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Avaliação Psicomotora

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© 2013 by Aline Kabarite e Vera Mattos
Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira
Editor: Waldir Pedro
Revisão Gramatical: Lucíola Medeiros Brasil
Capa e Projeto Grá�co: 2ébom Design
Capa: Eduardo Cardoso
Diagramação: Flávio Lecorny
Este livro foi revisado por duplo parecer, mas a editora tem a política de reservar a privacidade.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
M395a
Mattos, Vera
Avaliação psicomotora: um olhar para além do desempenho/ Vera Mattos, Aline Kabarite. - 5 ed. -
Rio de Janeiro: Wak Editora, 2020.
164p. : 21cm
Inclui bibliogra�a
ISBN 978-85-7854-244-3
1. Psicomotricidade. 2. Capacidade motora em crianças. I. Kabarite, Aline. II. Título.
13-1216 CDD 152.38 CDU: 159.946
2020
Direitos desta edição reservados à Wak Editora
Proibida a reprodução total e parcial.
WAK EDITORA
Av. N. Sra. de Copacabana, 945 – sala 107 – Copacabana
Rio de Janeiro – CEP 22060-001 – RJ
Tels.: (21) 3208-6095, 3208-6113 e 3208-3918
wakeditora@uol.com.br
www.wakeditora.com.br
mailto:wakeditora@uol.com.br
https://www.wakeditora.com.br/
Aos mestres, que contribuíram para nossa formação, aos pais, que
nos con�aram seus �lhos e a nossas famílias, que sempre apoiaram
e torceram por nós, o nosso eterno carinho.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
PSICOMOTRICIDADE – DE ONDE VEM?
Deuses Criando História
Homens Criando História
O Brasil Entra na História
Moral da História – A�nal, o Que É Psicomotricidade?
UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO
Tabela de Re�exos
Habilidades Motoras Estabilizadoras
Habilidades Motoras Locomotoras
Habilidades Motoras Manipulativas
QUANDO O CORPO NÃO SERVE PARA...
A Importância da Anamnese na Forma de Entrevista
O Que Observar em um Primeiro Contato?
A Qualidade na Avaliação
Por Que Avaliar?
O QUE CONSIDERAR ANTES DE INICIAR A INVESTIGAÇÃO?
Transtornos Psicomotores
Estruturas do Sistema Nervoso – Unidades Funcionais de Luria
QUE INSTRUMENTOS USAR?
Veri�cação da Primeira Unidade Funcional de Luria
Prova 1 – Exame de Tônus (AJURIAGUERRA – BERGÈS, 1963)
Prova 2 – Equilibração
Prova 3 – Conhecimento do Corpo
Prova 4 – Organização Perceptiva e Estruturação Espaço-Temporal
Prova 5 – Lateralização
Prova 6 – Praxia Global
Prova 7 – Praxia Fina
COMO AVALIAR BRINCANDO?
Protocolos para a Avaliação Psicomotora
Primeira Unidade Funcional
Segunda Unidade Funcional
Terceira Unidade Funcional
O RELATÓRIO – UM OLHAR PARA ALÉM DO DESEMPENHO
REFERÊNCIAS
APRESENTAÇÃO
Esta produção tem como característica a interdisciplinaridade, uma vez que
a Psicomotricidade é a área de interseção de diversos saberes da Saúde e da
Educação.
O professor de Educação Infantil pode enriquecer seu olhar ao encontrar
neste livro aspectos pertinentes à aprendizagem e, consequentemente, ao
desenvolvimento infantil.
O fonoaudiólogo encontra neste livro um grande suporte para o
esclarecimento do diagnóstico diferencial de patologias que apontam alterações
psicomotoras.
Para o �sioterapeuta, o livro traz a possibilidade do despertar para um novo
olhar que ultrapassa as questões puramente funcionais de uma terapêutica.
Para o professor de Educação Física preocupado e envolvido com a
aprendizagem motora, fornece uma visão ampla do desenvolvimento e das
aquisições dos aspectos psicomotores, bem como de suas possíveis alterações.
Vera Mattos
Aline Kabarite
PSICOMOTRICIDADE – DE ONDE VEM?
DEUSES CRIANDO HISTÓRIA
Toda ciência tem patronos ou padrinhos
buscados na mitologia greco-romana. Não
poderia ser diferente para a Psicomotricidade.
Investigando os mitos, pudemos selecionar
Psiquê e Mercúrio como padrinhos desta nova
ciência. Passaremos a contar suas histórias para
compreendermos a razão dessa eleição.
Psiquê era uma princesa, mortal, dotada de
beleza ímpar. Tal era sua beleza que, de todas as
partes, vinham pessoas para admirá-la. Vênus
(Afrodite), deusa da beleza e do amor, indignou-
se com o fato de uma simples mortal receber
tantas honras e pediu a seu �lho Eros, o deus do amor, para atingi-la com uma
�echa, fazendo-a enamorar-se de Hades (Plutão), deus das profundezas do
inferno.
Assim, seguiu Eros para sua missão. Porém, ao deparar-se com Psiquê, ele
mesmo apaixonou-se por ela e não lançou as �echas, desobedecendo à sua mãe.
Psiquê tinha duas irmãs mais velhas casadas
com reis, enquanto ela, desejada por deuses e
mortais, continuava só. Seu pai foi, então,
consultar o oráculo de Apolo (deus da luz).
Este aconselhou ao pai que levasse a �lha,
vestida de núpcias, ao alto da colina, onde uma
serpente iria tomá-la como esposa. O pai
cumpriu as ordens do oráculo. No entanto,
quando estava no alto da colina, Zé�ro (o vento do oeste) transportou-a até
uma planície �orida, onde Psiquê adormeceu.
Ao acordar, encontrou-se no jardim de um palácio de ouro e mármore.
Uma voz a convidou a entrar nesse palácio e, sob a escuridão da noite, Eros a
amou e fê-la prometer que jamais tentaria vê-lo.
Embora não pudesse ver seu amado, Psiquê sentia-se a mais feliz das
mulheres!
Saudosa de suas irmãs, foi visitá-las. Ambas, por inveja da felicidade de
Psiquê, semearam a dúvida em seu coração sugerindo que a maldição do
oráculo havia se cumprido e, por isso, não podia ver seu marido, porque ele era
o monstro, a serpente prevista por Apolo. Presentearam a irmã com uma
lâmpada e uma faca a�ada. Psiquê deveria iluminá-lo enquanto dormia e, se
fosse mesmo o monstro, matá-lo.
Após longa noite de amor, enquanto Eros
dormia, Psiquê buscou a lâmpada e a faca para
executar o plano e, ao iluminá-lo, deparou-se
com a mais linda das criaturas, �cando
extasiada. Assim, uma gota do óleo da
lamparina caiu sobre o ombro de Eros que
desperta e diz: “O amor não pode viver sem
con�ança” e foi-se embora para sempre.
A jovem passou a errar pelo mundo buscando ajuda de todos os deuses
que, por não quererem desagradar a Vênus, não lhe forneceram auxílio.
Psiquê resolve suplicar à própria Vênus,
falando-lhe de seu amor. Esta determinou
tarefas a serem cumpridas pela jovem, tarefas
praticamente impossíveis para uma mortal.
A primeira era a de separar os grãos de uma
montanha de grãos, no período de uma noite!
Para tal tarefa, a jovem contou com o auxílio das
formigas.
A segunda era buscar um frasco de água negra do rio Estige, lugar
inacessível aos mortais. Nesta tarefa, Psiquê contou com a ajuda de uma águia
que voou até o rio e encheu o frasco.
A terceira, e mais perigosa, era ir ao reino
de Hades (deus das profundezas do inferno),
que já havia se casado com Perséfone
(Proserpina), possuidora de uma caixa onde
�cava guardada a beleza, e trazer um pouco
dessa beleza. Passando por todos os perigos que
protegiam o reino de Hades, Psiquê obtém a
caixa e volta ao Olimpo. Porém, no meio do
caminho, curiosa, abre a caixa e cai em um
sono profundo como a morte.
Eros, que a procurava, acordou-a com a picada de uma das suas �echas, e
ambos foram juntos a Zeus (Júpiter) pedir permissão para se unirem. Para tal,
Júpiter ofereceu ambrosia à jovem, transformando-a em imortal. O casamento
celebrou-se e, dessa união, nasceu a Volúpia.
Desta história, podemos ressaltar algumas passagens que nos são
pertinentes, como, por exemplo, o fato de Psiquê querer iluminar o que está
oculto e sua curiosidade voltada para o conhecimento.
Breve, poderemos justi�car a escolha de
Psiquê como madrinha da Psicomotricidade,
mas, antes, vamos conhecer a história de
Mercúrio.
Filho de Zeus e Maia, Mercúrio, logo ao
nascer, revelou enorme inteligência e destreza,
pois conseguiu, ainda bebê, libertar-se das faixas
e, enquanto todos dormiam, roubou o rebanho
do irmão, levando-o para outra montanha, e
voltou às faixas e ao berço sem que ninguém
percebesse.
Primeiramen
te, Mercúrio foi
considerado a divindade dos pastores e dos
rebanhos. Posteriormente, por sua rapidez no
deslocar-se, patrono dos viajantes e das estradas
e, �nalmente, patrono dos desportistas e criador
do pugilato e das carreiras atléticas. Recebeu de
Zeus o capacetenas tarefas de equilíbrio em um só pé,
caminhada direcionada, apoios invertidos, rotação corporal e desvios. A seguir,
o quadro que nos mostra o período de emergência de tais habilidades:
Sequência de Emergência de Habilidades de Estabilidade Selecionadas
Padrão de Movimento Habilidades Selecionadas
Idade
Aproximada
de Início
Equilíbrio dinâmico Manter o
próprio equilíbrio conforme o
centro de gravidade se desloca
Caminhar 1 polegada (2,5cm) em linha reta 3 anos
Caminhar 1 polegada (2,5cm) em linha circular 4 anos
Ficar em pé sobre trave de equilíbrio baixa 2 anos
Caminhar em apoio de 4 polegadas (10cm) de
largura a curta distância
3 anos
Caminhar na mesma trave alternando os pés 3–4 anos
Caminhar em trave de 2 ou 3 polegadas (5,1 ou
7,6cm)
4 anos
Executar rolamento para frente (forma grossa) 3–4 anos
Executar rolamento para frente (forma �na)* 6–7 anos
Equilíbrio estático Manter o
próprio equilíbrio enquanto o
centro de gravidade permanece
estacionário
Colocar-se em pé 10 meses
Colocar-se em pé sem o apoio das mãos 11 meses
Colocar-se em pé sem apoio 12 meses
Equilibrar-se em um pé durante 3–5” 5 anos
Suportar o peso corporal em apoio invertido com
três contatos
6 anos
Movimentos axiais Posturas
estáticas que envolvem inclinação,
alongamento, giros, rotações e
similares
A habilidade para movimentos axiais desenvolve-se
na infância e re�na-se progressivamente até o ponto
onde estes movimentos são incluídos nos padrões
de movimentos manipulativos emergentes de lançar,
aparar, chutar, bater e outras atividades
2 meses a 6
anos
* A criança tem “potencial” de desenvolvimento para estar no estágio maduro. A conquista real
dependerá de fatores, como a tarefa, o indivíduo e o ambiente.
Tabela II.Ia de Gallahue, D. L. & Ozmun, J. C., 2001, Editora Phorte, São Paulo, p.260.
HABILIDADES MOTORAS LOCOMOTORAS
Gallahue e Ozmun de�nem locomoção como uma habilidade que envolve
a projeção do corpo no espaço, alterando a sua localização relativa a pontos
�xos da superfície (2001, p. 280). Teríamos, então, como movimentos
locomotores fundamentais a caminhada, a corrida, o salto vertical, o salto
horizontal, o salto misto, o pulo, o saltito, o galope e o deslizamento. A seguir,
o quadro que nos mostra o período de emergência de tais habilidades:
Sequência de Emergência de Habilidades
Locomotoras Selecionadas
Padrão de Movimento Habilidades Selecionadas Idade Aproximada de Início
Caminhada
Colocar um pé na frente do
outro enquanto mantém
contato com a superfície de
apoio
Galope ereto rudimentar sem auxílio 13 meses
Caminha lateralmente 16 meses
Caminha para trás 17 meses
Sobe degraus com auxílio 20 meses
Sobe degraus sozinho – passos seguidos 24 meses
Desce degraus sozinho – passos seguidos 25 meses
Salto
Três formas: salto em
distância salto em altura salto
de alguma altura Envolve um
impulso em um ou dois pés
com pouso em ambos os pés
Desce de objetos baixos 18 meses
Salta de objeto com impulso em um pé 2 anos
Salta do chão com dois pés 28 meses
Salta em distância (cerca de 3 pés/1m) 5 anos
Salta em altura (cerca de 1 pé/30cm) 5 anos
Padrão de salto maduro 6 anos
Saltito
Impulso com um pé e pouso
no mesmo pé
Saltita até 3 vezes no pé de preferência 3 anos
Saltita de 4 a 6 vezes no mesmo pé 4 anos
Saltita 8 a 10 vezes no mesmo pé 5 anos
Saltita distâncias de 50 pés (15m) em
cerca de 11”
5 anos
Saltita habilmente com alternância
rítmica, padrão maduro*
6 anos
Galope
Combina uma caminhada e
um salto com o mesmo pé
direcionando todo o
movimento
Galope básico, porém ine�ciente 4 anos
Galopa habilmente, padrão maduro* 6 anos
Skipping
A elevação de joelhos
combina uma passada e um
salto em alternância rítmica
Skipping com uma perna 4 anos
Skipping completo (cerca de 20%) 5 anos
Skipping completo (para a maioria*) 6 anos
* A criança tem “potencial” de desenvolvimento para estar no estágio maduro. A conquista real
dependerá de fatores, como a tarefa, o indivíduo e o ambiente.
Tabela II.Ib de Gallahue, D. L. & Ozmun, J. C., 2001, Editora Phorte, São Paulo, p.261.
HABILIDADES MOTORAS MANIPULATIVAS
Estas são de�nidas por Gallahue e Ozmun como sendo as habilidades que
envolvem o relacionamento de um indivíduo com objetos e caracteriza-se pela
aplicação de força nos objetos e a recepção da força destes (2001, p. 299); esses
movimentos são classi�cados em dois grupos:
• Movimentos propulsores – quando o objeto é movimentado para longe
do corpo. Seriam movimentos manipulativos propulsores o chutar, bater,
rolar, arremessar e voleio;
• Movimentos amortecedores – quando o corpo ou parte dele é
posicionado no caminho de um objeto em movimento, com o propósito de
parar ou desviar este objeto. Seriam movimentos manipulativos
amortecedores o agarrar, rebater, aparar e apanhar.
Os movimentos manipulativos fundamentais combinam os movimentos
estabilizadores com os movimentos locomotores e envolvem a projeção da
estimativa da trajetória, velocidade da viagem, precisão, distância e a massa do
objeto em movimento. Para tais habilidades, podemos ver a importância das
funções cognitivas. O próximo quadro mostra o período de emergência de tais
habilidades:
Sequência de Emergência de Habilidades
Manipulativas Selecionadas
Padrão do Movimento Habilidades Selecionadas
Idade
Aproximada
de Início
Alcançar, Segurar e Soltar Comportamentos de alcance primitivos 2–4 meses
Fazer contato bem-sucedido com um
objeto, retendo-o agarrado e soltando-o
espontaneamente
Captura de objetos 2–4 meses
Pegar espalmado 3–5 meses
Pegar pinçando 8–10 meses
Pegada controlada 12–14 meses
Soltura controlada 14–18 meses
Lançar
Imprimir força ao objeto na direção
desejada
Corpo se vira para o alvo, pés se mantêm
estacionários, bola é lançada somente com
extensão do braço
2–3 anos
O mesmo acima, mas com adição de
rotação do corpo
3½–5 anos
Dá um passo à frente com a mesma perna
do lado do lançamento
4–5 anos
Garotos exibem padrão mais maduro que
garotas
5 anos e
acima
Padrão maduro de lançamento 6 anos
Pegar
Receber força de um objeto com as mãos,
mudando progressivamente de grandes
para menores bolas
Persegue a bola; não responde a bolas aéreas 2 anos
Responde a bolas aéreas com movimento de
braços atrasados
2–3 anos
Precisa ser avisado como posicionar os
braços
2–3 anos
Reação de medo (gira a cabeça) 3–4 anos
Utiliza o corpo para apanhar objetos 3 anos
Apanha objetos utilizando somente as mãos 5 anos
Padrão maduro do movimento de apanhar 6 anos
Chutar
Imprimir força ao objeto com o pé
Empurra a bola: não chuta de fato 18 meses
Chuta com uma perna estendida e discretos
movimentos corporais (chuta na bola)
2–3 anos
Flexiona a perna na sua porção inferior 3–4 anos
Grande balanço para frente e para trás com
oposição de�nida dos braços*
4–5 anos
Padrão maduro 5–6 anos
Bater
Súbito contato com objetos com os braços
acima da cabeça, braços colocados
lateralmente, ou abaixo do nível da mão
Visualiza o objeto e faz um balanço no
plano vertical
2–3 anos
Faz um balanço em um plano horizontal e
se coloca ao lado do objeto
4–5 anos
Gira o tronco e quadril e leva o peso do 5 anos
corpo para frente*
Padrão horizontal maduro utilizando bola
estacionária
6–7 anos
* A criança tem “potencial” de desenvolvimento para estar no estágio maduro. A conquista real
dependerá de fatores, como a tarefa, o indivíduo e o ambiente.
Tabela II.Ic de Gallahue, D. L. & Ozmun, J. C., 2001, Editora Phorte, São Paulo, p.262.
QUANDO O CORPO NÃO SERVE PARA...
A IMPORTÂNCIA DA ANAMNESE NA FORMA DE
ENTREVISTA
O primeiro contato terapêutico com o paciente, ou responsável, durante o
qual anotamos o relato da sequência de fatos importantes sobre a situação atual
e pregressa do paciente e de sua história clínica, denomina-se anamnese.
A anamnese deve conter o histórico do paciente, histórico da doença e a
queixa principal.
Durante este primeiro contato, o terapeuta deve demonstrar, além de
segurança em seus conhecimentospro�ssionais, interesse e compreensão pela
história do paciente, de forma que este se sinta o mais à vontade possível,
criando, assim, uma relação de harmonia e con�ança entre ambos. Caso isso
não ocorra, será muito difícil obter as informações mais pertinentes sobre a
relação desta criança consigo e com o mundo.
Além dos dados básicos e informações objetivas sobre o paciente (nome,
endereço, telefone para contato, idade etc.), o terapeuta deve estar preocupado
em conhecer:
• Queixa principal – o que o levou a procurar o tratamento, o que está
acontecendo (deixar o paciente falar sobre seus problemas atuais, sobre o
que dói, de que forma que dói...)
Podemos perceber se já há diagnóstico ou se a família ainda está na
angústia pela busca desse diagnóstico. Tanto em um caso como no outro, a
postura pro�ssional será, sempre, fundamental.
• A família – sabemos o quanto esta participa, in�uencia a vida e as
atitudes dos pacientes, como se estrutura, com quem mora, quem participa
da educação da criança e do acompanhamento da doença, quem tem mais
contato com ela, com quem esta passa a maior parte do tempo, como se
organiza seu dia a dia etc.
• Histórico familiar – se tem algum caso na família com a mesma
enfermidade ou síndrome...
No núcleo familiar, encontramos a “pré-história” da criança, assim como a
presença da história das �guras parentais, novamente em cena. Não podemos
esquecer que a demanda terapêutica, em se tratando da infância, surge
primeiramente na família. Sendo assim, é ela nossa grande aliada (ou não!).
• Os contatos sociais e atividades de lazer (ou esportivas) – momento
para falar da vida social pode levar a suspeitar e/ou identi�car casos
depressivos, agressivos, di�culdades na socialização... O terapeuta pergunta
sobre o humor habitual da criança, se faz amigos com facilidade, se tem
di�culdades no relacionamento com o outro, se demonstra agressividade
por conta da enfermidade, apatia, inquietação, ansiedade... Deve perguntar
pelas atividades extraescolares, de �nais de semana, atividades de lazer,
como cinema, praia, se pratica algum esporte, se praticava antes da doença
ou lesão.
O importante é conhecer a rotina e as preferências da criança, o que virá a
auxiliar nas escolhas dos recursos terapêuticos e de suas intervenções.
• Histórico do paciente – o terapeuta deve perguntar sobre desde antes
da concepção (se foi desejado, aceito, se houve tentativa de aborto...), como
foi a gestação (remédios que tomou, tombos e acidentes que sofreu, exames
que realizou, pré-natal, estado emocional da mãe e do pai...), como foi o
parto (tipo de parto, intercorrências perinatais, resultado do APGAR, se
�cou internado, se precisou de cuidados especiais...), como se deu o
desenvolvimento psicomotor e da linguagem (marcos posturais, interação
social, primeiras vocalizações...), como está hoje (o que faz, o que a mãe
acha de diferente, o que ela mais gosta no �lho em relação à sua
personalidade e o que a deixa angustiada...) como é o relacionamento com
os familiares, como a mãe ou o próprio paciente percebeu a alteração ou
doença (quanto tempo tem, como foi sua evolução ou como está sendo sua
recuperação...), como a doença ou síndrome in�uencia na família (no que
diz respeito ao envolvimento emocional daqueles que estão afetivamente
envolvidos com o paciente, se aceitam ou não...), se frequenta escola, se está
adaptado...
Alguns destes itens serão respondidos no decorrer da narrativa parental por
outras questões levantadas pelo terapeuta, cabe o bom senso no
direcionamento da entrevista. Muitas vezes, encontraremos pais que necessitam
de nossas questões para conseguir falar de seu �lho, outras vezes, a própria
família tem a necessidade de falar sem ser direcionada por questões prévias.
Torna-se fundamental, nesse momento, a qualidade da escuta do terapeuta.
• Exames – quais exames que já fez, quais os resultados, quais outras
doenças já teve, quem encaminhou para o tratamento, se já fez tratamento
na mesma área, se conhece o que é a sua especialidade etc.
