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sociologia para educadores - Tura

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Nota: Este livro foi digitalizado e corrigido pela Seção Braille da Universidade Federal do Pará, e destina-se 
ao uso exclusivo de pessoas com deficiência visual. Sua paginação encontra-se no cabeçalho. 
 
 
Sociologia para educadores 
4a edição 
Editora Quartet 
Maria de Lourdes Rangel Tura (org.) 
 Leandro Konder 
 Rita Amélia Teixeira Vilela 
 Débora Mazza 
 Afrânio Mendes Catani 
 Denice Barbara Catani e 
 Gilson R. de M. Pereira 
 Rio de Janeiro 
 2006 
 
 
 SUMÁRIO 
 
 APRESENTAÇÃO 7 
 Maria de Lourdes Rangel Tura 
 
 MARX E A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 11 
 Leandro Konder 
 
 DURKHEIM E A EDUCAÇÃO 25 
 Maria de Lourdes Rangel Tura 
 
 MAX WEBER - 1864-1920 
 ENTENDER O HOMEM E DESVELAR O SENTIDO DA AÇÃO SOCIAL 63 
 Rita Amélia Teixeira Vilela 
 
 A HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA NO BRASIL CONTADA PELA ÓTICA DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 
97 
 Débora Mazza 
 
 PIERRE BOURDIEU: AS LEITURAS DE SUA OBRA NO CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO 127 
 Afrânio Mendes Catani, Denice Barbara Catani 
 e Gilson R. de M. Pereira 
 
p. 7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
 A sociologia tem uma importante contribuição a dar no entendimento da organização da educação. A 
análise da educação ou do modo de ser desta, de acordo com os parâmetros do conhecimento sociológico, 
envolve questionamentos amplos a respeito de concepções sobre a natureza humana e a natureza da 
sociedade e das formas de justificação e legitimação de ações e política educacionais, o que inclui discutir 
o direito universal à educação e aos benefícios da produção cultural, assim como os mecanismos de 
transmissão e assimilação de conhecimentos e os diferentes processos de socialização. 
 Nos inúmeros centros de produção do conhecimento acadêmico se têm desenvolvido estudos que se 
orientam no sentido de perscrutar as relações entre educação e sociedade e construído teorias explicativas 
para indagações formuladas tanto por pesquisadores como por aqueles que no campo da prática 
pedagógica se deparam com incertezas, impasses e mesmo perplexidades diante de desafios postos à 
ação educativa. 
 Os temas em estudo, os caminhos tomados pela investigação, as diferentes perspectivas de análise, 
referenciais e pressupostos da relação indivíduo e sociedade, educação e sociedade interessam, então, 
aos educadores que vão buscar o apoio das análises sociológicas para entender certos processos e 
mecanismos sociais que são constitutivos da organização escolar e da instituição educativa. Isto tem se 
refletido no currículo das Faculdades de Educação do país, que conferem sempre algum espaço para o 
estudo dos aspectos sociológicos da educação. 
 Foi exatamente acreditando na importância para a educação do que foi produzido neste campo 
científico e percebendo a carência de textos de apoio para esse estudo, principalmente no que se refere ao 
que foi publicado em língua portuguesa, que um grupo de pesquisadores do GT de Sociologia da Educação 
da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) 
 
p. 8 
 
decidiu organizar esse livro que se dirige especialmente aos professores e alunos das Faculdades de 
Educação e, num sentido genérico, aos cursos de formação de professores. 
 O livro se organiza em duas partes. Na primeira parte são apresentadas as linhas básicas do 
pensamento de autores usualmente chamados de pais fundadores - que estão associados aos primórdios 
da sociologia, fazendo ênfase em aspectos de maior interesse para a educação. São eles, em ordem 
cronológica de seu aparecimento, Marx, Durkheim e Weber. Pensadores nascidos em uma Europa que se 
destacava por ocupar naquele momento - o século XIX - o centro das decisões e do dinamismo político, 
envolvida na colonização de países de sua periferia e com o avanço do capitalismo. Estudiosos 
profundamente inseridos na vida social e política de seu tempo e preocupados com o entendimento da vida 
social e das relações indivíduo e sociedade. Cada um a seu modo e de acordo com suas concepções e 
projetos de sociedade construíram teorias explicativas que, no conjunto, se apoiaram em estudos históricos 
e análises culturais. 
 O professor Leandro Konder redigiu o primeiro capítulo a respeito de - para usar suas palavras - "uma 
celebridade" que "é difícil encontrar quem o desconheça totalmente": Karl Marx (18181883). O texto se 
construiu de forma a fazer o leitor percorrer o caminho trilhado por esse pensador, crítico enérgico da 
sociedade capitalista. Para tal, localiza Marx em seu tempo e sintetiza suas idéias em torno de duas 
questões básicas: o que é o homem? o que é a história? Na maneira que Marx encontrou para alcançar as 
respostas a essas inadequações estão presentes as possibilidades abertas pela práxis, a forma como se 
concretizou o trabalho humano e seu entendimento sobre a educação. 
 O capítulo sobre Emile Durkheim (1858-1917) foi escrito pela professora Maria de Lourdes Rangel 
Tura, que também o localizou em seu tempo e organizou o estudo em torno da concepção durkheimiana de 
homem, sociedade e educação, sem deixar de dar relevo à sua contribuição para a discussão do estatuto 
científico da 
 
p. 9 
 
sociologia. Durkheim se destacou entre esses pioneiros pela atenção que sua obra dedicou à educação e a 
relevância dada à instituição educativa no contexto da organização social. Foi o primeiro a pensar na 
possibilidade e mesmo na importância de se constituir uma sociologia da educação, para a qual intentou 
estabelecer as bases. 
 A professora Rita Amélia Teixeira Vilela estudou o pensamento de Max Weber (1864-1920), destacando 
seu esforço no entendimento das relações sociais e do sentido da ação humana. Foi nesse interesse que 
construiu a sua sociologia compreensiva e estudou a racionalidade da sociedade capitalista industrializada 
e seus processos de dominação. Há que se notar que, apesar de Weber não ter produzido uma teoria 
sociológica da educação, em sua teoria social deu importantes pistas para a compreensão da função social 
da escola e da educação. A autora relacionou, no conjunto de seus textos, aspectos de muito interesse 
para o campo educativo, como as análises sobre o poder e sua legitimação na ordem social, os 
mecanismos de inculcação e legitimação de determinados tipos de conduta, assim como o processo de 
racionalidade burocrática, atuantes na organização dos sistemas sociais. 
 
 
 A segunda parte do livro está ambientada no Brasil do século XX. Compõe-se de dois capítulos que 
estudam as formas de apropriação e produção do conhecimento sociológico em nosso país, o que rebate 
as características de seu tempo e lugar. A direção tomada foi o que mais propriamente interessa ao campo 
da educação e, nesse sentido, dois sociólogos se destacam: Durkheim e Bourdieu. 
 Débora Mazza em seu texto estuda a chegada do pensamento sociológico ao Brasil e seu 
desenvolvimento até os anos 60 do século XX. Uma trajetória que tem início na introdução dos estudos de 
sociologia nos currículos do ensino secundário, das escolas normais e dos colégios militares e que tem sua 
expansão marcada por sua aplicação no campo educacional. Nesse momento, se destaca a importância do 
pensamento de Durkheim. A entrada da sociologia 
 
p. 10 
 
nas Universidades se dá posteriormente, e alguns autores associam o interesse acadêmico pela sociologia 
como ligado às grandes transformações estruturais ocorridas no país a partir dos anos 30 do século 
passado. Ou seja, "por intermédio da educação, os cientistas sociais acreditaram na possibilidade do 
conhecimento científico transformar-se em compromissos de proposição e intervenção”, como disse a 
autora, tendo-se em vista principalmente os avanços no campo da pesquisa educacional, que 
determinaram temáticas e metodologias. 
 Afrânio Mendes Catani, DeniceBarbara Catani e Gilson Pereira analisaram as formas de apropriação 
do pensamento de Bourdieu no Brasil, tendo por base seus estudos sobre educação. Na organização do 
capítulo, primeiramente apresentaram dados da biografia desse sociólogo, dando ênfase à sua trajetória 
acadêmica. A seguir, estudaram as formas de apropriação de conceitos oriundos de sua teoria sociológica, 
o que necessariamente os fez trafegar por disputas em torno de dicotomias como reprodução & 
transformação, reprodução & resistência, num percurso que se iniciou em finais dos anos 60 do século 
passado e avançou até os dias atuais. Os diversos momentos dessa apropriação foram analisados em 
conexão com o próprio dinamismo deste campo do conhecimento. O estudo tem por base um riquíssimo 
levantamento bibliográfico. 
 Na leitura destes textos se irá acompanhar algo do desenrolar da história da constituição da 
modernidade no Ocidente e dos esforços do pensamento sociológico para compreender esse tempo e o 
que se produziu na constituição das organizações sociais. A educação passou a ocupar espaços cada vez 
maiores entre as práticas sociais, destacando-se na produção/reprodução de relações sociais, na 
concessão de privilégios profissionais e na legitimação de posições de poder. A sociologia é, pois, uma 
ciência que tem muito a dizer sobre a educação. Vale a pena conferir. 
 Maria de Lourdes Rangel Tura 
 
p. 11 
 
MARX E A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 
 Leandro Konder 1 
 I 
 Uma das dificuldades que aparecem no nosso caminho quando nos dispomos a abordar as idéias do 
pensador alemão Karl Marx (1818-1883) está no fato de que poucas pessoas assumem que não conhecem 
nada sobre a filosofia dele e muita gente acha que conhece "alguma coisa" a respeito do famoso autor de O 
capital. 
 Marx se tornou uma celebridade, é difícil encontrar quem o desconheça totalmente. Transformado em 
guru do movimento comunista mundial, em ícone dos partidos socialistas, sua imagem de olhar enérgico e 
barba hirsuta ficaram associada à crítica radical do capitalismo e à mobilização revolucionária dos 
trabalhadores. Algumas das suas frases - ou de frases atribuídas a ele - têm sido repetidas ad nauseam: 
"Proletários de todos os países, uni-vos"; "Os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo, trata-se, 
porém, de transformá-lo", "Transformar a classe em si em classe para si"; "Ser radical é pegar o problema 
pela raiz", etc. 
 No entanto, apesar dessa difusão fragmentária de determinados aspectos do seu pensamento, a vasta 
e complexa obra de Marx é muito mal conhecida. O que as pessoas pensam que sabem nem sempre é 
exato e muitas vezes não é decisivo. O alcance de uma idéia, suas implicações e conseqüências 
dependem da sua articulação com outras idéias. Posso estar familiarizado com uma afirmação e, no 
entanto, avaliá-la mal, porque ignoro sua conexão com pressupostos que lhe dão um sentido que me 
escapa. 
 Na acolhida que os escritos de Marx tiveram após sua morte, a dimensão filosófica do seu pensamento 
ficou, em geral, bastante prejudicada. A dialética foi posta de lado e os dirigentes, ativistas e militantes do 
movimento socialista fizeram dos textos do autor de 
 
