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Linguagem Literária: Definição e Características

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12/08/2015 4. Linguagem Literária
https://servicos.ulbra.br/conteudo/files/disciplinas/990101/conteudo/aula_4.html 1/17
Introdução
No capítulo anterior, você aprendeu que a leitura não se restringe à linguagem
verbal, pois nós estamos aptos a atribuir significados a qualquer  tipo de texto,
seja ele visual ou sonoro, apresentado em diferentes modalidades e suportes.
Por outro  lado,  também foi reiterado que os significados não existem, prontos,
para serem simplesmente abstraídos de algum  lugar, pois são o  resultado de
nossa interação com os textos, o que está em processo de constante mudança
ao  longo  do  tempo.  Nesse  sentido,  a  leitura  é  um  processo  dinâmico  que
envolve  a  interação  entre  as  intenções  do  autor,  asestruturas  utilizadas  para
construir o texto bem como os repertórios do próprio leitor.
Uma das primeiras escolhas que um autor deve fazer quando produz um texto
diz  respeito  à  sua  estrutura mais  geral  –  seu gênero  ou  sua  tipologia  –  que,
frequentemente,  encontra­se  de  forma mais  ou menos  fixa  em  nossa  cultura.
Nós costumamos classificar o que lemos em gêneros jornalísticos, acadêmicos,
televisivos,  informativos,  cinematográficos,  literários  etc,  e  cada  um  desses
gêneros  tem  alguns  traços  característicos,  que  os  distinguem  dos  demais.
Esses traços formam estruturas que se mantêm mais ou menos constantes ao
longo do tempo. Assim sendo, é possível descrever os gêneros como estruturas
pré­existentes das quais o autor se utiliza, inicialmente, para compor seu texto
específico e criar seus percursos próprios.
No  presente  capítulo,  você  entrará  em  contato  com  a  estrutura  de  um  tipo
específico  de  texto,  a  saber,  o  texto  literário.  Conhecer  a  estrutura  da  obra
literária  pode  ajudar  a  compreender  melhor  alguns  sentidos  previstos  para
serem  reconhecidos  na  obra.  Por  outro  lado,  você  não  deve  esquecer  que  a
leitura  não  se  resume  simplesmente  à  “decodificação”  dessas  características,
pois, em última análise, é o leitor que constrói significados específicos em sua
interpretação,  quando,  a  partir  de  seus  próprios  repertórios  culturais  e
cognitivos,  interage com os significados previstos pelo autor bem como com a
estrutura da obra.   
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O que é um texto literário?
Apesar  de  aparentemente  óbvio,  não  é  muito  fácil  definir  os  traços  que
distinguem um  texto  literário  de  outros  textos,  pois,  se  olharmos  rapidamente
para os  livros  que geralmente  são  considerados  literatura,  perceberemos  que
há  uma  grande  variedade  de  estilos  e  temáticas.  Na  escola,  aprendemos
nomes de grandes autores, como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice
Lispector, entre outros, como bons exemplos de autores literários. Nós também
aprendemos que alguns romances e histórias – como os romances açucarados
destinados  ao  público  feminino,  por  exemplo  –  não  são  realmente  literários,
porque  estão  voltados  apenas  para  o  entretenimento  fácil  e  a  diversão,
afastando­se  do  conceito  da  literatura  enquanto  arte.  Por  outro  lado,  os
manuais de literatura listam as Cartas de viajantes como Pero Vaz de Caminha
e  os  Sermões  de  Padres  como  Antônio  Vieira  como  parte  da  literatura
brasileira. Diante dessa heterogeneidade, como definir a literatura?
Heterogeneidade literária
CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA 
A MORENINHA, DE JOAQUIM MANUEL DE MACEDO
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O teórico norte­americano Jonathan Culler sugeriu que definir a literatura
é  como  definir  a  erva  daninha:  não  existe  nada,  na  essência  de  uma
planta,  que  a  torne  uma  erva  daninha.  Nós  é  que  atribuímos  o  caráter
daninho a uma planta, quando ela cresce em um lugar onde achamos que
não deveria crescer. Por  isso, Terry Eagleton afirma que a  literatura não
pode ser definida a partir de sua essência (o que ela é), pois nenhum texto
possui uma qualidade inerente que permita afirmar que é  literário em si. 
