composta de profissionais de diversas áreas, tais assistentes sociais, psicólogos, médicos, dentre outros. Nesse contexto, se faz destacar os Centros de Referência, que são espaços de acolhimento e atendimento médico, psicológico, social e jurídico para a vítima em situação de violência. Esses Centros de Referência proporcionam o atendimento e o acolhimento necessários à superação da situação de violência ocorrida, contribuindo EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 53 para o fortalecimento da vítima e o resgate da sua dignidade como pessoa e como mulher. Nesse momento de crise, a vítima teme por sua vida e integridade física, sente medo e descrença. Assim, os centros de referência buscam oferecer um apoio adequado à vítima, ofertando-lhe suporte e orientação, e procurando também evitar a sua revitimização. Em Belo Horizonte, há 25 (vinte e cinco) anos funciona o Centro de Referência Bem-Vinda, órgão que pertence a Secretaria Municipal dos Direitos de Cidadania, que orienta mulheres em situação de risco, oferece atendimento psicossocial, atividades em grupo e, se necessário, encaminha à Casa Abrigo Sempre-Viva, cujo endereço é sigiloso. O encaminhamento ao abrigo também poderá ser feito pelo Delegado de Polícia ao atender a vítima que procura espontaneamente à Delegacia de Plantão ou Casa da Mulher Mineira, bem como nos casos em que a mulher é encaminhada à uma Unidade Policial na condição de vítima de um flagrante delito. Existe ainda à disposição das vítimas o Centro Risoleta Neves de Atendimento de Minas Gerais – CERNA, que por sua vez está vinculado ao Governo do Estado de Minas Gerais, e também atende mulheres em situações de violência de gênero, nos âmbitos doméstico e/ou familiar, oferecendo atendimento psicológico individualizado, acompanhamento social e orientações jurídicas. Em respeito à autonomia das mulheres, o serviço não realiza busca ativa de usuárias, operando com base na demanda espontânea das mulheres ou por meio de encaminhamentos institucionais. Por sua vez, o desligamento do serviço é feito somente quando a mulher atendida recupera sua autonomia, segurança pessoal e autoestima, após todo o processo de acompanhamento da equipe multidisciplinar. No âmbito da Defensoria Pública, em 1987, motivada pelo início das denúncias de violência contra as mulheres, a Defensoria Pública Estadual instalou um núcleo de atuação dentro da Delegacia de Mulheres, visando o esclarecimento de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar sobre seus direitos, como sobre a importância de um registro de boletim de ocorrência sobre os fatos criminosos. Posteriormente, visando promover um atendimento especializado e de forma individual às mulheres, foram implantadas as Defensorias Especializadas de EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 54 Defesa dos Direitos das Mulheres em Situação de Violência de Gênero. A Defensoria Especializada de Defesa dos Direitos das Mulheres em Situação de Violência de Belo Horizonte foi criada através da Resolução 096/2005 do DPG e é conhecida como Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM/BH). Além de Belo Horizonte, o NUDEM está instalado nas comarcas de Araguari, Betim, Contagem, Governador Valadares, Itajubá, Juiz de Fora, Montes Claros, Uberaba, Uberlândia e Varginha. É importanteressaltar também que há atuação especializada de defesa dos direitos das mulheres em situação de violência de gênero, equivalente ao NUDEM, nas cidades de Brumadinho, Caratinga, Lagoa Santa, Passos, Teófilo Otoni, Vespasiano e Viçosa. Há também a Promotoria Especializada de Atendimento à Mulher de Belo Horizonte, a qual realiza o atendimento das vítimas, formalizando também, quando necessário, os pedidos de Medidas Protetivas diretamente à Justiça. Os Promotores de Justiça da Promotoria Especializada atuam diretamente junto às Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar da capital, que hoje totalizam a quantidade de quatro. Além das Promotorias Especializadas, há ainda Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – CAOVD, criado pela Resolução PGJ 5/2019, e que funciona como órgão auxiliar da atividade funcional do Ministério Público, prestando apoio aos Promotores de Justiça que atuam no enfrentamento a Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Importante destacar também o atendimento à vítima de violência sexual no Município de Belo Horizonte, o qual consiste em várias etapas, cuja ordem é definida conforme o local onde é realizado o primeiro atendimento. Deve-se atentar que muitas vítimas interrompem o fluxo antes de terminado o atendimento completo, por motivos variados, como a complexidade do processo, a falta de dinheiro para a condução, a necessidade de se faltar dias de trabalho ou o constrangimento com a repetição do processo. As consequências vão desde o aumento da cifra negra, diferença entre o número de crimes ocorridos e o número de crimes relatados às autoridades, até a EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 55 completa impunidade dos agressores. Assim, com o objetivo de reverter esse quadro, foi implantada a cadeia de custódia de materiais biológicos e o laudo indireto nos grandes hospitais que prestam atendimento às vítimas de violência sexual em Belo Horizonte. São eles: Hospital Júlia Kubitscheck, Maternidade Odete Valadares, Hospital das Clínicas, Hospital Municipal Odilon Behrens e Hospital Risoleta Tolentino Neves. O artigo 158 do Código de Processo Penal Brasileiro exige o exame de corpo de delito nos crimes materiais, aqueles delitos que deixam vestígios. O exame pode ser realizado de forma direta (preferencialmente) ou indireta. Na modalidade indireta, a vítima é atendida em um centro de referência, que, por meio de um formulário específico, fornece todos os dados necessários à elaboração do laudo indireto pelos médicos legistas, bem como realiza a coleta de vestígios. Assim, a vítima não precisa ir ao IML e ser novamente examinada, evitando-se a sua revitimização. Após a coleta padronizada do material num centro de referência iniciam- se os procedimentos que darão origem à cadeia de custódia. Esses procedimentos, realizados de forma segura e confiável, promovem a idoneidade e integridade da prova material, para que possam ser utilizados como elemento probatório idôneo. A cadeia de custódia permite eliminar a possibilidade de extravio e dano das amostras, possibilitando o controle sobre os processos de identificação nominal das pessoas que tiveram contato com a evidência, de forma a responsabilizar o servidor público ou o laboratório que teve acesso à prova material. Todo o material biológico coletado nos centros de referência em Belo Horizonte é encaminhado ao IML e ao IC, ficando custodiado para formação de um banco de perfis genéticos de suspeitos. Esse banco de dados permite consultas e comparações com materiais encontrados em vítimas, a descoberta do número de vítimas de um mesmo agressor, e até mesmo a área geográfica de atuação do criminoso. É de suma importância que todos os profissionais que atuam nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher tenham ciência do fluxo de atendimento de toda a rede disponível naquela localidade para que saibam como e EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 56 para onde encaminharem a vítima. Nesse sentido, segue abaixo um gráfico de fluxo considerado como padrão de atendimento à mulher em situação de violência: (Fonte: Manual de Padronização de Normas Técnicas das DEAMs) EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 57 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Lei Maria da Penha, ou seja, Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, constitui