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V SEMINÁRIO IBERO-AMAERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO 
BELO HORIZONTE – DE 24 A 26 DE Outubro de 2017 
 
SÃO JOÃO DEL-REI EM SOBREPOSIÇÕES ARQUITETÔNICAS: 
análise morfológica dos estilos eclético e iphaniano 
DIAS, Diego Nogueira (1); DIAS, Maria Angela (2) 
 
1. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestrando em Arquitetura, Programa de Pós-Graduação 
em Arquitetura (PROARQ) 
Av. Pedro Calmon, 550 - Cidade Universitária, Rio de Janeiro - RJ, 21941-485 
diegofletcher@hotmail.com 
 
2. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Titular, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo; 
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura 
Av. Pedro Calmon, 550 - Cidade Universitária, Rio de Janeiro - RJ, 21941-485 
magedias@gmail.com 
 
RESUMO 
Com a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico - IPHAN, em 1937, após a instalação do 
Estado Novo, os intelectuais por trás do órgão, tais como Mário de Andrade e Rodrigo Melo Franco 
de Andrade, e os arquitetos do Movimento Moderno, com destaque a Sylvio de Vasconcellos, ao 
considerarem necessário compreender e definir culturalmente a nação brasileira, deram início à 
incessante busca pela definição de um 'estilo' arquitetônico genuinamente brasileiro. Assim, este 
artigo busca discutir a consolidação da desvalorização da arquitetura eclética no país a partir do 
pensamento dos agentes que criaram e estruturaram as políticas e o funcionamento do IPHAN, 
tomando como estudo de caso a cidade mineira de São João del-Rei. Após elegerem a arquitetura do 
período colonial como aquela genuína, tais agentes passaram a renegar e desvalorizar o ecletismo, 
por considerá-lo mera cópia de estilos pregressos, supérfluo e desprovido de significado. A partir da 
análise de fontes primárias nos arquivos do IPHAN em Belo Horizonte e em São João del-Rei, pôde-
se identificar como o pensamento modernista se materializou e consolidou o ecletismo como não-
arquitetura, promovendo demolições de fachadas ecléticas e a criação de um cenário semelhante ao 
do século XVIII na área central da cidade, constituindo edificações que aqui serão classificadas como 
em estilo iphaniano. A análise realizada na composição da fachada de uma edificação tomada como 
estudo de caso, em seus dois momentos (eclético e estilo iphaniano), permite identificar o traçado 
regulador na composição de um exemplar dos dois estilos em estudo, e enfatizar a consolidação do 
pensamento difundido pelos modernistas do IPHAN de que a arquitetura do período colonial é a que 
deve ser preservada, especialmente nas cidades históricas mineiras, e que a arquitetura eclética não 
é patrimônio passível de proteção e/ou valorização. 
Palavras-chave: arquitetura eclética; estilo iphaniano; IPHAN; São João del-Rei; arquitetura 
genuinamente nacional. 
V SEMINÁRIO IBERO-AMAERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO 
BELO HORIZONTE – DE 24 A 26 DE Outubro de 2017 
 
1. Introdução 
A presente pesquisa investiga, a partir do tombamento de São João del-Rei pelo Instituto do 
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN1, em 1938, as repercussões nesse núcleo 
urbano, com foco nas transformações em edificações ecléticas. Considera-se aqui que as 
formas de organização urbana e as relações político-sociais que na cidade se estabelecem 
são produtos sociais construtores da identidade são-joanense como “cidade colonial”. Este 
trabalho orienta-se por uma abordagem que mescla discussões da História às da 
Arquitetura, em suas subáreas de patrimônio histórico e análise da forma. 
São João del-Rei é um caso particular entre as cidades mineiras tombadas (como Ouro 
Preto, Mariana, Tiradentes e Diamantina), por apresentar estilos arquitetônicos distintos – 
do colonial ao contemporâneo, passando pelo imperial-neoclássico, eclético, art déco e 
modernista – todos convivendo em harmonia. É preciso refletir sobre o fato de que um 
núcleo urbano só pode ser considerado como histórico se expressar as transformações 
arquitetônicas sofridas ao longo de certo período, sem que haja intervenção arbitrária de 
órgãos responsáveis pela preservação patrimonial. 
A pesquisa busca compreender como o caso do tombamento de São João del-Rei 
exemplifica a predileção e o estabelecimento, por parte dos arquitetos modernistas do 
IPHAN, da arquitetura colonial como estilo genuinamente nacional. Para atingir essa 
questão, propõe-se investigar o recorte temporal delimitado pelo tombamento oficial da 
cidade, ocorrido em 1938, e a aposentadoria compulsória do arquiteto Sylvio de 
Vasconcellos (1916-1979) – chefe do IPHAN em Minas Gerais e principal articulador das 
intervenções realizadas em São João del-Rei – em 1969, como desdobramento do Ato 
Institucional n°.5. Enfatiza-se elementos diferentes daqueles já pesquisados, uma vez que 
busca-se destacar aspectos locais em detrimento da história institucional do IPHAN. 
Dessa forma, a pesquisa documental se constitui como a postura metodológica mais 
adequada para este trabalho. Por pesquisa documental, compreende-se a investigação que 
se funda em fontes impressas (ou de outros tipos) com vistas a elucidar um problema de 
ordem histórica (PIMENTEL, 2001). Desse modo, concebe-se que a construção do objeto de 
 
