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A Filosofia no Feudalismo Introdução ao Contexto Feudal O período conhecido como Feudalismo, que se estendeu aproximadamente do século V ao século XV na Europa Ocidental, foi caracterizado por uma estrutura social, política e econômica descentralizada e hierárquica. A base desta sociedade era a relação de suserania e vassalagem, a posse da terra (feudo) como principal fonte de riqueza e poder, e uma ordem social tripartida: oratores (aqueles que rezam - o clero), bellatores (aqueles que guerreiam - a nobreza), e laboratores (aqueles que trabalham - os camponeses). Neste contexto, a Igreja Católica não era apenas uma instituição religiosa, mas a força unificadora e a principal depositária da cultura e do saber. A filosofia, portanto, estava intrinsecamente ligada à teologia, buscando harmonizar a razão humana com a fé cristã. A Patrística: Fundamentos Iniciais O primeiro grande período da filosofia cristã, que lança as bases para o pensamento medieval, é a Patrística (séculos I ao VIII. Os Padres da Igreja, como eram conhecidos, dedicavam-se à defesa da fé contra heresias e à formulação dos dogmas cristãos. O principal expoente da Patrística é Santo Agostinho 354430, cuja obra serviu de espinha dorsal para o pensamento feudal por séculos. Principais Temas Agostinianos: ● A Iluminação Divina: Agostinho adota uma abordagem platônica, argumentando que o conhecimento verdadeiro e as verdades eternas não são alcançadas pela experiência sensorial, mas sim pela "iluminação" direta da mente pela graça de Deus. ● Tempo e Memória: Em Confissões, ele desenvolve uma profunda reflexão sobre a natureza do tempo, definindo-o como uma distensão da alma (distentio animi), existente apenas no presente, através da memória (passado) e da expectativa (futuro). ● A Cidade de Deus (De Civitate Dei): Sua obra monumental que estabelece uma dualidade entre a Cidade de Deus (aquela dos eleitos, orientada pelo amor a Deus) e a Cidade Terrena (orientada pelo amor próprio, marcada pelo pecado). Esta visão influenciou a política e a teologia medievais, justificando a primazia da Igreja. O Período Intermediário Séculos IX ao XI Após o declínio do Império Romano e o estabelecimento dos reinos bárbaros, houve um período de menor atividade filosófica e intelectual, conhecido por alguns como a "Idade das Trevas" (embora essa denominação seja frequentemente contestada). O conhecimento clássico foi preservado principalmente nos mosteiros e nas escolas episcopais. Instituição Função na Preservação do Saber Mosteiros Cópia de manuscritos Scriptorium), estudo da Bíblia e dos Padres da Igreja. Escolas Episcopais Centros de formação para o clero e, posteriormente, embriões das futuras universidades. Palácio de Person Centralização do conhecimento sob o Império Carolíngio Renascença Carolíngia). Durante este tempo, a filosofia limitou-se, em grande parte, ao estudo das Sete Artes Liberais (o Trivium: Gramática, Retórica, Dialética; e o Quadrivium: Aritmética, Geometria, Astronomia, Música), mantendo vivo o estudo da lógica de Aristóteles através de comentadores tardios. A Escolástica: O Auge da Filosofia Feudal A Escolástica (séculos IX ao XV é o período mais importante da filosofia medieval, coincidindo com o renascimento urbano e a fundação das primeiras universidades (como Bolonha, Paris e Oxford), a partir do século XII. O nome deriva de schola (escola) e designa a filosofia ensinada nestas novas instituições. O objetivo central da Escolástica era conciliar a fé cristã (revelação) com a razão (filosofia), culminando na famosa máxima de Anselmo de Cantuária: "Fé em busca de entendimento" (Fides quaerens intellectum). O Debate dos Universais Um dos debates mais fundamentais da Escolástica, que moldou todo o pensamento subsequente, foi o "Debate dos Universais". A questão era: as ideias gerais (como "humanidade", "beleza", "cão") existem na realidade ou são apenas nomes criados pela mente humana? Posição Representante Descrição Realismo Extremo Santo Anselmo Os universais existem antes das coisas ( ante rem); eles são as formas platônicas na mente de Deus. Nominalismo Roscelino de Compiègne Os universais são apenas nomes (flatus vocis - sopro de voz) sem existência real; existem apenas os indivíduos. Conceitualismo Pedro Abelardo Os universais existem na mente ( in mente), como conceitos abstratos