uma lei multidisciplinar e foi criada para garantir mecanismos de prevenção e repressão à violência de gênero, expressão essa utilizada para se referir às diversas condutas praticadas contra as mulheres que resultem em danos físicos, psicológicos, morais, sexuais e materiais, sendo ainda uma legislação criada com o escopo de possibilitar a assistência e acompanhamento da vítima de violência doméstica e familiar. Como mencionado, a violência doméstica e familiar caracteriza-se pela violência de gênero, sendo reflexo de uma cultura patriarcal e machista baseada no preconceito e na discriminação da figura feminina, caracterizando-se pela imposição da submissão do gênero feminino ao controle do gênero masculino, fato esse que remonta de um passado de subordinação feminina nessa relação de poder. Assim, vindo de um passado repleto de muito sofrimento e lutas, as mulheres têm conseguido muitas vitórias em diversos ramos, como, por exemplo, no campo profissional, possibilitando a elas que demonstrem cada vez mais sua capacidade, competência e igualdade de condições. Como disse Maria Berenice Dias, em seu artigo “Lar: lugar de Afeto e Respeito”, mesmo parecendo utópico, haverá um dia em que o efetivo reconhecimento da igualdade fará o Dia Internacional da Mulher perder o seu significado, passando-se a festejar, quem sabe, o Dia Internacional do Lar, ou seja, a conquista da meta ideal da humanidade, a felicidade. Nesse contexto, é inegável que as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), após a promulgação da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), se transformaram em um dos mais importantes mecanismos de execução das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres, e ao longo desses anos de existência, vem aperfeiçoando sua atividade, articulando suas ações com os demais serviços da ampla Rede de Proteção às mulheres, sem se olvidar de seu papel preventivo nas causas que levam à violência. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 58 Assim, sem se desfazer de sua função de polícia judiciária, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher têm contribuído e muito para a ação afirmativa buscada pelo Estado no que tange à violência de gênero, visando desenvolver uma nova prática de segurança pública, que una trabalho policial repressivo, atendimento humanizado e especializado, e prevenção junto à sociedade. Uma polícia que respeita os direitos humanos e luta por eles é essencial para garantir que as mulheres sejam tratadas com dignidade e respeito em todas as interações com o sistema de justiça. Ao criar um ambiente de apoio e segurança às vítimas, a Polícia Civil de Minas Gerais atua não só como agente de proteção, mas também como facilitadora de mudanças sociais, ajudando a construir uma sociedade mais justa, igualitária e livre de violência contra as mulheres. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 59 REFERÊNCIAS ANDRADE, Vera Regina Pereira. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, v. 26, n. 50, p. 71-102, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.5007/%25x. Acesso em: 26 set. 2023. BANDEIRA, Lourdes Maria. Violência de gênero:a construção de um campo teórico e de investigação. Sociedade e Estado, v. 29, p. 449-469, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69922014000200008. Acesso em: 01 jan. 2025. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: 1988. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. BRASIL. Lei nº 14149, de 5 de maio de 2021. Institui o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, a ser aplicado à mulher vítima de violência doméstica e familiar. [S. l.], 5 maio 2021. 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Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), 2024. bdos direitos humanos, de acordo com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (Organização dos Estados Americanos, 1994). A profissionalização do atendimento a mulheres em situação de violência doméstica é fruto desse movimento, concretizada pela criação das Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher em meados da década de 1980. Ao longo dos anos, outros serviços e equipamentos públicos se especializaram, exigência reforçada com a edição da Lei nº 11.340/2006 – conhecida amplamente como Lei Maria da Penha. Além do atendimento especializado, a legislação passou a exigir, por conseguinte, a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros, ou seja, das forças de segurança pública, quanto às questões de gênero, de raça ou etnia (artigo 8º, VII, da Lei nº 11.340/2006). A especialização do atendimento dos casos de violência doméstica e familiar pelos órgãos integrantes da Segurança Pública tem como base o gênero, os contextos e as particularidades desse tipo de violência. Uma estrutura especializada, com servidores capacitados continuamente, tem o objetivo de facilitar a denúncia por parte das vítimas (Bandeira, 2014), além de garantir um atendimento mais qualificado e humanizado. Por outro lado, uma estrutura específica tem o condão de promover a cidadania, romper um estado de subjugação e de oferecer visibilidade à causa (Farah, 2004). O caso da cearense Maria da Penha Maia Fernandes foi emblemático para a normatização da violência de gênero contra a mulher, cujo fruto foi a edição da Lei nº 11.340/2006. Batizada popularmente como Lei Maria da Penha, a lei de proteção dos direitos da mulher em situação de violência foi promulgada após responsabilização do Brasil perante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). A denúncia foi apresentada pelo Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) no ano de 1998, resultado em uma série de recomendações ao Estado EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 6 Brasileiro em 2001. A farmacêutica bioquímica Maria da Penha foi vítima de duas tentativas de feminicídio, no ano de 1983. A primeira, por disparo de arma de fogo pelas costas, que a deixou paraplégica, além de ter causado outras complicações físicas e traumas psicológicos. A segunda, no mesmo ano, por tentativa de eletrocussão durante o banho, após período de 15 dias de cárcere privado (Instituto Maria Da Penha, 2024). A CIDH/OEA reconheceu a negligência, omissão e tolerância do Estado Brasileiro em relação à violência doméstica e familiar contra as mulheres brasileiras, concluindo que houve demora na responsabilização de Marco Antonio Heredia Viveros, marcada por sucessivas interposições de recursos para os quais o colombiano e ex-marido de Maria da Penha aguardou em liberdade até bem próximo de ocorrer a prescrição da pretensão punitiva. 