1 Nesta pesquisa, opta-se, em respeito aos nomes dados ao órgão ao longo do período investigado, pela 
utilização do termo IPHAN para denominar o atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que, 
dentro do recorte em estudo, já teve o nome de Serviço, e Diretoria. 
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pesquisa é condicionada pelo referencial teórico-metodológico e pelas fontes que 
constituem o corpus pesquisado. 
Assim, investiga-se a literatura acadêmica já produzida e fontes documentais coletadas no 
Centro de Documentação e Informação (CDI) do IPHAN em Belo Horizonte e no Museu 
Regional, em São João del-Rei. Nesses acervos, são encontrados documentos de diversos 
tipos (como fotografias, desenhos técnicos, relatórios de obras, mapas, telegramas e outras 
correspondências, etc.) a respeito de intervenções arquitetônicas realizadas na cidade 
mineira. Tais fontes foram lidas sistematicamente e organizadas em função do objetivo 
desta monografia. Para tanto, buscou-se identificar pistas, indícios e lacunas que 
permitissem descrever a ação do IPHAN e as transformações ocorridas durante o período. 
A partir da seleção de uma edificação para estudo de caso, a análise das características de 
sua forma, realizada na disciplina "Categorias morfológicas estruturais: atributos 
geométricos da forma dos lugares", ministrada pela professora Maria Angela Dias, no 
Programa de Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro 
(PROARQ/UFRJ), será aqui realizada de forma a explicitar a descaracterização e 
desvalorização do estilo eclético, em vista de se estabelecer um núcleo urbano "íntegro", 
com características "genuinamente brasileiras", como preconizavam os arquitetos 
modernistas criadores do IPHAN. Para chegar à análise da edificação em estudo, far-se-á 
um panorama da formação e consolidação do ecletismo no Brasil, para entendimento do 
que viria a acontecer em São João del-Rei. 
 
