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O Sinalagma Contratual

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O SINALAGMA CONTRATUAL
A chamada causa dos contratos: relações contratuais de fato
Revista de Direito do Consumidor | vol. 93/2014 | p. 209 - 228 | Mai - Jun / 2014
DTR\2014\2106
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
Doutora e Livre Docente pela Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco). Professora Titular
do Departamento Civil da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco). Coordenadora Titular
do Programa de Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - Fadisp.
Ex-Procuradora Federal.
Área do Direito: Civil
Resumo: Tanto no Código Civil atual, quanto na codificação anterior, não se inseriu, entre os
pressupostos de existência e os requisitos de validade dos negócios jurídicos, a chamada causa
contratual, tornando-se a legislação pátria, para muitos analistas, uma legislação anticausalista.
Predominou a ideia da suficiência do consensualismo e a ausência de qualquer menção à causa no
art. 104 do CC/2002 pareceu mostrar que a causalidade do negócio jurídico poderia ser mesmo uma
inutilidade. No entanto, esta conclusão não passou de um mero engano dos estudiosos, vez que a
presença da causa, no ordenamento, se registra como implícita, mormente no art. 62 (criação das
fundações - causa donandi), no art. 69 (extinção das fundações - causa solvendi), no art. 564, I e II
(hipóteses de não revogação de doações por ingratidão - causa credendi), no mesmo art. 564, III
(também hipótese de não revogação de doações por ingratidão - causa indebiti), no art. 476
(exceção de contrato não cumprido), entre vários outros dispositivos da legislação pátria. O presente
estudo visa mostrar que a ideia de causa sinalagmática está, portanto, acolhida no ordenamento
positivo, como verdadeira fonte de obrigações, eis que o vínculo é reconhecido justamente a partir do
sinalagma, independentemente de ser paracontratual a relação em exame. E o fato gerador desta
vinculatividade é o deslocamento patrimonial originário, que importa na reciprocidade patrimonial
correspectiva, por parte do outro, graças à noção do que seja esta causa sinalagmática.
Palavras-chave: Sinalagma - Causa sinalagmática - Relações contratuais de fato - Relações
paracontratuais - Consensualismo - Causa contratual.
Riassunto: Tant le Code civil actuel, comme dans le code précédent, pas inséré entre les
hypothèses de l'existence et les exigences de validité des actes juridiques, la cause contractual, de
devenir la loi du pays, pour de nombreux analystes, une législation anticausalista. Idée prédominante
de la suffisance consensualisme et l'absence de toute mention de la cause dans art. 104 CC
semblent montrer que la causalité de la transaction pourrait être encore inutile. Toutefois, cette
conclusion n'était qu'une simple erreur de chercheurs, puisque la présence de la cause est implicites,
en particulier dans l'art. 62 (création de fondations - la cause donandi), dans l'art. 69 (extinction des
fondations - la cause solvendi), dans l'art. 564, I et II (hypothèse de la non révocation de donations
pour ingratitude - la cause indebiti), dans le même article 564, III (également hypothèse de l'absence
de révocation de donations pour ingratitude), dans l'art. 476 (pas rempli contrat), parmi plusieurs
autres dispositifs de la législation. La présente étude vise à montrer que l'idée de cause
synallagmatique est reçu par l'ordre positif, comme la vraie source d'obligations, voici, le lien est
reconnu à titre de synallagma, même si paracontratual la relation en question. Et le fait générateur de
cet lien est le déplacement patrimonial originaire, ce qui compte dans les réciprocité patrimonial
correspectiva, grâce à la notion de ce qui est cette cause synallagmatique.
Parole chiave: Synallagma - Cause synallagmatique - Relations contractuelles de facto - Relations
paracontractuelles consensualisme - Cause contractuelle.
Sumário:
- 1.Primeiras palavras: o sinalagma contratual e a estrutura obrigacional como relação complexa -
2.A causa contratual e a legislação codificada - 3.A causa como elemento do negócio jurídico e as
multiformes acepções da palavra - 4.A causa na concepção de Pontes de Miranda - 5.A causa na
concepção de Antonio Junqueira de Azevedo - 6.As relações contratuais de fato, ou paracontratuais,
e a causa sinalagmática
Recebido em 25.08.2013
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Aceito mediante convite
1. Primeiras palavras: o sinalagma contratual e a estrutura obrigacional como relação
complexa
A presente aula1 se desenvolverá no sentido da evolução da noção do sinalagma contratual tendo
em vista a noção de causa na ambiência do direito obrigacional, especialmente o próprio direito
contratual. Buscar-se-á a justificativa da obrigatoriedade das relações contratuais e também nas
relações contratuais de fato, caminhando além do consensualismo, na expectativa de se encontrar a
correspectividade na relação sinalagmática e que produziria a obrigatoriedade do avençado.
Segundo Karl Larenz,2 a relação obrigacional é uma relação jurídica que existe sempre entre
pessoas determinadas (duas ou mais), da qual pelo menos uma é devedora e a outra credora. Há na
relação uma prestação delimitada. Outros deveres de conduta – que estão delimitados e são, de
certo modo, secundários – também podem ser exigidos. O dever primário e decisivo, que dá
conteúdo e significado à relação obrigacional e determina o caráter típico da mesma é a prestação
determinada. A obrigação está dirigida a esta prestação determinada ao devedor, ou à prestação de
ambas as partes, o que corresponde, neste caso, ao próprio sinalagma. Quando a prestação é
cumprida, ter-se-á alcançado a finalidade da obrigação, restando esta, geralmente, extinta.
A lição de Hedemann3 registra que a natureza das obrigações recíprocas baseia-se na
contraprestação das prestações, em sua confrontação. Ambas as prestações estão entre si
entrelaçadas de um lado e do outro, e unidas por esta noção de sinalagma, fato recíproco este que
está muito arraigado na consciência popular. No contrato de compra e venda, no contrato de
locação, no contrato de arrendamento, na maior parte das relações obrigacionais se encontra a
mesma interrogação: Por o que dou a ti, o que me dás tu a mim?
Esta reciprocidade – conforme se lê do Digesto, Livro 19, Título 5, Lei 5, pr. –, decorre de certas
fórmulas romanas que foram estipuladas para permitir a visualização da correspectividade das
obrigações. São fórmulas atribuídas a Paulo e assim se organizam: (a) do ut des (revelando uma
dupla transferência de propriedade, uma dação contra dação); (b) do ut facias (revelando uma
transferência de propriedade contra prestação de um fato, uma dação contra fazimento); (c) facio ut
des (revelando, inversamente, a prestação de um fato contra a transferência de propriedade, um
fazimento contra dação; e (d) facio ut facias (revelando, por seu turno uma dupla prestação de fazer,
um fazimento contra outro fazimento).
Ainda hoje – e segundo doutrina dominante, recolhida aos romanos, especialmente por Álvaro
Villaça Azevedo – estas mesmas fórmulas estão à disposição do direito contratual contemporâneo,
operando eficientemente e estruturando o denominado “método da análise das prestações”, para a
finalidade de, com objetividade e praticidade, visualizar-se corretamente a presença de cada uma
delas em determinado contrato, ou mesmo uma combinação de duas ou mais delas nos contratos
mistos, nos contratos atípicos e nos contratos coligados, mas sempre designando a reciprocidade
sinalagmática dos tipos contratuais.
Mesmo para as relações fáticas nas quais não está presente o consenso, mas que ainda assim
podem gerar deslocamentos patrimoniais, verdadeiras obrigações, a justificativa se baseia na
presença de certo comportamento negocial, por assim dizer, relembrando o que, em Roma, já
comparecia como os denominados contratos inominados, nos quais – por não existir uma vestimenta
propriamente negocial para os pactosnus – estavam disponíveis, como vestimenta, as fórmulas
romanas de Paulo (do ut des, do ut facias, facio ut des, facio ut facias)…
Prosseguindo, com Massimo Bianca, a respeito de interesse creditício e causa do contrato, é
possível saber que:
“A causa do contrato constitui a sua função prática, ou seja, é o interesse complexo concretamente
perseguido mediante a operação negocial. O interesse creditício, por outro lado, é aquele a que se
refere cada obrigação isoladamente. Quando a obrigação se inserir em um contexto contratual o
interesse creditício passa a integrar a causa concreta do contrato. Nas obrigações contratuais,
portanto, o interesse do credor não se contrapõe à causa do contrato, mas é sua parte integrante, no
sentido que concorre a identificar as razões práticas do contrato. Por outro lado, se a obrigação
estiver fundada em um contrato, é o interesse creditício que por sua vez se determina através da
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interpretação de tal título, e assim também com referência à causa do contrato”4 (tradução nossa).
Já Antunes Varela registra que a relação jurídica, em geral, é considerada una ou simples, quando
compreende, por um lado, o direito subjetivo atribuído a uma pessoa e, por outro lado, o dever
jurídico ou o estado de sujeição correspectivos que recaem sobre a outra pessoa. E entende, como
relação jurídica complexa ou múltipla, aquela que abrange o conjunto de direitos e de deveres ou
estados de sujeição nascidos do mesmo fato jurídico.5
E assim, por exemplo, na compra e venda, ao lado do dever jurídico – incumbido ao vendedor – de
entregar a coisa devida, e do correlativo direito subjetivo – atribuído ao comprador – de exigir a
entrega da coisa, há ainda, nesse caso, o dever jurídico – incumbido ao comprador – de entregar o
preço, e o correspondente direito subjetivo – atribuído ao vendedor – de exigir o seu pagamento.
