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© 2013 by Aline Kabarite e Vera Mattos Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira Editor: Waldir Pedro Revisão Gramatical: Lucíola Medeiros Brasil Capa e Projeto Grá�co: 2ébom Design Capa: Eduardo Cardoso Diagramação: Flávio Lecorny Este livro foi revisado por duplo parecer, mas a editora tem a política de reservar a privacidade. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M395a Mattos, Vera Avaliação psicomotora: um olhar para além do desempenho/ Vera Mattos, Aline Kabarite. - 5 ed. - Rio de Janeiro: Wak Editora, 2020. 164p. : 21cm Inclui bibliogra�a ISBN 978-85-7854-244-3 1. Psicomotricidade. 2. Capacidade motora em crianças. I. Kabarite, Aline. II. Título. 13-1216 CDD 152.38 CDU: 159.946 2020 Direitos desta edição reservados à Wak Editora Proibida a reprodução total e parcial. WAK EDITORA Av. N. Sra. de Copacabana, 945 – sala 107 – Copacabana Rio de Janeiro – CEP 22060-001 – RJ Tels.: (21) 3208-6095, 3208-6113 e 3208-3918 wakeditora@uol.com.br www.wakeditora.com.br mailto:wakeditora@uol.com.br https://www.wakeditora.com.br/ Aos mestres, que contribuíram para nossa formação, aos pais, que nos con�aram seus �lhos e a nossas famílias, que sempre apoiaram e torceram por nós, o nosso eterno carinho. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO PSICOMOTRICIDADE – DE ONDE VEM? Deuses Criando História Homens Criando História O Brasil Entra na História Moral da História – A�nal, o Que É Psicomotricidade? UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO Tabela de Re�exos Habilidades Motoras Estabilizadoras Habilidades Motoras Locomotoras Habilidades Motoras Manipulativas QUANDO O CORPO NÃO SERVE PARA... A Importância da Anamnese na Forma de Entrevista O Que Observar em um Primeiro Contato? A Qualidade na Avaliação Por Que Avaliar? O QUE CONSIDERAR ANTES DE INICIAR A INVESTIGAÇÃO? Transtornos Psicomotores Estruturas do Sistema Nervoso – Unidades Funcionais de Luria QUE INSTRUMENTOS USAR? Veri�cação da Primeira Unidade Funcional de Luria Prova 1 – Exame de Tônus (AJURIAGUERRA – BERGÈS, 1963) Prova 2 – Equilibração Prova 3 – Conhecimento do Corpo Prova 4 – Organização Perceptiva e Estruturação Espaço-Temporal Prova 5 – Lateralização Prova 6 – Praxia Global Prova 7 – Praxia Fina COMO AVALIAR BRINCANDO? Protocolos para a Avaliação Psicomotora Primeira Unidade Funcional Segunda Unidade Funcional Terceira Unidade Funcional O RELATÓRIO – UM OLHAR PARA ALÉM DO DESEMPENHO REFERÊNCIAS APRESENTAÇÃO Esta produção tem como característica a interdisciplinaridade, uma vez que a Psicomotricidade é a área de interseção de diversos saberes da Saúde e da Educação. O professor de Educação Infantil pode enriquecer seu olhar ao encontrar neste livro aspectos pertinentes à aprendizagem e, consequentemente, ao desenvolvimento infantil. O fonoaudiólogo encontra neste livro um grande suporte para o esclarecimento do diagnóstico diferencial de patologias que apontam alterações psicomotoras. Para o �sioterapeuta, o livro traz a possibilidade do despertar para um novo olhar que ultrapassa as questões puramente funcionais de uma terapêutica. Para o professor de Educação Física preocupado e envolvido com a aprendizagem motora, fornece uma visão ampla do desenvolvimento e das aquisições dos aspectos psicomotores, bem como de suas possíveis alterações. Vera Mattos Aline Kabarite PSICOMOTRICIDADE – DE ONDE VEM? DEUSES CRIANDO HISTÓRIA Toda ciência tem patronos ou padrinhos buscados na mitologia greco-romana. Não poderia ser diferente para a Psicomotricidade. Investigando os mitos, pudemos selecionar Psiquê e Mercúrio como padrinhos desta nova ciência. Passaremos a contar suas histórias para compreendermos a razão dessa eleição. Psiquê era uma princesa, mortal, dotada de beleza ímpar. Tal era sua beleza que, de todas as partes, vinham pessoas para admirá-la. Vênus (Afrodite), deusa da beleza e do amor, indignou- se com o fato de uma simples mortal receber tantas honras e pediu a seu �lho Eros, o deus do amor, para atingi-la com uma �echa, fazendo-a enamorar-se de Hades (Plutão), deus das profundezas do inferno. Assim, seguiu Eros para sua missão. Porém, ao deparar-se com Psiquê, ele mesmo apaixonou-se por ela e não lançou as �echas, desobedecendo à sua mãe. Psiquê tinha duas irmãs mais velhas casadas com reis, enquanto ela, desejada por deuses e mortais, continuava só. Seu pai foi, então, consultar o oráculo de Apolo (deus da luz). Este aconselhou ao pai que levasse a �lha, vestida de núpcias, ao alto da colina, onde uma serpente iria tomá-la como esposa. O pai cumpriu as ordens do oráculo. No entanto, quando estava no alto da colina, Zé�ro (o vento do oeste) transportou-a até uma planície �orida, onde Psiquê adormeceu. Ao acordar, encontrou-se no jardim de um palácio de ouro e mármore. Uma voz a convidou a entrar nesse palácio e, sob a escuridão da noite, Eros a amou e fê-la prometer que jamais tentaria vê-lo. Embora não pudesse ver seu amado, Psiquê sentia-se a mais feliz das mulheres! Saudosa de suas irmãs, foi visitá-las. Ambas, por inveja da felicidade de Psiquê, semearam a dúvida em seu coração sugerindo que a maldição do oráculo havia se cumprido e, por isso, não podia ver seu marido, porque ele era o monstro, a serpente prevista por Apolo. Presentearam a irmã com uma lâmpada e uma faca a�ada. Psiquê deveria iluminá-lo enquanto dormia e, se fosse mesmo o monstro, matá-lo. Após longa noite de amor, enquanto Eros dormia, Psiquê buscou a lâmpada e a faca para executar o plano e, ao iluminá-lo, deparou-se com a mais linda das criaturas, �cando extasiada. Assim, uma gota do óleo da lamparina caiu sobre o ombro de Eros que desperta e diz: “O amor não pode viver sem con�ança” e foi-se embora para sempre. A jovem passou a errar pelo mundo buscando ajuda de todos os deuses que, por não quererem desagradar a Vênus, não lhe forneceram auxílio. Psiquê resolve suplicar à própria Vênus, falando-lhe de seu amor. Esta determinou tarefas a serem cumpridas pela jovem, tarefas praticamente impossíveis para uma mortal. A primeira era a de separar os grãos de uma montanha de grãos, no período de uma noite! Para tal tarefa, a jovem contou com o auxílio das formigas. A segunda era buscar um frasco de água negra do rio Estige, lugar inacessível aos mortais. Nesta tarefa, Psiquê contou com a ajuda de uma águia que voou até o rio e encheu o frasco. A terceira, e mais perigosa, era ir ao reino de Hades (deus das profundezas do inferno), que já havia se casado com Perséfone (Proserpina), possuidora de uma caixa onde �cava guardada a beleza, e trazer um pouco dessa beleza. Passando por todos os perigos que protegiam o reino de Hades, Psiquê obtém a caixa e volta ao Olimpo. Porém, no meio do caminho, curiosa, abre a caixa e cai em um sono profundo como a morte. Eros, que a procurava, acordou-a com a picada de uma das suas �echas, e ambos foram juntos a Zeus (Júpiter) pedir permissão para se unirem. Para tal, Júpiter ofereceu ambrosia à jovem, transformando-a em imortal. O casamento celebrou-se e, dessa união, nasceu a Volúpia. Desta história, podemos ressaltar algumas passagens que nos são pertinentes, como, por exemplo, o fato de Psiquê querer iluminar o que está oculto e sua curiosidade voltada para o conhecimento. Breve, poderemos justi�car a escolha de Psiquê como madrinha da Psicomotricidade, mas, antes, vamos conhecer a história de Mercúrio. Filho de Zeus e Maia, Mercúrio, logo ao nascer, revelou enorme inteligência e destreza, pois conseguiu, ainda bebê, libertar-se das faixas e, enquanto todos dormiam, roubou o rebanho do irmão, levando-o para outra montanha, e voltou às faixas e ao berço sem que ninguém percebesse. Primeiramen te, Mercúrio foi considerado a divindade dos pastores e dos rebanhos. Posteriormente, por sua rapidez no deslocar-se, patrono dos viajantes e das estradas e, �nalmente, patrono dos desportistas e criador do pugilato e das carreiras atléticas. Recebeu de Zeus o capacetenas tarefas de equilíbrio em um só pé, caminhada direcionada, apoios invertidos, rotação corporal e desvios. A seguir, o quadro que nos mostra o período de emergência de tais habilidades: Sequência de Emergência de Habilidades de Estabilidade Selecionadas Padrão de Movimento Habilidades Selecionadas Idade Aproximada de Início Equilíbrio dinâmico Manter o próprio equilíbrio conforme o centro de gravidade se desloca Caminhar 1 polegada (2,5cm) em linha reta 3 anos Caminhar 1 polegada (2,5cm) em linha circular 4 anos Ficar em pé sobre trave de equilíbrio baixa 2 anos Caminhar em apoio de 4 polegadas (10cm) de largura a curta distância 3 anos Caminhar na mesma trave alternando os pés 3–4 anos Caminhar em trave de 2 ou 3 polegadas (5,1 ou 7,6cm) 4 anos Executar rolamento para frente (forma grossa) 3–4 anos Executar rolamento para frente (forma �na)* 6–7 anos Equilíbrio estático Manter o próprio equilíbrio enquanto o centro de gravidade permanece estacionário Colocar-se em pé 10 meses Colocar-se em pé sem o apoio das mãos 11 meses Colocar-se em pé sem apoio 12 meses Equilibrar-se em um pé durante 3–5” 5 anos Suportar o peso corporal em apoio invertido com três contatos 6 anos Movimentos axiais Posturas estáticas que envolvem inclinação, alongamento, giros, rotações e similares A habilidade para movimentos axiais desenvolve-se na infância e re�na-se progressivamente até o ponto onde estes movimentos são incluídos nos padrões de movimentos manipulativos emergentes de lançar, aparar, chutar, bater e outras atividades 2 meses a 6 anos * A criança tem “potencial” de desenvolvimento para estar no estágio maduro. A conquista real dependerá de fatores, como a tarefa, o indivíduo e o ambiente. Tabela II.Ia de Gallahue, D. L. & Ozmun, J. C., 2001, Editora Phorte, São Paulo, p.260. HABILIDADES MOTORAS LOCOMOTORAS Gallahue e Ozmun de�nem locomoção como uma habilidade que envolve a projeção do corpo no espaço, alterando a sua localização relativa a pontos �xos da superfície (2001, p. 280). Teríamos, então, como movimentos locomotores fundamentais a caminhada, a corrida, o salto vertical, o salto horizontal, o salto misto, o pulo, o saltito, o galope e o deslizamento. A seguir, o quadro que nos mostra o período de emergência de tais habilidades: Sequência de Emergência de Habilidades Locomotoras Selecionadas Padrão de Movimento Habilidades Selecionadas Idade Aproximada de Início Caminhada Colocar um pé na frente do outro enquanto mantém contato com a superfície de apoio Galope ereto rudimentar sem auxílio 13 meses Caminha lateralmente 16 meses Caminha para trás 17 meses Sobe degraus com auxílio 20 meses Sobe degraus sozinho – passos seguidos 24 meses Desce degraus sozinho – passos seguidos 25 meses Salto Três formas: salto em distância salto em altura salto de alguma altura Envolve um impulso em um ou dois pés com pouso em ambos os pés Desce de objetos baixos 18 meses Salta de objeto com impulso em um pé 2 anos Salta do chão com dois pés 28 meses Salta em distância (cerca de 3 pés/1m) 5 anos Salta em altura (cerca de 1 pé/30cm) 5 anos Padrão de salto maduro 6 anos Saltito Impulso com um pé e pouso no mesmo pé Saltita até 3 vezes no pé de preferência 3 anos Saltita de 4 a 6 vezes no mesmo pé 4 anos Saltita 8 a 10 vezes no mesmo pé 5 anos Saltita distâncias de 50 pés (15m) em cerca de 11” 5 anos Saltita habilmente com alternância rítmica, padrão maduro* 6 anos Galope Combina uma caminhada e um salto com o mesmo pé direcionando todo o movimento Galope básico, porém ine�ciente 4 anos Galopa habilmente, padrão maduro* 6 anos Skipping A elevação de joelhos combina uma passada e um salto em alternância rítmica Skipping com uma perna 4 anos Skipping completo (cerca de 20%) 5 anos Skipping completo (para a maioria*) 6 anos * A criança tem “potencial” de desenvolvimento para estar no estágio maduro. A conquista real dependerá de fatores, como a tarefa, o indivíduo e o ambiente. Tabela II.Ib de Gallahue, D. L. & Ozmun, J. C., 2001, Editora Phorte, São Paulo, p.261. HABILIDADES MOTORAS MANIPULATIVAS Estas são de�nidas por Gallahue e Ozmun como sendo as habilidades que envolvem o relacionamento de um indivíduo com objetos e caracteriza-se pela aplicação de força nos objetos e a recepção da força destes (2001, p. 299); esses movimentos são classi�cados em dois grupos: • Movimentos propulsores – quando o objeto é movimentado para longe do corpo. Seriam movimentos manipulativos propulsores o chutar, bater, rolar, arremessar e voleio; • Movimentos amortecedores – quando o corpo ou parte dele é posicionado no caminho de um objeto em movimento, com o propósito de parar ou desviar este objeto. Seriam movimentos manipulativos amortecedores o agarrar, rebater, aparar e apanhar. Os movimentos manipulativos fundamentais combinam os movimentos estabilizadores com os movimentos locomotores e envolvem a projeção da estimativa da trajetória, velocidade da viagem, precisão, distância e a massa do objeto em movimento. Para tais habilidades, podemos ver a importância das funções cognitivas. O próximo quadro mostra o período de emergência de tais habilidades: Sequência de Emergência de Habilidades Manipulativas Selecionadas Padrão do Movimento Habilidades Selecionadas Idade Aproximada de Início Alcançar, Segurar e Soltar Comportamentos de alcance primitivos 2–4 meses Fazer contato bem-sucedido com um objeto, retendo-o agarrado e soltando-o espontaneamente Captura de objetos 2–4 meses Pegar espalmado 3–5 meses Pegar pinçando 8–10 meses Pegada controlada 12–14 meses Soltura controlada 14–18 meses Lançar Imprimir força ao objeto na direção desejada Corpo se vira para o alvo, pés se mantêm estacionários, bola é lançada somente com extensão do braço 2–3 anos O mesmo acima, mas com adição de rotação do corpo 3½–5 anos Dá um passo à frente com a mesma perna do lado do lançamento 4–5 anos Garotos exibem padrão mais maduro que garotas 5 anos e acima Padrão maduro de lançamento 6 anos Pegar Receber força de um objeto com as mãos, mudando progressivamente de grandes para menores bolas Persegue a bola; não responde a bolas aéreas 2 anos Responde a bolas aéreas com movimento de braços atrasados 2–3 anos Precisa ser avisado como posicionar os braços 2–3 anos Reação de medo (gira a cabeça) 3–4 anos Utiliza o corpo para apanhar objetos 3 anos Apanha objetos utilizando somente as mãos 5 anos Padrão maduro do movimento de apanhar 6 anos Chutar Imprimir força ao objeto com o pé Empurra a bola: não chuta de fato 18 meses Chuta com uma perna estendida e discretos movimentos corporais (chuta na bola) 2–3 anos Flexiona a perna na sua porção inferior 3–4 anos Grande balanço para frente e para trás com oposição de�nida dos braços* 4–5 anos Padrão maduro 5–6 anos Bater Súbito contato com objetos com os braços acima da cabeça, braços colocados lateralmente, ou abaixo do nível da mão Visualiza o objeto e faz um balanço no plano vertical 2–3 anos Faz um balanço em um plano horizontal e se coloca ao lado do objeto 4–5 anos Gira o tronco e quadril e leva o peso do 5 anos corpo para frente* Padrão horizontal maduro utilizando bola estacionária 6–7 anos * A criança tem “potencial” de desenvolvimento para estar no estágio maduro. A conquista real dependerá de fatores, como a tarefa, o indivíduo e o ambiente. Tabela II.Ic de Gallahue, D. L. & Ozmun, J. C., 2001, Editora Phorte, São Paulo, p.262. QUANDO O CORPO NÃO SERVE PARA... A IMPORTÂNCIA DA ANAMNESE NA FORMA DE ENTREVISTA O primeiro contato terapêutico com o paciente, ou responsável, durante o qual anotamos o relato da sequência de fatos importantes sobre a situação atual e pregressa do paciente e de sua história clínica, denomina-se anamnese. A anamnese deve conter o histórico do paciente, histórico da doença e a queixa principal. Durante este primeiro contato, o terapeuta deve demonstrar, além de segurança em seus conhecimentospro�ssionais, interesse e compreensão pela história do paciente, de forma que este se sinta o mais à vontade possível, criando, assim, uma relação de harmonia e con�ança entre ambos. Caso isso não ocorra, será muito difícil obter as informações mais pertinentes sobre a relação desta criança consigo e com o mundo. Além dos dados básicos e informações objetivas sobre o paciente (nome, endereço, telefone para contato, idade etc.), o terapeuta deve estar preocupado em conhecer: • Queixa principal – o que o levou a procurar o tratamento, o que está acontecendo (deixar o paciente falar sobre seus problemas atuais, sobre o que dói, de que forma que dói...) Podemos perceber se já há diagnóstico ou se a família ainda está na angústia pela busca desse diagnóstico. Tanto em um caso como no outro, a postura pro�ssional será, sempre, fundamental. • A família – sabemos o quanto esta participa, in�uencia a vida e as atitudes dos pacientes, como se estrutura, com quem mora, quem participa da educação da criança e do acompanhamento da doença, quem tem mais contato com ela, com quem esta passa a maior parte do tempo, como se organiza seu dia a dia etc. • Histórico familiar – se tem algum caso na família com a mesma enfermidade ou síndrome... No núcleo familiar, encontramos a “pré-história” da criança, assim como a presença da história das �guras parentais, novamente em cena. Não podemos esquecer que a demanda terapêutica, em se tratando da infância, surge primeiramente na família. Sendo assim, é ela nossa grande aliada (ou não!). • Os contatos sociais e atividades de lazer (ou esportivas) – momento para falar da vida social pode levar a suspeitar e/ou identi�car casos depressivos, agressivos, di�culdades na socialização... O terapeuta pergunta sobre o humor habitual da criança, se faz amigos com facilidade, se tem di�culdades no relacionamento com o outro, se demonstra agressividade por conta da enfermidade, apatia, inquietação, ansiedade... Deve perguntar pelas atividades extraescolares, de �nais de semana, atividades de lazer, como cinema, praia, se pratica algum esporte, se praticava antes da doença ou lesão. O importante é conhecer a rotina e as preferências da criança, o que virá a auxiliar nas escolhas dos recursos terapêuticos e de suas intervenções. • Histórico do paciente – o terapeuta deve perguntar sobre desde antes da concepção (se foi desejado, aceito, se houve tentativa de aborto...), como foi a gestação (remédios que tomou, tombos e acidentes que sofreu, exames que realizou, pré-natal, estado emocional da mãe e do pai...), como foi o parto (tipo de parto, intercorrências perinatais, resultado do APGAR, se �cou internado, se precisou de cuidados especiais...), como se deu o desenvolvimento psicomotor e da linguagem (marcos posturais, interação social, primeiras vocalizações...), como está hoje (o que faz, o que a mãe acha de diferente, o que ela mais gosta no �lho em relação à sua personalidade e o que a deixa angustiada...) como é o relacionamento com os familiares, como a mãe ou o próprio paciente percebeu a alteração ou doença (quanto tempo tem, como foi sua evolução ou como está sendo sua recuperação...), como a doença ou síndrome in�uencia na família (no que diz respeito ao envolvimento emocional daqueles que estão afetivamente envolvidos com o paciente, se aceitam ou não...), se frequenta escola, se está adaptado... Alguns destes itens serão respondidos no decorrer da narrativa parental por outras questões levantadas pelo terapeuta, cabe o bom senso no direcionamento da entrevista. Muitas vezes, encontraremos pais que necessitam de nossas questões para conseguir falar de seu �lho, outras vezes, a própria família tem a necessidade de falar sem ser direcionada por questões prévias. Torna-se fundamental, nesse momento, a qualidade da escuta do terapeuta. • Exames – quais exames que já fez, quais os resultados, quais outras doenças já teve, quem encaminhou para o tratamento, se já fez tratamento na mesma área, se conhece o que é a sua especialidade etc. É importante o trabalho interdisciplinar, pois tais exames podem esclarecer muito sobre a criança, trazendo a necessidade de buscar um contato mais estreito com os especialistas em questão, ou ainda, criando a demanda de novas investigações. Após a anamnese, no primeiro encontro com a criança, o mais importante é deixá-la livre para que se estabeleça uma relação de con�ança, em um espaço de segurança e conforto, buscando a relação transferencial, sem a qual não há clínica possível. No momento apropriado, que pode não ser nos primeiros encontros, o terapeuta, a partir de sua observação, irá, se necessário, selecionar os instrumentos que o esclarecerão sobre alguns aspectos ainda não observados. O objetivo deste livro é oferecer um instrumento para a observação/avaliação psicomotora, buscando aprimorar o olhar terapêutico para além do sintoma. São os dados colhidos na anamnese, nas avaliações e com a equipe interdisciplinar que irão fornecer ferramentas ao terapeuta para que este possa, ao �nal desse processo, construir uma impressão diagnóstica ou, em alguns casos, um diagnóstico preciso, podendo, assim, traçar seu plano terapêutico. O QUE OBSERVAR em um PRIMEIRO CONTATO? A qualidade na avaliação A avaliação em Psicomotricidade é um momento importante para o processo terapêutico, porém acreditamos que mesmo a avaliação mais completa e abrangente não será su�ciente para conhecermos o que está por trás do sintoma psicomotor. Então, como avaliar? Que instrumentos utilizar? Quais situações iniciais com a criança nos serão necessárias para conhecê-la melhor? A anamnese, realizada anteriormente com os pais da criança, nos traz dados sobre todo seu desenvolvimento, suas atividades atuais, suas relações, sua forma de enfrentar as di�culdades etc. Mas, sabemos, como nos diz Esteban, que o sintoma é o que a criança nos dá a ver, que ele se desenvolve com, para e pelo Outro; por isso, a queixa do sintoma psicomotor, como a�rma Bergès, não vem da própria criança e sim do Outro, e isto também deve ser considerado durante a avaliação. Após a anamnese é necessário de�nir qual ou quais instrumentos de avaliação seriam indicados para determinado caso. Acreditamos que o que faz a diferença não é o instrumento utilizado, mas sim o olhar lançado sobre o que a criança nos dá a ver. Desta forma, uma avaliação estruturada pode ser de grande riqueza se olhada de for- ma qualitativa. Voltamos a lembrar da importância de se estabelecer um vínculo de con�ança, primeiramente com os pais e, em seguida, respaldados por este sentimento, estabelecer o vínculo com a criança, pois só assim poderíamos acreditar naquilo que esta nos dá a ver. A avaliação sistemática, mensurada por idade ou por atividades quantitativas acaba nos fornecendo informações acerca desta envoltura, que é o corpo da criança, suas dispraxias, suas sincinesias e paratonias, seu equilíbrio, sua lateralidade e seu esquema corporal... mas nenhuma avaliação psicomotora é capaz de nos informar a respeito da “estrutura que subjaz ao transtorno psicomotor”. Assim, reconhecemos que por meio da “atividade espontânea” podemos não só observar tais dados, como também podemos observar o lugar que esse corpo, que esse sujeito com seu corpo em movimento, ocupa nas suas relações e atitudes perante e com o Outro e o meio externo, e dos objetos. Em um momento espontâneo, de atividade livre, sem tensão, a criança pode movimentar-se de forma desejante, nos mostrando qual a posição assume diante das situações e diante do Outro, e que lugar esse sintoma psicomotor ocupa, “não mais para a família, e sim para a criança que sofre no seu corpo e que nos dá a ver a nós”. (LEVIN, 1999, p. 166) Desta forma, todo primeiro encontro com a criança deve basear-se na atividade espontânea, isto é, deixar a criança livre para que processe suas escolhas no que diz respeito às atividades ou materiais que deseje utilizar.