É importante o trabalho interdisciplinar, pois tais exames podem esclarecer
muito sobre a criança, trazendo a necessidade de buscar um contato mais
estreito com os especialistas em questão, ou ainda, criando a demanda de novas
investigações.
Após a anamnese, no primeiro encontro com a criança, o mais importante
é deixá-la livre para que se estabeleça uma relação de con�ança, em um espaço
de segurança e conforto, buscando a relação transferencial, sem a qual não há
clínica possível.
No momento apropriado, que pode não ser nos primeiros encontros, o
terapeuta, a partir de sua observação, irá, se necessário, selecionar os
instrumentos que o esclarecerão sobre alguns aspectos ainda não observados.
O objetivo deste livro é oferecer um instrumento para a
observação/avaliação psicomotora, buscando aprimorar o olhar terapêutico
para além do sintoma.
São os dados colhidos na anamnese, nas avaliações e com a equipe
interdisciplinar que irão fornecer ferramentas ao terapeuta para que este possa,
ao �nal desse processo, construir uma impressão diagnóstica ou, em alguns
casos, um diagnóstico preciso, podendo, assim, traçar seu plano terapêutico.
O QUE OBSERVAR em um PRIMEIRO CONTATO?
A qualidade na avaliação
A avaliação em Psicomotricidade é um momento importante para o
processo terapêutico, porém acreditamos que mesmo a avaliação mais completa
e abrangente não será su�ciente para conhecermos o que está por trás do
sintoma psicomotor. Então, como avaliar? Que instrumentos utilizar? Quais
situações iniciais com a criança nos serão necessárias para conhecê-la melhor?
A anamnese, realizada anteriormente com os pais da criança, nos traz dados
sobre todo seu desenvolvimento, suas atividades atuais, suas relações, sua forma
de enfrentar as di�culdades etc. Mas, sabemos, como nos diz Esteban, que o
sintoma é o que a criança nos dá a ver, que ele se desenvolve com, para e pelo
Outro; por isso, a queixa do sintoma psicomotor, como a�rma Bergès, não
vem da própria criança e sim do Outro, e isto também deve ser considerado
durante a avaliação.
Após a anamnese é necessário de�nir qual ou quais instrumentos de
avaliação seriam indicados para determinado caso. Acreditamos que o que faz a
diferença não é o instrumento utilizado, mas sim o olhar lançado sobre o que a
criança nos dá a ver. Desta forma, uma avaliação estruturada pode ser de
grande riqueza se olhada de for- ma qualitativa. Voltamos a lembrar da
importância de se estabelecer um vínculo de con�ança, primeiramente com os
pais e, em seguida, respaldados por este sentimento, estabelecer o vínculo com
a criança, pois só assim poderíamos acreditar naquilo que esta nos dá a ver.
A avaliação sistemática, mensurada por idade ou por atividades quantitativas acaba nos
fornecendo informações acerca desta envoltura, que é o corpo da criança, suas dispraxias,
suas sincinesias e paratonias, seu equilíbrio, sua lateralidade e seu esquema corporal... mas
nenhuma avaliação psicomotora é capaz de nos informar a respeito da “estrutura que
subjaz ao transtorno psicomotor”. Assim, reconhecemos que por meio da “atividade
espontânea” podemos não só observar tais dados, como também podemos observar o
lugar que esse corpo, que esse sujeito com seu corpo em movimento, ocupa nas suas
relações e atitudes perante e com o Outro e o meio externo, e dos objetos. Em um
momento espontâneo, de atividade livre, sem tensão, a criança pode movimentar-se de
forma desejante, nos mostrando qual a posição assume diante das situações e diante do
Outro, e que lugar esse sintoma psicomotor ocupa, “não mais para a família, e sim para a
criança que sofre no seu corpo e que nos dá a ver a nós”.
(LEVIN, 1999, p. 166)
Desta forma, todo primeiro encontro com a criança deve basear-se na
atividade espontânea, isto é, deixar a criança livre para que processe suas
escolhas no que diz respeito às atividades ou materiais que deseje utilizar.É
claro que podemos intervir sugerindo outras atividades, porém devemos
respeitar a escolha do material, que muito pode nos dizer, assim como a forma
de relação que ela estabelece com o material. É também importante observar a
demanda ou não de uma atividade a ser compartilhada com o terapeuta. Essa
situação com base na atividade espontânea deve nortear todo o processo de
avaliação, no entanto o terapeuta deve perceber o momento que poderá propor
uma atividade mais dirigida para o foco daquilo que está querendo avaliar
formalmente.
Nossa avaliação sugere uma sequência de atividades formais que tenham
âncora nos processos mentais fundamentados em um corpo teórico, do qual
não podemos abrir mão durante toda a avaliação.
A avaliação psicomotora é realizada para que possamos investigar as
possíveis alterações que estariam sendo obstáculo para o bom desenrolar do
desenvolvimento infantil nos aspectos sensoriais, motores, cognitivos,
psicoafetivos e sociais.
É importante ressaltar que as avaliações psicomotoras não conseguem nos
informar o que está por trás do sintoma psicomotor. Elas nos mostram como
está o sintoma, como ele se apresenta para o mundo, como ele se dá a ver aos
olhos do outro.
Para a Psicomotricidade, o corpo da criança é um corpo em relação; relação
esta que abrange não só a relação com o outro, com o mundo dos objetos, mas
também e, acima de tudo, uma relação consigo.
A avaliação e o trabalho em equipe, com outros pro�ssionais, são
fundamentais, se complementam não só na prática clínica mas também nos
ajudam a conhecer o paciente, seus sinais e sintomas sob vários aspectos,
ampliando nossos conhecimentos e consequentemente nossa capacidade de
auxiliar o paciente e sua família.
O relatório de nossa observação − que deve ser entregue aos pais, à escola
e/ou a outros pro�ssionais − vai revelar como analisamos o material que
pudemos observar e deverá descrever de forma trans- parente nossa percepção
do caso em questão. O relatório é o espelho do terapeuta.
Por que avaliar?
Para demonstrarmos a pertinência de uma avaliação psicomotora, faz-se
necessário retornar no tempo para podermos compreender onde estão suas
raízes.
Desde o início do século XX, enormes avanços na Neurologia e na
Neuropsiquiatria vêm nos trazendo novas re�exões sobre o desenvolvimento
infantil e o funcionamento de nosso cérebro. Os transtornos funcionais vieram
questionar a relação anatomoclínica, demonstrando que poderíamos encontrar
diversas alterações sem que, a elas, correspondesse uma lesão cortical especí�ca.
Tais estudos reduziram sobremaneira o imperialismo neurológico da época e
permitiram o surgimento das ciências ditas paramédicas, como Psicologia,
Fonoaudiologia, Fisioterapia e Psicomotricidade.
A palavra psicomotricidade surge ainda relacionada com zonas do córtex
situadas “mais além” das regiões motoras, e sua de�nição é inicialmente baseada
nos fundamentos neurológicos.
Foi por volta de 1907, com Ernest Dupré, neurologista francês, que se
de�niu a síndrome da “debilidade motora” composta por sincinesias
(movimentos involuntários que acompanham uma ação), paratonias
(incapacidade para relaxar voluntariamente uma musculatura) e inabilidades,
sem que sejam atribuídos a eles danos ou lesão localizada. Dupré correlaciona
motricidade e inteligência, mudando o paradigma do estudo da infância.
Baseado nas perspectivas teóricas abertas por Wallon vistas no capítulo I
deste livro, Edouard Guilmain (apud VAYER, 1977) introduz o protótipo do
exame psicomotor, mais tarde consolidado por Pierre Vayer.
Guilmain buscava encontrar um método de exame direto para descobrir “o
fundo” de onde os “atos” são a “consequência”, criando, assim, um esboço da
reeducação psicomotora, por meio de exercícios de educação sensorial,
educação de desenvolvimento da atenção e trabalhos manuais. Este autor
indicava a reeducação psicomotora para acabar com os distúrbios de
comportamento, e seus objetivos eram o de reeducar a atividade tônica (por
meio de exercícios de atitudes, de equilíbrio, de mímica); melhorar a atividade
de relação (mediante exercícios de dissociação e de coordenação motora com
apoio lúdico); e desenvolver o controle motor (com exercícios de inibição para
instáveis e de desinibição para emotivos).
Desta forma, entre 1935 e 1956, o trabalho da Psicomotricidade era
impessoal, arbitrário e estruturado por métodos e técnicas com uma sequência
rígida (como uma receita para a “cura”).
O período entre 1947 e 1959 é marcado pela passagem da
Psicomotricidade do campo exclusivo da Neurologia e da Psicologia para uma
aliança com a Psiquiatria. Esta passagem se dá graças às in�uências
principalmente de Ajuriaguerra e René Diatkine.
É Ajuriaguerra quem descreve, por meio de seus estudos, uma abordagem
terapêutica em Psicomotricidade, composta de etiologia, sintomatologia,
formas de avaliação e tratamento. Estabelece um exame psicomotor e uma
técnica psicomotora especí�ca, de�nindo o campo de atuação do
psicomotricista e fornecendo aos demais pro�ssionais do desenvolvimento
infantil recursos para uma avaliação mais abrangente.
Nesta mesma época, foi Ozeretski que desenvolveu uma forma bastante
estruturada de avaliação psicomotora, reunindo provas de diversos autores,
como Guilmain, Stambak, Vayer e outros. Esta forma de avaliação ainda é
utilizada por diversos pro�ssionais brasileiros, embora não seja a que mais
responde à demanda atual.
Nos anos 1970, autores como G. Soubiran, Bergès, Diatkine, Jolivet,
Leibovici, que de�nem a Psicomotricidade como “uma motricidade de
relação”, trouxeram uma nova visão para o processo de avaliação psicomotora.
Para de�nir avaliação psicomotora, podemos citar P. Burger (2001) que a
descreve como “um balanço entre o ‘normal’ e o ‘patológico’, para um paciente
determinado, num momento determinado de seu desenvolvimento
psicomotor”. Ao estabelecermos este per�l, levamos em conta o contexto onde
se encontra o sujeito, o que nos permitirá a leitura daquilo que ele nos dá a ver
em situação precisa, isto é, o equilíbrio psicomotor que se cria nele em um
determinado momento em presença do terapeuta.
Segundo o Syndicat National d’Union dês Psychomotriciens (SNUP,
1995), a avaliação psicomotora permite:
• avaliar as di�culdades, assim como as possibilidades, ressituando o
sujeito no curso de sua evolução;
• apreciar a qualidade dos modos de relação que o sujeito instaurou com
seu meio ambiente, seu contexto;
• abordar o conjunto da atividade e expressão corporal nos campos, tais
como:
− as coordenações, o equilíbrio;
− o tônus, o conhecimento e a consciência do corpo;
− a estruturação do espaço e do tempo, a lateralidade;
− o gesto grá�co;
− o corpo em sua relação ao meio habitual e diante das situações não habituais.
A avaliação psicomotora constitui um elemento importante de um
procedimento diagnóstico do momento em que se revelam perturbações no
domínio escolar, familiar ou pro�ssional.
Como podemos ver, desde sempre, avaliar vem sendo uma preocupação da
clínica. Os dados obtidos são importantes, pois traçam um per�l da criança,
dão referência (para a família e demais pro�ssionais) do campo teórico no qual
nos baseamos e possibilitam a elaboração de um projeto terapêutico.
O QUE CONSIDERAR ANTES DE INICIAR A
INVESTIGAÇÃO?
A demanda trazida pela família a respeito das características apresentadas
pela criança e nossa primeira observação são os fatores que norteiam a
necessidade de uma avaliação psicomotora.
Conhecer os transtornos psicomotores e as estruturas do sistema nervoso
que participam da atividade psicomotora se faz fundamental para que o olhar
do pro�ssional possa ultrapassar essas primeiras in- formações e sua avaliação
possa focar o corpo do sujeito em cena.
TRANSTORNOS PSICOMOTORES
Estes foram de�nidos por Ajuriaguerra (1981) como sendo “...a �gura
sobre um fundo desorganizado... o que está desorganizado é a imagem
corporal, a não apropriação deste corpo pelacriança... o que a criança nos
mostra é somente parte, ou melhor, expressão de uma desorganização maior...”
O transtorno psicomotor é uma inquietação corporal causada por uma emoção
que perturba, desorganiza, atrapalha, que altera o viver. O transtorno está à
vista, manifesta-se no próprio corpo, ele se dá a ver. Poderíamos dizer, então,
que a observação psicomotora busca ir além do sintoma, ir além do que se vê!
O que se encontra nos transtornos psicomotores são perturbações no
esquema corporal, no tônus muscular e na imagem corporal, o que leva às
confusões espaciais (de lateralidade), rítmicas, distúrbios na coordenação,
equilíbrio etc.
Estes problemas no corpo são visíveis a qualquer olhar e vem a se tornar
foco de preocupação para o outro.
Para a Psicomotricidade, o corpo da criança é um corpo em relação, a qual
abrange não só a relação com o outro, com o mundo dos objetos, mas também
e, acima de tudo, consigo mesmo.
No que diz respeito à classi�cação dos transtornos psicomotores, Jean
Bergès realiza novas contribuições; segundo ele, as Instabilidades Psicomotoras,
a Inibição Psicomotora e a Debilidade Psicomotora são expressões do
transtorno psicomotor.
As Instabilidades Psicomotoras
A instabilidade de�ne-se como “uma certa maneira de articular postura e
motricidade, a partir do momento em que a criança está sob o olhar do outro,
e tentando levar em conta a ‘imagem’ que ela dá a seu próprio olhar”.
Suas características clínicas podem ser:
• di�culdade em dar continuidade às brincadeiras e às produções
corporais;
• di�culdade para inibir movimentos;
• necessidade de estar sempre em movimento;
• atitudes expansivas e explosivas;
• inquietação e agitação;
• incapacidade para relaxar e permanecer quietas;
• descontroles emocional e neurovegetativos (sudorese nas mãos, dores de
barriga, vontade de urinar, rubor...);
• tiques (involuntários, súbitos, rápidos e repetitivos) − existe nos tiques
um período de “luta”, de controle doloroso, seguido de uma explosão
“liberadora” do movimento, que se transforma em fonte de
constrangimento;
• paratonias (impossibilidade de relaxar voluntariamente um grupo
muscular):
− paratonia de fundo: refere-se ao tônus global e pode ser evidenciada por meio de
mobilizações passivas onde observamos uma resistência permanente ao movimento, ou
seja, não existe uma disponibilidade à movimentação passiva;
− paratonia de ação: surge também a partir de uma movimentação passiva, só que, em
movimentos de certa amplitude, não aparece no início do movimento, e sim no seu
decorrer, interrupções, um refreamento brusco, de�nitivo ou transitório;
• sincinesias intensas, difusas e de instalação rápida;
• atividades desordenadas;
• atenção dispersa, ocasionando alterações perceptivas; di�culdade para
focalizar a atenção;
• pouca e�cácia na realização de trabalhos prolongados;
• nível mental normal;
• alterações das relações interpessoais.
Como já vimos, os Transtornos Psicomotores não podem ser trata- dos
como uma síndrome unicamente motora. Não podemos deixar de levar em
consideração o desenvolvimento afetivo das crianças e suas relações com o meio
ambiente e com os outros.
Excluem-se de tais transtornos as síndromes cuja sintomatologia indicada
corresponde à existência de lesões focais precisas.
Segundo Bergès, as instabilidades se dividem em duas grandes categorias,
que se opõem em suas características clínicas:
• Estados de tensão
• Estados de deiscência
Ambas apresentam distintas manifestações, no aspecto motor (o sintoma
surge na ação da criança sobre o objeto) e no aspecto postural (o sintoma se
expressa sobre o próprio corpo).
Estado Tensional
Para Bergès, este estado pode ser observado em crianças que apresentam as
seguintes características:
• estado geral de alerta permanente que resulta em hipertonia
generalizada, com presença de paratonia e bloqueios respiratórios (alteração
de tônus);
• agitação, movimentos bruscos e explosivos (alteração do movi- mento);
• corpo vivido como um conjunto de tensões internas; corpo como
envolvido em uma armadura tônica, uma barreira que, em sua falência,
deixa escapar o movimento (alterações da imagem corporal).
Para explicar a gênese do estado tensional, Bergès se remete ao corpo sob o
olhar do outro. Aqui, o olhar do outro antecipa a ação motora da criança (“o
olhar da mãe quebra o vaso, antes mesmo de a criança ver o vaso” (BERGÈS,
1986) – Cuidado! Você vai quebrar isso!!!) e a criança, assustada, em estado de
alerta, age de acordo com a ação descrita verbalmente pelo adulto (Vai lá
e...quebra o vaso!).
Além desses dados clínicos, essas crianças nos mostram seu sofrimento e a
construção de seu sintoma também por meio das manifestações motoras e
posturais (alterações no esquema corporal).
Manifestações Posturais
• câimbra na escrita;
• paratonia;
• bloqueios respiratórios;
• retenção de gestos;
• estado geral de alerta permanente;
• tiques, tosses nervosas, etiologia de algumas gagueiras;
• bloqueios respiratórios;
• a criança também tem di�culdade na organização do brincar, do
construir, sua busca (também sempre frustrada) é a de desviar o olhar do
outro (para o tique, para a tosse, para a fala) e... quem sabe..., enquanto
fora deste olhar antecipatório, mover-se espontaneamente, aliviar sua tensão
(porém não consegue, pois está aprisionada em seu tique, em seu sintoma).
Manifestações Motoras
• gra�smo rígido, usando muito tônus na produção grá�ca, chegando a
câimbras;
• grande agitação motora, constante mudança de atividade (gra�smo
rígido);
• grande tensão;
• grande contração muscular, estados de hipertonia;
• impulsividade;
• a criança não sabe brincar, não sabe construir, tem como hábito motor a
falta de destreza que conduz à demolição, à destruição, mesmo que não
intencional. No entanto, não age sobre quaisquer objetos, age sobre os
objetos que têm sentido para o outro, na busca (sempre frustrada) de
desviar o olhar do outro (para o objeto em questão) e... quem sabe... fora
deste olhar antecipatório, poder mover-se espontaneamente (porém não
consegue, pois está aprisionada em sua armadura, em seu sintoma).
O corpo é vivido pelo sujeito como um conjunto de tensões internas, um
corpo cujo envoltório é percebido como uma fortaleza, uma barreira ao
movimento, uma armadura tônica. A instabilidade representa a falência deste
sistema. Este estado tensional é um limitador para o corpo, para suas ações e
relações com o meio.
Estado de Deiscência
O Estado de Deiscência apresenta um quadro clínico oposto ao do Estado
Tensional, revelando as seguintes características:
• presença de um estado de hipotonia generalizada;
• características tônicas elásticas e �exíveis (alterações do tônus);
• certa apatia;
• palidez;
• certa labilidade vascular, fazendo hematomas com facilidade;
• movimentos rápidos e lábeis dando impressão de descontrole das
atividades (gra�smo desordenado). A criança esbarra muito nos objetos
(alterações no movimento);
• corpo é vivido como que sem fronteiras; um corpo sentido como um
envoltório sem consistência, feito de falhas. Além desta sensação de
incompletude do envelope corporal, há uma sensação de vazio interno que
provoca angústia (alterações da imagem corporal).
Para compreendermos como a criança constrói seu sintoma, vejamos como
Bergès se remete ao corpo sob o olhar do outro para explicar a gênese do estado
de deiscência:
Aqui, como no estado tensional, o olhar do outro antecipa a ação motora
da criança (“o olhar da mãe quebra o vaso, antes mesmo de a criança ver o
vaso” – Cuidado! Você vai quebrar isso!!!) e a criança em vez de reagir com
motricidade, tem uma baixa tônica e aborta a ação motora (Não vai lá... não
quebra o vaso... não faz nada!). De tanto deixar de agir, sua tonicidade, seu
esquema corporal e seus movimentos serão ine�cazes nas relações que
estabelecerem com os objetos e com os outros.
A instabilidade representaa busca incessante dos limites, a tentativa de
estabelecer uma fronteira entre si mesmo e o mundo.
Além desses dados clínicos, essas crianças nos mostram seu sofrimento e a
construção de seu sintoma também por meio das manifestações motoras e
posturais (alterações no esquema corporal).
Manifestações Posturais
• apatia;
• estados de hipotonia (vivência de cansaço);
• características tônicas elásticas e �exíveis.
Partindo da imagem de um corpo sem fronteiras, podemos observar a
expressão do sintoma do estado de deiscência. No caso das manifestações
posturais, o “carro-chefe” serão as alterações do sistema neurovegetativo (hiper-
hidrose palmar, sudorese, ruídos epigástricos, enrubescimento,
empalidecimento), e, como podemos constatar, todas estas manifestações
ultrapassam, sem o controle do sujeito, as fronteiras do corpo e se dão a ver ao
outro.
Manifestações Motoras
• gestos rápidos e lábeis dandoa impressão de descontrole das atividades
(gra�smo desordenado);
• gra�smo lábil, porém preciso (uso de pouco tônus muscular);
• busca incessante dos limites, na tentativa de estabelecer uma fronteira
entre si mesmo e o mundo, levando a criança a esbarrar muito nos objetos.
A criança vive encostada, colada, esbarrando em algo ou alguém, na
tentativa (sempre frustrada) de sentir o limite de seu corpo, pois, nestes
momentos, tem a falsa sensação de fechamento do envelope corporal
(fornecido pelo contato momentâneo). No entanto, ao deparar-se sozinha, sem
tocar em nada ou encostar-se a nada, encontra-se tomada pela sensação de
vazio interno e de incompletude de seu envelope corporal. Volta, então, a
colar-se, a esbarrar... em um moto-perpétuo de luta contra o sintoma.
O corpo é vivido pelo sujeito como sendo sem fronteiras, um corpo
percebido com um envoltório sem consistência, feito de falhas.
A instabilidade, neste caso, está representada pela tentativa, sempre
frustrada, do fechamento do envelope corporal, buscando o contato
permanente com objetos ou com o outro.