Orlando Gomes, a respeito desta complexidade obrigacional e sua conjugação sinalagmática
menciona que nas relações obrigacionais mais simples, os dois contratantes se contrapõem, cada
qual em uma das posições, mas predominando, todavia, as relações mais complexas, nas quais
cada partícipe contratual ocupa, ao mesmo tempo, a posição jurídica ativa e passiva, porque, ao
mesmo tempo lhe tocam direitos e obrigações que, inversamente, correspondem também ao outro
partícipe.6
No mesmo sentido, Fernando Noronha, acerca desta relação obrigacional complexa, conjugada à
função social, escreve que, numa relação jurídica deste tipo, se considera o conjunto de direitos e
deveres que unem as partes intervenientes, em razão dos quais elas permanecem adstritas a
cooperarem para a realização dos interesses de que sejam credoras, mas com o devido respeito
pelos recíprocos interesses do devedor, tendo em conta também a função social desempenhada,
que é razão última de sua tutela.7
O mesmo autor alemão já citado, Hedemann,8 apresenta os efeitos principais desta reciprocidade, o
que tem grande repercussão nos contratos: (i) Direito de alegação da exceção de contrato não
cumprido; (ii) A condenação ao cumprimento simultâneo de ambas as prestações; (iii) Existência de
efeitos que se produzem para ambas as partes em caso de descumprimento da obrigação (como é o
caso da mora recíproca ou bilateral).
Por outra parte, nem sempre as relações sociais geradoras de obrigações se matizam das fontes
principais autorizadoras de tais fatos. Bem por isso, há um gama de relações sociais que não
derivam do ambiente polarizado do contrato ou do delito (fontes obrigacionais clássicas por
excelência); a estas outras relações sociais se denominou especialmente relações contratuais de
fato ou relações paracontratuais, conforme preferiu Antonio Junqueira de Azevedo. Não haveria
como chamar a estas relações de relações negociais, uma vez que o elemento volitivo gerador do
consenso não se encontrava presente. Günther Haupt e Karl Larenz, entre outros, foram precursores
na tentativa de definir concepções que valessem para esses casos, buscando, neles, uma espécie
de denominador comum que permitisse emprestar, a todos, uma característica identificadora, e que
esclarecesse o fundamento da sua obrigatoriedade. Debateu-se a doutrina, em diversas tentativas e
vários modelos conceptivos. De toda a sorte, relações assim existem e se colocam, no mais das
vezes, sob a consideração de um tratamento contratual, ainda que não tenham elementos, sequer
requisitos, que possam gerar um contrato.
Ainda que não correspondendo a um negócio jurídico, ou a um ato ilícito, a verdade é que tais
situações jurídicas paracontratuais, ou de fato, o sinalagma também se encontraria presente,
ocupando uma função que houvera sido mitigada pelo consentimento, outrora. Luis Renato Ferreira
da Silva desenvolveu estudos9 para buscar demonstrar que essa ideia da presença sinalagmática
nas relações paracontratuais era, efetivamente, uma concepção possível, dada a mitigação da
importância do sinalagma à face do consensualismo.
Essas múltiplas situações fáticas – que envolvem deslocamentos patrimoniais não justificados pela
existência de um contrato, nem pela ocorrência de um ato ilícito – têm sido tratadas como fontes de
obrigações, cujo fundamento se denomina de causa sinalagmática. O patrimônio que foi defasado
deve ser compensado, como acontece, dentro do princípio da reciprocidade, em qualquer relação
patrimonial; para a recomposição do patrimônio, descortina-se uma verdadeira relação obrigacional.
Verdadeiro “scambi senza accordo”, como se refere Natalino Irti, em artigo com este mesmo nome,
publicado na Rivista Trimestrale de Diritto e Procedura Civile, 1998-1, p. 347-364, essas relações
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diferenciadas requerem o esperado equilíbrio oriundo da reciprocidade, como meio de garantir a
justiça comutativa.10
2. A causa contratual e a legislação codificada
Tanto no Código Civil (LGL\2002\400) atual, quanto na codificação anterior, não se inseriu, entre os
pressupostos de existência e os requisitos de validade dos negócios jurídicos, a chamada causa
contratual, tornando-se a legislação pátria, para muitos analistas, uma legislação anticausalista.
Aliás, o próprio Clóvis Bevilaqua se opôs veementemente à inclusão da causa como condição de
validade dos atos jurídicos, conforme se referem os historiadores da antiga codificação, entre eles
Paulo Barbosa de Campos Filho.11
Assim, desde Clóvis Bevilaqua, certo segmento doutrinário entendeu que a causa representava uma
verdadeira inutilidade, como descreveu Serpa Lopes,12 entre outros. Ainda assim, apesar deste
declínio, a causa não deixou de figurar no Code, em França, instrumento legislativo este que
efetivamente havia consolidado a supremacia do consentimento. O mesmo aconteceu com o Codice
Civile, na Itália. Mas, mesmo à luz do Código Civil (LGL\2002\400) francês e do Código Civil
(LGL\2002\400) italiano, doutrinadores estrangeiros desses países também renegaram qualquer
proveito para a inserção deste elemento, naquelas codificações.
Ao que parece, este certo “desprestígio” que a função causalista adquiriu, à face do consentimento,
se fazia sentir de modo bastante evidente, tornando desimportante aquela função e fazendo parecer
que ela se havia tornado efetivamente inútil em seu papel justificador de relações negociais e
também de relações paracontratuais.
Francisco Amaral13 bem descreve esta dúplice maneira de se indagar o verdadeiro valor da causa,
destacando as posições dos pensadores causalistas que a assumem como elemento integrante dos
negócios jurídicos, e a dos anticausalistas, que a repudiam, nesse sentido. Mas, ele conclui a
respeito da importância de recepção do elemento causa, nas relações negociais, tendo em vista
vários problemas jurídicos que podem acontecer e que terão a sua provável solução apenas pela
análise da causa desses negócios, e oferece, como exemplos as situações relacionadas a negócios
jurídicosabstratos, à tipicidade dos contratos, à sua importância jurídica na declaração de vontade, à
simulação nos negócios jurídicos, à resolução dos contratos pelo descumprimento das obrigações,
entre outras situações.
De outra parte, não há como se desconsiderar a presença da causa no Código Civil (LGL\2002\400),
apenas pelo fato de ela não se encontrar elencada no art. 104. Sua presença no ordenamento se
registra como implícita, mormente no art. 62 (criação das fundações – causa donandi), no art. 69
(extinção das fundações – causa solvendi), no art. 564, I e II (hipóteses de não revogação de
doações por ingratidão – causa credendi), no mesmo art. 564, III (também hipótese de não
revogação de doações por ingratidão – causa indebiti), no art. 476 (exceção de contrato não
cumprido), entre vários outros dispositivos da legislação pátria.
3. A causa como elemento do negócio jurídico e as multiformes acepções da palavra
Trata-se de vocábulo com variações de sentido, para o contexto leigo de apreciação. Mas,
juridicamente falando, a palavra causa pode apresentar, quer por aqueles que a entendem
recepcionada pelo nosso sistema (os causalistas), como para aqueles que assim não entendem (os
anticausalistas), pelo menos uma tríplice participação de significados.
Assim, então, apresenta-se, por primeiro, a via que equipara causa a motivo, entendido este como o
fator interno, de natureza pessoal ou psicológica, que se externa como a razão pela qual
determinado negócio é concluído. Orlando Gomes descreve o motivo como sendo aquilo que leva
certa pessoa a participar de um determinado negócio, e que se apresenta como o fator subjetivo que
conduz o agente a manifestar sua vontade no sentido da concretização do negócio. Mas esclarece o
doutrinador que, sob este caráter, o motivo não traz, consigo, as características suficientes para se
dizer, dele, que é um dos elementos (pressupostos de existência ou requisitos de validade) do
próprio negócio. Não pertence a ele, enfim, pois que é anterior à própria convenção. Também
chamado de causa impulsiva, o motivo se expressa, então, por meio daquelas razões ocasionais e
ocultas que nos levam à prática de um determinado negócio, como, por exemplo, os motivos do
testador para escolher o modo de expressar a sua última vontade desta ou daquela maneira, assim
expressando seu desejo interno e operando o consequente endereçamento dos seus bens, para
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depois de sua morte.
Muitas vezes, sequer é do conhecimento do outro contratante – ou sequer tem relevância para ele –
a verdadeira razão, íntima e pessoalizada, pela qual o seu parceiro contratual realiza o negócio em
tela. Apesar disso, o Código Civil (LGL\2002\400) – que não inseriu a causa na listagem dos
elementos negociais –, curiosamente inseriu, nos art. 140 e 166, o falso motivo entre os vícios da
declaração de vontade (desde que expresso como razão determinante), e o motivo ilícito
determinante como indutor da nulidade do negócio jurídico.
Segundo Torquato Castro,14 se motivo é definido como o móvel psicológico externo ao ato, ou o
propósito ocasional e mediato que tem o agente ao assumir a obrigação, causa, a seu turno, disso
tudo difere, pois significa aquele escopo imediato que tem a virtude de informar o negócio jurídico,
garantindo-lhe a individualidade conceitual, entre outros negócios.
Assim, portanto, causa e motivo não são termos sinônimos para a teoria geral do negócio jurídico.
Mesmo porque, a reflexão contemporânea se reduz à conclusão de que a causa, nos dias atuais –
como assevera Antonio Junqueira Azevedo15 – é quem torna jurídico o negócio jurídico. Este é o
perfil mais próximo do que se tem denominado de causa sinalagmática dos negócios jurídicos, do
contrato, especialmente.
Além desta concepção de causa-motivo, inaceitável para os causalistas, por não se confundir motivo
com causa, como antes dito, outras concepções do vocábulo causa podem ser referidas, de acordo
com o que se extrai das formulações doutrinárias. Assim, então, a causa pode ser vista pelo seu
sentido subjetivo e também pelo seu sentido objetivo.