______ 
 1 Professor de Pós-graduação em Educação da PUC-Rio 
 
p. 12 
 
A miséria da filosofia uma leitura que combinava as suas teorias (sobretudo sua concepção do homem e 
sua concepção da história) com teorias evolucionistas, positivistas, economicistas e cientificistas. 
 Friedrich Engels, o maior amigo de Marx, ainda viveu cerca de 12 anos após a morte do autor do 
Dezoito Brumário. Tentou evitar algumas das conseqüências mais desastrosas do empobrecimento teórico 
da dimensão dialética do pensamento de Marx, porém nem sempre conseguiu escapar incólume, ele 
mesmo, à pressão deformadora das ideologias daquele tempo. Seguiu, por exemplo, uma linha de 
pensamento que se empenhava em fundar a dialética humana sobre a dialética da natureza. 
 As condições históricas e culturais da passagem do século XIX ao século XX permitiram ao movimento 
operário e sindical na Europa alcançar algumas conquistas significativas, porém também trouxeram muitas 
frustrações. 
 Depois, ao longo do século XX, o quadro se tornou ainda 
mais frustrante. Difundiu-se a imagem de um Marx "cientista", sério, de um lado, e a imagem de um 
revolucionário disposto a tudo para realizar seu programa radical e saudar o advento do comunismo, de 
outro. Em ambas as imagens “cristalizadas”, apareciam um Marx "reduzido", ao qual faltava algo 
importante, que não se sabia bem o que era. 
 Havia os que salientavam a força das concepções teórico-políticas de Marx, presentes no Manifesto 
comunista; os que sublinhavam a consistência da análise crítica da economia política e do modo de 
produção capitalista, desenvolvida n' O capital; e até os que chamavam a atenção para o vigor do 
historiador político e social de As lutas de classe na França de 1848 a 1850 e de O Dezoito Brumário de 
Luis Napoleão. 
 O que faltava era a percepção da importância decisiva da perspectiva filosófica de Marx. 
 Marx fez um doutorado em filosofia. Defendeu em 1841 uma tese sobre a diferença entre a filosofia da 
natureza de Demócrito e 
 
p. 13 
 
a de Epicuro. Ao longo de seus estudos em Berlim, devorou os escritos de Hegel, comparou-os à mitológica 
harpa de Éolo: "As harpas ordinárias soam quando são tocadas por qualquer mão. A harpa de Éolo só soa 
quando é golpeada por uma tempestade." A filosofia de Hegel lhe pareceu ser a única capacitada para 
reconhecer "a rosa da razão na cruz do presente". 
 Foi hegeliano até 1843.Impossibilitado de tomar-se professor universitário por causa da onda de 
repressão que varreu a Prússia em 1841, virou jornalista. E foi como redator-chefe do Jornal Renano que 
se deu conta de que mestre Hegel tinha uma concepção equivocada a respeito de um ponto crucial: o 
Estado. 
 Hegel via o Estado como o lugar onde a razão haveria de prevalecer em meio aos conflitos de 
interesses particulares, típicos da "sociedade civil". Marx convenceu-se de que o Estado era também parte 
dos conflitos e jamais funcionaria efetivamente como lugar da razão. A partir dessa divergência, Marx 
passou a elaborar sua própria concepção da história e sua própria concepção do homem. 
 Ocupou-se - intensamente - de questões filosóficas. Refletiu,criticamente, sobre o Estado, observando: 
"O Estado é abstrato,.só o povo é concreto." Para sobreviver, o povo tem que consumir; e para consumir é 
preciso produzir. É em tomo da produção que se organiza a sociedade. 
 Uma minoria privilegiada se apropria dos grandes meios de produção e usa o Estado para legitimar a 
ordem que lhe permite explorar o trabalho alheio. "Qual é o poder do Estado político sobre a propriedade 
privada?", se pergunta o jovem Marx. E responde: "é o próprio poder da propriedade privada". 
 Como intelectual de gabinete, que via a dinâmica da sociedade de um ângulo ainda contemplativo, 
Hegel não se deu conta de que "o homem não é um ser abstrato, situado fora do mundo". São os homens 
que criam o Estado, são eles que se acham na origem da propriedade privada, na raiz da invenção das 
instituições. Se quisermos compreender o Estado e a propriedade privada, temos de ser radicais, dizia 
Marx. E acrescentava: "Ser radical é pegar o 
 
p. 14 
 
problema pela raiz. E a raiz, para o homem, é o próprio homem." Ficava no ar a pergunta: o que é o 
homem? 
 
 II 
 
 Em 1844, Marx, recém-casado, instalou-se em Paris, como diretor de uma revista. Enquanto tentava 
salvar a publicação do naufrágio (que acabou acontecendo), elaborou sua concepção do homem. Essa 
concepção foi desenvolvida em polêmica com os economistas clássicos ingleses e o filósofo alemão Rege!. 
Em ambos os movimentos, reconhecia-se a centralidade do trabalho na história dos povos, porém otrabalho, em si mesmo, ainda era pensado um tanto abstratamente. 
 Marx se aproximou dos trabalhadores, entrou em contato com as organizações clandestinas de 
operários rebeldes: convenceu-se de que o trabalho humano era uma atividade peculiar que se distinguia 
de todas as demais atividades realizadas por todas as espécies animais. O trabalho humano foi 
reconhecido como o núcleo de uma atividade teleológica, a primeira atividade pela qual o sujeito se 
contrapunha ao objeto. 
 Segundo Marx, o ser propriamente humano não preexistiu a essa atividade e não poderia ser 
conhecido antes de passar a existir como tal (e de se expressar nela). O homem é o sujeito ativo e criativo 
que existe se modificando, se superando, e só podemos nos aproximar dele através do que ele faz. O 
trabalho é a forma inicial- e persistente - da capacidade que os homens têm de agirem como homens. 
 A atividade que assume a forma pioneira do trabalho e depois se diversifica é o que Marx chama de 
práxis. Por meio do trabalho, inicialmente, e em seguida também pelas atividades criativas que desenvolve, 
o homem faz-se a si mesmo. 
 Marx, filósofo do trabalho, decidiu ser igualmente o filósofo dos trabalhadores. Sua disposição era a de 
contribuir para a mobilização dos trabalhadores numa luta incansável para promover 
 
p. 15 
 
a superação da sociedade burguesa e para acabar com o modo de produção capitalista. 
 A seu ver, cabia ao proletariado, em sua práxis revolucionária, atuar como o portador material de uma 
transformação social que lhe interessava diretamente, mas interessava também ao conjunto da sociedade. 
Para essa atuação, a classe operária precisava esclarecer-se a si mesma no plano teórico, paralelamente 
às ações que empreendia no plano prático. Precisava aprender que a práxis não é toda e qualquer 
atividade prática: é a atividade de quem faz escolhas conscientes e para isso necessita de teoria. 
 O conceito de práxis foi reconhecido por diversos teóricos marxistas importantes como o conceito 
fundamental da filosofia de Marx. É ele que está na base da concepção do homem que o pensador alemão 
desenvolveu nos Manuscritos parisienses de 1844 e nas Teses sobre Feuerbach. 
 Apoiado nele, Marx repele sistematicamente tanto a perspectiva idealista, que superestima o papel das 
idéias e da consciência nas ações históricas dos homens (subestimando a força do condicionamento 
material) como a perspectiva materialista, que minimiza (ou até ignora) a importância da intervenção dos 
sujeitos humanos na constante modificação da realidade objetiva (e deles mesmos). 
 A partir de um certo nível da experiência do conhecimento, ou o sujeito participa ativamente do 
movimento que lhe revela o real ou escorrega para uma posição contemplativa que lhe impossibilitará o 
aprofundamento no conhecer. Como adverte Marx: "Os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo de 
diversas maneiras; trata-se, entretanto, de transformá-lo." 
 O indivíduo isolado, privado da experiência da ação coletiva, pode crer numa pretensa "neutralidade", 
numa suposta "isenção", quando observa os problemas humanos de um ângulo que se imagina imune às 
pressões das tendências conflitantes. O fato de instalar-se na posição de sujeito individual isolado, porém, 
empobrece e estreita seus horizontes, priva-o dos estímulos do intercâmbio 
 
p. 16 
 
proporcionado pelo agir conjuntamente e resulta numa impregnação de seus valores e de seus critérios por 
distorções ideológicas. 
 Numa sociedade marcada pela divisão social do trabalho, pela luta de classes, pela generalização da 
produção de mercadorias, pela hipercompetitividade, a ideologia, com suas distorções, se impõe à 
construção do conhecimento. A possibilidade de atenuar seus efeitos e fazê-la recuar depende da 
participação consciente do sujeito no movimento histórico que se realize em direção à superação prática da 
alienação. 
 A ideologia, como conseqüência da alienação, só pode ser superada em suas raízes por meio de uma 
transformação desalienadora, prática, capaz de mudar as condições socioeconômicas, de modo a permitir 
que os produtores em geral possam se reapropriar de todas as suas produções. 
 Nas condições atuais, com o modo de produção capitalista, os trabalhadores não são donos daquilo 
que produzem. Antes mesmo de ser formado, de começar a existir, o objeto fabricado já pertence ao dono 
da máquina, ao proprietário da matéria-prima, quer dizer, ao patrão (e não ao operário). O criador, na 
indústria, sob o domínio do capital, não pode se reconhecer, de fato, na criação. 
 Obrigado a vender no mercado sua força de trabalho, o homem-trabalhador está, realmente, alienando 
sua criatividade; e isso afeta a sociedade inteira. Como, porém, essa criatividade essencial não pode ser 
completamente erradicada da humanidade, os seres humanos tendem a se insurgir - quando possível- 
contra os mecanismos da opressão e da exploração capitalista. 
 Da concepção do homem de Marx decorre, então, uma clara incompatibilidade entre seu ponto de vista 
e o ponto de vista dos sociólogos "clássicos" do século XIX. 
 