Para definir a literatura, portanto, é necessário entender quais textos são
considerados  literários ao  longo da história e as razões pelas quais  isso
ocorre,  mesmo  que,  muitas  vezes,  essas  razões  acabem  mudando  ao
longo do tempo. Alguns textos foram considerados altamente literários em
certos períodos e, depois, acabaram no esquecimento, sendo que outros
não  foram  valorizados  na  época  em  que  foram  escritos,  mas  foram
celebrados mais tarde.
– LITERATURA E NÃO­LITERATURA
A MOÇA TECELÃ
Marina Colasanti[1]
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas
da noite.  E logo sentava­se ao tear.
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Linha clara, para começar o dia.  Delicado traço cor da luz, que ela ia passando
entre os  fios estendidos, enquanto  lá  fora a claridade da manhã desenhava o
horizonte.
Depois  lãs mais vivas, quentes  lãs  iam  tecendo hora a hora, em  longo  tapete
que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na
lançadeira  grossos  fios  cinzentos  do  algodão  mais  felpudo.    Em  breve,  na
penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos
rebordava sobre o tecido.  Leve, a chuva vinha cumprimentá­la à janela.
Mas  se  durante  muitos  dias  o  vento  e  o  frio  brigavam  com  as  folhas  e
espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados,
para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
  Assim,  jogando  a  lançadeira  de  um  lado  para  outro  e  batendo  os  grandes
pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada  lhe  faltava.    Na  hora  da  fome  tecia  um  lindo  peixe,  com  cuidado  de
escamas.  E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido.  Se sede
vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete.  E à noite, depois de
lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
Tecer era tudo o que fazia.  Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e
pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não  esperou  o  dia  seguinte.   Com  capricho  de  quem  tenta  uma  coisa  nunca
conhecida,  começou a entremear no  tapete as  lãs e as cores que  lhe dariam
companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto
barbado, corpo aprumado, sapato engraxado.  Estava justamente acabando de
entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem  precisou  abrir.    O moço meteu  a mão  na maçaneta,  tirou  o  chapéu  de
pluma, e foi entrando em sua vida.
Aquela  noite,  deitada  no  ombro  dele,  a  moça  pensou  nos  lindos  filhos  que
teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo
os esqueceu.  Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou
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a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
—  Uma  casa melhor  é  necessária —  disse  para  a mulher.    E  parecia  justo,
agora que eram dois.  Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios
verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
—  Para  que  ter  casa,  se  podemos  ter  palácio?  —  perguntou.    Sem  querer
resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
Dias  e  dias,  semanase  meses  trabalhou  a  moça  tecendo  tetos  e  portas,  e
pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía  lá  fora, e ela não tinha tempo
para  chamar  o  sol. A  noite  chegava,  e  ela  não  tinha  tempo para  arrematar  o
dia.  Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando
o ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio  ficou pronto. E entre  tantos cômodos, o marido escolheu para
ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta
à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso  tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de
luxos, os cofres de moedas, as salas de criados.   Tecer era  tudo o que  fazia.
Tecer era tudo o que queria fazer.
E  tecendo, ela própria  trouxe o  tempo em que sua  tristeza  lhe pareceu maior
que  o  palácio  com  todos  os  seus  tesouros.    E  pela  primeira  vez  pensou  em
como seria bom estar sozinha de novo.
Só  esperou  anoitecer.  Levantou­se  enquanto  o marido  dormia  sonhando  com
novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da
torre, sentou­se ao tear.
Desta  vez  não  precisou  escolher  linha  nenhuma.  Segurou  a  lançadeira  ao
contrário, e jogando­a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu
tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins.  Depois
desteceu  os  criados  e  o  palácio  e  todas  as  maravilhas  que  continha.  E
novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A  noite  acabava  quando  o  marido  estranhando  a  cama  dura,  acordou,  e,
espantado,  olhou  em volta. Não  teve  tempo de  se  levantar. Ela  já  desfazia  o
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desenho escuro dos sapatos, e ele  viu  seus pés desaparecendo,  sumindo as
pernas.    Rápido,  o  nada  subiu­lhe  pelo  corpo,  tomou  o  peito  aprumado,  o
emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E
foi passando­a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu
na linha do horizonte.