formados a partir da observação das coisas. Realismo Moderado Tomás de Aquino Os universais existem nas coisas (in re) como essências e são conhecidos pela abstração intelectual. O Apogeu: Santo Tomás de Aquino Santo Tomás de Aquino 12251274 é o maior expoente da Escolástica e um dos pensadores mais influentes da história ocidental. Sua obra principal, Suma Teológica, representa a síntese definitiva entre a filosofia de Aristóteles e a teologia cristã. A redescoberta das obras completas de Aristóteles (graças à tradução de textos árabes e judeus), que havia sido em grande parte perdido no Ocidente, representou um desafio, pois o pensamento aristotélico era puramente racional e não dependia da Revelação. Tomás de Aquino dedicou-se a "cristianizar" Aristóteles. A Síntese Tomista Razão e Fé) Tomás de Aquino estabelece uma distinção clara, mas complementar, entre o domínio da Razão Filosofia) e o domínio da Fé Teologia): ● Razão Conhecimento Natural): Obtido através da experiência sensível e da capacidade lógica humana. Trata de verdades acessíveis à razão (ex: a existência de Deus, provada pelas "Cinco Vias"). ● Fé Conhecimento Revelado): Obtido através da graça e da Revelação Divina Bíblia, Tradição). Trata de verdades inacessíveis à razão (ex: a Trindade, a Encarnação). Para Tomás de Aquino, nunca pode haver contradição entre a fé e a razão, pois ambas emanam de Deus. A filosofia (razão) é a "serva da teologia" (ancilla theologiae), ajudando a esclarecer e defender as verdades da fé. A Crise e o Declínio da Escolástica A partir do século XIV, o sistema tomista começou a ser questionado, marcando o início da dissolução da unidade entre fé e razão que caracterizou o período feudal. Guilherme de Ockham e o Nominalismo Tardiço Guilherme de Ockham (c. 12851349 é a figura chave desta fase tardia. Ele é famoso por seu princípio metodológico conhecido como Navalha de Ockham (Non sunt multiplicanda entia sine necessitate - As entidades não devem ser multiplicadas sem necessidade), que defende a explicação mais simples possível. Seu pensamento radicalizou o nominalismo, defendendo uma separação estrita entre fé e razão (o Fideísmo): ● Separação: As verdades da fé são aceitas unicamente pela crença e não podem ser provadas pela razão. ● Ênfase no Particular: Ockham argumenta que apenas os indivíduos existem. A mente humana é incapaz de conhecer a essência das coisas (universais); apenas pode ter intuições sobre as coisas individuais. Esta separação entre os domínios do natural (razão) e do sobrenatural (fé) abriu caminho para a autonomia da ciência e da filosofia nos séculos seguintes, marcando o fim do pensamento filosófico intrinsecamente feudal e preparando o terreno para o Renascimento. O Legado Filosófico do Feudalismo A filosofia no Feudalismo não foi um período de estagnação, mas sim de profunda sistematização do pensamento. Ela transformou o legado clássico Platão e Aristóteles) em uma estrutura coerente com o Cristianismo, estabelecendo as bases intelectuais para o desenvolvimento posterior da cultura ocidental. Os monges e os escolásticos preservaram e expandiram o conhecimento, transformando as escolas em universidades e definindo o método dialético de investigação que perdura até hoje. Período Foco Principal Pensador Chave Localização do Saber Patrística (séc. IVIII Defesa da fé; relação com o Platonismo Santo Agostinho Mosteiros e Escolas Episcopais Período Foco Principal Pensador Chave Localização do Saber Alta Escolástica(séc. IXXII Debate dos Universais; Lógica Pedro Abelardo Escolas Monásticas Média Escolástica (séc. XIII Síntese de Aristóteles e Cristianismo Santo Tomás de Aquino Universidades ( , Place Oxford) Baixa Escolástica (séc. XIV Separação Fé/Razão; Nominalismo Radical Guilherme de Ockham Universidades Para aprofundamento sobre a vida de Santo Agostinho e suas obras, consultar o volume . File A palestra sobre Tomás de Aquino na Universidade de Paris está agendada para : . Date Calendar event A Filosofia no Feudalismo Introdução ao Contexto Feudal A Patrística: Fundamentos Iniciais Principais Temas Agostinianos: O Período Intermediário (Séculos IX ao XI) A Escolástica: O Auge da Filosofia Feudal O Debate dos Universais O Apogeu: Santo Tomás de Aquino A Síntese Tomista (Razão e Fé) A Crise e o Declínio da Escolástica Guilherme de Ockham e o Nominalismo Tardiço O Legado Filosófico do Feudalismo