 Marx recusa tanto o subjetivismo dos teóricos que atribuem aos sujeitos humanos super-poderes como 
o objetivismo dos teóricos que reduzem os sujeitos humanos a meros "produtos do meio" ou das 
circunstâncias. Para ele, os homens, ao serem observados pelos 
 
p. 17 
 
cientistas, jamais poderão ser corretamente conhecidos se forem reduzidos a "fatos",há "dados" ou há 
"coisas". 
 O homem é o sujeito da práxis, existe se inventando a si mesmo, num movimento incessante, sempre 
condicionado necessariamente - pela situação em que se encontra no ponto de partida; mas sempre capaz 
de tomar iniciativas e projetar sua ação, impondo - até certo ponto livremente -limites ao condicionamento 
necessário. 
 A rigor, não há resposta conclusiva para a indagação "o que é o homem?". Por sua atividade criativa, 
surpreendente, o homem nos escapa, porém ao mesmo tempo se revela: podemos conhecê-lo pelo que ele 
faz, por suas ações. 
 O plano em que o ser humano age, faz suas escolhas, expressa 
mais significativamente sua práxis, é o plano da história. 
 Impõe-se, aqui, portanto, a pergunta: para Marx, o que é a história? 
 
 III 
 
 Para poder desenvolver sua concepção da história, Marx assumiu uma incisiva posição de combate à 
sociedade burguesa. Ele queria entender: por que o trabalho, que foi a forma básica da atividade pela qual 
os homens se tornaram homens (o "caroço" da práxis), acabou se transformando nessa realidade 
opressiva, sufocante, que conhecemos hoje? 
 Procurando formular sua explicação para este fenômeno, Marx se dispôs a investigar como se deu a 
divisão social do trabalho num passado muito remoto, através da escravidão (cf. A ideologia alemã). 
Concentrou-se, em seguida, no exame da forma assumida pela divisão social do trabalho no capitalismo. E 
se convenceu de que, ao longo da história das sociedades divididas em classes, apesar do 
desenvolvimento das forças produtivas, apesar do progresso tecnológico, a exploração da força humana de 
trabalho tem se refinado, tem se sofisticado e tem até mesmo se tornado mais aguda. 
 
p. 18 
 
 Esse processo é sutil; para perceber seus efeitos em todo o alcance perverso deles é preciso enxergar 
a história de um ângulo resolutamente crítico. É preciso não se deixar impressionar demais com o discurso 
dos grandes personagens históricos e observar como funcionam as condições materiais de existência em 
cada sociedade. 
 O pensamento, em si, pode influir nas convicções das pessoas, porém não tem o poder de 
desencadear e decidir os rumos das mudanças práticas, sócio-econômicas. Marx escreveu: "as idéias 
nunca podem executar coisa alguma; para a execução das idéias são necessários seres humanos que 
ponham em ação umaforça prática" (A Sagrada Família). 
 Não há sociedade que não consuma, para sobreviver. E, para consumir, ela precisa, de algum modo, 
produzir. Nas sociedades divididas em classes, os que possuem os grandes meios de produção exploram 
os que produzem. A história, então, tem sido a história das lutas de classes, de um conflito explícito ou 
implícito entre os detentores do poder e da riqueza e os excluídos. Os de "cima" usam o aparelho do 
Estado e tiram proveito da ideologia dominante (conservadora) para controlar a sociedade e para atenuar e 
neutralizar as expressões mais agudas do inconformismo dos de "baixo". 
 Em A miséria da filosofia, Marx esclareceu alguns aspectos dos desdobramentos da sua concepção da 
história, advertindo que "as relações de produção de toda sociedade formam um todo". Esse todo é 
marcado pela contradição interna (a luta de classes) e por uma dinâmica autotransformadora incessante, 
que abrange todas as coisas. 
 Tudo muda, nada escapa ao movimento das transformações sociais, mas os detentores do poder agem 
sempre no sentido de promover as mudanças adaptativas que servem para preservar o essencial do 
sistema (do "todo") e no sentido de evitar mudanças sociais mais profundas, que possibilitariam uma 
transformação revolucionária da própria estrutura da sociedade. 
 A perspectiva de Marx era a de uma decidida solidariedade com os trabalhadores. A seu ver, a 
modificação na correlação de 
 
p. 19 
 
forças e a vitória dos de "baixo" dependiam do aumento da participação ativa e consciente do povo no 
movimento da história. E dessa modificação dependia a criação do comunismo, isto é, de "uma associação 
de homens livres, que trabalham com meios de produção coletivos e aplicam suas numerosas forças 
individuais de trabalho, com plena consciência do que estão fazendo, como uma grande força de trabalho 
social" (O capital, vol. I). 
 Marx dizia que não pretendia descrever como seria o comunismo porque não tinha a veleidade de 
"preparar receitas para os caldeirões do futuro". No entanto, para não deixar dúvidas quanto à insuficiência 
de uma concepção do comunismo que o reduzisse à mera reorganização do trabalho, o pensador alemão 
falou numa "passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade"; e afirmou que essa passagem 
deveria se realizar fora do espaço comprometido com a disciplina do trabalho. 
 Escreveu: "O reino da liberdade só começa, de fato, onde cessa o trabalho, que é determinado pela 
necessidade e pela finalidade exteriormente fixada. Por sua própria natureza, portanto, o reino da liberdade 
fica além da esfera da produção material" (O capital, vol. III). Para alcançá-lo, os seres humanos não só vão 
ter de humanizar as condições de trabalho como vão ter de reduzir a 
jornada de trabalho. 
 Essa concepção da passagem do reino da necessidade ao reino 
da liberdade é uma característica importante do humanismo de Marx e influi, poderosamente, em sua 
filosofia da educação. 
 
 IV 
 
 Marx desprezava, ostensivamente, o discurso daqueles que propunham a educação como atividade 
capaz de promover por si mesma a transformação necessária da sociedade. 
 Para ele, a atividade do educador era parte do sistema, e portanto não podia encaminhar a superação 
efetiva do modo de produção entendido como um todo. O educador não deveria nunca 
 
p. 20 
 
ser visto como o sujeito capaz de se sobrepor à sua sociedade e capaz de encaminhar a revolução e a 
criação de um novo sistema. 
 A atividade do educador tem seus limites, porém é atividade humana, é práxis. É intervenção subjetiva 
na dinâmica pela qual a sociedade existe se transformando. Contribui, portanto, em certa medida, para o 
fazer-se da história. 
 Aos que pretendem entender o processo histórico a partir das ações dos educadores, Marx lembra que 
o educador também é educado: antes de exercer sua influência formadora, ele próprio é formado pelo 
sistema no qual está inserido. É o que se lê na terceira das "Teses sobre Feuerbach": "A doutrina 
materialista da produção de efeitos transformadores pelas circunstâncias e pela educação esquece que os 
seres humanos transformam as circunstâncias e os próprios educadores precisam ser educados." 
 O homem não é um produto do meio, nem é o resultado das lições que lhe são ministradas em casa ou 
na escola. Para compreender o ser humano em sua atividade é imprescindível entender em que condições 
materiais ele está agindo, quais são as questões concretas a que ele está respondendo; mas não basta 
conhecer o condicionamento objetivo da sua ação, é preciso entender o sentido das suas iniciativas, o 
movimento subjetivo que ele realiza. Uma vez realizado esse movimento, ele pode ser compreendido em 
seu sentido histórico, um sentido que nunca é inteiramente predeterminado. 
 Marx não escreveu especificamente sobre educação, não extraiu as conseqüências da sua concepção 
do homem e da sua concepção da história para os socialistas enfrentarem os problemas da área da 
educação. Algumas conclusões, entretanto, nos parecem claras a respeito dos desdobramentos das suas 
idéias nas batalhas travadas pelos educadores socialistas. 
 Uma primeira conclusão é de caráter negativo: as instituições de ensino não são o lugar a partir do qual 
pode se desencadear a transformação revolucionária da sociedade como um todo. A escola não deve ser 
encarada como o centro irradiador do processo da revolução. 
 