Em seu sentido subjetivo, causa traduz o fim desejado pelos contratantes. O consentimento, como
fato gerador da própria formação contratual – externado pela junção das vontades em um acordo
capaz de fazer nascer o contrato – passa a ter um sentido mais abrangente, mais complexo, se
houver a definição, pelas partes contratantes, do verdadeiro fim da conclusão daquele negócio.
A teoria subjetivista, também chamada de teoria psicológica, é derivada do pensamento de grandes
juristas franceses, entre eles Domat e Pothier, aos quais se atribui, em princípio, a paternidade do
Código de Napoleão, conforme descreve Custódio da Piedade Ubaldino Miranda,16 esclarecendo
tratar-se de teoria que bem distingue o simples motivo (aquelas representações psicológicas próprias
de cada pessoa, aquelas razões do espírito que as levam a contratar), do fim típico de cada negócio
(próprio dele, sempre igual, impessoal, e que se encontra em todos os contratos iguais àquele). Este
fim típico e próximo, sempre constante nos negócios jurídicos é que se denomina causa. E assim, se
alguém pretende vender um de seus imóveis, os seus motivos remotos podem ser vários, como, por
exemplo, fazer caixa para a aquisição de outro imóvel melhor, ou para organizar uma festa de
casamento de sua filha, ou para realizar um tratamento de saúde. Esses motivos não pertencem
propriamente ao negócio jurídico em questão, vale dizer, a compra e venda. Mas a causa do negócio
é a obtenção do preço da venda, a coroar a transmissão do domínio.
Henri Capitant, em sua obra “De la cause des obligations”,17 registra que o fim faz parte integrante da
manifestação de vontade criadora da obrigação. Pode-se dizer que o fim é elemento obrigacional
essencial, uma vez que o ato de vontade se compõe de dois elementos principais: primeiro, o próprio
consentimento, que se traduz naquela vontade de realizar o negócio; em seguida, a consideração do
fim que diz respeito àquele acordo. Esta é a posição que teve maior prestígio na França e aproxima
a causa desta concepção de fim ou finalidade, que é justamente a razão pela qual os contratantes
estabeleceram o negócio jurídico.
Jacques Ghestin,18 citado por Paulo Lôbo,19 escreve que a causa é o porquê da obrigação, aquilo
que a explica; pode ser entendida sob dois significados distintos, o primeiro como causa eficiente,
isto é, como fato gerador da obrigação; o segundo, como causa final, isto é, o fim perseguido pelos
que se vinculam.
Torquato Castro20 descreveu que, nesse sentido, a causa é o fim a que se propõe o agente, o
escopo em vista do qual o efeito é procurado. Com isso ele demonstrou que nenhuma ação humana
ocorre senão em função de um determinado fim, derivado da razão, a qual, por sua vez, faz derivar a
vontade que promoverá a concreção daquele negócio jurídico em tela. Por um lado, complementa o
autor, o fim é a causa, porque move o agente à operação. O fim governa a atividade humana, e a
conduz aos meios que permitirão a realização do negócio. Por outro lado, ainda, o fim que orientou a
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ação é, também, esta realidade última à qual o agente tende. Nesse caso, o fim designa o efeito do
negócio, a razão de ser de sua atividade.
O autor tem visão específica a respeito da causa, mencionando que ela nunca foi excluída do direito
brasileiro e tem esta correspondência à causa final, conforme a clássica filosofia aristotélica, vale
dizer, é a função que o negócio jurídico tende a realizar.
Torquato Castro encerra expondo a influência recíproca ou interdependências das causas: o agente
é a causa (eficiente) do fim, e o fim é a causa (final) da ação do agente. Em outras palavras, o
agente é a causa do fim, enquanto ele o realiza e obtém; e o fim é a causa da ação do agente,
porque é a razão de ser desta.21
Já no sentido objetivo,para causalistas como Betti, a causa se expõe como a função
econômico-social que o contrato exerce, afastando a atribuição finalística subjetiva, para incorporar o
cunho objetivo desta atribuição de fim econômico, decorrente do próprio ordenamento jurídico e não
mais das partes, elas mesmas. Aliás, as partes passam a aceitar o fim econômico-social que é
reconhecido e aceito pelo próprio ordenamento.
Também chamada de causa final, esta causa é aquilo para o que o efeito se produz, dizendo-se por
isso, dela, ser a causa das causas. E, embora guardando traços de grande proximidade com a
chama causa eficiente, ela diferem, porque a causa final é a que exprime a direção da vontade na
produção dos efeitos jurídicos, enquanto que a causa eficiente é aquela que, por sua ação física,
produz esses mesmos efeitos, ou produz eficientemente os resultados.
Por força da autonomia privada, os contratantes podem acolher os tipos contratuais já descritos em
lei, bem como podem construir outros modelos novos e atípicos que, no entanto, não estarão
desprovidos de causa, eis que expressam outros conteúdos econômicos para aquela mesma função.
No seguinte passo, caberia a análise da causa como origem da obrigação, quando então, o percurso
não será aquele que se volta para o fim a ser atingido, mas prende-se a uma concepção relativa à
origem, à fonte de uma obrigação. Ou, como bem expressa Antonio Junqueira Azevedo,22a causa é a
última na consecução, mas é a primeira na concepção, desempenhando um papel explicativo do
passado do ato, mas que justifica o seu futuro. Está presente, então, esta aparente ambiguidade do
papel da causa, funcionando ora como fonte, ora como fim. Quer dizer, mais que evidenciar o fim
colimado, a causa volta-se para o passado, à gênese, com o intuito, até mesmo, de justificar o futuro,
como disse o jurista. Segundo esta acepção, a palavra causa não resta correlata apenas ao contrato,
mas senão, também e antes, à própria obrigação em seu sentido mais amplo, além dos horizontes
da obrigação contratual.
Antonio Junqueira de Azevedo23 ainda reconhece a causa como razão da juridicidade de certos atos,
e também como razão de manutenção da juridicidade destes mesmos atos, indagando o porquê de
determinadas fontes terem sido reconhecidas como geradoras de obrigação. Por este ângulo, não há
como reconhecer uma obrigação que não tenha uma causa, eis que esta representa o próprio
reconhecimento social daquilo que é jurídico, como diz o saudoso jurista – e reafirmando o que ele
registrou –, que é a causa que torna jurídico o negócio jurídico. Mas, mais do que isso, a causa, além
de fazer nascer a obrigação, também é responsável pela sua manutenção, levando-a ao plano
derradeiro de sua eficácia, isto é, permitindo a realização dos efeitos jurídicos que dela se espera.
Neste plano se aviva o maior papel e a maior importância da causa, isto é, o específico
deslocamento patrimonial, em virtude de ser a causa ou credendi, ou solvendi ou donandi. É esta a
chamada causa sinalagmática das obrigações que se contém em um negócio jurídico ou mesmo em
uma relação paracontratual, como já mencionado, anteriormente.
A causa, então, é que justifica a prestação e a contraprestação, ou seja, o deslocamento patrimonial,
uma vez que, se ela não é elemento do contrato (pressuposto de existência ou requisito de validade),
pode opor-se como fator de eficácia, especialmente quando atua no sentido de admitir a geração
dessas relações não contratuais, ou contratuais ex facto, ou paracontratuais, como se disse, nas
quais se dê a reciprocidade das prestações. Vale dizer: a mesma estrutura que a causa desempenha
nos contratos, pode ser encontrada nesse outro modelo de relações, justificando a sua juridicidade.
Essa noção de sinalagma (reciprocidade de prestações) existente na causa sinalagmática justifica,
ainda, tanto a manutenção de relações contratuais propriamente ditas e originadas pelo consenso,
sempre que o sinalagma permanecer presente na fase funcional, como também pode significar a
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mitigação desta relação se o sinalagma desaparecer, ao longo da execução do contrato. Isso ocorre
exatamente porque causa sinalagmática revela ser um alargamento das fontes das obrigações, em
respeito à recomposição dos deslocamentos patrimoniais.
Se o consentimento é o motor de juridicidade nos contratos, é preciso anotar que subjaz uma
justificativa de deslocamentos patrimoniais, que cumpre funções próprias na vida contratual,
admitindo a projeção do conceito de causa para a fase de execução do contrato, explicando a
manutenção (ou não) da eficácia obrigatória do contrato, pelo viés da causa. O mesmo se dá, como
mencionado antes, nas situações em que esteja ausente o consentimento, mas presente a causa
sinalagmática, que se expressam como relações paracontratuais, vale dizer, as que admitem os
efeitos do tipo contratual, sem que contrato haja.
4. A causa na concepção de Pontes de Miranda
Este autor adota a corrente germânica de estudo da causa, identificando-a com a atribuição
patrimonial. Ele diz:
“A causa é a função que o sistema jurídico reconhece a determinado tipo de ato jurídico, função que
o situa no mundo jurídico, traçando-lhe e precisando-lhe a eficácia” (destaque nosso).24
De acordo com a posição do ilustre autor, entendendo causa como sinônimo de função do negócio
jurídico, não seria possível explicar a existência de negócios jurídicos abstratos, pois reconhecê-los
implicaria admitir a existência de negócios desprovidos de função.
“A causa refere-se à atribuição. Tantos tipos de atribuição, tantas causas. A causa só diz respeito à
atribuição, e a atribuição é a mesma na compra e venda, na troca, na locação e na transação.”