1.3 Formas de Violência A Lei Maria da Penha estabelece um rol exemplificativo, listando cinco formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. São elas: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral. Trata-se, portanto, de uma lista com caráter exemplificativo, lembrando que são possíveis outras formas de se concretizar a violência, mesmo que não listadas no texto da lei. Veja a descrição de cada uma delas: ▪ VIOLÊNCIA FÍSICA: entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher. Ex.: crime de lesão corporal; contravenção penal de vias de fato, feminicídio, etc. É importante aqui diferenciar o crime de lesão corporal da contravenção penal de vias de fato. Nessa última infração, não há ofensa à integridade corporal ou à saúde da mulher, ou seja, a contravenção penal de vias de fato ocorre quando há, por exemplo, puxões de cabelo, empurrões, tapas, beliscões, e esses não geram uma lesão EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 7 física na mulher. Já a lesão corporal é resultado de conduta que ofende à integridade corporal ou à saúde da mulher, ou seja, deixa vestígios, os quais deverão ser examinados pelo médico legista em exame de corpo de delito; ▪ VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima da mulher ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Apesar dos crimes relacionados à violência psicológica não deixarem vestígios no corpo da ofendida, isso não significa que são ações menos graves, já que as marcas que a vítima apresenta são de caráter psicológico e, em algumas situações, é possível até mesmo o agravo de sua saúde física ou psíquica. Como exemplo, podemos citar os crimes de ameaça, violência psicológica contra a mulher, constrangimento ilegal, crime de perseguição ou stalking, etc; ▪ VIOLÊNCIA SEXUAL: compreendida como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 8 que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Como exemplos, os crimes de estupro, estupro de vulnerável, importunação sexual, violência sexual mediante fraude, registro não autorizado da intimidade sexual, assédio sexual, crime de aborto sem o consentimento da gestante, etc; ▪ VIOLÊNCIA PATRIMONIAL: entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da mulher, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Como exemplos, os crimes de furto ou roubo, apropriação indébita, estelionato, dano ou crime de supressão de documento; ▪ VIOLÊNCIA MORAL: por fim, a Lei 11.340/06 lista a violência moral, podendo esta ser entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria contra a mulher. Como exemplo, os crimes de difamação, injúria e calúnia. O QUE FAZER NOS CASOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER? Nos casos de violência sexual, de acordo com o Protocolo Humanizado de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual do Estado de Minas Gerais, as vítimas devem ser encaminhadas para os hospitais de referência para atendimento médico, recebimento de contraceptivo emergencial e profilaxia para HIV ou outras doenças sexualmente transmissíveis. Nesse caso, via de regra, não há necessidade da vítima passar por mais nenhum atendimento médico ou pericial. O QUE FAZER NOS CASOS DE VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA A MULHER? Em se tratando de violência física, a vítima deve ser encaminhada para a unidade de saúde mais próxima para receber atendimento médico. A vítima poderá solicitar ao hospital ou postos de saúde os prontuários médicos, os quais poderão ser apresentados à delegacia de polícia e admitidoscomo meios de prova (artigo 12, §3º, Lei nº 11.340/2006). EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 9 São estes os hospitais de referência em Belo Horizonte/MG: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais Av. Alfredo Balena, 110 - Santa Efigênia (31)3307-9612 Hospital Júlia Kubitschek Av. Dr. Cristiano Resende, 2745 - Araguaia (31)3389-7800 Hospital Metropolitano Odilon Bherens HOB Rua Formiga, 50 - São Cristovão (31)3277-6181 Maternidade Odete Valadares Avenida Do Contorno, 9494 - Prado (31)3298-6002 Hospital Risoleta Tolentino Neves Rua Das Gabirobas, 01 - Bairro Laranjeiras 1.4 Ciclo ou Espiral da Violência Considerando seu caráter crônico, o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher pelas forças de segurança pública exige sensibilidade e conhecimento sobre gênero. Nesse ponto, importante compreender o que se denomina CICLO DA VIOLÊNCIA ou ESPIRAL DE VIOLÊNCIA. Nos casos de violência doméstica e familiar, é comum verificar que os atos de violência se repetem, ao longo do tempo, e podem evoluir em intensidade ou frequência (Soares, 1999; Medeiros; Tavares, 2017). Assim, geralmente, os atos de violência de gênero não são lineares ou isolados, mas, ao contrário, há uma repetição de episódios geradores de uma carga estressora para as vítimas e um aumento do nível de risco, com possibilidade de risco de feminicídio. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 10 Figura 1 – Fase do ciclo ou espiral da violência Fonte: Governo de Santa Catarina, 2019. Percebe-se que na Figura 1, essa dinâmica recorrente que muitas vezes ocorre em relacionamentos abusivos pode ser observada em fases, o que se denomina ciclo da violência ou, mais modernamente, espiral da violência, considerando que os atos de violência podem ser agravados a cada novo giro do ciclo da violência. Assim, compõem o ciclo da violência as seguintes fases: 1ª – FASE DO ACÚMULO DE TENSÃO: nessa fase, ocorre um somatório de situações cotidianas geradoras de tensão no relacionamento. É uma fase marcada por críticas, ofensas, isolamento, ordens, ameaças, atos de controle, ciúmes, gritaria, destruição de objetos, socos em paredes, xingamentos e vigilância constante por parte do agressor. Também é a fase em que estão pr esentes o medo, o controle e a demonstração de “autoridade” por parte do agressor; 2ª – FASE DA EXPLOSÃO VIOLENTA OU ATAQUE: é a fase na qual ocorre EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 11 o ápice dos atos violentos e que geram situação de perigo para as vítimas. O agressor pode recorrer a agressões físicas, emocionais ou verbais. Esse é o momento mais crítico do ciclo da violência, podendo ser uma fase rápida e intensa, resultando em ferimentos físicos ou danos emocionais significativos à vítima. 3ª – FASE DA LUA DE MEL: também conhecida como fase do arrependimento, a fase da lua de mel é um momento de pacificação, no qual o agressor reflete sobre seus atos, se desculpa, faz gestos românticos e promessas de que não se comportará mais de forma agressiva. É aqui que muitas mulheres, acreditando no potencial de mudança de comportamento do agressor, desiste das providências policiais ou jurídicas, mostrando desinteresse na representação criminal ou passam a não colaborar com as investigações (ex.: não realiza o exame de corpo de delito; muda sua versão sobre os fatos, solicitada a retirada das medidas protetivas). O profissional da segurança pública precisa estar atento para esse movimento, orientando a vítima sobre a dinâmica do ciclo de violência e sobre o risco de novos episódios de violência, inclusive, mais graves, acontecerem. Como dito, é comum que as mulheres em situação de violência voltem atrás das decisões de proteção tomadas na fase da explosão violenta, motivo pelo qual deve o profissional da segurança pública acolher a vítima, com a consciência de que a vitimização de gênero carrega consigo nuances particulares e que a atitude da mulher não revela um menosprezo às instituições ou ausência de seriedade quanto à notícia de um fato criminoso. Por trás dessa trajetória oscilante, pode haver a dependência emocional, a dependência financeira, o receio da prática de novos atos de violência, a vergonha do julgamento moral da sociedade, as implicações relacionadas aos filhos e ao patrimônio, entre tantos outros fatores, somado ao ciclo da violência. O papel da Segurança Pública é promover ações destinadas ao rompimento do ciclo da violência, seja por meio de ações repressivas, seja por meio de ações preventivas. Outro detalhe importante a se considerar é que a perpetuidade desse ciclo ou espiral de violência ocasiona na vítima o que se chama de “pedagogia da violência” (Soares, 1999, p. 131), ou seja, as mulheres em situação de violência doméstica EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 12 passam por um processo de condicionamento a esses atos violentos. A vitimização continuada acarreta, por outro lado, a “síndrome da desesperança aprendida” (Soares, 1999, p. 142) e a “síndrome da mulher maltratada” (Walker, 2009, p. 31). Por sua vez, a síndrome da mulher maltratada, também conhecida como síndrome da mulher agredida, refere-se a um conjunto de sintomas e comportamentos que podem se desenvolver em mulheres que são vítimas de violência doméstica ou abuso emocional e físico por parte de seus parceiros. Essa síndrome, que não é uma doença mental, é caracterizada por várias manifestações psicológicas e emocionais que podem afetar a vida da mulher em situação de violência de maneira significativa, incluindo: baixa autoestima, dependência emocional, medo e ansiedade, isolamento social, dificuldade em tomar decisões, sentimentos de culpa e vergonha, sintomas físicos e psicológicos. O apoio psicológico e a intervenção adequada são fundamentais para ajudar essas mulheres a se recuperarem e a reconstruírem suas vidas. Além disso, a conscientização sobre a violência doméstica e a promoção de ambientes seguros são essenciais para prevenir o abuso e apoiar as vítimas. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 13 2 APRESENTAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA 2.1 Âmbitos de Aplicação O conceito de violência doméstica e familiar segue exposto no artigo 5º da Lei 11.340/2006: “Para os efeitos dessa Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Já nos incisos I, II e III, do referido artigo, a Lei 11.340/06 estabelece os âmbitos de incidência, nos quais tal violência poderá acontecer: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Portanto, para aplicação da Lei Maria da Penha, são considerados os seguintes âmbitos ou contextos de ocorrência da violência: • Âmbito da unidade doméstica: compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 14 vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. Insere-se nesse âmbito de aplicação as violências praticadas em repúblicas ou contra empregadas domésticas, a título de exemplo; •Âmbito da família: compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Inserem-se aqui as violências praticadas contra sogra, nora, cunhada, enteada, filha, mãe, sobrinha, tia, entre outros vínculos familiares, consanguíneos ou não. A jurisprudência é pacífica que não há necessidade de coabitação para incidência da Lei Maria da Penha; • Âmbito das relações de intimidade: em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Inserem- se aqui as violências praticadas contra namoradas/ex- namoradas, noivas/ex-noivas, esposas/ex-esposas, companheiras/ex-companheiras ou qualquer outro relacionamento afetivo, mesmo que clandestinos ou não oficiais. É importante registrar que a aplicação da Lei Maria da Penha independe da orientação sexual (artigo 5º, parágrafo único). Portanto, mulheres que mantêm relacionamento homoafetivo em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher estão acobertadas pela proteção da Lei Maria da Penha. Importante que se diga que no polo passivo da violência doméstica e familiar contra a mulher (vítima) sempre constará uma mulher, cis ou trans. Já no pólo passivo, ou seja, na condição de agressor(a), pode figurar um homem ou uma mulher, cis ou trans. Além dos âmbitos restritos de aplicação (doméstico, familiar ou afetivo), a violência deve ter fundamento no gênero, ou seja, na condição de mulher. Foi no sentido de adequar a responsabilização penal de autores de EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 15 violência de gênero contra a mulher que a Lei nº 13.104/2015 instituiu o feminicídio, antes considerado uma qualificadora do crime de homicídio. De acordo com a redação antiga dada pela Lei nº 13.104/2015, o crime de homicídio era qualificado quando cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, isto é, quando o crime envolvia violência doméstica e familiar, ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Nesse último caso, um exemplo poderia ser a morte de mulheres transexuais, mulheres prostitutas, mulheres detentoras de mandatos políticos, entre outras situações para além dos vínculos domésticos, familiares ou afetivos, mas em razão de preconceito (menosprezo ou discriminação) pela condição de serem mulheres. Contudo, recentemente, a Lei 14.994/24 tornou o feminicídio um crime autônomo, tipificado no artigo 121-A do Código Penal, com penas cominadas em abstrato de 20 a 40 anos de reclusão. Com isso, o crime de feminicídio deixou de ser uma qualificadora para se tornar um novo tipo penal, o que representa um marco no reconhecimento do caráter sistêmico da violência contra a mulher. Esse assunto será retomado detalhadamente mais adiante, no capítulo que trata do Pacote Antifeminicídio. Não se pode olvidar que a Lei Maria da Penha considera a violência doméstica e familiar contra a mulher como uma das formas de violação de direitos humanos. A assistência de mulheres em situação de violência doméstica e familiar se dá por meio de medidas integradas de proteção. De acordo com a Lei Maria da Penha, a política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher deve ser feita por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais (artigo 8º da LMP). É o que comumente se denomina rede de enfrentamento à violência doméstica e familiar. 2.2 Procedimento Especial da Lei Nº 11.340/2006 O atendimento das forças de segurança pública para as situações de violência contra a mulher apresenta peculiaridades importantes. Para tanto, o EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 16 profissional da segurança pública precisa compreender que sua atuação deverá estar pautada no tratamento humanizado, no respeito, no acolhimento adequado, protetivo e integral às mulheres em situação de violência doméstica, cis ou trans. O atendimento de ocorrências relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher deve ser orientado pelos seguintes princípios (AMCV, 2013, p. 7-8, apud CNMP, 2019): ▪ Princípio de defesa de direitos: o profissional deve agir de acordo com a defesa dos direitos fundamentais dos quais as mulheres são titulares, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião. A violência doméstica e familiar consiste em uma das formas de violação dos direitos humanos (artigo 6º da Lei nº 11.340/2006); ▪ Princípio da segurança: às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, bem como às vítimas colaterais ou indiretas da violência, dependentes e familiares, deve ser garantida segurança (artigo 3º da Lei nº 11.340/2006); ▪ Princípio do respeito: a mulher deve ser o centro da atuação profissional nos casos de violência doméstica e familiar. De tal modo, os profissionais devem agir com respeito e empatia no que diz respeito à vivência, às experiências, contextos de vida, particularidades socioculturais e diversidade (artigo 3º da Lei nº 11.340/2006); ▪ Princípio da confidencialidade: a privacidade da vítima deve ser resguardada, velando o profissional pelo sigilo das informações (artigo 2º, §1º, da Lei nº 14.149/2021); ▪ Princípio do empowerment: oferecimento de suporte às ofendidas para fortalecimento individual, resgate da EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 17 autonomia e compreensão de que possuem o direito de viver sem violência (artigo 2º da Lei nº 11.340/2006); ▪ Princípio de cooperação: os diversos atores da rede de enfrentamento devem atuar de forma integrada e articulada (artigo 8º da Lei nº 11.340/2006); ▪ Princípio de responsabilização: as instituições devem monitorar, avaliar e aprimorar os serviços destinados às mulheres em situação de violência (artigo 8º da Lei nº 11.340/2006). De acordo com a Lei Maria da Penha, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis, aplicando-se o mesmo regramento para as situações de descumprimento de medida protetiva de urgência deferida. As mulheres em situação de violência doméstica e familiar têm direito ao atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores (preferencialmente do sexo feminino) e previamente capacitados. Outra atenção do profissional da segurança pública é a de evitar reinquirições sucessivas à mulher em situação de violência doméstica e familiar (revitimização), bem como evitar questionar sobre aspectos relacionados a sua vida privada. A inquirição das vítimas deverá ocorrer em recinto especialmente projetado para esse fim, na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher. Conforme previsão do artigo 11 da Lei 11.340/06, no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial, deverá, entre outras providências: I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 18 III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento peranteo juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável. Por sua vez, o artigo 12 da Lei nº 11.340/2006 dispõe que, em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a Autoridade Policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 horas (quarenta e oito) horas, expediente apartado a juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; (grifado) IV - determinar que se proceda ao exame do corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências criminais contra ele; EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 19 VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. O §1º do artigo 12 dispõe que o Expediente Apartado para a concessão de Medida Protetiva (EAMP) deverá conter a qualificação da ofendida e do agressor, nome e idade dos dependentes e uma descrição do fato e das medidas solicitadas pela ofendida, bem como deverá ser anexado o boletim de ocorrência e todos os documentos disponíveis que estejam em posse da ofendida (artigo 12, §2º), admitindo-se como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde (artigo 12, §3º). Em outras palavras, na delegacia de polícia, será elaborado o Registro de Eventos de Defesa Social (REDS) com a narrativa pormenorizada dos fatos no histórico da ocorrência/atividade, qualificação dos envolvidos e descrição de eventuais materiais ou objetos apreendidos. Nesse ponto, importante proceder à coleta de todas as provas que servir para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias. Portanto, objetos utilizados para a prática do crime, tais como facas, pedaços de madeira, armas de fogo, bem como celulares ou outros dispositivos utilizados para a prática do crime deverão ser apresentados à delegacia de polícia para posterior apreensão, observando-se a cadeia de custódia. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 20 Caso o local do crime apresente vestígios, a perícia da Polícia Civil de Minas Gerais deverá ser acionada para realização dos trabalhos de exame no local da ocorrência por meio do 197. É na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM) que a vítima será ouvida em cartório e será elaborado o pedido de medidas protetivas de urgência por meio do Expediente Apartado de Medidas Protetivas de Urgência (EAMP). O EAMP é remetido atualmente de forma eletrônica, via sistema PJe, imediatamente após o encerramento do atendimento da vítima na unidade policial. Contudo, importante que se saiba que o prazo legal para remessa do pedido da ofendida para concessão de medidas protetivas é de 48 horas. Na delegacia de polícia, serão colhidas todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias. A ofendida será encaminhada para realização de exame de corpo de delito, além de serem requisitados outros exames periciais necessários. Na instrução das investigações, são ouvidas as testemunhas e interrogado o agressor, adotando-se outras providências necessárias à apuração da infração penal. Outra providência imprescindível nos casos de violência doméstica e familiar é a verificação sobre eventual registro de porte ou posse de arma de fogo O QUE É A CADEIA DE CUSTÓDIA? (Código de Processo Penal) Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 21 por parte do agressor (artigo 12, VI-A, da Lei nº 11.340/2006). Tal providência tem a finalidade de instruir o pedido de medida protetiva de urgência e, além disso, orientar o juízo para determinação da apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor (artigo 18, IV, da Lei nº 11.340/2006). Tratando-se o agressor de profissional da segurança pública e de outros profissionais indicados no artigo 6º da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso. 2.3 Sujeito Ativo e Sujeito Passivo na Lei 11.340/06 O sujeito ativo na Lei Maria da Penha é aquele que pratica o ato de violência contra à mulher, ou seja, não há o condicionamento que o agente seja do sexo masculino, desde que, quando o agressor for uma mulher, deverá ser atestada a vulnerabilidade da ofendida em razão do seu gênero feminino. Assim, como exemplo, pode-se citar o crime praticado por uma mãe contra a sua filha, se a agressora for responsável pela ação que teria sido o estopim para as agressões perpetradas somente em face da criança do sexo feminino, caso em que é possível pressupor pela existência de motivação de gênero, sendo aconselhável o exame da questão sob o prisma da Lei 11.340/06. Portanto, uma vez comprovada a relação de vulnerabilidade da vítima, aliada a motivação do gênero, será possível a aplicação da referida lei (Passos, 2022, p. 64). No mesmo sentido, é possível também, a aplicação da Lei 11.340/06 para o caso de relações homoafetivas entre duas mulheres, caso em que o sujeito ativo (autora) será a mulher agressora, nos termos da Lei Maria da Penha. Importante ressaltar ainda que quando há a presença de menores, a competência para julgamento é do Juizado da Infância e Juventude. Por outro lado, a Lei Maria da Penha goza de natureza jurídica de ação afirmativa, ou seja, a lei deve atuar como mecanismo de proteção e diminuição de EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 22 desigualdades históricas e culturais. Nesse sentido, a lei é clara ao definir que o sujeito passivo da violência doméstica e familiar será sempre a mulher. A mulher é o foco da proteção da lei, devendo o sujeito passivo da Lei 11.340/06 ser necessariamente uma mulher (Passos, 2022, p. 65). Contudo, é possível localizar vários exemplos de não aplicação da Lei Maria da Penha contra violência praticada contra uma mulher em decorrência da ausência da motivação de gênero. Assim, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico, familiar, ou afetivo, exigindo-se que a motivação do agressor(a) seja de gênero, istoé, que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher. Ao afirmar que a mulher está sob o seu abrigo, sem distinguir sua orientação sexual ou identidade de gênero, a Lei Maria da Penha assegura sua tutela e proteção a todas as pessoas do gênero feminino (cisgêneras ou transgêneras), sejam elas lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros de identidade feminina. Vale dizer que a Lei Maria da Penha não é uma lei incompleta ou controvertida, já que a compreensão atual de gênero é que este deve corresponder a experiência interna e individual de como cada pessoa sente, o que pode corresponder ou não ao sexo biológico atribuído no momento do nascimento. Com efeito, a jurisprudência pátria tem se manifestado no sentido de que, para efeito da Lei Maria da Penha, o termo “mulher” diz respeito ao gênero feminino, o que abrangeria a proteção legal a todas as pessoas desse gênero, independentemente do sexo biológico atribuído no seu nascimento. Portanto, construção do sentido do termo “mulher” deixaria de ter uma marcação no sexo biológico para encontrar uma marcação no gênero, compreendido como uma construção social (Zanardi, 2024, p.115). A esse