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NN TT PP -- AAAA NÚCLEO DE TRABALHOS PERMANENTES DE AGRICULTURA ALTERNATIVA FEDERAÇÃO DE ESTUDANTES DE AGRONOMIA DO BRASIL BR 465 Km 7 Caixa Postal 74593 - CEP 23890-000 - Seropédica, RJ e-mail: ntpaarural@starmedia.com TEXTO DE SUBSÍDIO PARA A DISCUSSÃO DE AGRICULTURA ALTERNATIVA NA PLENÁRIA NACIONAL DE ENTIDADES DE BASES (PNEB DA PÁSCOA) EXTRAÍDO DO LIVRO AGROECOLOGIA: AS BASES CIENTÍFICAS DA AGRICULTURA ALTERNATIVA. AUTOR: MIGUEL ALTIERI – PTA/FASE 1989 “ O objetivo último da agricultura não é cultivar as plantas mas sim cultivar os seres humanos.” (M. Fukuoka) A Evolução do Pensamento Agroecológico Susanna B. Jíecht Portanto, na ciência natural, é o objeto composto, o objeto como um todo que primeiramente nos interessa, não somente a matéria que o compõe, a qual não é encontrada independentemente do próprio objeto. Aristóteles ALICERCE HISTÓRICO O uso contemporâneo do termo agroecologia data dos anos 70, mas a ciência e a prática da agroecologia tem a idade da própria agricultura. Os pesquisadores, ao explorarem as culturas indígenas, as quais são relíquias modificadas das primeiras formas de agricultura, mostram ser cada vez mais evidente que muitos sistemas agrícolas desenvolvidos localmente incorporaram em suas rotinas mecanismos para acomodação das culturas às variações do ambiente natural e proteção das mesmas contra predadores e competidores. Estes mecanismos lançam mão de recursos renováveis e disponíveis na região e de características ecológicas e estruturais do campo agrícola, de terras de pousio e da vegetação circundante . A agricultura nestas situações, envolve outros recursos a serem manejados que não apenas uma determinada cultura “alvo”. Estes sistemas de produção foram desenvolvidos para que se equilibrem os riscos ambientais e os econômicos e que se mantenha a base produtiva da agricultura através dos FEAB/UN E tempos. Enquanto que os agroecossistemas podem incluir infra-estruturas descentralizadas como terraços, valas e trabalhos de irrigação, o conhecimento agronômico localmente desenvolvido centraliza-se na realização contínua destes sistemas de produção. O fato desta herança agrícola ser relativamente sem importância nas ciências agronômicas formais reflete um preconceito que alguns pesquisadores contemporâneos estão tentando ultrapassar. Três processos históricos muito fizeram para obscurecer e denegrir os conhecimentos agronômicos que eram desenvolvidos por povos e suas culturas locais e sociedades não-ocidentais: (1) a destruição dos meios populares de codificação, desregulando a transformação das práticas agrícolas; (2) as transformações dramáticas de muitas sociedades nativas não-ocidentais e dos sistemas de produção nos quais eram baseados, como um resultado de um colapso demográfico, escravidão e processos coloniais e de mercado; (3) a ascensão da ciência positivista. Conseqüentemente, houve poucas oportunidades para que as idéias percebidas e desenvolvidas numa agricultura mais holística pudessem se infiltrar na comunidade científica formal. Esta dificuldade é ainda acirrada por preconceitos não reconhecidos de pesquisadores da área da agronomia com relação a fatores sociais, tais como classes, etnicidade, cultura e gênero. Historicamente, o manejo agrícola incluía rica simbologia e sistemas rituais que freqüentemente serviam para regular as práticas de uso da terra e para codificar os conhecimentos agrários dos povos que não conheciam a escrita (Ellen 1982; Conklin 1972). A existência de cultos e rituais agrícolas é documentado em muitas sociedades, incluindo as da Europa Ocidental. Certamente, estes cultos eram focos essenciais da Inquisição Católica. Historiadores sociais do período medieval, como Ginzburg (1983), mostraram como as cerimônias rurais foram queimadas como feitiçaria e como tais atividades transformaram-se em focos de perseguição intensa. Não surpreendentemente, ao lançarem-se ao mar os exploradores espanhóis e portugueses pós-inquisição e os europeus espalharem suas conquistas pelo mundo todo por “Deus, Ouro e Glória”, parte de seus maiores projetos incluíam atividades evangélicas que freqüentemente alteravam as bases rituais e simbólicas da agricultura das sociedades não-ocidentais. Estas modificações transformaram e freqüentemente interferiram na propagação geral e especificas dos conhecimentos agrícolas locais. Este processo, além de doenças, escravidão e da freqüente reestruturação das bases agrícolas das comunidades rurais com propósitos colonialistas e mercantis, freqüentemente contribuíram para a destruição ou abandono de tecnologias “de ponta” tais como sistemas de irrigações. E contribuíram especialmente para o empobrecimento de tecnologias “brandas” (cultivares, consórcios de culturas, técnicas de controle biológico e de manejo desolo) dos agricultores locais, as quais eram muito mais dependentes de formas culturais de transmissão A literatura histórica documenta como as doenças trazidas pelos exploradores afetaram as populações nativas. Especialmente no Novo Mundo, colapsos rápidos e inimagináveis de devastação populacional ocorreram. Em algumas áreas, aproximadamente 90% da população morreram em menos de 100 anos (Denevan 1976). Com eles, morreram sistemas culturais e de conhecimento. Os efeitos terríveis das epidemias caracterizaram as primeiras fases de contato, mas outras atividades, especialmente a escravidão nas plantações do Novo Mundo também tiveram impactos drásticos nas populações e, conseqüentemente, no conhecimento agrícola até o século XIX, inclusive. Inicialmente, as populações locais eram os focos para a captura de escravos, mas estes grupos geralmente eram capazes de escapar. Os problemas de doenças para os índios do Novo Mundo também os fizeram uma força de trabalho longe da ideal. As populações africanas, por outro lado, estavam acostumadas às condições tropicais e eram relativamente resistentes às doenças européias. Eles puderam, então, satisfazer a necessidade crescente de força de trabalho para as plantações de cana e de algodão. Por mais de dois séculos, mais de 20 milhões de escravos foram transportados da África para várias plantações do Novo Mundo (Wolf 1982). A escravidão era tida como a melhor força de trabalho (homens e mulheres jovens) e isto resultou na perda da importante força de trabalho para a agricul- tura local e no abandono do trabalho agrícola, uma vez que as pessoas procuravam evitar a escravidão mudando-se para longe das áreas onde predominava o trabalho escravo. A desintegração destes sistemas de conhecimento através da exportação de mão-de-obra para