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O livro “História e Filosofia da Ciência e o Ensino de Ciências II” apre- senta múltiplas perspectivas de estudo e pesquisa, valendo-se da variedade de objetos, métodos e recursos de investigação para o Ensino de Ciências. O leitor terá acesso a um conjunto de textos que significa uma con- tribuição para a pluralidade de teorias e práticas de Ensino de Ciências, característica que pode tornar essa área mais capaz de trazer respostas con- sistentes a questões centrais do conhecimento. Os textos apresentados representam um valioso material de pesquisa em En- sino de Ciências, desenvolvidos sobre e através das temáticas da História, da Sociologia e da Filosofia da Ciência, que certamente significa uma contribuição ao enriquecimento de teorias e práticas desta área de pesquisa e ensino. AUTORES Ana Maria de Andrade Caldeira Andrea Berardi Ângela Maria Zanon Antonio Albérico Oliveira de Andrade Antonio Fernandes Nascimento Junior Carlos Alberto Rufatto Carlos Roberto Senise Júnior Daniele Cristina de Souza Danilo Rothberg Felipe Conrado Fiani Felipe de Sousa João José Caluzi José Bento Suart Júnior Marcelo Carbone Carneiro Moacir Pereira de Souza Filho Nádia Cristina Guimarães Errobidart Osleane Patrícia Gonçalves Pereira Sobrinho Renato da Fonseca Lima Sergio Luiz Bragatto Boss Shirley Takeco Gobara Thais Benetti de Oliveira Vera de Mattos Machado HISTÓRIA E FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS E O ENSINO DE CIÊNCIAS II H IS T Ó R IA E F IL O SO FI A D A S C IÊ N C IA S E O E N SI N O D E C IÊ N C IA S II MARCELO CARBONE CARNEIRO JOÃO JOSÉ CALUZI DANILO ROTHBERG (Orgs.) HISTÓRIA E FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS E O ENSINO DE CIÊNCIAS II Marcelo Carbone Carneiro João José Caluzi Danilo Rothberg (Orgs.) São Paulo - 2014 1ª Edição HISTÓRIA E FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS E O ENSINO DE CIÊNCIAS II Copyright© Cultura Acadêmica, 2014 Editora Unesp Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo - SP www.editoraunesp.com.br feu@editora.unesp.br História e filosofia das ciências e ensino de ciências II. Marcelo Carbone Carneiro; João José Caluzi; Danilo Rothberg (organiza- dores). - São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 292 p. ; 23 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7983-525-4 1. Ciências – História e filosofia. 2. Ciências – Estudo e ensino. 3. Educação. 4. Filosofia. I. Titulo. CDD: 370.71 P9742 Comissão Editorial Ana Maria de Andrade Caldeira Danilo Rothberg João José Caluzi Jonas Gonçalves Coelho Marcelo Carbone Carneiro Sumário Apresentação .................................................................................................................... 7 CAPÍTULO 1 As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências....................................................................................................... 11 Marcelo Carbone Carneiro CAPÍTULO 2 Inserção das Ciências Naturais no currículo escolar brasileiro: contexto da História da Ciência e da educação ............................................................... 37 Vera de Mattos Machado CAPÍTULO 3 Por uma agenda de pesquisa para a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia .............. 59 Danilo Rothberg, Andrea Berardi e Felipe Conrado Fiani Felipe de Sousa CAPÍTULO 4 Aquisição de conhecimentos relevantes para a aprendizagem significativa de conceitos de eletrostática a partir de textos históricos e experimentos em aulas de física no ensino médio .......................................................... 81 Antonio Albérico Oliveira de Andrade, Sergio Luiz Bragatto Boss, Moacir Pereira de Souza Filho e João José Caluzi CAPÍTULO 5 Textos originais traduzidos como recurso para a contextualização histórica no ensino de ciências: o caso da velocidade de propagação do som ................................... 107 Shirley Takeco Gobara, Nádia Cristina Guimarães Errobidart e Renato da Fonseca Lima CAPÍTULO 6 A descoberta do fenômeno da indução de correntes elétricas em metais: uma tradução comentada de dois comunicados feitos por François Arago à Academia de Ciências de Paris ..................................................................................... 129 Moacir Pereira de Souza Filho, João José Caluzi e Sérgio Luiz Bragatto Boss CAPÍTULO 7 Evolução Biológica: Do Darwinismo à Síntese Expandida: A importância de discussões epistemológicas acerca desse conceito para o Ensino de Biologia ................147 Thais Benetti de Oliveira e Ana Maria de Andrade Caldeira CAPÍTULO 8 A teoria da seleção de parentesco e os valores cognitivos: o juízo científico de uma teoria biológica a partir da abordagem de Hugh Lacey ..........................................167 Daniele Cristina de Souza e Antonio Fernandes Nascimento Júnior CAPÍTULO 9 A produção de conhecimento científico nas investigações de Moisés Bertoni: uma reflexão voltada às relações entre a história da ciência e o ensino de ciências .......179 Osleane Patrícia Gonçalves Pereira Sobrinho e Ângela Maria Zanon CAPÍTULO 10 Teletransporte Quântico: reflexões filosóficas como contribuições para o ensino de ciências .............................................................................................. 195 Carlos Roberto Senise Júnior e José Bento Suart Júnior CAPÍTULO 11 A importância da contribuição de Popper para o ensino de ciências ............................ 221 Carlos Alberto Rufatto e Marcelo Carbone Carneiro CAPÍTULO 12 A crítica do conceito de verdade em Karl Popper.......................................................... 255 Carlos Alberto Rufatto e Marcelo Carbone Carneiro APRESENTAÇÃO Situada sob a Grande Área Multidisciplinar e a Área de Ensino na visão da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), a Subárea de Ensino de Ciências e Matemática possui, desde sua origem, o caráter de diá- logo entre as diferentes perspectivas de estudo e pesquisa. Esta característica se justifica em função da afinidade entre múltiplos objetos, dos métodos cognitivos aplicados e dos recursos instrumentais desenvolvidos ou aperfeiçoados para o en- frentamento de desafios teóricos e empíricos trazidos por contextos sociopolíticos diferenciados. Neste sentido, a produção científica no âmbito da subárea, para fazer jus às suas propriedades inerentes, requer a afirmação de especificidades notáveis, essen- cialmente em três direções. Deve, em primeiro lugar, apresentar-se policêntrica, ou seja, conter vários centros em torno dos quais vão orbitar preocupações diversifi- cadas a respeito das exigências do saber. Em segundo lugar, é preciso que os diver- sos centros de estudo e pesquisa sejam, ao mesmo tempo, autônomos e solidários, isto é, desdobrem-se de acordo com sua coerência interna, de forma independente, mas considerem as demandas dos polos correlatos e busquem abrangê-las. Em ter- ceiro lugar, as vantagens decorrentes da disposição de produção científica devem estar visíveis aos vários centros integrantes, de maneira que todos se beneficiem do pertencimento ao grupo, e a singularidade da subárea se traduza na ampliação efetiva de possibilidades de compreensão da realidade enfocada e proposição de meios para a solução de seus problemas. Este livro, segundo volume de um projeto da trajetória de expansão do Grupo de Pesquisa em Educação Científica: História, Sociologia e Filosofia das Ciências, do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciências da Unesp (Univer- sidade Estadual Paulista), propôs atender àquelas três especificidades. O conjunto de 12 textos ora apresentados significamuma contribuição vigorosa para a plura- lidade de teorias e práticas de Ensino de Ciências, característica