­ TEXTO NÃO­LITERÁRIO:
Julie (Powell) & Julia (Child)[2]
Poucos gêneros de escrita  foram  tão enxovalhados quanto os blogs. Nem os
poetas  marginais  dos  anos  80,  nem  a  imprensa  de  oposição  dos  anos  60,
poucas categorias foram tão desacreditadas quanto a dos blogueiros. Os blogs
apanham desde que nasceram, no final dos anos 90 nos EUA. E no Brasil, no
início  dos  anos  2000,  foram  comparados  ao  gênero  mais  desqualificado  de
literatura, o diário adolescente. Numa época em que ninguém mais sabe o que
é poesia — e na qual poetrastros não abundam como antigamente — comparar
alguém  que  escreve  a  um  diarista  adolescente  é  a  maior  humilhação
concebível. Portanto, um filme em que, justamente, a heroína é uma blogueira
tem  lá o seu mérito. Nem que seja o da novidade. E, claro, ela é  inicialmente
humilhada  no  próprio  filme:  sua  mãe  —  como  é  praxe  —  questiona  seus
propósitos, duvida da sua audiência e aconselha que ela desista antes mesmo
de começar. Julie Powell, a blogueira em questão, era uma apagada funcionária
de baia — numa empresa de  telemarketing —, quando decidiu extravasar sua
paixão  por  cozinhar. Abordando um  clássico  da  literatura  americana,  de  Julia
Child, propôs a si mesma o desafio de executar uma receita por dia, e divulgar
os resultados no blog. Como num conto de fadas na era da internet, seus posts
vão chamando a atenção, ela mistura vida pessoal — é evidente —, e, do site
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da  revista  eletrônica  Salon,  ela  migra  para  as  páginas  do New  York  Times.
Lógico que, na vida real, os maiores detratores dos blogueiros sempre foram os
jornalistas  de  papel,  e  parece  assaz  inverossímil  que  algum  repórter  fosse
chamado para cobrir... um blogger. Mas aconteceu. O blog de Julie Powell virou
livro. (E filme...) Em paralelo, é contada a história da mesma Julia Child, que a
inspirou.  E,  ao  contrário  do  que  Julie  imaginava,  Julia  teve  igualmente  suas
crises  existenciais:  não  foi  de  início  aceita  na  escola  de  culinária  Le  Cordon
Bleu  (por  ser  mulher);  foi  quase  ludibriada  por  uma  de  suas  colegas  (que
desejava  ter  crédito nas  receitas  sem  trabalhar);  e  lutou bravamente para ver
seu livro publicado (não foi aceita "de primeira"). É fato que os blogs caíram de
moda,  com  a  ascensão  de  outras  redes  como  o  Facebook  e  o  Twitter  (a
chamada rede de microblogs), mas o filme ilustra, ainda que simplificadamente,
a  gênese  de  uma  empreitada  autoral  na  internet.  Os  blogs  talvez  sejam  um
"momento"  da  Web,  mas —  como  a  geração  mimeógrafo  e  os  pasquins  da
ditadura  —  deixam  suas  marcas  nos  corações  e  mentes  daqueles  que
ganharam (ou perderam) alguma coisa com eles.
Historicamente,  uma  das  principais  características  atribuída  à  literatura  é  a
ficcionalidade,  que  está  diretamente  ligada  a  outra  característica  igualmente
importante:  a  criatividade  do  autor  para  engendrar  mundos  possíveis,  sendo
que estes, de alguma maneira, sempre nos revelam algo sobre a realidade em
que estamos envoltos bem como sobre nós mesmos. A história trágica de Édipo
Rei, por exemplo, escrita há mais de dois mil anos, jamais ocorreu de fato, mas
as  várias  interpretações  que  recebeu,  ao  longo  de  todos  esses  anos,  têm
revelado inúmeras facetas da condição humana. O psicanalista Sigmund Freud,
por exemplo,  chegou a desmitificar o  célebre complexo de Édipo  à  luz  dessa
história.  Em  poucos  termos,  a  capacidade  que  algumas  obras  possuem  para
serem  lidas  e  relidas  ao  longo  dos  anos  e,  mesmo  assim,  permanecerem
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atuais, é certamente uma das principais características de uma obra literária.
No entanto, se é verdade que a ficção é um traço importante da literatura, por
outro  lado,  não  pode  ser  utilizada  como  critério  absoluto  para  sua  definição,
pois  muitos  textos  literários  aproveitam  acontecimentos  históricos  em  sua
estrutura narrativa. Além disso, também o critério da criatividade é complexo e
controvertido,  pois, muitas  vezes,  é  difícil  chegar  a  um  consenso  sobre  essa
questão. Muitos autores hoje consagrados não  foram considerados criativos à
sua época. Talvez uma boa maneira para resumir a discussão sobre o conceito
de  literatura  é  afirmar  que  se  trata  de  um  uso  específico  da  linguagem,  com
finalidade  artística. Ou  seja,  em  última  análise,  literatura  é  a arte  da  palavra,
não obstante as controvérsias que persistem sempre que se procura julgar uma
obra como artística ou não artística.