p. 21 
 
 Segue-se, contudo, imediatamente, outra conclusão: a educação, a formação de quadros, constitui um 
campo de batalha importante, onde se podem inculcar hábitos conservadores, cultivar tendências 
conservadoras, acomodatícias, resignadas ou meramente pragmáticas, mas onde se pode também 
fortalecer disposições críticas, estimular o inconformismo e a inquietação, incentivar o desenvolvimento da 
capacidade questionadora. Nas instituições educacionais pode prevalecer tanto a formação de súditos 
como a formação de cidadãos. 
 O educador, no diálogo com seus alunos, precisa lhes transmitir não só conhecimentos, mas também 
convicções. E, complementando seu assumido senso crítico, o educador socialista deve estar atento para o 
que lhe vem do lado dos seus interlocutores e que o auxilia em seu esforço de não perder seu senso 
autocrítico. A experiência nos ensina que, se não levássemos em conta o que nos dizem os outros, não 
teríamos suficiente capacidade autocrítica e jamais poderíamos adotar o lema de Marx: "de omnia 
dubitandum" (duvidar de tudo). 
 Marx indicou esse lema na resposta que deu à pergunta de uma das suas filhas, preenchendo um 
caderno-questionário, numa brincadeira que estava na moda. Sabemos, porém, que o lema citado 
correspondia ao ideal da sua convicção. Já na juventude, quando se preparava para ir para Paris, em 1843, 
ele escreveu a um amigo que a revista que os dois pretendiam fundar deveria ter como princípio 
programático a "crítica implacável a tudo que existe". 
 No entanto, Marx tinha plena consciência dos limites de uma atitude de puro ceticismo. O cético não 
pode levar às últimas conseqüências seu ceticismo, porque até para não acreditar o sujeito precisa 
acreditar que não está acreditando. 
 O caminho, então, seria o de exercer a dúvida radical, sim, mas em conexão com a inserção da pessoa 
no movimento da história, através da práxis, da cidadania. Essa inserção não se faz sem convicções, sem 
valores. Quem não crê em nada, não tem por que empreender coisa alguma. 
 
p. 22 
 
 Na atividade do educador - essencial a todas as sociedades a perspectiva de Marx nos leva a 
observar, por conseguinte, os dois pólos: o da afinação de valores e o da reflexão crítica/autocrítica; o das 
convicções e o das dúvidas. A educação, no âmbito do esforço daqueles que lutam por uma 
democratização mais efetiva da sociedade, deve passar continuamentede um pólo ao outro. Se estacionar 
no primeiro, coagula os valores, ossifica-os, engessa-os e atrela a práxis a dogmas. Se ficar girando 
exclusivamente em torno do segundo, esvazia a práxis, emperra-a, prende-a num círculo vicioso, 
transforma-a num jogo estéril. 
 Ainda podemos falar numa terceira conclusão no que concerne aos desdobramentos das idéias de 
Marx no âmbito da educação. Reconhecida a conexão dinâmica entre a ação confiante e a reflexão 
desconfiada, não podemos deixar de lembrar a advertência que o filósofo nos faz nas "Teses sobre 
Feuerbach" sobre os impasses a que chega a teoria quando lhe falta modéstia metodológica e ela pretende 
resolver questões que vão além da sua competência. Em suas palavras: "toda vida social é essencialmente 
prática". "A questão de saber se a verdade objetiva é acessível ao pensamento humano não é uma questão 
de teoria e sim uma questão prática." E depois: "A controvérsia sobre a realidade ou irrealidade do 
pensamento - isolado da práxis - é um problema escolástico." 
 
 V 
 
 Não há, nos escritos de Marx, algo que se possa designar como uma sociologia da educação. No 
entanto, o Marx filósofo, na sua concepção da história e na sua concepção do homem, faz observações que 
têm desdobramentos de grande importância na educação e não podem ser subestimados por nenhum 
educador disposto a refletir seriamente sobre sua atividade. 
 Embutida na sua concepção do homem e da história, como uma dimensão inerente à práxis, a 
educação em Marx é pensada filosoficamente como uma atividade essencial à dinâmica das 
 
p. 23 
 
sociedades. Só podemos entendê-la como espaço permeado de choques, de conflitos, marcado pela 
colisão de valores, interesses e convicções que correspondem às perspectivas distintas - e muitas vezes 
inconciliáveis - dos grandes grupos humanos (as classes sociais) que exercem maior influência na 
formação das pessoas. 
 
p. 24 [vazia] 
 
p. 25 
 
DURKHEIM E A EDUCAÇÃO 
Maria de Lourdes Rangel Tura 1 
 
INTRODUÇÃO 
 
 Émile Durkheim está colocado entre os pais fundadores da sociologia como campo disciplinar 
específico. Tendo Augusto Comte lhe dado o nome e a posicionado no cume de uma hierarquia das 
ciências, Durkheim se investiu da tarefa de estabelecer sua especificidade e seus métodos ou "Regras"2. 
Nisto se destacou pelo zelo, talvez por estar tateando um campo novo, e na falta de outros parâmetros os 
foi buscar junto às ciências naturais. 
 Como problema de fundo havia a indagação de quais seriam os objetos de estudo e as bases da 
explicação sociológica. Analisou sistemas sociais, estruturas, instituições e as relações entre o indivíduo e a 
sociedade. 
 Outro problema básico: como estudar objetos que tinham sido tradicionalmente motivo da especulação 
filosófica? Como analisá-los sem transbordar para filosofia, sem invadir outros campos das ciências 
humanas também nascentes, como a psicologia? Os métodos de investigação ou as "Regras" de 
construção desta nova ciência precisavam ser delineados e Durkheim os buscou ainda na ilusão da 
neutralidade do pesquisador e na defesa de observações despidas de prenoções, juízos de valor e tomada 
de posições. 
 A posição de Durkheim na fundação da sociologia carreou para sua sociologia muitas afiliações, 
críticas, diferentes leituras, diferentes leitores. Não irei me deter nisto. Neste texto, pretendo apresentar seu 
pensamento, localizado em seu tempo e espaço, e dirigir o foco para sua abordagem da educação como 
objeto de 
 
_______ 
1 Professora adjunta da Faculdade de Educação UERJ. 
2 Aqui estou tendo como referência o texto de Durkheim. As regras do método sociológico (1987). 
 
p. 26 
 
estudo da sociologia. Seu esforço de indagar sobre as origens e as funções do fato educativo abriu, como 
ele mesmo definiu, uma nova divisão neste campo de estudos: a Sociologia da Educação. 
 Irei centrar a discussão do pensamento de Durkheim em tomo de alguns de seus textos que têm maior 
ligação com o que pretendo estudar. Para facilitar a citação, os livros serão apresentados neste capítulo por 
siglas, assim especificadas 3: Educação e sociologia ES; L'éducation morale - EM; As regras do método 
sociológico RM; A evolução pedagógica - EP; Da divisão do trabalho social-DT. 
 Enfim, o que me proponho a fazer é trazer a originalidade de muitas de suas reflexões sobre o social e 
o olhar desse autor para a sociedade em que viveu. Olhar que traz o filtro de suas posições com relação à 
ciência, à sociedade e ao momento histórico que presenciou. Olhar pautado por suas preocupações e 
buscas de soluções para os problemas sociais de seu tempo. 
 
1 - Durkheim e seu tempo 
 Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858 em Epinal, na Loraine, fronteira nordeste da França, 
filho de uma família de rabinos. 
 Em 1858, a Europa ainda vivia a lembrança daquela que, em 1848, fora, no dizer de HOBSBAWM 
(1982), "a primeira e a última revolução européia no sentido (quase) literal" (p. 22). As revoluções de 1848 
eclodiram simultaneamente e atingiram todo o centro do continente europeu, como a França, a 
Confederação Alemã, o Império Austríaco e a Itália. Em poucas semanas todos os governos constituídos 
naquela região foram derrubados ou perderam suas bases de sustentação e a instabilidade política povoou 
uma grande extensão territorial. Ou seja, a ordem social e política fora abalada em seu âmago. Era 
inegável que se estava 
 
_____ 
3 As referências bibliográficas se encontram no final do capítulo. 
 
p. 27 
 
presenciando revoluções sociais em que a classe média, trabalhadores pobres, campesinos e intelectuais 
de esquerda ocuparam a cena política. Fato até então inédito. Os Estados nacionais tiveram a partir daí 
que fazer concessões, pois esses novos sujeitos políticos passaram a contar na montagem das estratégias 
políticas. 
 A França foi, ainda, palco de muita instabilidade política entre 1848 e 1851 com grande movimentação e 
distúrbios ocorrendo no centro de Paris e envolvendo os diferentes grupos de poder -ligados tanto à 
burguesia quanto ao proletariado - e que levaram, sucessivamente, à queda de Luís Felipe, à instalação da 
Assembléia Nacional Constituinte e da Assembléia Legislativa Nacional, à queda do parlamento e 
restauração do império, como foi bem analisado por MARX (s/d). O que Durkheim irá conhecer depois 
destes acontecimentos é o período da 111 República, marcada pelos problemas de unidade e coesão 
nacional. O Partido da Ordem, no centro desta instabilidade, tentava articular uma nova ordem social, que a 
expansão econômico-industrial havia instaurado e que as novas relações políticas demandavam. 
Permanecia, contudo, uma forte tensão entre os republicanos e seus opositores; entre o clero, que não 
aderiu aos ideais republicanos, e o crescente anti-clericalismo; e, principalmente, a tensão originada das 
lutas operárias (FILLOUX, 1994). Neste ponto deve-se lembrar que os grupos no poder depois de 1848 
estiveram constantemente apreensivos com a possibilidade de uma revolução social e isto explica os 
excessos cometidos na repressão da Comuna de Paris em 1871. Durkheim tinha, então, 13 anos. 
 Em termos internacionais, a nova configuração do poder europeu alcançou uma relativa e provisória 
estabilidade na segunda metade do século XIX. Pequenas e numerosas guerras entre os Estados europeus 
se resolveram com brevidade e se proliferaram os acordos, marcados, por exemplo, no Armistício Franco-
Prussiano (1871) e na Tríplice Aliança, envolvendo Alemanha, Áustria e Itália (1882). 
 