que pode tornar 8 | Apresentação essa subárea mais capaz, na atualidade, para trazer respostas consistentes a ques- tões centrais do conhecimento. No percurso aqui oferecido, os autores empreendem arranjos originais como contribuição ao aperfeiçoamento do Ensino de Ciências. Marcelo Carbone Carneiro, docente do Programa de Pós-Graduação em Edu- cação para a Ciência da Unesp (Universidade Estadual Paulista), analisa possíveis contribuições ao Ensino de Ciências da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget, e ainda permite reflexões e referenciais importantes para a área. Aspectos da inserção das Ciências Naturais no currículo escolar brasileiro são caracterizados por Vera de Mattos Machado, docente do Programa de Pós- -Graduação em Ensino de Ciências da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Perspectivas de pesquisa teórica e empírica para a Semana Nacional de Ci- ência e Tecnologia são apontadas por Danilo Rothberg, docente do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Unesp, Andrea Berardi, docente da Open University (Reino Unido), e Felipe Conrado Fiani Felipe de Sousa, mestran- do do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Unesp. Antonio Albérico Oliveira de Andrade, licenciando em Física na UFRB (Uni- versidade Federal do Recôncavo da Bahia), Sergio Luiz Bragatto Boss, docente da UFRB, Moacir Pereira de Souza Filho, docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física da Unesp, e João José Caluzi, docente do Programa de Pós- -Graduação em Educação para a Ciência da Unesp, elucidam o valor de textos his- tóricos e experimentos em aulas de Física no Ensino Médio para a aprendizagem de conceitos de eletrostática. Shirley Takeco Gobara e Nádia Cristina Guimarães Errobidart, docentes do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da UFMS, e Renato da Fon- seca Lima, professor da Aliança Francesa em Campo Grande (MS), apresentam a tradução de texto de relevância historiográfica e o situam como recurso para a contextualização histórica no ensino. Textos históricos essenciais que retratam o processo de descoberta da indução de correntes elétricas em metais são revisitados por Moacir Pereira de Souza Filho, docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física da Unesp, João José Caluzi, docente do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Unesp, e Sergio Luiz Bragatto Boss, docente da UFRB. Thais Benetti de Oliveira, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Unesp, e Ana Maria de Andrade Caldeira, docente do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Unesp, analisam a 9Apresentação | importância de discussões epistemológicas sobre o conceito de evolução biológica para o Ensino de Biologia. Daniele Cristina de Souza, doutora em Educação para a Ciência pela Unesp, e Antonio Fernandes Nascimento Junior, docente da UFLA (Universidade Federal de Lavras), contextualizam os fundamentos epistemológicos da teoria de seleção de parentesco. Ângela Maria Zanon, docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), e Osleane Patrí- cia Gonçalves Pereira Sobrinho, mestranda no mesmo programa, reconstroem a história de Moisés Bertoni e sua relevância na História das Ciências. Carlos Roberto Senise Júnior, docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e José Bento Suart Júnior, docente da UTFPR (Universidade Tecnoló- gica Federal do Paraná), traçam reflexões filosóficas sobre o teleporte quântico. A análise da relevância de Karl Popper para o ensino e a crítica do conceito de verdade nesse autor são realizadas por Carlos Alberto Rufatto, docente da ITE (Instituição Toledo de Ensino), e Marcelo Carbone Carneiro, docente do Progra- ma de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Unesp. Na totalidade, estes textos representam esforços dos autores no desenvolvi- mento de novas reflexões para o Ensino de Ciências, em reconhecimento às exi- gências de avanço do conhecimento na subárea e ao fato de que, para dar conta dos desafios mais relevantes, os projetos de pesquisa poderão ser mais eficazes e efetivos se articularem-se em grupo. Os organizadores Março de 2014 11 CAPÍTULO 1 - As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências CAPÍTULO 1 As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências Marcelo Carbone Carneiro1 Introdução Jean Piaget (1896-1980) pode ser considerado um dos mais importantes au- tores do século XX, sobretudo no que se refere ao impacto de suas pesquisas na Educação e na Psicologia. É considerado interacionista, pois define o desenvol- vimento humano como processo e resultado de interações entre sujeito e meio e, dessa forma, o desenvolvimento humano não ocorre somente por meio de traços hereditários, inatos, e nem devido exclusivamente às pressões do meio físico e so- cial, mas em uma interação entre estes fatores. Piaget possui uma vasta publicação de livros e artigos2 que tratam de inúmeras questões que interessam em geral à educação, sendo sua preocupação central com- preender como o conhecimento é produzido pela mente humana. Por essa razão, procurou ao longo de sua obra fundamentar a discussão sobre o desenvolvimento dos conhecimentos no sujeito e na história. Piaget construiu uma Epistemologia3 1 Professor Livre-Docente em Filosofia do Departamento de Ciências Humanas da FAAC – Bauru e do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência – UNESP – Bau- ru. Realizou, de janeiro até agosto de 2012, pesquisa de Pós-Doutorado nos Archives “Jean Piaget” em Genéve sob a supervisão da Profa. Dra. Silvia Parrat-Dayan (Université de Genève - Suisse). Bolsista FAPESP (processo 2010/17634-4). 2 Piaget e colaboradores. 3 O termo Epistemologia caracteriza certo domínio do conhecimento humano que discute os elementos do conhecimento em seus aspectos científicos e como elaboração realizada pelo sujeito. Podemos dizer que temos duas tradições que definem epistemologia; uma primeira, mais próxima de Comte e do positivismo a define, a partir do divórcio entre filosofia e ciência, como Filosofia das Ciências. No livro Curso de Filosofia Positiva, 12 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II original que investiga como o conhecimento é elaborado progressivamente por um sujeito histórico e na relação com os objetos que se encontram no mundo. Investiga- de Auguste Comte, realiza-se uma crítica do conhecimento metafísico e, consequente- mente, uma desqualificação total das especulações filosóficas e a valorização das ciências particulares. Temos, a partir de Comte, a ciência constituída como saber emancipado. No conhecimento humano, não há mais uma verdade que proceda da razão, e cada ciência é considerada em seu aspecto singular que se oferece como tema possível de reflexão (exame histórico e das argumentações internas). Além disso, com a crítica positivista e a nova configuração da ciência, no final do século XIX e início do XX, a epistemologia passou a ser um estilo ou forma de falar sobre o conhecimento das diversas ciências. As epistemologias discutem os métodos das ciências, os instrumentos necessários para o conhecimento objetivo, o papel da teoria, a importância da experiência, o trabalho do cientista e o que faz ele quando faz ciência etc. Portanto, as questões centrais da epis- temologia entendida como filosofia das ciências gravitam em torno da discussão e dos problemas colocados pelas ciências e certamente representam muito mais o sinal de uma separação do que a promoção da união entre ciência e filosofia. Uma segunda tradição, mais próxima de Piaget, defineo termo como Teoria do Conhecimento, isto é, busca compreender como o sujeito conhece as coisas. Nesse sentido, a epistemologia é o ramo da filosofia preocupado com