É claro que podemos intervir sugerindo outras atividades, porém devemos respeitar a escolha do material, que muito pode nos dizer, assim como a forma de relação que ela estabelece com o material. É também importante observar a demanda ou não de uma atividade a ser compartilhada com o terapeuta. Essa situação com base na atividade espontânea deve nortear todo o processo de avaliação, no entanto o terapeuta deve perceber o momento que poderá propor uma atividade mais dirigida para o foco daquilo que está querendo avaliar formalmente. Nossa avaliação sugere uma sequência de atividades formais que tenham âncora nos processos mentais fundamentados em um corpo teórico, do qual não podemos abrir mão durante toda a avaliação. A avaliação psicomotora é realizada para que possamos investigar as possíveis alterações que estariam sendo obstáculo para o bom desenrolar do desenvolvimento infantil nos aspectos sensoriais, motores, cognitivos, psicoafetivos e sociais. É importante ressaltar que as avaliações psicomotoras não conseguem nos informar o que está por trás do sintoma psicomotor. Elas nos mostram como está o sintoma, como ele se apresenta para o mundo, como ele se dá a ver aos olhos do outro. Para a Psicomotricidade, o corpo da criança é um corpo em relação; relação esta que abrange não só a relação com o outro, com o mundo dos objetos, mas também e, acima de tudo, uma relação consigo. A avaliação e o trabalho em equipe, com outros pro�ssionais, são fundamentais, se complementam não só na prática clínica mas também nos ajudam a conhecer o paciente, seus sinais e sintomas sob vários aspectos, ampliando nossos conhecimentos e consequentemente nossa capacidade de auxiliar o paciente e sua família. O relatório de nossa observação − que deve ser entregue aos pais, à escola e/ou a outros pro�ssionais − vai revelar como analisamos o material que pudemos observar e deverá descrever de forma trans- parente nossa percepção do caso em questão. O relatório é o espelho do terapeuta. Por que avaliar? Para demonstrarmos a pertinência de uma avaliação psicomotora, faz-se necessário retornar no tempo para podermos compreender onde estão suas raízes. Desde o início do século XX, enormes avanços na Neurologia e na Neuropsiquiatria vêm nos trazendo novas re�exões sobre o desenvolvimento infantil e o funcionamento de nosso cérebro. Os transtornos funcionais vieram questionar a relação anatomoclínica, demonstrando que poderíamos encontrar diversas alterações sem que, a elas, correspondesse uma lesão cortical especí�ca. Tais estudos reduziram sobremaneira o imperialismo neurológico da época e permitiram o surgimento das ciências ditas paramédicas, como Psicologia, Fonoaudiologia, Fisioterapia e Psicomotricidade. A palavra psicomotricidade surge ainda relacionada com zonas do córtex situadas “mais além” das regiões motoras, e sua de�nição é inicialmente baseada nos fundamentos neurológicos. Foi por volta de 1907, com Ernest Dupré, neurologista francês, que se de�niu a síndrome da “debilidade motora” composta por sincinesias (movimentos involuntários que acompanham uma ação), paratonias (incapacidade para relaxar voluntariamente uma musculatura) e inabilidades, sem que sejam atribuídos a eles danos ou lesão localizada. Dupré correlaciona motricidade e inteligência, mudando o paradigma do estudo da infância. Baseado nas perspectivas teóricas abertas por Wallon vistas no capítulo I deste livro, Edouard Guilmain (apud VAYER, 1977) introduz o protótipo do exame psicomotor, mais tarde consolidado por Pierre Vayer. Guilmain buscava encontrar um método de exame direto para descobrir “o fundo” de onde os “atos” são a “consequência”, criando, assim, um esboço da reeducação psicomotora, por meio de exercícios de educação sensorial, educação de desenvolvimento da atenção e trabalhos manuais. Este autor indicava a reeducação psicomotora para acabar com os distúrbios de comportamento, e seus objetivos eram o de reeducar a atividade tônica (por meio de exercícios de atitudes, de equilíbrio, de mímica); melhorar a atividade de relação (mediante exercícios de dissociação e de coordenação motora com apoio lúdico); e desenvolver o controle motor (com exercícios de inibição para instáveis e de desinibição para emotivos). Desta forma, entre 1935 e 1956, o trabalho da Psicomotricidade era impessoal, arbitrário e estruturado por métodos e técnicas com uma sequência rígida (como uma receita para a “cura”). O período entre 1947 e 1959 é marcado pela passagem da Psicomotricidade do campo exclusivo da Neurologia e da Psicologia para uma aliança com a Psiquiatria. Esta passagem se dá graças às in�uências principalmente de Ajuriaguerra e René Diatkine. É Ajuriaguerra quem descreve, por meio de seus estudos, uma abordagem terapêutica em Psicomotricidade, composta de etiologia, sintomatologia, formas de avaliação e tratamento. Estabelece um exame psicomotor e uma técnica psicomotora especí�ca, de�nindo o campo de atuação do psicomotricista e fornecendo aos demais pro�ssionais do desenvolvimento infantil recursos para uma avaliação mais abrangente. Nesta mesma época, foi Ozeretski que desenvolveu uma forma bastante estruturada de avaliação psicomotora, reunindo provas de diversos autores, como Guilmain, Stambak, Vayer e outros. Esta forma de avaliação ainda é utilizada por diversos pro�ssionais brasileiros, embora não seja a que mais responde à demanda atual. Nos anos 1970, autores como G. Soubiran, Bergès, Diatkine, Jolivet, Leibovici, que de�nem a Psicomotricidade como “uma motricidade de relação”, trouxeram uma nova visão para o processo de avaliação psicomotora. Para de�nir avaliação psicomotora, podemos citar P. Burger (2001) que a descreve como “um balanço entre o ‘normal’ e o ‘patológico’, para um paciente determinado, num momento determinado de seu desenvolvimento psicomotor”. Ao estabelecermos este per�l, levamos em conta o contexto onde se encontra o sujeito, o que nos permitirá a leitura daquilo que ele nos dá a ver em situação precisa, isto é, o equilíbrio psicomotor que se cria nele em um determinado momento em presença do terapeuta. Segundo o Syndicat National d’Union dês Psychomotriciens (SNUP, 1995), a avaliação psicomotora permite: • avaliar as di�culdades, assim como as possibilidades, ressituando o sujeito no curso de sua evolução; • apreciar a qualidade dos modos de relação que o sujeito instaurou com seu meio ambiente, seu contexto; • abordar o conjunto da atividade e expressão corporal nos campos, tais como: − as coordenações, o equilíbrio; − o tônus, o conhecimento e a consciência do corpo; − a estruturação do espaço e do tempo, a lateralidade; − o gesto grá�co; − o corpo em sua relação ao meio habitual e diante das situações não habituais. A avaliação psicomotora constitui um elemento importante de um procedimento diagnóstico do momento em que se revelam perturbações no domínio escolar, familiar ou pro�ssional. Como podemos ver, desde sempre, avaliar vem sendo uma preocupação da clínica. Os dados obtidos são importantes, pois traçam um per�l da criança, dão referência (para a família e demais pro�ssionais) do campo teórico no qual nos baseamos e possibilitam a elaboração de um projeto terapêutico. O QUE CONSIDERAR ANTES DE INICIAR A INVESTIGAÇÃO? A demanda trazida pela família a respeito das características apresentadas pela criança e nossa primeira observação são os fatores que norteiam a necessidade de uma avaliação psicomotora. Conhecer os transtornos psicomotores e as estruturas do sistema nervoso que participam da atividade psicomotora se faz fundamental para que o olhar do pro�ssional possa ultrapassar essas primeiras in- formações e sua avaliação possa focar o corpo do sujeito em cena. TRANSTORNOS PSICOMOTORES Estes foram de�nidos por Ajuriaguerra (1981) como sendo “...a �gura sobre um fundo desorganizado... o que está desorganizado é a imagem corporal, a não apropriação deste corpo pelacriança... o que a criança nos mostra é somente parte, ou melhor, expressão de uma desorganização maior...” O transtorno psicomotor é uma inquietação corporal causada por uma emoção que perturba, desorganiza, atrapalha, que altera o viver. O transtorno está à vista, manifesta-se no próprio corpo, ele se dá a ver. Poderíamos dizer, então, que a observação psicomotora busca ir além do sintoma, ir além do que se vê! O que se encontra nos transtornos psicomotores são perturbações no esquema corporal, no tônus muscular e na imagem corporal, o que leva às confusões espaciais (de lateralidade), rítmicas, distúrbios na coordenação, equilíbrio etc. Estes problemas no corpo são visíveis a qualquer olhar e vem a se tornar foco de preocupação para o outro. Para a Psicomotricidade, o corpo da criança é um corpo em relação, a qual abrange não só a relação com o outro, com o mundo dos objetos, mas também e, acima de tudo, consigo mesmo. No que diz respeito à classi�cação dos transtornos psicomotores, Jean Bergès realiza novas contribuições; segundo ele, as Instabilidades Psicomotoras, a Inibição Psicomotora e a Debilidade Psicomotora são expressões do transtorno psicomotor. As Instabilidades Psicomotoras A instabilidade de�ne-se como “uma certa maneira de articular postura e motricidade, a partir do momento em que a criança está sob o olhar do outro, e tentando levar em conta a ‘imagem’ que ela dá a seu próprio olhar”. Suas características clínicas podem ser: • di�culdade em dar continuidade às brincadeiras e às produções corporais; • di�culdade para inibir movimentos; • necessidade de estar sempre em movimento; • atitudes expansivas e explosivas; • inquietação e agitação; • incapacidade para relaxar e permanecer quietas; • descontroles emocional e neurovegetativos (sudorese nas mãos, dores de barriga, vontade de urinar, rubor...); • tiques (involuntários, súbitos, rápidos e repetitivos) − existe nos tiques um período de “luta”, de controle doloroso, seguido de uma explosão “liberadora” do movimento, que se transforma em fonte de constrangimento; • paratonias (impossibilidade de relaxar voluntariamente um grupo muscular): − paratonia de fundo: refere-se ao tônus global e pode ser evidenciada por meio de mobilizações passivas onde observamos uma resistência permanente ao movimento, ou seja, não existe uma disponibilidade à movimentação passiva; − paratonia de ação: surge também a partir de uma movimentação passiva, só que, em movimentos de certa amplitude, não aparece no início do movimento, e sim no seu decorrer, interrupções, um refreamento brusco, de�nitivo ou transitório; • sincinesias intensas, difusas e de instalação rápida; • atividades desordenadas; • atenção dispersa, ocasionando alterações perceptivas; di�culdade para focalizar a atenção; • pouca e�cácia na realização de trabalhos prolongados; • nível mental normal; • alterações das relações interpessoais. Como já vimos, os Transtornos Psicomotores não podem ser trata- dos como uma síndrome unicamente motora. Não podemos deixar de levar em consideração o desenvolvimento afetivo das crianças e suas relações com o meio ambiente e com os outros. Excluem-se de tais transtornos as síndromes cuja sintomatologia indicada corresponde à existência de lesões focais precisas. Segundo Bergès, as instabilidades se dividem em duas grandes categorias, que se opõem em suas características clínicas: • Estados de tensão • Estados de deiscência Ambas apresentam distintas manifestações, no aspecto motor (o sintoma surge na ação da criança sobre o objeto) e no aspecto postural (o sintoma se expressa sobre o próprio corpo). Estado Tensional Para Bergès, este estado pode ser observado em crianças que apresentam as seguintes características: • estado geral de alerta permanente que resulta em hipertonia generalizada, com presença de paratonia e bloqueios respiratórios (alteração de tônus); • agitação, movimentos bruscos e explosivos (alteração do movi- mento); • corpo vivido como um conjunto de tensões internas; corpo como envolvido em uma armadura tônica, uma barreira que, em sua falência, deixa escapar o movimento (alterações da imagem corporal). Para explicar a gênese do estado tensional, Bergès se remete ao corpo sob o olhar do outro. Aqui, o olhar do outro antecipa a ação motora da criança (“o olhar da mãe quebra o vaso, antes mesmo de a criança ver o vaso” (BERGÈS, 1986) – Cuidado! Você vai quebrar isso!!!) e a criança, assustada, em estado de alerta, age de acordo com a ação descrita verbalmente pelo adulto (Vai lá e...quebra o vaso!). Além desses dados clínicos, essas crianças nos mostram seu sofrimento e a construção de seu sintoma também por meio das manifestações motoras e posturais (alterações no esquema corporal). Manifestações Posturais • câimbra na escrita; • paratonia; • bloqueios respiratórios; • retenção de gestos; • estado geral de alerta permanente; • tiques, tosses nervosas, etiologia de algumas gagueiras; • bloqueios respiratórios; • a criança também tem di�culdade na organização do brincar, do construir, sua busca (também sempre frustrada) é a de desviar o olhar do outro (para o tique, para a tosse, para a fala) e... quem sabe..., enquanto fora deste olhar antecipatório, mover-se espontaneamente, aliviar sua tensão (porém não consegue, pois está aprisionada em seu tique, em seu sintoma). Manifestações Motoras • gra�smo rígido, usando muito tônus na produção grá�ca, chegando a câimbras; • grande agitação motora, constante mudança de atividade (gra�smo rígido); • grande tensão; • grande contração muscular, estados de hipertonia; • impulsividade; • a criança não sabe brincar, não sabe construir, tem como hábito motor a falta de destreza que conduz à demolição, à destruição, mesmo que não intencional. No entanto, não age sobre quaisquer objetos, age sobre os objetos que têm sentido para o outro, na busca (sempre frustrada) de desviar o olhar do outro (para o objeto em questão) e... quem sabe... fora deste olhar antecipatório, poder mover-se espontaneamente (porém não consegue, pois está aprisionada em sua armadura, em seu sintoma). O corpo é vivido pelo sujeito como um conjunto de tensões internas, um corpo cujo envoltório é percebido como uma fortaleza, uma barreira ao movimento, uma armadura tônica. A instabilidade representa a falência deste sistema. Este estado tensional é um limitador para o corpo, para suas ações e relações com o meio. Estado de Deiscência O Estado de Deiscência apresenta um quadro clínico oposto ao do Estado Tensional, revelando as seguintes características: • presença de um estado de hipotonia generalizada; • características tônicas elásticas e �exíveis (alterações do tônus); • certa apatia; • palidez; • certa labilidade vascular, fazendo hematomas com facilidade; • movimentos rápidos e lábeis dando impressão de descontrole das atividades (gra�smo desordenado). A criança esbarra muito nos objetos (alterações no movimento); • corpo é vivido como que sem fronteiras; um corpo sentido como um envoltório sem consistência, feito de falhas. Além desta sensação de incompletude do envelope corporal, há uma sensação de vazio interno que provoca angústia (alterações da imagem corporal). Para compreendermos como a criança constrói seu sintoma, vejamos como Bergès se remete ao corpo sob o olhar do outro para explicar a gênese do estado de deiscência: Aqui, como no estado tensional, o olhar do outro antecipa a ação motora da criança (“o olhar da mãe quebra o vaso, antes mesmo de a criança ver o vaso” – Cuidado! Você vai quebrar isso!!!) e a criança em vez de reagir com motricidade, tem uma baixa tônica e aborta a ação motora (Não vai lá... não quebra o vaso... não faz nada!). De tanto deixar de agir, sua tonicidade, seu esquema corporal e seus movimentos serão ine�cazes nas relações que estabelecerem com os objetos e com os outros. A instabilidade representaa busca incessante dos limites, a tentativa de estabelecer uma fronteira entre si mesmo e o mundo. Além desses dados clínicos, essas crianças nos mostram seu sofrimento e a construção de seu sintoma também por meio das manifestações motoras e posturais (alterações no esquema corporal). Manifestações Posturais • apatia; • estados de hipotonia (vivência de cansaço); • características tônicas elásticas e �exíveis. Partindo da imagem de um corpo sem fronteiras, podemos observar a expressão do sintoma do estado de deiscência. No caso das manifestações posturais, o “carro-chefe” serão as alterações do sistema neurovegetativo (hiper- hidrose palmar, sudorese, ruídos epigástricos, enrubescimento, empalidecimento), e, como podemos constatar, todas estas manifestações ultrapassam, sem o controle do sujeito, as fronteiras do corpo e se dão a ver ao outro. Manifestações Motoras • gestos rápidos e lábeis dandoa impressão de descontrole das atividades (gra�smo desordenado); • gra�smo lábil, porém preciso (uso de pouco tônus muscular); • busca incessante dos limites, na tentativa de estabelecer uma fronteira entre si mesmo e o mundo, levando a criança a esbarrar muito nos objetos. A criança vive encostada, colada, esbarrando em algo ou alguém, na tentativa (sempre frustrada) de sentir o limite de seu corpo, pois, nestes momentos, tem a falsa sensação de fechamento do envelope corporal (fornecido pelo contato momentâneo). No entanto, ao deparar-se sozinha, sem tocar em nada ou encostar-se a nada, encontra-se tomada pela sensação de vazio interno e de incompletude de seu envelope corporal. Volta, então, a colar-se, a esbarrar... em um moto-perpétuo de luta contra o sintoma. O corpo é vivido pelo sujeito como sendo sem fronteiras, um corpo percebido com um envoltório sem consistência, feito de falhas. A instabilidade, neste caso, está representada pela tentativa, sempre frustrada, do fechamento do envelope corporal, buscando o contato permanente com objetos ou com o outro. Tanto