Os  textos  literários  produzidos  ao  longo  da  história  ocidental  variam  muito
quanto à forma e às temáticas. Por isso, na Teoria da Literatura, costumam ser
divididos,  ainda  hoje,  de  acordo  com  uma  tipologia  sugerida  pelo  filósofo
Aristóteles,  que  os  classificava  em  Textos  Épicos,  Textos  Líricos  e  Textos
Dramáticos. Para simplificar um pouco, nós podemos considerar como épicos
os textos literários que seguem uma estrutura narrativa, ou seja, aqueles textos
regidos por sequências de ações que acontecem em um determinado tempo e
espaço. Os textos  líricos têm sido considerados como aqueles escritos a partir
de versos que valorizam a musicalidade das palavras, ao mesmo tempo em que
abordam  temáticas mais  subjetivas  e  intimistas.  Já  os  textos  dramáticos,  por
sua vez,são textos narrativos produzidos para serem encenados, por atores, no
palco.
– Como ler a poesia lírica? 
Retrato
Cecília Meirelles
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
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eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?
O traço mais importante dos textos que nós chamamos de poesia ou de poesia
lírica é, sem dúvida, a sonoridade.  O próprio conceito “lírico” provém de “lira”,
pois, na Antiguidade, os poemas não eram feitos para serem recitados sem o
acompanhamento deste ou de outros instrumentos musicais, a exemplo do que
acontece, ainda hoje, com as letras das canções populares. Bons compositores
são aqueles capazes de criar não apenas melodias, arranjos e ritmos musicais,
mas também letras dotadas de musicalidade e ritmo.
Observe  os  quatro  primeiros  versos  do  famoso  poeta  português  Luis  de
Camões:
O amor é o fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer
Você certamente já ouviu a belíssima melodia que acompanha esses versos, na
composição do grupo Legião Urbana. Essa melodia, geralmente cantada pelo
próprio compositor ou por algum intérprete, está inserida em um arranjo musical
que  envolve  vários  instrumentos,  alguns melódicos  e  outros  de  percussão,  o
que  produz  um  forte  efeito  estético­musical,  a  cada  vez  que  a  ouvimos.  No
entanto, quando  foi escrito, no século XVI, esse poema era apreciado apenas
pelos  efeitos  de  musicalidade  do  próprio  texto,  que  independem  dos
instrumentos e da melodia que o acompanham hoje na voz de Renato Russo.
Mas como reconhecer esses efeitos textuais?
Inicialmente,  chama  atenção  o  fato  de  todos  os  versos  respeitarem
rigorosamente uma métrica que divide cada um deles em 10 sílabas poéticas
(os encontros vocálicos contam como uma única sílaba). Além disso, as últimas
sílabas  do  primeiro  e  do  quarto  verso  são  idênticas,  assim  como  as  últimas
sílabas do  segundo e  terceiro  verso. Esse  fenômeno é  chamado de  rima. Os
recursos da métrica e da rima conferem ritmo e musicalidade aos versos, que é
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realçada devido à repetição de alguns sons, como, por exemplo, sons fricativos
(fogo  que  arde  sem se  ver)  e  a  vogal  e  (fogo  que  arde  sem  se  ver).  Outro
aspecto típico do lirismo é, além da temática intimista do amor, o uso intenso de
figuras  de  linguagem,  principalmente  a  metáfora.  Aqui,  o  amor  é  descrito
visualmente,  através  do  fogo  e  da  ferida. Mas  também  é  descrito  a  partir  de
sensações opostas, como a dor e o contentamento.
Atualmente,  os  poemas  e  as  boas  canções  não  seguem,  necessariamente,
esquemas  rítmicos  tão  rígidos.  Na  própria  composição  de  Renato  Russo,
algumas estrofes são feitas com versos livres, o que não significa, contudo, que
não  tenham  ritmo    e  sonoridade.  O  que  ocorre  é  que,  nesses  casos,  o
poeta/compositor  faz  uso  de  sua  liberdade  para  criar  novos  ritmos  e  novas
sonoridades, para além daqueles já cristalizados pela forma poética tradicional.