Assim prossegue Pontes de Miranda, e dentro desta visão, entende-se causa como título de
atribuição. Quer dizer, ao se desvendar o título de atribuição, desvendada estará a causa. O jurista
prossegue no raciocínio instigando o estudioso da seguinte maneira:
“Pense-se no que é a atribuição, no que é comum à operação de transferir, pessoal ou realmente, de
um patrimônio a outro. Quando se fala de negócio jurídico causal, alude-se a esse substrato de que
se pode – se a lei o permite – abstrair, ou de que se abstrai – se a lei o estatui.”
O autor quer com isso dizer que sempre há causa na atribuição, desde que a lei não tenha permitido,
ou não tenha estabelecido, ela mesma, a abstração. Por isso, se a lei permite ou estabelece a
abstração, significa que o negócio se torna abstrato, e significa, por isso mesmo, que o suporte fático
daquele negócio expeliu, de si, a causa.
Pontes de Miranda, então, parece cingir a função (no sentido de utilidade) da causa à determinação
do regime jurídico incidente sobre cada espécie negocial. Em outras palavras, desvendando-se a
causa, desvenda-se, também, o título da atribuição patrimonial e, uma vez estabelecido este,
sabe-se qual o regime jurídico que incidirá sobre a espécie. Assim, por exemplo, verifica-se que, em
uma dada relação negocial, apresentou-se uma causa donandi. A conclusão daí decorrente indica
que o título de atribuição foi uma liberalidade. Conseguintemente – e entre um sem-número de
outras decorrências – apontar-se-á que o negócio jurídico em questão – por ser benéfico ou gratuito,
e por onerar apenas uma das partes, beneficiando a outra – deverá ser interpretado estritamente
(art. 114 do CC/2002 (LGL\2002\400)), não incidindo, portanto, nessas situações, o regime dos vícios
redibitórios e da evicção etc.
A própria Súmula 145, de 1995, do STJ, a respeito de transporte de cortesia e responsabilidade civil
por danos causados ao transportado, dispõe nesse sentido de interpretação restritiva de liberalidade,
quando anuncia que “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será
civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa
grave”.
Pontes de Mirandaanuncia corretamente que:
“A causa nunca é convencional; pensou-se ser legal: mas com isso se daria pouco caso à natureza
das coisas; a causa credendi, a causa solvendi e a causa donandi são tão cheias de ‘jecto’, de dado
experiencial, quanto os números um, dois, três, a casa, o parque a estrela.”
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Já no que diz respeito à diferenciação existente entre causa e motivo, o autor também as descreve
como inconfundíveis, uma vez que o motivo decorre da vontade humana (ainda que positivada em
lei) e a causa decorre da natureza das coisas – mais ou menos correspondendo ao que Antonio
Junqueira de Azevedo chama de justo natural em oposição ao justo positivo.
Já a noção de fim, segundo Pontes de Miranda, requer cuidado suficiente, pois que se trata de
concepção abrangente dos conceitos de causa e motivo. Ele também esclarece que o fim deverá ser
entendido como motivo quando for empregado para conotar o móvel psicológico do negócio jurídico
– ainda que externalizado e elevado à razão determinante, conforme a dicção do art. 140 do
CC/2002 (LGL\2002\400). Mas o fim, por outra parte, deverá ser entendido como causa quando
conotar o título de atribuição, isto é, explicitando o porquê daquele deslocamento patrimonial. Assim,
numa doação o móvel psicológico poderá ser a intenção interna, do doador, de agradar a alguém,
quer seja o donatário, quer seja pessoa a ele relacionada; mas, o título de atribuição desta doação
será exatamente a causa donandi. E o autor conclui dizendo:
“Elevar-se o motivo, relevante por lei ou pela convenção, à categoria de causa é misturar-se ao que
concerne à natureza das coisas o que só deriva da vontade humana, ainda mais se se confundir
causa com o fim, que abrange causa e motivo.”
Ele relaciona, portanto, causa e efeito da atribuição, descrevendo a importância da causa quando é
preciso desvendar qual é o negócio jurídico em tela, do qual a atribuição é efeito. E assim,
desvendando-se a causa, saber-se-á qual foi a atribuição, e saber-se-á que a esta atribuição
correspondem regras jurídicas comuns, ao lado de regras específicas, próprias àquele negócio em
particular e que não são concernentes à atribuição em si mesma.
Pontes de Miranda produz, ainda interessante desenvolvimento acerca das espécies de causa,
arrolando três espécies delas: causa credendi, causa solvendi e causa donandi.
Quanto à causa credendi, Pontes de Miranda prefere chamá-la causa constituendi, acolhendo a
crítica de certo segmento doutrinário alemão, tanto no que diz respeito ao nome dado e ao conceito
exarado, uma vez que, sob a epígrafe de causa credendi, não se constituem apenas créditos, razão
pela qual, segundo ele, melhor seria chamá-la de causa constituendi.
Pontes de Miranda, escreve:
“Se, como equivalência do que se decresce ao seu patrimônio, o outorgante há de obter do
outorgado direito, pretensão, ação, ou exceção, ou outro bem da vida, a causa diz-se causa
credendi. No mútuo, A dá X a B e B fica a lhe dever X (A é credor de X).”
Quanto à causa solvendi, Pontes de Miranda vem justamente mostrar porque é um jurista
insuperável, quando separa o ôntico do deôntico. No plano do dever ser, a causa solvendi é sempre
e necessariamente posterior à atribuição, pois seria absurdo lógico imaginar solvabilidade do que
ainda não está constituído. No entanto, no plano do ser essa correlação é prescindível, como por
exemplo, a possibilidade de se pagar, antecipadamente, dívida futura.
“A prestação de garantia também supõe relação jurídica logicamente posterius, entre o que presta e
o que é credor, ou entre o credor e outrem a favor de quem se presta. Num e noutro caso, embora se
trate de segurança (que não deixa de ser atribuição), a causa é solvendi, salvo se se quer criar
causa à parte, estreitando-se o conceito de causa solvendi. Não há por onde se negar que o dador
de garantia pignoratícia, hipotecária, anticrética, ou de fiança, pratica ato com causa solvendi.”
Por esta referência, observa-se com facilidade a grande importância do estudo da causa. Vale dizer,
ao se analisar o contrato de seguro e o contrato de garantia, se verifica que ambos trazem uma
atribuição de segurança. Não obstante, as causas de atribuição (sua razão jurídica de ser) são
diversas e inconfundíveis. No contrato de seguro, a causa é credendi (o contrato é do tipo do ut des);
já no contrato de garantia, a causa é, sob esta visão ponteana, solvendi. Daí sofrerem a incidência
de regimes jurídicos tão distintos.
Quanto à causa donandi, que se encontra nos negócios jurídicos benéfico, como a doação, o
testamento, entre outros, o autor se refere ao fato de que ela:
“(…) supõe que nem se crie crédito a favor de alguém, nem se solva dívida. Só um dá, sem outra
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causa que a de inserir bem da vida no patrimônio de outrem. A unilateralidade do sacrifício, através
do tempo, faz ressaltar que só se quis o enriquecimento de outrem, o que permite, sem impor, que
se defina de modo negativo a causa donandi. Qualquer atribuição patrimonial, e não só a doação
tem essa causa. Se A paga dívida de B, sem que tenha qualquer intuito de sub-rogar-se, ou de
reembolsar-se, ‘doou’ em sentido largo, posto que não tenha doado, no sentido de doação de coisa.
Se A emite quitação, sem ter recebido o dinheiro prometido, ou simula, a causa é donandi.”
Em suma, é possível dizer, com Pontes de Miranda, que a causa é o título de atribuição patrimonial,
ou como ele mesmo diz, Tantas forem as atribuições patrimoniais, tantas serão as causas.
5. A causa na concepção de Antonio Junqueira de Azevedo
Antonio Junqueira de Azevedo, saudoso professor titular destas Arcadas, traz interessantíssima
contribuição ao estudo da causa, optando por relacionar, sem confundi-los, o que ele chama de
elementos inderrogáveis dos negócios jurídicos com a causa desses mesmos negócios. Ele pondera,
acertadamente, que os elementos intrínsecos a toda declaração negocial são as circunstâncias
negociais, vale dizer, o objeto e a forma, que caracterizam a essência de todo negócio jurídico.
Pelo fato, então, de as circunstâncias negociais serem como que um elemento sem o qual sequer há
negócio jurídico, as variações de tipo para tipo de negócio dever-se-ão à forma e ao objeto. Assim,
para ele, há negócios jurídicos que se caracterizam pela forma, e negócios jurídicos que se
caracterizam pelo objeto.
Os negócios jurídicos cuja caracterização típica se dá pela forma são chamados de abstratos;
aqueles outros, cuja caracterização típica se dá pelo objeto, causais.
A consequência é que, se num negócio causal solene, houver preterição da forma haverá nulidade;
enquanto que a falta de forma no negócio abstrato o tornará inexistente como aquele negócio. Desta
forma, nos negócios abstratos o elemento categorial inderrogável é a forma; nos causais, o objeto.
Junqueira considera, então, que é o elemento categorial inderrogável que determina a caracterização
do tipo do negócio jurídico, e não a causa. É ele, e não a causa, que fixa o regime jurídico a que o
negócio obedece.
Ao tratar da relação entre elemento categorial inderrogável e a causa, o autor assevera que não há
confusão possível, tamanho o distanciamento entre as figuras, vale dizer, entre elemento categorial
inderrogável próprio dos negócios abstratos (a forma) e a causa.
Contudo, no que diz respeito à relação existente entre elemento categorial inderrogável objetivo (o
objeto típico) e a causa, a questão se torna mais complexa, até mesmo porque, como ele bem
sublinha, de um e de outro se costuma dizer servir para fixar o tipo de negócio, muito embora não
desconsidere a sensível distinção entre o objeto típico e a causa.