respeito, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu recentemente que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais (REsp 1.977.124). Em seu voto, o relator Rogério Schietti Cruz abordou os conceitos de sexo, gênero e identidade de gênero, com base na doutrina especializada e na Recomendação 128 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 23 do CNJ, que adotou protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero. Segundo Schietti, "gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres", enquanto sexo se refere às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, de modo que, para ele, o conceito de sexo "não define a identidade de gênero" (STJ, 2022). No mesmo sentido, o Sistema Internamericano de Direitos Humanos, no julgamento do caso “Vicky Hernández e familiares vs Honduras”, possibilitou a aplicação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres (“Convenção de Belém do Pará”) a uma mulher trans, consignando que o termo “mulher” abrange inquestionavelmente todas as mulheres em sua diversidade, incluindo as mulheres trans, conforme as Recomendações Gerais nº 28 (2010) e nº 35 (2017) do Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), bem como diretrizes do Mecanismo de Acompanhamento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI) (Carvalhaes, 2024, p.76-77). Por fim, a aplicação da Lei Maria da Penha à uma vítima transexual deve ocorrer independente de alteração no registro civil ou cirurgia de redesignação de sexo. A esse respeito, a Corte Interamericana, na Opinião Consultiva (OC) nº 24, também se manifestou, assegurando que a identidade de gênero pressupõe a experiência pessoal sobre o próprio corpo, que pode envolver ou não a modificação da aparência ou função corporal por meio de procedimentos médicos, cirúrgicos ou outros, desde que seja livremente escolhida, ressaltando ainda que a identidade de gênero é um elemento constitutivo da identidade das pessoas, pelo que seu reconhecimento deve ser garantido por parte do Estado (Corte, 2022, p.97). EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 24 3 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA Uma das grandes inovações trazidas pela Lei Maria da Penha são as medidas protetivas de urgência, que podem ser solicitadas por todas as mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Tais medidas visam sua proteção e/ou garantia de seus direitos. As medidas protetivas de urgência podem ser concedidas pelo juiz a pedido da ofendida ou mediante requerimento do Ministério Público. Considerando a natureza cautelar das medidas protetivas e o caráter de urgência, elas poderão ser concedidas de imediato pelo juiz, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, o qual deve ser prontamente comunicado. As medidas de proteção podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, podendo ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos da mulher forem ameaçados ou violados. É o que a doutrina denomina de cláusula rebus sic standibus, ou seja, o juiz pode analisar a abrangência e os limites das medidas protetivas de acordo com a necessidade do caso concreto e a dinâmica das relações, pautando-se sempre pela análise do risco. Assim, poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público. As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade judicial de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes. Tal orientação foi trazida recentemente pela Lei n 14.550/2023, a qual dispôs ainda que as medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 25 ocorrência. Isto quer dizer que as medidas protetivas não mais estão vinculadas à ocorrência de uma infração penal ou à representação criminal da ofendida, bastando a ocorrência de situação de violência doméstica e familiar. Por outro lado, a legislação passou a prever que as medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes, ou seja, a duração das MPUs vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual devem ser fixadas por prazo temporalmente indeterminado. Nesse ponto, mostra-se relevante a avaliação do risco pelas forças de segurança pública, em conformidade com a determinação contida na Lei nº 14.149/2021 a respeito do Formulário Nacional de Avaliação de Risco. Assim, eventual reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento do Inquérito Policial ou absolvição do acusado, não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco ensejadora da concessão da medida. As medidas protetivas de urgência são dispostas em duas categorias: das medidas protetivas que obrigam o agressor e das medidas protetivas de urgência à ofendida. O rol de medidas protetivas consignado na Lei Maria da Penha não é taxativo, ou seja, outras medidas protetivas poderão ser aplicadas, de acordo com o caso concreto. Dessa forma, no que diz respeito às medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras (artigo 22 da Lei 11.340/06): I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos do Estatuto do Desarmamento; II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 26 a ofendida; III – proibição de determinadas condutas,entre as quais: a) Aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) Contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) Frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios; VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. Essas duas últimas medidas protetivas de urgência (incisos VI e VII) foram inseridas na Lei Maria da Penha pela Lei nº 13.984/2020, fruto da compreensão de que o homem autor de violência deve ser submetido a intervenções individuais ou grupais com foco na desconstrução da masculinidade violenta. Com a inclusão formal dessas medidas no rol previsto no artigo 22 da Lei 11.340/06, o comparecimento do agressor nesses programas passa a ser obrigatório quando determinado pelo juiz em sede de expediente de medidas protetivas, o que poderá acarretar, inclusive, a prisão em flagrante do agressor diante da falta injustificada nos programas, já que o artigo 24-A da Lei Maria da Penha institui o crime de desobediência de medidas protetivas. Exemplo dessa atuação no âmbito da Polícia Civil de Minas Gerais é o Programa Dialogar, que atua desde 2013 com o atendimento de homens autores EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 27 de violência na perspectiva de grupos reflexivos responsabilizantes. O programa funciona na sede do Departamento de Investigação, Orientação e Proteção à Família e atende homens autores de violência encaminhados compulsoriamente pelo Poder Judiciário. São realizados doze encontros com os homens autores de violência, sendo um individual (entrevista no ato da matrícula) e onze grupais, quando são abordados os cinco eixos temáticos: Lei Maria da Penha; Gênero e violência; Masculinidades, aspectos emocionais e saúde do homem; Machismos; Convivência, comunicação e habilidades relacionais. Os encontros têm duas horas de duração e são manejados por uma dupla mista de facilitadores, um homem e uma mulher. Os grupos são formados por até 13 (treze) homens encaminhados por meio de decisão judicial. O comparecimento de agressores em cursos e grupos de reflexão que abordam temáticas relativas à violência de gênero, masculinidade tóxica, machismo, assunção de responsabilidade por seus próprios atos, entre outros, é um método reconhecido para coibir, prevenir e reduzir a reincidência da violência doméstica e familiar contra a mulher. Além disso, tende a ocasionar mudanças significativas nas vidas desses homens e de suas companheiras, sobretudo na ressignificação de seus papéis e eliminação de padrões tóxicos, acarretando a consequente redução dos índices de reincidência e acionamento