Os dois primeiros versos da composição de Renato Russo não são simétricos,
mas, mesmo assim, possuem ritmo e sonoridade:
– Monte Castelo, de Renato Russo (LETRA E MÚSICA)
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal,
Não sente inveja ou se envaidece.
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Leitura de poemas hipertextuais e hipermidiáticos.
Diferente  do  que  ocorre  na  poesia,  cuja  estrutura  textual  é  construída
principalmente  através  do  ritmo,  da  musicalidade  e  do  poder  sugestivo  das
figuras  de  linguagem,  a  narrativa  possui  uma  estrutura  construída  a  partir  de
uma ou várias sequências de ações. Essa estrutura é geralmente chamada de
enredo, trama, história, entre outros. Narrativas mais curtas, como as crônicas e
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os  contos,  por  exemplo,  possuem  poucas  sequências  narrativas.  Novelas  e
romances,  por  outro  lado,  são  construídas a  partir  de  vários  feixes de ações,
que se entrelaçam de modo muitas vezes complexo e surpreendente.
De forma didática e simplificada, é possível dizer que a leitura de uma narrativa
literária  segue  dois  planos  paralelos:  no  primeiro  plano,  o  leitor  precisa
compreender  o  enredo  da  história,  a  partir  de  seu  começo, meio  e  fim.  Para
tanto, é necessário, primeiro, conhecer as personagens que realizam as ações
do enredo, bem como o espaço e o tempo em que essas ações são realizadas.
Além disso, o leitor também precisa se perguntar pelo narrador da história. Um
assassinato  cometido  pelo  próprio  narrador  –  isso  ocorre,  por  exemplo,  no
famoso conto Gato Negro, de Edgar Allan Poe, na história Diário do Farol,  de
João Ubaldo Ribeiro, entre outros – é muito diferente de um crime contado em
terceira  pessoa,  por  um  narrador  que  não  se  caracteriza  como  uma  das
personagens do enredo – por exemplo, o famoso livro O crime do Padre Amaro,
do escritor português Eça de Queirós.
Fragmento do conto Feliz Aniversário, de Clarice Lispector,  abaixo:
A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito
bem  vestidos  porque  a  visita  significava  ao  mesmo  tempo  um  passeio  a
Copacabana.  A  nora  de  Olaria  apareceu  de  azul­marinho,  com  enfeite  de
paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por
razões óbvias: não queria ver os  irmãos. Mas mandara sua mulher para que
nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido
para  mostrar  que  não  precisava  de  nenhum  deles,  acompanhada  dos  três
filhos: duas meninas  já de peito nascendo,  infantilizadas em babados cor­de­
rosa  e  anáguas  engomadas,  e  o menino  acovardado  pelo  terno  novo  e  pela
gravata.Tendo Zilda — a  filha com quem a aniversariante morava — disposto
cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar,
a  nora  de  Olaria,  depois  de  cumprimentar  com  cara  fechada  aos  de  casa,
aboletou­se  numa  das  cadeiras  e  emudeceu,  a  boca  em bico, mantendo  sua
posição  de  ultrajada.  “Vim  para  não  deixar  de  vir”,  dissera  ela  a  Zilda,  e  em
seguida  sentara­se  ofendida.  As  duas  mocinhas  de  cor­de­rosa  e  o  menino,
amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude  tomar e  ficaram
de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul­marinho e com os
paetês.
Depois  veio  a nora  de  Ipanema  com dois netos  e  a babá.  O marido  viria
depois. E como Zilda — a única mulher entre os seis irmãos homens e a única
que,  estava  decidido  já  havia  anos,  tinha  espaço  e  tempo  para  alojar  a
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aniversariante — e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada
os  croquetes  e  sanduíches,  ficaram:  a  nora  de Olaria  empertigada  com  seus
filhos  de  coração  inquieto  ao  lado;  a  nora  de  Ipanema  na  fila  oposta  das
cadeiras  fingindoocupar­se  com  o  bebê  para  não  encarar  a  concunhada  de
Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta.
E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove
anos.
Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa cedo, enchera­a de guardanapos de
papel colorido e copos de papelão alusivos à data, espalhara balões sungados
pelo teto em alguns dos quais estava escrito “Happy Birthday!”, em outros “Feliz
Aniversário!”  No centro havia disposto o enorme bolo açucarado. Para adiantar
o expediente, enfeitara a mesa logo depois do almoço, encostara as cadeiras à
parede, mandara os meninos brincar no vizinho para não desarrumar a mesa.