a relação entre sujeito e objeto. Seu principal problema é estabelecer a forma como o conhecimento é construído pelo sujeito na sua relação com os objetos, isto é, compreender o papel da percepção, do corpo, da memória, da inteligência, dos hábitos e da mente na construção e organização dos objetos. Portanto, as questões principais que a teoria do conhecimento tenta responder gravitam em torno do sujeito de conhecimento que elabora formas de apreensão e conhecimento das coisas. Trata-se de compreender essas formas elaboradas. O conhecimento é uma elaboração ou construção que o sujeito elabora na relação com as coisas. Nessa perspectiva, trata-se de entender como conhecemos as coisas, o que é esse conhecimento e o que é mundo exterior. Se é possível duvidar (atitude cética) dos sentidos e dos processos racionais que levam ao co- nhecimento, o conhecimento é representação? A mente organiza os objetos, mas sob que forma? Qual o papel da memória na construção do conhecimento? Os dados perceptivos desempenham algum papel na formação do conhecimento? Portanto, a epistemologia centra-se na relação entre sujeito e objeto e busca os elementos envolvidos nessa relação, que leva ao conhecimento. A epistemologia seria, então, uma elaboração pós-cartesiana ou pós-kantiana que visa a explicação do conhecimento a partir das formas (ou pensa- mento) que o sujeito elabora para organização dos objetos. Em teoria do conhecimento, temos a relação entre um sujeito que, dependendo do referencial filosófico, é definido como pensamento, entendimento, espírito, razão, intelecto, mente etc e o objeto, que ca- racteriza os elementos exteriores (que tocam os nossos sentidos). Na relação entre o sujei- to e o mundo exterior, serão construídos os elementos que constituem o conhecimento. Entender a epistemologia como teoria do conhecimento significa tratar as ciências como construções de um sujeito e entender quais os processos de organização envolvidos. A Epistemologia Genética de Piaget busca a compreensão dos processos envolvidos na construção das formas que o sujeito elabora para assimilar e conhecer os objetos. 13 CAPÍTULO 1 - As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências ção criativa e intensa, na medida em que descreve e explica os vários conceitos que caracterizam o conhecimento humano desde sua gênese (em um processo de inven- ção e criação contínuas de novidades) e sua estruturação operatória. Sua obra trata de uma extensa variedade de temas. Entre eles, destacamos: a linguagem, o espaço, o tempo, o objeto, a causalidade, a velocidade, a Matemática, a Biologia, a Física, a noção de substância, a inteligência, a moralidade, a imagem, o sonho e o símbolo mental, entre outras, explicando o domínio do conhecimento e suas estruturas de percepção, vivência, pensamento, representação, simbolismo e operação. No entanto, destacamos que Piaget jamais propôs a aplicação de sua teoria à educação (domínio escolar). Dessa forma, a passagem da teoria à prática acaba por implicar em interpretações, apropriações e distorções inevitáveis. Por esta e outras razões, sua teoria não poderia e nem deseja responder todas as questões educa- cionais e apresenta-se, assim, como uma valiosa leitura suscetível de assimilações variadas. O que propomos neste texto é que devemos pensar com ele e não como ele, pois a obra de Piaget é uma construção monumental, impressionante e aberta. Vale lembrar, também, que há um elemento complicador nem sempre levado em consideração: a tendência de fazer referências a uma parte da obra e não ao todo, em função da complexidade, dificuldade e intensa produção do autor. A dinâmica da teoria de Piaget possibilitou que fossem explicitados conceitos, reelaboradas as teses em um processo de construção contínua de novidades que a caracteriza. No Brasil e em algumas teorias que utilizam Piaget, muitos se aferram a um pequeno período da sua produção ou somente aos estádios de desenvolvimento para falar da sua obra. É uma forma de ler que apresenta problemas e pode levar a interpreta- ções parciais e equivocadas (na teoria dinâmica e complexa de Piaget). Neste capítulo propomos retomar a teoria elaborada por Piaget e analisar as possíveis e variadas contribuições à Educação e ao Ensino de Ciências Naturais4 que esta obra pode oferecer e, além disso, argumentar que esta construção teórica ainda coloca importantes reflexões para o debate acadêmico no Brasil. O estudo das possíveis implicações da teoria de Piaget ao Ensino de Ciências abre possibilidades que acreditamos merecerem uma investigação mais detalhada, constituindo, portanto, o objetivo fundamental da reflexão proposta. Portanto, pretendemos explicitar as várias contribuições que a teoria de Piaget possibilita ao Ensino de Ciências Naturais (nos vários pontos propostos a seguir) 4 Entendemos como Ciências Naturais a Física, a Biologia e a Química (entre outras que estão nesta interface, mas sobretudo não trataremos do conhecimento próprio da Mate- mática – o que pede outra reflexão). 14 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II e a importância e interesse que ainda possui no contexto educacional contempo- râneo no Brasil. Pesquisa sobre as contribuições do pensamento de Piaget para a Educação e o Ensino de Ciências Naturais Comecemos com a formulação da seguinte questão: a Psicologia e Epistemo- logia Genéticas de Piaget têm alguma importância e podem servir de referencial para o Ensino de Ciências Naturais? A resposta é sim, mas procuramos articular várias possibilidades abertas por uma obra tão complexa, dinâmica e difícil. A partir das considerações até aqui propostas, pensamos que os dados da psi- cogênese, da psicologia e epistemologia genéticas podem auxiliar a elaboração de estratégias e metodologias de ensino e, também, possibilitar importantes reflexões para a formação dos alunos e professores de ciências. Dessa forma, desenvolvere- mos (ainda que de forma introdutória) diferentes e complexas possibilidades aber- tas pela teoria de Piaget ao Ensino de Ciências Naturais, que dividimos em seis partes: 1. Pesquisa sobre a construção das noções científicas Piaget discute intensamente, ao longo da sua longa obra, a formação das no- ções científicas (número, espaço, tempo, velocidade, causalidade etc). Conceitos que são objeto de estudos desde a década de 1930, mas que a partir da década de 1950 articulam-se ao objetivo daquele período, que é a construção de uma Epis- temologia Genética. Em seguida, seus estudos centraram-se nos mecanismos for- madores do conhecimento (abstração reflexionante, empírica etc), que interessam àqueles preocupados em discutir os mecanismos de criação contínua de novidades e as formas que possibilitam progressivamente o conhecimento mais estrutura- do das coisas (PIAGET, 1995). Na “Introdução à Epistemologia Genética”, Piaget assinala a importância das discussões epistemológicas para a análise do desen- volvimento dos conhecimentos científicos do ponto de vista histórico e de outra parte para a compreensão dos mecanismos do conhecimento sob a perspectiva do desenvolvimento. 