2. Da formação e consolidação do Ecletismo à criação do IPHAN 
Os estudos sobre a história da arquitetura dão conta de uma dificuldade em se definir o 
termo ecletismo. De um lado, há aqueles que caracterizam-no como uma mescla de estilos 
arquitetônicos produzidos em períodos anteriores; técnicas e formas arquitetônicas que 
foram apropriadas localmente. De outro, estão os estudiosos que afirmam que o ecletismo 
foi uma opção consciente pela diversidade de linguagens, não devendo ser caracterizado 
como um mero pastiche ou miscelânea. A partir de meados do século XIX iniciaram-se, 
principalmente, alterações nas fachadas das edificações buscando a inserção do 
proprietárioe de sua família no cotidiano visando o bem-estar proposto pela emergente vida 
moderna, além de projetos para novas edificações. 
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Moraes Sá (2004) argumenta que o ecletismo define a recomposição de estilos do passado, 
mediante uma mistura de elementos oriundos de diferentes períodos e países. Sua origem 
aconteceu na Europa do final do século XVIII, chegando em terras brasileiras a partir do 
século XIX e estreitamente relacionado com as transformações pelas quais passava o país. 
Sobre o ecletismo brasileiro, o mesmo autor afirma que ele se estabeleceu inicialmente mais 
como uma “importação de [... ] formas prontas e de modelos a copiar do que de ideias” 
(MORAES SÁ, 2004, p.28). Assim, fica evidenciado o papel social da arquitetura eclética 
entre os brasileiros. 
No mesmo debate sobre as definições de um ecletismo no Brasil, Rocha-Peixoto (2000, p.6) 
o define como “a arquitetura que associa num mesmo edifício referências estilísticas de 
diferentes origens” buscando expressar “dramaticidade, conforto, expressividade, luxo, 
emoção e exuberância” (2000, p.7). No Brasil, a presença desse estilo foi possível graças à 
chegada da mão-de-obra imigrante após a abolição da escravatura. Os imigrantes passaram 
a construir edificações a partir de técnicas, ferramentas e expressões de seus países de 
origem, bastante diferentes daquelas brasileiras – até então, marcadamente colonial e/ou 
imperial-neoclássica. 
No que tange às discussões próprias da Arquitetura, Rocha-Peixoto (2000) mostra ainda 
que o termo ecletismo muitas vezes foi considerado como expressão arquitetônica inferior, 
em função de se caracterizar por uma miscelânea de estilos. Essa mistura era considerada 
como menos importante e como um subproduto arquitetônico. Ressalta-se que é nesse 
panorama que se inserem os debates favoráveis ao tombamento de São João del-Rei e a 
conseqüente alteração de edificações localizadas nesse centro urbano tombado. 
Reis Filho (2010) também enfatiza elementos históricos ligados à presença da corte 
portuguesa para o estabelecimento da arquitetura eclética. Segundo esse pesquisador, do 
ponto de vista formal, a concepção de plantas arquitetônicas passou a considerar 
afastamentos laterais para melhor ventilação e iluminação natural dos cômodos e pondo fim 
às alcovas. Outro aspecto relevante é o posicionamento de telhados atrás de platibandas e 
frontões, nos quais, muitas vezes, registrava-se a data da construção da edificação, bem 
como a liberdade de engenheiros e arquitetos na concepção de composições de fachadas 
em releitura de estilos anteriores (REIS FILHO, 2010). 
Em certo sentido, a arquitetura eclética organizou os centros urbanos a partir do século XIX, 
uma vez que as fachadas das moradias passaram a identificar a elite e a burguesia 
emergente dessas localidades. Ressalta-se que muitas vezes os elementos constitutivos 
das edificações eram escolhidos em catálogos, enfatizando a posição social ocupada pelo 
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proprietário pela quantidade e exuberância de ornatos. Nesse sentido, Moraes Sá (2004) 
estabelece uma comparação entre a arquitetura do período e a preocupação com os 
elementos da moda, ou seja, o ecletismo constituía-se como um estilo para o consumo. 
Tendo em vista a consolidação das grandes cidades brasileiras sob o aspecto europeizado, 
e o já marcante Movimento Neocolonial que vinha ocorrendo desde 1923, visando 
consolidar a ideia de identidade nacional, Mario de Andrade, em 1936, cria o IPHAN, 
consolidado pelo Decreto-Lei 25/1937, no ano seguinte, regulamentando o mecanismo do 
tombamento no país. Capanema nomeia Rodrigo Mello Franco de Andrade, advogado, 
escritor e jornalista para dirigir o órgão, em um momento marcante tanto para as artes - com 
o movimento moderno, quanto para a política - com a instauração do Estado Novo, em 
1937, e o início da Ditadura de Getúlio Vargas (FONSECA, 2009). 
Como o IPHAN visava consolidar um estilo arquitetônico genuinamente nacional, de modo a 
definir as origens do país, ao analisarmos sua história, podemos perceber o total 
direcionamento da política oficial de proteção do patrimônio em torno do colonial e da 
arquitetura modernista. Até a década de 1970, das 600 edificações tombadas no país, 529 
eram do período colonial. Silvana Rubino afirma que nos primeiros anos da formação do 
IPHAN 
O país que foi passado a limpo formando um conjunto de bens móveis e 
imóveis tombados tem lugares e tempos privilegiados. Este conjunto 
documenta fatos históricos, lugares hegemônicos e subalternos, mapeando 
não apenas um passado, mas o passado que essa geração tinha olhos para 
ver e, assim, deixar como legado (RUBINO, 1996, p. 97). 
 