o trabalho, da erosão das bases culturais da agricultura local e da mortalidade associada às lutas estimuladas pela captura de escravos foi, mais tarde, completada pela integração destes sistemas residuais nas estruturas coloniais e mercantilistas. O contato europeu com o mundo não-ocidental não foi benigno e, geralmente, envolveu transformações de sistemas produtivos para satisfazer necessidades dos centros burocráticos locais, enclaves ligados à mineração ou a recursos naturais, e ao comércio internacional. Isto foi alcançado através, em alguns casos da coerção direta, e em outros, através da reorientação ou manipulação econômica através da conspiração das elites locais e de líderes e através da troca. Esses processos mudaram, fundamentalmente, as bases da economia agrícola. Com a emergência de culturas de retomo imediato e a crescente pressão em itens particulares para exportação, as estratégias de uso da terra que foram desenvolvidas em milênios para reduzir os riscos na agricultura e manter a base de recursos foram desestabilizadas. Muitos estudos documentaram estes efeitos (Watts1983, Wolf 1982, Palmer e Parsons 1977, Wasserstrom 1982, Browkenshaw et ai. 1979, Geertz 1962). Finalmente, quando cronistas e exploradores mencionaram positivamente as práticas nativas do uso da terra, era difícil a tradução destas observações de formas não-folclóricas, socialmente aceitáveis e coerentes. A ascensão do método positivista na ciência e a tendência do pensamento ocidental à atomística e às perspectivas mecanicistas (vide Capítulo 2) associados ao ilumínismo do século XVIII alteraram dramaticamente o discurso acerca do naturalismo (Mcrchant 1980). Esta transição epistemológica substituiu uma visão orgânica e viva da natureza para uma visto mais mecânica. Cada vez mais, esta tendência enfatizava uma linguagem científica, uma maneira de se referir ao naturalismo que rejeitavam outras formas de conhecimento científico como superstição. Na verdade, na época de Condorcet e Comte, a ascensão da ciência estava ligada ao triunfo da razão sobre a superstição. Esta posição, ao lado de uma visão depreciativa das habilidades do homem rural e da população colonizada, em particular, obscureceram ainda mais a riqueza de muitos sistemas de conhecimentos rurais cujo conteúdo era expresso de forma discursiva e simbólica. Por não compreenderem o contexto ecológico, a complexidade espacial da forma de cultivo da agricultura não-formalizada era freqüentemente rechaçada como desordem. Dado este histórico, pode-se perguntar como a agroecologia ressurgiu. A “redescoberta” da agroecologia é um exemplo não usual do impacto de tecnologias preexistentes na ciência, onde avanços importantes no entendimento da natureza resultaram da decisão de cientistas em estudar o que os produtores haviam aprendido a fázer (Kuhn 1979). Kuhn aponta que, em muitos casos, os cientistas obtiveram sucesso em “meramente validar e explicar, não em melhorar, as técnicas desenvolvidas anteriormente”. O modo de como a idéia da agroecologia reemergiu também requer a análise da influência de algumas correntes intelectuais que tinham relativamente pouco a fazer com a agricultura formal. O estudo de sistemas de classificação indígenas, de teorias do desenvolvimento rural, ciclos de nutrientes e sucessões ecológicas tiveram pouca relação direta com a ciência agrícola, ciência do solo, fitopatologia e manejo de pragas como são normalmente praticados. (...) O QUE É AGROECOLOGIA? O termo agroecologia pode significar muitas coisas. Superficialmente defi- nida, a agroecologia geralmente incorpora idéias mais ambíentais e de sentimento social acerca da agricultura, focando não somente a produção, mas também a sustentabilidade ecológica dos sistemas de produção. Este pode ser chamado o uso “normativo” ou “prescrito” do termo agroecologia, porque implica um número de fatores sobre sociedade e produção que estão além dos limites do campo da agricultura. Mais estreitamente, agroecologia se refere ao estudo de fenômenos puramente ecológicos que ocorrem nos campos das culturas, tais como relações predador/predado, ou competição cultura/invasoras. A Visão Ecológica No coração da agroecologia, há a idéia de que os campos de culturas aio ecossistemas nos quais os processos ecológicos encontrados nas outras formações de vegetações — como ciclos de nutrientes, interações predador/presa, competição, comensalismo e sucessões ecológicas — também ocorrem. A agroecologia enfoca as relações ecológicas no campo e o seu objetivo é iluminar a forma, a dinâmica e a função destas relações. Em alguns trabalhos agroecológicos está implícita a idéia que através da compreensão destes processos e relações, os agroecossistemas podem ser manipulados para produzir melhor, com menos impactos negativos ambientais e sociais, mais sustentabilidade e menos insumos externos. Conseqüentemente, um certo número de pesquisadores das ciências agrícolas e campos afins começaram a ver o campo de culturas como um tipo particular de ecossistema — um agroecossistema — e a formalizar a análise do conjunto de processos e interações dos sistemas das culturas. A estrutura analítica fundamental depende muito da teoria dos sistemas e das tentativas teóricas e práticas em integrar os numerosos fatores que afetam a agricultura (Spedding 1975, Conway, 1981, Gliessman 1982, Conway 1985, chambers 1983, Ellen 1982, Altieri 1983, Lowrance et ai. 1984). A Perspectiva Social Os agroecossistemas têm vários graus de resistência e estabilidade, mas saio aio estritamente determinados por fatores ambientais ou bióticos. fatores sociais como colapsos dos preços de mercado ou mudanças na posse da terra podem romper com os sistemas agrícolas tio decisivamente como secas, explosão de pestes ou declínio da fertilidade do solo. Por outro lado, decisões de alocação de energia e de insumos materiais podem aumentar a resistência e a recuperação de ecossistemas danificados. Apesar da manipulação humana dos sistemas para produção agrícola geralmente alterar de maneira dramática a estrutura, a diversidade, o modelo energético, o fluxo de nutrientes e os mecanismos reguladores da população nos campos agrícolas; estes processos ainda funcionam e podem ser explorados experimentalmente. A magnitude das diferenças nas funções ecológicas entre ecossistemas naturais e agrícolas depende tremendamente da intensidade e freqüência das perturbações naturais e humanas que se impingem no ecossistema. Os resultados da inter- relação entre características endógenas biológicas e ambientais dos campos agrícolas e dos fatores exógenos sociais e econômicos geram a estrutura particular dos agroecossistemas. Por razão, geralmente necessita-se de uma perspectiva mais ampla para se explicar e observar sistemas de produção. Um sistema agrícola difere fundamentalmente em vários aspectos de estrutura e função dos sistemas ecológicos “naturais”. Os agroecossistemas são ecossistemas semidomesticados que encaixam-se num gradíente entre ecossistemas que experimentaram um mínimo de impacto humano e aqueles sob um máximo controle humano, como as cidades. Odum (1984) descreve quatro características cipais dos agroecossistemas: 1. Os agroecossistemas incluem fontes auxiliares de energia como a humana, animal e energia de combustíveis a fim de aumentar a produtividade de organismos em particular. 