p. 28 
 
 No campo econômico, este período distinguiu-se pela expansão mundial do capitalismo, acompanhado 
do processo de colonização e do imperialismo, e da difusão da crença no liberalismo econômico e no valor 
da ciência da tecnologia para o progresso material e moral da sociedade. As transformaçõeseconômicas e 
os progressos tecnológicos eram muito visíveis. Os Estados nacionais se fortaleceram e foram implantadas 
políticas intervencionistas para desgosto dos mais conservadores. Era o modelo de Estado-Nação, 
coerente com as necessidades de apoio aos grandes projetos expansionistas e de acumulação capitalista e 
com o crescimento de demandas de políticas públicas, que se dirigiram para o saneamento básico, a saúde 
e, especialmente, a educação pública. Os emergentes partidos e movimentos operários cuidaram para que 
os gastos sociais tivessem algum peso na contabilidade dos Estados-Nação. 
 Entre 1873 e 1896, o mundo capitalista mergulhou em uma prolongada depressão, que atingiu a 
indústria e o comércio dos países capitalistas. Contudo, HOBSBAWM (1982) afirma que os abalos impostos 
às economias dos países centrais neste período foram pequenos, as conseqüências maiores foram 
observadas nas nações da periferia deste sistema. 
 Um novo estilo de vida se construía nessas sociedades que privilegiavam o consumo e a abundância. A 
ciência devia servir à técnica e esta estava voltada para o progresso da indústria. As artes e a literatura 
encontraram novos motivos nessa realidade que surgia. O mundo se "ocidentalizava" e a cultura burguesa 
emergente dominava sobre as outras. Observando esse contexto, Durkheim preocupou-se fortemente com 
a educação moral. Percebia um "culto do individualismo" próprio dessa nova cultura européia que se 
expandia pelo mundo. Era necessário fortalecer os laços sociais, desenvolver o amor pela coletividade, 
facilitar a internalização de uma ordem normativa e envolver-se em valores e objetivos comuns, de acordo 
com suas crenças nas possibilidades do Estado de resolver os problemas da nação. 
 
p. 29 
 
 Foi durante o período de depressão do sistema capitalista do século XIX - que demandou arranjos na 
economia e a expansão capitalista tomou a feição imperialista - que Durkheim saiu de sua terra natal para 
empreender um longo percurso de formação intelectual, realizando inicialmente estudos na École N ormale 
Supérieur, que o colocaram diante da questão da educação ou, mais especificamente, da escolarização, de 
grande importância na época pela necessidade de expansão do ensino público e organização 
administrativa do sistema escolar francês, que acompanhava um movimento que se propagou desde o 
século XVII e que fez com que a escola viesse a substituir a família e a igreja no ensino dos saberes 
elementares (HÉBRARD, 1990). Fez estágios junto a laboratórios de psicologia experimental e participou 
de trabalhos de investigação histórica em cursos de Fustel de Coulanges. O interesse pela história era 
grande no século XIX e esteve presente nas grandes sínteses da teoria social, como se pode verificar no 
pensamento de Comte e Marx, que encontraram na investigação da evolução histórica argumentos 
explicativos da organização social moderna. Para Durkheim, a história foi auxiliar importante da explicação 
sociológica e de seu método comparativo. 
 Neste ponto, é interessante acompanhar, em sua trajetória de formação acadêmica e tomada de 
decisões profissionais, a busca de conciliar suas crenças iluministas no valor da ciência para a solução dos 
problemas da humanidade e nas possibilidades que se abriam para a ação racionalizada e a preocupação 
com os problemas sociais que se avolumavam e as tensões políticas provocadas pelas disputas entre os 
diferentes países europeus. Não parecia tranqüilo com relação ao momento que vivia e, apelando em seus 
artigos para uma fé nas ciências e na razão, vislumbrava a possibilidade de surgimento de um tempo novo. 
Nesse sentido, afirmou: "é de maneira inteiramente arbitrária que Comte considera o terceiro estado como 
estado definitivo da humanidade. Quem pode afirmar que não surgirá outro no futuro?" (RM, p. 103) 
Durkheim não esteve alheio às novidades da vida social de seu tempo, pelo contrário, 
 
p. 30 
 
elas deixaram impacto muito forte em seu percurso profissional e tudo isso fez com que dirigisse seu 
interesse para o campo social e fosse se afastando da psicologia experimental, ciência também de 
organização recente com a qual teve muito contato no início de sua formação. Acreditava na importância da 
sociedade como lugar central e irradiador dos valores éticos de uma época. Acreditava que a regulação, 
realizada no campo social, poderia conter muito dos excessos e desvios da sociedade em que vivia. No 
entanto, percebia a contestação feita a seus estudos pelos "partidários de um individualismo absoluto"(RM, 
p. 3). Nestes termos, estava principalmente se opondo aos princípios da economia clássica, que tinham 
como única realidade observável o indivíduo, medida de todas as coisas, e como móvel intrínseco do 
dinamismo econômico o liberalismo e a livre concorrência. O olhar de Durkheim, então, se dirigia para o 
Estado e suas leis, segundo ele essenciais para a regulação das ações sociais. A ampliação das 
atribuições estatais, coerente com a organização do Estado-Nação, alimentavam essas esperanças. 
 Entre 1879 e 1882, estudou em Ens e se formou em filosofia. Neste momento, Jules Ferry iniciou um 
processo de secularização do ensino primário, tornando-o um serviço público e estabelecendo, em 1882, a 
obrigatoriedade de escolarização para as crianças de 7 a 13 anos. Havia nessas reformas o objetivo de 
reduzir as injustiças sociais associada à idéia do ensino de uma moral autônoma que não fosse baseada na 
religião. Em 1880, Jules Guesde funda o Partido Operário Francês, que se ramificou entre grupos 
"coletivistas" de linha marxista e grupos "reformistas" e foi unificado em 1896 por Jaures, que fora 
contemporâneo de Durkheim na École Normale Supérieur (FILLOUX, 1994). 
 Em 1882, fez um concurso de docência em filosofia e foi nomeado professor em Sens e Saint-Quentin. 
Foi neste mesmo ano que ocorreu a formação da Tríplice Aliança com a incorporação da Itália à Aliança 
Austro-alemã. A França vivia sua relativa paz, depois do Armistício Franco-Prussiano mas uma tensão 
político-militar 
 
p. 31 
 
rondava suas fronteiras e neste contexto de arranjos políticos e diplomáticos, como forma de protelação do 
grande conflito armado do início do século XX, Durkheim deu continuidade à sua formação acadêmica e, 
certamente, a apreensão diante dessa situação o deixou cada vez mais ligado a seus interesses pela 
organização social moderna, pelas relações indivíduo e sociedade e as condições de coesão e integração 
que dão unidade a um grupo. Nessas condições aproximou-se dos trabalhos nas ciências sociais, do 
pensamento de Comte e Spencer, onde encontrou mais propriamente estudos em filosofia social e não o 
que distinguiu como a observação e a explicação próprias da natureza das ciências sociais, conforme 
destacou Filloux (1994). Sua preocupação com a reforma social se dirigia para o encontro do consenso 
entre os diferentes segmentos sociais de um mundo marcado pela complexidade/heterogeneidade da 
divisão do trabalho social. 
 A busca do consenso era na visão durkheimiana fundamental para a construção do Estado-Nação, na 
produção do sentido da nacionalidade. 
 Entre 1885 e 1886, licenciou-se para aprofundamento de estudos. Cursou ciências sociais em Paris e 
reencontrou, em seu laboratório de psicologia na Alemanha, Wilhelm Wundt, filósofo e psicólogo alemão 
que realizou estudos de psicologia dos povos e teve muita influência em seus estudos. Nesse período teve 
também contato com textos de Marx e visitou várias Universidades alemãs. Na volta à França, publicou 
dois artigos sobre a filosofia social e ciências sociais na Alemanha na Revue Philosophique. 
 Em 1887, foi nomeado professor de pedagogia e ciência social na Faculdade de Letras da Universidade 
de Bordeaux, por indicação de Espinas. Por seu intermédio a Sociologia foi introduzida pela primeira vez 
numa Universidade francesacomo matéria de ensino, segundo CUIN e GRESLE (1995). Neste mesmo ano 
casou-se com Louise Dreyfus, filha de um industrial de caldeiras. 
 Em 1893, defendeu sua tese de doutorado sobre a "Divisão do trabalho social" e tomou-se titular de sua 
cátedra em Bordeaux. 
 
p. 32 
 
Um ano depois, publicou na Revue Philosophique "As regras do método sociológico". Esses dois textos são 
marcos de sua proposta metodológica para o estudo da sociologia. Estava voltado para a importância das 
"regras": as regras do método sociológico e as regras que balizam o comportamento social, que dão bases 
para o desenvolvimento de uma solidariedade orgânica na vigência da divisão do trabalho social. Para 
Durkheim "os casos anômicos... denunciam a carência de regras que regularizem as relações, tomando-as 
solidárias" (FERNANDES, 1996, p. 74). 
 Em 1896, transformou sua cadeira na Universidade de Bordeaux em Cátedra de Ciências Sociais. 
 Fazendo um paralelo com o que foi registrado sobre a história da segunda metade do século XIX, este 
ano coincide com o fim da depressão econômica, de acordo com os marcos apresentados por HOBSBA 
WM (1982). Contudo, apesar da expansão do sistema capitalista e do progresso tecnológico, Durkheim 
estava, nesse momento, especialmente preocupado com duas questões: o crescente individualismo que a 
nova ordem social propiciava e a necessidade de fortalecer a educação moral da juventude, como 
estratégia de contenção dos individualismos e do favorecimento dos processos de humanização realizados 
nas instâncias da interação social. Era necessário pôr muita coisa em ordem e este valor estava fortemente 
arraigado em sua sociologia. 
 Dando prosseguimento à sua carreira profissional, em 1898, fundou o periódico L'Anné Sociologique 
com alguns discípulos. 
 Após várias tentativas de ir para Paris, o que dependia de apoio político, foi encarregado do Curso de 
Ciências da Educação na Sorbonne, em 1902, substituindo Ferdinand Buisson. Nesse período publicou 
numerosos artigos, entre eles: "Pedagogia e sociologia", "A determinação do fato moral", "Representações 
individuais e representações coletivas". Foi neste período também que aderiu à Liga dos Direitos do 
Homem. 
 Em 1913, sua cátedra na Sorbonne passa a ser denominada Ciência da Educação e Sociologia, 
realizando enfim o seu interesse 
 
p. 33 
 
maior de estudo e fazendo a sociologia entrar na Sorbonne pela porta aberta pela ciência da educação. 
 No fim de sua vida, presenciou em território francês o terror da Primeira Guerra Mundial, onde perdeu, 
em 1916, seu único filho em combate. No ano seguinte veio a falecer. 
 