A ênfase em traçar uma linha direta – entre o colonial e a nova arquitetura modernista – 
sobre a história da arquitetura brasileira era tão marcante que, em 1948, um ano após a 
construção da sede do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro (hoje, Palácio 
Gustavo Capanema) de autoria de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, entre outros, o edifício já 
estava tombado. O imponente prédio, que teve consultoria de Le Corbusier durante sua 
concepção, inaugurava o modelo de arquitetura modernista no país, tornando-se referência 
no assunto e simbolizando uma nova projeção do Brasil mundo afora. 
O panorama de demolições de edifícios ecléticos alcançou o interior de Minas Gerais, a 
partir do que vinha ocorrendo nas grandes cidades. Nas cidades históricas mineiras, o 
ecletismo foi se esfacelando não para dar lugar a edifícios de vários pavimentos ou 
estacionamentos, mas para abrir espaço a falsos coloniais, que "harmonizariam" a 
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paisagem. Essas alterações buscavam dar um caráter mais homogêneo aos centros 
formados no século XVIII e justificariam seu processo de tombamento como conjunto 
arquitetônico. Foi o que aconteceu em São João del-Rei, como será mostrado a seguir. 
 
3. Às custas do Eclético: a atuação do IPHAN em São João del-Rei 
A formação do núcleo urbano de São João del-Rei se deu a partir da aglomeração 
populacional e de construções nos locais de mineração a partir de 1704. A essa 
aglomeração foi dada o nome de Arraial de Nossa Senhora do Pilar (LIMA, 1995). Naquele 
momento, as edificações eram bastante precárias e rapidamente cediam lugar ao avanço na 
busca do ouro, que estimulava a vinda de pessoas de diversas localidades (seja de Minas 
Gerais ou de outras províncias). A cidade sempre se adaptou ao longo de sua história, 
nunca havendo momento de grande decadência: ao se esgotarem as jazidas minerais, São 
João del-Rei se formou como importante centro administrativo no início do século XIX; e, 
anos mais tarde, mostrando uma significativa produção agropecuária. Com a chegada da 
Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), em 1881, nova dinâmica se estabeleceu na área 
urbana, com o escoamento da produção rural para a então capital Rio de Janeiro. Foi a 
partir da estrada de ferro que o ecletismo se firmou como estilo arquitetônico na cidade. 
Em pouco tempo a dinâmica urbana daquele espaço se modificou, com novas edificações à 
época "modernas", nos moldes do que se fazia no Rio de Janeiro. A atual avenida Hermilo 
Alves, contígua ao prédio da estação ferroviária, pode ser considerada hoje o maior conjunto 
eclético da cidade. Toda essa modificação na área central abriu espaço para a arquitetura 
eclética nos terrenos vagos nesse entorno pouco explorado da estação, na margem do 
Córrego do Lenheiro oposta à da conformação inicial, poupando demolições no núcleo 
colonial do entorno das igrejas setecentistas da cidade. 
Tendo se consolidado a arquitetura eclética na área centralda cidade entre o final do século 
XIX e início do XX, a partir da segunda metade da década de 1940, após a criação do 
IPHAN, o estilo passou a ser visto como ameaça à arquitetura colonial presente no centro 
histórico e enfatizou-se a aversão dos intelectuais à frente do órgão por edificações com 
características ecléticas. Esses intelectuais alegavam que a arquitetura eclética era mera 
cópia de estilos, e que havia necessidade de intervenções em edificações construídas sob 
esses preceitos, de modo a estabelecer o retorno ao estilo arquitetônico colonial, o "original" 
da formação do núcleo urbano. Ressalta-se que esse "retorno" acontecia também em 
edificações que tiveram sua origem em tempos posteriores ao período colonial. Nesse 
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sentido, havia uma arbitrariedade por parte do órgão do patrimônio em delimitar um conjunto 
arquitetônico falsamente harmonioso e homogêneo como núcleo histórico. Nesse contexto, 
eram aprovados pelo IPHAN somente projetos em que janelas de guilhotina de madeira, 
telhado em duas águas com telha cerâmica tipo capa-canal e cachorrada sobre beirais 
estivessem presentes, constituindo o que aqui chamamos de "estilo iphaniano", a partir do 
termo "cidade iphaniana", empregado na tese de Guimaraens (2002). Devido ao grande 
número de reformas em favor dessa arquitetura pseudo-colonial, neste artigo toma-se como 
estudo de caso uma delas, talvez a mais icônica, que junto a muitas outras compõe o 
conjunto alvo da pesquisa da dissertação em andamento. 
As modificações nas edificações ecléticas visando "harmonizá-las" na paisagem, em vias de 
enfatizar o caráter colonial de São João del-Rei foram mais recorrentes a partir de 1947, 
quando os arquitetos do IPHAN Alcides da Rocha Miranda, Sylvio de Vasconcellos e Arthur 
Arcuri estabelecem a delimitação da poligonal de tombamento da cidade. As intervenções 
então ocorrem em sua grande maioria nas edificações ecléticas dentro desse perímetro, 
quase sempre com o aval do IPHAN. Visando principalmente a eliminação da platibanda, 
criando o beiral nas edificações uma vez ecléticas, as obras com o "de acordo" do IPHAN 
contribuíram em grande escala para a perda do ecletismo de São João del-Rei, cidade que 
tem seu diferencial por apresentar todos os estilos da historiografia da arquitetura brasileira 
dentro de seu centro histórico. 
Os estudos de caso identificados foram construídos a partir de documentação coletada no 
Centro de Documentação e Informação (CDI) do IPHAN, em Belo Horizonte e no Museu 
Regional de São João del-Rei. Além disso, foram utilizadas fotografias e arranjos 
documentais produzidos pelo autor com fins de pesquisa. Esses documentos são de acesso 
livre. A análise está organizada em função do cruzamento do levantamento fotográfico com 
a documentação escrita encontrada, em vista que a documentação encontra-se 
fragmentada entre os acervos do patrimônio visitados. 
 