2. A diversidade pode ser bastante reduzida ao se comparar com ecossitemas naturais. 3. Os animais e as plantas dominantes estão mais sob seleção artificial do que natural. 4. Os controles dos sistemas são na maioria das vezes externos, e não internos via subsistemas de “feedback”. O modelo de Odum é baseado, principalmente, na agricultura modernizada como é encontrada nos Estados Unidos. Existem, entretanto, muitos tipos de sistemas agrícolas, particularmente nos trópicos, que não se enquadram nesta definição. Particularmente suspeitas são as questões da diversidade e da natureza da seleção em agriculturas complexas, onde vários animais e plantas silvestres semidomesticados figuram nos sistemas de produção. Por exemplo, Conklin, 1956) descreveu agroecossistemas nas Filipinas que incluíam mais de 600 plantas cultivadas e manejadas. Apesar desta agricultura não ser tão diversa quanto algumas florestas tropicais, era certamente mais diversa que muitos outros ecossistemas locais. Os sistemas agrícolas aio interações complexas entre processos externos e internos sociais, biológicos e ambientais. Isto pode ser entendido espacialmente a nível de campo agrícola, mas freqüentemente também inclui uma dimensão temporal. O grau de controle externo vs. controle interno pode refletir a intensidade do manejo através dos anos, o que pode ser bem mais variável do que Odum sugere. Em sistemas itinerantes, por exemplo, os controles externos tendem a desaparecer nos períodos de descansoda terra mais tardios. O modelo de agroecossistemas de Odum é um ponto de partida interessante para o entendimento da agricultura sob a perspectiva de um sistema ecológico, mas não consegue captar a diversidade e a complexidade de muitos agroecossistemas que se desenvolveram em sociedades não-ocidentais, particularmente nos trópicos úmidos. Além disso, a falta de atenção deste modelo aos determinantes sociais na agricultura deixa-o com capacidade explanatória limitada. Os sistemas agrícolas são artefatos humanos e os fatores determinantes da agricultura não se limitam às fronteiras do campo. As estratégias agrícolas respondem não somente a forças ambientais, bióticas e das culturas, mas também refletem as estratégias de subsistência humana e condições econômicas (Ellen 1982). Fatores como a disponibilidade de mão-de-obra, acessos e condições de crédito, subsídios, riscos previstos, informação de preços, obrigações familiares, tamanho da família e acesso a outras formas de subsistência são, geralmente, críticos para o entendimento da lógica dos sistemas de produção. Particularmente, ao se analisarem situações de pequenos produtores fora dos EUA e Europa, a simples maximização da produção em sistemas de monoculturas são menos úteis para se entender o comportamento dos produtores e suas escolhas agronômicas (Scott 1978 e 1986, Bartlett 1984, Chambers 1984). O Desafio da Agroecologia Os cientistas da agricultura convencional têm se preocupado, principalmente, com as práticas de manejo do solo, dos animais e das plantas na produtividade de uma dada cultura, usando a perspectiva de enfatizar um problema específico como os nutrientes do solo ou a epidemia de pestes. Este encaminhamento de sistemas agrícolas tem sido determinado, em parte, pelo diálogo limitado entre as linhas disciplinares, pela estrutura de investigação científica que tende a atomizar as questões de pesquisa e pela comodidade do enfoque agrícola. Não há dúvida que as pesquisas agrícolas baseadas nesta visão obtiveram sucesso em aumentar a produção em situações favoráveis. No entanto, os cientistas reconhecem, cada vez mais, que esta visão estreita pode limitar as opções agrícolas para o homem do campo e que esta visão especifica geralmente traz consigo conseqüências secundárias não planejadas e que, freqüentemente, causam danos ecológicos e custos sociais. A pesquisa na agroecologia concentra-se em temas centrais do campo agronômico, porém, dentro de um contexto mais amplo que inclui variáveis ecológicas e sociais. Em muitos casos, as premissas sobre os propósitos de um sistema agrícola podem variar unicamente com o enfoque producionista de alguns cientistas. A agroecologia pode ser mais bem descrita como uma tendência que integra as idéias e métodos de vários subcampos em vez de uma disciplina especifica. A agroecologia pode ser um desafio normativo aos temas relacionados à agricultura que existem nas diversas disciplinas. Ela tem raízes nas ciências agrícolas, no movimento ambiental, na ecologia (particularmente na explosão da pesquisa de ecossistemas tropicais), nas análises de agroecossistemas indígenas e em estudos de desenvolvimento rural. Cada uma destas áreas em questão têm diferentes objetivos e metodologias, ainda que tomadas juntamente, todas têm influência legítima e importante no pensamento agroecológico. INFLUÉNCIAS NO PENSAMENTO AGROECOLÕGICO Ciências Agrícolas Como Altieri (1983) apontou, o crédito de grande parte do desenvolvimento inicial da ecologia agrícola pertence a Klages (1928). Klages sugeriu que, para entender as relações complexas entre a cultura e seu ambiente, deve-se levar em conta os fatores fisiológicos e agronômicos que influenciam a distribuição e adaptação de culturas de espécies determinadas. Mais tarde, Klages (1942) ampliou sua definição, incluindo fatores históricos, tecnológicos e sócio- econômicos como determinante sobre qual cultura poderia produzir numa determinada região e quanto produziria. Papadakis (1938) enfatizou que o cultivo deveria ser baseado nas respostas das culturas ao ambiente. A ecologia agrícola foi elaborada posteriormente nos anos 60 por Tiscbler (1965) e integrada nos currículos agrícolas, cujos cursos eram orientados a desenvolver a base para um ponto de vista ecológico na adaptação das culturas. A agronomia e a ecologia de culturas estio se aproximando cada vez mais, mas a integração da agronomia com outras