Tanto no estado de deiscência como no estado de tensão, o problema está
relacionado aos limites corpóreos. Por um lado, encontramos as crianças que
apresentam uma envoltura a mais (corpo como fortaleza – estado de tensão),
por outro, aquelas que percebem seu corpo como que sem envoltura (corpo
sem fronteiras – estado de deiscência), mas sabemos que ambas estão, o tempo
todo, buscando informações acerca de seus próprios corpos. Na tentativa de
construir este corpo e criar seus espaços, elas acabam por apresentar ações
instáveis, compulsivas e, por vezes, agressivas que, ao contrário de estarem se
fortalecendo como sujeitos proprietários de seus corpos, estão deixando suas
marcas por meio das instabilidades. É importante ressaltar que essas ações sobre
o meio são dadas a ver ao Outro e é a eles que ela incomoda. A queixa da
instabilidade vem do Outro e não da criança.
A Inibição Psicomotora
A inibição psicomotora apresenta as seguintes características clínicas:
• crianças quietas demais �cam tensas com facilidade, demonstram
cansaço e fadiga, paralisia, angústia diante das situações (alterações de tônus
– enquanto postura, atitude);
• corpo limitado que não se presta à exploração do mundo nem à
exploração das relações com o Outro, com movimentos comprometidos,
em bloco, bloqueados, inibidos (alterações do movimento);
• corpo vivido como se fosse um “objeto bom”, objeto do desejo do outro,
sujeitado a este outro (alterações da imagem corporal);
• inibição, paralisia, angústia diante das situações;
• bloqueio geral, crianças quietas demais;
• movimentos amplos são evitados, expressividade e gestualidade pobre e
prejudicada;
• angustia-se com facilidade;
• cansaço e fadiga.
Estas crianças são aquelas que não perturbam nunca, todavia estas crianças
não só não perturbam mas também não desejam, não lutam pelo que querem,
não têm iniciativa, não se defendem, ocupam o lugar de objeto, são
extremamente passivas e, por medo e insegurança, se tornam crianças
angustiadas, com medo de se exporem, de perderem o lugar de “objeto bom” e,
assim, não terem mais lugar nenhum.
O olhar do Outro – que nas crianças instáveis aparece controlando,
antecipando e cercando suas ações – nessas crianças, não está presente, pois elas
precisam ser vistas de outra forma. Esse olhar esteve presente um dia, mas não
o su�ciente para a aceitação dela fora desse lugar de objeto.
Elas perpetuam com este comportamento, pois é assim que são vistas, é
esta a marca de seu comportamento e, para não mexerem com essa dinâmica
estabelecida, “se dão a ver para não serem vistas” (LEVIN, 1995). O que não
ocorre com as crianças instáveis que “se dão a ver do modo que são vistas”.
Segundo Esteban Levin, “as crianças com inibição dissimulam que
dissimulam”, isto é, fazem de conta que não querem ser vistas, mas se colocam
de tal forma que se fazem notar. A�nal, o que mais querem é serem vistas com
um outro olhar!!!
Debilidade Psicomotora
Descrita por Dupré em 1907 como um processo de interrupção do
desenvolvimento das funções motoras e mais precisamente do sistema
piramidal, a Debilidade Psicomotora caracteriza-se por alterações no
movimento intencional, chegando muitas vezes à impossibilidade de realizar
voluntariamente a resolução muscular necessária (paratonia). É descrita como
um estado patológico do movimento, com características mais no nível
neuromotor do que no psicoafetivo, que apresenta alterações e exaltação de
alguns re�exos, sincinesias e paratonias.
Segundo Ajuriaguerra, é um “estado de insu�ciência, de imperfeição das
funções motoras consideradas em função de sua adaptação aos atos ordinários
da vida”. (AJURIAGUERRA, 1981, p. 232)
ESTRUTURAS DO SISTEMA NERVOSO – UNIDADES
FUNCIONAIS DE LURIA
Para que possamos utilizar este instrumento de avaliação psicomotora, faz-
se mister que tenhamos acesso aos conhecimentos da Neuropsicologia
fornecidos por Luria que irão sustentar a escolha das provas pertinentes à nossa
avaliação psicomotora propriamente dita.
Luria (1973), de acordo com Vygotsky (apud FONSECA, 1995), aborda a
noção de função como um sistema complexo e plástico. As funções
psicomotoras e os substratos neurológicos que são por elas utilizados passam a
ser vistos como sistemas organizados, dinâmicos e complexos.
As funções cerebrais têm, a partir desses estudos, uma localização dinâmica
e não restrita e estática como tinham até então. As capacidades cognitivas são
analisadas e distribuídas em zonas ou centros corticais, que, apesar de serem
diferentes anatomicamente e funcionalmente, estabelecem entre si um trabalho
sincronizado e dinâmico.
As tarefas são consequências de uma harmoniosa e complexa atividade de
estruturas corticais e subcorticais que, por um sistema de retroalimentação e
reaferência, caracterizam o “córtex operário”.
Ausentes no instante do nascimento, as zonas de trabalho responsáveis pela
atividade cognitiva complexa, seja ela psicomotora ou simbólica, são
encadeadas estruturalmente durante o processo de desenvolvimento.
Toda aquisição cognitiva da criança – postura bípede, manipulação práxica,
compreensão auditiva, fala, leitura, escrita etc. – é consequência de uma
atividade simultânea e integrada dos centros de trabalho dispersos no cérebro.
Inicialmente, são os centros mesencefálicos os responsáveis pelo
comportamento motor do indivíduo que produzem os re�exos não
condicionados.
Da mesma forma que não podemos desvincular a linguagem gestual, a
comunicação não verbal emocional e mímica, a atenção, a percepção, a
memória e o pensamento da linguagem falada, não podemos estudar de forma
isolada a motricidade humana sem levar em conta a organização do tônus de
repouso e de ação, o controle postural, a regulação vestibular e espacial, a
noção do corpo e sua relação com o espaço, a memória e as aferências do meio.
As zonas responsáveis por funções simbólicas ou psicomotoras são distribuídas
de forma dispersa pelo cérebrono que diz respeito às suas características
anatômicas e psicológicas.
O cérebro funciona, segundo a teoria luriana, como um sistema totalizador
que opera várias unidades funcionais consideradas como subsistemas.
Para Luria, o cérebro é composto de múltiplas estruturas funcionais
sistematicamente integradas em três grandes unidades funcionais
fundamentais.
As três unidades funcionais participam de todo tipo de atividade mental,
quer no movimento voluntário, na elaboração práxica e psicomotora, quer na
produção da linguagem falada ou escrita.
A Primeira Unidade Funcional
As estruturas do sistema nervoso, responsáveis pelo funcionamento da
primeira unidade funcional, são o tronco cerebral, o diencéfalo e as regiões
médias do córtex. Sua função é a regulação do tônus cortical e postural e os
estados de alerta (sono e vigília).
A formação reticulada é a estrutura responsável pelo tônus cortical,
consequentemente pelo tônus corporal, e, além de regular a atenção seletiva das
atividades conscientes, ainda é responsável pela regulação de todas as funções
vitais do ser humano durante o sono.
A formação reticulada está localizada no tronco cerebral (vai do diencéfalo
à medula) e é responsável pelas atividades automáticas do ser humano –
herança biológica humana (atividades: gastrointestinal, respiratória,
cardiovascular, postural e locomotora), funções elementares, porém vitais.
A formação reticulada assume, segundo
Luria, um papel fundamental na motivação e na
aprendizagem. Transforma, pelo do seu poder
de integração com os centros superiores, as
sensações vindas de várias modalidades
sensoriais em uma percepção.
Assim como a consistência dos músculos é
fundamental para manter as articulações em
posições determinadas e necessárias para a ação
(SHERRINGTON, 1906), também um certo
tônus cortical é determinante para a organização
interna que preside às atividades psíquicas
superiores. (LURIA, apud FONSECA, 1995, p.
64)
A primeira unidade funcional do cérebro
trabalha interligada aos sistemas superiores
corticais durante as atividades conscientes do
homem, sejam elas ligadas à programação da
ação voluntária, de processos de decodi�cação e de codi�cação simbólica. Está
em atividade desde antes do nascimento, desempenhando participação decisiva
durante o parto e durante os processos iniciais de maturação motora.
A Segunda Unidade Funcional
As estruturas do sistema nervoso, responsáveis pelo funcionamento da
segunda unidade funcional, estão localizadas nas regiões posteriores e laterais
no neocórtex (convexidade super�cial dos hemisférios cerebrais que contêm as
zonas responsáveis pela recepção dos órgãos sensoriais), isto é, a região occipital
(áreas 17, 18 e 19 de Brodmann) – análise visual; a região temporal superior
(áreas 41, 42 e 22 Br) – análise auditiva, e a região pós-central parietal (áreas 3,
1 e 2 Br) – analisador tátil e cinestésico (ligado ao movimento, ao motor).
Sua função é especí�ca e suas células nervosas também, dependendo de sua
localização (células do córtex visual não são encontradas no córtex auditivo...).
Esta especi�cidade celular faz estas zonas sensoriais serem capazes de processar
diferenças sensoriais mínimas, garantindo uma
percepção integrada, seletiva e complexa.
As áreas primárias são envolvidas por zonas
corticais secundárias denominadas por Luria de
“áreas gnósicas”, que se sobrepõem
funcionalmente às primárias, porém com menos
especi�cidade, visto que nelas encontramos mais
neurônios associativos, que combinam as
informações resultando em padrões funcionais
mais complexos, as percepções.
As áreas terciárias da segunda unidade
funcional são responsáveis por uma “organização
espacial dos estímulos sucessivos em grupos de
processamento simultâneo, envolvendo
sequencialização e simultaneidade da
informação que resulta no caráter sintético da percepção”. (LURIA apud
FONSECA, 1995)
São áreas responsáveis pela integração da informação, direta e simbólica
(cognitiva) – linguagem oral e escrita, as operações lógicas, a matemática...
Os dois hemisférios cerebrais têm as áreas primárias iguais em ter- mos
estruturais (receptores são contralaterais).
As áreas secundárias são mais lateralizadas e as terciárias muito mais. O
hemisfério direito é mais e�caz no processamento de padrões espaciais, rítmicos
da memória não verbal e o hemisfério esquerdo mais e�caz no processamento
de padrões verbais (linguagem) e lógicos, categorização e memória verbal.
A segunda unidade funcional só entra em funcionamento após o
nascimento, estabelecendo importante papel nas relações entre o organismo e o
meio (espaço intracorporal e extracorporal).
A Terceira Unidade Funcional
Esta última implica a organização da
atividade consciente, ou seja, a programação,
regulação e veri�cação desse tipo de atividade.
Está localizada nas regiões anteriores do córtex,
à frente do sulco central (áreas pré-central e
frontal), região denominada lóbulos frontais.
Essas regiões formam um complexo
cinestésico único no córtex e possuem sistemas
aferentes de projeção com as regiões do córtex e
subcórtex, responsáveis pela retroalimentação e
reaferência dos sistemas extrapiramidais e por
todo sistema de programação, regulação e
veri�cação das atividades humanas (sistema
cérebro-corticocerebeloso). Ou seja, ao mesmo
tempo em que o homem é capaz de reagir a
estímulos criando estratégias e programando
ações intencionais, inspeciona sua realização, regulando e até reprogramando
para que tudo saia como planejado. Todo esse processo requer participação de
todas as três unidades funcionais.
O desenvolvimento e a perfeição da motricidade humana estão diretamente
associados com a formação de áreas terciárias do córtex frontal.
Segundo Fonseca (1995), são nessas áreas que se apoiam as bases
psiconeurológicas da Psicomotricidade que abrangem as funções de programar,
regular, veri�car, integrar e efetivar (executar) ações motoras voluntárias.
A terceira unidade funcional difere da segunda no sentido da organização.
Enquanto a segunda unidade, responsável pelas funções de recepção (sistema
sensorial aferente), se organiza de forma vertical e ascendente (primeiro ativa as
áreas primárias, depois as secundárias e, por �m, as terciárias), a terceira
unidade funcional, responsável pela função de expressão (sistemas motores
eferentes), se organiza de forma vertical descendente, ou seja, a ativação parte
das áreas terciárias para as secundárias e destas para as primárias. Destas últimas
partem os comandos desde os primeiros motoneurônios superiores aos
inferiores e desses para os músculos.
É a síntese aferente provocada pela motricidade que confere ao cérebro o papel dinâmico
da integração sensorial, que a transforma progressivamente em Psicomotricidade.
(FONSECA, 1995, p. 90)
As funções corticais de programação, regulação e veri�cação das atividades
conscientes não podem ser vistas de forma separada do instrumento
fundamental que é a linguagem, que se tornou o “maior regulador do
comportamento humano”. (LURIA apud FONSECA, 1995)
Nos movimentos automáticos e re�exos, não existe este tipo complexo de
atividade cortical, esta atua apenas nos movimentos voluntários nos quais
encontramos funções psíquicas superiores e processos mentais humanos
formados, elaborados e materializados com base na atividade da linguagem.
A terceira unidade funcional depende das duas primeiras e, como já vimos,
é responsável pelas ações voluntárias, que só serão realizadas mais tarde.
Portanto, nas ações voluntárias, podemos constatar a interação das três
unidades funcionais.
QUE INSTRUMENTOS USAR?
Agora sim, conhecendo o desenvolvimento infantil, podemos partir para a
avaliação psicomotora, considerando os transtornos psicomotores e seguindo a
veri�cação das três unidades funcionais e seus subfatores psicomotores.
Para Fonseca (1995), há uma mensuração por pontos que classi�ca as
crianças segundo seu desempenho psicomotor.
As criançasque apresentam ausência de resposta nas atividades propostas,
realização imperfeita, ou incompleta, ou inadequada e não coordenada de tais
atividades são classi�cadas como apráxicas, e seu desempenho é considerado
muito fraco. Aquelas que apresentam di�culdade de controle com presença de
sinais desviantes demonstrando uma realização fraca, insatisfatória e com
disfunções ligeiras são classi�cadas como dispráxicas. Temos ainda, na
classi�cação de Fonseca, as crianças eupráxicas que realizam de forma
completa, adequada e controlada, apresentando um bom desempenho.
Finalmente, uma última classi�cação engloba as crianças que executam de
forma perfeita, precisa, econômica e com facilidade de controle todas as
atividades propostas, obtendo um desempenho excelente, sendo consideradas
hiperpráxicas.
A partir de nossa prática clínica, observamos que, muitas vezes, a tarefa, em
si, não é cumprida com rigor, porém podemos constatar se a criança usa seu
corpo de forma adequada, harmoniosa, demonstrando um bom projeto motor,
um tônus adaptado ao ato motor e bom controle de seus movimentos. A
importância, para nós, está no uso que a criança faz de seu corpo no espaço e
não do cumprimento da tarefa.
Nossa classi�cação não irá considerar valor numérico para avaliar a
execução da tarefa, buscaremos observar a qualidade do movimento e da
utilização de seu corpo em cena, em uma perspectiva descritiva.
Tal forma de avaliação (por pontos) acaba por limitar, classi�car, enquadrar
a criança em uma tipologia da qual será refém. Nossa forma de relatar os dados
colhidos a partir da avaliação busca possibilitar um olhar para as in�nitas
possibilidades que a criança apresenta de modi�car seu desempenho. O recurso
que propomos, além do rela- tório descritivo, compreende a confecção de um
grá�co qualitativo, que oferecerá uma representação do per�l psicomotor da
criança, de fácil compreensão para pais, escolas e demais pro�ssionais, sendo
também um instrumento bastante útil no momento de uma reavaliação.
A partir de diversos instrumentos, devidamente validados, que se propõem
a avaliar os aspectos psicomotores, criados por autores renomados, buscamos
selecionar aqueles que, em nossa prática clínica, se mostraram de maior
e�cácia.
Uma dessas formas de avaliação, atualmente utilizada nas áreas de educação
e clínica, é a do doutor Vitor da Fonseca, publicada em sua magní�ca obra
Manual de Observação Psicomotora, em 1995. Por ser a mais atual e por
corresponder teoricamente a nossos interesses clínicos, optamos por considerá-
la nosso ponto de partida. No entanto, as obras de Ajuriaguerra, de Picq e
Vayer, assim como de Mira Stambak e de Bergès e Lézine nos trazem algumas
provas mais completas e, por tal razão, vieram complementar a proposta deste
livro.
Como observamos no desenvolvimento psicomotor descrito por Gallahue e
Ozmun (2001), as habilidades motoras fundamentais devem estar maduras por
volta de seis anos. Isso signi�ca que uma criança a partir dos seis ou sete anos
deverá realizar, satisfatoriamente, todas as provas propostas neste livro.
No entanto, a emergência de tais habilidades se dá por volta dos três a
quatro anos, que passaremos a considerar a idade mínima para a aplicação
desta avaliação, uma vez que, segundo Wallon (1968), é no estágio sensório-
motor que estas crianças já conquistaram o controle da marcha e a linguagem
(atividade simbólica) ampliando o espaço do mundo infantil e passarão a
mergulhar no estágio projetivo, conquistando o mundo pela ação exercida
sobre ele. Segundo esse autor, sem o movimento, a criança não sabe captar o
mundo exterior. A função motora, para ele, é o instrumento da consciência.
Continuando a olhar o desenvolvimento infantil, podemos observar que é,
também, a partir dos seis e sete anos, segundo Piaget (apud AJURIAGUERRA,
1977), que a criança, já inserida em uma rede simbólica, atinge o período das
operações concretas, demonstrando grande avanço tanto na socialização como
na objetivação do pensamento e na constância da percepção. A criança pode,
então, compreender as relações entre as informações que recebe. É, também,
por causa desse aspecto cognitivo que podemos esperar que uma criança com
integridade neurológica e psicoafetiva em seu desenvolvimento possa realizar
com e�cácia as provas propostas.
VERIFICAÇÃO DA PRIMEIRA UNIDADE FUNCIONAL DE
LURIA
1 – Tonicidade
Serão avaliadas duas formas de tonicidade: a de fundo e a de ação. Na
primeira, vamos veri�car o aspecto da passividade (segundo Ajuriaguerra e
Stambak – a capacidade de relaxamento passivo dos membros e suas
extremidades distais perante mobilizações, oscilações e balanceios promovidos
pelo observador) e o aspecto da extensibilidade (segundo Ajuriaguerra, 1977 –
maior comprimento possível que podemos imprimir a um músculo afastando
suas inserções).
Após a observação do tônus de fundo, de base ou repouso, deve- mos
seguir nossa observação do tônus de ação ou de atitude investigando:
• as paratonias (segundo DUPRÉ e AJURIAGUERRA) – incapacidade de
descontração voluntária, que podem estar presentes tanto no tônus de
repouso como no de ação;
• as diadococinesias (segundo QUIRÓZ, apud FONSECA, 1995) –
função motora que permite a realização de movimentos simultâneos e
alternados, que põem em cena a coordenação cerebelar;
• as sincinesias (segundo AJURIAGUERRA, 1977 e SOUBIRAN) –
quando um grupo muscular que não foi convidado para a ação vem
participar dela – reações parasitas de imitação ou axiais.
Para a avaliação de tão importante aspecto psicomotor, optamos pela
aplicação do exame de tônus. (AJURIAGUERRA – BERGÈS, 1963)
PROVA 1 – EXAME DE TÔNUS 
(AJURIAGUERRA – BERGÈS, 1963)
Manobras para Investigação do Tônus de Fundo
Prova 1.1 – Provas de passividade
O sujeito deve permanecer passivo e relaxado durante a execução das
manobras pelo examinador.
Membros superiores
Punhos
Cotovelos
Manter o braço ao longo do corpo e mobilizar somente o antebraço.
Atenção no posicionamento da mão do examinador. Atenção para não
promover uma rotação externa do braço.
Ombros
Sustentar o braço em semi�exão e soltá-lo. Ele deverá pendular. Atenção!
Poderá aparecer paratonia. Não insistir para que o examinado relaxe, pois se
criará mais tensão.
Tronco
Imprimir balanceio e observar a evolução do movimento no corpo.
Membros inferiores
As provas serão realizadas na posição sentada.
Joelhos
Atenção! Poderá aparecer paratonia. Não insistir para que o examinado
relaxe, pois isso poderá criar mais tensão.
Tornozelos
Os dados observados farão parte de seu relatório no �nal da avaliação; por
isso, se sentir necessidade, pode ir fazendo anotações durante a investigação.
Prova 1.2 – Provas de extensibilidade
O sujeito deve promover a extensão do referido segmento corporal sem
desconforto e serão observados os ângulos formados pelos segmentos em
questão.
Membros superiores
Punhos
Cotovelos Ombros
Observar o ângulo que se forma
entre braço e antebraço.
Atenção! A posição do cotovelo pode
oscilar entre a linha média e o bordo da
face do lado oposto ao braço que realiza a
prova.
Tronco Pescoço
Atenção! Observar mecanismos
posturais de compensação e tentar
desarmá-los (sobretudo �exão das
pernas).
Levar a cabeça para o lado, suavemente,
até o aparecimento do
esternocleidomastoideo.
Membros inferiores
O examinado deve apoiar-se em uma das mãos, colocar-se na posição, e o
examinador irá, então, sustentar tal posição sem que haja esforço. Veri�ca-se o
ângulo que se forma entre a parte posterior da coxa e a panturrilha.
Prova 1.3 – Sincinesias
Estas podem variar:
No tipo:
Tônica (só aumento de tonicidade)
Tônica-cinética (aumento de tônus com a presença de movimentos)
Na intensidade:
Pouca intensidade
Muita intensidade
Na lateralidade:
Normalmente estão mais presentes no membro do lado dominante quando
este está em repouso.
Prova 1.3.1 – Sincinesias de imitação
Pede-se uma ação em uma das mãos e obtém-seresposta na outra
(fazer com ambas as mãos).
Prova de marionetes
Prova 1.3.2 – Sincinesias axiais
Pede-se uma ação no eixo do corpo (por exemplo: abrir a boca) e obtém-se
resposta nas extremidades (ou ao contrário, pede-se uma ação nas extremidades
– recortar, por exemplo – e a resposta surge no eixo do corpo).
Prova 1.4 – Controle tônico postural
Repercutividade – resposta de sobressalto a estímulo sonoro inesperado.