Antonio Junqueira de Azevedo, com lucidez típica dos que se preocupam com a lógica, assevera que
a distinção entre ambos (objeto típico e causa) é evidente. E escreve:
“A causa é fato externo ao negócio, mas que o justifica do ponto de vista socialjurídico, enquanto o
elemento categorial objetivo é justamente a referência que se faz a esse fato, no próprio conteúdo do
negócio. Por outras palavras, o elemento categorial objetivo faz parte, isto é, é integrante da
estrutura do negócio, e a causa, não. O elemento categorial objetivo consiste numa referência à
causa, a qual está, porém, fora do negócio (ela está, logicamente, ou antes ou depois, mas não no
negócio; ela é extrínseca à sua constituição).”
Desta forma, fica bem esclarecido o papel e a posição de cada um, elemento categorial objetivo
inderrogável e causa. Aquele é intrínseco ao próprio negócio e, como tal, conforma-se nas
circunstâncias negociais (objeto e forma) que justamente caracterizam a essência de todo negócio
jurídico, apontando a variação de tipo negocial para tipo negocial. É, então, o elemento categorial
inderrogável que determina a caracterização do tipo do negócio jurídico, e não a causa.
Assim, para Antonio Junqueira de Azevedo, há negócios jurídicos que se caracterizam pela forma e
negócios jurídicos que se caracterizam pelo objeto. Os negócios jurídicos cuja caracterização típica
se dá pela forma são chamados de abstratos; os cuja caracterização típica se dá pelo objeto, são
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chamados de causais.
A consequência imediata desta caracterização típica é que, se num negócio causal solene, houver
preterição da forma haverá nulidade; enquanto que a falta de forma no negócio abstrato o tornará
inexistente como aquele negócio.
O jurista prossegue, registrando com extrema clareza que:
“Se tomarmos como objeto de reflexão a compra e venda e se aceitarmos que ela se caracteriza
pelo consenso em trocar uma coisa por certo preço, verificaremos que, em princípio, isto é, nas
hipóteses normais, não há necessidade da distinção que fizemos, entre elemento categorial, a
integrar o objeto, e causa, definida, conforme geralmente se faz, como função prático-social do
negócio, ou como função econômico-social; pois haverá total correspondência entre ambos. Todavia,
nada impede que se use a compra e venda, já não mais com a finalidade de circulação de bens, mas
como função diversa, por exemplo, com escopo de garantia, como acontece na compra e venda com
pacto de retrovenda. Aí muda a função, e se realmente fosse esta que determinasse diretamente o
tipo do negócio e respectivamente o regime jurídico, estes também mudariam. Tal, porém, não
ocorre, nem nesse caso (o negócio, ainda que a função seja outra, continua a ser compra e venda),
nem em todas as outras hipóteses de negócio indireto, justamente porque é o elemento categorial
inderrogável, e não a função, que fixa o tipo e o regime jurídico de cada negócio.”
O elemento categorial inderrogável, e não a causa – como já se disse –, é que fixa o tipo e,
consequentemente, o regime jurídico incidente sobre o negócio.
Na sequência de suas lições, Antonio Junqueira de Azevedo passa a tratar do papel da causa nos
negócios jurídicos. Para ele, a causa pode ser pressuposta ou final. Todo negócio jurídico tem causa
final, entendida esta como o fim a que tende o negócio jurídico; no entanto, apenas alguns negócios
apresentam aquilo que ele denomina de causa pressuposta.
Ele assim descreve:
“Nos contratos bilaterais, o elemento categorial inderrogável consiste em se convencionar a
prestação como causa da contraprestação e vice-versa (e a causa consiste, naturalmente, na dupla
realização da prestação e da contraprestação). Segue-se daí que, uma vez formado o contrato
bilateral (plano da existência) e se for válido (plano da validade), o não cumprimento posterior da
prestação (falta da causa referida na sua constituição) autoriza a resolução, evitando que a parte
inocente seja obrigada a cumprir a sua prestação, que se tornou sem causa.”
Trata-se das hipóteses de exceção do contrato não cumprido – exceptio non adimpleti contractus –,
que diz respeito a uma exceção de direito material que autoriza, em um contrato sinalagmático, que
nenhuma das partes esteja obrigada a prestar antes que a outra parte o faça. Esta exceptio só pode
acontecer em contratos bilaterais, por conta de seu caráter sinalagmático, justamente, isto é, a
reciprocidade de obrigações, por meio de um do ut des, ou de um do ut facias, ou de um facio ut
facias, ou, ainda, de um facio ut facias. Ou mesmo da combinação multifacetária destas obrigações,
mas sempre num sentido de reciprocidade.
Discute-se se esta exceptio poderia ocorrer nos chamados contratos bilaterais imperfeitos, nos quais,
ao tempo de sua formação, haja unilateralidade de prestação, mas que, na sua fase de execução,
uma prestação se apresente para aquele dos contratantes que estivesse livre de qualquer obrigação.
Mas a melhor doutrina e jurisprudência afastam esta possibilidade, pois o chamado contrato bilateral
imperfeito não deixa de ser um contrato unilateral, eis que assim se fez no momento de sua
conclusão.
Mas, Antonio Junqueira de Azevedo registra um estágio mais amplificado, ao dizer:
“É claro, porém, que se o papel da causa (causa final) se limitasse aos contratos bilaterais, seria,
realmente, um bis in idem, isto é, uma explicação a mais para o mesmo fenômeno. Acontece,
entretanto, que a causa final não age somente quanto à eficácia dos contratos bilaterais, mas
também, quanto à eficácia de outros negócios jurídicos; ela é, assim uma explicação geral para os
casos de ineficácia superveniente de negócios causais com causa final. (…).”
Mas, quanto aos contratos bilaterais, já se entrevê que a sua característica principal, aos quais pode
ser deferida a exceptio, reside exatamente na figura da causa, fazendo com que o seu fim imediato
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se dirija à prestação do outro contratante, e assim reciprocamente quanto ao outro partícipe. Nos
contratos sinalagmáticos, então, a causa da obrigação de um dos contratantes é, justamente, o
cumprimento da obrigação pelo outro.
A chance de aplicação da exceptio non adimpleti contractus exige, ainda, do contrato, que haja
simultaneidade das obrigações contratuais. Contudo, se esta simultaneidade não for perfeita, e se
um dos contratantes deva prestar, por primeiro, não poderá esquivar-se de fazê-lo, pela alegação da
exceptio, mas a reciprocidade nem por isso deixa de existir, mantendo-se a relação causal original. E
é por isso que a lei (arts. 476 e 477 do CC/2002 (LGL\2002\400)) prevê que, em atenção à
segurança contratual – e se aquele dos contratantes que deva prestar primeiro se sentir em
insegurança quanto à efetiva possibilidade de que o outro também cumpra a sua obrigação, por
razão de uma comprovada diminuição patrimonial que torne duvidoso o adimplemento – se recuse a
prestar, até que lhe sejam dadas garantias suficientes. Mas, nesses casos, observe-se, não se trata
de uma exceptio non adimpleti contractus, mas de outra exceção legalmente admitida, justamente
chamada de exceção de seguridade.
E, por último, a exceptio non adimpleti contractus, demanda que seja empregada com boa-fé, quer
dizer, a exceção não pode ser utilizada apenas como subterfúgio para não adimplir, mas deve, ao
contrário, ser invocada sempre que as circunstâncias forem relevantes. A exceção, então, deve ser
utilizada dentro do limite da utilidade, da razoabilidade e apenas quando for eficientemente
necessária.
E Antonio Junqueira de Azevedo conclui, então:
“Hoje é fato aceito com naturalidade que, em contratos muito difundidos, como a compra e venda, a
troca, a empreitada e a locação, prestação e contraprestação estejam normalmente como que
amarradas uma à outra. (…). O elemento categorial inderrogável dos contratos bilaterais é a
convenção pela qual a prestação de uma parte depende da execução da contraprestação da outra e
vice-versa. Se tal convenção não existe (como possivelmente ocorria no direito romano), não há
contrato bilateral (plano da existência). Se, porém, o contrato é bilateral, isto é, se a convençãosobre
o sinalagma funcional for feita (e isto hoje ocorre por força do próprio ordenamento em grande parte
dos contratos), quer venha a ocorrer a causa, quer não venha, já há contrato bilateral. Se a causa,
depois, vier a ocorrer, tollitur quaestio [suprimida a questão]; se não vier a ocorrer, dar-se-á a
resolução do contrato, mas, aí, já estamos no plano da eficácia. (…).”
Enfim, nos contratos sinalagmáticos, conforme o direito brasileiro, a causa funciona, na fase de
execução contratual, como fator de eficácia, estando, por isso, capacitada a explicar institutos como
a exceção do contrato não cumprido.
6. As relações contratuais de fato, ou paracontratuais, e a causa sinalagmática
Luiz Edson Fachin25 bem descreve este momento em que são encontradas relações humanas não
contratuais que repercutem na ordem jurídica, assim como o papel de atuação do Direito, em casos
tais. Ele escreve:
“A dinâmica é o movimento que gera sua própria vida e busca contemplar eventual transformação.
Tal circunstância se dá quando a regra não cobre mais com sua juridicidade positivada todas as
circunstâncias. Cogita-se, então, de relações contratuais de fato, para mostrar exatamente que há
determinadas relações das quais emergem efeitos jurídicos e que não correspondem a um dado
paradigma que foi tipificado ou codificado ao final desse processo de refinamento que a codificação
opera. Esses espaços de ‘não direito’ geram fatos que, em certos casos, acabam se impondo ao
jurídico, o que gera uma transformação naquilo que foi refinado pela ordem jurídica. Desta certa
mudança sem ruptura vem a nova ordem, e o ciclo produtivo das passagens se mantém. Lacunas
convertem-se em regras.”