ciências (incluindo as ciências sociais) necessárias ao trabalho agroecológico está apenas começando. Os trabalhos de Azzi (1956), Wilsie (1962), Tischler (1965), Chang (1968), e Loucks (1977) representam uma mudança gradual em direção a uma visão de ecossistemas na agricultura. Azzi (1956), em particular, enfatizou que apesar de meteorologia, ciências do solo e entomologia serem disciplinas distintas, o estudo destas em relação às respostas em potencial das culturas converge numa ciência agroecológica que pode esclarecer as relações entre as culturas e o ambiente. Wilsie analisou os princípios da adaptação e distribuição das culturas em relação aos fatores de seus habitats e fez uma tentativa de formalizar o corpo das relações implícitas nos sistemas de culturas. Chang (1968), mais tarde, seguiu as linhas sugeridas por Wilsie, enfocando, em maior grau, os aspectos ccofisiológicos. No começo da década de 70, houve uma expansão enorme da literatura agronômica com perspectiva agroecológica, incluindo trabalhos como os de Dalton 1975, Netting 1974, van Dyne 1969, Spedding 1975, Loomis et ai. 1971, Cox e Atkins 1979, Richards, P. 1974, Vandermeer 1981, Edens e Koenig 1980, Edens e Haynes 1982, Altieri e Letourneau 1982, Gliessman et ai. 1981, e Bayliss-Smith 1982. No fim da década de 70 e começo da de 80, um componente social cada vez maior apareceu na literatura agrícola, mais como uni resultado dos estudos de desenvolvimento rural e de críticas às estruturas de desenvolvimento agrícola dos EUA (Buttel 1986). A contextualização social acompanhada de análises agronômicas gerou avaliações complexas da agricultura, particularmente em relação ao desenvolvimento regional (Altieri e Anderson 1986, Brush 1977, Richards, P. 1984 e 1986, Kurin 1983, Bartlett 1984, Hecht 1985, Blaikie 1984). Aqueles que trabalham com pragas, especialmente os entomologistas, fizeram Importantes contribuições ao desenvolvimento de uma perspectiva ecológica na proteção de plantas. A teoria e a prática do controle biológico de pragas estão baseadas em princípios ecológicos (Huffaker e Messenger 1976). O manejo ecológico de pragas enfoca, principalmente, o contraste das estruturas e funções dos sistemas agrícolas com aqueles sistemas relativamente não perturbados ou sistemas agrícolas mais complexos (Southwood e Way 1970, Prince e Waldbauer 1975, Levins e Wilson 1979, Risch 1981 e Risch et al. 1983). Browning (1975) colocou que o manejo de pragas deveria enfatizar o desenvolvimento de agroecossistemas que simulassem os últimos estágios da sucessão ecológica, tanto quanto possível, uma vez que estes tipos de sistemas são mais estáveis que aqueles de estrutura simples monocultural. Métodos de Análises. Uma grande parte das análises agroecológicas das ciências agrícolas está progredindo atualmente em todo o mundo. Nesta conjuntura, quatro métodos principais são, rotineiramente, usados: 1. Descrição analítica. Muitos estudos estão em andamento, os quais medem cuidadosamente, descrevem os sistemas agrícolas e avaliam características particulares tais como diversidade de plantas, acúmulo de biomassa, retenção de nutrientes e produção. Por exemplo, o Centro Internacional de Agrossilvicultura (International Center on Agroforestry — ICRAF) vem desenvolvendo dados internacionais com base nos vários tipos de sistemas de agrossilviculturae os correlaciona com uma variedade de parâmetros ambientais a fim de desenvolver modelos regionais sistemáticos e de culturas (Nair 1984, Huxley 1983). Este tipo de informação é válido para ampliar nossa compreensao dos tipos de sistemas existentes, cujos componentes são normalmente encontrados juntos e em qual contexto ambiental se inserem. Este é, necessariamente, o primeiro passo. Os estudos representativos dentro desta linha são numerosos e incluem os de Ewel et ai. 1984, Alcorn 1984, Marten 1986, Turner e Brush 1986, Deneven et ai,1984 e Posey 1985. 2. Análise comparativa. A pesquisa comparativa usualmente envolve a comparação de uma monocultura ou outro Sistema de cultura com um agroecossistema tradicional mais complexo. Estudos comparativos como estes envolvem análises da produtividade de determinadas culturas, dinâmica de pragas, ou nível de nutrientes e suas correlações com fatores como diversidade de espécies, frequência de invasoras, população de insetos e modelos de ciclos de nutrientes. Alguns estados deste tipo têm sido feitos na América Latina, África e Ásia (Glover e Beer 1986, UM e Murphy 1981, Irvine 1987, Marten 1986 e Woodmansee 1984). Tais projetos usam padrões de metodologia científica para determinar a dinâmica de sistemas de culturas mistas particulares e locais comparados com monoculturas. Estes dados suo, geralmente, úteis, mas a heterogeneidade dos sistemas locais pode obscurecer como eles funcionam. 3. Comparações experimentais. A fim de clarear a dinâmica e reduzir o número de variáveis, muitos pesquísadores desenvolvem uma versão simplificada de sistemas indígenas nos quais as varíáveis podem ser mais facilmente controladas. Por exemplo, a produção de um consórcio de milho, feijão e abóbora pode ser comparado com modelos da cultura simples de cada espécie. 4. Sistemas agrícolas normativos. Estes são geralmente imaginados como modelos teóricos particulares. Um ecossistema natural pode ser imitado ou um sistema agrícola indígena pode ser cuidadosamente reconstituído. Este método tem sido avaliado experimentalmente por alguns pesquisadores da Costa Rica. Eles estio desenvolvendo sistemas de plantio que simulam as seqüências das sucessões ecológicas, usando cultivares botânica ou morfologicamente similares a plantas de várias seqüências de sucessões (Hart 1979, Ewel 1986). Embora a agronomia seja, certamente, a disciplina-mãe da agroecologia, esta foi fortemente influenciada pela emergência do ambientalismo e pela expansão dos estudos ecológicos. O ambientalismo foi necessário para fornecer a estrutura filosófica que suporta os valores da tecnologia alternativa e dos projetos normativos em agroecologia. Os estudos ecológicos foram essenciais para expandir os paradigmas através dos quais as questões agrícolas puderam se desenvolver, assim como as técnicas para analisá-las. Ambientalismo Importância do movimento. O maior contribuinte intelectual à agroecologia foi o movimento em prol do meio ambiente nas décadas de 60 e 70. Assim como o ambientalismo foi absorvido pela agroecologia, algumas partes do discurso agroecolôgíco com posições críticas sobre produção orientada passou à agronomia, aumentando a sensibilidade às altas taxas de exportação de recursos. A versão do movimento ambiental da