Instabilidade postural – de pé, de olhos
fechados, braços estendidos para frente.
Observar as oscilações antero-posteriores ou
laterais, o deslocamento dos membros
demonstra a instabilidade no estado de repouso.
Instabilidade de ação – de pé, olhos
fechados, braços estendidos para a frente e
marchar sem sair do lugar ou mover a língua da
esquerda para a direita (incitação axial).
Segundo os autores, a observação dessas
provas juntamente com o comportamento
diurno (repouso e atividade) e noturno
(qualidade do sono) podem auxiliar na
conclusão de possível estado tensional.
PROVA 2 – EQUILIBRAÇÃO
A observação do equilíbrio também é fator
de interesse da primeira unidade funcional,
uma vez que envolve ajustamentos posturais
antigravitários que dão suporte a qualquer ato
motor. O equilíbrio é resultante de uma ação
coordenada e simultânea da proprioceptividade,
da tonicidade e da exteroceptividade, sendo o
ponto de partida para todas as ações
coordenadas e intencionais. Pelas provas de
equilíbrio estático, podemos observar o grau de
controle vestibular e cerebelar da postura.
Nosso olhar deverá estar atento aos movimentos
faciais, às gesticulações, aos sorrisos, às
oscilações, à rigidez corporal, aos tiques, à
hiperemotividade.
As provas de equilíbrio dinâmico implicam orientação controlada do corpo
em situações de deslocamento no espaço, entrando em cena a própria atividade
piramidal. Nosso olhar deve estar atento para os sinais como a precisão, a
economia e melodia do movimento, o controle, a destreza, o grau de facilidade
ou de di�culdade, as assimetrias, as reações de busca de equilíbrio. Vamos
observá-lo nas seguintes condições:
Prova 2.1 – Equilíbrio estático
Imobilidade (FONSECA, 1995)
Posição de Romberg: a criança deve estar de pé, braços ao longo do corpo,
pés unidos e olhos fechados por 60 segundos (segundo Guilmain, 1971, é a
capacidade de inibir, voluntariamente, qualquer movimento durante um curto
tempo).
Prova 2.2 – Equilíbrio dinâmico
Pular, com os pés juntos, uma corda estendida no chão. (PICQ & VAYER,
1977)
O terapeuta demonstra o pulo que deverá ser sem impulso, com os joelhos
�etidos. Deve haver propulsão.
Marcha controlada: andar em linha reta (dois metros), encostando a ponta
de um pé no calcanhar do outro pé.
Veri�cação da Segunda Unidade Funcional.
PROVA 3 – CONHECIMENTO DO CORPO
A noção de corpo também deve ser observada e é da responsabilidade da
segunda unidade do modelo Luriano. As primeiras provas por nós selecionadas
fazem parte da BPM (Bateria Psicomotora) de Vitor da Fonseca, e as demais
foram introduzidas na intenção de intensi�car a investigação sobre o
conhecimento que a criança pode ter de seu corpo. Com esse �m, recorremos a
Bergès e Lézine para a imitação de gestos e verbalização e demonstração das
partes do corpo e outros autores para as demais provas.
Prova 3.1 – Cinestesia (FONSECA, 1995)
O sentido cinestésico segundo Jenkins (apud FONSECA,1995) refere-se
ao sentido posicional e ao sentido do movimento fornecido pelos
proprioceptores que pertence à somestesia (sensibilidade cutânea e subcutânea).
Esta prova consiste em reconhecer e nomear, de olhos fechados, entre 8 e 18
pontos do corpo que lhe forem tocados.
Prova 3.2 – Imitação de gestos (BERGÈS & LÉZINE, 1978)
Esta prova, segundo Bergès e Lézine, nos permite investigar a gênese da
aquisição do esquema corporal na criança assim como a gênese de sua
utilização práxica, pela exploração do conhecimento do corpo, de sua
orientação, de sua e�ciência postural e motora, nas diversas etapas do
desenvolvimento.
Uma vez que, nesta prova, o corpo é visto como campo de experiência,
como meio de investigação, como referência e como instrumento de utilização,
nos é permitido observar a possibilidade da criança de imitar corretamente
uma série de gestos efetuados pelo observador, posicionado diante dela.
A imitação correta de um gesto proposto como modelo supõe o
conhecimento e o controle do corpo enquanto instrumento e a possibilidade
de utilizá-lo de forma idêntica ao modelo; supõe, também, o conhecimento do
corpo do outro (que é o modelo) e a apreensão do que ele signi�ca. Assim, são
abordados fatores de ordem perceptiva e de ordem práxica:
Fatores Perceptivos
• fator sensorial, ótico, correspondendo à “imagem do corpo” de Picq
(apud BERGÈS & LÉZINE, 1978), que coincide com as imagens do
mundo exterior e as do corpo do outro;
• fatores sensitivos, aferenciais, que, para Head (apud BERGÈS & LÉZI-
NE, 1978), uni�cam-se e totalizam-se no esquema corporal;
• fator cinestésicos, que vão permitir, como nos diz Shilder (apud
BERGÈS & LÉZINE, 1978), a revelação do esquema corporal na
experiência cinestésica das estruturas posturais e do movimento.
Fatores Práxicos
O desencadear, o desenrolar e o �nalizar do gesto representam uma
sequência motora que se organiza no tempo e no espaço e a busca da via mais
e�caz dentro das possibilidades de imitação.
Para explicar a união dos aspectos perceptivos e práxicos, citamos os
autores da prova:
O esquema corporal da criança está engajado em um movimento imitativo, carregado do
“símbolo” da imitação: os elementos perceptivos e perceptivo-motores do esquema
corporal são, desta forma, utilizados em um “gesto” simbólico. Essa função práxico-
gnósica vai, por sua vez, acarretar um melhor conhecimento do esquema corporal:
mensurando por uma série de provas a possibilidade de imitação de gestos, podemos
apreciar o grau de maturação desta função práxico-gnósica, e o grau de aquisição do
esquema corporal.
(BERGÈS & LÉZINE, 1978, p. 2)
Na verdade, quando uma criança imita nosso gesto, ela imita uma forma,
uma direção, que lhe são propostas, e nos dá a ver a organização geral de seu
gesto, investindo suas possibilidades motoras e posturais, suas noções de
lateralidade, sua dominância manual, colocando em cena diversas formas de
correção na tentativa de imitar o modelo.
Imitação de gestos simples
Movimentos das Mãos Movimentos dos Braços
Quadro da Média de Pontos Obtidos na Pesquisa
dos Autores
3 anos 7 a 12
4 anos 13 a 18
5 anos 17 a 19
6 anos 19 a 20
Prova 3.3 – Conhecimento das partes do corpo
Partes do corpo nomeadas e designadas sob ordem verbal. (BERGÈS &
LÉZINE, 1978)
A prova de imitação de gestos coloca a criança em uma situação em que o
fator verbal é reduzido ao mínimo, pois a única tarefa da criança é executar os
gestos o mais desprovido possível de conteúdo simbólico e de se orientar no
espaço.
Na prova que utilizaremos a seguir, investigaremos como as diferentes
partes do corpo se integram no mundo de suas representações sob a forma de
nomeação e veri�caremos as aquisições verbais que a criança possui, na medida
em que ela pode mostrar e nomear as partes do corpo que lhe são designadas.
Os 25 primeiros itens do inventário apresentado pelos autores foram
classi�cados em função de respostas obtidas com crianças de três e quatro anos.
Os autores atribuíram 1 ponto para cada item nomeado (0,5 ponto para
nomeação sobre o terapeuta e 0,5 ponto para nomeação sobre seu corpo) e 1
ponto para cada item mostrado (0,5 ponto quando mostrado no corpo do
terapeuta e 0,5 ponto quando mostrado sobre o próprio corpo).
Sabemos que as crianças que apresentam prejuízos motores terão
di�culdades na prova de imitação de gestos assim como no desenho da �gura
humana. Sendo assim, esta prova lhes dá a possibilidade, mediante a nomeação
e localização, de demonstrar seus conheci- mentos a respeito de seu corpo.
Protocolo para mostrar e nomearComo ensaio, fazer a criança mostrar e nomear a cabeça, os braços e as
pernas.
Nomear e mostrar as partes
do corpo
Nomear no
avaliador
Mostrar no
avaliador
Nomear no
próprio corpo
Mostrar no próprio
corpo
1 – Cabelos
2 – Mãos
3 – Pés
4 – Boca
5 – Orelhas
6 – Olhos
7 – Nariz
8 – Costas
9 – Barriga
10 – Joelhos
11 – Dentes
12 – Calcanhares
13 – Testa
14 – Pescoço
15 – Bochechas
16 – Queixo
17 – Polegares
18 – Unhas
19 – Lábios
20 – Ombros
21 – Cílios
22 – Cotovelos
23 – Punhos
24 – Sobrancelhas
25 – Narinas
Quadro da Média de Pontos Obtidos na Pesquisa dos Autores.
Idade Nomear Mostrar
3 anos 8 10
4 anos 17 18
5 anos 20 21
6 anos 24 25
Prova 3.4 – Desenho da figura humana (desenho de si?)
(PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978 e FONSECA, 1995)
Não cabe, neste livro, fazer um passeio sobre os estudos consagrados à
evolução das possibilidades grá�cas da criança nem sobre os estudos que se
utilizaram do desenho como teste projetivo, informando-nos sobre sua vida
afetiva. O desenho pode representar uma projeção de atitudes ou uma projeção
da imagem de si ideal, um estado mais elevado da representação ou, ainda, o
simples resultado da observação voltada para os aspectos exteriores de si e do
outro. Buscaremos considerar o desenho da criança sob o ângulo da imagem
que ela faz de seu corpo, considerando que podem surgir diferenças especí�cas
neste desenho, a partir do interesse maior que ela dedica a um ou outro
segmento corporal colocado em cena, durante a avaliação.
A observação da representação do corpo vivido da criança re�ete seu nível
de integração somatognósica e sua experiência psicoafetiva. Nesta atividade, há
a integração das atividades parietal-occipitais, retratando as funções de análise,
síntese e processamento, representadas gra�camente.
Nosso olhar deve estar atento para a postura adotada pela criança, a posição
da cabeça diante do papel, a preensão no lápis, a consistência da dominância
manual e os sinais disfuncionais do desenho, como, por exemplo: forma,
proporção, pobreza ou ausência de partes do corpo.
Schilder nos diz que “a forma como as crianças desenham os personagens
humanos re�ete realmente seus conhecimentos e sua experiência sensorial do
esquema corporal”. (1950)
Karem Machover (1953 apud BERGÈS & LÉZINE, 1978) também
ressaltou esse aspecto dizendo que “o fato de desenhar uma �gura humana não
é somente um problema de destreza grá�ca, mas uma projeção da forma pela
qual a criança representa sua imagem corporal”.
O próximo item de nossa observação será a Organização Perceptiva e
Estruturação Espaço-Temporal que vai envolver as regiões posteriores do
córtex, que dizem respeito às funções de análise, processamento e
armazenamento da informação, isto é, a integração cortical de dados espaciais
(mais ligados ao sistema sensorial-visual – lóbulo occipital) e dados temporais,
rítmicos (mais ligados ao sistema sensorial-auditivo – lóbulo temporal).
Nosso olhar deve estar atento para a e�ciência da realização das propostas, a
expressividade de uma dominância lateral de�nida ou não e a sua capacidade
de utilização da assimetria funcional.
PROVA 4 – ORGANIZAÇÃO PERCEPTIVA E
ESTRUTURAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL
A organização perceptiva abarca a organização espacial que, segundo
Fonseca, compreende a capacidade espacial concreta de calcular as distâncias e
ajustamentos dos planos motores, pondo em cena as funções de análise
espacial, processamento e julgamento das distâncias, direção, projeto motor e
verbalização da experiência. Envolve as áreas parietais e occipitais (5 e 7) e
fornece as informações necessárias para os centros motores piramidais e
extrapiramidais.
Prova 4.1 – Tabuleiro vazado com três formas (círculo, triângulo
e quadrado)
O terapeuta coloca as formas alinhadas e o triângulo com o vértice para a
criança e gira o tabuleiro. A criança deverá encaixar as formas. (PIERRE
VAYER & LOUIS PICQ, 1978)
Prova 4.2 – Formação de um retângulo
Dois retângulos de cartolina de 14 x 10cm, sendo um deles cortados ao
meio em diagonal. O retângulo e os triângulos devem ser apresentados à
criança na posição abaixo. Com estes dois triângulos, formar um retângulo.
(PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978)
Prova 4.3 – Representação topográfica
(Realizada somente a partir dos seis anos de idade).
Capacidade espacial semiótica e de interiorização de uma trajetória espacial
partindo de um mapa, envolvendo a transferência de sistemas visuais para
sistemas proprioceptivos, pondo em cena atividades espaciais inter-
hemisféricas.
A criança e o observador realizam um levantamento topográ�co da sala
(um mapa). Ambos se posicionam na sala e desenha-se um trajeto no mapa,
que deverá ser realizado pela criança. (FONSECA, 1995)
Prova 4.4 – Estruturação rítmica
(MIRA STAMBAK apud VAYER, 1978).
Compreende a capacidade de memorização e reprodução motora de
estruturas rítmicas, observando a percepção auditiva, a memória de curto prazo
e a translação de estímulos auditivos para proprioceptores.
a) Reprodução por batidas das estruturas temporais
A criança deve ouvir atentamente a sequência de batidas realizadas pelo
observador e, em seguida, reproduzir a mesma estrutura rítmica e o mesmo
número de batimentos.
Obs.: Parar após três estruturas erradas sucessivamente.
Ensaios: 00 e 0 0
1. 000 11. 0 0000
2. 00 00 12. 0000
3. 0 00 13. 00 0 00
4. 0 0 0 14. 0000 00
5. 0000 15. 0 0 0 00
6. 0 000 16. 00 000 0
7. 00 0 0 17. 0 0000 00
8. 00 00 00 18. 00 0 0 00
9. 00 000 19. 000 0 00 0
10. 0 0 0 0 20. 0 00 000 00
b) Simbolização (desenho) das estruturas espaciais
Em vez de bater com o lápis, a criança deverá desenhar bolinhas
respeitando os intervalos rítmicos que devem ser representados espacialmente.
Após observar o cartão confeccionado pelo terapeuta, contendo as estruturas
(rodelas de papel vermelho com 3cm de diâmetro, apresentadas sobre um
cartão).
Obs.: Parar após duas estruturas erradas sucessivas.
Ensaios: 00 e 0 0
1. 0 00 6. 0 0 0
2. 00 00 7. 00 0 00
3. 000 0 8. 0 00 0
4. 0 000 9. 0 0 00
5. 000 00 10. 00 00 0
c) Simbolização das estruturas temporais
São apresentados os cartões, e a criança bate com o lápis as estruturas,
respeitando os intervalos temporais que representam os intervalos espaciais dos
cartões (Leitura dos cartões).
Estruturas a reproduzir pela batida
Ensaios: 00 e 0 0
1. 000
2. 00 00
3. 00 0
4. 0 0 0
5. 00 00 00
Dá-se um ponto por acerto, somam-se os pontos obtidos nos diferentes
aspectos da estruturação espaço-temporal (máximo 40 pontos).
Quadro da média de pontos obtidos na pesquisa dos autores. Correspondência
para a idade
Idades Pontos
6 anos 6
7 anos 14
8 anos 19
9 anos 24
10 anos 27
11 anos 32
PROVA 5 – LATERALIZAÇÃO
Segundo Luria, a lateralização humana respeita a progressiva especialização
dos dois hemisférios, resultante das experiências da motricidade laboral e da
linguagem. Sabemos que a lateralização tem componente inato, mas pode ser
alterada por fatores sociais e que a manual surge no �nal do primeiro ano de
vida, mas se estabelecerá por volta dos quatro ou cinco anos. É importante
ressaltar que a integração bilateral é indispensável ao controle postural
(universo interoceptivo e proprioceptivo) e ao controle perceptivo (universo
exteroceptivo).
Na análise da lateralidade, devem ser investigadas não somente a
predominância manual mas também a ocular, a auditiva, a pedal e a expressiva.
Prova 5.1 – Dominância lateral
(PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978)
Expressiva: observação de atividades espontâneas e da gestualidade do
sujeito (bater palmas, acenar etc.).
Preferência das mãos − imitar as seguintes ações:
• jogar uma bola • segurar na maçaneta
• dar corda no despertador • assoar o nariz
• bater um prego com o martelo • utilizar a tesoura
• escovar os dentes • escrever
• pentear-se • distribuir o baralho
Avaliação:
D – quando efetua as 10 provas com a mão direita.
d – quando efetua 7, 8 ou 9 provas com a mãodireita. E – quando efetua as 10 provas com a mão
esquerda.
e – quando efetua 7, 8 ou 9 provas com a mão esquerda. M – todos os outros casos.
Dominância de olhos:
• sighting – cartão de 15 x 25cm com um furo no centro
• telescópio
• luneta
Avaliação:
D – se utiliza o olho direito nas três provas.
d – se utiliza em duas das três provas.
E – se utiliza o olho esquerdo nas três provas.
E – se utiliza em duas das três provas.
M – uso indistinto dos olhos (é raro).
Dominância pedal:
• Chutar a bola.
• Levar uma caixa de fósforos, com um pé só, até o alvo.
• Retirar a bola do canto da parede.
Avaliação:
D – utiliza-se o pé direito nas duas provas.
E – utiliza-se o pé esquerdo nas duas provas.
M – utiliza-se um a cada prova.
Desta forma, teremos:
Para um destro completo: D – D – D.
Para uma lateralidade cruzada: D – E – D.
Para uma lateralidade mal a�rmada: d – d – D.
Prova 5.2 – Reconhecimento da direita e da esquerda
(PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978).
Em si mesmo − pedir à criança que mostre:
1 – a mão direita;
2 – a mão esquerda;
3 – o olho direito.
No corpo do outro:
A criança e a terapeuta face a face. O terapeuta pede à criança que toque
sua mão esquerda. Em seguida, pede à criança que toque o pé direito. Depois o
terapeuta segura uma bola na mão direita e pergunta: “A bola está em qual
mão?”.
Veri�cação da Terceira Unidade Funcional
Está ligada basicamente à área 4 de Brodmann (zona motora do córtex) e às
áreas 6 e 8, zonas pré-motoras.
PROVA 6 – PRAXIA GLOBAL
Está mais relacionada com as áreas 4, 6 e 8, responsáveis, segundo Luria,
pela realização e automação dos movimentos globais complexos. Estas áreas
antecipam ou preparam o movimento propriamente dito e são ricamente
conectadas com as estruturas subcorticais.
Prova 6.1
Com os pés juntos, saltar para frente e mantê-los unidos até o contato com
o chão. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978)
Prova 6.2
Saltar sem impulso, acima de um elástico colocado a 20cm do chão
(joelhos �exionados). (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978)
Prova 6.3
Com os olhos abertos, saltar uma distância de cinco metros com a perna
esquerda, a outra �exionada em ângulo reto com o joelho, os braços ao longo
das coxas. Após 30” de repouso, o mesmo exercício será executado com a outra
perna. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978)
Prova 6.4
Coordenação oculomotora: é a capacidade de coordenar movimentos
manuais com referências perceptivo-visuais.
a) Pede-se à criança que efetue cinco lançamentos de uma bola de tênis no cesto que está colocado a
certa distância: 1,50m para quatro ou cinco anos e 2,50m para a partir de seis anos. (FONSECA,
1995)
b) Apanhar com uma mão uma bola de 6cm de diâmetro lançada a 3m de distância. Após 30” de
descanso, o mesmo exercício será executado com a outra mão. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ,
1978)
Prova 6.5
Coordenação oculopedal: é a capacidade de coordenar movimentos pedais
com referências perceptivo-visuais.
Sugere-se à criança que realize cinco chutes na bola de tênis com o objetivo
de fazer a bola passar entre as pernas da cadeira, a uma distância determinada,
como descrito para a coordenação oculomotora – Prova 6.4. (FONSECA,
1995)
Nosso olhar deve estar atento às dismetrias, reações de busca de equilíbrio,
sincinesias, destreza e precisão do movimento.
Prova 6.6
Dissociação de movimentos é a capacidade de individualizar vários
segmentos corporais em um gesto ou em gestos sequenciais e exige a
capacidade de plani�cação motora e de generalização motora, demandando
uma interação complexa dos sistemas piramidais, extrapiramidais e cerebelosos
coordenados em função de um plano estruturado das aquisições aprendidas.
Tal precisão e re�namento são coordenados por um plano cortical.
A criança deverá ser observada no que concerne a membros superiores
entre si, a membros inferiores entre si e à dissociação entre os superiores e
inferiores.
a) Sugere-se que a criança, de pé, realize vários batimentos das mãos sobre a
mesa, nas seguintes sequências (quatro vezes):
2MD – 2ME
2MD – 1ME
1MD – 2ME
2MD – 3ME
b) Sugere-se que a criança sentada ou de pé, realize vários batimentos dos
pés nas seguintes sequências (quatro vezes):
2PD – 2PE
2PD – 1PE
1PD – 2PE
2PD – 3PE
c) Para a coordenação e dissociação das quatro extremidades, sugere-se
(quatro vezes):
1MD – 2ME – 1PD – 2PE
2MD – 1ME – 2PD – 1PE
2MD – 3ME – 1PD – 2PE
PROVA 7 – PRAXIA FINA
Compreende a micromotricidade e a perícia manual, estando mais
relacionada com a área 8, no lóbulo frontal, nas regiões anteriores do córtex, e
está intimamente ligada às áreas visuais.
Coordenação dinâmica manual: refere-se à destreza bimanual e à agilidade
digital, envolvendo o planejamento motor das extremidades distais em
integração completa com a atenção, a �xação e a captação visual de objetos.
Prova 7.1 – Construir torre com seis cubos
Construir uma torre com seis cubos a partir do modelo feito pelo
terapeuta. (PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978)
Prova 7.2 – Fazer um nó
O terapeuta dá um nó com o cadarço em um lápis para demonstração e
deixa como modelo. A criança deverá dar um nó no dedo do terapeuta.
Obs.: o importante é o nó se manter, aceita-se qualquer tipo de nó.