3.1 Ecletismo e Estilo Iphaniano e o traçado regulador 
Quando Arthur Arcuri (arquiteto do IPHAN responsável pela fiscalização de São João del-
Rei e Tiradentes) vinha a São João del-Rei, quinzenalmente, enviava um relatório ao Diretor 
Geral do IPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade, com cópia a Sylvio de Vasconcellos 
para colocá-los a par do que se passava na cidade. Quando lhe era solicitada aprovação 
para projeto em determinada área, Arcuri fotografava o local e remetia em anexo ao relatório 
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a fotografia para análise e parecer de Vasconcellos, o que acabou por formar um grande 
acervo fotográfico de terrenos e edificações, registrados antes das intervenções. O estudo 
de caso aqui selecionado só pode ser comprovado devido a esse acervo. Das quatorze 
edificações identificadas até agora, cujas fotografias e/ou documentação escrita comprovam 
a presença do estilo eclético nas fachadas em meados do século XX, todas dentro do 
perímetro de tombamento, uma, talvez a mais emblemática, está aqui exposta, 
exemplificando o argumento principal do trabalho que indica a mudança de estilo 
arquitetônico das mesmas a fim de tornar o conjunto arquitetônico predominantemente 
colonial. 
A edificação que exemplifica a análise feita neste artigo localiza-se na atual Praça Doutor 
Paulo Teixeira, 21, em São João del-Rei. Antes eclética, em um pavimento, a construção 
teve sua fachada totalmente modificada, em função da implementação do estilo iphaniano. 
Hoje a edificação traduz o pensamento do que foi chamado por Motta de "estilo patrimônio" 
(MOTTA, 1987), que preza por características que assemelhem as novas construções 
dentro de centros tombados às edificações do século XVIII, destoando muito mais do 
entorno em volumetria e paisagem do que sua precursora (Figura 1). A ênfase em retirar 
todos elementos que remetessem a edificação ao ecletismo, tais como frontão, platibanda e 
ornamentos em estuque torna clara a aversão dos modernistas por esse estilo. 
 
Figura 1: Foto da edificação estudo de caso em seus dois momentos: em primeiro plano, em 1947, 
em estilo eclético, e atualmente, depois da intervenção, em estilo iphaniano. Fonte: Acervo do Museu 
Regional de São João del-Rei, s/d; Foto dos autores, 2017. 
A partir da seleção da edificação estudo de caso, análise morfológica se fez em quatro 
etapas: primeiro buscou-se identificar os elementos compositivos de cada fachada 
(Figura 2); o segundo passo tratou de analisar a estrutura e a simetria da fachada nos 
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dois momentos de sua história (Figura 3); foi feita uma listagem das características da 
forma da fachada da edificação em seu momento eclético (Tabela 1); e por fim buscou-se 
identificar o possível traçado regulador utilizado na concepção das duas fachadas 
(Figura 4). 
 