das vias policiais por parte das vítimas. Em 2023, a taxa de reincidência entre os homens que participaram do Projeto Dialogar da Polícia Civil foi de apenas 9,43%, mostrando que iniciativas como essa fazem a diferença. Outro ponto que merece destaque sobre medidas protetivas que obrigam o agressor é que a Lei 13.827/2019 acresceu o artigo 12-C à Lei 11.340/06, permitindo que o Delegado de Polícia, uma vez verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da vítima ou de seus dependentes, conceda a medida protetiva de afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, quando o Município não for sede de comarca. O mesmo dispositivo (artigo 12-C) autoriza ainda que qualquer policial conceda essa medida, quando o Município não for sede de comarca e não houver EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 28 delegado disponível no momento da denúncia. É importante ressaltar que a exceção à reserva jurisdicional somente abarca essa medida protetiva em específico, não valendo para as demais medidas. Nessas hipóteses, em que o afastamento do agressor do lar for determinado pelo Delegado de Polícia ou outro policial (nos Municípios que não forem sede de comarca), o juiz deverá ser comunicado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, devendo decidir, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, comunicando as medidas aplicadas ou revogadas ao Ministério Público. Nesse ponto, deve-se frisar que não há qualquer inconstitucionalidade ou usurpação de jurisdição. Ao contrário, privilegia-se o mais importante: a dignidade da pessoa humana. A mulher não pode ser violentada e ser submetida ao agressor, sem chance de escapar, somente porque naquela localidade inexiste um juiz ou mesmo um delegado disponível. O policial que atender a ocorrência tem a obrigação de afastar o agressor, sendo que posteriormente pode-se analisar com cautela a situação concretizada. Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6138, que considerou válida a alteração promovida na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) para permitir que, em casos excepcionais, a Autoridade Policial afaste o suposto agressor do domicílio ou do lugar de convivência quando for verificado risco à vida ou à integridade da mulher, mesmo sem autorização judicial prévia (STF, 2022). Já com relação às medidas protetivas de urgência à ofendida, o juiz poderá, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos ou EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 29 alimentos; IV – determinar a separação de corpos; V – determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga; VI – conceder à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses. Essa última disposição foi incluída pela Lei nº 14.674/2023, de modo que cabe ao juiz a aplicação do auxílio-aluguel como medida protetiva de urgência à mulher em situação de violência doméstica e familiar. O pagamento do auxílio- aluguel é responsabilidade do Poder Executivo local. De igual modo, para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade comum, salvo expressa autorização judicial; III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. 3.1 Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas O crime de descumprimento de medida protetiva de urgência está previsto no artigo 24-A da Lei 11.340/06. Trata-se da única infração penal prevista na Lei Maria da Penha, a qual traz em seu bojo, predominantemente, disposições EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVILDE MINAS GERAIS 30 de caráter procedimental e diretivas de políticas públicas para atendimento a mulheres em situação de violência doméstica e familiar. O crime de descumprimento de medida protetiva ocorre quando o autor descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência. A pena é de reclusão, de 2 (anos) a 5 (cinco) anos, e multa. A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas protetivas. Na hipótese de prisão em flagrante, o delegado de polícia não pode arbitrar fiança, cabendo tal providência somente à autoridade judicial. No caso de situação de flagrante de descumprimento de medida protetiva de urgência, os agentes da segurança pública devem solicitar à ofendida a apresentação das medidas protetivas de urgência. Contudo, mesmo que a vítima não as apresente, seja porque o documento foi extraviado, não entregue ou destruído pelo agressor, a ocorrência deverá ser registrada e o autor conduzido à Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher, caso esteja em flagrante delito. É na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher que a Autoridade Policial, o(a) delegado(a) de polícia, verificará se há informações sobre a vigências das medidas protetivas e se o agressor foi intimado acerca da decisão judicial. É importante que o agressor tenha sido cientificado da decisão judicial para que se configure o crime de descumprimento (artigo 24-A). Presentes os requisitos formais e materiais, indícios de autoria e materialidade delitiva, o(a) delegado(a) de polícia lavrará o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD). Por fim, deve-se assinalar que recentemente a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o consentimento da vítima para aproximação do réu afasta a configuração do crime de descumprimento de medida protetiva de urgência (AREsp 2.330.912). Segundo o colegiado, com o consentimento, a conduta do réu se torna atípica – ou seja, não se enquadra na capitulação penal trazida pela Lei Maria da Penha. Contudo, é importante registrar que o consentimento da vítima deve ser válido, não podendo ser obtido mediante EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 31 ameaça ou intimidação. 3.2 Representação pela Prisão Preventiva em decorrência do Descumprimento de Medidas Protetivas Além do crime previsto no artigo 24-A da Lei 11.340/06, existe ainda a possibilidade da Autoridade Policial representar pela prisão preventiva do autor no caso de descumprimento das medidas protetivas de urgência previamente impostas a ele, conforme inteligência do artigo 313, III, do CPP, que veio a fortalecer o instrumento cautelar de medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Vejamos o dispositivo, in verbis: “Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (...) III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;” Além disso, a Autoridade Policial poderá, em qualquer fase do Inquérito policial, representar pela prisão preventiva do investigado como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, isso quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, nas demais hipóteses previstas no artigo 313 do Código de Processo Penal. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 32 4 A LEI 14.944/24 OU “PACOTE ANTIFEMINICÍDIO” Entrou em vigor no dia 9 de outubro de 2024 a Lei 14.994/24, intitulada “Pacote Antifeminicídio”, que altera o Código Penal, a Lei das Contravenções Penais, a Lei da Execução Penal, a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei Maria da Penha e o Código de Processo Penal. A nova legislação, resultante do Projeto de Lei 4266/2023, proposto pela Senadora Margareth Buzetti (PSD/MT), surge da necessidade de tornar mais rigorosas as penas para os crimes praticados em razão de gênero, incluindo o feminicídio, que representa o estágio mais extremo da violência contra a mulher. Segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os índices de mortes violentas de mulheres no Brasil são alarmantes e mesmo com a promulgação da Lei do Feminicídio, houve uma escalada desses crimes em nível nacional e subnacional. Dentre as inúmeras alterações legislativas propostas, a Lei 14.994/24 passou a considerar o crime de feminicídio como crime autônomo e hediondo, elevando a pena mínima de 12 para 20 anos e a máxima de 30 para 40 anos. Vejam as principais alterações no que tange ao crime de feminicídio: Antes da Lei 14.994/24 Depois da Lei 14.994/24 Art. 121, § 2º, VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: Pena – reclusão, de doze a trinta anos. § 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. § 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) Art. 121-A. Matar mulher por razões da condição do sexo feminino: Pena – reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos. § 1º Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. § 2º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado: I – durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou se a EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 33 meses posteriores ao parto; II – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou com doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade; II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha); V – nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2o do art. 121 deste Código. Coautoria §3º Comunicam-se ao coautor ou partícipe as circunstâncias pessoais elementares do crime previstas no §1o deste artigo.” Em suma, as principais alterações quando se comparam os tipos penais de feminicídio, enquanto homicídio qualificado e crime autônomo, são as seguintes: ✓ aumento da pena do feminicídio de 12 a 30 para 20 a 40 anos de reclusão; ✓ criação de regra especial para concurso de agentes (art. 121-A, §3º); ✓ exclusão da incidência ao delito das qualificadoras subjetivas do motivo fútil e torpe (art. 121, V); ✓ transformação das qualificadoras objetivas dos incs. III, IV e VIII do homicídio em causas de aumento de pena de 1/3 até a metade para o feminicídio (art. 121-A, §2º, V, CP); ✓ proteção dos chamados “órfãos do feminicídio”, aumentando de pena quando se tratar de vítima mãe ou responsável por criança, EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIADE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 34 adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade (art. 121, parágrafo 2º, I, parte final); ✓ retorno do aumento de pena para vítima de feminicídio menor de 14 anos (art. 121, §2º, II). Dessa forma, com a nova lei, o crime de feminicídio passa a ser tipificado como crime autônomo (art. 121-A do CP), com pena e regulamentação específicas, desvinculando-o de sua antiga qualificação como homicídio. Com a alteração, passa a não haver mais a previsão jurídica para o feminicídio privilegiado, uma vez que o art. 121, §1º, do CP, é uma causa de diminuição de pena específica para o crime de homicídio. Assim, alegações da defesa como domínio de violenta emoção ou “relevante valor social ou moral”, feitas em plenário, deverão ser analisadas pelo Juiz Presidente na sentença, atuando como atenuantes. Com a impossibilidade de se reconhecer a figura privilegiada do feminicídio, argumentos voltados a atacar a vítima perdem a força já que, ainda que o juiz reconheça a atenuante da violenta emoção, a pena não poderá ser inferior ao mínimo legal de 20 anos (Cunha et al., 2024). Essa alteração é muito importante no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres, porque é sabido que os julgamentos por crimes de feminicídio são permeados por estereótipos e não raras vezes refletem o machismo estrutural ínsito em nossa sociedade, o que vinha evidenciado no reconhecimento do crime privilegiado e na tese “velada” de legítima defesa da honra (Cunha et al., 2024). Outra alteração importante promovida pela Lei 14.994/24 foi em relação ao crime de lesão corporal. Vejam: Antes da Lei 14.994/24 Depois da Lei 14.994/24 Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 35 ano. §9o: Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (…) §13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos). ano. §9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (…) §13. Se a lesão é praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.” Como evidenciado na tabela acima, o legislador optou por aumentar a pena de detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos, para uma pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, para os casos em que a lesão corporal é praticada “contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade” (art. 129, §9º, do Código Penal). No mesmo sentido, a pena reclusão do crime de lesão corporal praticada “contra mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do §1º do art. 121-A do CP”, passou de 1 (um) a (4) anos, para 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Com essa alteração, o legislador brasileiro ampliou a proteção da mulher para casos de lesão corporal, possibilitando a prisão preventiva nos termos do art. 313, I, CPP, bem como a manutenção da prisão por um período maior, já que em regra os Tribunais consideram a expectativa de pena como parâmetro para a duração da prisão (Cunha et al., 2024). Com relação a contravenção penal de vias de fatos, antes da promulgação da Lei 14.994/24, a pena da infração era aumentada somente quando a vítima tivesse mais de 60 anos. Agora, com a Lei 14.994/24, a pena da contravenção penal de vias de fato aplica-se em triplo quando cometida contra a EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 36 mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do CP. Vejam: Antes da Lei 14.994/24 Depois da Lei 14.994/24 Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos. Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime. §1º. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos. §2º. Se a contravenção é praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto- Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), aplica-se a pena em triplo. Avultar destacar que a contravenção de vias de fato é uma forma de violência física contra a mulher e exige o dolo da conduta, não se punindo a forma culposa. A consumação da infração penal ocorre no momento da agressão física (puxão de cabelo, empurrão, etc.), e a tentativa não é punida, nos moldes do art. 4º da Lei das Contravenções Penais. A Lei 14.994/24 também promoveu alterações importantes em relação ao crime de ameaça (art. 147 do Código Penal): Antes da Lei 14.994/24 Depois da Lei 14.994/24 Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 37 Parágrafo único – Somente se procede mediante representação. §1º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro. §2º Somente se procede mediante representação, exceto na hipótese prevista no § 1º deste artigo. Inicialmente, o legislador acrescentou o §1º ao art. 147, aumentando a pena em dobro “se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A”, ou seja, se a ameaça for praticada em contexto de violência doméstica e familiar ou por menosprezo à condição de mulher. A modificação segue a linha de raciocínio central da reforma, qual seja, o recrudescimento penal nas infrações penais praticadas em contexto de violência contra a mulher. Já a segunda alteração diz respeito ao acréscimo do §2º ao art. 147, que altera a natureza da ação penal do crime de ameaça para pública incondicionada, desde que o mal injusto e grave tenha sido praticado por condição de discriminação ou menosprezo à condição de mulher ou em contexto de violência doméstica e familiar. Portanto, ao tornar a ação penal pública incondicionada, diante da notitia criminis de possível cometimento do crime de ameaça, a Autoridade Policial passa a ter que instaurar o Inquérito Policial para apuração dos fatos, independentemente da manifestação de vontade da vítima (Representação Criminal). A esse respeito, profissionais