década de 60 iniciou sem muita preocupação com as descargas de poluentes. Estas eram analisadas como em função de falhas tecnológicas e das pressões populacionais. A perspectiva malthusiana ganhou força em meados da década de 60 com trabalhos como o de Paul Ehrlicli, ‘The Population Bomb (1966) e de Garret Hardin, Tragedy of the Commons (1968). Estes autores ligaram a degradação ambiental e a depredação dos recursos aos aumentos populacionais. Este ponto de vista expandiu-se tecnicamente com a publicação do Clube de Roma, The Limits to Growth, o qual usou simulações computadorizadas da tendência global da população, do uso de recursos e da poluição para traçar cenários para o futuro, os quais eram, geralmente, desastrosos. Estas posições foram criticadas por perspectivas metodológicas e epistemológicas (Simon e Kahn 1985). Enquanto o The Limits to Growth desenvolveu um modelo generalizado de “crise ambiental”, dois volumes posteriores, um fase embrionária, tiveram particular relevância no pensamento agroecológico porque delinearam visões de uma sociedade alternativa. Estes eram o Blueprint for Survival (The Ecologist, 1972) e o de Schumacher Small is Beautíful (1973). Os trabalhos incorporaram idéias sobre organização social, estrutura econômica e valores culturais numa visto compreensiva e mais ou menos utópica. Blueprint for Survival defendeu a descentralização, diminuição de escalas e a ênfase em atividades humanas que envolvesse o mínimo de quebras ecológicas e o máximo de conservação de energia e de materiais. As palavras-chaves eram auto-suficiência e sustentabilidade. O livro de Schumacher enfatizou uma avaliação radical da racionalidade econômica (“economia budista”), um modelo descentralizado de sociedade (“dois milhões de vilas”) e tecnologia apropriada. Particularmente significativo em Small is Beautiful era a extensão destas idéias ao Terceiro Mundo. Questões agrícolas. As questões ambientais pertinentes à agricultura foram claramente assinaladas por Silent Spring, de Carson (1964), o qual levantou questões sobre os impactos secundários e substâncias tóxicas no ambiente, especialmente inseticidas. Parte da resposta a estes problemas foi o desenvolvimento do manejo de pragas para proteção das culturas que foi baseado, na teoria e na prática, inteiramente em princípios ecológicos (Huffaker e Messenger 1976). A toxicidade dos agroquímicos foi apenas uma das questões ambientais, uma vez que o uso dos recursos energéticos transformou-se num tópico cada vez mais importante. Os custos da energia em particulares sistemas de produção exigiram novas avaliações, especialmente no começo dos anos 70, quando o preço dos combustíveis disparou. O estudo clássico de Pimentel em 1973 mostrou que na agricultura americana, cada quilocaloria de milho foi “conseguida” com um enorme custo energético de uma energia externa. Subseqüentemente, os sistemas de produção dos EUA foram comparados com várias outras formas de agricultura as quais eram menos produtivas por unidade de área (em termos de quilocalorías por hectare), porém, muito mais eficientes em termos de retornos por unidade de energia despendida. As altas produções da agricultura moderna são alcançadas pelo preço de numerosos insumos, incluindo os não-renováveis, como os combus- tíveis fósseis e o fósforo. No Terceiro Mundo estes insumos são geralmente importados e forçam seu balanço de pagamentos e sua situação de débito. Além disto, devido às culturas de alimentos não receberem muitos destes insumos, os ganhos de produção não se traduziram em melhor suprimento de comida (Crouch e de Janvry 1980, Graham 1984 e Dewey 1981). Finalmente, as conseqüências sociais deste modelo produziram impactos em geral extremamente negativos e complexos nas populações locais, especialmente aquelas com acesso limitado a terras e a crédito. (...) As questões de toxicidade e de recursos na agricultura embutiram-se em questões mais amplas de transferência de tecnologia no contexto do Terceiro Mundo. The Careless Technology (editado por Milton e Farver em 1968) foi uma das primeiras grandes tentativas de documentar os efeitos dos projetos de desenvolvimento e da transferência de tecnologias de zonas temperadas para a ecologia e sociedades de países em desenvolvimento. Cada vez mais, os pesquisadores de diversas áreas começaram a comentar a pobreza da adequação entre as técnicas de uso da terra do Primeiro Mundo e a realidade do Terceiro Mundo. O artigo de Jansen em 1973 foi o primeiro largamentelido que avaliou a razão pela qual os sistemas agrícolas tropicais funcionam diferentemente daqueles em zonas temperadas. Este capítulo e o de Levins (1973) foram um desafio aos pesquisadores da área agrícola a repensarem a ecologia da agricultura tropical. Ao mesmo tempo, as maiores questões filosóficas levantadas pelo movi- mento ambiental ressoaram com a reavaliação dos propósitos do desenvolvimento agrícola dos EUA e do Terceiro Mundo e das bases tecnológicas sobre as quais este desenvolvimento seria realizado. Nos países desenvolvidos, estas idéias tiveram impacto moderado na estrutura da agricultura porque a segurança e a eficácia dos agroquímicos e dos insumos energéticos na agricultura resultaram em transformações insignificantes no padrão de uso de recursos na agricultura. Nas situações em que os produtores e as nações estão limitados em recursos, onde estruturas distribuidoras regressivas prevalecem e onde as técnicas para zonas temperadas são impróprias para as condições locais de ambiente, a agroecologia parece particularmente relevante. A integração da agronomia e do ambientalismo embutiram-se na agroecologia, mas os fundamentos intelectuais para tal mistura acadêmica foram relativamente fracos. Era necessária maior clareza nas aproximações teóricas e técnicas, particularmente com respeito a sistemas tropicais. Os desenvolvimentos na teoria ecológica teriam relevância particular na evolução do pensamento agroecológico. Ecologia Os ecologistas foram singularmente importantes na evolução do pensamento agroecológico por diversas razões. Primeiramente, a estrutura conceitual da agroecologia e sua linguagem são essencialmente ecológicas. Em segundo lugar, os sistemas agrícolas são, por si só, conjuntos interessantes de pesquisa, nos quais os cientistas têm grande habilidade em controlar, testar e manipular os componentes do sistema comparados com ecossistemas naturais. Tal fato pode oferecer condições de testes para uma grande lista de hipóteses ecológicas e realmente já contribuiu substancialmente para o corpo do conhecimento ecológico (Levins 1973, Risch et aI. 1983, Altieri et