no estado de deiscência como no estado de tensão, o problema está relacionado aos limites corpóreos. Por um lado, encontramos as crianças que apresentam uma envoltura a mais (corpo como fortaleza – estado de tensão), por outro, aquelas que percebem seu corpo como que sem envoltura (corpo sem fronteiras – estado de deiscência), mas sabemos que ambas estão, o tempo todo, buscando informações acerca de seus próprios corpos. Na tentativa de construir este corpo e criar seus espaços, elas acabam por apresentar ações instáveis, compulsivas e, por vezes, agressivas que, ao contrário de estarem se fortalecendo como sujeitos proprietários de seus corpos, estão deixando suas marcas por meio das instabilidades. É importante ressaltar que essas ações sobre o meio são dadas a ver ao Outro e é a eles que ela incomoda. A queixa da instabilidade vem do Outro e não da criança. A Inibição Psicomotora A inibição psicomotora apresenta as seguintes características clínicas: • crianças quietas demais �cam tensas com facilidade, demonstram cansaço e fadiga, paralisia, angústia diante das situações (alterações de tônus – enquanto postura, atitude); • corpo limitado que não se presta à exploração do mundo nem à exploração das relações com o Outro, com movimentos comprometidos, em bloco, bloqueados, inibidos (alterações do movimento); • corpo vivido como se fosse um “objeto bom”, objeto do desejo do outro, sujeitado a este outro (alterações da imagem corporal); • inibição, paralisia, angústia diante das situações; • bloqueio geral, crianças quietas demais; • movimentos amplos são evitados, expressividade e gestualidade pobre e prejudicada; • angustia-se com facilidade; • cansaço e fadiga. Estas crianças são aquelas que não perturbam nunca, todavia estas crianças não só não perturbam mas também não desejam, não lutam pelo que querem, não têm iniciativa, não se defendem, ocupam o lugar de objeto, são extremamente passivas e, por medo e insegurança, se tornam crianças angustiadas, com medo de se exporem, de perderem o lugar de “objeto bom” e, assim, não terem mais lugar nenhum. O olhar do Outro – que nas crianças instáveis aparece controlando, antecipando e cercando suas ações – nessas crianças, não está presente, pois elas precisam ser vistas de outra forma. Esse olhar esteve presente um dia, mas não o su�ciente para a aceitação dela fora desse lugar de objeto. Elas perpetuam com este comportamento, pois é assim que são vistas, é esta a marca de seu comportamento e, para não mexerem com essa dinâmica estabelecida, “se dão a ver para não serem vistas” (LEVIN, 1995). O que não ocorre com as crianças instáveis que “se dão a ver do modo que são vistas”. Segundo Esteban Levin, “as crianças com inibição dissimulam que dissimulam”, isto é, fazem de conta que não querem ser vistas, mas se colocam de tal forma que se fazem notar. A�nal, o que mais querem é serem vistas com um outro olhar!!! Debilidade Psicomotora Descrita por Dupré em 1907 como um processo de interrupção do desenvolvimento das funções motoras e mais precisamente do sistema piramidal, a Debilidade Psicomotora caracteriza-se por alterações no movimento intencional, chegando muitas vezes à impossibilidade de realizar voluntariamente a resolução muscular necessária (paratonia). É descrita como um estado patológico do movimento, com características mais no nível neuromotor do que no psicoafetivo, que apresenta alterações e exaltação de alguns re�exos, sincinesias e paratonias. Segundo Ajuriaguerra, é um “estado de insu�ciência, de imperfeição das funções motoras consideradas em função de sua adaptação aos atos ordinários da vida”. (AJURIAGUERRA, 1981, p. 232) ESTRUTURAS DO SISTEMA NERVOSO – UNIDADES FUNCIONAIS DE LURIA Para que possamos utilizar este instrumento de avaliação psicomotora, faz- se mister que tenhamos acesso aos conhecimentos da Neuropsicologia fornecidos por Luria que irão sustentar a escolha das provas pertinentes à nossa avaliação psicomotora propriamente dita. Luria (1973), de acordo com Vygotsky (apud FONSECA, 1995), aborda a noção de função como um sistema complexo e plástico. As funções psicomotoras e os substratos neurológicos que são por elas utilizados passam a ser vistos como sistemas organizados, dinâmicos e complexos. As funções cerebrais têm, a partir desses estudos, uma localização dinâmica e não restrita e estática como tinham até então. As capacidades cognitivas são analisadas e distribuídas em zonas ou centros corticais, que, apesar de serem diferentes anatomicamente e funcionalmente, estabelecem entre si um trabalho sincronizado e dinâmico. As tarefas são consequências de uma harmoniosa e complexa atividade de estruturas corticais e subcorticais que, por um sistema de retroalimentação e reaferência, caracterizam o “córtex operário”. Ausentes no instante do nascimento, as zonas de trabalho responsáveis pela atividade cognitiva complexa, seja ela psicomotora ou simbólica, são encadeadas estruturalmente durante o processo de desenvolvimento. Toda aquisição cognitiva da criança – postura bípede, manipulação práxica, compreensão auditiva, fala, leitura, escrita etc. – é consequência de uma atividade simultânea e integrada dos centros de trabalho dispersos no cérebro. Inicialmente, são os centros mesencefálicos os responsáveis pelo comportamento motor do indivíduo que produzem os re�exos não condicionados. Da mesma forma que não podemos desvincular a linguagem gestual, a comunicação não verbal emocional e mímica, a atenção, a percepção, a memória e o pensamento da linguagem falada, não podemos estudar de forma isolada a motricidade humana sem levar em conta a organização do tônus de repouso e de ação, o controle postural, a regulação vestibular e espacial, a noção do corpo e sua relação com o espaço, a memória e as aferências do meio. As zonas responsáveis por funções simbólicas ou psicomotoras são distribuídas de forma dispersa pelo cérebrono que diz respeito às suas características anatômicas e psicológicas. O cérebro funciona, segundo a teoria luriana, como um sistema totalizador que opera várias unidades funcionais consideradas como subsistemas. Para Luria, o cérebro é composto de múltiplas estruturas funcionais sistematicamente integradas em três grandes unidades funcionais fundamentais. As três unidades funcionais participam de todo tipo de atividade mental, quer no movimento voluntário, na elaboração práxica e psicomotora, quer na produção da linguagem falada ou escrita. A Primeira Unidade Funcional As estruturas do sistema nervoso, responsáveis pelo funcionamento da primeira unidade funcional, são o tronco cerebral, o diencéfalo e as regiões médias do córtex. Sua função é a regulação do tônus cortical e postural e os estados de alerta (sono e vigília). A formação reticulada é a estrutura responsável pelo tônus cortical, consequentemente pelo tônus corporal, e, além de regular a atenção seletiva das atividades conscientes, ainda é responsável pela regulação de todas as funções vitais do ser humano durante o sono. A formação reticulada está localizada no tronco cerebral (vai do diencéfalo à medula) e é responsável pelas atividades automáticas do ser humano – herança biológica humana (atividades: gastrointestinal, respiratória, cardiovascular, postural e locomotora), funções elementares, porém vitais. A formação reticulada assume, segundo Luria, um papel fundamental na motivação e na aprendizagem. Transforma, pelo do seu poder de integração com os centros superiores, as sensações vindas de várias modalidades sensoriais em uma percepção. Assim como a consistência dos músculos é fundamental para manter as articulações em posições determinadas e necessárias para a ação (SHERRINGTON, 1906), também um certo tônus cortical é determinante para a organização interna que preside às atividades psíquicas superiores. (LURIA, apud FONSECA, 1995, p. 64) A primeira unidade funcional do cérebro trabalha interligada aos sistemas superiores corticais durante as atividades conscientes do homem, sejam elas ligadas à programação da ação voluntária, de processos de decodi�cação e de codi�cação simbólica. Está em atividade desde antes do nascimento, desempenhando participação decisiva durante o parto e durante os processos iniciais de maturação motora. A Segunda Unidade Funcional As estruturas do sistema nervoso, responsáveis pelo funcionamento da segunda unidade funcional, estão localizadas nas regiões posteriores e laterais no neocórtex (convexidade super�cial dos hemisférios cerebrais que contêm as zonas responsáveis pela recepção dos órgãos sensoriais), isto é, a região occipital (áreas 17, 18 e 19 de Brodmann) – análise visual; a região temporal superior (áreas 41, 42 e 22 Br) – análise auditiva, e a região pós-central parietal (áreas 3, 1 e 2 Br) – analisador tátil e cinestésico (ligado ao movimento, ao motor). Sua função é especí�ca e suas células nervosas também, dependendo de sua localização (células do córtex visual não são encontradas no córtex auditivo...). Esta especi�cidade celular faz estas zonas sensoriais serem capazes de processar diferenças sensoriais mínimas, garantindo uma percepção integrada, seletiva e complexa. As áreas primárias são envolvidas por zonas corticais secundárias denominadas por Luria de “áreas gnósicas”, que se sobrepõem funcionalmente às primárias, porém com menos especi�cidade, visto que nelas encontramos mais neurônios associativos, que combinam as informações resultando em padrões funcionais mais complexos, as percepções. As áreas terciárias da segunda unidade funcional são responsáveis por uma “organização espacial dos estímulos sucessivos em grupos de processamento simultâneo, envolvendo sequencialização e simultaneidade da informação que resulta no caráter sintético da percepção”. (LURIA apud FONSECA, 1995) São áreas responsáveis pela integração da informação, direta e simbólica (cognitiva) – linguagem oral e escrita, as operações lógicas, a matemática... Os dois hemisférios cerebrais têm as áreas primárias iguais em ter- mos estruturais (receptores são contralaterais). As áreas secundárias são mais lateralizadas e as terciárias muito mais. O hemisfério direito é mais e�caz no processamento de padrões espaciais, rítmicos da memória não verbal e o hemisfério esquerdo mais e�caz no processamento de padrões verbais (linguagem) e lógicos, categorização e memória verbal. A segunda unidade funcional só entra em funcionamento após o nascimento, estabelecendo importante papel nas relações entre o organismo e o meio (espaço intracorporal e extracorporal). A Terceira Unidade Funcional Esta última implica a organização da atividade consciente, ou seja, a programação, regulação e veri�cação desse tipo de atividade. Está localizada nas regiões anteriores do córtex, à frente do sulco central (áreas pré-central e frontal), região denominada lóbulos frontais. Essas regiões formam um complexo cinestésico único no córtex e possuem sistemas aferentes de projeção com as regiões do córtex e subcórtex, responsáveis pela retroalimentação e reaferência dos sistemas extrapiramidais e por todo sistema de programação, regulação e veri�cação das atividades humanas (sistema cérebro-corticocerebeloso). Ou seja, ao mesmo tempo em que o homem é capaz de reagir a estímulos criando estratégias e programando ações intencionais, inspeciona sua realização, regulando e até reprogramando para que tudo saia como planejado. Todo esse processo requer participação de todas as três unidades funcionais. O desenvolvimento e a perfeição da motricidade humana estão diretamente associados com a formação de áreas terciárias do córtex frontal. Segundo Fonseca (1995), são nessas áreas que se apoiam as bases psiconeurológicas da Psicomotricidade que abrangem as funções de programar, regular, veri�car, integrar e efetivar (executar) ações motoras voluntárias. A terceira unidade funcional difere da segunda no sentido da organização. Enquanto a segunda unidade, responsável pelas funções de recepção (sistema sensorial aferente), se organiza de forma vertical e ascendente (primeiro ativa as áreas primárias, depois as secundárias e, por �m, as terciárias), a terceira unidade funcional, responsável pela função de expressão (sistemas motores eferentes), se organiza de forma vertical descendente, ou seja, a ativação parte das áreas terciárias para as secundárias e destas para as primárias. Destas últimas partem os comandos desde os primeiros motoneurônios superiores aos inferiores e desses para os músculos. É a síntese aferente provocada pela motricidade que confere ao cérebro o papel dinâmico da integração sensorial, que a transforma progressivamente em Psicomotricidade. (FONSECA, 1995, p. 90) As funções corticais de programação, regulação e veri�cação das atividades conscientes não podem ser vistas de forma separada do instrumento fundamental que é a linguagem, que se tornou o “maior regulador do comportamento humano”. (LURIA apud FONSECA, 1995) Nos movimentos automáticos e re�exos, não existe este tipo complexo de atividade cortical, esta atua apenas nos movimentos voluntários nos quais encontramos funções psíquicas superiores e processos mentais humanos formados, elaborados e materializados com base na atividade da linguagem. A terceira unidade funcional depende das duas primeiras e, como já vimos, é responsável pelas ações voluntárias, que só serão realizadas mais tarde. Portanto, nas ações voluntárias, podemos constatar a interação das três unidades funcionais. QUE INSTRUMENTOS USAR? Agora sim, conhecendo o desenvolvimento infantil, podemos partir para a avaliação psicomotora, considerando os transtornos psicomotores e seguindo a veri�cação das três unidades funcionais e seus subfatores psicomotores. Para Fonseca (1995), há uma mensuração por pontos que classi�ca as crianças segundo seu desempenho psicomotor. As criançasque apresentam ausência de resposta nas atividades propostas, realização imperfeita, ou incompleta, ou inadequada e não coordenada de tais atividades são classi�cadas como apráxicas, e seu desempenho é considerado muito fraco. Aquelas que apresentam di�culdade de controle com presença de sinais desviantes demonstrando uma realização fraca, insatisfatória e com disfunções ligeiras são classi�cadas como dispráxicas. Temos ainda, na classi�cação de Fonseca, as crianças eupráxicas que realizam de forma completa, adequada e controlada, apresentando um bom desempenho. Finalmente, uma última classi�cação engloba as crianças que executam de forma perfeita, precisa, econômica e com facilidade de controle todas as atividades propostas, obtendo um desempenho excelente, sendo consideradas hiperpráxicas. A partir de nossa prática clínica, observamos que, muitas vezes, a tarefa, em si, não é cumprida com rigor, porém podemos constatar se a criança usa seu corpo de forma adequada, harmoniosa, demonstrando um bom projeto motor, um tônus adaptado ao ato motor e bom controle de seus movimentos. A importância, para nós, está no uso que a criança faz de seu corpo no espaço e não do cumprimento da tarefa. Nossa classi�cação não irá considerar valor numérico para avaliar a execução da tarefa, buscaremos observar a qualidade do movimento e da utilização de seu corpo em cena, em uma perspectiva descritiva. Tal forma de avaliação (por pontos) acaba por limitar, classi�car, enquadrar a criança em uma tipologia da qual será refém. Nossa forma de relatar os dados colhidos a partir da avaliação busca possibilitar um olhar para as in�nitas possibilidades que a criança apresenta de modi�car seu desempenho. O recurso que propomos, além do rela- tório descritivo, compreende a confecção de um grá�co qualitativo, que oferecerá uma representação do per�l psicomotor da criança, de fácil compreensão para pais, escolas e demais pro�ssionais, sendo também um instrumento bastante útil no momento de uma reavaliação. A partir de diversos instrumentos, devidamente validados, que se propõem a avaliar os aspectos psicomotores, criados por autores renomados, buscamos selecionar aqueles que, em nossa prática clínica, se mostraram de maior e�cácia. Uma dessas formas de avaliação, atualmente utilizada nas áreas de educação e clínica, é a do doutor Vitor da Fonseca, publicada em sua magní�ca obra Manual de Observação Psicomotora, em 1995. Por ser a mais atual e por corresponder teoricamente a nossos interesses clínicos, optamos por considerá- la nosso ponto de partida. No entanto, as obras de Ajuriaguerra, de Picq e Vayer, assim como de Mira Stambak e de Bergès e Lézine nos trazem algumas provas mais completas e, por tal razão, vieram complementar a proposta deste livro. Como observamos no desenvolvimento psicomotor descrito por Gallahue e Ozmun (2001), as habilidades motoras fundamentais devem estar maduras por volta de seis anos. Isso signi�ca que uma criança a partir dos seis ou sete anos deverá realizar, satisfatoriamente, todas as provas propostas neste livro. No entanto, a emergência de tais habilidades se dá por volta dos três a quatro anos, que passaremos a considerar a idade mínima para a aplicação desta avaliação, uma vez que, segundo Wallon (1968), é no estágio sensório- motor que estas crianças já conquistaram o controle da marcha e a linguagem (atividade simbólica) ampliando o espaço do mundo infantil e passarão a mergulhar no estágio projetivo, conquistando o mundo pela ação exercida sobre ele. Segundo esse autor, sem o movimento, a criança não sabe captar o mundo exterior. A função motora, para ele, é o instrumento da consciência. Continuando a olhar o desenvolvimento infantil, podemos observar que é, também, a partir dos seis e sete anos, segundo Piaget (apud AJURIAGUERRA, 1977), que a criança, já inserida em uma rede simbólica, atinge o período das operações concretas, demonstrando grande avanço tanto na socialização como na objetivação do pensamento e na constância da percepção. A criança pode, então, compreender as relações entre as informações que recebe. É, também, por causa desse aspecto cognitivo que podemos esperar que uma criança com integridade neurológica e psicoafetiva em seu desenvolvimento possa realizar com e�cácia as provas propostas. VERIFICAÇÃO DA PRIMEIRA UNIDADE FUNCIONAL DE LURIA 1 – Tonicidade Serão avaliadas duas formas de tonicidade: a de fundo e a de ação. Na primeira, vamos veri�car o aspecto da passividade (segundo Ajuriaguerra e Stambak – a capacidade de relaxamento passivo dos membros e suas extremidades distais perante mobilizações, oscilações e balanceios promovidos pelo observador) e o aspecto da extensibilidade (segundo Ajuriaguerra, 1977 – maior comprimento possível que podemos imprimir a um músculo afastando suas inserções). Após a observação do tônus de fundo, de base ou repouso, deve- mos seguir nossa observação do tônus de ação ou de atitude investigando: • as paratonias (segundo DUPRÉ e AJURIAGUERRA) – incapacidade de descontração voluntária, que podem estar presentes tanto no tônus de repouso como no de ação; • as diadococinesias (segundo QUIRÓZ, apud FONSECA, 1995) – função motora que permite a realização de movimentos simultâneos e alternados, que põem em cena a coordenação cerebelar; • as sincinesias (segundo AJURIAGUERRA, 1977 e SOUBIRAN) – quando um grupo muscular que não foi convidado para a ação vem participar dela – reações parasitas de imitação ou axiais. Para a avaliação de tão importante aspecto psicomotor, optamos pela aplicação do exame de tônus. (AJURIAGUERRA – BERGÈS, 1963) PROVA 1 – EXAME DE TÔNUS (AJURIAGUERRA – BERGÈS, 1963) Manobras para Investigação do Tônus de Fundo Prova 1.1 – Provas de passividade O sujeito deve permanecer passivo e relaxado durante a execução das manobras pelo examinador. Membros superiores Punhos Cotovelos Manter o braço ao longo do corpo e mobilizar somente o antebraço. Atenção no posicionamento da mão do examinador. Atenção para não promover uma rotação externa do braço. Ombros Sustentar o braço em semi�exão e soltá-lo. Ele deverá pendular. Atenção! Poderá aparecer paratonia. Não insistir para que o examinado relaxe, pois se criará mais tensão. Tronco Imprimir balanceio e observar a evolução do movimento no corpo. Membros inferiores As provas serão realizadas na posição sentada. Joelhos Atenção! Poderá aparecer paratonia. Não insistir para que o examinado relaxe, pois isso poderá criar mais tensão. Tornozelos Os dados observados farão parte de seu relatório no �nal da avaliação; por isso, se sentir necessidade, pode ir fazendo anotações durante a investigação. Prova 1.2 – Provas de extensibilidade O sujeito deve promover a extensão do referido segmento corporal sem desconforto e serão observados os ângulos formados pelos segmentos em questão. Membros superiores Punhos Cotovelos Ombros Observar o ângulo que se forma entre braço e antebraço. Atenção! A