1. Elementos compositivos 
 
 Figura 2: Desenho técnico da fachada da edificação estudo de caso, em seus dois momentos, sem 
escala, com levantamento de elementos compositivos. Fonte: Elaborado pelos autores, 2017. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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2. Estrutura e simetria 
 
Figura 3: Análise da estrutura da edificação estudo de caso antes e depois da intervenção, a partir 
dos desenhos técnicos, sem escala. Fonte: Elaborado pelos autores, 2017. 
 
3. Características da forma 
As características da forma aqui identificadas foram estabelecidas a partir da junção de 
elementos de diversas fontes (ARGAN, 1992; CHING, 2005; DONDIS, 2007; GOMES 
FILHO, 2006; MITCHEL, 2010; MONTANER, 2001; ROCHA JÚNIOR, 2011; WONG, 2010) 
na disciplina que gerou este artigo, de forma a montar uma base de características mais 
completas. Optou-se pelo levantamento de características da forma apenas da edificação 
em estilo eclético, tendo em vista que a em estilo iphaniano visou a retirada dos elementos 
compositivos mais característicos da edificação e falseamento do conjunto. 
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Tabela 1: Características da forma da edificação eclética em estudo. Fonte: elaborado pelos autores, 
2017. 
Característica da forma Definição 
SIMETRIA igualdade de medidas em posições opostas. 
HIERARQUIA/MOVIMENTO 
jogo de volumes, cheios e vazios. Visa enfatizar na fachada 
alguns elementos através de suas características. 
TRAÇADO REGULADOR 
traçado geométrico com lógica ou lei que ordena e regula a 
disposição dos elementos da composição arquitetônica. 
HARMONIA/EQUILÍBRIO 
disposição do todo com as partes, neutralização das forças 
atuantes, por seus sentidos contrários. 
TEXTURA Característica dos materiais.RUPTURA/CONTRASTE Mudança brusca, sem o rompimento da unidade. 
ORDEM/COERÊNCIA 
Princípio de disposição metódica das partes. Coesão, 
integração. 
CONTORNO Linha envoltória do objeto. 
ESTRUTURA 
SEMIFORMAL, VISÍVEL E 
DE REPETIÇÃO 
Possui leve irregularidade, as linhas estruturais são visíveis, 
interagindo com as unidades de forma, posicionadas 
regularmente. 
As características identificadas são comuns à maioria das construções em estilo eclético no 
Brasil, primando pela simetria. Destaca-se aqui a estrutura semiformal, que permite mais 
liberdade na elaboração da fachada, sem quebrar totalmente com os preceitos de equilíbrio 
marcantes do estilo. Muitas das características se complementam com as outras, por terem 
pontos em comum, que torna ainda mais nítida a relação das partes com o todo, formando 
uma fachada em harmonia entre seus diversos elementos e com o entorno, 
predominantemente em um pavimento e de fachadas limpas, sem ornamentação. 
4. Traçado regulador 
Segundo Campos et al (2015), "o traçado regulador é um elemento geométrico de suporte 
na elaboração de projetos associados ao design de objetos, expressões artísticas e obras 
arquitetônicas". A proporção áurea está diretamente relacionada à sua origem, assim como 
diversas outras ferramentas matemáticas. Le Corbusier foi um dos arquitetos que empregou 
abundantemente o traçado regulador em seu projeto. O pai da arquitetura modernista 
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utilizou essa técnica que configura o esqueleto do edifício para compor seus projetos, hoje 
tão consagrados e estudados. 
O traçado regulador na proporção áurea parte sempre de um quadrado. Na análise aqui 
feita, tanto na fachada eclética quanto na em estilo iphaniano, primeiro foi selecionada uma 
área a ser analisada; em seguida foi desenhado um quadrado a partir da medida do menos 
lado da área selecionada; dividiu-se então esse quadrado no meio, para marcar o local onde 
o compasso deveria ser encaixado; assim, por último, foi traçado o círculo, que fechou 
perfeitamente a área selecionada, confirmando a ideia de traçado regulador na área 
selecionada. Na edificação em estilo eclético, cujos projetos nesse estilo quase sempre 
eram feitos com proporções matemáticas, foi identificado o possível traçado regulador tanto 
no corpo da edificação quanto no coroamento. Já na edificação em estilo iphaniano, o 
traçado regulador foi encontrado apenas no corpo, tendo em vista que a largura da fachada 
não sofreu alterações quando das modificações que sofreu. O coroamento, nesse caso o 
telhado, não apresenta traçado regulador. 
 