O que se busca entender, nesse contexto, é a razão, pela qual, determinadas relações humanas
produzem consequências jurídicas das quais obrigações são geradas, considerando que estas
relações não decorrem das fontes tradicionais, quer dizer, do contrato ou do delito. Em outras
palavras, se busca esclarecer qual é o elemento comum que está presente nessas relações fáticas,
de modo a se retirar uma espécie de denominador comum que justifique a sua aplicação aos casos
concretos.
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Pioneiramente, atribui-se a Günther Haupt a pesquisa classificatória deste tipo de relações
paracontratuais, subdividindo-as em grupos distintos, cujos principais seriam:
(i) na hipótese da chamada responsabilidade pré-contratual derivada do incumprimento de deveres
de conduta concernentes à formação de um contrato, por exemplo, se visualizaria um contrato social
no qual não houve a participação da vontade humana, mas se enxergaria também a presença de
obrigações, oriundas da influência recíproca ocorrida nas esferas jurídicas de um e de outro dos
partícipes.
(ii) na hipótese de uma relação de trabalho de fato, ou de uma sociedade de fato, o elemento
confiança é que oportunizará o nascedouro de obrigações, em razão justamente desta esperança
que um partícipe deposita na cooperação prometida pelo outro partícipe.
No entanto, esta tentativa de justificação de geração de obrigações, encontrou oposição importante,
porque parece produzir uma contradição em si mesma, já que misturou ou mesclou relações
derivadas da vontade com relações de derivação meramente fática. Por isso, pensadores como Karl
Larenz, que havia aceito, em princípio, as classificações de Günther Haupt, apontaram contradições
também de nomenclatura e preferiram chamar estas relações de comportamentos socialmente
típicos, ao invés de relações contratuais de fato, porque não estaria, a situação, exatamente
relacionada a um fato, mas sim ao significado socialmente típico, conexo ao fato, vale dizer, o
comportamento.
Outras teses foram levantadas, ainda, entre os juristas italianos, principalmente, e que tenderam a
denominações como comportamento legalmente tipificado, ou mesmo tenderam à ressurreição da
terminologia romana a respeito do chamado quase-contrato. No entanto, todas estas teses não
permaneceram sem críticas, quer pelas mesmas razões anteriormente mencionadas, quer pelo fato
da imprecisão, sempre apontada, da expressão quase-contrato.
Luis Renato Ferreira da Silva26 descreve que Alessandro Somma27 e Claus Wilhelm Canaris,28 entre
outros, têm proposto tese mais consentânea e aceita hodiernamente, tese esta que se direciona para
a teoria da confiança, com base na boa-fé. Segundo esses doutrinadores, o reconhecimento de
obrigações geradas por relações não contratuais derivaria de comportamentos baseados na
tipicidade social, nas concepções de tráfego e na boa-fé. É evidente que, ao se referir à boa-fé, o
que se intenta fazer emergir são aquelas situações em que esta base possa, efetivamente, ser
utilizada e bem demonstrada, não servindo, apenas, como um mero recurso de caráter genérico,
atuando como simples suporte de situações para as quais não se encontre – ou não se encontre
facilmente – outro fundamento para explicar a geração de obrigações.
Antonio Menezes Cordeiro29 também se manifesta acerca do uso indiscriminado do princípio da
boa-fé, para dizer que as relações contratuais de fato têm, em comum, a conexão entre duas ou
mais pessoas, por meio de uma dinâmica – diz ele – que pressupõe uma conjugação de esforços
que transcende o estrito âmbito individual.
Na verdade, quando se trata de relações contratuais de fato, a maior indagação se referirá ao fato de
se querer saber qual a causa de sua proteção, posto que a vontade não é a mola propulsora de sua
criação. Autores descrevem que ainda se permanece no ambiente da autonomia privada – porque a
reciprocidade de prestações assim o indica –, mas que, se está ausente a vontade, então a proteção
se consolida por meio da chamada causa sinalagmática, a saber, o deslocamento patrimonial que
opera no sentido de se exigir uma obrigação de prestar o correspectivo.
Luis Renato Ferreira da Silva30 bem descreve este quadro, ao dizer que:
“A relação obrigacional surge da reciprocidade de atuação. Não necessariamente uma atuação
movida por um comportamento subjetivo, mas uma atuação negocial, objetivamente considerada
pelo deslocamento patrimonial.”
O elemento causal, portanto, predomina em situações paracontratuais, assumindo o lugar e o posto
de destaque que, em negócios jurídicos propriamente ditos, estariam sendo ocupadas pela matriz
volitiva. Se há transposição, atual ou potencial, de vantagens para o patrimônio alheio, haverá
também a exigência de um correspectivo, atual ou potencial, incumbido à parte que daquelas
vantagens se beneficiou, independentemente de anterior manifestação de vontade.
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A ideia de causa sinalagmática está, portanto, acolhida no ordenamento positivo, como verdadeira
fonte de obrigações, eis que o vínculo é reconhecido justamente a partir do sinalagma,
independentemente de ser paracontratual a relação em exame. E o fato gerador desta
vinculatividade é o deslocamento patrimonial originário, que importa na reciprocidade patrimonial
correspectiva, por parte do outro, graças à noção do que seja esta causa sinalagmática.
Trata-se, então, de uma recuperação do valor grego acerca do sinalagma, que, se perdeu forças, na
ambiência contratual, para a atividade volitiva, renasce com desempenho de significativo papel, nas
relações paracontratuais.
Esta mesma causa sinalagmática, que no contrato serve como elemento de equilíbrio nas
prestações, nas relações paracontratuais opera como o fato gerador da própria obrigação.
Encerro com o pensamento aristotélico acerca de causa sinalagmática, noção presente quer nas
relações voluntárias, quanto nas involuntárias, pois em ambas sempre estaria presente, como
pensou Aristóteles:
“Un changement essentiel dans la situation de l’une des deux personnes entre lequelles il se produit,
cést-à-dire dans son avoir de biens conditionnant son bonheur, et en même temps un changement
essenciel en sens inverse dansla situation respective de l’autre personne.”31–32
1 Prova de erudição para o concurso de Professor Titular do Departamento de Direito Civil, da
Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco), em 30.09.2010.
2 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Versión española y notas de Jaime Santos Briz. Madrid:
Revista de Derecho Privado, 1958. t. I, p. 19-20.
3 HEDEMANN, J. W. Derecho de obligaciones. Tradución de la última edición alemana com notas de
Derecho español por Jaime Santos Briz. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1958. p. 102.
4 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. IV. L’obbilgazione. Milano: Giuffré, Ristampa Aggiornata, 1993.
p. 45.
5 ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral. 10. ed., 3. reimp. Coimbra:
Almedina, 2005. vol. I, p. 64-65.
6 GOMES, Orlando. Direito das obrigações. 11. ed. rev. e atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio
de Janeiro: Forense, 1997. p. 13.
7 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. 1., p. 72.
8 HEDEMANN, J. W., op. loc. cit.
9 Este autor escreveu uma tese de doutoramento, sob a orientação de Antonio Junqueira de
Azevedo, que defendeu junto à Faculdade de Direito da USP, em 2001, denominada, A noção de
sinalagma nas relações contratuais e paracontratuais (uma análise à luz da teoria da causa).
10 São as palavras finais que encerram a tese de doutorado referida em nota imediatamente
anterior.
11 O problema da causa no Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1946.
Nesta obra, o autor relata que a posição de Clóvis Bevilaqua, que acompanhava a posição de
Theophile Huc, entendia que a causa não passava de um “qui pro quo filológico”.
12 Curso de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Ed., 1988. vol. I, p. 429.
13 Direito civil: introdução. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, especialmente o Capítulo XII –
Elementos do Negócio Jurídico, itens 13, 14 e 15, p. 423-430.
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14 Da causa no contrato. Recife: Imprensa Universitária da Universidade Federal de Pernambuco,
1966.
15 Negócio jurídico e declaração negocial – Noções gerais e formação da declaração negocial. Tese
para o concurso de Professor Titular de Direito Civil, São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 1986.
16 Teoria geral do negócio jurídico. São Paulo: Atlas, 1991.
17 CAPITANT, H. De la cause des obligations. 3. ed. Paris: Librairie Dalloz, 1927. p. 19.
18 Traité de droit civil: la formation du contrat. 3. ed. Paris: LGDJ, 1993. p. 819.
19 Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 30-32.
20 Da causa no contrato. Recife: Imprensa Universitária da Universidade Federal de Pernambuco,
1966. Especialmente p. 8-9.
21 Idem, ibidem.
22 Negócio jurídico e declaração negocial – Noções gerais e formação da declaração negocial. Tese
para o concurso de Professor Titular de Direito Civil. São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 1986.
E, também, na obra Negócio jurídico. Existência, validade e eficácia. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1986.
23 Idem, ibidem.
24 Tratado de direito privado – Parte geral. 3. ed. Borsoi: Rio de Janeiro, 1970. t. III, § 262.
25 Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 268.
26 A noção de sinalagma nas relações contratuais e paracontratuais (uma análise à luz da teoria da
causa). Tese de Doutoramento. São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 2001, sob a orientação de
Antonio Junqueira de Azevedo (v. nota de rodapé 8).
27 Autonomia Privata e Struttura del Consenso Contrattuale – Aspetti Storico – Comparativi di uma
Vicenda Contrattuale. Milão: A. Giuffrè Editore, 2000. p. 401.
28 Citado por Carlos Ferreira de Almeida, Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico. Coimbra:
Almedina, 1992. vol I, p. 38.
29 Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1948. vol. I, p. 560.