ai. 1983, Uhl et ai. 1987). Em terceiro lugar, a explosão de pesquisas em ecossistemas tropicais direcionou as atenções aos impactos ecológicos da expansão dos sistemas de monoculturas em zonas caracterizadas por extraordinária diversidade e complexidade (Janzen 1973, UM 1983 ou UM e Jordan 1984, Hecht 1985). Em quarto lugar, um certo número de ecologistas começaram a prestar atenção às dinâmicas ecológicas dos sistemas agrícolas tradicionais (Gliessman 1982a,b, Altieri e Farrell 1984, Anderson et al. 1987, Marten 1986, Richards, P. 1984 e 1986). Três áreas foram particularmente críticas no desenvolvimento das análises agroecológicas: ciclos de nutrientes, interações pestes/plantas e sucessões ecológicas. (...) No início dos anos 60, as análises dos ciclos de nutrientes transformaram- se num foco de interesse nos trópicos e como um processo vital em um ecossistema, dada a pobreza generalizada de muitos solos tropicais. Alguns estudos como os de Odum—Puerto Rico Study (1967), pesquisas de Nye e Greenland (1961) e uma posterior série de artigos e monografias derivados de trabalhos em San Carlos, Venezuela; Catie, Costa Rica e outros locais da Ásia e África foram produtivos em clarear os mecanismos dos ciclos de nutrientes tanto em áreas de florestas nativas como em áreas limpas (Jordan 1985, UM e Jordan 1984, Buschbacker et ai. 1987, UM et ai. 1987). Os achados ecológicos da pesquisa de ciclos de nutrientes que tiveram maiores impactos na análise da agricultura foram: • A relação entre a diversidade e as estratégias interespecíficas de nutrientes. • A importância de características estruturais para a melhoria da absorção de nutrientes sob e sobre o solo. • A dinâmica dos mecanismos fisiológicos para retenção de nutrientes. • A importância das relações associativas de plantas superiores com microorganismos como micorrizas e fixadores simbióticos de nitrogênio. • A importância da biomassa como uma reserva de nutrientes. Estas descobertas sugeriram que os modelos ecológicos da agricultura tropical deveriam incluir uma diversidade de espécies (ou pelo menos de cultivares) a tini de tirar vantagem da variabilidade de absorção de nutrientes, tanto em termos de diferentes nutrientes como na captura de nutrientes em diferentes profundidades do solo. A informação generalizada dos estudos ecológicos de ciclos de nutrientes também sugeriram o uso de plantas que formavam, prontamente, associações simbióticas como as leguminosas e maior uso de plantas perenes nos sistemas de produção, como um meio de bombear os nutrientes de diferentes profundidades do solo e de aumentar a capacidade total do sistema em estocar nutrientes. Não surpreendentemente, muitos destes princípios já eram postos em prática em numerosos sistemas agrícolas desenvolvidos pelos povos nativos, nos trópicos. Em grande parte de literatura ecológica, as comparações de ecossistemas naturais com agroecossistemas têm sido baseadas em agroecossistemas desenvolvidos por ecologistas após algumas observações de ecossistemas locais ao invés dos verdadeiramente, localmente desenvolvidos. Além disto, as questões de pesquisa enfocaram parâmetros como diversidade de sementes, acúmulo de biomassa e reserva de nutrientes na sucessão. Estas pesquisas nos forneceram o entendimento de algumas das dinâmicas dos sistemas agrícolas como entidades biológicas, mas a maneira com que o manejo (exceto aqueles realizados por estudantes graduados relativamente inexperientes) influencia estes processos permanece uma enorme área inexplorada. (Como uma boa exceção neste aspecto, veja UM et aI. 1987.) As limitações de uma visto puramente ecológica estão sendo cada vez mais ultrapassadas uma vez que os pesquisadores começam a examinar sistemas indígenas e de camponeses em temas multidisciplinares e numa perspectiva mais holística (Anderson e Anderson 1983, Hecht et ai. 1987, Anderson et ai. 1987, Marten 1986, Denevan et ai. 1984). Esses esforços tentam colocar a agricultura num contexto social; eles usam modelos indígenas locais (e explicações indígenas do porquê eles fazem as determinadas atividades) para desenvolver hipóteses que podem ser, então, testadas usando-se métodos agronômicos e científicos. Esta é uma área da pesquisa que floresce com implicações principalmente teóricas e aplicadas e uma grande inspiração para a prática e teoria agroecológicas. Sistemas Indígenas de Produção Outra grande influência no pensamento agroecológico veio dos esforços das pesquisas de antropólogos e geógrafos preocupados cm descrever e analisar as práticas agrícolas e a lógica de povos indígenas e camponeses. Estes estudos preocupam-se, tipicamente, com uso de recursos e o manejo de toda uma base de subsistência, não apenas com a parcela agrícola, e tem enfocado como esta base de subsistência é explicada pelas pessoas do local e como as mudanças sociais e econômicas afetam os sistemas de produção. A análise científica do conhecimento local tem sido uma força importante na reavaliação da arrogância do modelo de desenvolvimento colonial e agrícola. O trabalho pioneiro deste tipo foi o de Audrey Richards (1939) nas práticas citamene dos Bembas africanos. O sistema citamene envolve restos vegetais como composto na agricultura das savanas da África Central. Este estudo, com sua ênfase nos êxitos das tecnologias agrícolas e nas explicações ecológicas dos povos nativos estabeleceu um forte contraste com a visão depreciativa das percepções da agricultura nativa, cujas práticas locais são vistas como confusas e inferiores. Outra grande contribuição no cultivo indígena foi o trabalho pioneiro de Conklin (1956), o qual deitou o alicercepara a reavaliação do cultivo itinerante, baseado em dados agronômicos e etnográficos dos Hanunoo, nas Filípinas. Este trabalho apontou a complexidade ecológica dos padrões de cultivos itine- rantes, assim como a diversidade de tipos destes cultivos, a importância dos cultivos múltiplos, da rotação de culturas e dos sistemas agroflorestais em toda a estrutura de produção de cultivos itinerantes. Está entre os primeiros e mais largamente conhecidos estudos da estrutura e complexidade do cultivo alternado e incorpora várias percepções ecológicas. De particular importância foi a ênfase de Conklin no conhecimento ecoló- gico nativo e a importância em tocar nesta rica fonte de conhecimento cientí- fico. Ele enfatizou, entretanto, que o acesso a estas informações iria requerer habilidades etnográficas tanto quanto científicas. Pesquisadores como Richards, P. 1984, Bremen e de Wit 1983, Watts 1983, Posey 1984, Deneven et ai. 1984, Hecht e Posey 1987, Browkenshaw et ai. 1979, Conklin 