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Figura 4: Análise do traçado regulador da edificação estudo de caso antes e depois da intervenção, a 
partir dos desenhos técnicos, sem escala. Fonte: Elaborado pelos autores, 2017. 
 
4. Considerações finais 
Este trabalho buscou evidenciar como a organização política local e a criação do IPHAN 
possibilitaram alterações importantes no conjunto arquitetônico são-joanense, 
principalmente no que concerne a alterações feitas em edificações ecléticas com vista a 
torná-las semelhantes àquelas do estilo colonial ainda predominante no final do século XIX. 
Nesse sentido, defende-se a inexistência de um estilo arquitetônico considerado como 
genuinamente brasileiro, em contrapartida à visão do órgão de patrimônio. Em outros 
termos, a escolha e a divulgação de um estilo arquitetônico como "nacional" - como 
aconteceu com as construções coloniais - são arbitrárias e muitas vezes desconsideram 
fatores locais e o fato de que a arquitetura brasileira tem, desde seus primórdios, origens 
claramente baseadas em estilos estrangeiros. 
Nesse sentido, este trabalho exemplifica e corrobora a tese proposta por Brasileiro (2008) 
de que a história da arquitetura no país passa por um duplo processo de esquecimento, em 
que certo estilo arquitetônico é preservado e salvaguardado como patrimônio nacional. 
Evidencia-se a ação humana, social e historicamente determinada, na delimitação do 
patrimônio digno de ser inserido na memória nacional e, consequentemente todo aquilo que 
deve ser deixado ao esquecimento. 
A análise morfológica da edificação estudo de caso enfatiza a harmonia pensada na 
concepção da fachada da mesma quando em seu estado eclético, de forma que a relação 
entre as áreas com aberturas e as áreas de parede destoam na configuração do conjunto na 
edificação quando em estilo iphaniano, assim como a cumeeira (muito alta), que quando 
exposta a partir da demolição da platibanda também causa estranhamento. 
A política conduzida pelo IPHAN consolidou a desconsideração da importância cultural da 
arquitetura eclética, com consequências que perduram até hoje, como evidenciam as 
descaracterizações e demolições de prédios que são representantes da arquitetura 
brasileira. As propostas e as estratégias de preservação advindas do IPHAN estiveram - e, 
muitas vezes, ainda estão - desligadas do processo histórico de transformação urbana, 
negando aspectos intrinsecamente relacionados à história dessas localidades e construindo 
arbitrariamente modelos a serem seguidos e preservados. As políticas e os mecanismos dos 
órgão de patrimônio devem ser revistos, deixando de consolidar o pensamento dos que 
criaram o IPHAN, expandindo o olhar para a cidade como um todo, para que as gerações 
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futuras não sejam privadas do que ainda nos resta do patrimônio eclético, tão importante e 
fiel representante de uma época e de uma sociedade. 
 
5. Agradecimentos 
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 
(CAPES) pelo apoio na concessão de bolsa de mestrado. 
 
6. Referências 
Arquivo do Museu Regional do IPHAN em São João del-Rei. Fotografias. Ruas: Arthur 
Bernardes, Capitão Vilarim, Carvalho Resende, Coronel Tamarindo, do Carmo, Dr. José 
Mourão, João Mourão, Marechal Bittencourt, Marechal Deodoro, Resende Costa, Santa 
Teresa, Santo Antônio, Sebastião Sette; Praças: Dr. Salatiel, Embaixador Francisco Neves, 
Gastão da Cunha, Paulo Teixeira, Prefeito Antônio das Chagas Viegas, Severiano de 
Resende. 
Arquivo do Centro de Documentação e Informação do IPHAN em Belo Horizonte. Cidade de 
São João del-Rei. Pastas: Cidade de São João del-Rei, Cidade de São João del-Rei 
Administrativo 1938-1957, Cidade de São João del-Rei Administrativo 1958-1984, Conjunto 
Arquitetônico Boletins 1955, Conjunto Arquitetônico Boletins de Obras 1956-1957, Conjunto 
Arquitetônico Boletins de Obras 1958-1959, Conjunto Arquitetônico Boletins 1961, Conjunto 
Arquitetônico Boletins de Obras 1962-1963, Conjunto Urbano, Diversos, Prefeitura, 
Relatórios, Requerimentos Coletivos. 
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