15 CAPÍTULO 1 - As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências Sem dúvida, a teoria de Piaget representou uma novidade, pois procurou dis- cutir os mecanismos do desenvolvimento do pensamento através da construção das noções, da lógica, da Física, das Matemáticas etc. Veja só o que faz Piaget (e não é pouco!): pesquisa as muitas noções científicas do ponto de vista da elabo- ração cognitiva no sujeito (em intensa relação com o social) e na ciência daquele momento históricoe procura estabelecer correlações e implicações. É evidente que ao considerar o conhecimento como construção contínua de novidades abre a pos- sibilidade para as transformações que, certamente, ocorrerão com as ciências e o homem e as reinterpretações que deverão ocorrer deste devir e da história (como tão bem assinalam Piaget e Garcia no livro “Psicogênese e História da Ciência”). Portanto, esta teoria contribui significativamente não para responder em defini- tivo o que são os conceitos, mas para problematizá-los e investigá-los de forma epistemológica, cognitiva e científica. Por exemplo, há muito que aprender sobre o que é o tempo lendo as obras “Introdução à Epistemologia Genética: o pensamento físico”, “Psicogênese e História da Ciência”, “A Construção do Real na Criança”, “O Desenvolvimento da Noção de Tempo na Criança” e “A Epistemologia do Tempo”. Aprende-se que o tempo na história da ciência significou construções teóricas bem formuladas e articuladas, tais como as de Aristóteles, Newton e Einstein (entre outras explicações que são retomadas, tematizadas e discutidas por Piaget). É pos- sível, também, acompanhar a interpretação de Piaget sobre o desenvolvimento da cognição humana na construção de ferramentas indispensáveis para construção do real ou dos objetos (ou do universo perceptivo humano), tal como a organiza- ção espaço-temporal. A nossa cognição está e é construída no tempo. O tempo, no entanto, não é um dado a priori, mas construído na relação com o mundo vivido. Será que contribuiria para a formação dos professores de Ensino de Ciências se dominasse a discussão histórica e epistemológica sobre os conceitos científicos? Penso que sim! E mais: que merece pesquisa e estudo sobre o desenvolvimento dos conceitos na História da Ciência. Portanto, a primeira contribuição que propomos é que a intensa produção de Piaget, que ultrapassa a psicologia, centra-se nas questões epistemológicas clássi- cas como a discussão sobre os conceitos científicos, as teorias, o conhecimento e a ciência. O Ensino de Ciências não deve desconsiderar esta discussão. Há muito que aprender e problematizar a partir da obra de Piaget sobre os conceitos na história da ciência e no desenvolvimento do sujeito. 16 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II 2. Pesquisa sobre o papel ativo do sujeito para o conhe- cimento Piaget se interroga sobre a relação entre a criança e o adulto e o real na cons- trução do conhecimento e os mecanismos de interação entre o sujeito e o objeto (sobretudo nos trabalhos da década de 1930 e nos textos sobre questões pedagó- gicas5). O ensino consiste em um ato de intervenção institucionalizado, e a escola es- tabelece um modelo de conhecimento para o aluno e determina as modalidades de intervenção (programa, método, didática etc) para que este conhecimento possa ser adquirido. Dessa forma, são socialmente estabelecidos o que, o para que e o como deve ser ensinado. A teoria da ação de Piaget6 destaca a importância da atividade do sujeito na construção do saber, por exemplo, podemos considerar o erro dos alunos como a possibilidade de obtermos as significações cognitivas deles sobre as questões es- tudadas em Ensino de Ciências, ao invés de chegarmos com verdades e formali- zações prontas (patrimônio cultural da humanidade) que devem ser transmitidas àqueles que nada ou quase nada sabem e aceitam passivamente (sem grande inte- resse e reflexão). A escola impõe com frequência conhecimentos prontos em vez de estimular a pesquisa: mas isso quase não se nota porque, nesses casos, o aluno que simples- mente repete o que lhe ensinaram parece apresentar um rendimento positivo, sem que se suspeite quantas atividades espontâneas ou curiosidades fecundas foram sufocadas. (PIAGET, 1995, p. 189) Segundo Piaget, A educação não pode, menos que qualquer outra forma de edu- cação, contentar-se na transmissão e na aceitação passiva de uma verdade ou de um ideal já elaborado: a beleza, como a verdade, só vale quando recriada pelo sujeito que a conquista. (PIAGET, 1995, p. 190). 5 Piaget, J. Sobre a Pedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. 6 As considerações de Piaget aparecem no contexto da defesa da “escola nova”, tal como se configurou em Genebra, sobretudo no Instituto Jean Jacques Rousseau, criado por Cla- parède. As idéias de Piaget sobre a educação colocam-se a favor dos ideais democráticos e participativos da vida social e política, opondo-se a qualquer forma totalitária. 17 CAPÍTULO 1 - As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências A escola ainda está centrada na autoridade do Professor que impede os alunos de descobrir as coisas de forma ativa e transformadora. Piaget argumenta que a escola deva respeitar e estimular a atividade livre e criadora da criança e afastar-se do verbalismo (mera transmissão de conteúdos que são pouco ou nada assimilados pelos alunos) e ligada à realidade vivida para buscar as transformações necessárias (co-operação) do cotidiano. Diz Piaget que: É bem mais fácil falar durante aulas inteiras sobre um assunto teó- rico e artificial do que fazer penetrar no próprio espírito do ensino uma única idéia elementar, quando essa idéia vincula-se a uma atitude profunda e essencial ao espírito. (PIAGET, 1995, p. 85) A escola deveria ser o espaço da criação de instrumentos que permitam com- preender o mundo e transformá-lo7. Consideramos que, numa personalidade ativa, tudo está inter-relacionado, e o processo racional que liberta o indivíduo do seu eu para convertê-lo à vida do espírito, por intermédio da cooperação ativa e da coordenação reflexiva, é um pro- cesso tanto intelectual quanto moral, e que dura, sem nenhuma descontinuidade, do nascimento até a morte (PIAGET, 1995, p. 85). O modelo de educação fundamentado na coerção e imposição de regras parece estar ligado a um modelo de manutenção do status quo e das relações de domina- ção. A postura conteudista e reacionária (que está ligada a uma defesa da escola tradicional e de transmissão de conteúdos) da educação centra-se na defesa da formação de hábitos ditados pelo social (à maneira do Behavorismo Radical). Mas o que é uma regra? Não é um simples hábito individual, pois o hábito, se não for coercitivo em diferentes graus, nunca se apresentará, enquanto hábito, como obri- gatório. Diz Piaget: Podemos supor que seja esse hábito adquirido em classe de repetir e de obedecer, de dobrar-se sem refletir às opiniões morais e inte- lectuais dos grandes, que faz com que tenhamos tanto trabalho, uma vez adultos, para nos livrarmos das coações que os grupos impõem à nossa irreflexão. (PIAGET, 1995, p. 106 e 107) 7 No caso brasileiro um elemento estrutural que deve ser levado em conta nas discussões educacionais é a desigualdade social e as condições de produção do conhecimento na escola. Pensamos que a escola que não possibilita o acesso ao conhecimento colabora para a manutenção das desigualdades e injustiças sociais. 