(PIERRE VAYER & LOUIS PICQ, 1978)
Prova 7.3 – Confeccionar uma pulseira de clipes
A criança deverá compor uma pulseira de clipes (cinco para quatro e cinco
anos e oito para a partir dos seis anos) o mais depressa possível.
Prova 7.4 – Diadococinesia
a) O polegar deve tocar cada um dos dedos, em um ir e vir ritmado e constante. (FONSECA, 1995)
b) A extremidade do polegar esquerdo sobre a extremidade do indicador direito e vice-versa. O
indicador direito larga o polegar esquerdo e faz uma circunferência em torno do indicador esquerdo, a
�m de se reunir ao polegar esquerdo enquanto o indicador esquerdo não abandona o polegar direito.
Em seguida, o mais rápido possível, o indicador esquerdo larga o polegar direito e descreve uma
circunferência em torno do indicador direito sobre o polegar esquerdo e assim por diante. (PIERRE
VAYER & LOUIS PICQ, 1978)
Prova 7.5 – Velocidade e precisão
Propor que a criança, em um papel quadriculado, faça um traço em cada
quadrado, com a maior velocidade possível, sem deixar que o traço esbarre nas
margens dos quadrados, durante 1 minuto. (MIRA STAMBAK apud
FONSECA, 1995)
Quadro da Média de Pontos Obtidos por Idade na Pesquisa da Autora
Idade
Número de Traços
(Na Melhor das Mãos)
6 anos 57
7 anos 74
8 anos 91
9 anos 100
10 anos 107
11 anos 115
Para concluir, gostaríamos de citar Esteban Levin (1999), que nos esclarece
enormemente com sua frase sobre a avaliação psicomotora, alertando-nos para
a aplicação leviana de qualquer instrumento de avaliação que tenha como
objetivo mensurar o desempenho infantil, sem contextualizar a criança em seu
meio familiar e social.
A avaliação psicomotora sistemática, mensurada por idade ou atividades quantitativas,
acaba por fornecer informações acerca desta desenvoltura, que é o corpo da criança, suas
dispraxias, sincinesias e paratonias, seu equilíbrio, sua lateralidade, seu esquema corporal e
como ela se estrutura no tempo e no espaço, porém, nenhuma é capaz de informar a
respeito da “estrutura que subjaz ao transtorno psicomotor”. (LEVIN, 1999)
COMO AVALIAR BRINCANDO?
Este capítulo surgiu a partir de situações clínicas nas quais a avaliação
sistemática não tinha lugar, uma vez que a criança não respondia bem àquilo
que lhe era proposto, quer por incapacidade de atenção, por imaturidade
psicomotora ou por impossibilidade psicoafetiva, de forma que, partindo de
nossa experiência clínica, selecionamos situações lúdicas nas quais, por meio de
brinquedos e brincadeiras próprias da infância, todos os aspectos psicomotores
pudessem ser observados.
Para o que aqui propomos, é importante que o terapeuta tenha uma
disponibilidade pessoal para o brincar e para a relação. Algo que não é tão fácil
quanto parece. Durante as atividades propostas, o terapeutae as sandálias alados, símbolos
de movimento e velocidade. Sendo considerado
o deus do movimento, explica-se facilmente a eleição como padrinho, pois o
movimento, a destreza e a agilidade são interesses da Psicomotricidade.
Psiquê e Mercúrio foram eleitos os padrinhos da Psicomotricidade porque a
Psicomotricidade se ocupa de iluminar aquilo que está oculto por detrás do
movimento e, para isso, é fundamental a curiosidade voltada para o
conhecimento, com o objetivo de desenvolver a destreza e a velocidade.
HOMENS CRIANDO HISTÓRIA
A palavra “corpo” em Sânscrito diz-se garbhas, que signi�ca “embrião”; em
Grego, karpós quer dizer fruto, semente, envoltura; no Latim, corpus quer dizer
“tecido membranoso, envoltura da alma, embrião do espírito”. Apesar dos
diferentes signi�cados, não se registra na história da humanidade um ser que
tenha existido ou vivido sem ele.
Por ser o corpo tão complexo e fundamental à existência do homem, vários
foram os poetas, �lósofos e estudiosos que se dedicaram a conhecer e desvendar
seus prazeres e mistérios.
Para compreendermos melhor o carrefour no qual se forma a
Psicomotricidade, convém retomar um caminho na história do pensamento e
suas inquietações sobre o corpo, este, sim, objeto de estudo da
Psicomotricidade.
Desde a Grécia antiga, poetas e �lósofos teciam considerações sobre o
corpo. Os poetas exaltavam o corpo físico, sua estética, seus detalhes, que o
tornavam objeto de inspiração, de desejo, de adoração, a exemplo de Homero.
O homem vivo abriga em si mesmo outro Eu e essa existência se atesta por meio dos
sonhos, quando então o outro EU se desprende, podendo envolver outros duplos; a alma
ou psychê uma vez desligada permanece como uma imagem que, mesmo guardando
semelhança com o corpo, carece de consciência própria porque não conserva as faculdades
espirituais. (BERESFORD, 1999)
Os �lósofos gregos pretendiam explicar o Universo questionando a unidade
das coisas, separando a ciência da magia, pensando em um mundo sem partir
de um deus.
Já os pré-socráticos referiam-se a um corpo mais realista, mais metafísico e
se preocupavam não mais com o Universo e suas questões, mas sim com o
próprio homem e seu comportamento, seu corpo e sua alma.
Avançando no tempo, chegamos a Sócrates (470–399 a.C.), que
considerava a imortalidade da alma e o corpo como um lugar transitório dessa
alma imortal: “A alma é claramente superior ao corpo e encontra-se nele como
uma prisão [...], deve-se, por isso, cuidar da alma e não temer a morte”
(MONDIN apud BERESFORD, 1999); preocupação com a moral e com a
ética, por isso o tema socrático “conheça-te como a ti mesmo”.
Para Platão, o ente humano era composto pelo dualismo corpo e alma: “O
homem é uma ‘coisa’ que, como as demais, participa de uma ideia”; a realidade
ideal explica a alma (imaterial) e sua encarnação corpórea; o corpo depende da
alma mito; carro alado; virtudes; temperança, coragem e justiça; a saúde e o
esplendor físico como virtudes, desde que sirvam para o desenvolvimento
moral e intelectual. Assim, para Platão, o corpo estava no “mundo das coisas”,
no mundo visível, mundo da sensibilidade e da percepção, e a alma, no
“mundo das ideias”, do pensamento – no princípio de tudo.
Propondo um pensamento mais racionalista, Aristóteles, discípulo de
Platão, pleiteava que o corpo é matéria, moldado pela alma e que esta seria
responsável por colocar o corpo em movimento:
A alma é a forma do corpo, [...], o corpo vivente o é por ter alma, por estar informado
por ela [...], é ela quem o fez ser atual e realmente corpo; a alma é, portanto, princípio
vital que constitui os entes animados... E como os sentidos da “vida” são diversos,
corresponderão a eles os diferentes tipos de alma, desde a que informa e vivi�ca o vegetal
até a que faz o homem ser o que é, um animal dotado de razão, capaz de pensar e de
conhecer, de elevar-se até o eterno e divino e de ser, de certo modo, todas as coisas que
adquirem seu “verdadeiro” ao serem conhecidas pelo homem, pontos de luz de sua mente
e enunciadas pelo logos humano, que diz o que são. (BERESFORD, 1999)
Com o advento do Cristianismo, diferentemente da Filoso�a, a religião
vem oferecer uma resposta para tudo, na �gura de Deus. Desta forma, o corpo
passa a ser visto como algo “não são”, seus prazeres vistos como sendo o
pecado. E a Filoso�a foi voltando seu interesse para a metafísica e a estrutura
da alma, afastando-se da Ciência e da Política e aproximando-se da religião.
Em outros tempos, em Roma, Marco
Aurélio (120–180 d.C.) sugere: “Todas as coisas
do corpo são como um rio, e as da alma, um
sonho...”
Mas é com Plotino (204–270 d.C.) e o
neoplatonismo que o corpo surge, para a
Filoso�a, como sendo algo mau e o espírito,
algo bom. Sendo assim, a alma é, como no Cristianismo, superior ao corpo e,
abaixo dela, estariam a matéria e a natureza.
Essa aproximação entre o pensamento
�losó�co e a religião irá reinar até o �nal da
Idade Média, caracterizando, no pensamento
�losó�co ocidental, o período denominado
“idade das trevas”.
O Renascimento (1440–1540) traz à luz
um novo senso de investigação crítica, inspirado
nos gregos, e o mundo se abre às novas ideias e aos novos exploradores, que
virão a constituir a base da Filoso�a e Ciência modernas.
O corpo volta a ser campo de investigação
com Descartes (1596-1650), o que nos leva ao
retorno ao dualismo corpo e mente: “corpo só é
uma coisa externa que não pensa”, e “alma é a
substância pensante, que não participa de nada
que pertence ao corpo” (apud LEVIN, 1995).
Para este autor, havia uma separação entre
mente e corpo, mas ambos funcionavam juntos,
aparentemente em perfeita harmonia: “É
evidente que eu, minha alma, pela qual sou o que sou, é completa e
verdadeiramente diferente do meu corpo, e pode ser ou existir sem ele.”
(DESCARTES, 1979)
No campo da ciência, no início do século XIX, F. Maine de Biran (1766–
1824), �lósofo e psicólogo francês, diferentemente de Descartes, identi�ca que
a alma precisa do corpo para assumir sua intencionalidade. Diz ainda que é o
corpo que possibilita à alma tomar consciência de sua existência. O movimento
é visto como um componente essencial na formação do Eu.
Henri Bérgson (1859-1941), �lósofo francês, a�rma que a consciência
implica, primeiramente, uma tomada de decisão e, em seguida, sua execução;
“o cérebro imprime ao corpo movimentos e atitudes que desempenham o que
o espírito pensa”; a inteligência é prática; o corpo como um aspecto
fundamental da constituição do homem.
Nessa mesma época, explode o
conhecimento nas áreas voltadas para o estudo
do cérebro e suas funções, período identi�cado
como localizacionista, no qual se atribuía a cada
sintoma uma localização cortical
correspondente, surgindo, assim, o modelo
anatomoclínico. A preocupação de autores
como Broca e Wernicke era o mapeamento
cerebral, pois o corpo era visto como uma
máquina, e o interesse da ciência era voltado
para a estrutura dessa máquina. Tais intenções
foram, mais tarde, esquematizadas por Pein�eld
(homúnculo de Pein�eld, 1954). Wernick, em
1900, emprega pela primeira vez o termo
composto psicomotricidade. (FONSECA,
1998)
Simultaneamente, no campo da
Neuro�siologia, imperava o modelo estímulo
versus Resposta, do neurologista russo Pavlov
(1849–1936), que a�rmava que um determinado estímulo, em organismos
semelhantes, provocaria nestes a produção da mesma resposta. Era intenção de
Pavlov estender essa teoria para além da Fisiologia, aplicando-a ao estudo do
comportamento humano.
Foi Sherrington (1907) que veio questionar este paradigma, descrevendo a
ação integradora do sistema nervoso, veri�cando que a correspondência entre o
centro cortical e a função não explicava grande número das disfunções. Para
este autor, um estímulo poderia chegar ao corpo e ser captado por diferentes
canais sensoriais, percorrer diferentes caminhos no cérebro e, portanto, ser
exteriorizado de forma diferente em cada organismodeve se deixar
envolver pelo prazer do brinquedo, pelo jogo, pelo estar em cena junto com a
criança, não se preocupando em tirar conclusões precipitadas sobre o que está
vendo e vivendo.
A atividade espontânea não signi�ca ausência de regras, pois está sob as
regras do simbólico. Se, por exemplo, �ca designado ao terapeuta o papel de
�lho, há regras para se comportar como um �lho, há um script, que será
coconstruído pela dupla em cena.
Estas regras simbólicas estão implícitas em todo o faz de conta. No
entanto, eventualmente, regras explícitas podem ser necessárias, como, por
exemplo: não se machucar, não machucar o outro e não destruir objetos que
poderão vir a ser usados novamente. Estas poucas regras têm a função de
enquadrar, dar continência, dar segurança para a criança no espaço terapêutico.
Apesar de estar em cena, o terapeuta deve estar atento àquilo que deve
observar sem perder o �o condutor do processo de avaliação.
O quadro, a seguir, busca correlacionar os aspectos cognitivos, psicoafetivos
e psicomotores possíveis de serem observados por meio de um jogo ou de uma
brincadeira especí�ca.
Nossa preocupação não é apresentar uma receita de como usar os jogos
selecionados. Temos apenas a intenção de sugerir algumas das in�nitas
possibilidades que nos oferece o brincar, que tanto vêm a contribuir em uma
avaliação psicomotora.
Aspectos Cognitivos, Psicoafetivos e Psicomotores a Observar em Jogos e
Brincadeiras
Jogo ou
Brincadeira
Aspecto
Psicomotor
Aspecto Psicoafetivo Aspecto Cognitivo
Dedoches
Lateralidade Coordenação �na
Movimentos distais
Diadococinesia Controle
oculomotor
Linguagem – função
simbólica
Relação entre os
personagens
Nomeação dos
personagens Percepção
das cores Linguagem –
organização do
pensamento
Encaixe de
Formas
Lateralidade Organização
espacial Coord. motora �na
Controle oculomotor
Conteúdo-continente
Sucesso versus fracasso
Percepção de formas e
tamanhos
Orientação espacial
Nomeação e processos de
classi�cação
Lego
Lateralidade Organização
espacial Praxia �na
Controle oculomotor
Construção versus
função versus
simbolização
Criatividade
Criatividade Percepção de
formas, tamanhos e cores
Categorização
Fogão e
Panelas
Lateralidade Organização no
espaço
Movimentos distais
Faz de conta
Contextualização da
cena
Construção versus
função versus
simbolização
Linguagem – vocabulário
e conteúdo
línguoespeculativo
Criatividade
Banho da
Boneca
Sequência de movimentos
Praxias do vestir Dissociação de
movimentos Lateralidade Noção
do corpo
Construção versus
função versus
simbolização Faz de
conta Contextualização
da cena
Projeção da relação
entre mãe e bebê
Linguagem – nomeação e
localização das partes do
corpo – esquema corporal
Ferramentas
Lateralidade Coordenação
oculomotora Dissociação de
movimentos Tônus (força e
adequação ao movimento)
Criação e construção/
destruição
Linguagem – vocabulário
Sequência lógica
Orientação temporal
Campo de
Futebol
Coordenação oculomotora Praxia
�na Tônus (força)
Reação ao perder ou
ganhar Aceitação das
regras
Compreensão das regras
Percepção temporal
Percepção de quantidade
Telefone
Controle motor
Praxia �na
Reconhecimento da
função do objeto Jogo
simbólico
Conhecimento dos
números Linguagem
Categorização e
conceituação
A Ponte do
Rio Que Cai
(Linha,
Tábua,
Caminhos)
Equilíbrio dinâmico Eixo
corporal – esquema corporal
Coordenação dinâmica geral
Organização espaço- temporal
Emoções básicas
Desa�o e autocon�ança
Compreensão das regras
Percepção
espaço-temporal
Bola
Praxia global Ritmo Lateralidade
Tônus (força) Eixo corporal –
esquema corporal
Reação ao perder ou
ganhar
Criação e aceitação das
regras
Percepção
espaço-temporal
PROTOCOLOS PARA A AVALIAÇÃO PSICOMOTORA
(MATTOS & KABARITE, 2005)
PRIMEIRA UNIDADE FUNCIONAL
Prova 1 – Tonicidade Prova 1.1 – Passividade
Membros superiores
Pulso ____________________
Cotovelo ____________________
Ombro ____________________
Tronco ____________________
Membros inferiores
Joelho ____________________
Tornozelo ____________________
Considerações: _________________________________________________
_____________________________________________________________
____________________________________
Prova 1.2 – Extensibilidade
Membros superiores
Pulso ____________________
Cotovelo ____________________
Ombro ____________________
Tronco ____________________
Pescoço ____________________
Membros inferiores
Joelho ____________________
Considerações: _________________________________________________
___________________________________________________
Prova 1.3 – Sincinesias
Na resposta positiva, marque um X:
Tipo: Tônica ( ) Tônico-cinética ( )
Intensidade: Pouca ( ) Muita ( )
Lateralidade: __________________________________________________
______________________________
a) Sincinesias de imitação (marionetes) ____________________
b) Sincinesias axiais ____________________
Prova 1.4 – Controle tônico-postural
a) Repercutividade presente ( ) ausente ( )
b) Instabilidade postural ____________________
c) Instabilidade de ação____________________
Prova 2 – Equilibração
Prova 2.1 – Equilíbrio estático
a) Imobilidade (Romberg)____________________
Prova 2.2 – Equilíbrio dinâmico
Pular com os dois pés juntos uma corda estendida no chão________________
____
Marcha controlada (2 metros) ____________________
Considerações: ________________________________________
Final das Provas que Avaliam a 1a Unidade Funcional
SEGUNDA UNIDADE FUNCIONAL
Prova 3 – Conhecimento do Corpo
Prova 3.1 – Cinestesia
De olhos fechados, a criança deverá nomear pontos no corpo tocados pelo
observador.
8 pontos (até seis anos) ____________________
18 pontos (após os seis anos) ____________________
Prova 3.2 – Imitação de gestos
Quadro da Média de Pontos Obtidos na Pesquisa
dos Autores
3 anos 7 a 12
4 anos 13 a 18
5 anos 17 a 19
6 anos 19 a 20
Considerações: ____________________
Prova 3.3 – Conhecimento das partes do corpo
Nomear e localizar as partes do corpo listadas sobre o próprio corpo e sobre
o corpo do outro.
Como ensaio, fazer a criança mostrar e nomear a cabeça, os braços e as
pernas.
Nomear e mostrar as partes do
corpo
Nomear no
avaliador
Mostrar no
avaliador
Nomear
no próprio
corpo
Mostrar
no próprio
corpo
1 – Cabelos
2 – Mãos
3 – Pés
4 – Boca
5 – Orelhas
6 – Olhos
7 – Nariz
8 – Costas
9 – Barriga
10 – Joelhos
11 – Dentes
12 – Calcanhares
13 – Testa
14 – Pescoço
15 – Bochechas
16 – Queixo
17 – Polegares
18 – Unhas
19 – Lábios
20 – Ombros
21 – Cílios
22 – Cotovelos
23 – Punhos
24 – Sobrancelhas
25 – Narinas
Quadro da Média de Pontos Obtidos na Pesquisa dos Autores
Idade Nomear Mostrar
3 anos 8 10
4 anos 17 18
5 anos 20 21
6 anos 24 25
Prova 3.4 – Desenho da figura humana (desenho de si?)
Considerações: ________________________________________
Prova 4 – Organização Perceptiva e Estruturação Espacial
Prova 4.1 – Organização perceptiva
Tabuleiro vazado de formas (círculo, quadrado e triângulo)
Prova 4.2 – Formação de um retângulo
Formar retângulo a partir de dois triângulos dispostos desta forma:
Prova 4.3 – Representação topográfica
Confeccionar, junto com a criança, o mapa da sala (planta baixa) e, em
seguida, traçar um trajeto no mapa que deverá ser efetuado pela criança, no
espaço.
_____________________________________________________________
___________________________________________________________
Prova 4.4 – Estruturação rítmica
Reprodução rítmica das estruturas abaixo:
Obs.: Parar após três estruturas erradas sucessivamente.
Ensaios: 00 e 0 0
1. 000 11. 0 0000
2. 00 00 12. 0000
3. 0 00 13. 00 0 00
4. 0 0 0 14. 0000 00
5. 0000 15. 0 0 0 00
6. 0 000 16. 00 000 0
7. 00 0 0 17. 0 0000 00
8. 00 00 00 18. 00 0 0 00
9. 00 000 19. 000 0 00 0
10. 0 0 0 0 20. 0 00 000 00
Simbolização: desenhar as estruturas rítmicas abaixo, batidas pelo
observador:
Obs.: Pararapós duas estruturas erradas sucessivas.