30 A noção de sinalagma nas relações contratuais e paracontratuais (uma análise à luz da teoria da
causa). Tese de Doutoramento. São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 2001, sob a orientação de
Antonio Junqueira de Azevedo.
31 Conforme Constantin Despotopoulos, La notion de synallagma chez Aristoteles, Archives de
Philopsophie du Droit, n. 13, p. 119, citado por Luis Renato Ferreira da Silva, A noção de sinalagma
nas relações contratuais e paracontratuais (uma análise à luz da teoria da causa). Tese de
Doutoramento. São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 2001, sob a orientação de Antonio
Junqueira de Azevedo.
32 “Uma mudança essencial na situação de uma das duas pessoas entre as quais ela se produz, isto
é, em ter bens que condicionam sua felicidade, e, ao mesmo tempo, uma mudança essencial no
sentido inverso, na situação respectiva da outra pessoa” (trad. nossa).
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O SINALAGMA CONTRATUAL
A chamada causa dos contratos: relações contratuais de fato
Revista de Direito do Consumidor | vol. 93/2014 | p. 209 - 228 | Mai - Jun / 2014
DTR\2014\2106
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
Doutora e Livre Docente pela Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco). Professora Titular
do Departamento Civil da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco). Coordenadora Titular
do Programa de Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - Fadisp.
Ex-Procuradora Federal.
Área do Direito: Civil
Resumo: Tanto no Código Civil atual, quanto na codificação anterior, não se inseriu, entre os
pressupostos de existência e os requisitos de validade dos negócios jurídicos, a chamada causa
contratual, tornando-se a legislação pátria, para muitos analistas, uma legislação anticausalista.
Predominou a ideia da suficiência do consensualismo e a ausência de qualquer menção à causa no
art. 104 do CC/2002 pareceu mostrar que a causalidade do negócio jurídico poderia ser mesmo uma
inutilidade. No entanto, esta conclusão não passou de um mero engano dos estudiosos, vez que a
presença da causa, no ordenamento, se registra como implícita, mormente no art. 62 (criação das
fundações - causa donandi), no art. 69 (extinção das fundações - causa solvendi), no art. 564, I e II
(hipóteses de não revogação de doações por ingratidão - causa credendi), no mesmo art. 564, III
(também hipótese de não revogação de doações por ingratidão - causa indebiti), no art. 476
(exceção de contrato não cumprido), entre vários outros dispositivos da legislação pátria. O presente
estudo visa mostrar que a ideia de causa sinalagmática está, portanto, acolhida no ordenamento
positivo, como verdadeira fonte de obrigações, eis que o vínculo é reconhecido justamente a partir do
sinalagma, independentemente de ser paracontratual a relação em exame. E o fato gerador desta
vinculatividade é o deslocamento patrimonial originário, que importa na reciprocidade patrimonial
correspectiva, por parte do outro, graças à noção do que seja esta causa sinalagmática.
Palavras-chave: Sinalagma - Causa sinalagmática - Relações contratuais de fato - Relações
paracontratuais - Consensualismo - Causa contratual.
Riassunto: Tant le Code civil actuel, comme dans le code précédent, pas inséré entre les
hypothèses de l'existence et les exigences de validité des actes juridiques, la cause contractual, de
devenir la loi du pays, pour de nombreux analystes, une législation anticausalista. Idée prédominante
de la suffisance consensualisme et l'absence de toute mention de la cause dans art. 104 CC
semblent montrer que la causalité de la transaction pourrait être encore inutile. Toutefois, cette
conclusion n'était qu'une simple erreur de chercheurs, puisque la présence de la cause est implicites,
en particulier dans l'art. 62 (création de fondations - la cause donandi), dans l'art. 69 (extinction des
fondations - la cause solvendi), dans l'art. 564, I et II (hypothèse de la non révocation de donations
pour ingratitude - la cause indebiti), dans le même article 564, III (également hypothèse de l'absence
de révocation de donationspour ingratitude), dans l'art. 476 (pas rempli contrat), parmi plusieurs
autres dispositifs de la législation. La présente étude vise à montrer que l'idée de cause
synallagmatique est reçu par l'ordre positif, comme la vraie source d'obligations, voici, le lien est
reconnu à titre de synallagma, même si paracontratual la relation en question. Et le fait générateur de
cet lien est le déplacement patrimonial originaire, ce qui compte dans les réciprocité patrimonial
correspectiva, grâce à la notion de ce qui est cette cause synallagmatique.
Parole chiave: Synallagma - Cause synallagmatique - Relations contractuelles de facto - Relations
paracontractuelles consensualisme - Cause contractuelle.
Sumário:
- 1.Primeiras palavras: o sinalagma contratual e a estrutura obrigacional como relação complexa -
2.A causa contratual e a legislação codificada - 3.A causa como elemento do negócio jurídico e as
multiformes acepções da palavra - 4.A causa na concepção de Pontes de Miranda - 5.A causa na
concepção de Antonio Junqueira de Azevedo - 6.As relações contratuais de fato, ou paracontratuais,
e a causa sinalagmática
Recebido em 25.08.2013
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Aceito mediante convite
1. Primeiras palavras: o sinalagma contratual e a estrutura obrigacional como relação
complexa
A presente aula1 se desenvolverá no sentido da evolução da noção do sinalagma contratual tendo
em vista a noção de causa na ambiência do direito obrigacional, especialmente o próprio direito
contratual. Buscar-se-á a justificativa da obrigatoriedade das relações contratuais e também nas
relações contratuais de fato, caminhando além do consensualismo, na expectativa de se encontrar a
correspectividade na relação sinalagmática e que produziria a obrigatoriedade do avençado.
Segundo Karl Larenz,2 a relação obrigacional é uma relação jurídica que existe sempre entre
pessoas determinadas (duas ou mais), da qual pelo menos uma é devedora e a outra credora. Há na
relação uma prestação delimitada. Outros deveres de conduta – que estão delimitados e são, de
certo modo, secundários – também podem ser exigidos. O dever primário e decisivo, que dá
conteúdo e significado à relação obrigacional e determina o caráter típico da mesma é a prestação
determinada. A obrigação está dirigida a esta prestação determinada ao devedor, ou à prestação de
ambas as partes, o que corresponde, neste caso, ao próprio sinalagma. Quando a prestação é
cumprida, ter-se-á alcançado a finalidade da obrigação, restando esta, geralmente, extinta.
A lição de Hedemann3 registra que a natureza das obrigações recíprocas baseia-se na
contraprestação das prestações, em sua confrontação. Ambas as prestações estão entre si
entrelaçadas de um lado e do outro, e unidas por esta noção de sinalagma, fato recíproco este que
está muito arraigado na consciência popular. No contrato de compra e venda, no contrato de
locação, no contrato de arrendamento, na maior parte das relações obrigacionais se encontra a
mesma interrogação: Por o que dou a ti, o que me dás tu a mim?
Esta reciprocidade – conforme se lê do Digesto, Livro 19, Título 5, Lei 5, pr. –, decorre de certas
fórmulas romanas que foram estipuladas para permitir a visualização da correspectividade das
obrigações. São fórmulas atribuídas a Paulo e assim se organizam: (a) do ut des (revelando uma
dupla transferência de propriedade, uma dação contra dação); (b) do ut facias (revelando uma
transferência de propriedade contra prestação de um fato, uma dação contra fazimento); (c) facio ut
des (revelando, inversamente, a prestação de um fato contra a transferência de propriedade, um
fazimento contra dação; e (d) facio ut facias (revelando, por seu turno uma dupla prestação de fazer,
um fazimento contra outro fazimento).
Ainda hoje – e segundo doutrina dominante, recolhida aos romanos, especialmente por Álvaro
Villaça Azevedo – estas mesmas fórmulas estão à disposição do direito contratual contemporâneo,
operando eficientemente e estruturando o denominado “método da análise das prestações”, para a
finalidade de, com objetividade e praticidade, visualizar-se corretamente a presença de cada uma
delas em determinado contrato, ou mesmo uma combinação de duas ou mais delas nos contratos
mistos, nos contratos atípicos e nos contratos coligados, mas sempre designando a reciprocidade
sinalagmática dos tipos contratuais.
Mesmo para as relações fáticas nas quais não está presente o consenso, mas que ainda assim
podem gerar deslocamentos patrimoniais, verdadeiras obrigações, a justificativa se baseia na
presença de certo comportamento negocial, por assim dizer, relembrando o que, em Roma, já
comparecia como os denominados contratos inominados, nos quais – por não existir uma vestimenta
propriamente negocial para os pactos nus – estavam disponíveis, como vestimenta, as fórmulas
romanas de Paulo (do ut des, do ut facias, facio ut des, facio ut facias)…
Prosseguindo, com Massimo Bianca, a respeito de interesse creditício e causa do contrato, é
possível saber que:
“A causa do contrato constitui a sua função prática, ou seja, é o interesse complexo concretamente
perseguido mediante a operação negocial. O interesse creditício, por outro lado, é aquele a que se
refere cada obrigação isoladamente. Quando a obrigação se inserir em um contexto contratual o
interesse creditício passa a integrar a causa concreta do contrato. Nas obrigações contratuais,
portanto, o interesse do credor não se contrapõe à causa do contrato, mas é sua parte integrante, no
sentido que concorre a identificar as razões práticas do contrato. Por outro lado, se a obrigação
estiver fundada em um contrato, é o interesse creditício que por sua vez se determina através da
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interpretação de tal título, e assim também com referência à causa do contrato”4 (tradução nossa).