1986 entre muitos outros exploraram os sistemas indígenas de produção e categorias de conhecimento sobre condições ambientais e práticas agrícolas. Este grupo de pesquisas enfoca a visão nativa dos sistemas de produção e os analisa com métodos da ciência ocidental. Todos estes autores enfatizaram que a organização social e as relações sociais de produção deveriam ser consideradas com a mesma intensidade que o ambiente e cultivares. Esta ênfase nas dimensões sociais de produção é uma base importante para o entendimento da lógica de produção dos sistemas agrícolas. Outro resultado importante de muitos destes trabalhos em sistemas indíge- nas de produção é a idéia de que requerem-se noções diferentes de eficiência e racionalidade para que se entendam os sistemas indígenas e campesinos. Por exemplo, a eficiência na produção por unidade de trabalho investido ao invés da simples taxa de produção por área é não básica para a lógica de produção em muitos cultivos do Terceiro Mundo. Práticas que dirigidas a evitar os riscos podem não trazer altas produções a curto prazo, mas podem ser opções preferíveis em terras altamente produtivas, porém de risco. A disponibilidade de mão-de-obra, particularmente em ocasiões de demanda como as colheitas. também pode influenciar o tipo de sistema agrícola que é favorecido. Este tipo de pesquisa tem influenciado no desenvolvimento de contra argumentos àqueles que atribuem as falhas da transferência de tecnologia agrícola à ignorância e à indolência. Esta tendência, com sua ênfase nos fatores humanos dos sistemas agrícolas, também dirigiu suas atenções às estratégias de camponeses de diferentes níveis de classe, no papel da mulher na agricultura e no manejo dos recursos (Deere 1982, Beneria 1984, Moock 1986). As análises etnoagrícolas muito têm feito para expandir as ferramentas conceituais e práticas da agroecologia. O enfoque nas estruturas “endógenas” (baseadas em determinadas explicações culturais) sugeriram relações que as estruturas “exógenas” (que são estruturas externas, geralmente referindo-se a modelos ocidentais de explicações) não captam facilmente, mas que podem ser testadas com os métodos da ciência ocidental. Além do mais, esta pesquisa expandiu o conceito do que pode ser considerado como agricultura, assim como muitos grupos estão engajados na manipulação de ecossistemas florestais através do manejo de sucessões ecológicas e um verdadeiro reflorestamento (Posey 1985, Anderson et ai. 1987, Alcorn 1984). Ademais, a agricultura nativa incorpora um grande número de cultivares cujos germoplasmas são essenciais para o desenvolvimento de programas de melhoramento genético como os de mandioca e de feijões, e também incluem numerosas plantas com ‘potencial para maior dispersão em ambientes mais inóspitos. Finalmente, tais trabalhos valorizam as descobertas científicas de centenas de anos no melhoramento de plantas e no trabalho agronômico das populações nativas. O estudo dos sistemas agrícolas indígenas forneceu grande parte de matéria-prima para o desenvolvimento de hipóteses e de sistemas alternativos de produção na agroecologia. A agricultura nativa é agora cada vez mais estudada de maneira multidisciplinar para documentar práticas assim como estão sendo desenvolvidas categorias de classificação para analisar os processos biológicos dos sistemas agrícolas e para avaliar aspectos das forças sociais que influenciam a agricultura. O estudo dos sistemas indígenas tem sido influente no desenvolvimento do pensamento agroecológico. Estudos do Desenvolvimento O estudo do desenvolvimento rural do Terceiro Mundo também contribuiu bastante para a evolução do pensamento agroecológico. As análises da área rural ajudaram a clarear a lógica das estratégias locais de produção nas comunidades sob intensa transformação, assim como as áreas rurais cada vez mais integradas na economia regional, nacional e global. Os estudos do desenvolvimento rural documentaram as relações entre os fatores sócio- econômicos e a estrutura e a organização social da agricultura. Vários temas da pesquisa do desenvolvimento têm sido particularmente importantes para a agroecologia, incluindo os impactos das tecnologias induzidas externamente e das mudanças na forma de cultivo, os efeitos da expansão do mercado, as implicações das mudanças nas relações sociais e as transformações nas estruturas de posse da terra e do acesso a recursos costumeiros. Todos estes processos são profundamente entrelaçados. A maneira como são afetados os agroecossistemas regionais é um resultado de complexos processos históricos e políticos. As pesquisas sobre a Revolução Verde foram importantes para a evolução do pensamento agroecológico porque o estudo dos impactos destas tecnologias foi um instrumento para mostrar os tipos de preconceitos que predominavam nas idéias de desenvolvimento e agricultura. Esta pesquisa também resultou na primeira análise realmente multidisciplinar dos resultados ecológicos, sociais e econômicos e das mudanças técnicas da agricultura por um amplo espectro de analistas. A extraordinária aceleração da estratificação social campesina associada à Revolução Verde indicou, imediatamente, que esta tecnologia não era socialmente neutra, mas sim capaz de transformar dramaticamente as bases da vida rural de um grande número de pessoas. Como foi notificado em Perelman 1977, os maiores beneficiados com tais tecnologias foram os consumidores urbanos. As estratégias da Revolução Verde desenvolveram-se na época em que os problemas da pobreza e da fome eram vistos principalmente como um problema de produção. Este diagnóstico implicou em várias estratégias direcionadas às áreas onde os ganhos de produção poderiam se realizar rapidamente: solos de melhor qualidade e terras irrigadas entre fazendeiros com substanciais recursos. Em termos de aumento de produção, houve sucesso; no fundo, era parte de uma política de aposta consciente no mais forte. (Chambers e Ghildyal 1985, Pearse 1980.) Hoje é generalizadamente reconhecido que aumentos unificados na produção de alimentos, somente, não irão vencer a fome e a pobreza no campo, apesar de poder reduzir o custo de alguns alimentos urbanos (Sen 1981, Watts 1983). A Revolução Verde teve conseqüências nas áreas rurais que geralmente serviram para marginalizar grande parte da população rural. Primeiramente, seus benefícios foram direcionados aos produtores já ricos em recursos, acelerando as diferenças entre estes e outros habitantes rurais, de maneira que a desigualdade rural sempre aumentava. Em segundo lugar, foram minadas muitas formas de acesso à terra e a recursos, tais como um