posição do cotovelo pode oscilar entre a linha média e o bordo da face do lado oposto ao braço que realiza a prova. Tronco Pescoço Atenção! Observar mecanismos posturais de compensação e tentar desarmá-los (sobretudo �exão das pernas). Levar a cabeça para o lado, suavemente, até o aparecimento do esternocleidomastoideo. Membros inferiores O examinado deve apoiar-se em uma das mãos, colocar-se na posição, e o examinador irá, então, sustentar tal posição sem que haja esforço. Veri�ca-se o ângulo que se forma entre a parte posterior da coxa e a panturrilha. Prova 1.3 – Sincinesias Estas podem variar: No tipo: Tônica (só aumento de tonicidade) Tônica-cinética (aumento de tônus com a presença de movimentos) Na intensidade: Pouca intensidade Muita intensidade Na lateralidade: Normalmente estão mais presentes no membro do lado dominante quando este está em repouso. Prova 1.3.1 – Sincinesias de imitação Pede-se uma ação em uma das mãos e obtém-seresposta na outra (fazer com ambas as mãos). Prova de marionetes Prova 1.3.2 – Sincinesias axiais Pede-se uma ação no eixo do corpo (por exemplo: abrir a boca) e obtém-se resposta nas extremidades (ou ao contrário, pede-se uma ação nas extremidades – recortar, por exemplo – e a resposta surge no eixo do corpo). Prova 1.4 – Controle tônico postural Repercutividade – resposta de sobressalto a estímulo sonoro inesperado. Instabilidade postural – de pé, de olhos fechados, braços estendidos para frente. Observar as oscilações antero-posteriores ou laterais, o deslocamento dos membros demonstra a instabilidade no estado de repouso. Instabilidade de ação – de pé, olhos fechados, braços estendidos para a frente e marchar sem sair do lugar ou mover a língua da esquerda para a direita (incitação axial). Segundo os autores, a observação dessas provas juntamente com o comportamento diurno (repouso e atividade) e noturno (qualidade do sono) podem auxiliar na conclusão de possível estado tensional. PROVA 2 – EQUILIBRAÇÃO A observação do equilíbrio também é fator de interesse da primeira unidade funcional, uma vez que envolve ajustamentos posturais antigravitários que dão suporte a qualquer ato motor. O equilíbrio é resultante de uma ação coordenada e simultânea da proprioceptividade, da tonicidade e da exteroceptividade, sendo o ponto de partida para todas as ações coordenadas e intencionais. Pelas provas de equilíbrio estático, podemos observar o grau de controle vestibular e cerebelar da postura. Nosso olhar deverá estar atento aos movimentos faciais, às gesticulações, aos sorrisos, às oscilações, à rigidez corporal, aos tiques, à hiperemotividade. As provas de equilíbrio dinâmico implicam orientação controlada do corpo em situações de deslocamento no espaço, entrando em cena a própria atividade piramidal. Nosso olhar deve estar atento para os sinais como a precisão, a economia e melodia do movimento, o controle, a destreza, o grau de facilidade ou de di�culdade, as assimetrias, as reações de busca de equilíbrio. Vamos observá-lo nas seguintes condições: Prova 2.1 – Equilíbrio estático Imobilidade (FONSECA, 1995) Posição de Romberg: a criança deve estar de pé, braços ao longo do corpo, pés unidos e olhos fechados por 60 segundos (segundo Guilmain, 1971, é a capacidade de inibir, voluntariamente, qualquer movimento durante um curto tempo). Prova 2.2 – Equilíbrio dinâmico Pular, com os pés juntos, uma corda estendida no chão. (PICQ & VAYER, 1977) O terapeuta demonstra o pulo que deverá ser sem impulso, com os joelhos �etidos. Deve haver propulsão. Marcha controlada: andar em linha reta (dois metros), encostando a ponta de um pé no calcanhar do outro pé. Veri�cação da Segunda Unidade Funcional. PROVA 3 – CONHECIMENTO DO CORPO A noção de corpo também deve ser observada e é da responsabilidade da segunda unidade do modelo Luriano. As primeiras provas por nós selecionadas fazem parte da BPM (Bateria Psicomotora) de Vitor da Fonseca, e as demais foram introduzidas na intenção de intensi�car a investigação sobre o conhecimento que a criança pode ter de seu corpo. Com esse �m, recorremos a Bergès e Lézine para a imitação de gestos e verbalização e demonstração das partes do corpo e outros autores para as demais provas. Prova 3.1 – Cinestesia (FONSECA, 1995) O sentido cinestésico segundo Jenkins (apud FONSECA,1995) refere-se ao sentido posicional e ao sentido do movimento fornecido pelos proprioceptores que pertence à somestesia (sensibilidade cutânea e subcutânea). Esta prova consiste em reconhecer e nomear, de olhos fechados, entre 8 e 18 pontos do corpo que lhe forem tocados. Prova 3.2 – Imitação de gestos (BERGÈS & LÉZINE, 1978) Esta prova, segundo Bergès e Lézine, nos permite investigar a gênese da aquisição do esquema corporal na criança assim como a gênese de sua utilização práxica, pela exploração do conhecimento do corpo, de sua orientação, de sua e�ciência postural e motora, nas diversas etapas do desenvolvimento. Uma vez que, nesta prova, o corpo é visto como campo de experiência, como meio de investigação, como referência e como instrumento de utilização, nos é permitido observar a possibilidade da criança de imitar corretamente uma série de gestos efetuados pelo observador, posicionado diante dela. A imitação correta de um gesto proposto como modelo supõe o conhecimento e o controle do corpo enquanto instrumento e a possibilidade de utilizá-lo de forma idêntica ao modelo; supõe, também, o conhecimento do corpo do outro (que é o modelo) e a apreensão do que ele signi�ca. Assim, são abordados fatores de ordem perceptiva e de ordem práxica: Fatores Perceptivos • fator sensorial, ótico, correspondendo à “imagem do corpo” de Picq (apud BERGÈS & LÉZINE, 1978), que coincide com as imagens do mundo exterior e as do corpo do outro; • fatores sensitivos, aferenciais, que, para Head (apud BERGÈS & LÉZI- NE, 1978), uni�cam-se e totalizam-se no esquema corporal; • fator cinestésicos, que vão permitir, como nos diz Shilder (apud BERGÈS & LÉZINE, 1978), a revelação do esquema corporal na experiência cinestésica das estruturas posturais e do movimento. Fatores Práxicos O desencadear, o desenrolar e o �nalizar do gesto representam uma sequência motora que se organiza no tempo e no espaço e a busca da via mais e�caz dentro das possibilidades de imitação. Para explicar a união dos aspectos perceptivos e práxicos, citamos os autores da prova: O esquema corporal da criança está engajado em um movimento imitativo, carregado do “símbolo” da imitação: os elementos perceptivos e perceptivo-motores do esquema corporal são, desta forma, utilizados em um “gesto” simbólico. Essa função práxico- gnósica vai, por sua vez, acarretar um melhor conhecimento do esquema corporal: mensurando por uma série de provas a possibilidade de imitação de gestos, podemos apreciar o grau de maturação desta função práxico-gnósica, e o grau de aquisição do esquema corporal. (BERGÈS & LÉZINE, 1978, p. 2) Na verdade, quando uma criança imita nosso gesto, ela imita uma forma, uma direção, que lhe são propostas, e nos dá a ver a organização geral de seu gesto, investindo suas possibilidades motoras e posturais, suas noções de lateralidade, sua dominância manual, colocando em cena diversas formas de correção na tentativa de imitar o modelo. Imitação de gestos simples Movimentos das Mãos Movimentos dos Braços Quadro da Média de Pontos Obtidos na Pesquisa dos Autores 3 anos 7 a 12 4 anos 13 a 18 5 anos 17 a 19 6 anos 19 a 20 Prova 3.3 – Conhecimento das partes do corpo Partes do corpo nomeadas e designadas sob ordem verbal. (BERGÈS & LÉZINE, 1978) A prova de imitação de gestos coloca a criança em uma situação em que o fator verbal é reduzido ao mínimo, pois a única tarefa da criança é executar os gestos o mais desprovido possível de conteúdo simbólico e de se orientar no espaço. Na prova que utilizaremos a seguir, investigaremos como as diferentes partes do corpo se integram no mundo de suas representações sob a forma de nomeação e veri�caremos as aquisições verbais que a criança possui, na medida em que ela pode mostrar e nomear as partes do corpo que lhe são designadas. Os 25 primeiros itens do inventário apresentado pelos autores foram classi�cados em função de respostas obtidas com crianças de três e quatro anos. Os autores atribuíram 1 ponto para cada item nomeado (0,5 ponto para nomeação sobre o terapeuta e 0,5 ponto para nomeação sobre seu corpo) e 1 ponto para cada item mostrado (0,5 ponto quando mostrado no corpo do terapeuta e 0,5 ponto quando mostrado sobre o próprio corpo). Sabemos que as crianças que apresentam prejuízos motores terão di�culdades na prova de imitação de gestos assim como no desenho da �gura humana. Sendo assim, esta prova lhes dá a possibilidade, mediante a nomeação e localização, de demonstrar seus conheci- mentos a respeito de seu corpo. Protocolo para mostrar e nomearComo ensaio, fazer a criança mostrar e nomear a cabeça, os braços e as pernas. Nomear e mostrar as partes do corpo Nomear no avaliador Mostrar no avaliador Nomear no próprio corpo Mostrar no próprio corpo 1 – Cabelos 2 – Mãos 3 – Pés 4 – Boca 5 – Orelhas 6 – Olhos 7 – Nariz 8 – Costas 9 – Barriga 10 – Joelhos 11 – Dentes 12 – Calcanhares 13 – Testa 14 – Pescoço 15 – Bochechas 16 – Queixo 17 – Polegares 18 – Unhas 19 – Lábios 20 – Ombros 21 – Cílios 22 – Cotovelos 23 – Punhos 24 – Sobrancelhas 25 – Narinas Quadro da Média de Pontos Obtidos na Pesquisa dos Autores. Idade Nomear Mostrar 3 anos 8 10 4 anos 17 18 5 anos 20 21 6 anos 24 25 Prova 3.4 – Desenho da figura humana (desenho de si?) (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978 e FONSECA, 1995) Não cabe, neste livro, fazer um passeio sobre os estudos consagrados à evolução das possibilidades grá�cas da criança nem sobre os estudos que se utilizaram do desenho como teste projetivo, informando-nos sobre sua vida afetiva. O desenho pode representar uma projeção de atitudes ou uma projeção da imagem de si ideal, um estado mais elevado da representação ou, ainda, o simples resultado da observação voltada para os aspectos exteriores de si e do outro. Buscaremos considerar o desenho da criança sob o ângulo da imagem que ela faz de seu corpo, considerando que podem surgir diferenças especí�cas neste desenho, a partir do interesse maior que ela dedica a um ou outro segmento corporal colocado em cena, durante a avaliação. A observação da representação do corpo vivido da criança re�ete seu nível de integração somatognósica e sua experiência psicoafetiva. Nesta atividade, há a integração das atividades parietal-occipitais, retratando as funções de análise, síntese e processamento, representadas gra�camente. Nosso olhar deve estar atento para a postura adotada pela criança, a posição da cabeça diante do papel, a preensão no lápis, a consistência da dominância manual e os sinais disfuncionais do desenho, como, por exemplo: forma, proporção, pobreza ou ausência de partes do corpo. Schilder nos diz que “a forma como as crianças desenham os personagens humanos re�ete realmente seus conhecimentos e sua experiência sensorial do esquema corporal”. (1950) Karem Machover (1953 apud BERGÈS & LÉZINE, 1978) também ressaltou esse aspecto dizendo que “o fato de desenhar uma �gura humana não é somente um problema de destreza grá�ca, mas uma projeção da forma pela qual a criança representa sua imagem corporal”. O próximo item de nossa observação será a Organização Perceptiva e Estruturação Espaço-Temporal que vai envolver as regiões posteriores do córtex, que dizem respeito às funções de análise, processamento e armazenamento da informação, isto é, a integração cortical de dados espaciais (mais ligados ao sistema sensorial-visual – lóbulo occipital) e dados temporais, rítmicos (mais ligados ao sistema sensorial-auditivo – lóbulo temporal). Nosso olhar deve estar atento para a e�ciência da realização das propostas, a expressividade de uma dominância lateral de�nida ou não e a sua capacidade de utilização da assimetria funcional. PROVA 4 – ORGANIZAÇÃO PERCEPTIVA E ESTRUTURAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL A organização perceptiva abarca a organização espacial que, segundo Fonseca, compreende a capacidade espacial concreta de calcular as distâncias e ajustamentos dos planos motores, pondo em cena as funções de análise espacial, processamento e julgamento das distâncias, direção, projeto motor e verbalização da experiência. Envolve as áreas parietais e occipitais (5 e 7) e fornece as informações necessárias para os centros motores piramidais e extrapiramidais. Prova 4.1 – Tabuleiro vazado com três formas (círculo, triângulo e quadrado) O terapeuta coloca as formas alinhadas e o triângulo com o vértice para a criança e gira o tabuleiro. A criança deverá encaixar as formas. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Prova 4.2 – Formação de um retângulo Dois retângulos de cartolina de 14 x 10cm, sendo um deles cortados ao meio em diagonal. O retângulo e os triângulos devem ser apresentados à criança na posição abaixo. Com estes dois triângulos, formar um retângulo. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Prova 4.3 – Representação topográfica (Realizada somente a partir dos seis anos de idade). Capacidade espacial semiótica e de interiorização de uma trajetória espacial partindo de um mapa, envolvendo a transferência de sistemas visuais para sistemas proprioceptivos, pondo em cena atividades espaciais inter- hemisféricas. A criança e o observador realizam um levantamento topográ�co da sala (um mapa). Ambos se posicionam na sala e desenha-se um trajeto no mapa, que deverá ser realizado pela criança. (FONSECA, 1995) Prova 4.4 – Estruturação rítmica (MIRA STAMBAK apud VAYER, 1978). Compreende a capacidade de memorização e reprodução motora de estruturas rítmicas, observando a percepção auditiva, a memória de curto prazo e a translação de estímulos auditivos para proprioceptores. a) Reprodução por batidas das estruturas temporais A criança deve ouvir atentamente a sequência de batidas realizadas pelo observador e, em seguida, reproduzir a mesma estrutura rítmica e o mesmo número de batimentos. Obs.: Parar após três estruturas erradas sucessivamente. Ensaios: 00 e 0 0 1. 000 11. 0 0000 2. 00 00 12. 0000 3. 0 00 13. 00 0 00 4. 0 0 0 14. 0000 00 5. 0000 15. 0 0 0 00 6. 0 000 16. 00 000 0 7. 00 0 0 17. 0 0000 00 8. 00 00 00 18. 00 0 0 00 9. 00 000 19. 000 0 00 0 10. 0 0 0 0 20. 0 00 000 00 b) Simbolização (desenho) das estruturas espaciais Em vez de bater com o lápis, a criança deverá desenhar bolinhas respeitando os intervalos rítmicos que devem ser representados espacialmente. Após observar o cartão confeccionado pelo terapeuta, contendo as estruturas (rodelas de papel vermelho com 3cm de diâmetro, apresentadas sobre um cartão). Obs.: Parar após duas estruturas erradas sucessivas. Ensaios: 00 e 0 0 1. 0 00 6. 0 0 0 2. 00 00 7. 00 0 00 3. 000 0 8. 0 00 0 4. 0 000 9. 0 0 00 5. 000 00 10. 00 00 0 c) Simbolização das estruturas temporais São apresentados os cartões, e a criança bate com o lápis as estruturas, respeitando os intervalos temporais que representam os intervalos espaciais dos cartões (Leitura dos cartões). Estruturas a reproduzir pela batida Ensaios: 00 e 0 0 1. 000 2. 00 00 3. 00 0 4. 0 0 0 5. 00 00 00 Dá-se um ponto por acerto, somam-se os pontos obtidos nos diferentes aspectos da estruturação espaço-temporal (máximo 40 pontos). Quadro da média de pontos obtidos na pesquisa dos autores. Correspondência para a idade Idades Pontos 6 anos 6 7 anos 14 8 anos 19 9 anos 24 10 anos 27 11 anos 32 PROVA 5 – LATERALIZAÇÃO Segundo Luria, a lateralização humana respeita a progressiva especialização dos dois hemisférios, resultante das experiências da motricidade laboral e da linguagem. Sabemos que a lateralização tem componente inato, mas pode ser alterada por fatores sociais e que a manual surge no �nal do primeiro ano de vida, mas se estabelecerá por volta dos quatro ou cinco anos. É importante ressaltar que a integração bilateral é indispensável ao controle postural (universo interoceptivo e proprioceptivo) e ao controle perceptivo (universo exteroceptivo). Na análise da lateralidade, devem ser investigadas não somente a predominância manual mas também a ocular, a auditiva, a pedal e a expressiva. Prova 5.1 – Dominância lateral (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Expressiva: observação de atividades espontâneas e da gestualidade do sujeito (bater palmas, acenar etc.). Preferência das mãos − imitar as seguintes ações: • jogar uma bola • segurar na maçaneta • dar corda no despertador • assoar o nariz • bater um prego com o martelo • utilizar a tesoura • escovar os dentes • escrever • pentear-se • distribuir o baralho Avaliação: D – quando efetua as 10 provas com a mão direita. d – quando efetua 7, 8 ou 9 provas com a mãodireita. E – quando efetua as 10 provas com a mão esquerda. e – quando efetua 7, 8 ou 9 provas com a mão esquerda. M – todos os outros casos. Dominância de olhos: • sighting – cartão de 15 x 25cm com um furo no centro • telescópio • luneta Avaliação: D – se utiliza o olho direito nas três provas. d – se utiliza em duas das três provas. E – se utiliza o olho esquerdo nas três provas. E – se utiliza em duas das três provas. M – uso indistinto dos olhos (é raro). Dominância pedal: • Chutar a bola. • Levar uma caixa de fósforos, com um pé só, até o alvo. • Retirar a bola do canto da parede. Avaliação: D – utiliza-se o pé direito nas duas provas. E – utiliza-se o pé esquerdo nas duas provas. M – utiliza-se um a cada prova. Desta forma, teremos: Para um destro completo: D – D – D. Para uma lateralidade cruzada: D – E – D. Para uma lateralidade mal a�rmada: d – d – D. Prova 5.2 – Reconhecimento da direita e da esquerda (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978). Em si mesmo − pedir à criança que mostre: 1 – a mão direita; 2 – a mão esquerda; 3 – o olho direito. No corpo do outro: A criança e a terapeuta face a face. O terapeuta pede à criança que toque sua mão esquerda. Em seguida, pede à criança que toque o pé direito. Depois o terapeuta segura uma bola na mão direita e pergunta: “A bola está em qual mão?”. Veri�cação da Terceira Unidade Funcional Está ligada basicamente à área 4 de Brodmann (zona motora do córtex) e às áreas 6 e 8, zonas pré-motoras. PROVA 6 – PRAXIA GLOBAL Está mais relacionada com as áreas 4, 6 e 8, responsáveis, segundo Luria, pela realização e automação dos movimentos globais complexos. Estas áreas antecipam ou preparam o movimento propriamente dito e são ricamente conectadas com as estruturas subcorticais. Prova 6.1 Com os pés juntos, saltar para frente e mantê-los unidos até o contato com o chão. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Prova 6.2 Saltar sem impulso, acima de um elástico colocado a 20cm do chão (joelhos �exionados). (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Prova 6.3 Com os olhos abertos, saltar uma distância de cinco metros com a perna esquerda, a outra �exionada em ângulo reto com o joelho, os braços ao longo das coxas. Após 30” de repouso, o mesmo exercício será executado com a outra perna. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Prova 6.4 Coordenação oculomotora: é a capacidade de coordenar movimentos manuais com referências perceptivo-visuais. a) Pede-se à criança que efetue cinco lançamentos de uma bola de tênis no cesto que está colocado a certa distância: 1,50m para quatro ou cinco anos e 2,50m para a partir de seis anos. (FONSECA, 1995) b) Apanhar com uma mão uma bola de 6cm de diâmetro lançada a 3m de distância. Após 30” de descanso, o mesmo exercício será executado com a outra mão. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Prova 6.5 Coordenação oculopedal: é a capacidade de coordenar movimentos pedais com referências perceptivo-visuais. Sugere-se à criança que realize cinco chutes na bola de tênis com o objetivo de fazer a bola passar entre as pernas da cadeira, a uma distância determinada, como descrito para a coordenação oculomotora – Prova 6.4. (FONSECA, 1995) Nosso olhar deve estar atento às dismetrias, reações de busca de equilíbrio, sincinesias, destreza e precisão do movimento. Prova 6.6 Dissociação de movimentos é a capacidade de individualizar vários segmentos corporais em um gesto ou em gestos sequenciais e exige a capacidade de plani�cação motora e de generalização motora, demandando uma interação complexa dos sistemas piramidais, extrapiramidais e cerebelosos coordenados em função de um plano estruturado das aquisições aprendidas. Tal precisão e re�namento são coordenados por um plano cortical. A criança deverá ser observada no que concerne a membros superiores entre si, a membros inferiores entre si e à dissociação entre os superiores e inferiores. a) Sugere-se que a criança, de pé, realize vários batimentos das mãos sobre a mesa, nas seguintes sequências (quatro vezes): 2MD – 2ME 2MD – 1ME 1MD – 2ME 2MD – 3ME b) Sugere-se que a criança sentada ou de pé, realize vários batimentos dos pés nas seguintes sequências (quatro vezes): 2PD – 2PE 2PD – 1PE 1PD – 2PE 2PD – 3PE c) Para a coordenação e dissociação das quatro extremidades, sugere-se (quatro vezes): 1MD – 2ME – 1PD – 2PE 2MD – 1ME – 2PD – 1PE 2MD – 3ME – 1PD – 2PE PROVA 7 – PRAXIA FINA Compreende a micromotricidade e a perícia manual, estando mais relacionada com a área 8, no lóbulo frontal, nas regiões anteriores do córtex, e está intimamente ligada às áreas visuais. Coordenação dinâmica manual: refere-se à destreza bimanual e à agilidade digital, envolvendo o planejamento motor das extremidades distais em integração completa com a atenção, a �xação e a captação visual de objetos. Prova 7.1 – Construir torre com seis cubos Construir uma torre com seis cubos a partir do modelo feito pelo terapeuta. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Prova 7.2 – Fazer um nó O terapeuta dá um nó com o cadarço em um lápis para demonstração e deixa como modelo. A criança deverá dar um nó no dedo do terapeuta. Obs.: o importante é o nó se manter, aceita-se qualquer tipo de nó. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Prova 7.3 – Confeccionar uma pulseira de clipes A criança deverá compor uma pulseira de clipes (cinco para quatro e cinco anos e oito para a partir dos seis anos) o mais depressa possível. Prova 7.4 – Diadococinesia a) O polegar deve tocar cada um dos dedos, em um ir e vir ritmado e constante. (FONSECA, 1995) b) A extremidade do polegar esquerdo sobre a extremidade do indicador direito e vice-versa. O indicador direito larga o polegar esquerdo e faz uma circunferência em torno do indicador esquerdo, a �m de se reunir ao polegar esquerdo enquanto o indicador esquerdo não abandona o polegar direito. Em seguida, o mais rápido possível, o indicador esquerdo larga o polegar direito e descreve uma circunferência em torno do indicador direito sobre o polegar esquerdo e assim por diante. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978) Prova 7.5 – Velocidade e precisão Propor que a criança, em um papel quadriculado, faça um traço em cada quadrado, com a maior velocidade possível, sem deixar que o traço esbarre nas margens dos quadrados, durante 1 minuto. (MIRA STAMBAK apud FONSECA, 1995) Quadro da Média de Pontos Obtidos por Idade na Pesquisa da Autora Idade Número de Traços (Na Melhor das Mãos) 6 anos 57 7 anos 74 8 anos 91 9 anos 100 10 anos 107 11 anos 115 Para concluir, gostaríamos de citar Esteban Levin (1999), que nos esclarece enormemente com sua frase sobre a avaliação psicomotora, alertando-nos para a aplicação leviana de qualquer instrumento de avaliação que tenha como objetivo mensurar o desempenho infantil, sem contextualizar a criança em seu meio familiar e social. A avaliação psicomotora sistemática, mensurada por idade ou atividades quantitativas, acaba por fornecer informações acerca desta desenvoltura, que é o corpo da criança, suas dispraxias, sincinesias e paratonias, seu equilíbrio, sua lateralidade, seu esquema corporal e como ela se estrutura no tempo e no espaço, porém, nenhuma é capaz de informar a respeito da “estrutura que subjaz ao transtorno psicomotor”. (LEVIN, 1999) COMO AVALIAR BRINCANDO? Este capítulo surgiu a partir de situações clínicas nas quais a avaliação sistemática não tinha lugar, uma vez que a criança não respondia bem àquilo que lhe era proposto, quer por incapacidade de atenção, por imaturidade psicomotora ou por impossibilidade psicoafetiva, de forma que, partindo de nossa experiência clínica, selecionamos situações lúdicas nas quais, por meio de brinquedos e brincadeiras próprias da infância, todos os aspectos psicomotores pudessem ser observados. Para o que aqui propomos, é importante que o terapeuta tenha uma disponibilidade pessoal para o brincar e para a relação. Algo que não é tão fácil quanto parece. Durante as atividades propostas, o terapeutae as sandálias alados, símbolos de movimento e velocidade. Sendo considerado o deus do movimento, explica-se facilmente a eleição como padrinho, pois o movimento, a destreza e a agilidade são interesses da Psicomotricidade. Psiquê e Mercúrio foram eleitos os padrinhos da Psicomotricidade porque a Psicomotricidade se ocupa de iluminar aquilo que está oculto por detrás do movimento e, para isso, é fundamental a curiosidade voltada para o conhecimento, com o objetivo de desenvolver a destreza e a velocidade. HOMENS CRIANDO HISTÓRIA A palavra “corpo” em Sânscrito diz-se garbhas, que signi�ca “embrião”; em Grego, karpós quer dizer fruto, semente, envoltura; no Latim, corpus quer dizer “tecido membranoso, envoltura da alma, embrião do espírito”. Apesar dos diferentes signi�cados, não se registra na história da humanidade um ser que tenha existido ou vivido sem ele. Por ser o corpo tão complexo e fundamental à existência do homem, vários foram os poetas, �lósofos e estudiosos que se dedicaram a conhecer e desvendar seus prazeres e mistérios. Para compreendermos melhor o carrefour no qual se forma a Psicomotricidade, convém retomar um caminho na história do pensamento e suas inquietações sobre o corpo, este, sim, objeto de estudo da Psicomotricidade. Desde a Grécia antiga, poetas e �lósofos teciam considerações sobre o corpo. Os poetas exaltavam o corpo físico, sua estética, seus detalhes, que o tornavam objeto de inspiração, de desejo, de adoração, a exemplo de Homero. O homem vivo abriga em si mesmo outro Eu e essa existência se atesta por meio dos sonhos, quando então o outro EU se desprende, podendo envolver outros duplos; a alma ou psychê uma vez desligada permanece como uma imagem que, mesmo guardando semelhança com o corpo, carece de consciência própria porque não conserva as faculdades espirituais. (BERESFORD, 1999) Os �lósofos gregos pretendiam explicar o Universo questionando a unidade das coisas, separando a ciência da magia, pensando em um mundo sem partir de um deus. Já os pré-socráticos referiam-se a um corpo mais realista, mais metafísico e se preocupavam não mais com o Universo e suas questões, mas sim com o próprio homem e seu comportamento, seu corpo e sua alma. Avançando no tempo, chegamos a Sócrates (470–399 a.C.), que considerava a imortalidade da alma e o corpo como um lugar transitório dessa alma imortal: “A alma é claramente superior ao corpo e encontra-se nele como uma prisão [...], deve-se, por isso, cuidar da alma e não temer a morte” (MONDIN apud BERESFORD, 1999); preocupação com a moral e com a ética, por isso o tema socrático “conheça-te como a ti mesmo”. Para Platão, o ente humano era composto pelo dualismo corpo e alma: “O homem é uma ‘coisa’ que, como as demais, participa de uma ideia”; a realidade ideal explica a alma (imaterial) e sua encarnação corpórea; o corpo depende da alma mito; carro alado; virtudes; temperança, coragem e justiça; a saúde e o esplendor físico como virtudes, desde que sirvam para o desenvolvimento moral e intelectual. Assim, para Platão, o corpo estava no “mundo das coisas”, no mundo visível, mundo da sensibilidade e da percepção, e a alma, no “mundo das ideias”, do pensamento – no princípio de tudo. Propondo um pensamento mais racionalista, Aristóteles, discípulo de Platão, pleiteava que o corpo é matéria, moldado pela alma e que esta seria responsável por colocar o corpo em movimento: A alma é a forma do corpo, [...], o corpo vivente o é por ter alma, por estar informado por ela [...], é ela quem o fez ser atual e realmente corpo; a alma é, portanto, princípio vital que constitui os entes animados... E como os sentidos da “vida” são diversos, corresponderão a eles os diferentes tipos de alma, desde a que informa e vivi�ca o vegetal até a que faz o homem ser o que é, um animal dotado de razão, capaz de pensar e de conhecer, de elevar-se até o eterno e divino e de ser, de certo modo, todas as coisas que adquirem seu “verdadeiro” ao serem conhecidas pelo homem, pontos de luz de sua mente e enunciadas pelo logos humano, que diz o que são. (BERESFORD, 1999) Com o advento do Cristianismo, diferentemente da Filoso�a, a religião vem oferecer uma resposta para tudo, na �gura de Deus. Desta forma, o corpo passa a ser visto como algo “não são”, seus prazeres vistos como sendo o pecado. E a Filoso�a foi voltando seu interesse para a metafísica e a estrutura da alma, afastando-se da Ciência e da Política e aproximando-se da religião. Em outros tempos, em Roma, Marco Aurélio (120–180 d.C.) sugere: “Todas as coisas do corpo são como um rio, e as da alma, um sonho...” Mas é com Plotino (204–270 d.C.) e o neoplatonismo que o corpo surge, para a Filoso�a, como sendo algo mau e o espírito, algo bom. Sendo assim, a alma é, como no Cristianismo, superior ao corpo e, abaixo dela, estariam a matéria e a natureza. Essa aproximação entre o pensamento �losó�co e a religião irá reinar até o �nal da Idade Média, caracterizando, no pensamento �losó�co ocidental, o período denominado “idade das trevas”. O Renascimento (1440–1540) traz à luz um novo senso de investigação crítica, inspirado nos gregos, e o mundo se abre às novas ideias e aos novos exploradores, que virão a constituir a base da Filoso�a e Ciência modernas. O corpo volta a ser campo de investigação com Descartes (1596-1650), o que nos leva ao retorno ao dualismo corpo e mente: “corpo só é uma coisa externa que não pensa”, e “alma é a substância pensante, que não participa de nada que pertence ao corpo” (apud LEVIN, 1995). Para este autor, havia uma separação entre mente e corpo, mas ambos funcionavam juntos, aparentemente em perfeita harmonia: “É evidente que eu, minha alma, pela qual sou o que sou, é completa e verdadeiramente diferente do meu corpo, e pode ser ou existir sem ele.” (DESCARTES, 1979) No campo da ciência, no início do século XIX, F. Maine de Biran (1766– 1824), �lósofo e psicólogo francês, diferentemente de Descartes, identi�ca que a alma precisa do corpo para assumir sua intencionalidade. Diz ainda que é o corpo que possibilita à alma tomar consciência de sua existência. O movimento é visto como um componente essencial na formação do Eu. Henri Bérgson (1859-1941), �lósofo francês, a�rma que a consciência implica, primeiramente, uma tomada de decisão e, em seguida, sua execução; “o cérebro imprime ao corpo movimentos e atitudes que desempenham o que o espírito pensa”; a inteligência é prática; o corpo como um aspecto fundamental da constituição do homem. Nessa mesma época, explode o conhecimento nas áreas voltadas para o estudo do cérebro e suas funções, período identi�cado como localizacionista, no qual se atribuía a cada sintoma uma localização cortical correspondente, surgindo, assim, o modelo anatomoclínico. A preocupação de autores como Broca e Wernicke era o mapeamento cerebral, pois o corpo era visto como uma máquina, e o interesse da ciência era voltado para a estrutura dessa máquina. Tais intenções foram, mais tarde, esquematizadas por Pein�eld (homúnculo de Pein�eld, 1954). Wernick, em 1900, emprega pela primeira vez o termo composto psicomotricidade. (FONSECA, 1998) Simultaneamente, no campo da Neuro�siologia, imperava o modelo estímulo versus Resposta, do neurologista russo Pavlov (1849–1936), que a�rmava que um determinado estímulo, em organismos semelhantes, provocaria nestes a produção da mesma resposta. Era intenção de Pavlov estender essa teoria para além da Fisiologia, aplicando-a ao estudo do comportamento humano. Foi Sherrington (1907) que veio questionar este paradigma, descrevendo a ação integradora do sistema nervoso, veri�cando que a correspondência entre o centro cortical e a função não explicava grande número das disfunções. Para este autor, um estímulo poderia chegar ao corpo e ser captado por diferentes canais sensoriais, percorrer diferentes caminhos no cérebro e, portanto, ser exteriorizado de forma diferente em cada organismodeve se deixar envolver pelo prazer do brinquedo, pelo jogo, pelo estar em cena junto com a criança, não se preocupando em tirar conclusões precipitadas sobre o que está vendo e vivendo. A atividade espontânea não signi�ca ausência de regras, pois está sob as regras do simbólico. Se, por exemplo, �ca designado ao terapeuta o papel de �lho, há regras para se comportar como um �lho, há um script, que será coconstruído pela dupla em cena. Estas regras simbólicas estão implícitas em todo o faz de conta. No entanto, eventualmente, regras explícitas podem ser necessárias, como, por exemplo: não se machucar, não machucar o outro e não destruir objetos que poderão vir a ser usados novamente. Estas poucas regras têm a função de enquadrar, dar continência, dar segurança para a criança no espaço terapêutico. Apesar de estar em cena, o terapeuta deve estar atento àquilo que deve observar sem perder o �o condutor do processo de avaliação. O quadro, a seguir, busca correlacionar os aspectos cognitivos, psicoafetivos e psicomotores possíveis de serem observados por meio de um jogo ou de uma brincadeira especí�ca. Nossa preocupação não é apresentar uma receita de como usar os jogos selecionados. Temos apenas a intenção de sugerir algumas das in�nitas possibilidades que nos oferece o brincar, que tanto vêm a contribuir em uma avaliação psicomotora. Aspectos Cognitivos, Psicoafetivos e Psicomotores a Observar em Jogos e Brincadeiras Jogo ou Brincadeira Aspecto Psicomotor Aspecto Psicoafetivo Aspecto Cognitivo Dedoches Lateralidade Coordenação �na Movimentos distais Diadococinesia Controle oculomotor Linguagem – função simbólica Relação entre os personagens Nomeação dos personagens Percepção das cores Linguagem – organização do pensamento Encaixe de Formas Lateralidade Organização espacial Coord. motora �na Controle oculomotor Conteúdo-continente Sucesso versus fracasso Percepção de formas e tamanhos Orientação espacial Nomeação e processos de classi�cação Lego Lateralidade Organização espacial Praxia �na Controle oculomotor Construção versus função versus simbolização Criatividade Criatividade Percepção de formas, tamanhos e cores Categorização Fogão e Panelas Lateralidade Organização no espaço Movimentos distais Faz de conta Contextualização da cena Construção versus função versus simbolização Linguagem – vocabulário e conteúdo línguoespeculativo Criatividade Banho da Boneca Sequência de movimentos Praxias do vestir Dissociação de movimentos Lateralidade Noção do corpo Construção versus função versus simbolização Faz de conta Contextualização da cena Projeção da relação entre mãe e bebê Linguagem – nomeação e localização das partes do corpo – esquema corporal Ferramentas Lateralidade Coordenação oculomotora Dissociação de movimentos Tônus (força e adequação ao movimento) Criação e construção/ destruição Linguagem – vocabulário Sequência lógica Orientação temporal Campo de Futebol Coordenação oculomotora Praxia �na Tônus (força) Reação ao perder ou ganhar Aceitação das regras Compreensão das regras Percepção temporal Percepção de quantidade Telefone Controle motor Praxia �na Reconhecimento da função do objeto Jogo simbólico Conhecimento dos números Linguagem Categorização e conceituação A Ponte do Rio Que Cai (Linha, Tábua, Caminhos) Equilíbrio dinâmico Eixo corporal – esquema corporal Coordenação dinâmica geral Organização espaço- temporal Emoções básicas Desa�o e autocon�ança Compreensão das regras Percepção espaço-temporal Bola Praxia global Ritmo Lateralidade Tônus (força) Eixo corporal – esquema corporal Reação ao perder ou ganhar Criação e aceitação das regras Percepção espaço-temporal PROTOCOLOS PARA A AVALIAÇÃO PSICOMOTORA (MATTOS & KABARITE, 2005) PRIMEIRA UNIDADE FUNCIONAL Prova 1 – Tonicidade Prova 1.1 – Passividade Membros superiores Pulso ____________________ Cotovelo ____________________ Ombro ____________________ Tronco ____________________ Membros inferiores Joelho ____________________ Tornozelo ____________________ Considerações: _________________________________________________ _____________________________________________________________ ____________________________________ Prova 1.2 – Extensibilidade Membros superiores Pulso ____________________ Cotovelo ____________________ Ombro ____________________ Tronco ____________________ Pescoço ____________________ Membros inferiores Joelho ____________________ Considerações: _________________________________________________ ___________________________________________________ Prova 1.3 – Sincinesias Na resposta positiva, marque um X: Tipo: Tônica ( ) Tônico-cinética ( ) Intensidade: Pouca ( ) Muita ( ) Lateralidade: __________________________________________________ ______________________________ a) Sincinesias de imitação (marionetes) ____________________ b) Sincinesias axiais ____________________ Prova 1.4 – Controle tônico-postural a) Repercutividade presente ( ) ausente ( ) b) Instabilidade postural ____________________ c) Instabilidade de ação____________________ Prova 2 – Equilibração Prova 2.1 – Equilíbrio estático a) Imobilidade (Romberg)____________________ Prova 2.2 – Equilíbrio dinâmico Pular com os dois pés juntos uma corda estendida no chão________________ ____ Marcha controlada (2 metros) ____________________ Considerações: ________________________________________ Final das Provas que Avaliam a 1a Unidade Funcional SEGUNDA UNIDADE FUNCIONAL Prova 3 – Conhecimento do Corpo Prova 3.1 – Cinestesia De olhos fechados, a criança deverá nomear pontos no corpo tocados pelo observador. 8 pontos (até seis anos) ____________________ 18 pontos (após os seis anos) ____________________ Prova 3.2 – Imitação de gestos Quadro da Média de Pontos Obtidos na Pesquisa dos Autores 3 anos 7 a 12 4 anos 13 a 18 5 anos 17 a 19 6 anos 19 a 20 Considerações: ____________________ Prova 3.3 – Conhecimento das partes do corpo Nomear e localizar as partes do corpo listadas sobre o próprio corpo e sobre o corpo do outro. Como ensaio, fazer a criança mostrar e nomear a cabeça, os braços e as pernas. Nomear e mostrar as partes do corpo Nomear no avaliador Mostrar no avaliador Nomear no próprio corpo Mostrar no próprio corpo 1 – Cabelos 2 – Mãos 3 – Pés 4 – Boca 5 – Orelhas 6 – Olhos 7 – Nariz 8 – Costas 9 – Barriga 10 – Joelhos 11 – Dentes 12 – Calcanhares 13 – Testa 14 – Pescoço 15 – Bochechas 16 – Queixo 17 – Polegares 18 – Unhas 19 – Lábios 20 – Ombros 21 – Cílios 22 – Cotovelos 23 – Punhos 24 – Sobrancelhas 25 – Narinas Quadro da Média de Pontos Obtidos na Pesquisa dos Autores Idade Nomear Mostrar 3 anos 8 10 4 anos 17 18 5 anos 20 21 6 anos 24 25 Prova 3.4 – Desenho da figura humana (desenho de si?) Considerações: ________________________________________ Prova 4 – Organização Perceptiva e Estruturação Espacial Prova 4.1 – Organização perceptiva Tabuleiro vazado de formas (círculo, quadrado e triângulo) Prova 4.2 – Formação de um retângulo Formar retângulo a partir de dois triângulos dispostos desta forma: Prova 4.3 – Representação topográfica Confeccionar, junto com a criança, o mapa da sala (planta baixa) e, em seguida, traçar um trajeto no mapa que deverá ser efetuado pela criança, no espaço. _____________________________________________________________ ___________________________________________________________ Prova 4.4 – Estruturação rítmica Reprodução rítmica das estruturas abaixo: Obs.: Parar após três estruturas erradas sucessivamente. Ensaios: 00 e 0 0 1. 000 11. 0 0000 2. 00 00 12. 0000 3. 0 00 13. 00 0 00 4. 0 0 0 14. 0000 00 5. 0000 15. 0 0 0 00 6. 0 000 16. 00 000 0 7. 00 0 0 17. 0 0000 00 8. 00 00 00 18. 00 0 0 00 9. 00 000 19. 000 0 00 0 10. 0 0 0 0 20. 0 00 000 00 Simbolização: desenhar as estruturas rítmicas abaixo, batidas pelo observador: Obs.: Pararapós duas estruturas erradas sucessivas. Ensaios: 00 e 0 0 1. 0 00 6. 0 0 0 2. 00 00 7. 00 0 00 3. 000 0 8. 0 00 0 4. 0 000 9. 0 0 00 5. 000 00 10. 00 00 0 Simbolização das estruturas abaixo pela leitura dos cartões: Ensaios: 00 e 0 0 1. 000 2. 00 00 3. 00 0 4. 0 0 0 5. 