2 - O estatuto científico da Sociologia 
 Havia uma questão de fundo para Durkheim: era que se pudesse reconhecer que os fenômenos sociais 
são passíveis de serem investigados cientificamente, assim como o são os fenômenos físicoquímicos e 
biológicos. Correlato a isso, era necessário demarcar fronteiras e caminhos a seguir. Ou seja, ele pretendia 
seguir na senda inaugurada por pensadores como Montesquieu, Saint-Simon e Comte que tentaram 
mostrar a interdependência dos fenômenos da vida social e a urgência de estudá-los a partir da 
positividade de um saber empírico. Eram os primeiros passos na construção de um novo objeto do 
conhecimento científico: a sociedade. Ela deveria ser estudada no interior de uma ciência positiva, 
denominação que afirmava sua contraposição com o saber puramente especulativo da tradição filosófica. A 
positividade deste saber seria determinada por suas bases empíricas e o esforço de observação 
desinteressada da sociedade. Ocorre que a sociedade é um objeto de estudo mais complexo e, por isso, 
mais flexível, como costumava dizer Durkheim, além disso, há que se levar em conta a sua maior aderência 
às circunstâncias que a cercam. Foi a observação desse aspecto que levou a que muito se discutisse sobre 
a possibilidade ou não de se estudar cientificamente a sociedade. Para Durkheim, a resposta a essas 
objeções demandava, por um lado, afirmar a exterioridade do fato social e, por outro, aumentar empenho 
na sua investigação para que a efetividade dos resultados desse a dimensão da viabilidade da sociologia. 
 Com efeito, na leitura de seus textos, pode-se verificar o quanto ele se preocupou com a definição do 
estatuto científico da sociologia e com a demarcação de seu campo como ciência distinta 
 
p. 34 
 
e autônoma. Durkheim, no entanto, percebeu a articulação entre diferentes campos das ciências humanas 
e sociais. A psicologia social, a história, o direito, a economia eram para ele ciências diferentes da 
sociologia, mas que poderiam auxiliar no entendimento dos fatos sociais. Fez uso de muitas contribuições 
da análise psicossocial e histórica nos estudos sociológicos e em seus textos a respeito da educação, 
pode-se observar que freqüentemente se utilizou de termos e conceitos próprios da psicologia como a 
transmissão e assimilação de conhecimentos, as aptidões e os desejos, ou a moderação dos desejos - que 
é um dos fins da educação moral - ao se referir às práticas pedagógicas e às funções da educação. 
 Enfim, na visão durkheimiana só se poderia pensar no estudo dos fenômenos sociais no campo da 
ciência se fosse possível concebê-los como algo de real e existente fora das consciências particulares, ou 
seja, como realidade coletiva, externa ao indivíduo, que o ultrapassa e se impõe sobre ele. Para Durkheim, 
as sociedades, assim como os fenômenos naturais, são ordenados e regulados por certas leis ou 
tendências gerais e necessárias e que, por isso, se deve proceder à análise das relações de causa e efeito 
entre os fenômenos sociais. É, assim, que se podem antever algumas tendências futuras. 
 Em seus diversos textos, Durkheim se mostrou preocupado em dar indicações minuciosas de seus 
procedimentos de análise e também em apresentar os limites de seu trabalho, posto que, segundo ele, 
estava lidando com uma ciência jovem que tinha que se ater a um conjunto ainda precário de dados 
acumulados e a um desenvolvimento teórico ainda iniciante. Por isso, acreditava que seria mais viável 
naquele momento a investigação de normas cristalizadas, instituições consolidadas e sistemas de regras 
morais estabeleci das. 
 Os métodos de investigação das ciências naturais, já bastante desenvolvidos no século XIX, foram a 
base de onde partiu. Essa gênese marcou muito a linguagem de sua sociologia e do que se produziu 
posteriormente. Pode-se notá-la em termos recorrentes como: espécies de sociedade, sistemas, organismo 
social, funções e formas de regulação. Os métodos experimentais da psicologia, a 
 
p. 35 
 
que Durkheim teve bastante acesso participando de atividades de laboratório, também tiveram influência 
em seu pensamento. Contudo, esteve interessado em distinguir os métodos e as leis próprias da sociologia, 
sempre se referindo à natureza sui generis da sociedade e, portanto, a impossibilidade de redução dos 
fatos sociais aos fatos psicológicos e afirmando que os fatos sociais só podem ser explicados por outros 
fatos sociais. 
 A sociologia é para Durkheim a ciência das instituições sociais, de sua gênese e de seu funcionamento. 
Instituições, no caso, entendidas em seu sentido largo que abrange também as crenças, valores e 
comportamentos instituídos. Por isso, ele pensou que a sociologia podia e devia auxiliar na compreensão 
das instituições pedagógicas e a "conjeturar o que devem ser elas, para o melhor resultado do próprio 
trabalho" (ES, p. 88). Esta compreensão deve conduzir o pesquisador à análise de práticas sociais. Pode-
se verificar isto quando afirma que "os estudos devem recair sobre fatos que conheçamos, que se realizem 
e sejam passíveis de observação" (ES, p.58). 
 Para se compreender o funcionamento de uma instituição social, ele diz ser necessário estudá-la em 
seu desenvolvimento histórico,posto que suas partes foram sendo constituídas progressivamente em 
processos que tiveram origens diversas e foram se agregando de maneira a se apresentarem com a 
morfologia 
que conhecemos. 
 A evolução histórica é determinada pelas leis da evolução e depende de "combinações objetivas, 
definidas no espaço" (RM, XVII). Com relação à sociedade importa observar a tendência mais geral ou 
dominante. 
 
2.1. O fato social 
 
 A afirmação da exterioridade dos fatos sociais acompanhou o esforço deste sociólogo em distinguir o 
lugar, a perspectiva, a dimensão própria da sociologia. O fato social devia estar desembaraçado de razões 
e impulsos pessoais, das consciências 
 
p. 36 
 
individuais e de todo o conjunto de idéias longamente formuladas pela filosofia a respeita da vida em 
saciedade. 
 Posta que nascemos no interior de uma saciedade organizada, estruturada de acordo com uma lógica 
de posições e regulação, com valores, normas e costumes instituídas, numa saciedade já pensada, 
elaborada, constituída, pode-se aquilatar a quanta ela impõe sabre nós a estabelecida. Durkheim põe aí a 
cunha de sua observação para afirmar que o fato social deve ser entendida cama tenda existência exterior 
dos indivíduos. É certa que a sociedade não pode existir sem as pessoas, que lhe dão substrato, contudo o 
todo social não é a soma de suas partes. É nesse sentido que Durkheim dizia, se referindo à organização 
escalar: 
 
 Cada classe, com efeito, é uma pequena sociedade, e será preciso que ele 
 seja conduzida como tal - não como se fosse uma simples aglomeração de 
 indivíduos independentes uns dos outros. Em classe, as crianças pensam, 
 sentem, agem de modo diverso do que quando estejam isoladas (ES, p. 74). 
 
 Quando os indivíduos deixam de estar isoladas e se associam, se produzem transformações que 
redundam em uma organização de outra natureza, diferente da psicológica. Há, pais, uma especificidade, 
uma dimensão própria do fato social. 
 O fato social é "toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sabre o indivíduo uma coerção 
exterior" (RM, p. 11) e a regra primeira para sua observação é considerá-lo como coisa. Envolvê-la de 
prenoções, preconceitos, paixões e conceitos formulados em diferentes campas da reflexão humana afasta 
a possibilidade de tê-la como um dado - na qualidade de data - que se constitui cama ponta de partida para 
a explicação sociológica. Por isso, é preciso entendê-la em sua exterioridade e objetividade, que são 
atributos próprios de sua natureza. A exterioridade do fato social determina a possibilidade de tê-la como 
abjeto de observação, de percebê-lo nas pistas que deixa evidentes e em seus sinais visíveis. 
 
p. 37 
 
 Os fatos sociais se constituíram a partir de causas externas, que se processaram no concurso de 
grupos em interação, na plural idade de consciências e como obra coletiva e que, por isso, têm 
ascendência sobre os indivíduos. 
 O que se destaca neste ponto de forma mais evidente é o poder imperativo e coercitivo dos fatos 
sociais. Apesar do conformismo social comportar uma série de variações pessoais, a ação social se realiza 
num campo estruturado em maneiras de agir, pensar e sentir, exteriores ao indivíduo e que se impõem a 
ele quer se queira ou não. Isso se pode sentir mais perfeitamente quando se tenta transgredir as regras e 
convenções e as sanções sociais manifestam-se, então, com toda sua força e efetividade. 
 Os fatos sociais são também coisas ignoradas, posto que, apesar de estarmos convivendo com eles, os 
apreendemos a partir de formas não metódicas, de uma penetração acrítica, de impressões confusas. Para 
conhecê-los cientificamente é necessário que se utilize criteriosamente o método científico e se vão 
realizando procedimentos ligados à observação, à experimentação, à análise do tempo histórico e social de 
constituição dos fenômenos sociais. Dessa forma, se está intentando estudar como as coisas se dão no 
contexto de seu tempo e espaço, marcado pelas crenças e valores de uma organização social que 
determina formas de ver, sentir e pensar, que são forjadoras de símbolos que se imbricam na consciência 
coletiva e produzem representações coletivas. 
 