18 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II Durante muito tempo a escola teve por única tarefa transmitir à criança os conhecimentos adquiridos pelas gerações precedentes e exercitá-las nos conteúdos dos adultos. Povoar a memória e treinar o aluno na ginástica intelectual pareciam, pois, ser as únicas coisas necessárias, uma vez que se concebia a estrutura mental da criança como idêntica à do homem feito e que, portanto, parecia inútil formar um pensamento já plenamente constituído que apenas exigia ser exercitado. Nessa concepção, a escola por certo supõe uma relação social indispensável, mas apenas o professor e os alunos: sendo o professor detentor dos conhecimentos exatos e o perito nas técnicas a serem adquiridas, o ideal é a submissão do aluno à sua autori- dade, e todo contato intelectualdos alunos entre si nada mais é que perda de tempo e risco de deformações ou de erros (PIAGET, 1995, p. 138). O Ensino de Ciências centrado na transmissão autoritária de conteúdos (for- malizações matemáticas e fórmulas prontas) não deveria ser mais aceitável. Quan- tos de nós possuem na sua lembrança as aulas de Física ou de Química em que me- morizávamos a fórmula, buscávamos no enunciado reconhecer as formalizações e chegávamos as respostas sem nada compreender das questões científicas impli- cadas e dos conceitos desenvolvidos? Pensamos que uma das principais tarefas da educação em ciências parece ser cada vez mais a de formar o pensamento e não a de povoar a memória de conteúdos que um dia faça sentido para o aluno. Não se trata de abandonar a memória, mas não reduzir todo o conhecimento na escola ao ato de memorizar sem nada compreender. Na escola, assim como na vida em geral, aprende-se na relação com os outros, mas, como todo bem moral, só é conquistada pelo esforço livre, e o esforço livre na criança tem por condição natural a colaboração e a ajuda recíproca (PIAGET, 1995, p. 140). Diz Piaget: Mas é preciso compreender que a liberdade, oriunda da coopera- ção, não é anomia ou anarquia: ela é autonomia; ou seja, a submis- são do indivíduo a uma disciplina que ele mesmo escolhe e para a constituição da qual ele colabora com toda sua personalidade. (...) Não é livre o indivíduo que está submetido à coerção da tradição ou da opinião dominante, que se submete de antemão a qualquer decreto da autoridade social e permanece incapaz de pensar por si mesmo. (PIAGET, 1995, p. 154). É preciso ensinar os alunos a pensar, e é impossível aprender a pensar sob um regime autoritário, que não possibilita a crítica livre e autônoma. O pensamento 19 CAPÍTULO 1 - As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências supõe, portanto, a liberdade e não o trabalho sob coerção e repetição verbal (PIA- GET, 1995, p. 154). Portanto, a partir dos estudos de Epistemologia e Psicologia Genéticas enten- demos o sujeito como ativo na elaboração dos conhecimentos científicos, o que pede ao educador uma postura e um método que considerem a atividade livre, criativa e transformadora do sujeito. Essa concepção considera que o conhecimen- to adquirido é reinventado ativamente pelo aluno e não simplesmente transmitido. O problema não está na transmissão em si, mas na transmissão que desconsidera o aluno como ativo no processo de construção, assimilação e reinvenção do co- nhecimento. Neste método, é evidente que o educador continua indispensável e possui conteúdos fundamentais para a educação, mas deve organizá-los com con- tra-exemplos que levem à reflexão e não à mera aquisição automática, dogmática e acrítica dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade. Esta proposta educacional considera que o professor deixe de ser apenas um conferen- cista e que estimule a pesquisa, a curiosidade e o esforço, ao invés de se contentar com soluções prontas (deve ensinar conteúdos, mas que sejam assimilados ativa- mente pelos alunos8). Esta teoria permite qualificar um Ensino de Ciências em que os alunos são colocados em situações de aprendizagem escolar9 nas quais possam experimentar, façam leituras e discutam assuntos de interesse e não ajam simplesmente por en- comenda e sem interesse. Esta perspectiva em educação, que encontra nos textos de Piaget um referencial importante, caracteriza-se como a defesa da liberdade e do espírito democrático – sem desconsiderar o conteúdo, como foi muitas vezes equivocadamente associada. 8 Obviamente, há conteúdos que pedem memorização para compreensão, o que não inva- lida a tese geral proposta da atividade do sujeito. 9 Há variáveis no complexo processo ensino-aprendizagem que devem ser consideradas: contexto social, interesse, alunos desmotivados, atitude do professor, conteúdo a ser en- sinado, material didático disponível etc. 20 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II 3. Pesquisa sobre os mecanismos perceptivos e a causa- lidade física (relação sujeito e objeto) Uma parte significativa da obra de Piaget sobre as representações do real, os mecanismos perceptivos e a causalidade física possibilita reflexões importantes sobre conteúdos e mecanismos cognitivos e as características do mundo físico. A questão filosófica, psicológica e física sobre a existência do mundo exterior é problematizado por Piaget em diversas obras (“A construção do Real na Criança”, “O Nascimento da Inteligência na Criança”, “A Formação do Símbolo na Criança”, “Lógica e Conhecimento Científico”, “Psisogênese e História da Ciência”, “Mecanis- mos Perceptivos” etc10). E mais, o autor procurou, ao longo de sua obra, estudar a construção do mundo exterior e a existência de um pensamento organizador no curso da vida (do nascimento à morte). No Ensino de Ciências podemos, por exemplo, estudar esta questão, que envolve a percepção e a causalidade física11. O que é o mundo percebido? Existe uma forma de representação ou de apresentação do mundo físico que seja a expressão mesma das coisas? É possível trabalhar nas aulas de Filosofia da Ciência, experimentação em Fí- sica ou Química, História da Ciência, entre outras, esta questão do papel que a experiência ou a percepção tem para a construção da teoria e da compreensão dos fenômenos estudados. Por exemplo, podemos investigar dispositivos ou ex- perimentos que surpreendam a percepção imediata e problematizar como seria a explicação para aquilo que ocorreu. Explorar esta questão no Ensino de Ciências é uma fonte inesgotável para ensinar conceitos e teorias. Podemos, também, nos questionarmos sobre o fato de os experimentos estarem ligados à teoria e compro- varem aquilo que desde o início estava aceito como verdadeiro12. Este estudo pode desdobrar-se numa investigação interessante sobre a relação entre a experiência e o papel que os fatores dedutivos ou racionais têm para a construção das expli- cações nas Ciências Naturais, sobretudo – para os objetivos desta pesquisa – na Física e na Química. Podemos estabelecer um diálogo da explicação formulada por Piaget com as construídas por T. Kuhn (que participou de debates com Piaget), Karl Popper, Paul Feyrabend, Imre Lakatos, Gaston Bachelard (que trabalhou com Piaget na Sorbonne) e outros. 10 Livros que - em função de sua morte - Vigotski não leu (portanto, a crítica radical de Vigotski a Piaget é a crítica parcial deste autor). 11 O estudo das teorias da causalidade reuniu epistemólogos como Kuhn, Bunge, Rosen- feld, Halbawachs e Garcia. 12 Sobre esta questão, ver o texto “A função do dogma na ciência”, de Thomas Kuhn. 21 CAPÍTULO 1 - As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências O que propomos é a importante reflexão e discussão no Ensino de Ciências sobre a relação sujeito-mundo exterior e as possíveis implicações de posturas em- piristas, racionalistas, construtivistas etc. para ciência e seu ensino. Em especial, o estudo do livro “Psicogênese e História da Ciência”, de Jean Pia- get e Roland Garcia, pode contribuir para a formação dos alunos e para reflexões no Ensino de Ciências. Os autores não procuraram descrever correspondências termo a termo entre filogênese e ontogênese, nem possíveis recapitulações de uma pela outra. A obra procura investigar as estruturações dos mecanismos de passa- gem de um período ao seguinte e as possíveis analogias com os estádios genéticos. A utilização da História da Ciência e da psicogênese permite mostrar que aquilo que consideramos verdadeiro está num processo contínuo de construção de no- vidades (que caracteriza a teoria de Piaget, que sofreu forte influência das ideias bergsonianas). A Ciência que estudamos é esta que foi construída no Ocidentee, se o cami- nho (de construção histórica que envolve interesses, ideologia etc.) fosse outro, teríamos