No segundo plano da leitura, é importante lembrar que uma narrativa literária se
diferencia de qualquer outro tipo de história – um caso de assassinato relatado
em  jornais  ou  em  revistas,  por  exemplo  –  devido  ao  seu  aspecto  artístico  e
ficcional.  Isso  quer  dizer  que,  na  literatura,  qualquer  elemento  estrutural  da
narrativa – ações, tempo, espaço, personagens, narrador – adquire um caráter
aberto, metafórico, sugestivo,  interpelando o  leitor para que enxergue mais do
que apenas o plano linear da história propriamente dita. No conto "Siestas", do
argentino Julio Cortázar, por exemplo, o tempo adquire um caráter metafórico a
partir da “hora da sesta”, um hábito cultivado pela personagem principal Wanda.
O pesquisador Ubiratan Paiva de Oliveira nos explica que, nesse conto, a hora
da sesta é uma metáfora do mundo de sonhos que esse momento pode muitas
vezes suscitar. Além disso, nesse mesmo conto, também os espaços adquirem
significado metafórico, pois a personagem Wanda transita entre a casa de suas
tias  repressoras  e  a  casa  da  amiga  Teresita.  O  primeiro  espaço  lhe  causa
pesadelos e pode ser lido como metáfora da repressão, falta de sonho, falta de
alegria;  já  o  segundo  espaço  adquire  significados  como  a  liberdade,  a
criatividade, a alegria.
O  elemento  estrutural  mais  carregado  de  possibilidades  interpretativas,  em
grande  parte  das  narrativas  literárias,  é  a  personagem.  Muitas  vezes,  a
personagem  principal  também  é  narrador  da  própria  história.  Geralmente,
quando isso acontece, o  leitor é como que captado para o campo de visão da
personagem,  tornando­se  uma  espécie  de  cúmplice  de  seus  conflitos.  Isso
ocorre,  por  exemplo,  no  livro  Lavoura Arcaica,  de  Raduan  Nassar.  Ao  narrar
sobre  seus  desejos  incestuosos  pela  irmã,  o  personagem  André  acaba
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conquistando, senão a aprovação, pelo menos a simpatia do leitor ao longo da
história. Mas muitas  histórias  representam a  personagem a  partir  de  um  foco
distante, em terceira pessoa. Podemos exemplificar retomando o  livro O crime
do Padre Amaro: nele, a personagem Amaro está sendo representada, por um
narrador  desconhecido,  como  um  símbolo  da  corrupção  eclesiástica.  Para
resumir, em uma leitura literária, deve­se perguntar pelos sentidos metafóricos
que cada personagem pode adquirir a partir das ações que realiza ao longo do
enredo.
Para  finalizar  esta  seção,  é  importante  ressaltar  que,  assim  como  a  poesia,
também  a  narrativa  tem  se  modificado  constantemente  a  partir  dos  últimos
anos, devido à influência de várias mídias, como o cinema, a televisão e, hoje, a
internet. Uma das principais consequências da migração das narrativas para a
internet é que, no ambiente digital, as histórias podem se desdobrar através de
diferentes  plataformas  de  mídia  (do  livro  para  a  televisão,  histórias  em
quadrinhos,  jogos  interativos,  youtube  etc...),  formando  um  universo  narrativo
muito amplo e complexo, que abarca diversas plataformas. Os pesquisadores
Glaucio  Aranha  &  Alfred  Sholl­Franco  nos  explicam  que  esse  fenômeno  é
chamado de transmídia. Eles também esclarecem que, apesar de ser possível
ler  cada  história  isoladamente,  se  quiser  compreender  essa  grande  narrativa
transmídia,  o  leitor  será  desafiado  a  explorar  diferentes  ambientes  dentro  do
ciberespaço.  Em  termos  literários,  talvez  as  narrativas  criadas  dentro  desse
universo  estejam  nos  desafiando  a  interpretar  os  vários  aspectos  da  cultura
digital em que nós estamos hoje estamos inexoravelmente imersos.
– Leitura de uma narrativa transmídia
PESQUISE  NA  INTERNET  O  FRAGMENTO  DA  HQ  O  ALIENISTA,
ADAPTADO DO CONTO HOMÔNIMO DE MACHADO DE ASSIS.