Ensaios: 00 e 0 0
1. 0 00 6. 0 0 0
2. 00 00 7. 00 0 00
3. 000 0 8. 0 00 0
4. 0 000 9. 0 0 00
5. 000 00 10. 00 00 0
Simbolização das estruturas abaixo pela leitura dos cartões: Ensaios: 00 e 0
0
1. 000
2. 00 00
3. 00 0
4. 0 0 0
5. 00 00 00
Quadro da média de pontos obtidos na pesquisa dos autores Correspondência
para a idade
Idades Pontos
6 anos 6
7 anos 14
8 anos 19
9 anos 24
10 anos 27
11 anos 32
PROVA 5 – LATERALIZAÇÃO
Prova 5.1 – Dominância Lateral
Expressiva: ____________________
Preferência das Mãos
Atividades Uso da mão direita Uso da mão esquerda
1. Jogar uma bola
2. Dar corda no despertador
3. Bater um prego com o martelo
4. Escovar os dentes
5. Pentear-se
6. Segurar na maçaneta
7. Assoar o nariz
8. Utilizar a tesoura
9. Escrever
10. Distribuir o baralho
Dominância Ocular
Atividades Uso do olho direito Uso do olho esquerdo
1. Sighting
2. Telescópio
3. Luneta
Dominância Pedal
Atividades Uso do pé direito Uso do pé esquerdo
1. Chutar a bola
2. Conduzir uma caixa de fósforos com um pé só
3. Retirar a bola do canto da parede
Quadro Geral de Dominância Lateral
Expressiva Manual Ocular Pedal
 
Prova 5.2 – Reconhecimento direita/esquerda
Mostrar em si mesmo:
– a mão direita ____________________
– a mão esquerda ____________________
– o olho direito ____________________
Mostrar no outro:
– mão esquerda ____________________
– pé direito ____________________
– pegar a bola que está na mão direita ____________________
Final das Provas que Avaliam a Segunda Unidade Funcional
TERCEIRA UNIDADE FUNCIONAL
Prova 6 – Praxia Global
Prova 6.1 – Saltar com os dois pés juntos para frente
_____________________________________________________________
___________________________________________________________
Prova 6.2 – Saltar sem impulso sobre um elástico (20cm)
_____________________________________________________________
___________________________________________________________
Prova 6.3 – Saltar em um pé só (5m)
_____________________________________________________________
___________________________________________________________
Prova 6.4 – Coordenação oculomotora
Jogar cinco bolas ao cesto
Agarrar a bola de tênis com uma das mãos
Prova 6.5 – Coordenação oculopedal: cinco chutes a gol
Prova 6.6 – Dissociação de movimentos
Realizar vários batimentos de mãos, pés e mãos e pés, na seguinte
frequência:
Mãos Pés Mãos e Pés
2MD – 2ME 2PD – 2PE 1MD – 2ME – 1PD – 2PE
2MD – 1ME 2PD – 1PE 2MD – 1ME – 2PD – 1PE
1MD – 2ME 1PD – 2PE 2MD – 3ME – 1PD – 2PE
2MD – 3ME 2PD – 3PE
Prova 7 – Praxia fina
Prova 7.1 – Construir torre com seis cubos
_____________________________________________________________
___________________________________________________________
Prova 7.2 – Fazer um nó
_____________________________________________________________
___________________________________________________________
Prova 7.3 – Confeccionar uma pulseira de clipes
_____________________________________________________________
___________________________________________________________
(usar cinco clipes para crianças com menos de seis anos e oito para as maiores)
Prova 7.4 – Diadococinesia
Polegar e outros dedos
Polegar e indicador
_____________________________________________________________
___________________________________________________________
Prova 7.5 – Velocidade e precisão: traços no papel quadriculado
_____________________________________________________________
___________________________________________________________
Quadro da Média de Pontos Obtidos por Idade na Pesquisa da Autora
Idade
Número de Traços
(Na Melhor das Mãos)
6 anos 57
7 anos 74
8 anos 91
9 anos 100
10 anos 107
11 anos 115
Final das Provas que Avaliam a Terceira Unidade Funcional
O RELATÓRIO – UM OLHAR PARA ALÉM DO
DESEMPENHO
Após realizadas as avaliações sugeridas neste livro, devemos elaborar um
relatório a ser entregue aos pais em um encontro no qual deverão ser
comentados os resultados analisados. Este mesmo relatório pode, também, ser
encaminhado para os demais pro�ssionais envolvidos no caso, assim como à
escola.
É importante que utilizemos uma linguagem acessível, não
demasiadamente técnica, para a fácil compreensão daqueles que o receberão.
Muitas vezes, os termos técnicos (sem suas devidas explicações) podem ser
obstáculos até mesmo para as questões que os pais podem levantar.
Alguns dados formais devem fazer parte da estrutura do relatório, tais
como: nome completo, data de nascimento, data da avaliação, procedência da
indicação, motivo (neste item, podem também estar contidos dados relevantes
de sua anamnese) e a justi�cativa do uso dos instrumentos de avaliação eleitos.
Este relatório deve ser descritivo e retratar um per�l da criança, de forma
que, para o leitor, ela seja vista com transparência. Dados relativos à relação
que se estabeleceu durante as sessões de observação são muito relevantes, pois
demonstram a disponibilidade da criança e seu investimento afetivo, cognitivo
e psicomotor na experiência de avaliação.
Caso tenhamos utilizado os recursos lúdicos sugeridos no capítulo anterior,
faz-se necessária uma atenção especial à descrição do brincar, pois sua riqueza
não é mensurável, mas de extrema qualidade!
Uma forma bastante prática e clara de demonstrar os resultados da
avaliação, que pode ser inserida após o relatório, é o grá�co qualitativo, no qual
os subfatores avaliados ganham uma representação grá�ca. O grá�co
qualitativo traz como vantagem, diferente dos demais grá�cos normalmente
utilizados, o fato de não determinar a idade cronológica especí�ca de tal
desempenho. Sem rotular a criança, ele retrata a qualidade da realização da
tarefa, deixando transparecer os aspectos que devem receber maior
investimento em seu projeto terapêutico.
Outra utilidade importante do grá�co é a possibilidade de visualizar
ganhos qualitativos em uma segunda avaliação.
Exemplo:
Dominância Lateral
E M O P
d d D e
Dominância Lateral
E M O P
D D D e
Legenda:
T
=
Tonicidade
EQ
=
Equilíbrio
CC
=
Conhecimento do Corpo
OP/EET
=
Organização Perceptiva e
Estruturação Espaço-Temporal
PG
=
Praxia Global
PF
=
Praxia Fina
Quadro da dominância lateral:
E
=
Expressiva
M
=
Manual
=
O Ocular
P
=
Pedal
O impacto visual que o grá�co traz permite uma fácil compreensão das
informações que desejamos registrar. Essa forma demanda, no entanto, um
pequeno comentário sobre a imagem enriquecendo a descrição do grá�co, uma
vez que tanto os ícones utilizados para identi�car os subfatores quanto os
marcadores devem ser explicitados.
Ao �nal dos comentários, deveremos colocar-nos disponíveis para a troca
pro�ssional e o trabalho transdisciplinar; por isso, devemos assinar e colocar
nosso registro pro�ssional, assim como nossos contatos.
REFERÊNCIAS
AJURIAGUERRA, J. Manual de psiquiatria infantil. Rio de Janeiro: Masson, 1977.
__________. Manual de psicopatologia infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
ANAIS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOMOTRICIDADE. Fortaleza, SBP –
Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, 1998.
BERGÈS, J. La formation de l’image du corps. Trabalho não publicado. Conferência apresentada no V
Congresso de Psicomotricidade. Salvador, 1992.
BERGÈS, J. La topologie du corps. Curso ministrado no V Congresso Brasileiro de Psicomotricidade.
Salvador, 1992.
BERGÈS, J. Os gestos e a personalidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
BERGÈS, J. O corpo e o olhar do outro. In: Escritos do Centro Lídia Coriat, Porto Alegre, 1988.
BERGÈS, J. Neurologie du developpement chez l’enfant de 2 à 7 ans. In: Pediatrie-T. XVIII, no 3, p.
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BOSCAINI, F. Psicomotricidade e gra�smo. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998.
BRUNET, E. LÉZINE, I. Desenvolvimento psicológico da primeira infância. Porto Alegre: Artes Médicas,
1981.
CAMUS, J. O corpo em discussão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.CORIAT, L. Maturação psicomotora no primeiro ano de vida da criança. São Paulo: Moraes, 1991.
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	Folha de rosto
	Créditos
	SUMÁRIO
	APRESENTAÇÃO
	PSICOMOTRICIDADE – DE ONDE VEM?
	Deuses Criando História
	Homens Criando História
	O Brasil Entra na História
	Moral da História – Afinal, o Que É Psicomotricidade?
	UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO
	Tabela de Reflexos
	Habilidades Motoras Estabilizadoras
	Habilidades Motoras Locomotoras
	Habilidades Motoras Manipulativas
	QUANDO O CORPO NÃO SERVE PARA...
	A Importância da Anamnese na Forma de Entrevista
	O Que Observar em um Primeiro Contato?
	A Qualidade na Avaliação
	Por Que Avaliar?
	O QUE CONSIDERAR ANTES DE INICIAR A INVESTIGAÇÃO?
	Transtornos Psicomotores
	Estruturas do Sistema Nervoso – Unidades Funcionais de Luria
	QUE INSTRUMENTOS USAR?
	Verificação da Primeira Unidade Funcional de Luria
	Prova 1 – Exame de Tônus (AJURIAGUERRA – BERGÈS, 1963)
	Prova 2 – Equilibração
	Prova 3 – Conhecimento do Corpo
	Prova 4 – Organização Perceptiva e Estruturação Espaço-Temporal
	Prova 5 – Lateralização
	Prova 6 – Praxia Global
	Prova 7 – Praxia Fina
	COMO AVALIAR BRINCANDO?
	Protocolos para a Avaliação Psicomotora
	Primeira Unidade Funcional
	Segunda Unidade Funcional
	Terceira Unidade Funcional
	O RELATÓRIO – UM OLHAR PARA ALÉM DO DESEMPENHO
	REFERÊNCIAShumano. Estaríamos
diante do surgimento de uma certa subjetividade orgânica?
A partir desta ótica, a preocupação da ciência médica passa a ser o
funcionamento do organismo e não sua estrutura, indo além da teoria de
Pavlov. Para Sherrington, o organismo isolado é diferente do organismo em
uma situação.
Na França, o psiquiatra Jean Martin Charcot (1888), por meio de
pesquisas realizadas acerca do membro fantasma em amputados, investiga o
imaginário referente à integridade corporal do homem, dando importância ao
conceito de inconsciente, que mais tarde virá a ser de�nido de maneira rigorosa
por Freud.
A França passa a ser, para a Psicomotricidade, o grande centro de estudos e
pesquisas no avanço desta ciência. Foi Ernest Dupré (1907), neurologista
francês, que estabeleceu uma correlação entre motricidade e inteligência,
descrevendo, para o meio cientí�co, a síndrome do movimento sem danos ou
lesões localizadas no cérebro – o conceito de debilidade motora. Segundo
Ajuriaguerra (1981), Dupré conceituou debilidade motora como um estado
patológico, congênito do movimento, em geral hereditário e familiar,
caracterizado pela exaltação dos re�exos tendinosos, perturbação do re�exo
plantar, sincinesias, inépcia dos movimentos voluntários intencionais, que
chegam a impossiblidade de realizar voluntariamente a resolução muscular
(paratonias).
A palavra Psicomotricidade surge no �nal
do século XIX, mas ainda relacionada com
zonas do córtex cerebral. Situada “mais além”
das regiões motoras, sua de�nição é
inicialmente baseada nos fundamentos
neurológicos.
Como podemos ver, o “esquema
anatomoclínico” já não consegue explicar esses
fenômenos. O termo “debilidade motora”, de Dupré, foi substituído por
“debilidade psicomotora”.
As contribuições de Dupré, assim como as de Freud e de Wallon, vêm
humanizar o corpo, reduzindo o imperialismo neurológico e abrindo cada vez
mais espaço para o fortalecimento da Psicomotricidade.
Henry Wallon, em 1925, estuda a relação do movimento com o afeto e
com a formação do caráter para o desenvolvimento infantil e considera o tônus
como a ponte entre o mundo biológico e o mundo psíquico. É ao tônus que
ele atribui a grande importância de ser o primeiro veículo de comunicação do
bebê. Wallon descreve, assim, o que conhecemos por diálogo tônico: É a forma
de comunicação entre a mãe e o bebê, por meio das manifestações e
alternâncias tônico-afetivas, caracterizadas pela “hipertonia do desejo”
(manifestação tônica, observada por meio do aumento de tônus do bebê e da
descarga de tensão no choro, quando ele sente necessidades, como fome, frio e
aconchego) e pela “hipotonia da satisfação” (manifestação tônica observada por
meio de um estado de relaxamento global, após uma mamada, uma troca de
fralda, a saciedade da necessidade em questão). Wallon dá sequência a seus
estudos, propondo etapas evolutivas para o desenvolvimento infantil.
Com Sigmund Freud, médico e psicanalista, passa a ser valorizado o
imaginário do homem e introduz-se o conceito de inconsciente. O corpo
(biológico) é a fonte das pulsões, centro das relações do Ser com o mundo
(mãe, a princípio); “o corpo é o lugar onde se identi�cam e se �xam as pulsões
que não têm acesso à consciência e à palavra, ou seja, que constituem os
processos inconscientes”. Salientando a importância das relações de afeto para
o desenvolvimento e formação da subjetividade, o corpo passa a ser visto não
somente humanizado, mas singular, único, subjetivado.
Na década de 1930, Arnold Gesell elaborou uma escala de
desenvolvimento infantil (características motoras, conduta adaptativa,
linguagem e conduta pessoal-social) referente a cada ano de idade. Gesell
de�niu características motoras como “as reações posturais, a preensão, a
locomoção geral do corpo e outras aptidões especí�cas”. (GESELL &
AMATRUDA, 1990)
As contribuições de Jean Piaget por meio da Psicologia e da Biologia
vieram auxiliar na estruturação do desenvolvimento humano em fases,
considerando o processo maturacional do Ser, tanto em nível físico como em
cognitivo, afetivo, motor, linguístico, moral e social.
Baseado nas perspectivas teóricas abertas por Wallon, Edouard Guilmain
(1901–1983) introduz o protótipo do exame psicomotor, mais tarde
consolidado por Pierre Vayer. Este autor aplica as ideias de Dupré e Wallon,
buscando uma forma de reeducação do movimento. Investigava um método de
exame direto, para descobrir o “fundo” do qual “os atos motores” seriam a
“consequência”. Guilmain queria mais que apenas medir as capacidades
motoras. Para ele, o exame psicomotor é um meio de diagnóstico, de indicador
terapêutico e de prognóstico e não apenas simples estatuto de medida (crítica
que fez aos testes de Ozeretski, após sua tradução para o Francês, em 1936,
considerado por Guilmain como “escala métrica”).
Guilmain concordava com a perspectiva de Wallon, que considera a função
tônica como interventora na tomada e manutenção das atividades e na
execução dos movimentos e do equilíbrio, da coordenação motora.
Os estudos de Edouard Guilmain acompanham o paralelismo traçado por
Wallon entre motricidade e caráter, no qual os distúrbios e o comportamento
infantil seriam, em parte, consequências do estado de suas funções de
atividades motoras e que, melhorando seu desempenho, estariam “corrigindo”
seu caráter.
Também acreditava serem “falta de educação do caráter” os casos inversos,
nos quais a criança apresentava desempenho satisfatório no exame psicomotor,
mas sérios defeitos de caráter. Nos últimos casos, a intervenção deveria se dar
no meio ambiente, e a psicoterapia representaria para a criança um meio para
restabelecer seu equilíbrio psíquico momentaneamente comprometido.
Foi Guilmain que propôs um esboço de reeducação psicomotora, por meio
de exercícios de educação sensorial, educação de desenvolvimento da atenção e
trabalhos manuais; tal reeducação era indicada aos instáveis, aos impulsivos, aos
paranoicos leves, a jovens delinquentes, emotivos, obsessivos e apáticos. Os
neuróticos e os psicóticos estruturados, os de�cientes morfostáticos e
funcionais, os de�cientes motores cerebrais, os débeis mentais não recebiam
indicações deste autor para reeducação psicomotora.
Um novo olhar sobre o corpo e sobre os distúrbios psicomotores nos é
trazido por Ajuriaguerra (1977), que vem rede�nir a debilidade psicomotora de
Dupré, considerando-a uma síndrome com características próprias.
Ajuriaguerra delimita com clareza os transtornos psicomotores, une o
desenvolvimento psicológico infantil ao neurológico e alerta que o corpo não é
ferramenta ou objeto (como foi de�nido por Descartes – fragmento do espaço
visível e mensurável). Diz: “O homem é o seu corpo”.
Ajuriaguerra afasta de�nitivamente a Psico-motricidade da visão do
dualismo cartesiano e do período localizacionista. Retira o hífen e dá à palavra
Psicomotricidade uma unidade.
Descreve, por meio de seus estudos, uma abordagem terapêutica composta
de etiologia, sintomatologia, formas de avaliação e trata- mento, estabelece um
exame psicomotor e uma técnica de tratamento especí�ca de relaxação,
de�nindo a Psicomotricidade como
uma técnica que, por intermédio do corpo e do movi- mento, dirige-se ao ser na sua
totalidade. Ela não visa à readaptação funcional por setores e, muito menos, à
supervalorização dos músculos, mas à �uidez do corpo no seu meio. Seu objetivo é
permitir ao indivíduo melhor sentir-se e, por meio de um maior investimento da
corporalidade situar-se no espaço, no tempo, no mundo dos objetos e chegar a uma
modi�cação e uma harmonização com o outro. (AJURIAGUERRA, 1977)
Na década de 1970, pesquisadores, como Bergès, Diatkine, Jolivet, Launay,
Leibovici, entre outros, introduzem no contexto da Psicomotricidade a relação
e de�nem tal dinâmica como uma “motricidade de relação”, trazendo o olhar
da Psicanálise para o enriquecimento da compreensão dos fenômenos
psicomotores. Pesquisadores importantes �zeram a históriado corpo e da
mente ou da interação entre corpo e mente ou ainda a dinâmica do Ser
existente em movimento construindo-se como Ente a partir da sua concretude
– “Eu sou meu corpo” (MERLEAU-PONTY, 1945): Jean Le Boulch,
Germaine Rossel, Dalila Costallat, André Lapierre, Bernard Aucouturier,
Aleksander Luria, Pierre Vayer, entre outros.
A Psicomotricidade acompanha a história do corpo e da humanidade
identi�cando que “o homem é o seu corpo” diferente da visão cartesiana que
propunha “o homem e seu corpo”. O homem, Ser falante, fala de seu corpo (de
si em uma perspectiva física que o denomina ou representa sem, muitas vezes,
sua tomada de consciência) e vai adquirindo consciência disto e atribuindo a si
e ao mundo, que o ajuda a se perceber, signi�cados, isto é, valores. A
Psicomotricidade inicia-se nesta relação entre homem e vida, ou seja, inserção
do Ser na vida a partir de seu movimento.
Apesar dessas contribuições iniciais da Psicanálise, no campo prático, o
corpo ainda era abordado em sua globalidade, embora maior importância
viesse sendo dada à afetividade e ao emocional da pessoa. Práticas clínicas,
como a de Françoise Desobeau, já traziam este novo viés psicanalítico, porém é
a visão global do corpo que vem marcar uma diferença entre a postura
reeducativa, caracterizada pelos trabalhos de Guilmain, de Vayer, e a postura
terapêutica, esta última sendo defendida por Acoutourrier e Lapierre,
denominada, primeiramente, de “Psicomotricidade relacional”.
A partir dessa época, começam a ser levados em conta autores como Freud,
Klein, Winnicott, Spitz, Zazzo, Reich, Schilder, Lacan, Mannoni, Dolto e
Sami Ali, psicanalistas que falavam da vida emotiva e do sujeito e de seu corpo.
Entram no vocabulário da Psicomotricidade termos, como inconsciente,
transferência e imagem do corpo.
Com esse novo olhar, atravessado pela teoria psicanalítica, Esteban Levin
(1995) nos propõe a clínica psicomotora, na qual, diferente da terapia, o corpo
não seria visto em sua globalidade, mas sim em sua incompletude. Na prática
clínica, o psicomotricista estaria preocupado com o sujeito da transferência.
Atualmente, na França, encontramos Bergès e M. Bounes, Frederique
Bosse, entre outros psicanalistas e psicomotricistas, que desenvolveram seus
próprios métodos de relaxação, contribuindo para a divulgação da
Psicomotricidade no mundo.
Em estudos mais recentes, Vitor da Fonseca (1998) enfatiza “a necessidade
de se abordar o signi�cado do movimento como comportamento, em uma
relação consciente e inteligível entre a ação do indivíduo e a situação
circunstancial, evitando-se observações restritas ao trabalho de ossos,
articulações e músculos, como se o corpo fosse uma máquina posta em
movimento por um psiquismo que habita o cérebro”.
Como trata da relação entre o homem, seu corpo e o meio físico e
sociocultural no qual convive, a Psicomotricidade se fundamenta em campos
cientí�cos, como a Neuro�siologia, a Psiquiatria, a Psicologia, a Sociologia, a
Antropologia e a Educação. Considerando o aspecto interdisciplinar da
Psicomotricidade, Ajuriaguerra, em 1973, posiciona-se: “O ato motor não
pode ser concebido como o funcionamento de sistemas neurológicos
justapostos. [...] só podemos compreender a ação quando consideramos o
ponto inicial, o desenvolvimento e a �nalidade que esta ação pretende
alcançar”. (1977)
O BRASIL ENTRA NA HISTÓRIA
No VII Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, em 1998, Françoise
Desobeau declarou que, desde o ano de 1963, já tinha a grande certeza de que
a terapia psicomotora existia. Ela nos esclarece que os psicanalistas e outros
especialistas da saúde mental criticavam a reeducação psicomotora dessa época,
pelo modo como era conduzida e pelo fato de ela responder aos sintomas,
passando ao lado do verdadeiro problema do sujeito.
Por outro lado, Françoise Desobeau se colocava, pessoalmente, contra os
velhos métodos que, efetivamente, não levavam em conta a pessoa em toda sua
dimensão. O de�cit é somente a face visível que subentende toda uma
organização psíquica.
Ela trazia como importante contribuição para o grupo médico a técnica da
atividade espontânea da criança. Era uma mediação. O importante era: O que
se fazia desse discurso recebido dessa maneira?
Então, em Paris, Desobeau e outros psicomotricistas construíram os
primeiros instrumentos de trabalho, no enquadramento do Sindicato Nacional,
que criaram para existir de acordo com a lei (Anais do VII Congresso, 1998).
Esses instrumentos foram: a análise da clínica em grupos de discussão; a
revista érapie Psychomotrice para publicar os primeiros tateios; as jornadas
anuais de Terapia Psicomotora para reunir todos os que se interessavam pela
Psicomotricidade e poder re�etir com eles.
Em 1972, durante as jornadas anuais de terapia psicomotora, psicólogos e
psicomotricistas da Bélgica, França e Suíça se encontraram e decidiram criar a
Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora. Essa associação foi criada
o�cialmente em 1974, e sua sede estabelecida em Bruxelas.
Essa dimensão internacional da pro�ssão foi absolutamente necessária para
que exista, hoje, no mundo inteiro o psicomotricista. É indispensável que os
psicomotricistas de todo o mundo se reconheçam e trabalhem juntos e que a
Psicomotricidade seja conhecida e reconhecida como uma terapia, e mesmo
uma psicoterapia com mediação corporal. Outras correntes existem, todas
respeitáveis. Há trabalho para todos.
A Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora tem três objetivos
essenciais, sendo o primeiro o de fortalecer a Terapia Psicomotora, o de re�etir,
trabalhar em um espírito de abertura e de pesquisa cientí�ca e o de difundir
tais trabalhos por meio de colóquios e congressos internacionais e publicar seus
anais.