2.2 - A explicação sociológica 
 
 A constituição da sociologia como campo de conhecimento científico exigiu a elaboração de um quadro 
teórico, que desse corpo a um conjunto de conceitos e modelos de investigação. Estes seriam os passos 
necessários à realização de uma explicação sociológica. 
 Em seu texto "Educação e sociologia", Durkheim descreve de forma minuciosa como realizava esse 
trabalho. Na visão durkheimiana, há duas perspectivas no processo de construção de teorias explicativas 
no campo sociológico. Uma é a investigação da 
 
p. 38 
 
forma como se constituíram as instituições, a outra é a explicação de suas formas de funcionamento. Ao se 
comparar diferentes modelos de organização da educação em tempos históricos diversos, se irá encontrar 
as leis que comandam a evolução dos sistemas, as causas que determinam seu desenvolvimento e suas 
conseqüências. O que se tem que ter em vista, no entanto, é que "é preciso buscar separadamente a causa 
eficiente que o produz e a função que desempenha" e "o que é preciso determinar é se há correspondência 
entre o fato considerado e as necessidade gerais do organismo social" (RM, p. 83). O método por 
excelência para tal empreendimento é o método comparativo, que caracteriza uma experimentação indireta 
de variações e combinações de fatos e das relações de causalidade que se possam induzir, posto que os 
fenômenos sociais escapam à ação direta do pesquisador. 
 No processo de explicação sociológica, deve haver o cuidado de não se falar na sociedade num 
sentido genérico 4, mas em sociedades, que podem ser classificadas em diferentes espécies, como os 
vegetais e os animais. Assim, é possível escapar da sensação de um conjunto confuso de sociedades 
históricas e encontrar unidades reunidas em uma tipologia, que condensa semelhanças e diversidades. No 
estudo histórico comparativo interessa aprender as características comuns, o que é possível de se realizar 
pela observação, definição dos termos, análise e categorização. O cuidado com a observação criteriosa e a 
descrição minuciosa dos fatos possibilitará se constituir tipos de educação, tipos de religião, tipos de família 
etc. em "sociedades da mesma espécie" e alcançar a explicação das condições necessárias para a 
constituição das propriedades características de uma instituição e como umas derivam das outras. Ou seja, 
para que os fatos observados possam ser classificados faz-se necessário que se tenha especial interesse 
pelos aspectos que indicam certa homogeneidade e regularidade. 
 
___ 
4 Nessa discussão Durkheim está fazendo uma interlocução e uma crítica ao pensamento de 
Cornte sobre a evolução histórica. 
 
p. 39 
 
 Finalmente o pesquisador deve realizar um conhecimento desinteressado. Melhor dizendo, o 
conhecimento deve ser procurado por si mesmo, deve expressar o que a realidade é, o que são as coisas, 
independente de um julgamento prévio. Assim, o esforço da sociologia da educação é no sentido de refletir 
sobre os processos da ação educativa no intento de conhecê-los, explicá-los e exprimir a sua natureza, o 
que deve ser acompanhado pela observação histórica do seu processo evolutivo. 
 O conhecer a sociedade em que se vive e as suas necessidades é essencial para que se possa estar 
ciente do que nos cerca, dos movimentos que conduzem o mundo e a cada um de nós e, tendo por base o 
conhecimento científico da sociedade e da educação, é possível encontrar caminhos para a tomada de 
decisões ou as reformas sociais. No dizer de Durkheim: 
 
 Pode-se, pois, esperar que a sociologia, ciência das instituições, nos 
 auxilie a compreender melhor oque são as instituições pedagógicas e a 
conjeturar o que devam ser elas, para melhor resultado do próprio trabalho 
(ES, p. 88). 
 
2.3 . A distinção entre educação e pedagogia 
 
 Como um parâmetro de entendimento da concepção durkheimiana de sociologia como estudo científico 
da sociedade, é interessante acompanhar a discussão de Durkheim a respeito da distinção entre ciência da 
educação e pedagogia. 
 A pedagogia não estuda cientificamente os sistemas de educação. Ela serve para apreciar as ações, 
vai orá-las e dirigi-las. Os planos de educação, entendidos como modelos, são teorias práticas que não 
podem fornecer uma visão teórica dos sistemas educativos. Essas teorias práticas, elaboradas de forma 
abstrata e sem um processo mais cuidadoso de observação da realidade, distanciam-se, por vezes, do que 
se constitui como necessidades e leis sociais e, por isso, afirmam doutrinas novas que não são orientadas 
pela prática pedagógica, nem por aquilo que no campo 
 
p. 40 
 
social é refletido nas representações coletivas, nas instituições educativas e em suas bases morfológicas. 
 A sociologia da educação é uma forma de conhecimento diferente daquele que produz as teorias 
pedagógicas exatamente por que estas últimas, "por vezes, distinguem-se das práticas em uso, a ponto de 
se oporem a elas francamente" (ES, p. 57). No entanto, a educação pode ser objeto de uma ciência 
positiva, baseada na realidade, na evidência dos fatos e para tal se deve ter por fundamento a pesquisa e 
buscar, primeiramente, fatos exteriores ao indivíduo e que sejam passíveis de observação. Isso porque: 
 
 Uma ciência define-se por seu objeto, o que faz supor que exista, 
 que possa ser claramente definido; de qualquer modo, que se possa 
 determinar o lugar que na realidade ocupe (ES, p.: 58). 
 
 A educação é um processo contínuo, enquanto que a pedagogia é intermitente. Há povos que não 
tiveram uma pedagogia. Todos, no entanto, considerando uma determinada espécie de sociedade em um 
determinado tempo de sua evolução, estabeleceram um conjunto de práticas educativas, que se constituem 
em fatos perfeitamente observáveis, em instituições sociais. 
 Aí estão, então, as bases da sociologia da educação na visão durkheimiana. 
 
3 - A concepção de homem 
 Na concepção durkheimiana de homem há, de pronto, um esforço de distinguir os aspectos 
psicológicos dos sociológicos e, neste aspecto, é usual a referência ao indivíduo, como fenômeno 
psicológico. É o que se pode constatar, quando Durkheim diz que: 
 
Separamos o reino psicológico do reino social, do mesmo modo que os espiritualistas separam o 
reino psicológico do biológico; como eles, recusamos explicar o mais complexo pelo mais simples 
(RM, p. XVII). 
 
p. 41 
 
 Num outro sentido, a idéia genérica de homem e de um ideal de homem decorre de representações 
coletivas, entendidas como a "maneira pela qual o grupo se enxerga a si mesmo nas relações com os 
objetos que o afetam" (RM, p. XXVI). De acordo com a visão durkheimiana, uma concepção de homem é 
construída progressivamente, de acordo com as lentas transformações que se dão no interior das 
organizações sociais, e há uma correspondência entre o ideal de homem e as necessidades sociais de um 
tempo e lugar. Assim: 
 
Resulta desses fatos que cada sociedade faz do homem certo ideal, tanto do ponto de vista 
intelectual, quanto do físico e moral; que esse ideal é, até certo ponto, o mesmo para todos os 
cidadãos (ES, p. 40). 
 
 O que está sendo, então, destacado é que o ser humano não tem uma natureza fixa e imutável. Pela 
observação histórica, Durkheim analisou diferentes realidades sociais e, para exemplificar a partir do que 
interessa mais precisamente a esse estudo, vale destacar seu magnífico estudo sobre a evolução 
pedagógica na França (EP), onde se verifica que a prática educativa acompanhou as transformações 
sociais que foram sendo forjadas lentamente e no bojo dessas mudanças uma nova concepção de homem 
e sociedade se produziu. Assim, nas mudanças de estruturas sociais que se operaram nas instituições da 
Idade Média e a fizeram transitar para a Renascença e a Idade Moderna, uma nova concepção de homem 
e de seu lugar no mundo surgiu. Como disse Durkheim: 
 
Essa noção de Escola... só podia nascer quando se formaram povos para os quais a verdadeira 
marca da cultura humana consiste não na aquisição de certas práticas e costumes mentais dados, 
mas sim numa orientação geral da mente e da vontade; isso é quando os povos tinham alcançado 
um grau suficiente de idealismo (EP, p. 36). 
 