outros conhecimentos (PIAGET e GARCIA, 1995). Outra questão que a leitura e discussão do livro suscitam, e que interessa ao Ensino de Ciências, é a compreensão sobre o que é um fato científico. Um fato jamais existe em estado puro (como já demonstraram Duhem, Poincaré e outros), pois é sempre solidário com uma interpretação. Para Piaget, não é possível a aná- lise do conhecimento em estado puro (leis constatadas empiricamente), pois o co- nhecimento é um produto da observação dos fatos à luz de uma interpretação. Na observação de um fato na cooperação científica, deve haver um acordo para aproximação da verdade: (...) um exame honesto dos fatos, junto a uma elaboração em parte formalizada das interpretações, podem conduzir epistemólogos em desacordo inicial a uma revisão e a uma precisão de suas hipó- teses até a um acordo aproximado, em todo caso bem superior às oposições iniciais (PIAGET, 1983, p. 90). A elaboração do conhecimento necessita da cooperação científica que permite a coordenação de diferentes pontos de vista, pois a discussão das diferentes teorias pode conduzir a elaboração de uma explicação que se aproxime mais da verdade do que aquelas que se fecham paradigmaticamente em sistemas incomensuráveis. O livro de Piaget e Garcia (1995) apresenta, também, uma discussão interes- sante sobre a distinção positivista do “contexto da descoberta” e o “contexto da justificativa”, separação que procura colocar a discussão epistemológica tradicional 22 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II como ligada exclusivamente ao contexto da justificativa e alheia ao processo histó- rico e psicológico, como tão bem defendem Piaget e Garcia como indispensáveis ao entendimento da Ciência. Não há Ciência neutra. A Ciência sempre foi e será pro- duzida num contexto histórico, político e ideológico que lhe dá forma e a alavanca (ver em especial o último capítulo de “Psicogênese e História da Ciência”, de Piaget e Garcia, 1995). 4. Pesquisa sobre o papel da experimentação e da His- tória e Filosofia das Ciências na formação dos alunos em Ciências Naturais Piaget analisa o Ensino das Ciências experimentais e observa um problema das escolas tradicionais da época: o fato de negligenciarem a experimentação na formação dos alunos. Não que se aprenda meramente pelas experimentações, pois há uma atividade do sujeito que constrói o conhecimento (conforme desenvolvido no item 2 desta pesquisa). Uma experiência que não seja realizada pela própria pessoa, com plena liberdade de iniciativa, deixa de ser uma experiência, trans- formando-se em simples adestramento, destituído de valor formador por falta da compreensão suficiente. Lembremos que o princípio fundamental dos métodos ativos é a compreensão ativa e a reinvenção constante do conteúdo ensinado. Neste sentido, cabe a iniciação às Ciências Naturais favorecer a livre ativida- de do aluno através (entre outras formas) da experimentação (na medida em que as diferenciemos do aspecto dedutivo ou matemático). A educação científica deve oferecer meios propícios para estimular a curiosidade e a pesquisa ativa, e a expe- rimentação é um caminho interessante. É interessante perceber o papel que a experimentação tem nas Ciências Natu- rais e as contribuições de Piaget para este debate (levantando no caso brasileiro as experiências educacionais que utilizaram esta ideia, sobretudo no Ensino de Física e Química). Há uma distinção entre pensamento verbal (contemplado de fora) que se ca- racteriza como discurso alheio e a experimentação ativa, que por ocasião de ma- nipulações ou experiências se expressa em operações que organizam os objetos. No próprio terreno da experimentação concreta, há duas maneiras de conceber a relação do professor com os alunos e destes com os objetos. Uma é preparar tudo, de tal forma que a experiência consista numa leitura compulsória e totalmente regulada de fora. Outra é provocar a capacidade de invenção e criação da leitu- 23 CAPÍTULO 1 - As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências ra das experiências nos alunos (PIAGET, 1998, p. 179). Nesta segunda hipótese o professor terá uma postura que considera o aluno e o processo de construção do conhecimento, provocando e instigando a curiosidade e a busca do entendimento da experiência. Neste sentido, os dispositivos experimentais não levam indutiva- mente ao conhecimento. Ao contrário: é levantando problemas, procurando hi- póteses, investigando atentamente e de forma intensa e curiosa e interagindo com as respostas dos outros (há uma imperativa necessidade da interação social), que somos levados à interminável busca do conhecimento. Piaget discute, também, um aspecto central, mas que se restringe essencial- mente aos níveis secundários e universitários, o aspecto cada vez mais interdisci- plinar que assume necessariamente a pesquisa em todos os domínios. Piaget é um dos primeiros que coloca como indispensável para a formação dos professores e dos alunos a História e Filosofias das Ciências (especialmente nos textos “Sobre a Pedagogia” e “Psicogênese e História da Ciência”). O Ensino de Ciências Naturais forma mal seus alunos quando é fragmentado e não fornece a possibilidade da for- mação de conteúdos sólidos na ciência e reflexões epistemológicas sobre a ciência do seu tempo e da história que a constituiu. 5. Pesquisa sobre o papel que as imagens mentais pos- suem para o ensino de conceitos científicos Piaget construiu uma explicação epistemológica e psicológica sobre a imagem mental e suas relações com o desenvolvimento da cognição e os processos de cons- trução do conhecimento. Piaget descreve de forma muito intensa e interessante a construção dos esque- mas e esquematismo das ações sensório-motoras13, que significa um entendimento das ações do corpo como produzindo uma intencionalidade própria que possibilita (através de continuidades e descontinuidades) a representação simbólica − forma de conhecimento que é construída na passagem do período sensório-motor para o pré-operatório − marcada pela construção de certas estruturas que permitem a relação do sujeito com os objetos através de imagens, símbolos, imaginação, dese- nhos diferidos, linguagem verbal etc. No entanto, o sujeito deste período tem que reconstruir, nesse novo estádio (in- tuitivo ou simbólico), aquilo que fora conquistado no estádio anterior (prático ou 13 Sobretudo nos livros “O Nascimento da Inteligência na Criança” e a “Construção do Real na Criança”. 24 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II sensório-motor). Por não possuir ainda estruturas operatórias que possibilitem as relações com as coisas de maneira mais objetiva (organizar o real em estruturas re- versíveis e de conservação, dada uma transformação), a criança fica presa ao simbo- lismo da imagem e ao caráter estático dos elementos perceptivos. Portanto, uma das características marcantes das imagens mentais é o fato de, a princípio, não possuí- rem instrumentos operatórios que conduzam ao conhecimento. No entanto, existe uma relação próxima e estreita entre a formação dos conceitos e as imagens mentais e gráficas, que Piaget procurou desenvolver em várias obras, sobretudo na “Imagem Mental na Criança”, na “Formação do Símbolo na Criança” e “Psicologia da Criança”. No Ensino de Ciências Naturais, a utilização de imagens gráficas e o papel que as imagens mentais possuem na construção de conceitos científicos são funda- mentais para pensar a aprendizagem em Física e Química. A Química, sobretudo, é muito iconográfica e trabalha com modelos que são representados em desenhos e imagens. Sabemos que as imagens gráficas, as metáforas e as imagens mentais po-dem conter equívocos ou dificultar a aprendizagem de conceitos científicos, mas por outro lado apresentam condições de potencializar e auxiliar a compreensão na Ciência e no ensino de conceitos muito distantes da compreensão por seu caráter puramente conceitual e matemático. A obra de Piaget voltou-se bastante e com muita consistência aos mecanismos formadores do conhecimento, em especial, a relação entre imagens e operações. Ao nascer, percebemos a criança relacionar-se com as coisas com a ausência de imagens mentais (esta é uma das teses centrais de Piaget sobre o assunto). So- mente com a construção de uma inteligência prática e bem estruturada, o sujeito relaciona-se com objetos através de representações imagéticas. No período pré-operatório, a criança utiliza-se do simbolismo da imagem14, característica desse estágio de desenvolvimento do sujeito. A imagem cumpre papel fundamental para os atos de conhecer, sobretudo em seu aspecto simbólico, embora o pensamento não seja um “amontoado” de imagens15. 