00 00 00 Quadro da média de pontos obtidos na pesquisa dos autores Correspondência para a idade Idades Pontos 6 anos 6 7 anos 14 8 anos 19 9 anos 24 10 anos 27 11 anos 32 PROVA 5 – LATERALIZAÇÃO Prova 5.1 – Dominância Lateral Expressiva: ____________________ Preferência das Mãos Atividades Uso da mão direita Uso da mão esquerda 1. Jogar uma bola 2. Dar corda no despertador 3. Bater um prego com o martelo 4. Escovar os dentes 5. Pentear-se 6. Segurar na maçaneta 7. Assoar o nariz 8. Utilizar a tesoura 9. Escrever 10. Distribuir o baralho Dominância Ocular Atividades Uso do olho direito Uso do olho esquerdo 1. Sighting 2. Telescópio 3. Luneta Dominância Pedal Atividades Uso do pé direito Uso do pé esquerdo 1. Chutar a bola 2. Conduzir uma caixa de fósforos com um pé só 3. Retirar a bola do canto da parede Quadro Geral de Dominância Lateral Expressiva Manual Ocular Pedal Prova 5.2 – Reconhecimento direita/esquerda Mostrar em si mesmo: – a mão direita ____________________ – a mão esquerda ____________________ – o olho direito ____________________ Mostrar no outro: – mão esquerda ____________________ – pé direito ____________________ – pegar a bola que está na mão direita ____________________ Final das Provas que Avaliam a Segunda Unidade Funcional TERCEIRA UNIDADE FUNCIONAL Prova 6 – Praxia Global Prova 6.1 – Saltar com os dois pés juntos para frente _____________________________________________________________ ___________________________________________________________ Prova 6.2 – Saltar sem impulso sobre um elástico (20cm) _____________________________________________________________ ___________________________________________________________ Prova 6.3 – Saltar em um pé só (5m) _____________________________________________________________ ___________________________________________________________ Prova 6.4 – Coordenação oculomotora Jogar cinco bolas ao cesto Agarrar a bola de tênis com uma das mãos Prova 6.5 – Coordenação oculopedal: cinco chutes a gol Prova 6.6 – Dissociação de movimentos Realizar vários batimentos de mãos, pés e mãos e pés, na seguinte frequência: Mãos Pés Mãos e Pés 2MD – 2ME 2PD – 2PE 1MD – 2ME – 1PD – 2PE 2MD – 1ME 2PD – 1PE 2MD – 1ME – 2PD – 1PE 1MD – 2ME 1PD – 2PE 2MD – 3ME – 1PD – 2PE 2MD – 3ME 2PD – 3PE Prova 7 – Praxia fina Prova 7.1 – Construir torre com seis cubos _____________________________________________________________ ___________________________________________________________ Prova 7.2 – Fazer um nó _____________________________________________________________ ___________________________________________________________ Prova 7.3 – Confeccionar uma pulseira de clipes _____________________________________________________________ ___________________________________________________________ (usar cinco clipes para crianças com menos de seis anos e oito para as maiores) Prova 7.4 – Diadococinesia Polegar e outros dedos Polegar e indicador _____________________________________________________________ ___________________________________________________________ Prova 7.5 – Velocidade e precisão: traços no papel quadriculado _____________________________________________________________ ___________________________________________________________ Quadro da Média de Pontos Obtidos por Idade na Pesquisa da Autora Idade Número de Traços (Na Melhor das Mãos) 6 anos 57 7 anos 74 8 anos 91 9 anos 100 10 anos 107 11 anos 115 Final das Provas que Avaliam a Terceira Unidade Funcional O RELATÓRIO – UM OLHAR PARA ALÉM DO DESEMPENHO Após realizadas as avaliações sugeridas neste livro, devemos elaborar um relatório a ser entregue aos pais em um encontro no qual deverão ser comentados os resultados analisados. Este mesmo relatório pode, também, ser encaminhado para os demais pro�ssionais envolvidos no caso, assim como à escola. É importante que utilizemos uma linguagem acessível, não demasiadamente técnica, para a fácil compreensão daqueles que o receberão. Muitas vezes, os termos técnicos (sem suas devidas explicações) podem ser obstáculos até mesmo para as questões que os pais podem levantar. Alguns dados formais devem fazer parte da estrutura do relatório, tais como: nome completo, data de nascimento, data da avaliação, procedência da indicação, motivo (neste item, podem também estar contidos dados relevantes de sua anamnese) e a justi�cativa do uso dos instrumentos de avaliação eleitos. Este relatório deve ser descritivo e retratar um per�l da criança, de forma que, para o leitor, ela seja vista com transparência. Dados relativos à relação que se estabeleceu durante as sessões de observação são muito relevantes, pois demonstram a disponibilidade da criança e seu investimento afetivo, cognitivo e psicomotor na experiência de avaliação. Caso tenhamos utilizado os recursos lúdicos sugeridos no capítulo anterior, faz-se necessária uma atenção especial à descrição do brincar, pois sua riqueza não é mensurável, mas de extrema qualidade! Uma forma bastante prática e clara de demonstrar os resultados da avaliação, que pode ser inserida após o relatório, é o grá�co qualitativo, no qual os subfatores avaliados ganham uma representação grá�ca. O grá�co qualitativo traz como vantagem, diferente dos demais grá�cos normalmente utilizados, o fato de não determinar a idade cronológica especí�ca de tal desempenho. Sem rotular a criança, ele retrata a qualidade da realização da tarefa, deixando transparecer os aspectos que devem receber maior investimento em seu projeto terapêutico. Outra utilidade importante do grá�co é a possibilidade de visualizar ganhos qualitativos em uma segunda avaliação. Exemplo: Dominância Lateral E M O P d d D e Dominância Lateral E M O P D D D e Legenda: T = Tonicidade EQ = Equilíbrio CC = Conhecimento do Corpo OP/EET = Organização Perceptiva e Estruturação Espaço-Temporal PG = Praxia Global PF = Praxia Fina Quadro da dominância lateral: E = Expressiva M = Manual = O Ocular P = Pedal O impacto visual que o grá�co traz permite uma fácil compreensão das informações que desejamos registrar. Essa forma demanda, no entanto, um pequeno comentário sobre a imagem enriquecendo a descrição do grá�co, uma vez que tanto os ícones utilizados para identi�car os subfatores quanto os marcadores devem ser explicitados. Ao �nal dos comentários, deveremos colocar-nos disponíveis para a troca pro�ssional e o trabalho transdisciplinar; por isso, devemos assinar e colocar nosso registro pro�ssional, assim como nossos contatos. REFERÊNCIAS AJURIAGUERRA, J. 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Deuses Criando História Homens Criando História O Brasil Entra na História Moral da História – Afinal, o Que É Psicomotricidade? UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO Tabela de Reflexos Habilidades Motoras Estabilizadoras Habilidades Motoras Locomotoras Habilidades Motoras Manipulativas QUANDO O CORPO NÃO SERVE PARA... A Importância da Anamnese na Forma de Entrevista O Que Observar em um Primeiro Contato? A Qualidade na Avaliação Por Que Avaliar? O QUE CONSIDERAR ANTES DE INICIAR A INVESTIGAÇÃO? Transtornos Psicomotores Estruturas do Sistema Nervoso – Unidades Funcionais de Luria QUE INSTRUMENTOS USAR? Verificação da Primeira Unidade Funcional de Luria Prova 1 – Exame de Tônus (AJURIAGUERRA – BERGÈS, 1963) Prova 2 – Equilibração Prova 3 – Conhecimento do Corpo Prova 4 – Organização Perceptiva e Estruturação Espaço-Temporal Prova 5 – Lateralização Prova 6 – Praxia Global Prova 7 – Praxia Fina COMO AVALIAR BRINCANDO? Protocolos para a Avaliação Psicomotora Primeira Unidade Funcional Segunda Unidade Funcional Terceira Unidade Funcional O RELATÓRIO – UM OLHAR PARA ALÉM DO DESEMPENHO REFERÊNCIAShumano. Estaríamos diante do surgimento de uma certa subjetividade orgânica? A partir desta ótica, a preocupação da ciência médica passa a ser o funcionamento do organismo e não sua estrutura, indo além da teoria de Pavlov. Para Sherrington, o organismo isolado é diferente do organismo em uma situação. Na França, o psiquiatra Jean Martin Charcot (1888), por meio de pesquisas realizadas acerca do membro fantasma em amputados, investiga o imaginário referente à integridade corporal do homem, dando importância ao conceito de inconsciente, que mais tarde virá a ser de�nido de maneira rigorosa por Freud. A França passa a ser, para a Psicomotricidade, o grande centro de estudos e pesquisas no avanço desta ciência. Foi Ernest Dupré (1907), neurologista francês, que estabeleceu uma correlação entre motricidade e inteligência, descrevendo, para o meio cientí�co, a síndrome do movimento sem danos ou lesões localizadas no cérebro – o conceito de debilidade motora. Segundo Ajuriaguerra (1981), Dupré conceituou debilidade motora como um estado patológico, congênito do movimento, em geral hereditário e familiar, caracterizado pela exaltação dos re�exos tendinosos, perturbação do re�exo plantar, sincinesias, inépcia dos movimentos voluntários intencionais, que chegam a impossiblidade de realizar voluntariamente a resolução muscular (paratonias). A palavra Psicomotricidade surge no �nal do século XIX, mas ainda relacionada com zonas do córtex cerebral. Situada “mais além” das regiões motoras, sua de�nição é inicialmente baseada nos fundamentos neurológicos. Como podemos ver, o “esquema anatomoclínico” já não consegue explicar esses fenômenos. O termo “debilidade motora”, de Dupré, foi substituído por “debilidade psicomotora”. As contribuições de Dupré, assim como as de Freud e de Wallon, vêm humanizar o corpo, reduzindo o imperialismo neurológico e abrindo cada vez mais espaço para o fortalecimento da Psicomotricidade. Henry Wallon, em 1925, estuda a relação do movimento com o afeto e com a formação do caráter para o desenvolvimento infantil e considera o tônus como a ponte entre o mundo biológico e o mundo psíquico. É ao tônus que ele atribui a grande importância de ser o primeiro veículo de comunicação do bebê. Wallon descreve, assim, o que conhecemos por diálogo tônico: É a forma de comunicação entre a mãe e o bebê, por meio das manifestações e alternâncias tônico-afetivas, caracterizadas pela “hipertonia do desejo” (manifestação tônica, observada por meio do aumento de tônus do bebê e da descarga de tensão no choro, quando ele sente necessidades, como fome, frio e aconchego) e pela “hipotonia da satisfação” (manifestação tônica observada por meio de um estado de relaxamento global, após uma mamada, uma troca de fralda, a saciedade da necessidade em questão). Wallon dá sequência a seus estudos, propondo etapas evolutivas para o desenvolvimento infantil. Com Sigmund Freud, médico e psicanalista, passa a ser valorizado o imaginário do homem e introduz-se o conceito de inconsciente. O corpo (biológico) é a fonte das pulsões, centro das relações do Ser com o mundo (mãe, a princípio); “o corpo é o lugar onde se identi�cam e se �xam as pulsões que não têm acesso à consciência e à palavra, ou seja, que constituem os processos inconscientes”. Salientando a importância das relações de afeto para o desenvolvimento e formação da subjetividade, o corpo passa a ser visto não somente humanizado, mas singular, único, subjetivado. Na década de 1930, Arnold Gesell elaborou uma escala de desenvolvimento infantil (características motoras, conduta adaptativa, linguagem e conduta pessoal-social) referente a cada ano de idade. Gesell de�niu características motoras como “as reações posturais, a preensão, a locomoção geral do corpo e outras aptidões especí�cas”. (GESELL & AMATRUDA, 1990) As contribuições de Jean Piaget por meio da Psicologia e da Biologia vieram auxiliar na estruturação do desenvolvimento humano em fases, considerando o processo maturacional do Ser, tanto em nível físico como em cognitivo, afetivo, motor, linguístico, moral e social. Baseado nas perspectivas teóricas abertas por Wallon, Edouard Guilmain (1901–1983) introduz o protótipo do exame psicomotor, mais tarde consolidado por Pierre Vayer. Este autor aplica as ideias de Dupré e Wallon, buscando uma forma de reeducação do movimento. Investigava um método de exame direto, para descobrir o “fundo” do qual “os atos motores” seriam a “consequência”. Guilmain queria mais que apenas medir as capacidades motoras. Para ele, o exame psicomotor é um meio de diagnóstico, de indicador terapêutico e de prognóstico e não apenas simples estatuto de medida (crítica que fez aos testes de Ozeretski, após sua tradução para o Francês, em 1936, considerado por Guilmain como “escala métrica”). Guilmain concordava com a perspectiva de Wallon, que considera a função tônica como interventora na tomada e manutenção das atividades e na execução dos movimentos e do equilíbrio, da coordenação motora. Os estudos de Edouard Guilmain acompanham o paralelismo traçado por Wallon entre motricidade e caráter, no qual os distúrbios e o comportamento infantil seriam, em parte, consequências do estado de suas funções de atividades motoras e que, melhorando seu desempenho, estariam “corrigindo” seu caráter. Também acreditava serem “falta de educação do caráter” os casos inversos, nos quais a criança apresentava desempenho satisfatório no exame psicomotor, mas sérios defeitos de caráter. Nos últimos casos, a intervenção deveria se dar no meio ambiente, e a psicoterapia representaria para a criança um meio para restabelecer seu equilíbrio psíquico momentaneamente comprometido. Foi Guilmain que propôs um esboço de reeducação psicomotora, por meio de exercícios de educação sensorial, educação de desenvolvimento da atenção e trabalhos manuais; tal reeducação era indicada aos instáveis, aos impulsivos, aos paranoicos leves, a jovens delinquentes, emotivos, obsessivos e apáticos. Os neuróticos e os psicóticos estruturados, os de�cientes morfostáticos e funcionais, os de�cientes motores cerebrais, os débeis mentais não recebiam indicações deste autor para reeducação psicomotora. Um novo olhar sobre o corpo e sobre os distúrbios psicomotores nos é trazido por Ajuriaguerra (1977), que vem rede�nir a debilidade psicomotora de Dupré, considerando-a uma síndrome com características próprias. Ajuriaguerra delimita com clareza os transtornos psicomotores, une o desenvolvimento psicológico infantil ao neurológico e alerta que o corpo não é ferramenta ou objeto (como foi de�nido por Descartes – fragmento do espaço visível e mensurável). Diz: “O homem é o seu corpo”. Ajuriaguerra afasta de�nitivamente a Psico-motricidade da visão do dualismo cartesiano e do período localizacionista. Retira o hífen e dá à palavra Psicomotricidade uma unidade. Descreve, por meio de seus estudos, uma abordagem terapêutica composta de etiologia, sintomatologia, formas de avaliação e trata- mento, estabelece um exame psicomotor e uma técnica de tratamento especí�ca de relaxação, de�nindo a Psicomotricidade como uma técnica que, por intermédio do corpo e do movi- mento, dirige-se ao ser na sua totalidade. Ela não visa à readaptação funcional por setores e, muito menos, à supervalorização dos músculos, mas à �uidez do corpo no seu meio. Seu objetivo é permitir ao indivíduo melhor sentir-se e, por meio de um maior investimento da corporalidade situar-se no espaço, no tempo, no mundo dos objetos e chegar a uma modi�cação e uma harmonização com o outro. (AJURIAGUERRA, 1977) Na década de 1970, pesquisadores, como Bergès, Diatkine, Jolivet, Launay, Leibovici, entre outros, introduzem no contexto da Psicomotricidade a relação e de�nem tal dinâmica como uma “motricidade de relação”, trazendo o olhar da Psicanálise para o enriquecimento da compreensão dos fenômenos psicomotores. Pesquisadores importantes �zeram a históriado corpo e da mente ou da interação entre corpo e mente ou ainda a dinâmica do Ser existente em movimento construindo-se como Ente a partir da sua concretude – “Eu sou meu corpo” (MERLEAU-PONTY, 1945): Jean Le Boulch, Germaine Rossel, Dalila Costallat, André Lapierre, Bernard Aucouturier, Aleksander Luria, Pierre Vayer, entre outros. A Psicomotricidade acompanha a história do corpo e da humanidade identi�cando que “o homem é o seu corpo” diferente da visão cartesiana que propunha “o homem e seu corpo”. O homem, Ser falante, fala de seu corpo (de si em uma perspectiva física que o denomina ou representa sem, muitas vezes, sua tomada de consciência) e vai adquirindo consciência disto e atribuindo a si e ao mundo, que o ajuda a se perceber, signi�cados, isto é, valores. A Psicomotricidade inicia-se nesta relação entre homem e vida, ou seja, inserção do Ser na vida a partir de seu movimento. Apesar dessas contribuições iniciais da Psicanálise, no campo prático, o corpo ainda era abordado em sua globalidade, embora maior importância viesse sendo dada à afetividade e ao emocional da pessoa. Práticas clínicas, como a de Françoise Desobeau, já traziam este novo viés psicanalítico, porém é a visão global do corpo que vem marcar uma diferença entre a postura reeducativa, caracterizada pelos trabalhos de Guilmain, de Vayer, e a postura terapêutica, esta última sendo defendida por Acoutourrier e Lapierre, denominada, primeiramente, de “Psicomotricidade relacional”. A partir dessa época, começam a ser levados em conta autores como Freud, Klein, Winnicott, Spitz, Zazzo, Reich, Schilder, Lacan, Mannoni, Dolto e Sami Ali, psicanalistas que falavam da vida emotiva e do sujeito e de seu corpo. Entram no vocabulário da Psicomotricidade termos, como inconsciente, transferência e imagem do corpo. Com esse novo olhar, atravessado pela teoria psicanalítica, Esteban Levin (1995) nos propõe a clínica psicomotora, na qual, diferente da terapia, o corpo não seria visto em sua globalidade, mas sim em sua incompletude. Na prática clínica, o psicomotricista estaria preocupado com o sujeito da transferência. Atualmente, na França, encontramos Bergès e M. Bounes, Frederique Bosse, entre outros psicanalistas e psicomotricistas, que desenvolveram seus próprios métodos de relaxação, contribuindo para a divulgação da Psicomotricidade no mundo. Em estudos mais recentes, Vitor da Fonseca (1998) enfatiza “a necessidade de se abordar o signi�cado do movimento como comportamento, em uma relação consciente e inteligível entre a ação do indivíduo e a situação circunstancial, evitando-se observações restritas ao trabalho de ossos, articulações e músculos, como se o corpo fosse uma máquina posta em movimento por um psiquismo que habita o cérebro”. Como trata da relação entre o homem, seu corpo e o meio físico e sociocultural no qual convive, a Psicomotricidade se fundamenta em campos cientí�cos, como a Neuro�siologia, a Psiquiatria, a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia e a Educação. Considerando o aspecto interdisciplinar da Psicomotricidade, Ajuriaguerra, em 1973, posiciona-se: “O ato motor não pode ser concebido como o funcionamento de sistemas neurológicos justapostos. [...] só podemos compreender a ação quando consideramos o ponto inicial, o desenvolvimento e a �nalidade que esta ação pretende alcançar”. (1977) O BRASIL ENTRA NA HISTÓRIA No VII Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, em 1998, Françoise Desobeau declarou que, desde o ano de 1963, já tinha a grande certeza de que a terapia psicomotora existia. Ela nos esclarece que os psicanalistas e outros especialistas da saúde mental criticavam a reeducação psicomotora dessa época, pelo modo como era conduzida e pelo fato de ela responder aos sintomas, passando ao lado do verdadeiro problema do sujeito. Por outro lado, Françoise Desobeau se colocava, pessoalmente, contra os velhos métodos que, efetivamente, não levavam em conta a pessoa em toda sua dimensão. O de�cit é somente a face visível que subentende toda uma organização psíquica. Ela trazia como importante contribuição para o grupo médico a técnica da atividade espontânea da criança. Era uma mediação. O importante era: O que se fazia desse discurso recebido dessa maneira? Então, em Paris, Desobeau e outros psicomotricistas construíram os primeiros instrumentos de trabalho, no enquadramento do Sindicato Nacional, que criaram para existir de acordo com a lei (Anais do VII Congresso, 1998). Esses instrumentos foram: a análise da clínica em grupos de discussão; a revista érapie Psychomotrice para publicar os primeiros tateios; as jornadas anuais de Terapia Psicomotora para reunir todos os que se interessavam pela Psicomotricidade e poder re�etir com eles. Em 1972, durante as jornadas anuais de terapia psicomotora, psicólogos e psicomotricistas da Bélgica, França e Suíça se encontraram e decidiram criar a Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora. Essa associação foi criada o�cialmente em 1974, e sua sede estabelecida em Bruxelas. Essa dimensão internacional da pro�ssão foi absolutamente necessária para que exista, hoje, no mundo inteiro o psicomotricista. É indispensável que os psicomotricistas de todo o mundo se reconheçam e trabalhem juntos e que a Psicomotricidade seja conhecida e reconhecida como uma terapia, e mesmo uma psicoterapia com mediação corporal. Outras correntes existem, todas respeitáveis. Há trabalho para todos. A Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora tem três objetivos essenciais, sendo o primeiro o de fortalecer a Terapia Psicomotora, o de re�etir, trabalhar em um espírito de abertura e de pesquisa cientí�ca e o de difundir tais trabalhos por meio de colóquios e congressos internacionais e publicar seus anais. Além disso, e isto é uma outra história, no plano pessoal, foi em 1977 que Françoise Desobeau veio ao Brasil, convidada por Beatriz Saboya e