cultivo compartilhado, arrendamento do trabalho, acesso a suprimento de água e a pastos. Isto reduziu a diversidade de estratégias de subsistência viáveis às famfliasrurais e, conseqüentemente, aumentou sua dependência da parte agrícola. Com o estreitamento das bases genéticas da agricultura, aumentaram-se os riscos porque as culturas ficaram mais vulneráveis a epidemias de pragas ou de doenças e às variações climáticas. No arroz irrigado, a poluição secundária gerada pelo uso crescente de pesticidas e herbicídas freqüentemente minou uma importante fonte local de proteína: o peixe. As análises da Revolução Verde, de acordo com várias disciplinas, consti- tuíram a primeira análise holística das estratégias de desenvolvimento agrícolas! rurais. Foram as primeiras avaliações largamente publicadas que incorporaram críticas ecológicas, tecnológicas e sociais. Este tipo de tendências e análises tem sido o protótipo de vários estudos subseqüentes na agroecologia e o progenitor das pesquisas de sistemas agrícolas. Hoje é reconhecido que as tecnologias da Revolução Verde só podem ser aplicadas em áreas limitadas e houve chamadas de diversos analistas do desenvolvimento rural para redirecionar as pesquisas aos produtores pobres em recursos. Em todo o mundo, existem mais de um bilhão de produtores com grandes limitações de recursos financeiros, de renda e de fluxo de produção, que trabalham num contexto agrícola de extrema marginalidade. As tendências agrícolas que enfatizam pacotes tecnológicos, geralmente, requçrem recursos aos quais a maioria dos produtores de todo o mundo não têm acesso. (Tabela 1.1). Tabela 1.1 Contraste nas condições físicas e sócio-econômicas de produtores ricos em recursos vs. pobres em recursos (modificado de Chambers e Ghildyal 1985) Estação experimental Produtores ricos em recursos (PRR) Produtores pobres em recursos (PPR) Topografia Plana ou terraços Plana ou terraços Ondulada ou declivosa Solos Profundos, poucos dificuldades Profundos, poucos dificuldades Superficial, infértil, muitas dificuldades Deficiência de nutrientes Rara, remediável Ocasional Bastante comum Prejuízos (fogo, desmoronament o) Poucos Poucos e controláveis comuns Irrigação Frequente, bastante controlada Geralmente disponível Rara, não confiável Tamanho da unidade Grande, contígua Grande ou medianamente contígua Pequena, irregular, geralmente não contígua Doenças, pragas, invasoras Controlada com química, trabalho Controlada com química, trabalho Culturas vulneráveis à infestação Acesso a fertilizantes, Ilimitado, confiável Bom, confiável Ruim, não confiável sementes melhoradas, etc. Sementes Alta qualidade Alta qualidade Sementes próprias Crédito Ilimitado Bom acesso Acesso ruim, sujeito a sazonalidades Mão de obra Sem restrições Controlado pelo produtor, empregados Familiar, restrita em piques sazonais Preços Irrelevante Mais baixos p/ insumos, mais altos p/ produtos relativo ao PPR Mais altos p/ insumos, mais baixos p/ produtos relativo ao PPR Prioridade p/ produção de alimentos Baixa Alta Muitos analistas do desenvolvimento rural reconheceram as limitações da “larga escala” e das tendências orientadas pela Revolução Verde para o desenvolvimento rural, mas estes modelos de agricultura dominaram de maneira preponderante os projetos de desenvolvimento agrícola em grande parte do Terceiro Mundo. Enquanto os resultados das pesquisas nas estações experimentais parecem extremamente promissores, a baixa repetibilidade destes resultados no campo tem causado sérias dificuldades em muitos projetos. A transferência de tecnologia tendeu a acelerar as diferenciações, exacerbando muitas situações políticas difíceis, ou as tecnologias eram parcialmente adotadas, ou, em muitos casos, não eram adotadas de maneira alguma (Scott 1978 e 1986). Várias explanações consideraram pobre a transferência de tecnologia, incluindo a idéia de que os produtores eram ignorantes e necessitavam ser ensinados a produzir. Outra linha de explanações responsabilizou o baixo nível rural, tal como a falta de crédito, pela limitação da viabilidade dos produtores em adotar as tecnologias. No primeiro caso, o produtor é visto basicamente como um equivocado. No segundo, questões infra-estruturais de vários tipos são consideradas as culpadas. Nunca a tecnologia, por si mesma, foi criticada. Muitos pesquisadores de campo e profissionais em desenvolvimento fica- ram frustrados com estas explicações e colocaram, cada vez mais, que as tecnologias requeriam reavaliações substanciais. Eles argumentaram que a decisào do produtor em adotar a tecnologia é o verdadeiro teste de sua qualidade. Esta tendência tem sido freqüentemente chamada “o produtor em primeiro e último lugar” ou “do produtor ao produtor” ou “revolução agrícola nativa”. Como Rhodes e Booth (1982) colocaram, “A filosofia básica na qual o modelo está alicerçado é que a pesquisa agrícola e o desenvolvimento devem começar e finalizar no produtor. A pesquisa agrícola aplicada não pode começar no isolamento das estações experimentais ou com um comitê dc planejamento sem o contato com as condições de produção. Na prática, isto significa a obtcnção de informações e a compreensão da forma do produtor de perceber o problema e aceitar sua avaliação da solução”. Esta tendência reclama uma participação muito mais ampla do produtor no projeto e na implemcntação de programas de desenvolvimento rural (Chambers .1984, Richards, P. 1984, Gow o Van Sant 1983, Mídgley 1986). Uma consequência desta posição tem sido o reconhecimento do extenso conhecimento dos produtores em entomologia, botânica, solos e agronomia, o qual pode servir como ponto de partida para pesquisas. Novamente, a agroecologia foi identificada como uma ferramenta analítica estimável, assim como uma corrente de idéias a ser pesquisada. A agroecologia adapta-se bem às produções tecnológicas, demandando práticas agrícolas mais sensíveis ao meio ambiente e, geralmente, encontra harmonia com o desenvolvimento ambiental e participativo nas perspectivas filosóficas. A diversidade de pontos de interesse e de linhas de pensamento que influenciaram o desenvolvimento da agroecologia é realmente grande. Entretanto, esta série de idéias encontra-se com a agricultura. Por esta razão, vemos, agora, o agroecologista com uma bagagem muito mais rica do que a usual dos estudantes de ciências agrícolas e com uma visão multidisciplinar mais apropriada para lidar com as questões no campo. Apesar de ser uma disciplina em sua infância e ter levantado mais questões que soluções, a agroecologia ampliou o discurso da agricultura.
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