14 Além das condutas próprias desse estágio de desenvolvimento, marcadas pela constru- ção da função semiótica ou simbólica. 15 Piaget é um crítico do empirismo, que entende o conhecimento como cópia das impres- sões. O conhecimento é assimilação. Com relação à crítica de Bergson à inteligência, dizendo que esta opera de forma cinematográfica, ele estaria correto no que se refere à imagem, desconsiderando totalmente a operação e o processo de criação de novidades próprias da inteligência humana. 25 CAPÍTULO 1 - As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências Ora, a hipótese do conhecimento-cópia tem a seu favor o fato de pôr diretamente a tônica sobre as propriedades do objeto e são, com efeito, estas que se trata de atingir, enquanto que, se quiser- mos assimilar o real às estruturas do sujeito, arriscamo-nos a não atingir o objeto. Simplesmente, o objeto não é mais que um ins- tantâneo recortado no fluxo contínuo das relações de causalida- de e o real aparece, mais cedo ou mais tarde, como consistindo, para além das aparências, em sistemas de transformações. Copiar essas transformações não é então possível senão reproduzindo-as ativamente e prolongando-as, o que se resume em dizer que já não há, no verdadeiro sentido da palavra, cópia e que, para conhecer os objetos, é preciso agir sobre eles de maneira a decompô-los e a recompô-los (PIAGET, 1977, p. 7 e 8). Uma característica da relação da criança com as coisas no período pré-ope- ratório16 é o pensamento figurativo, pois a criança, quando raciocina, fica presa à imagem e à percepção, por ausência de pensamento operatório que permita racio- cínios coerentes e reversíveis, que possibilitem composições de diferentes elemen- tos em sistemas de classes e relações. Portanto, a relação entre o sujeito e o objeto, nesse período, caracteriza-se pela reprodução das coisas sem as transformações que estas comportam. Qual é o papel da imagem neste processo? Para o empirismo (associacionismo), a imagem é considerada: 1. Como um produto da percepção e da sensação (cópia imperfeita das per- cepções e sensações); 2. Elemento principal do pensamento, e a conexão das imagens ocorrem por associação. 3. Como uma cópia, ainda que imperfeita, dos objetos e não um símbolo subordinado a operações do pensamento. Para Piaget (1977), a imagem é de aparecimento tardio. Só aparece com a cons- trução da função simbólica que permite dissociar significante e significado (carac- terizado pelas seguintes condutas: linguagem, jogo simbólico, imitação diferida, desenho etc). Segundo o autor: 16 De aproximadamente dois anos até sete ou oito anos de idade. 26 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II Ora, se o aparecimento das imagens parece assim ligado à consti- tuição da função simbólica, na sua qualidade de diferenciação dos significantes e dos significados permitindo a evocação dos objetos ou acontecimentos não atualmente percebidos, é sem dúvida, como foi desenvolvido na mesma obra porque a imitação assegura a tran- sição entre o sensório-motor e o representativo e porque a própria imagem constitui imitação interiorizada. (PIAGET, 1977, p. 11) A imagem seria, portanto, imitação interiorizada. O caráter sensível desta es- taria numa imitação da percepção (cópia símile-sensível). Assim: Na hipótese, que será a nossa, de um conhecimento-assimila- ção, o objeto só é conhecido enquanto conceitualizado em graus diversos. A imagem é sempre o produto de um esforço de cópia concreta e mesmo símile-sensível do objeto, mas esta cópia per- manece fundamentalmente simbólica, pois o significado efetivo só se encontra no conceito. Encontramo-nos neste caso diante da mesma dificuldade com que deparamos ao querer compreender as ‘palavras’ da linguagem, cujo aspecto semântico é solidário de toda conceptualização. (PIAGET, 1977, p. 15). Consideramos que a teoria de Piaget tem muito a contribuir na reflexão sobre o papel que as imagens possuem para o ensino de conceitos científicos. 6. Pesquisa sobre “A Representação do Mundo na Crian- ça” (descrições fenomenológicas) e a importância para o ensino de conceitos científicos Piaget contribui, também, para pensar as descrições fenomênicas (mundo vivi- do) que as pessoas (crianças e adultos) fazem do mundo físico, químico e biológico. Uma forma interessante que o Ensino de Ciências tem de abordar a questão do conhecimento é investigar a representação que os alunos fazem do mundo para depois (ou ao mesmo tempo) articular aos conceitos já elaborados pela ciência. O que fazer se a representação dos alunos for errada ou falsa, segundo a Ciência atual, acerca de um determinado conhecimento? O professor pode utilizar estas explicações para construir suas aulas de ciências. 27 CAPÍTULO 1 - As contribuições da epistemologia e psicologia genéticas de Piaget ao ensino de ciências Nos livros “A Representação do Mundo na Criança”, “O Desenvolvimento das Quantidades Físicas na Criança” e “O origem da idéia de Acaso na Criança”, Piaget discorre sobre as representações que as crianças fazem do mundo físico, biológico e químico, buscando compreender os mecanismos presentes nestas representações. A tese piagetiana é que há uma modificação das explicações formuladas pelo sujeito ao longo da vida e mecanismos cognitivos presentes nesta descrição. Prin- cipia nas explicações das crianças uma forma de representação muito ligada aos dados imediatos e perceptivos e sem muita estruturação operatória (composição dedutiva e reversível). Por exemplo, na pesquisa sobre a conservação da substância, peso e volume o sujeito (da criança que se utiliza de imagens ao adulto) elabora explicações sobre a fragmentação da substância17 do açúcar (atomismo). As representações que as crianças fazem da transformação do açúcar são: 1- transformação do açúcar em água; 2- pulverização com liquefação; 3- atomismo: o pedaço de açúcar se divide em grãos invisíveis, que perdem seu peso e volume. Segundo os estudos de Piaget, essas representações estão estreitamente ligadas ao processo de construção dos mecanismos operatórios que levam à conservação. A elaboração de uma composição atomística consiste em coordenações das ope- rações de fracionamento com as de deslocamentos, enquanto que a liquefação e a pulverização com liquefação caracterizam a transformação qualitativa do açúcar. É possível, no Ensino de Ciências, utilizarmos as teses interessantes e instigan- tes de Piaget sobre o retorno ao “mundo vivido”, sua compreensão e relação com o universo do pensamento, da ciência, da moral, da arte, da afetividade e da vida. Esse retorno implica em uma compreensão do humano como inacabado e em de- senvolvimento. Para Piaget, a inteligência deriva da ação, não na acepção demeras respostas associativas, mas no sentido muito mais profundo da associação do real com as coordenações necessárias e gerais da ação (assimilação). Conhecer é, pois, assimilar o real às estruturas do sujeito. 