seus colaboradores. Eles tinham conhecido suas ideias em Psicomotricidade e estavam curiosos para conhecer mais. Tratava-se de construir, e a determinação desse grupo de pro�ssionais brasileiros permitia que se pusessem a trabalhar, aliados aos franceses, a �m de estabelecer esta nova disciplina. Foi assim que nasceu a Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora, criando um vínculo privilegiado com a Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora. Beatriz Saboya, na mesma ocasião, nos relatou que mantinha estreito contato com o trabalho que os franceses vinham desenvolvendo, por meio de seus livros e, principalmente, pelas revistas da Sociedade Internacional e Francesa de Psicomotricidade. Simone Ramain e Françoise Desobeau apresentavam formas claras e bonitas de pensar e trabalhar. Foram as primeiras a virem ao Brasil a convite do grupo de logopedistas – Relindes de Oliveira, Márcia Moraes e Solange iers – que liderou os contatos com Mlle. Ramain, no �nal dos anos 1960, e Beatriz Saboya que nos possibilitou o conhecimento de Françoise Desobeau, em meados dos anos 1970. O Método Ramain chegou efetivamente ao Brasil, no ano de 1969. Sua proposta era vivencial-grupal, mas a abordagem era de cunho psicomotor- pedagógico. Trabalhava-se a psicocinética e atividades de gra�smo, recorte e outras, sem qualquer embasamento teórico. Simonne Ramain faleceu em fevereiro de 1975, tendo vindo ao Brasil até dezembro de 1974, trabalhando no Rio. Nessa data, sentindo a doença e �nitude, ela rea�rmou seu desejo de que Solange iers prosseguisse sua obra no Brasil (THIERS, n/p). Em 1977, �cou decidido em acordo mútuo que a equipe francesa deixaria de vir ao Brasil e Solange iers assumiria os grupos de formação de pro�ssionais e prosseguiria a pesquisa do Ramain. Já Françoise Desobeau, uma das fundadoras da Societé International de èrapie Psychomotrice, veio ao Brasil todos os anos, por um período de 30 dias, de 1976 a 1987, para trabalhar com vários grupos de pro�ssionais, dando seguimento a grupos de terapia, estudos teóricos e supervisão.Na sua segunda vinda, em 1977, Françoise começou a motivar e apoiar a fundação da Sociedade Brasileira, que viria a ocorrer em 1978. Assim, um grupo começou a se organizar. Eram pro�ssionais de áreas diferentes da Saúde e da Educação (Educação Física, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Musicoterapia, Pedagogia, Psicologia e Terapia Ocupacional), representando oito Estados do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Distrito Federal). O fechamento desses estudos, que durou dois anos, foi feito na histórica reunião de Araruama, no Rio de Janeiro. Os pro�ssionais �caram três dias reunidos, em julho de 1980, e conseguiram determinar os objetivos, currículos e estatutos e escolher, por votação, o símbolo da Sociedade Brasileira de Terapia Psicomoto-ra (SBTP) (Anais do VII Congresso, 1998). Registrada a SBTP, o grupo percebeu que o passo seguinte seria a realização de um congresso de âmbito nacional, que teria como objetivo a divulgação, a pesquisa e a fundamentação cientí�ca da Psicomotricidade. Todos trabalharam como “42 formiguinhas” (SABOYA, 1998) para o sucesso do encontro, que teve como tema O Corpo em Movimento, em julho de 1982, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 1983, os especialistas comemoraram a vitória dos esforços de sete anos com os Anais do evento e realizaram a eleição do segundo Conselho Nacional sob a presidência de Regina Morizot. O II Congresso Brasileiro de Psicomotricidade aconteceu em Belo Horizonte, MG, 1984. O tema foi O Corpo Integrado, corpo de um sujeito inteiro, com todos seus aspectos, neurobiológicos, psíquico-fantasmáticos, sociais, inseridos em um momento histórico de conquista política da democracia. Falou-se da teoria da Psicomotricidade, seguindo palavras citadas pela presidente do congresso, Maria Terezinha Araújo: “Nada está separado de nada, e o que não compreenderes em seu próprio corpo, não compreenderás em nenhum outro lugar”. A prática foi um ponto culminante do congresso, com vivências dirigidas por diversos pro�ssionais e com apresentação de vários trabalhos. Revelando cunho bem social, houve, por exemplo, o atendimento preventivo psicomotor em escolas estaduais da periferia de Belo Horizonte. Outro ponto interessante do congresso foi a integração, nesses espaços, entre o corpo e a arte. Foi um congresso que trouxe várias contribuições de grande seriedade, divulgando bem o nome da Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora. Mas, além das realizações dos congressos, nossa sociedade continuava crescendo (iremos agora chamá-la de nossa, pois uma das autoras deste livro passou a fazer parte desse processo). De novembro de 1982 a novembro de 1984, Regina Morizot exerceu o cargo de presidente do Conselho do Capítulo Nacional. Tendo feito parte do I Conselho, como vice-presidente, a meta era, mediante uma mesma �loso�a, continuar a luta pelos nossos ideais e objetivos, dentre eles, a expansão da Psicomotricidade em todo o Brasil com a formação de novos Capítulos e os rumos da formação, cujo gérmen já tinha sido lançado no primeiro encontro em Araruama, RJ. Estávamos em um momento em que eclodia a Psicomotricidade entre nós, pelo êxito do I Congresso, no Rio de Janeiro, além das formações que vinham se realizando, desde 1982, por meio de Françoise Desobeau, e a de Psicomotricidade Relacional, com André Lapierre. Os cursos rápidos e informativos até então existentes cediam lugar a Cursos de Especialização, Aperfeiçoamento e Pós-graduação em faculdades ou universidades. O Conselho, gestão 1982–1984, criou uma Comissão Cientí�ca para que pudéssemos repartir as atribuições. Talvez um dos pontos altos dessa gestão tenha sido a criação do Ipéra, até hoje, o nosso Boletim Informativo. O III Congresso Brasileiro e o I Seminário Internacional de Psicomotricidade, em Porto Alegre, 1986, surpreenderam e con�rmaram a energia com que esta Sociedade, que então tinha nada mais do que seis anos, nasceu. Reuniu aproximadamente 1.900 pessoas sob a presidência da psicomotricista e sócia titular Maria Aparecida Pabst. Pela primeira vez, reuníamos quatro convidados estrangeiros: Vitor da Fonseca (Portugal), André Lapierre e Françoise Desobeau (França) e Angela Biagglio (Itália). A fundação do Capítulo Cearense, em Fortaleza, CE, foi uma iniciativa importante, pois, com sua criação, chegávamos ao Nordeste, em 1987. Coube ao Capítulo Carioca organizar o IV Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, em 1989. Regina Morizot foi convidada para presidir o encontro que preparou o retorno do Conselho Nacional para o Rio de Janeiro. O Conselho tinha sede no Rio Grande do Sul e, naquela época, era presidido por Margarida Oppliger Pinto. Segundo Regina Morizot, o IV Congresso foi um marco por ter sido, também, o I Encontro de Pro�ssionais da Psicomotricidade. Era a a�rmação de nossa identidade, a identidade do psicomotricista enquanto pro�ssional. Talvez fosse o momento de uma busca teórica profunda, de pesquisar, de colocar em cena a subjetividade desse corpo como sistema de relação, na sua implicação com outros corpos, no seu lado inconsciente e na sua história de vida. Que tema poderia sintetizar todos esses aspectos? Sem sombra de dúvida, A Imagem do Corpo, tema do IV Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, em 1989. Discutimos O corpo real e imaginário, A formação da imagem corporal, O olhar e o toque, O narcisismo, O estádio do espelho, A palavra em Psicomotricidade, A transferência corporal e sobretudo A formação do terapeuta em Psicomotricidade, com a participação de pro�ssionais nacionais e estrangeiros, como Françoise Desobeau, Yann Beltz, Sami Ali, Vitor Garcia e Juan Garralda. Envolvemos neste Congresso muitos renomados psicanalistas e psiquiatras do Rio de Janeiro. Convidamos pro�ssionais das áreas do Psicodrama, da Análise Bioenergética, da Terapia Familiar. Digamos que abrimos o leque para trabalhar as semelhanças e diferenças. Assim, nossa pro�ssão, cada vez mais, passava a ser reconhecida tanto pelo meio social como pelo cientí�co. A partir daí, sob a presidência de Vera Mattos, buscamos, primeiramente, veri�car o caráter normativo da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP) e objetivamos seu registro com fórum permanente no Rio de Janeiro. Objetivamos também fortalecer ainda mais a nossa Sociedade, buscando a mesma força que tinha em sua origem, a marca da interdisciplinaridade. Implementamos grande contato com os Capítulos regionais para que iniciássemos a reforma estatutária. Para tal, conseguimos trazer para a Assembleia Geral os presidentes de todos os regionais que, em uma sessão exaustiva (48 horas), notaram as modi�cações previamente estudadas. O V Congresso Brasileiro de Psicomotricidade foi realizado em Salvador, BA, em setembro de 1992. Com o tema O Sujeito na Prática Psicomotora. Nesse encontro, buscou-se re�etir como questão fundamental “o desejo daquele que se propõe a fazer parte do processo, fosse ele de cura ou educacional, tomando a prática de cada um como particular e, principalmente, reveladora de si mesmo”. Como convidados internacionais, tivemos o professor Jean Bergès, Françoise Desobeau e André Lapierre (França), Esteban Levin (Argentina), Denise Muniz (Espanha) e, dentre os convidados nacionais, demos um espaço especial a todos os pro�ssionais pioneiros da Psicomotricidade no Brasil, como Beatriz Saboya, Cely Wagner, Eneida Holzmann, Margarida Pinto, Maria Aparecida Pabst, Regina Morizot, Solange iers e Suzana Cabral. A partir desse evento, a Psicomotricidade toma uma nova dimensão na Bahia, tanto na ampliação no campo de atuação quanto no de estudos, com o início dos cursos de formação. Foi na Bahia, já visando à legalização, que iniciamos a coleta das assinaturas dos pro�ssionais da área e de áreas a�ns, reunidas no manifesto de apoio à legalização de nossa pro�ssão. Também na Bahia, contamos com a presença e apoio do diretor do InstitutoBrasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR), Dr. Hermínio da Silveira, que havia, em 1990, inaugurado o Primeiro Curso de Graduação em Psicomotricidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Em 1991, Solange iers apresentou ao mundo cientí�co o CESIR – Núcleo Ramain-iers. Já havia desenvolvido o su�ciente: uma teoria própria criada pela experiência vivida e muito estudo. Em um ano, deu forma a um material próprio para crianças, adolescentes e adultos, diferentes do Ramain. Introduziu a leitura psicanalítica e escreveu a proposta corporal baseada nos momentos de desenvolvimento emocional. O nome Ramain-iers é uma homenagem a Simonne Ramain e um movimento de respeito a Solange iers: o hífen marca a diferença e o vínculo (THIERS, n/p). A partir do V Congresso, nosso objetivo foi o de ampliar o número de sócios titulares, por meio de uma alternativa à apresentação de monogra�as. Criamos a prova de Titulação cujos critérios foram estabelecidos em Assembleia Geral, visando ao reconhecimento do pro�ssional titular quando da ocasião da legalização da pro�ssão, outorgando-lhe o título de psicomotricista. Ainda em Assembleia Geral, sugerimos e aprovamos a criação do Capítulo Aspirante que, após um ano de atividades cientí�cas, viria a se tornar regional. Mantivemos sempre estreito contato com o IBMR, que caminhava em busca da legalização de seu curso de graduação. O VI Congresso, que deveria ter lugar em Porto Alegre, RS, mas foi absorvido pela Diretoria do Nacional, sendo realizado no Rio de Janeiro. Nesse evento, optamos por privilegiar os psicomotricistas, convidando todos os sócios titulares da SBP para compor a programação cientí�ca. Esse congresso teve como tema A Especi�cidade da Psicomotricidade, e nada mais justo do que dar a palavra aos psicomotricistas. Observamos que nenhum de nossos sócios estava ativamente ligado à SITP (Société International de Psychomotricité), portanto implementamos a �liação de dez sócios à Internacional e hoje já somos muito mais. A marca de nossa sociedade vem sendo a união, o desejo de congregar todo pro�ssional em Psicomotricidade, respeitando todas as linhas de trabalho, em um objetivo maior – o crescimento e a valorização da Psicomotricidade enquanto ciência e o reconhecimento do psicomotricista enquanto pro�ssional. Chegamos ao VII Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, no Ceará, 1998, cujo tema foi a Psicomotricidade de Fato e de Direito – Formação e Ética, nas palavras de Ana Olivieri, teríamos chegado à SBP de fato e de direito. Ela se referia à sua gestão, cuja Diretoria (conselho diretor), pela primeira vez na história da SBP, venceu uma eleição onde existiam duas outras chapas concorrentes. O parecer de Dayse Campos Souza, presidente do VII Congresso, nos faz observar que a trajetória continua – o caminho percorrido não para de se recriar, e novas vertentes surgem. A Psicomotricidade é um fato, ela está entre nós neste momento. Não apenas em existência, mas em luta incansável na busca de produzir laços para informar, formar e reciclar pro�ssionais que tenham a�nidade com o campo da Psicomotricidade e que sejam das áreas de saúde e de educação. O Capítulo Cearense, dentro de uma postura ética, conseguiu sensibilizar o meio universitário, tendo como resultado a criação de dois cursos de pós- graduação em Psicomotricidade: sendo um ministrado na UNIFOR – Universidade de Fortaleza, e outro na Universidade Federal do Ceará. Durante todos esses anos, em nosso País, diversos cursos de formação se constituíram, alguns deles de cunho acadêmico, nas universidades espalhadas pelo território nacional e outros como cursos livres. Dentre estes últimos, podemos citar os de Regina Morizot, o de Beatriz Saboya; o CESIR – Núcleo Ramain-iers, de Solange iers; a CLAVE – encontros cientí�cos, de Claudia Lutterbach e Vera Mattos; o Néctar, de Silvia Carné; o CEPP, de Leila Manso; o CIAR e outros de igual relevância. Tais centros de formação, acadêmicos ou não, só vêm a enriquecer e projetar a importância da Psicomotricidade em nossa sociedade. O mais recente de nossos congressos, não o último com certeza, aconteceu em Recife (PE) com o tema central Psicomotricidade, uma Realidade Transdisciplinar e contou com a carismática presença de André Lapierre e com as grandes contribuições de Vitor da Fonseca, Victor Garcia e Esteban Levin, assim como de pro�ssionais de renome do território nacional. Na certeza de que ainda produziremos muito e de que inúmeros encontros cientí�cos serão realizados, esperamos ter concluído de forma verdadeira um pouco de nossa história. MORAL DA HISTÓRIA – AFINAL, O QUE É PSICOMOTRICIDADE? Como vimos, foi Wernick que empregou pela primeira vez, em 1900, o termo composto psico-motricidade. Este autor pode ser visto como um representante do modelo anatomoclínico que atribuía a cada sintoma uma lesão focal correspondente no cérebro (relação direta e de causalidade entre a lesão e os sintomas). Naquela época, a preocupação da classe médica era com a estrutura do cérebro, o mapeamento cerebral. O corpo era visto como uma máquina (homúnculo de Pein�eld) e estaria representado, no cérebro, de cabeça para baixo, na parte superior e externa, em ambos os lados, perto da �ssura de Rolando, com representação motora na frente e sensitiva atrás. Já para Henri Wallon (1925), psicólogo francês que realizou estudos pertinentes à motricidade e ao caráter, o importante era a relação entre o movimento e o afetivo, o emocional, o meio ambiente e os hábitos do homem, e isto marca o primeiro momento do campo psicomotor – o paralelismo: a relação entre o corpo expressado basicamente no movimento e a mente expressada no desenvolvimento intelectual e emocional do indivíduo. Wallon dedicou atenção ao estudo da função tônica da musculatura e sua relação com a esfera emocional. Para ele, o desenvolvimento da personalidade não pode ocorrer de forma separada das emoções, e o tônus é visto como o pano de fundo de todo ato motor, estando diretamente correlacionado com as emoções e vice-versa. Em sua dissertação intitulada A Criança Turbulenta, em 1925, nos diz: “O movimento é, antes de tudo, a única expressão e o primeiro instrumento do psiquismo”. (WALLON, 1968) É no paralelismo entre motricidade e caráter (WALLON) e entre motricidade e inteligência (PIAGET) que podemos perceber o delinear do campo da Psicomotricidade, pois admitir o paralelismo é conceber um relacionamento entre as partes envolvidas. Outro autor que trouxe grandes contribuições à formação do conceito de Psicomotricidade foi Jean Le Boulch, que a�rma: “O domínio corporal é o primeiro elemento do domínio do comportamento”. A educação psicomotora concerne uma formação de base indispensável a toda criança que seja normal ou com problemas. Responde a uma dupla �nalidade: as- segurar o desenvolvimento funcional, tendo em conta as possibilidades da criança, e ajudar sua afetividade a expandir-se e a equilibrar-se mediante o intercâmbio com o ambiente humano. A terapia psicomotora refere-se particularmente a todos os casos-problemas nos quais a dimensão afetiva ou relacional parece dominante na instalação inicial do transtorno. Pode estar associada à educação psicomotora ou se continuar sem ela... Ao contrário, a reeducação psicomotora impõe-se nos casos onde o de�cit instrumental predomina, ou corre o risco de acarretar, secundariamente, problemas de relacionamento. (LE BOULCH, 1982) Em seu livro Psicomotricidade, Coste a�rma que a reeducação psicomotora tem por objetivo desenvolver esse aspecto comunicativo do corpo, o que equivale a dar ao indivíduo a possibilidade de dominar seu corpo, de economizar sua energia, de aperfeiçoar o seu equilíbrio [...] É uma técnica em que se cruzam múltiplos pontos de vista e que utiliza as aquisições de numerosas ciências constituídas (Biologia, Psicologia, Psicanálise, Sociologia e Linguística). (COSTE, 1977) Dentro de uma perspectiva mais atual, Esteban Levin nos brindacom uma bela de�nição do que seria a clínica em Psicomotricidade: A Psicomotricidade se ocupa de um sujeito que fala por meio de seu corpo, suas posturas, seus movimentos, seus gestos, seu tônus muscular, seu eixo corporal. [...] Não é o corpo que sofre ou que fala, mas sim um Sujeito por meio de seu corpo, de seus movimentos, de suas relações tônicas, de seus gestos [...] Tornar-se psicomotricista é um trabalho que não tem �m, pois a cada vez, com cada paciente, começa o trajeto cheio de particularidades que só culmina com um recomeçar de novo.