Além disso, e isto é uma outra história, no plano pessoal, foi em 1977 que
Françoise Desobeau veio ao Brasil, convidada por Beatriz Saboya e seus
colaboradores. Eles tinham conhecido suas ideias em Psicomotricidade e
estavam curiosos para conhecer mais.
Tratava-se de construir, e a determinação desse grupo de pro�ssionais
brasileiros permitia que se pusessem a trabalhar, aliados aos franceses, a �m de
estabelecer esta nova disciplina. Foi assim que nasceu a Sociedade Brasileira de
Terapia Psicomotora, criando um vínculo privilegiado com a Sociedade
Internacional de Terapia Psicomotora.
Beatriz Saboya, na mesma ocasião, nos relatou que mantinha estreito
contato com o trabalho que os franceses vinham desenvolvendo, por meio de
seus livros e, principalmente, pelas revistas da Sociedade Internacional e
Francesa de Psicomotricidade. Simone Ramain e Françoise Desobeau
apresentavam formas claras e bonitas de pensar e trabalhar. Foram as primeiras
a virem ao Brasil a convite do grupo de logopedistas – Relindes de Oliveira,
Márcia Moraes e Solange iers – que liderou os contatos com Mlle. Ramain,
no �nal dos anos 1960, e Beatriz Saboya que nos possibilitou o conhecimento
de Françoise Desobeau, em meados dos anos 1970.
O Método Ramain chegou efetivamente ao Brasil, no ano de 1969. Sua
proposta era vivencial-grupal, mas a abordagem era de cunho psicomotor-
pedagógico. Trabalhava-se a psicocinética e atividades de gra�smo, recorte e
outras, sem qualquer embasamento teórico. Simonne Ramain faleceu em
fevereiro de 1975, tendo vindo ao Brasil até dezembro de 1974, trabalhando
no Rio. Nessa data, sentindo a doença e �nitude, ela rea�rmou seu desejo de
que Solange iers prosseguisse sua obra no Brasil (THIERS, n/p).
Em 1977, �cou decidido em acordo mútuo que a equipe francesa deixaria
de vir ao Brasil e Solange iers assumiria os grupos de formação de
pro�ssionais e prosseguiria a pesquisa do Ramain.
Já Françoise Desobeau, uma das fundadoras da Societé International de
èrapie Psychomotrice, veio ao Brasil todos os anos, por um período de 30
dias, de 1976 a 1987, para trabalhar com vários grupos de pro�ssionais, dando
seguimento a grupos de terapia, estudos teóricos e supervisão.Na sua segunda vinda, em 1977, Françoise começou a motivar e apoiar a
fundação da Sociedade Brasileira, que viria a ocorrer em 1978. Assim, um
grupo começou a se organizar. Eram pro�ssionais de áreas diferentes da Saúde
e da Educação (Educação Física, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina,
Musicoterapia, Pedagogia, Psicologia e Terapia Ocupacional), representando
oito Estados do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito
Santo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Distrito Federal).
O fechamento desses estudos, que durou dois anos, foi feito na histórica
reunião de Araruama, no Rio de Janeiro. Os pro�ssionais �caram três dias
reunidos, em julho de 1980, e conseguiram determinar os objetivos, currículos
e estatutos e escolher, por votação, o símbolo da
Sociedade Brasileira de Terapia Psicomoto-ra
(SBTP) (Anais do VII Congresso, 1998).
Registrada a SBTP, o grupo percebeu que o
passo seguinte seria a realização de um congresso
de âmbito nacional, que teria como objetivo a
divulgação, a pesquisa e a fundamentação cientí�ca da Psicomotricidade.
Todos trabalharam como “42 formiguinhas” (SABOYA, 1998) para o sucesso
do encontro, que teve como tema O Corpo em Movimento, em julho de
1982, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Em 1983, os especialistas comemoraram a vitória dos esforços de sete anos
com os Anais do evento e realizaram a eleição do segundo Conselho Nacional
sob a presidência de Regina Morizot.
O II Congresso Brasileiro de Psicomotricidade aconteceu em Belo
Horizonte, MG, 1984. O tema foi O Corpo Integrado, corpo de um sujeito
inteiro, com todos seus aspectos, neurobiológicos, psíquico-fantasmáticos,
sociais, inseridos em um momento histórico de conquista política da
democracia.
Falou-se da teoria da Psicomotricidade, seguindo palavras citadas pela
presidente do congresso, Maria Terezinha Araújo: “Nada está separado de nada,
e o que não compreenderes em seu próprio corpo, não compreenderás em
nenhum outro lugar”.
A prática foi um ponto culminante do congresso, com vivências dirigidas
por diversos pro�ssionais e com apresentação de vários trabalhos. Revelando
cunho bem social, houve, por exemplo, o atendimento preventivo psicomotor
em escolas estaduais da periferia de Belo Horizonte. Outro ponto interessante
do congresso foi a integração, nesses espaços, entre o corpo e a arte.
Foi um congresso que trouxe várias contribuições de grande seriedade,
divulgando bem o nome da Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora.
Mas, além das realizações dos congressos, nossa sociedade continuava
crescendo (iremos agora chamá-la de nossa, pois uma das autoras deste livro
passou a fazer parte desse processo).
De novembro de 1982 a novembro de 1984, Regina Morizot exerceu o
cargo de presidente do Conselho do Capítulo Nacional. Tendo feito parte do I
Conselho, como vice-presidente, a meta era, mediante uma mesma �loso�a,
continuar a luta pelos nossos ideais e objetivos, dentre eles, a expansão da
Psicomotricidade em todo o Brasil com a formação de novos Capítulos e os
rumos da formação, cujo gérmen já tinha sido lançado no primeiro encontro
em Araruama, RJ. Estávamos em um momento em que eclodia a
Psicomotricidade entre nós, pelo êxito do I Congresso, no Rio de Janeiro, além
das formações que vinham se realizando, desde 1982, por meio de Françoise
Desobeau, e a de Psicomotricidade Relacional, com André Lapierre. Os cursos
rápidos e informativos até então existentes cediam lugar a Cursos de
Especialização, Aperfeiçoamento e Pós-graduação em faculdades ou
universidades. O Conselho, gestão 1982–1984, criou uma Comissão Cientí�ca
para que pudéssemos repartir as atribuições. Talvez um dos pontos altos dessa
gestão tenha sido a criação do Ipéra, até hoje, o nosso Boletim Informativo.
O III Congresso Brasileiro e o I Seminário Internacional de
Psicomotricidade, em Porto Alegre, 1986, surpreenderam e con�rmaram a
energia com que esta Sociedade, que então tinha nada mais do que seis anos,
nasceu. Reuniu aproximadamente 1.900 pessoas sob a presidência da
psicomotricista e sócia titular Maria Aparecida Pabst.
Pela primeira vez, reuníamos quatro convidados estrangeiros: Vitor da
Fonseca (Portugal), André Lapierre e Françoise Desobeau (França) e Angela
Biagglio (Itália).
A fundação do Capítulo Cearense, em Fortaleza, CE, foi uma iniciativa
importante, pois, com sua criação, chegávamos ao Nordeste, em 1987.
Coube ao Capítulo Carioca organizar o IV Congresso Brasileiro de
Psicomotricidade, em 1989. Regina Morizot foi convidada para presidir o
encontro que preparou o retorno do Conselho Nacional para o Rio de Janeiro.
O Conselho tinha sede no Rio Grande do Sul e, naquela época, era presidido
por Margarida Oppliger Pinto.
Segundo Regina Morizot, o IV Congresso foi um marco por ter sido,
também, o I Encontro de Pro�ssionais da Psicomotricidade. Era a a�rmação de
nossa identidade, a identidade do psicomotricista enquanto pro�ssional. Talvez
fosse o momento de uma busca teórica profunda, de pesquisar, de colocar em
cena a subjetividade desse corpo como sistema de relação, na sua implicação
com outros corpos, no seu lado inconsciente e na sua história de vida. Que
tema poderia sintetizar todos esses aspectos? Sem sombra de dúvida, A Imagem
do Corpo, tema do IV Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, em 1989.
Discutimos O corpo real e imaginário, A formação da imagem corporal, O
olhar e o toque, O narcisismo, O estádio do espelho, A palavra em
Psicomotricidade, A transferência corporal e sobretudo A formação do terapeuta
em Psicomotricidade, com a participação de pro�ssionais nacionais e
estrangeiros, como Françoise Desobeau, Yann Beltz, Sami Ali, Vitor Garcia e
Juan Garralda. Envolvemos neste Congresso muitos renomados psicanalistas e
psiquiatras do Rio de Janeiro.
Convidamos pro�ssionais das áreas do Psicodrama, da Análise
Bioenergética, da Terapia Familiar. Digamos que abrimos o leque para
trabalhar as semelhanças e diferenças. Assim, nossa pro�ssão, cada vez mais,
passava a ser reconhecida tanto pelo meio social como pelo cientí�co.
A partir daí, sob a presidência de Vera Mattos, buscamos, primeiramente,
veri�car o caráter normativo da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP)
e objetivamos seu registro com fórum permanente no Rio de Janeiro.
Objetivamos também fortalecer ainda mais a nossa Sociedade, buscando a
mesma força que tinha em sua origem, a marca da interdisciplinaridade.
Implementamos grande contato com os Capítulos regionais para que
iniciássemos a reforma estatutária. Para tal, conseguimos trazer para a
Assembleia Geral os presidentes de todos os regionais que, em uma sessão
exaustiva (48 horas), notaram as modi�cações previamente estudadas.
O V Congresso Brasileiro de Psicomotricidade foi realizado em Salvador,
BA, em setembro de 1992. Com o tema O Sujeito na Prática Psicomotora.
Nesse encontro, buscou-se re�etir como questão fundamental “o desejo
daquele que se propõe a fazer parte do processo, fosse ele de cura ou
educacional, tomando a prática de cada um como particular e, principalmente,
reveladora de si mesmo”.
Como convidados internacionais, tivemos o professor Jean Bergès,
Françoise Desobeau e André Lapierre (França), Esteban Levin (Argentina),
Denise Muniz (Espanha) e, dentre os convidados nacionais, demos um espaço
especial a todos os pro�ssionais pioneiros da Psicomotricidade no Brasil, como
Beatriz Saboya, Cely Wagner, Eneida Holzmann, Margarida Pinto, Maria
Aparecida Pabst, Regina Morizot, Solange iers e Suzana Cabral.
A partir desse evento, a Psicomotricidade toma uma nova dimensão na
Bahia, tanto na ampliação no campo de atuação quanto no de estudos, com o
início dos cursos de formação.
Foi na Bahia, já visando à legalização, que iniciamos a coleta das assinaturas
dos pro�ssionais da área e de áreas a�ns, reunidas no manifesto de apoio à
legalização de nossa pro�ssão. Também na Bahia, contamos com a presença e
apoio do diretor do InstitutoBrasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR),
Dr. Hermínio da Silveira, que havia, em 1990, inaugurado o Primeiro Curso
de Graduação em Psicomotricidade do Brasil, no Rio de Janeiro.
Em 1991, Solange iers apresentou ao mundo cientí�co o CESIR –
Núcleo Ramain-iers. Já havia desenvolvido o su�ciente: uma teoria própria
criada pela experiência vivida e muito estudo. Em um ano, deu forma a um
material próprio para crianças, adolescentes e adultos, diferentes do Ramain.
Introduziu a leitura psicanalítica e escreveu a proposta corporal baseada nos
momentos de desenvolvimento emocional. O nome Ramain-iers é uma
homenagem a Simonne Ramain e um movimento de respeito a Solange iers:
o hífen marca a diferença e o vínculo (THIERS, n/p).
A partir do V Congresso, nosso objetivo foi o de ampliar o número de
sócios titulares, por meio de uma alternativa à apresentação de monogra�as.
Criamos a prova de Titulação cujos critérios foram estabelecidos em
Assembleia Geral, visando ao reconhecimento do pro�ssional titular quando da
ocasião da legalização da pro�ssão, outorgando-lhe o título de psicomotricista.
Ainda em Assembleia Geral, sugerimos e aprovamos a criação do Capítulo
Aspirante que, após um ano de atividades cientí�cas, viria a se tornar regional.
Mantivemos sempre estreito contato com o IBMR, que caminhava em busca
da legalização de seu curso de graduação.
O VI Congresso, que deveria ter lugar em Porto Alegre, RS, mas foi
absorvido pela Diretoria do Nacional, sendo realizado no Rio de Janeiro. Nesse
evento, optamos por privilegiar os psicomotricistas, convidando todos os sócios
titulares da SBP para compor a programação cientí�ca. Esse congresso teve
como tema A Especi�cidade da Psicomotricidade, e nada mais justo do que dar a
palavra aos psicomotricistas.
Observamos que nenhum de nossos sócios estava ativamente ligado à SITP
(Société International de Psychomotricité), portanto implementamos a �liação
de dez sócios à Internacional e hoje já somos muito mais.
A marca de nossa sociedade vem sendo a união, o desejo de congregar todo
pro�ssional em Psicomotricidade, respeitando todas as linhas de trabalho, em
um objetivo maior – o crescimento e a valorização da Psicomotricidade
enquanto ciência e o reconhecimento do psicomotricista enquanto pro�ssional.
Chegamos ao VII Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, no Ceará,
1998, cujo tema foi a Psicomotricidade de Fato e de Direito – Formação e Ética,
nas palavras de Ana Olivieri, teríamos chegado à SBP de fato e de direito. Ela
se referia à sua gestão, cuja Diretoria (conselho diretor), pela primeira vez na
história da SBP, venceu uma eleição onde existiam duas outras chapas
concorrentes.
O parecer de Dayse Campos Souza, presidente do VII Congresso, nos faz
observar que a trajetória continua – o caminho percorrido não para de se
recriar, e novas vertentes surgem. A Psicomotricidade é um fato, ela está entre
nós neste momento. Não apenas em existência, mas em luta incansável na
busca de produzir laços para informar, formar e reciclar pro�ssionais que
tenham a�nidade com o campo da Psicomotricidade e que sejam das áreas de
saúde e de educação.
O Capítulo Cearense, dentro de uma postura ética, conseguiu sensibilizar o
meio universitário, tendo como resultado a criação de dois cursos de pós-
graduação em Psicomotricidade: sendo um ministrado na UNIFOR –
Universidade de Fortaleza, e outro na Universidade Federal do Ceará.
Durante todos esses anos, em nosso País, diversos cursos de formação se
constituíram, alguns deles de cunho acadêmico, nas universidades espalhadas
pelo território nacional e outros como cursos livres. Dentre estes últimos,
podemos citar os de Regina Morizot, o de Beatriz Saboya; o CESIR – Núcleo
Ramain-iers, de Solange iers; a CLAVE – encontros cientí�cos, de
Claudia Lutterbach e Vera Mattos; o Néctar, de Silvia Carné; o CEPP, de Leila
Manso; o CIAR e outros de igual relevância.
Tais centros de formação, acadêmicos ou não, só vêm a enriquecer e
projetar a importância da Psicomotricidade em nossa sociedade.
O mais recente de nossos congressos, não o último com certeza, aconteceu
em Recife (PE) com o tema central Psicomotricidade, uma Realidade
Transdisciplinar e contou com a carismática presença de André Lapierre e com
as grandes contribuições de Vitor da Fonseca, Victor Garcia e Esteban Levin,
assim como de pro�ssionais de renome do território nacional.
Na certeza de que ainda produziremos muito e de que inúmeros encontros
cientí�cos serão realizados, esperamos ter concluído de forma verdadeira um
pouco de nossa história.
MORAL DA HISTÓRIA – AFINAL, O QUE É
PSICOMOTRICIDADE?
Como vimos, foi Wernick que empregou pela primeira vez, em 1900, o
termo composto psico-motricidade. Este autor pode ser visto como um
representante do modelo anatomoclínico que atribuía a cada sintoma uma
lesão focal correspondente no cérebro (relação direta e de causalidade entre a
lesão e os sintomas). Naquela época, a preocupação da classe médica era com a
estrutura do cérebro, o mapeamento cerebral. O corpo era visto como uma
máquina (homúnculo de Pein�eld) e estaria representado, no cérebro, de
cabeça para baixo, na parte superior e externa, em ambos os lados, perto da
�ssura de Rolando, com representação motora na frente e sensitiva atrás.
Já para Henri Wallon (1925), psicólogo francês que realizou estudos
pertinentes à motricidade e ao caráter, o importante era a relação entre o
movimento e o afetivo, o emocional, o meio ambiente e os hábitos do homem,
e isto marca o primeiro momento do campo psicomotor – o paralelismo: a
relação entre o corpo expressado basicamente no movimento e a mente
expressada no desenvolvimento intelectual e emocional do indivíduo.
Wallon dedicou atenção ao estudo da função tônica da musculatura e sua
relação com a esfera emocional. Para ele, o desenvolvimento da personalidade
não pode ocorrer de forma separada das emoções, e o tônus é visto como o
pano de fundo de todo ato motor, estando diretamente correlacionado com as
emoções e vice-versa. Em sua dissertação intitulada A Criança Turbulenta, em
1925, nos diz: “O movimento é, antes de tudo, a única expressão e o primeiro
instrumento do psiquismo”. (WALLON, 1968)
É no paralelismo entre motricidade e caráter (WALLON) e entre
motricidade e inteligência (PIAGET) que podemos perceber o delinear do
campo da Psicomotricidade, pois admitir o paralelismo é conceber um
relacionamento entre as partes envolvidas.
Outro autor que trouxe grandes contribuições à formação do conceito de
Psicomotricidade foi Jean Le Boulch, que a�rma: “O domínio corporal é o
primeiro elemento do domínio do comportamento”.
A educação psicomotora concerne uma formação de base indispensável a toda criança que
seja normal ou com problemas. Responde a uma dupla �nalidade: as- segurar o
desenvolvimento funcional, tendo em conta as possibilidades da criança, e ajudar sua
afetividade a expandir-se e a equilibrar-se mediante o intercâmbio com o ambiente
humano. A terapia psicomotora refere-se particularmente a todos os casos-problemas nos
quais a dimensão afetiva ou relacional parece dominante na instalação inicial do
transtorno. Pode estar associada à educação psicomotora ou se continuar sem ela... Ao
contrário, a reeducação psicomotora impõe-se nos casos onde o de�cit instrumental
predomina, ou corre o risco de acarretar, secundariamente, problemas de relacionamento.
(LE BOULCH, 1982)
Em seu livro Psicomotricidade, Coste a�rma que
a reeducação psicomotora tem por objetivo desenvolver esse aspecto comunicativo do
corpo, o que equivale a dar ao indivíduo a possibilidade de dominar seu corpo, de
economizar sua energia, de aperfeiçoar o seu equilíbrio [...] É uma técnica em que se
cruzam múltiplos pontos de vista e que utiliza as aquisições de numerosas ciências
constituídas (Biologia, Psicologia, Psicanálise, Sociologia e Linguística). (COSTE, 1977)
Dentro de uma perspectiva mais atual, Esteban Levin nos brindacom uma
bela de�nição do que seria a clínica em Psicomotricidade:
A Psicomotricidade se ocupa de um sujeito que fala por meio de seu corpo, suas posturas,
seus movimentos, seus gestos, seu tônus muscular, seu eixo corporal. [...] Não é o corpo
que sofre ou que fala, mas sim um Sujeito por meio de seu corpo, de seus movimentos, de
suas relações tônicas, de seus gestos [...] Tornar-se psicomotricista é um trabalho que não
tem �m, pois a cada vez, com cada paciente, começa o trajeto cheio de particularidades
que só culmina com um recomeçar de novo.[...] O compromisso e a responsabilidade do
psicomotricista são não retroceder frente ao sujeito que fala e sofre por meio de seu corpo.
(Anais VI Congresso, 1995)
A psicomotricista cearense, Cláudia Jardim, também nos brinda com sua
de�nição do campo psicomotor: “O primordial em Psicomotricidade não é
utilizar uma técnica nova, diferente, e sim não perder de vista o sujeito, o
objeto desta técnica”. Segundo a autora, a Psicomotricidade situa-se nas
fronteiras das ciências da saúde e das ciências humanas e busca “rea�rmar a
integridade do ser, que, além de orgânica e biológica, é também social,
espiritual, cognoscível e sensível”. (Anais VI Congresso, 1995)
Em Bases Psicomotoras (1995), Beatriz Saboya nos diz: “Psicomotricidade –
um meio que utiliza o corpo em movimento, visando à harmonização do
indivíduo com o seu mundo interno e o seu mundo externo”.
Assim, podemos ver que o embasamento teórico da Psicomotricidade está
alicerçado, por um lado, nos conhecimentos da Ontogênese (evolução da
espécie) e, por outro, na construção da subjetividade.
Como não podia deixar de ser, a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade
trouxe sua contribuição fundamental para a atualização do conceito desta tão
nova ciência:
É uma ciência que estuda o homem por meio do seu corpo em movimento em relação ao
seu mundo interno e externo e de suas possibilidades de perceber, atuar e agir com o
outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de maturação, onde
o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas.
(www.psicomotricidade.com.br, 2001)
Esta ciência veio se construindo sobre bases sólidas e hoje ocupa o seu lugar
tanto no campo da educação como no campo clínico, caminhando segura de
sua especi�cidade e de sua importância no cenário cientí�co, tendo como
objeto de estudo o sujeito em suas relações com o tempo, o espaço e o outro.
https://www.psicomotricidade.com.br/
UM OLHAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO
Não é possível pensar em qualquer avaliação sem ter em mente que o que
vamos observar é um sujeito em relação com o mundo. Este existe desde muito
cedo, no imaginário de seus pais. Desta forma, sua história começa muito antes
de seu nascimento e, por isso, a importância da anamnese, tema do capítulo III
deste livro. Para que possamos compreender os dados que colheremos na
anamnese e aquilo que vamos observar em nossa avaliação, é necessário o
conhecimento do desenvolvimento infantil sadio.
Convidamos o leitor a fazer um pequeno passeio sobre alguns aspectos do
desenvolvimento já estudados por diversos autores e sugerimos, para maior
aprofundamento, recorrer às referências citadas.