17 Precedida por uma representação do desaparecimento da substância (aniquilamento completo da substância). 28 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II Referências Bibliográficas AGUIAR JR., O. O papel do Construtivismo na Pesquisa em Ensino de Ciências. Investigações em Ensino de Ciências, v. 3, n. 2, p. 107-120, 1998. BECKER. F. A Epistemologia do professor. O cotidiano da escola. Rio de Janeiro: Vozes, 1993. CACHAPUZ et alli. A necessária renovação do Ensino de Ciências. São Paulo: Cortez Editora, 2005. CARNEIRO, M. C. O problema do conhecimento e a aprendizagem das noções científicas segundo a Epistemologia Genética de Piaget. In: ARAÚJO, E. S. N. N.; CALDEIRA, A. M. A.; CALUZI, J. J. (orgs.). Divulgação científica e ensino de ciências: estudos e experiências. São Paulo: Escrituras, 2006. CARVALHO, A. M. P.; GIL-PEREZ, D. 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Conhecer a evolução e/ ou a transformação das áreas de conhecimento, ao longo do tempo e do espaço, e a sua contribuição para a vida da sociedade humana é igualmente imprescindível nesta sociedade moderna, capitalista, industrial, tecnológica e globalizada. Nessa perspectiva, entender a História da Ciência como forma de associar os conhecimentos científicos produzidos pela humanidade, com os problemas que originam e impulsionam a construção de novos saberes, e como eles são transpor- tados para a sala de aula, nas escolas, é um desafio para qualquer docente. Nesse sentido, as concepções epistemológicas docentes têm sido alvo de estu- dos para diversos pesquisadores no Brasil, no sentido de melhorar o desempenho das aulas de Ciências (KRASILCHICK, 2000; WERTHEIN E CUNHA, 2009; AL- VES e FORSBEY, 2009; BRINCKMANN e DELIZOICOV, 2009; NASCIMENTO et al., 2010; PIRES FERREIRA e FERREIRA, 2010; DELIZOICOV et al., 2011). Porém, neste texto não abordaremos esse tema. A finalidade deste texto é contribuir com os docentes e pesquisadores da edu- cação diante de algumas reflexões sobre a inserção das Ciências da Natureza no currículo escolar brasileiro, no contexto da História da Ciência e da Educação, e 1 Professora Adjunta da UFMS, Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, Programa de Pós-graduação Mestrado em Ensino de Ciências. 38 | História e Filosofia das Ciências e o Ensino de Ciências II mostrar como os saberes e as atividades dessa área foram aos poucos se inserindo na rotina escolar, desde a época da colônia até os dias de hoje. Conforme estudos históricos de Alfonso-Goldfarb (1994, p.8), “a História da Ciência, que se desenvolveu no interior da Ciência, sempre esteve mais próxima da Filosofia (Lógica, Epistemologia, Filosofia da Linguagem), do que da História”. E sem utilizar os métodos e procedimentos da História, permaneceu por muito tempo. É compreensível, então, que não basta, apenas, juntar as palavras História e Ciência, para se compreender o significado e o movimento desse campo de co- nhecimento, conforme se pensava até o século passado (século XX). Foi preciso a História da Ciência transformar sua concepção (o que ocorreu aos poucos e lenta- mente), trazendo para si elementos da História em consonância com subsídios da Sociologia, da Antropologia e das Ciências Humanas (ALFONSO-GOLDFARB, 1994), abrindo espaço, desse modo, às contribuições de outras sociedades e cultu- ras, e não somente à ocidental. O movimento real da História da Ciência é múlti- plo, entrelaçado e conectado. Por isso, em se tratando de abordagens históricas sobre a Ciência, há que se ter outra percepção dessa relação, diferentemente da percepção de séculos passados (linear e positivista), em que os fatos notáveis eram escolhidos, descritos e registra- dos com base no pensamento de filósofos e/ou historiadores das Ciências que per- tenciam, em grande parte, a uma sociedade específica (ocidental), e que possuíam interesses pessoais e/ou coletivos (econômicos, políticos, religiosos, entre outros) no desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia da forma que lhes convinha. É pertinente observar que a realidade da sociedade ocidental europeia, no sé- culo XVII, era de profunda transformação quanto aos modos de produção. Ela passou do sistema feudalista para o sistema capitalista, uma exigência do desen- volvimento comercial da época, que culminou em grandes avanços das pesquisas científicas. O resultado dessas transformações foi um amplo desenvolvimento tec- nológico, que alterou os rumos da história da sociedade humana (PONCE, 1995; GASPARIM, 1994; CAMBI, 1999). Gasparin (1994) revela que o novo modo de produção influenciou de tal modo a sociedade da época, que deslocou o centro de explicações das ações do homem, de Deus para o próprio homem, gerando o antropocentrismo, pensamento em que o homem se colocava como centro da criação. É importante ressaltar que as reflexões aqui contidas partem da premissa de que a História da Ciência constituiu-se de uma cadeia de acontecimentos entrela- çados, com diferentes formas de determinação da sociedade, dependendo do viver de cada cultura e de cada época (LÉVI-STRAUSS, 1976; ALFONSO-GOLDFARB, 1994), com continuidades e descontinuidades, as quais permitiram que ocorres- 39 CAPÍTULO 2 - Inserção das Ciências Naturais no currículo escolar brasileiro: contexto da História da Ciência e da educação sem grandes revoluções e mudanças em seu interior (KUHN, 1978; BACHELARD, 1996), influenciando totalmente a Educação científica através dos tempos. Por meio dos estudos historiográficos sobre a Ciência, desenvolvida por Tho- mas Kuhn, na década de 1960, verificamos que a mudança de pensamento nesse campo ocorreu a partir de nova forma de se estudar essa história, ou seja, a partir da contribuição dos estudos sociológicos. Partindo de estudos históricos e socioló- gicos, Kuhn (1978) defendeu a ideia de que os avanços da Ciência não resultaram de continuidade, mas sim da ruptura de estruturas científicas consolidadas. Se- gundo o mesmo teórico, uma Ciência evolui por etapas, que em alguns momentos são de evolução normal, em outros momentos de ruptura revolucionária, sendo esses momentos, os revolucionários, os que mais contribuem para o desenvolvi- mento da Ciência. Como exemplo do que foi dito acima, apresentamos as palavras de Galileu Galilei para Andrea, filho de sua governante (século XVII), traduzido da peça de Bertold Brecht (1938/1939): Em Siene, quando moço, vi uma discussão de cinco minutos so- bre a melhor maneira de mover blocos de granito, em seguida, os pedreiros abandonaram uma técnica milenar e adotaram uma disposição muito mais inteligente das cordas. Naquele lugar e na- quele minuto fiquei sabendo: o tempo antigo passou, e agora é um tempo novo. Logo a humanidade terá uma ideia clara de sua casa, do corpo celeste que ela habita. O que está nos livros antigos não lhes basta mais. (BRECHT, 1991, p. 57) Esse diálogo demonstra que a descontinuidade científica já existia em séculos passados, e a mudança de paradigma também. Mas isso não era levado em consi- deração pelos filósofos e historiadores da Ciência, que na realidade eram, na sua maioria, os próprios cientistas da época, sendo a História da Ciência um artefato que servia para justificar os feitos da própria Ciência. A contribuição de Galileu, contada por ele próprio, e por meio da historiografia, tornou-o um dos precursores da Ciência Moderna, junto a outros notáveis (ALFONSO-GOLDFARB, 1994, p.43). Ressalta-se que a forma linear e descontextualizada de contar essa História da Ciência, por muitos historiadores, retira
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