[...] O compromisso e a responsabilidade do psicomotricista são não retroceder frente ao sujeito que fala e sofre por meio de seu corpo. (Anais VI Congresso, 1995) A psicomotricista cearense, Cláudia Jardim, também nos brinda com sua de�nição do campo psicomotor: “O primordial em Psicomotricidade não é utilizar uma técnica nova, diferente, e sim não perder de vista o sujeito, o objeto desta técnica”. Segundo a autora, a Psicomotricidade situa-se nas fronteiras das ciências da saúde e das ciências humanas e busca “rea�rmar a integridade do ser, que, além de orgânica e biológica, é também social, espiritual, cognoscível e sensível”. (Anais VI Congresso, 1995) Em Bases Psicomotoras (1995), Beatriz Saboya nos diz: “Psicomotricidade – um meio que utiliza o corpo em movimento, visando à harmonização do indivíduo com o seu mundo interno e o seu mundo externo”. Assim, podemos ver que o embasamento teórico da Psicomotricidade está alicerçado, por um lado, nos conhecimentos da Ontogênese (evolução da espécie) e, por outro, na construção da subjetividade. Como não podia deixar de ser, a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade trouxe sua contribuição fundamental para a atualização do conceito desta tão nova ciência: É uma ciência que estuda o homem por meio do seu corpo em movimento em relação ao seu mundo interno e externo e de suas possibilidades de perceber, atuar e agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. (www.psicomotricidade.com.br, 2001) Esta ciência veio se construindo sobre bases sólidas e hoje ocupa o seu lugar tanto no campo da educação como no campo clínico, caminhando segura de sua especi�cidade e de sua importância no cenário cientí�co, tendo como objeto de estudo o sujeito em suas relações com o tempo, o espaço e o outro. https://www.psicomotricidade.com.br/ UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO Não é possível pensar em qualquer avaliação sem ter em mente que o que vamos observar é um sujeito em relação com o mundo. Este existe desde muito cedo, no imaginário de seus pais. Desta forma, sua história começa muito antes de seu nascimento e, por isso, a importância da anamnese, tema do capítulo III deste livro. Para que possamos compreender os dados que colheremos na anamnese e aquilo que vamos observar em nossa avaliação, é necessário o conhecimento do desenvolvimento infantil sadio. Convidamos o leitor a fazer um pequeno passeio sobre alguns aspectos do desenvolvimento já estudados por diversos autores e sugerimos, para maior aprofundamento, recorrer às referências citadas. Após nove meses de sossego e aconchego, é chegada a grande hora! O parto é inevitável, seja este normal ou cesariana, em casa ou no hospital, de cócoras ou dentro d’água. Não importa de que forma, este será, sempre, um momento único para todo ser humano. Assim que o bebê nasce, é ideal que ele seja assistido por um pediatra ou neonatologista para que cuidados e providências necessárias sejam tomados. A primeira avaliação pela qual passa esse novo ser é chamada de APGAR, que investiga o estado geral das funções vitais do bebê. Esta avaliação compreende cinco itens e, normalmente, é realizada no primeiro minuto e no quinto minuto de vida do bebê, veri�cando sua coloração, seu ritmo respiratório, o ritmo de seus batimentos cardíacos, sua tonicidade e suas reações à passagem nasal e bucal do cateter que aspira as secreções. A cada uma destas observações é atribuída uma pontuação que pode ir de 0 a 2. Assim, como vemos no quadro, a seguir, um bebê com um APGAR acima de 7 é considerado como apresentando boas condições vitais. Sinal/Nota 0 1 2 Frequência cardíaca Ausente Irregular Maior que 100 Frequência respiratória Ausente Irregular Bom choro Tonicidade Flácido Alguma �exão Movimentos ativos Coloração Azul Róseo/cianótico Róseo Resposta ao cateter Ausente Alguma Presente Entre 0 e 3 alto risco Entre 4 e 7 risco Acima de 7 boas condições vitais Além de respirar sozinho, o bebê terá de se alimentar de forma completamente diferente da que vinha se alimentando até então. Para a realização dessa função, ele deve apresentar um re�exo que, normalmente, está presente desde a vida intrauterina, que é o re�exo de sucção. Este será acompanhado do re�exo de deglutição, iniciando, assim, todo um processo digestivo altamente especializado. É só a mãe oferecer o peito que o bebê começa a sugar. Os bebês que nascem prematuros ou com alguma de�ciência podem precisar de auxílio especial para esta tarefa. O primeiro grande desa�o do bebê recém-nascido é acostumar-se com a vida fora do útero. Os desconfortos que o bebê passa a sentir (fralda suja, cólicas, fome, calor ou frio...) são traduzidos por um aumento de tensão global, movimentos incoordenados, na maioria das vezes, acompanhados por um choro forte. Este estado tônico foi descrito por Wallon, como vimos anteriormente. Em contrapartida, quando o bebê está satisfeito, permanece com o tônus mais relaxado. Esta comunicação que permeia a vida da mãe e do bebê nos primeiros meses de vida é então conhecida por “diálogo tônico”. É verdade que, mesmo depois de adultos, ainda podemos perceber estas alterações em nosso corpo e comportamento, porém a linguagem passa a ser mais forte, com capacidade de expressar sentimentos mais complexos e abstratos. Qualquer pessoa consegue perceber as diferenças extremas destes dois estados tonicamente tão distintos, porém é a mãe ou a pessoa que materna o bebê que é capaz de distinguir um choro de cólica de um choro de sono, por exemplo. Durante as duas primeiras semanas, essa é uma tarefa bastante com- plicada, principalmente para as “mães de primeira viagem”. Porém, é nessa busca de comunicação que o bebê vai aprendendo a distinguir o que sente, pois seus processos de percepção passam a ser ativa- dos. Seu choro vai aos poucos se diferenciando na intensidade, na tonalidade e na intenção. Ainda não encontramos a presença de movimentos intencionais, voluntários, pois, durante os três primeiros meses de vida, seu comportamento será basicamente regido por re�exos. No próximo quadro, podemos ver os diversos re�exos que fazem parte do início da vida de todo ser humano, sua evolução e sua inibição com o desenvolvimento. TABELA DE REFLEXOS Os Re�exos do Bebê – Beatriz Saboya – Bases Psicomotoras, 1995 Espinhais ou Medulares Re�exo Estímulo Resposta Presença Flexão Cutucar o meio da sola do pé Flexão da perna estimulada nas três articulações Até 2 meses Extensão Cutucar o meio da sola do pé da perna �etida Extensão da perna estimulada Até 2 meses Extensão cruzada Cutucar a perna �etida ou a estendida Flexão da perna inicialmente estendida e extensão da inicialmente �etida Até 2 meses Bulbares Re�exo Estímulo Resposta Presença RTCA Levar o bebê a virar a cabeça para um lado por meio de estímulo sonoro ou visual Os membros do lado facial se estendem e os do lado occipital �exionam Do nascimento até os 4 meses RTCS (EX) Levar o bebê a estender a cabeça por meio de estímulo sonoro ou visual Extensão dos braços ou aumento do tônus extensor e �exão das pernas De 2 meses até 4 meses RTCS (FL) Levar o bebê a �etir a cabeça por meio de estímulo sonoro ou visual Flexão dos braços ou aumento do tônus �exor e extensão das pernas De 2 até 4 ou 6 meses RTL (prono)É a própria posição prona Tônus �exor aumentado com �exão de braços, pernas e quadril De 2 até 4 meses RTL (supino) É a própria posição supina Tônus extensor aumentado com extensão de braços, pernas e quadril (ver se há opistótono) De 2 até 4 meses Suporte positivo Segurando o bebê, deixar que seu peso seja sentido nos pés Aumento do tônus extensor em todo o corpo com �exão plantar e apoio nos dedos De 2 até 4 meses Suporte negativo Deve ser veri�cado logo em seguida ao suporte positivo: elevar o bebê do apoio, segurando-o no ar Flexão das pernas nas três articulações De 2 até 4 meses Reações associadas Colocar o dedo na mão do bebê fazendo pressão sobre a eminência tenar provocando a garra A outra mão entra em garra, simultaneamente De 2 até 4 meses Mesencefálicos Re�exo Estímulo Resposta Presença Cervical de endireitamento Levar o bebê a virar a cabeça para o lado O corpo em monobloco acompanha o movimento da cabeça De 2 meses até 5 meses Corpo sobre corpo Os mesmos acima O corpo acompanha os movimentos da cabeça fazendo dissociação das cinturas Dos 5 ou 6 meses e �ca a vida toda Labiríntico de reti�cação Passar o bebê da posição vertical para a prona A cabeça se eleva para a vertical De 1 mês para toda a vida Ó Óptica de reti�cação Fazer o bebê �xar o olhar em algo e levá- lo, suavemente, da vertical para a prona A cabeça procura manter a verticalidade De 1 mês para toda a vida Corticais Re�exo Estímulo Resposta Presença Reação de proteção Bebê deitado transversalmente no rolo, gira-se o rolo para a frente Extensão dos braços apoiando as mãos no chão De 3 meses para toda a vida Reação de equilíbrio Bebê deitado sobre a prancha de equilíbrio, inclina- se a prancha para a lateral Abdução e extensão da perna contralateral à queda e busca a verticalização da cabeça Dos 5 meses para toda a vida Obs.: Estas reações podem ser pesquisadas nas diversas posições. Outros Re�exo Estímulo Resposta Presença Moro Bebê em qualquer posição, puxar subitamente o lençol Extensão dos membros e retorno à �exão Do nasscimento até 6 meses Landau Sustentar o bebê com as mãos pela região torácico- abdominal e fazê-lo sustentar a cabeça Extensão dos membros De 6 até 18 meses Galant Deslizar a unha sobre a lateral da coluna O bebê arma um arco, com a concavidade para o lado do estímulo Do nascimento até 2 meses Marcha Sustenta-se o corpo do bebê deixando seus pés apoiados ao solo O bebê dá três ou quatro passos, ritmados e coordenados, para frente Do nascimento até 3 ou 4 meses Babinsky Desliza-se a unha no bordo lateral externo da planta do pé Flexão do joelho da perna estimulada, acompanhada de uma dorsi�exão do pé Dos primeiros dias de vida até os 10 ou 12 meses Grasping Coloca-se o dedo na palma da mão do bebê Flexão dos dedos Do nascimento até 5 ou 6 meses Oroneuromotores Re�exo Estímulo Resposta Presença Pontos cardeais Tocar suavemente: em cima, de um lado, do outro e embaixo da boca do bebê O bebê desvia os lábios na direção do estímulo Do nascimento até os 12 meses Sucção Colocar o dedo na boca do bebê O bebê começa a sugar 5o mês de vida intrauterina até os 4 meses Mordida Com o dedo, estimula-se lateralmente a gengiva do bebê O bebê morde Do nascimento até 4 meses No que diz respeito à postura, durante o primeiro mês, pode-se descrever o recém-nascido como tendo os membros tanto inferiores como superiores, em grande parte do tempo, aduzidos e em �exão, com as mãos cerradas, mantendo uma postura assimétrica e apresentando uma motricidade descoordenada. Sua coluna, segundo Saboya (1995), possui apenas duas curvaturas (cervicodorsal e lombossacral) e seu controle motor é precário, realizando somente eventuais rotações da cabeça para ambos os lados, com esforço. Em prono, tem di�culdade em manter o queixo elevado por mais de poucos segundos. Esse ensaio motor, que acabamos de descrever, proporciona o início da conquista da verticalidade, fortalecendo a musculatura do pescoço e paravertebrais, resultando na aquisição da possibilidade de sustentação da cabeça contra a gravidade, formando, assim, a curvatura cervical. Para isso, faz- se necessário ressaltar que a relação que se estabelece entre o bebê e o outro é o que impulsiona e permeia todo o seu desenvolvimento. Segundo Spitz, diversos aspectos de desenvolvimento se entrelaçam formando o que ele chamou de “organizadores do psiquismo” (SPITZ apud AJURIAGUERRA, 1981), isto é, marcadores dos fenômenos do desenvolvimento psíquico. O primeiro organizador é o surgimento do sorriso enquanto resposta à relação que é um sinal visível do desenvolvimento do aparelho psíquico. Para Spitz, a angústia do oitavo mês re�etida no estranhamento de não familiares indica o aparecimento do segundo organizador, demonstrando uma mudança radical na conduta do bebê. Estes dois primeiros marcos pertencem ao campo das descargas de impulsos pela ação motora, já, no terceiro organizador, a primazia da comunicação vem, pouco a pouco, substituir a ação. Esse terceiro organizador seria, então, a capacidade de julgamento e negação, expressa pela compreensão e domínio do “não” por meio de gestos e palavras. Desde o decorrer do terceiro mês, o bebê já começa a perceber melhor o ambiente ao seu redor, interessando-se por diversos estímulos e, principalmente, por objetos de cores fortes e vivas, sendo capaz de seguir um objeto em deslocamento no espaço e procurar uma fonte sonora. Começando a balbuciar, sua capacidade de “comunicação” se amplia, uma vez que a mãe traduz e dá signi�cado a estes sons característicos do desenvolvimento. Seus ensaios motores do primeiro trimestre e a maturação do sistema nervoso proporcionaram a inibição de alguns re�exos, a redução do tônus �exor, resultando no surgimento dos movimentos voluntários, como, por exemplo, o controle motor da cabeça (traz a cabeça quando puxado para a posição sentada) e em uma simetria corporal, isto é, a capacidade de levar as mãos ao centro do corpo. Agora, pode, eventualmente, rolar sobre o seu eixo (ainda em monobloco), despertando a musculatura do tronco. Reage ao peso de pé, porém sem sustentar-se. Continuando seu desenvolvimento, a partir do quarto mês, o bebê já dorme menos, sorri mais, reconhece a mãe, emite sons guturais e é incomodado pelo início do nascimento dos dentes. Em sua postura, permanece pouco em supino e inicia o rolar dissociando as cinturas pélvica e escapular, tenta alcançar os objetos, levando-os, rapidamente, à boca, e sua curvatura cervical se acentua, os ensaios motores de rolar levam a uma apropriação e a um maior controle da musculatura do tronco. A conquista deste controle vai permitir a manutenção da posição sentada com apoio, e posteriormente, por volta do sexto mês, a liberação dos membros superiores nesta mesma posição. Quanto à linguagem, podemos observar a presença de imitação, por parte do bebê, de sons produzidos pela mãe. Tal comportamento está ausente nos bebês surdos devido à falta do feedback auditivo. Uma vez conquistado o tronco, acentua-se a coordenação dos movimentos de membros inferiores. Eles �exionam-se e estendem-se, dando início às diversas formas de arrastar, dando ao bebê uma possibilidade a mais de deslocamento do corpo no espaço. Até aqui, segundo Le Boulch (1992), o comportamento da criança se organiza sob a forte in�uência dos estímulos sensoriais, e o bebê tem na �gura da mãe um intermediário indispensável para suas experiências emocionais, caracterizando o estágio pré-objetal. Por volta do sétimo ou oitavo mês, quando sentado, o bebê é capaz de se proteger de quedas, inicialmente para a frente e, posteriormente, para os lados, com o apoio das mãos. Consegue transferir objetos de uma mão para a outra, coordenando melhor sua capacidade oculomotora. No campo percepto-cognitivo, já possui a noção de permanência do objeto, que segundo Piaget, é a capacidadede considerar a existência de um objeto apesar deste ter sido retirado de seu campo visual. Nesta fase, a criança pode começar a estranhar pessoas que não fazem parte de seu rol familiar, vivenciando o segundo organizador de Spitz. Os punhos iniciam �exões, o bebê já consegue segurar um objeto com a participação apenas dos dedos polegar, indicador e médio e aprende a soltá-lo e lançá-lo voluntariamente. Já será capaz de apontar o que deseja, ampliando a conquista próximo-distal. A manutenção da posição sentada e o novo padrão de locomoção que passa a ser o engatinhar (presente ou não no desenvolvimento infantil), proporciona o surgimento e o fortalecimento da curvatura lombar (aquisição morfológica fundamental para a postura de pé). Esta diferente experiência de vivenciar o espaço dá início ao processo de distanciamento entre mãe e bebê, pois este exerce seu desejo de ir e vir, muito bem descrito por Margareth Mahler (2002), quando explica o processo de separação-individuação. Para Le Boulch (1992), é nessa fase que se inicia o estágio objetal. A criança já reconhece sua mãe e lhe atribui um valor de desejo e não mais de apenas suprir suas necessidades. A angústia do oitavo mês (SPITZ apud AJURIAGUERRA, 1981) pode provocar uma redução da atividade sensório-motora de exploração do meio, pois é entre o nono e o décimo primeiro mês que o medo de estranhos atinge seu ponto mais crítico. Porém, é no último trimestre que os ensaios motores darão força e controle aos membros inferiores, possibilitando a conquista do agachar e levantar, sem apoio. Com o fortalecimento da lombar, os membros inferiores passam não só a suportar o peso do corpo em uma posição mais verticalizada como a ter maior coordenação, resultando, primeiramente, na marcha lateral com apoio e, �nalmente, na marcha independente, concluindo a evolução cefalocaudal (COGHILL apud FONSECA, 1998). No que se refere à evolução próximo- distal, �nalmente, veremos o aparecimento da pinça inferior (oposição do polegar e indicador), característica da espécie humana (FONSECA, 1998). Manipula os objetos com destreza, descobrindo suas particularidades, mas a boca ainda é um dos meios preferidos pela criança de exploração do mundo. Nesta fase, o bebê compreende bem a linguagem oral apesar de possuir vocabulário muito restrito, sendo capaz de cumprir ordens simples. A linguagem implanta o aspecto simbólico colocado em cena no terceiro organizador de Spitz. (apud AJURIAGUERRA, 1981) Fatores básicos como o melhor controle motor da cabeça, rotação de tronco, a aquisição da posição sentada, as reações de equilíbrio, as conquistas da marcha, aspectos funcionais do corpo só têm sentido quando estimulados pela troca afetiva entre o bebê e o outro; troca que virá promover a construção da imagem do corpo, constituindo o “corpo próprio”. As conquistas da marcha e da linguagem ampliam as possibilidades da criança em realizar suas demandas, buscar seus desejos e continuar seu processo de exploração do espaço, do tempo e, principalmente, das relações com o outro. No que diz respeito ao esquema corporal, Le Boulch (1982) nos descreve etapas que levarão a criança à construção de uma “imagem do corpo operatório”. Para chegar a ela, a criança passa, em um primeiro momento, pela experiência do “corpo vivido” marcada pelas vivências afetivo-sensório-motoras (MUCHIELLI apud LE BOULCH, 1982), experimentadas durante os três primeiros anos de seu desenvolvimento. Estas vivências são básicas para o equilíbrio entre o espontâneo e o controlado e o fundamento para a estruturação espaço-temporal. Segue-se a esta etapa um período transitório, tanto no que se refere à estruturação espaço-temporal quanto no que diz respeito à estruturação do esquema corporal. O período do “corpo percebido” corresponde à organização do esquema corporal, isto é, uma estreita relação dos dados sensoriais, cuja soma resulta na fusão da imagem visual e cinestésica do corpo. A fase do “corpo representado” corresponde para Le Boulch (1982) ao ingresso no ensino fundamental. Ao �nal do primeiro segmento do ensino fundamental, por volta dos 12 anos, a criança seria capaz de dispor de uma “imagem do corpo operatório”, a partir da qual te- ria condições e disponibilidade de exercer sua ação sobre o mundo, domínio sobre seu próprio corpo e suas produções motoras. Depois deste breve passeio sobre o desenvolvimento infantil, �ca evidente a importância deste tema para qualquer pro�ssional da saúde mergulhado no estudo da infância, e mais ainda para aqueles que pretendem olhar para as possíveis alterações do desenvolvimento. Muitos autores balizaram as aquisições sensório-motoras, posturais, cognitivas e psicoafetivas, buscando padronizar os marcos do desenvolvimento infantil. Tais estudos nos disponibilizam um conhecimento sobre o que é esperado em cada etapa do processo de desenvolvimento. Esta padronização não deve, no entanto, ofuscar a qualidade singular de sujeito em desenvolvimento, assim como não deve nos permitir esquecer o contexto em que a criança se encontra. Para oferecer ao leitor um ponto de referência dentre tantas possibilidades, selecionamos a escala de Bayley (apud HAYWOOD & GETCHELL, 2004) para nortear sua observação. Faixa de idade (em meses) Marco (escala de Bayley para o desenvolvimento do bebê) Marco (sequência de Shirley) Ergue a cabeça quando segurado pelo ombro Movimentos laterais da cabeça 0,3-3,0 Persegue visualmente um círculo vermelho 0,3-2,0 Braços empurram ao brincar 0,3-2,0 Pernas empurram ao brincar Queixo para cima 0,7-4,0 Cabeça �rme e ereta 0,7-5,0 Passa de decúbito lateral para decúbito dorsal Peito para cima 1,0-5,0 Senta com pequeno apoio Senta-se com apoio 2,0-7,0 Passa de decúbito dorsal para decúbito lateral 4,0-8,0 Oposição parcial dos polegares Senta-se no colo Segura objeto 4,0-8,0 Senta-se sozinho momentaneamente 4,0-8,0 Alcançar unilateral 4,0-8,0 Rota o punho Senta-se na cadeira Segura objeto pendurado 4,0-10,0 Rola de trás para frente 5,0-9,0 Senta-se sozinho com �rmeza 5,0-9,0 Oposição completa dos polegares Senta-se sozinho 5,0-11,0 Progressão pré-caminhada 6,0-10,0 Pegar parcial com o dedo Fica em pé com ajuda 5,0-12,0 Apoia (puxa-se) para �car em pé 6,0-12,0 Fica em pé apoiando-se na mobília 6,0-12,0 Movimentos do caminhar Fica em pé segurando a mobília 7,0-12,0 Caminha com auxílio Engatinha 9.0-16,0 Fica em pé sozinho Caminha quando conduzido 9,0-17,0 Caminha sozinho Apoia (puxa-se) para levantar Fica em pé sozinho 11,0-20,0 Caminha de costas Caminha sozinho 12,0-23,0 Sobe escadas com ajuda 13,0-23,0 Desce escadas com ajuda 17,0-30,0+ Pula com ambos os pés saindo do chão 19,0-30,0+ Pula do degrau mais baixo (ou primeiro) Outros autores de referência no desenvolvimento infantil, Gallahue e Ozmun (2001), nos explicam que a aquisição e o desenvolvimento das habilidades motoras fundamentais dependem de fatores como a tarefa em si, o próprio indivíduo e o ambiente que o cerca. Segundo eles, o movimento é um processo em desenvolvimento nos anos iniciais da infância; assim, o estágio de amadurecimento da maior parte das habilidades motoras fundamentais se dá por volta dos seis anos. As Habilidades Motoras Fundamentais são selecionadas por Gallahue e Ozmun em três grupos: • Habilidades Motoras Estabilizadoras • Habilidades Motoras Locomotoras • Habilidades Motoras Manipulativas Passaremos, a seguir, a uma análise de cada um destes grupos: HABILIDADES MOTORAS ESTABILIZADORAS Gallahue e Ozmun de�nem o que seria estabilidade: “Disposição de manter em equilíbrio a relação indivíduo/força da gravidade” (2001, p. 266). Teríamos, então, como movimentos estabilizadores fundamentais, todo movimento envolvendo um aspecto de estabilidade, um ponto �xo e outros móveis. São considerados como movimentos estabilizadores os movimentos axiais (movimentos do tronco ou dos membros que direcionam o corpo em posição estacionária) veri�cados