Após nove meses de sossego e aconchego, é chegada a grande hora! O parto
é inevitável, seja este normal ou cesariana, em casa ou no hospital, de cócoras
ou dentro d’água. Não importa de que forma, este será, sempre, um momento
único para todo ser humano.
Assim que o bebê nasce, é ideal que ele seja assistido por um pediatra ou
neonatologista para que cuidados e providências necessárias sejam tomados.
A primeira avaliação pela qual passa esse novo ser é chamada de APGAR,
que investiga o estado geral das funções vitais do bebê. Esta avaliação
compreende cinco itens e, normalmente, é realizada no primeiro minuto e no
quinto minuto de vida do bebê, veri�cando sua coloração, seu ritmo
respiratório, o ritmo de seus batimentos cardíacos, sua tonicidade e suas reações
à passagem nasal e bucal do cateter que aspira as secreções. A cada uma destas
observações é atribuída uma pontuação que pode ir de 0 a 2. Assim, como
vemos no quadro, a seguir, um bebê com um APGAR acima de 7 é
considerado como apresentando boas condições vitais.
Sinal/Nota 0 1 2
Frequência cardíaca Ausente Irregular Maior que 100
Frequência respiratória Ausente Irregular Bom choro
Tonicidade Flácido Alguma �exão Movimentos ativos
Coloração Azul Róseo/cianótico Róseo
Resposta ao cateter Ausente Alguma Presente
Entre 0 e 3  alto risco
Entre 4 e 7  risco
Acima de 7  boas condições vitais
Além de respirar sozinho, o bebê terá de se alimentar de forma
completamente diferente da que vinha se alimentando até então. Para a
realização dessa função, ele deve apresentar um re�exo que, normalmente, está
presente desde a vida intrauterina, que é o re�exo de sucção. Este será
acompanhado do re�exo de deglutição, iniciando, assim, todo um processo
digestivo altamente especializado. É só a mãe oferecer o peito que o bebê
começa a sugar. Os bebês que nascem prematuros ou com alguma de�ciência
podem precisar de auxílio especial para esta tarefa.
O primeiro grande desa�o do bebê recém-nascido é acostumar-se com a
vida fora do útero. Os desconfortos que o bebê passa a sentir (fralda suja,
cólicas, fome, calor ou frio...) são traduzidos por um aumento de tensão global,
movimentos incoordenados, na maioria das vezes, acompanhados por um
choro forte. Este estado tônico foi descrito por Wallon, como vimos
anteriormente. Em contrapartida, quando o bebê está satisfeito, permanece
com o tônus mais relaxado. Esta comunicação que permeia a vida da mãe e do
bebê nos primeiros meses de vida é então conhecida por “diálogo tônico”. É
verdade que, mesmo depois de adultos, ainda podemos perceber estas
alterações em nosso corpo e comportamento, porém a linguagem passa a ser
mais forte, com capacidade de expressar sentimentos mais complexos e
abstratos. Qualquer pessoa consegue perceber as diferenças extremas destes dois
estados tonicamente tão distintos, porém é a mãe ou a pessoa que materna o
bebê que é capaz de distinguir um choro de cólica de um choro de sono, por
exemplo.
Durante as duas primeiras semanas, essa é uma tarefa bastante com-
plicada, principalmente para as “mães de primeira viagem”. Porém, é nessa
busca de comunicação que o bebê vai aprendendo a distinguir o que sente, pois
seus processos de percepção passam a ser ativa- dos. Seu choro vai aos poucos
se diferenciando na intensidade, na tonalidade e na intenção.
Ainda não encontramos a presença de movimentos intencionais,
voluntários, pois, durante os três primeiros meses de vida, seu comportamento
será basicamente regido por re�exos. No próximo quadro, podemos ver os
diversos re�exos que fazem parte do início da vida de todo ser humano, sua
evolução e sua inibição com o desenvolvimento.
TABELA DE REFLEXOS
Os Re�exos do Bebê – Beatriz Saboya – Bases Psicomotoras, 1995
Espinhais ou Medulares
Re�exo Estímulo Resposta Presença
Flexão Cutucar o meio da sola do pé Flexão da perna estimulada nas três articulações
Até 2
meses
Extensão
Cutucar o meio da sola do pé
da perna �etida
Extensão da perna estimulada
Até 2
meses
Extensão
cruzada
Cutucar a perna �etida ou a
estendida
Flexão da perna inicialmente estendida e
extensão da inicialmente �etida
Até 2
meses
Bulbares
Re�exo Estímulo Resposta Presença
RTCA
Levar o bebê a virar a cabeça para um
lado por meio de estímulo sonoro ou
visual
Os membros do lado facial se
estendem e os do lado occipital
�exionam
Do
nascimento
até os 4
meses
RTCS
(EX)
Levar o bebê a estender a cabeça por meio
de estímulo sonoro ou visual
Extensão dos braços ou aumento do
tônus extensor e �exão das pernas
De 2 meses
até 4 meses
RTCS
(FL)
Levar o bebê a �etir a cabeça por meio de
estímulo sonoro ou visual
Flexão dos braços ou aumento do
tônus �exor e extensão das pernas
De 2 até 4
ou 6 meses
RTL
(prono)É a própria posição prona
Tônus �exor aumentado com �exão de
braços, pernas e quadril
De 2
até 4
meses
RTL
(supino)
É a própria posição supina
Tônus extensor aumentado com
extensão de braços, pernas e quadril
(ver se há opistótono)
De 2
até 4
meses
Suporte
positivo
Segurando o bebê, deixar que seu peso seja
sentido nos pés
Aumento do tônus extensor em todo o
corpo com �exão plantar e apoio nos
dedos
De 2
até 4
meses
Suporte
negativo
Deve ser veri�cado logo em seguida ao
suporte positivo: elevar o bebê do apoio,
segurando-o no ar
Flexão das pernas nas três articulações
De 2
até 4
meses
Reações
associadas
Colocar o dedo na mão do bebê fazendo
pressão sobre a eminência tenar
provocando a garra
A outra mão entra em garra,
simultaneamente
De 2
até 4
meses
Mesencefálicos
Re�exo Estímulo Resposta Presença
Cervical de
endireitamento
Levar o bebê a virar a cabeça para
o lado
O corpo em monobloco
acompanha o movimento da
cabeça
De 2 meses
até 5 meses
Corpo sobre
corpo
Os mesmos acima
O corpo acompanha os
movimentos da cabeça fazendo
dissociação das cinturas
Dos 5 ou 6
meses e �ca a
vida toda
Labiríntico de
reti�cação
Passar o bebê da posição
vertical para a prona
A cabeça se eleva para a vertical
De 1 mês para
toda a vida
Ó
Óptica de
reti�cação
Fazer o bebê �xar o olhar em algo
e levá- lo, suavemente, da vertical
para a prona
A cabeça procura manter a
verticalidade
De 1 mês para
toda a vida
Corticais
Re�exo Estímulo Resposta Presença
Reação de
proteção
Bebê deitado transversalmente no rolo,
gira-se o rolo para a frente
Extensão dos braços apoiando
as mãos no chão
De 3 meses
para toda a
vida
Reação de
equilíbrio
Bebê deitado sobre a prancha de
equilíbrio, inclina- se a prancha para a
lateral
Abdução e extensão da perna
contralateral à queda e busca a
verticalização da cabeça
Dos 5 meses
para toda a
vida
Obs.: Estas reações podem ser pesquisadas nas diversas posições.
Outros
Re�exo Estímulo Resposta Presença
Moro
Bebê em qualquer posição,
puxar subitamente o lençol
Extensão dos membros e retorno à
�exão
Do nasscimento até
6 meses
Landau
Sustentar o bebê com as mãos
pela região torácico-
abdominal
e fazê-lo sustentar a cabeça
Extensão dos membros De 6 até 18 meses
Galant
Deslizar a unha sobre a lateral
da coluna
O bebê arma um arco, com a
concavidade para o lado do estímulo
Do nascimento até
2 meses
Marcha
Sustenta-se o corpo do bebê
deixando seus pés apoiados
ao solo
O bebê dá três ou quatro passos,
ritmados e coordenados, para frente
Do nascimento até
3 ou 4 meses
Babinsky
Desliza-se a unha no bordo
lateral externo da planta do pé
Flexão do joelho da perna estimulada,
acompanhada de uma dorsi�exão do
pé
Dos primeiros dias
de vida até os 10
ou
12 meses
Grasping
Coloca-se o dedo na palma da
mão do bebê
Flexão dos dedos
Do nascimento até
5 ou 6 meses
Oroneuromotores
Re�exo Estímulo Resposta Presença
Pontos
cardeais
Tocar suavemente:
em cima, de um lado, do outro e
embaixo da boca do bebê
O bebê desvia os lábios na
direção do estímulo
Do nascimento até os 12
meses
Sucção Colocar o dedo na boca do bebê O bebê começa a sugar
5o mês de vida
intrauterina até os 4
meses
Mordida
Com o dedo, estimula-se
lateralmente a gengiva do bebê
O bebê morde
Do nascimento até 4
meses
No que diz respeito à postura, durante o primeiro mês, pode-se descrever o
recém-nascido como tendo os membros tanto inferiores como superiores, em
grande parte do tempo, aduzidos e em �exão, com as mãos cerradas, mantendo
uma postura assimétrica e apresentando uma motricidade descoordenada. Sua
coluna, segundo Saboya (1995), possui apenas duas curvaturas (cervicodorsal e
lombossacral) e seu controle motor é precário, realizando somente eventuais
rotações da cabeça para ambos os lados, com esforço. Em prono, tem
di�culdade em manter o queixo elevado por mais de poucos segundos.
Esse ensaio motor, que acabamos de descrever, proporciona o início da
conquista da verticalidade, fortalecendo a musculatura do pescoço e
paravertebrais, resultando na aquisição da possibilidade de sustentação da
cabeça contra a gravidade, formando, assim, a curvatura cervical. Para isso, faz-
se necessário ressaltar que a relação que se estabelece entre o bebê e o outro é o
que impulsiona e permeia todo o seu desenvolvimento.
Segundo Spitz, diversos aspectos de desenvolvimento se entrelaçam
formando o que ele chamou de “organizadores do psiquismo” (SPITZ apud
AJURIAGUERRA, 1981), isto é, marcadores dos fenômenos do
desenvolvimento psíquico. O primeiro organizador é o surgimento do sorriso
enquanto resposta à relação que é um sinal visível do desenvolvimento do
aparelho psíquico.
Para Spitz, a angústia do oitavo mês re�etida no estranhamento de não
familiares indica o aparecimento do segundo organizador, demonstrando uma
mudança radical na conduta do bebê. Estes dois primeiros marcos pertencem
ao campo das descargas de impulsos pela ação motora, já, no terceiro
organizador, a primazia da comunicação vem, pouco a pouco, substituir a ação.
Esse terceiro organizador seria, então, a capacidade de julgamento e negação,
expressa pela compreensão e domínio do “não” por meio de gestos e palavras.
Desde o decorrer do terceiro mês, o bebê já começa a perceber melhor o
ambiente ao seu redor, interessando-se por diversos estímulos e,
principalmente, por objetos de cores fortes e vivas, sendo capaz de seguir um
objeto em deslocamento no espaço e procurar uma fonte sonora. Começando a
balbuciar, sua capacidade de “comunicação” se amplia, uma vez que a mãe
traduz e dá signi�cado a estes sons característicos do desenvolvimento. Seus
ensaios motores do primeiro trimestre e a maturação do sistema nervoso
proporcionaram a inibição de alguns re�exos, a redução do tônus �exor,
resultando no surgimento dos movimentos voluntários, como, por exemplo, o
controle motor da cabeça (traz a cabeça quando puxado para a posição sentada)
e em uma simetria corporal, isto é, a capacidade de levar as mãos ao centro do
corpo. Agora, pode, eventualmente, rolar sobre o seu eixo (ainda em
monobloco), despertando a musculatura do tronco. Reage ao peso de pé,
porém sem sustentar-se.
Continuando seu desenvolvimento, a partir do quarto mês, o bebê já
dorme menos, sorri mais, reconhece a mãe, emite sons guturais e é
incomodado pelo início do nascimento dos dentes. Em sua postura, permanece
pouco em supino e inicia o rolar dissociando as cinturas pélvica e escapular,
tenta alcançar os objetos, levando-os, rapidamente, à boca, e sua curvatura
cervical se acentua, os ensaios motores de rolar levam a uma apropriação e a
um maior controle da musculatura do tronco. A conquista deste controle vai
permitir a manutenção da posição sentada com apoio, e posteriormente, por
volta do sexto mês, a liberação dos membros superiores nesta mesma posição.
Quanto à linguagem, podemos observar a presença de imitação, por parte do
bebê, de sons produzidos pela mãe. Tal comportamento está ausente nos bebês
surdos devido à falta do feedback auditivo.
Uma vez conquistado o tronco, acentua-se a coordenação dos movimentos
de membros inferiores. Eles �exionam-se e estendem-se, dando início às
diversas formas de arrastar, dando ao bebê uma possibilidade a mais de
deslocamento do corpo no espaço.
Até aqui, segundo Le Boulch (1992), o comportamento da criança se
organiza sob a forte in�uência dos estímulos sensoriais, e o bebê tem na �gura
da mãe um intermediário indispensável para suas experiências emocionais,
caracterizando o estágio pré-objetal.
Por volta do sétimo ou oitavo mês, quando sentado, o bebê é capaz de se
proteger de quedas, inicialmente para a frente e, posteriormente, para os lados,
com o apoio das mãos. Consegue transferir objetos de uma mão para a outra,
coordenando melhor sua capacidade oculomotora.
No campo percepto-cognitivo, já possui a noção de permanência do
objeto, que segundo Piaget, é a capacidadede considerar a existência de um
objeto apesar deste ter sido retirado de seu campo visual. Nesta fase, a criança
pode começar a estranhar pessoas que não fazem parte de seu rol familiar,
vivenciando o segundo organizador de Spitz.
Os punhos iniciam �exões, o bebê já consegue segurar um objeto com a
participação apenas dos dedos polegar, indicador e médio e aprende a soltá-lo e
lançá-lo voluntariamente. Já será capaz de apontar o que deseja, ampliando a
conquista próximo-distal. A manutenção da posição sentada e o novo padrão
de locomoção que passa a ser o engatinhar (presente ou não no
desenvolvimento infantil), proporciona o surgimento e o fortalecimento da
curvatura lombar (aquisição morfológica fundamental para a postura de pé).
Esta diferente experiência de vivenciar o espaço dá início ao processo de
distanciamento entre mãe e bebê, pois este exerce seu desejo de ir e vir, muito
bem descrito por Margareth Mahler (2002), quando explica o processo de
separação-individuação. Para Le Boulch (1992), é nessa fase que se inicia o
estágio objetal. A criança já reconhece sua mãe e lhe atribui um valor de desejo
e não mais de apenas suprir suas necessidades. A angústia do oitavo mês
(SPITZ apud AJURIAGUERRA, 1981) pode provocar uma redução da
atividade sensório-motora de exploração do meio, pois é entre o nono e o
décimo primeiro mês que o medo de estranhos atinge seu ponto mais crítico.
Porém, é no último trimestre que os ensaios motores darão força e controle
aos membros inferiores, possibilitando a conquista do agachar e levantar, sem
apoio.
Com o fortalecimento da lombar, os membros inferiores passam não só a
suportar o peso do corpo em uma posição mais verticalizada como a ter maior
coordenação, resultando, primeiramente, na marcha lateral com apoio e,
�nalmente, na marcha independente, concluindo a evolução cefalocaudal
(COGHILL apud FONSECA, 1998). No que se refere à evolução próximo-
distal, �nalmente, veremos o aparecimento da pinça inferior (oposição do
polegar e indicador), característica da espécie humana (FONSECA, 1998).
Manipula os objetos com destreza, descobrindo suas particularidades, mas a
boca ainda é um dos meios preferidos pela criança de exploração do mundo.
Nesta fase, o bebê compreende bem a linguagem oral apesar de possuir
vocabulário muito restrito, sendo capaz de cumprir ordens simples. A
linguagem implanta o aspecto simbólico colocado em cena no terceiro
organizador de Spitz. (apud AJURIAGUERRA, 1981)
Fatores básicos como o melhor controle motor da cabeça, rotação de
tronco, a aquisição da posição sentada, as reações de equilíbrio, as conquistas
da marcha, aspectos funcionais do corpo só têm sentido quando estimulados
pela troca afetiva entre o bebê e o outro; troca que virá promover a construção
da imagem do corpo, constituindo o “corpo próprio”. As conquistas da marcha
e da linguagem ampliam as possibilidades da criança em realizar suas
demandas, buscar seus desejos e continuar seu processo de exploração do
espaço, do tempo e, principalmente, das relações com o outro.
No que diz respeito ao esquema corporal, Le Boulch (1982) nos descreve
etapas que levarão a criança à construção de uma “imagem do corpo
operatório”. Para chegar a ela, a criança passa, em um primeiro momento, pela
experiência do “corpo vivido” marcada pelas vivências afetivo-sensório-motoras
(MUCHIELLI apud LE BOULCH, 1982), experimentadas durante os três
primeiros anos de seu desenvolvimento. Estas vivências são básicas para o
equilíbrio entre o espontâneo e o controlado e o fundamento para a
estruturação espaço-temporal. Segue-se a esta etapa um período transitório,
tanto no que se refere à estruturação espaço-temporal quanto no que diz
respeito à estruturação do esquema corporal. O período do “corpo percebido”
corresponde à organização do esquema corporal, isto é, uma estreita relação dos
dados sensoriais, cuja soma resulta na fusão da imagem visual e cinestésica do
corpo.
A fase do “corpo representado” corresponde para Le Boulch (1982) ao
ingresso no ensino fundamental. Ao �nal do primeiro segmento do ensino
fundamental, por volta dos 12 anos, a criança seria capaz de dispor de uma
“imagem do corpo operatório”, a partir da qual te- ria condições e
disponibilidade de exercer sua ação sobre o mundo, domínio sobre seu próprio
corpo e suas produções motoras.
Depois deste breve passeio sobre o desenvolvimento infantil, �ca evidente a
importância deste tema para qualquer pro�ssional da saúde mergulhado no
estudo da infância, e mais ainda para aqueles que pretendem olhar para as
possíveis alterações do desenvolvimento.
Muitos autores balizaram as aquisições sensório-motoras, posturais,
cognitivas e psicoafetivas, buscando padronizar os marcos do desenvolvimento
infantil. Tais estudos nos disponibilizam um conhecimento sobre o que é
esperado em cada etapa do processo de desenvolvimento. Esta padronização
não deve, no entanto, ofuscar a qualidade singular de sujeito em
desenvolvimento, assim como não deve nos permitir esquecer o contexto em
que a criança se encontra.
Para oferecer ao leitor um ponto de referência dentre tantas possibilidades,
selecionamos a escala de Bayley (apud HAYWOOD & GETCHELL, 2004)
para nortear sua observação.
Faixa de idade
(em meses)
Marco (escala de Bayley para o desenvolvimento do bebê) Marco (sequência de
Shirley)
Ergue a cabeça quando segurado pelo ombro
Movimentos laterais da cabeça
0,3-3,0 Persegue visualmente um círculo vermelho
0,3-2,0 Braços empurram ao brincar
0,3-2,0 Pernas empurram ao brincar Queixo para cima
0,7-4,0 Cabeça �rme e ereta
0,7-5,0 Passa de decúbito lateral para decúbito dorsal
Peito para cima
1,0-5,0 Senta com pequeno apoio
Senta-se com apoio
2,0-7,0 Passa de decúbito dorsal para decúbito lateral
4,0-8,0 Oposição parcial dos polegares
Senta-se no colo
Segura objeto
4,0-8,0 Senta-se sozinho momentaneamente
4,0-8,0 Alcançar unilateral
4,0-8,0 Rota o punho
Senta-se na cadeira
Segura objeto pendurado
4,0-10,0 Rola de trás para frente
5,0-9,0 Senta-se sozinho com �rmeza
5,0-9,0 Oposição completa dos polegares
Senta-se sozinho
5,0-11,0 Progressão pré-caminhada
6,0-10,0 Pegar parcial com o dedo
Fica em pé com ajuda
5,0-12,0 Apoia (puxa-se) para �car em pé
6,0-12,0 Fica em pé apoiando-se na mobília
6,0-12,0 Movimentos do caminhar
Fica em pé segurando
a mobília
7,0-12,0 Caminha com auxílio
Engatinha
9.0-16,0 Fica em pé sozinho Caminha quando
conduzido
9,0-17,0 Caminha sozinho
Apoia (puxa-se) para
levantar
Fica em pé sozinho
11,0-20,0 Caminha de costas
Caminha sozinho
12,0-23,0 Sobe escadas com ajuda
13,0-23,0 Desce escadas com ajuda
17,0-30,0+ Pula com ambos os pés saindo do chão
19,0-30,0+ Pula do degrau mais baixo (ou primeiro)
Outros autores de referência no desenvolvimento infantil, Gallahue e
Ozmun (2001), nos explicam que a aquisição e o desenvolvimento das
habilidades motoras fundamentais dependem de fatores como a tarefa em si, o
próprio indivíduo e o ambiente que o cerca.
Segundo eles, o movimento é um processo em desenvolvimento nos anos
iniciais da infância; assim, o estágio de amadurecimento da maior parte das
habilidades motoras fundamentais se dá por volta dos seis anos.
As Habilidades Motoras Fundamentais são selecionadas por Gallahue e
Ozmun em três grupos:
• Habilidades Motoras Estabilizadoras
• Habilidades Motoras Locomotoras
• Habilidades Motoras Manipulativas
Passaremos, a seguir, a uma análise de cada um destes grupos:
HABILIDADES MOTORAS ESTABILIZADORAS
Gallahue e Ozmun de�nem o que seria estabilidade: “Disposição de manter
em equilíbrio a relação indivíduo/força da gravidade” (2001, p. 266).
Teríamos, então, como movimentos estabilizadores fundamentais, todo
movimento envolvendo um aspecto de estabilidade, um ponto �xo e outros
móveis. São considerados como movimentos estabilizadores os movimentos
axiais (movimentos do tronco ou dos membros que direcionam o corpo em
posição estacionária) veri�cados

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