____ 
5 Essa concepção representa um contraponto à concepção iluminista da universalidade da 
natureza humana. 
 
p. 42 
 
 Pode-se, neste ponto, inferir uma certa passividade do sujeito durkheimiano, entendido como fenômeno 
mais simples que a sociedade e como produto de suas transformações e concepções. Durkheim entende 
que o indivíduo é o substrato do social, porém esse mesmo social se impõe sobre ele porque o precede e o 
sucede e porque é do social, de suas tendências e necessidades que ele extrai sua natureza e suas formas 
de ser e fazer. 
 Na explicação dessa dinâmica, afirmou que em cada indivíduo subsistem dois seres: o ser individual e 
o ser social. O ser individual é constituído dos estados mentais que se relacionam apenas consigo mesmo 
e com os acontecimentos de sua vida pessoal. Esse ser é mais primitivo no homem e possui uma natureza 
egoísta e associal. O ser social é "constituído de um sistema de idéias, sentimentos e hábitos que 
exprimem em nós, não a nossa individualidade, mas o grupo ou os diferentes grupos dos quais fazemos 
parte" (ES, p. 41-2). O ser social não nasce com o homem, ele terá que ser criado. Nesse sentido, o 
homem ao nascer é uma tabula rasa. O ser humano não está predestinado a assumir qualquer 
característica ou disposição. Ele não é, pois, fruto de um desenvolvimento espontâneo e natural. "Não há 
nada em nossa natureza congênita que nos predisponha a tomar-nos, necessariamente, servidores de 
divindades, ou de emblemas simbólicos da sociedade" (ES, p. 42). É a vida em sociedade, a convivência 
com o seu grupo, as diferentes formas de comunicação social e associação que irão progressivamente 
fazer com que o indivíduo internalize um conjunto de maneiras de ser, pensar e agir que são próprias de 
seu meio e o indivíduo irá se conformar por elas pelo que trazem de vantagens e de valor na constituição 
de sua humanidade, pois que, sem o arcabouço social, o homem "retomaria à condição de animal" (ES, p. 
46). Se faltar ao indivíduo todo o patrimônio de conhecimentos acumulados, da ciência produzida, dos 
sistemas de classificações, de idéias, de fórmulas, de valores, de técnicas e, especialmente, a linguagem 
própria do grupo, ele não poderá sobreviver como ser humano. Tudo isso resulta da cooperação, do 
aproveitamento da experiência, do legado de cada geração que é conservado e que produzem atributos 
humanos 
 
p. 43 
 
comuns. Assim, Durkheim não vê oposição entre sociedade e indivíduo, pois uma idéia depende da outra, a 
grandeza de um é a grandeza do outro. 
 O indivíduo está preso por um laço moral à sociedade e à mercê de correntes sociais, que lhe são 
externas e só ganha atividade participando, de um lado, de uma consciência coletiva ou de representações 
coletivas e, de outro, engajando-se na ação social por sua incorporação na vida em grupo, sua inserção em 
diferentes subsistemas do todo social e sua adesão às tradições, normas e costumes que faz parte do 
patrimônio social, o que é possibilitado pelos processos de socialização. É neste contexto que Durkheim 
define a liberdade - ideal tão caro ao homem moderno – como "filha da autoridade bem compreendida" (ES, 
p. 56). É assim que entende a autonomia relativa do ser social. Ou seja, só quando o indivíduoé 
introduzido a um sistema de regras, direitos e deveres que tem assegurada sua liberdade. Caso contrário, 
estaria exposto às desordens e anomalias de toda espécie. 
 
4 . A concepção de sociedade 
 
 Para Durkheim, a sociedade se constitui como um organismo ou um sistema organizado em estruturas 
(órgãos), que realizam funções diferentes e especiais e que se integram em uma forma de cooperação 
baseada na partilha de regras, valores e normas. Ela possui uma base comum, uma homogeneidade ou 
unidade construída num processo de evolução que se encaminha no sentido de alcançar o pleno 
desenvolvimento e a completude de sua organização. Essa base comum tem uma gênese histórica que 
possibilita a constituição de um patrimônio de idéias, sentimentos e normas de gerações passadas e que se 
instituíram como formas de "adaptação às concepções da época" ou de acordo com as "exigências do meio 
social que as prescreve como necessárias"(ES, p. 44). Assim, a sociedade, que é uma obra coletiva de 
gerações que se sucedem e organizam formas de conhecimento e de ação, se impõe aos indivíduos, pois: 
 
p. 44 
 
Foi a própria sociedade, na medida de sua formação e consolidação, que tirou de seu próprio 
seio essas grandes forças morais, diante das quais o homem sente a sua fraqueza e inferioridade 
(ES, p. 42). 
 
 Ou seja, as estruturas e representações coletivas se impõem sobre os indivíduos por serem produto da 
vida em comum e essa é também razão pela qual a sociedade desfruta de uma supremacia moral e 
material. 
 Na explicação do funcionamento da estrutura e dinamismo dessa instância superior e externa ao 
indivíduo, o autor fez analogias com outros organismos biológicos, que possuem necessidades próprias, 
essenciais à sua preservação e sobrevivência e afirmou que a auto-regulação desse sistema é essencial 
para que suas funções se realizem e se harmonizem e, por isso, - em determinadas circunstâncias 
históricas, por exemplo - a sociedade pode imp9r aos indivíduos um conformismo rigoroso (ES, p. 89). 
 Entendida como um sistema com funções integradas e integradoras, a sociedade comporta 
subsistemas, que também têm seu dinamismo próprio impulsionado por necessidades sociais, que estão 
vinculadas à totalidade da organização social ou à estrutura de constituição da ação social. É assim que se 
dá o entendimento durkheimiano de autonomia relativa dos subsistemas sociais, que têm suas formas sui 
generis de atividade ou o seu modo próprio de agir, seu corpo específico de costumes, normas e 
regulamentos, que não são meras fórmulas sem valor nenhum, mas realidades atuantes que dirigem a 
ação e o comportamento de seus membros, na medida em que são internalizados por aqueles que 
participam de um determinado subsistema social, como é o caso daqueles que fazem parte do sistema 
educacional. Na relação indivíduo e sociedade há muitos ganhos 
propiciados pela divisão do trabalho social. Primeiramente, porque já não se colocam os homens 
individualmente em disputa por interesses em conflito, mas se permite que as diferentes funções sociais se 
articulem para garantir o bom funcionamento do organismo 
 
p. 45 
 
social. Essa necessidade de articulação produz solidariedade e cria um sistema de direitos e deveres, 
assim como regras que asseguram a ordenação pacífica entre as diferentes partes do todo social. Com 
isso, o indivíduo torna-se, por um lado, mais autônomo e, por outro, mais dependente do bom 
funcionamento do conjunto de instituições sociais e do bom desempenho de diferentes setores do 
organismo social para sobreviver. 
 A divisão do trabalho social não deve, no entanto, ser entendida como circunscrita apenas ao mundo 
econômico. Se no campo econômico fica muito evidente a vantagem que essa divisão representa no 
sentido de aumentar o rendimento do trabalho, podesse, alargando a visão, perceber que "é a repartição 
contínua dos diferentes trabalhos humanos que constitui principalmente a solidariedade social" (DT, p. 29). 
É essa sua função moral, segundo afirmou Durkheim. 
 As sociedades mais simples apresentavam segmentos mais similares e homogêneos e tinham como 
base de seus regulamentos um direito repressivo e inteiramente penal, de ação difusa. Dessas 
organizações sociais se depreendia uma solidariedade mecânica. Na atualidade, a base de sua ordem 
jurídica é o direito restitutivo, composto de órgãos cada vez mais especializados que têm a função de fazer 
com que sejam respeitados os compromissos e contratos assumidos. A especialização das funções nessas 
sociedades se dá de forma cada vez mais dominante e se constitui uma solidariedade orgânica. 
 A busca de consensos entre as diversas partes da sociedade e entre seus membros é importante para 
se realizar a integração social. Mas como alcançar esse consenso em sociedades tão diversificadas? 
 Tendo dito que as sociedades são essencialmente conservadoras, Durkheim não poderia, no entanto, 
deixar de observar as mudanças sociais ou não ter levado em consideração o dinamismo das sociedades 
modernas. Voltando, então, ao que se registrou até aqui: na visão durkheimiana, as sociedades têm 
necessidades 
 
p. 46 
 
sociais que são materializadas na consciência coletiva. Contudo, se pode perceber, em diferentes 
circunstâncias históricas, que o aparecimento de novas necessidades sociais entra em desacordo com o 
que se materializou nas consciências coletivas e nas instituições sociais. Ou seja, no dinamismo do 
processo social se pode verificar a existência de desajustes entre normas e costumes instituídos e 
necessidades emergentes. Estas últimas estão vinculadas ao progresso social. O momento histórico vivido 
por Durkheim refletia, segundo afirmava, os embaraços decorrentes da velocidade em que se deram as 
mudanças - principalmente no campo da tecnologia e da ciência - e, por isso, a sociedade ainda tateava no 
encontro de mecanismos de regulação e cooperação. Na perspectiva durkheimiana, progressivamente se 
efetuaria a ordenação das partes e sua integração no todo, pois o organismo social busca necessariamente 
sua homeostase e só um sistema bem regulado pode alcançar o equilíbrio social, a prosperidade e a 
harmonia entre seus membros. A busca de consensos seria, então, uma tendência natural, um dinamismo 
inerente a toda sociedade que procura seu ponto comum, suas bases de integração que garantam o seu 
equilíbrio e estabilidade. 
 A observação histórica do processo civilizatório deixava neste sociólogo esta expectativa. Ele afirmou 
que "existia na vida medieval uma espécie de desregramento natural, constitucional, como em toda 
civilização que ainda não alcançou um grau de desenvolvimento suficiente" (EP, p. 112). A organização 
medieval encontrou, no entanto, seu equilíbrio e suas instituições mostraram sua eficiência na regulação 
social. O século XIX se apresentava, então, como uma época de grande desenvolvimento, a comunicação 
entre os povos se expandia, a unidade nacional havia sido alcançada pelos diferentes países da Europa, o 
progresso da ciência e da técnica eram evidentes, a sociedade possuía um sistema complexo de divisão do 
trabalho social. Por isso, a questão da coesão interna, do consenso entre as partes, da harmonia social 
devia ser coisa que estava por acontecer. 
 
 
p. 47 
 
 Foi neste contexto que pensou as mudanças sociais como processos naturais ou normais em 
sociedades que, diferentemente de organismos biológicos, são mais complexas e mutantes. As mudanças 
podem ter origem em partes específicas da organização social em algum subsistema e as consciências 
coletivas ou os sentimentos coletivos podem não estar ainda em estado de maleabilidade necessária para 
tomar uma forma diferente. É preciso se criar, então, uma nova moral para que a sociedade tenha 
mecanismos de incorporação das novidades. 
 
5 - A concepção de educação 
 
 Durkheim

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