Já Antunes Varela registra que a relação jurídica, em geral, é considerada una ou simples, quando
compreende, por um lado, o direito subjetivo atribuído a uma pessoa e, por outro lado, o dever
jurídico ou o estado de sujeição correspectivos que recaem sobre a outra pessoa. E entende, como
relação jurídica complexa ou múltipla, aquela que abrange o conjunto de direitos e de deveres ou
estados de sujeição nascidos do mesmo fato jurídico.5
E assim, por exemplo, na compra e venda, ao lado do dever jurídico – incumbido ao vendedor – de
entregar a coisa devida, e do correlativo direito subjetivo – atribuído ao comprador – de exigir a
entrega da coisa, há ainda, nesse caso, o dever jurídico – incumbido ao comprador – de entregar o
preço, e o correspondente direito subjetivo – atribuído ao vendedor – de exigir o seu pagamento.
Orlando Gomes, a respeito desta complexidade obrigacional e sua conjugação sinalagmática
menciona que nas relações obrigacionais mais simples, os dois contratantes se contrapõem, cada
qual em uma das posições, mas predominando, todavia, as relações mais complexas, nas quais
cada partícipe contratual ocupa, ao mesmo tempo, a posição jurídica ativa e passiva, porque, ao
mesmo tempo lhe tocam direitos e obrigações que, inversamente, correspondem também ao outro
partícipe.6
No mesmo sentido, Fernando Noronha, acerca desta relação obrigacional complexa, conjugada à
função social, escreve que, numa relação jurídica deste tipo, se considera o conjunto de direitos e
deveres que unem as partes intervenientes, em razão dos quais elas permanecem adstritas a
cooperarem para a realização dos interesses de que sejam credoras, mas com o devido respeito
pelos recíprocos interesses do devedor, tendo em conta também a função social desempenhada,
que é razão última de sua tutela.7
O mesmo autor alemão já citado, Hedemann,8 apresenta os efeitos principais desta reciprocidade, o
que tem grande repercussão nos contratos: (i) Direito de alegação da exceção de contrato não
cumprido; (ii) A condenação ao cumprimento simultâneo de ambas as prestações; (iii)Existência de
efeitos que se produzem para ambas as partes em caso de descumprimento da obrigação (como é o
caso da mora recíproca ou bilateral).
Por outra parte, nem sempre as relações sociais geradoras de obrigações se matizam das fontes
principais autorizadoras de tais fatos. Bem por isso, há um gama de relações sociais que não
derivam do ambiente polarizado do contrato ou do delito (fontes obrigacionais clássicas por
excelência); a estas outras relações sociais se denominou especialmente relações contratuais de
fato ou relações paracontratuais, conforme preferiu Antonio Junqueira de Azevedo. Não haveria
como chamar a estas relações de relações negociais, uma vez que o elemento volitivo gerador do
consenso não se encontrava presente. Günther Haupt e Karl Larenz, entre outros, foram precursores
na tentativa de definir concepções que valessem para esses casos, buscando, neles, uma espécie
de denominador comum que permitisse emprestar, a todos, uma característica identificadora, e que
esclarecesse o fundamento da sua obrigatoriedade. Debateu-se a doutrina, em diversas tentativas e
vários modelos conceptivos. De toda a sorte, relações assim existem e se colocam, no mais das
vezes, sob a consideração de um tratamento contratual, ainda que não tenham elementos, sequer
requisitos, que possam gerar um contrato.
Ainda que não correspondendo a um negócio jurídico, ou a um ato ilícito, a verdade é que tais
situações jurídicas paracontratuais, ou de fato, o sinalagma também se encontraria presente,
ocupando uma função que houvera sido mitigada pelo consentimento, outrora. Luis Renato Ferreira
da Silva desenvolveu estudos9 para buscar demonstrar que essa ideia da presença sinalagmática
nas relações paracontratuais era, efetivamente, uma concepção possível, dada a mitigação da
importância do sinalagma à face do consensualismo.
Essas múltiplas situações fáticas – que envolvem deslocamentos patrimoniais não justificados pela
existência de um contrato, nem pela ocorrência de um ato ilícito – têm sido tratadas como fontes de
obrigações, cujo fundamento se denomina de causa sinalagmática. O patrimônio que foi defasado
deve ser compensado, como acontece, dentro do princípio da reciprocidade, em qualquer relação
patrimonial; para a recomposição do patrimônio, descortina-se uma verdadeira relação obrigacional.
Verdadeiro “scambi senza accordo”, como se refere Natalino Irti, em artigo com este mesmo nome,
publicado na Rivista Trimestrale de Diritto e Procedura Civile, 1998-1, p. 347-364, essas relações
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diferenciadas requerem o esperado equilíbrio oriundo da reciprocidade, como meio de garantir a
justiça comutativa.10
2. A causa contratual e a legislação codificada
Tanto no Código Civil (LGL\2002\400) atual, quanto na codificação anterior, não se inseriu, entre os
pressupostos de existência e os requisitos de validade dos negócios jurídicos, a chamada causa
contratual, tornando-se a legislação pátria, para muitos analistas, uma legislação anticausalista.
Aliás, o próprio Clóvis Bevilaqua se opôs veementemente à inclusão da causa como condição de
validade dos atos jurídicos, conforme se referem os historiadores da antiga codificação, entre eles
Paulo Barbosa de Campos Filho.11
Assim, desde Clóvis Bevilaqua, certo segmento doutrinário entendeu que a causa representava uma
verdadeira inutilidade, como descreveu Serpa Lopes,12 entre outros. Ainda assim, apesar deste
declínio, a causa não deixou de figurar no Code, em França, instrumento legislativo este que
efetivamente havia consolidado a supremacia do consentimento. O mesmo aconteceu com o Codice
Civile, na Itália. Mas, mesmo à luz do Código Civil (LGL\2002\400) francês e do Código Civil
(LGL\2002\400) italiano, doutrinadores estrangeiros desses países também renegaram qualquer
proveito para a inserção deste elemento, naquelas codificações.
Ao que parece, este certo “desprestígio” que a função causalista adquiriu, à face do consentimento,
se fazia sentir de modo bastante evidente, tornando desimportante aquela função e fazendo parecer
que ela se havia tornado efetivamente inútil em seu papel justificador de relações negociais e
também de relações paracontratuais.
Francisco Amaral13 bem descreve esta dúplice maneira de se indagar o verdadeiro valor da causa,
destacando as posições dos pensadores causalistas que a assumem como elemento integrante dos
negócios jurídicos, e a dos anticausalistas, que a repudiam, nesse sentido. Mas, ele conclui a
respeito da importância de recepção do elemento causa, nas relações negociais, tendo em vista
vários problemas jurídicos que podem acontecer e que terão a sua provável solução apenas pela
análise da causa desses negócios, e oferece, como exemplos as situações relacionadas a negócios
jurídicos abstratos, à tipicidade dos contratos, à sua importância jurídica na declaração de vontade, à
simulação nos negócios jurídicos, à resolução dos contratos pelo descumprimento das obrigações,
entre outras situações.
De outra parte, não há como se desconsiderar a presença da causa no Código Civil (LGL\2002\400),
apenas pelo fato de ela não se encontrar elencada no art. 104. Sua presença no ordenamento se
registra como implícita, mormente no art. 62 (criação das fundações – causa donandi), no art. 69
(extinção das fundações – causa solvendi), no art. 564, I e II (hipóteses de não revogação de
doações por ingratidão – causa credendi), no mesmo art. 564, III (também hipótese de não
revogação de doações por ingratidão – causa indebiti), no art. 476 (exceção de contrato não
cumprido), entre vários outros dispositivos da legislação pátria.
3. A causa como elemento do negócio jurídico e as multiformes acepções da palavra
Trata-se de vocábulo com variações de sentido, para o contexto leigo de apreciação. Mas,
juridicamente falando, a palavra causa pode apresentar, quer por aqueles que a entendem
recepcionada pelo nosso sistema (os causalistas), como para aqueles que assim não entendem (os
anticausalistas), pelo menos uma tríplice participação de significados.
Assim, então, apresenta-se, por primeiro, a via que equipara causa a motivo, entendido este como o
fator interno, de natureza pessoal ou psicológica, que se externa como a razão pela qual
determinado negócio é concluído. Orlando Gomes descreve o motivo como sendo aquilo que leva
certa pessoa a participar de um determinado negócio, e que se apresenta como o fator subjetivo que
conduz o agente a manifestar sua vontade no sentido da concretização do negócio. Mas esclarece o
doutrinador que, sob este caráter, o motivo não traz, consigo, as características suficientes para se
dizer, dele, que é um dos elementos (pressupostos de existência ou requisitos de validade) do
próprio negócio. Não pertence a ele, enfim, pois que é anterior à própria convenção. Também
chamado de causa impulsiva, o motivo se expressa, então, por meio daquelas razões ocasionais e
ocultas que nos levam à prática de um determinado negócio, como, por exemplo, os motivos do
testador para escolher o modo de expressar a sua última vontade desta ou daquela maneira, assim
expressando seu desejo interno e operando o consequente endereçamento dos seus bens, para
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depois de sua morte.
Muitas vezes, sequer é do conhecimento do outro contratante – ou sequer tem relevância para ele –
a verdadeira razão, íntima e pessoalizada, pela qual o seu parceiro contratual realiza o negócio em
tela. Apesar disso, o Código Civil (LGL\2002\400) – que não inseriu a causa na listagem dos
elementos negociais –, curiosamente inseriu, nos art. 140 e 166, o falso motivo entre os vícios da
declaração de vontade (desde que expresso como razão determinante), e o motivo ilícito
determinante como indutor da nulidade do negócio jurídico.
Segundo Torquato Castro,14 se motivo é definido como o móvel psicológico externo ao ato, ou o
propósito ocasional e mediato que tem o agente

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