RECAPITULANDO
O  capítulo  4  aborda  questões  relativas  à  linguagem  literária  e  não­literária,
mostrando, especialmente, que textos literários possuem linguagem específica,
repleta  de  figuras.  Assim,  a  leitura  não  se  resume  simplesmente  à
“decodificação” dessas características, pois, é o leitor que constrói significados
específicos em sua interpretação.
EXERCÍCIOS
1. Marque a alternativa correta.
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a) A  leitura  é  um processo  dinâmico  que  ocorre  entre  as  intenções  do autor,
asestruturas utilizadas para construir o texto be
b)  A  leitura  é  um  processo  que  estático  que  ocorre  entre  o  autor  e  o  leitor
exclusivamente.
c) A leitura é um processo natural, sem a intervenção direta do autor.
d) A leitura acontece a partir das intenções do autor e orepertório do leitor.
e) A leitura é um processo dinâmico que ocorre entre a relação do leitor com o
texto.
2.  Costumamos  classificar  o  que  lemos  em  gêneros
jornalísticos, acadêmicos, televisivos, informativos, cinematográficos, literários etc,
e cada um desses gêneros possui traços característicos, os quais os distinguem
dos demais. Nessa perspectiva, gênero constitui­se em:
a) Tipos de textos.
b) Textos que o autor utiliza para compor outros textos específicos.
c) Estruturas pré­existentes, que o autor utiliza,  inicialmente, para compor seu
texto específico e criar percursos próprios.
d) Estruturas fixas que permitem a criação de novos textos.
e)  Estruturas  que  permanecem  constantes  para    que  o  autor  crie  caminhos
próprios.
3. O  texto  literário  varia  quanto  à  forma  e  à  temática.  Assim,  o  texto  literário
pode  ser  dividido,  de  acordo  com  uma  tipologia  sugerida  pelo  filósofo
Aristóteles, em:
a) Poesia e prosa.
b) Texto clássico e texto moderno.
c) Texto literário e não­literário.
d) Texto épico, lírico e dramático.
e) Texto verbal e texto visual.
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4. Assinale a alternativa que não contém uma informação correta a respeito do
conteúdo do capítulo IV.
a) A estrutura  textual do poema é construída principalmente através do  ritmo,
da musicalidade e do poder sugestivo das figuras de linguagem.
b)  A  narrativa  possui  uma  estrutura  construída  a  partir  de  somente  uma
sequência de ações.
c) A estrutura da narrativa é geralmente chamada de enredo, trama, história.
d) A crônica e o conto, considerados narrativas mais curtas, possuem poucas
sequências narrativas.
e) Novelas e romances são construídos a partir de vários feixes de ações, que
se entrelaçam de modo muitas vezes complexo e surpreendente.
5.  Assinale  a  alternativa  que  preenche  corretamente  as  lacunas  da  seguinte
afirmação:  o  elemento  ____ mais  carregado  de  possibilidades  interpretativas,
em grande parte das narrativas literárias, é ____.
a) Estrutural; o tempo.
b) Literário; a personagem.
c) Temporal; o espaço.
d) Narrativo; o foco narrativo.
e) Estrutural; a personagem.
GABARITO
1. A
2. C
3. D
4. B
E
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ANTONIO,  Jorge  Luiz.  Poesia  digital:  teoria,  história,  antologias.  São  Paulo:
Navegar Editora, 2010.
ECO, Umberto. A história da beleza. Rio de Janeiro: Record, 2004.
KIRCHOF, Edgar Roberto (org.). Novos Horizontes para a Teoria da Literatura e
das  Mídias:  Concretismo,  Ciberliteratura  e  Intermidialidade.  Canoas:  Ed.  da
ULBRA, 2012.
KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Coerência e Ensino. In: A
Coerência Textual. São Paulo: Contexto, 2006. p.101­110.
RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.
[1] Marina Colasanti (1938) nasceu em Asmara, Etiópia; morou 11 anos na
Itália  e  desde  então  vive  no  Brasil.    Publicou  vários  livros  de  contos,
crônicas, poemas e histórias  infantis.   Recebeu o Prêmio Jabuti  com Eu
sei, mas não deviae também por Rota de Colisão. Casada com o escritor e
poeta  Affonso  Romano  de  Sant'Anna.  (Do  livro  Doze  Reis  e  a  Moça  no
Labirinto do Vento, Global Editora: Rio de Janeiro, 2000.)
[2] FONTE: www.digestivocultural.com

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