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Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 1 FACULDADE ASSIS GURGACZ CURSO DE DIREITO DIREITO DAS COISAS II PROF. EDUARDO HOFFMANN Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Toledo (PR). Advogado militante no escritório Canan e Poletto Advogados em Toledo (PR) Professor das Disciplinas de Direito Civil e Processual Civil no Curso de Direito da Faculdade Assis Gurgacz, de Cascavel (PR) Professor das Disciplinas de Direito Empresarial e Tributário nos Cursos Tecnológicos e de Administração da Faculdade Sul Brasil, de Toledo (PR) Especialista em Função Prática do Direito, ênfase em Direito Público pela Unisul (SC) Especialista em Direito Tributário pela Unisul (SC) Mestre em Direito Processual Civil e Cidadania pela UNIPAR (Umuarama - PR) Endereço Eletrônico: adv.hoffmann@hotmail.com Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 2 SUMÁRIO 1. DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS ...................................................................................................... 5 2. DIREITOS REAIS LIMITADOS DE GOZO E FRUIÇÃO ........................................................................................ 6 2.1 ENFITEUSE ....................................................................................................................................................... 6 2.1.1 Histórico ........................................................................................................................................................ 6 2.1.2 Natureza jurídica .......................................................................................................................................... 7 2.1.3 Conceito ......................................................................................................................................................... 8 2.1.4 Objeto ............................................................................................................................................................ 9 2.1.5 Constituição................................................................................................................................................... 9 2.1.6 Extinção ......................................................................................................................................................... 9 2.1.7 Situação atual da enfiteuse........................................................................................................................... 9 2.1.8 Estudo de caso: Desapropriação e registro da enfiteuse ......................................................................... 10 2.2 DIREITO DE SUPERFÍCIE .............................................................................................................................. 12 2.2.1 Configuração ............................................................................................................................................... 12 2.2.2 Características e distinções ........................................................................................................................ 14 2.2.3 O direito de superfície no Código Civil e no Estatuto da Cidade ............................................................. 15 2.2.4 Quadro comparativo entre superfície e outros institutos ....................................................................... 20 2.3 DAS SERVIDÕES ............................................................................................................................................. 22 2.3.1 Conceito ....................................................................................................................................................... 22 2.3.2 Finalidade .................................................................................................................................................... 23 2.3.3 Princípios fundamentais que regem às servidões .................................................................................... 23 2.3.4 Natureza jurídica da servidão .................................................................................................................... 24 2.3.5 Classificação das servidões ........................................................................................................................ 25 2.3.6 Modos de constituição ................................................................................................................................ 25 2.3.6.1 Servidão constituída por ato humano .................................................................................................... 26 2.3.6.2 Servidão constituída por fato humano ................................................................................................... 27 2.3.7 Regulamentação das servidões .................................................................................................................. 28 2.3.7.1 Obras necessárias à sua conservação e uso ........................................................................................... 28 2.3.7.2 Exercício das servidões ........................................................................................................................... 29 2.3.7.3 Remoção da servidão............................................................................................................................... 30 2.3.8 Ações que protegem as servidões.............................................................................................................. 31 2.3.8.1 Ação confessória ...................................................................................................................................... 31 2.3.8.2 Ação negatória ......................................................................................................................................... 32 2.3.8.3 Ações Possessórias .................................................................................................................................. 33 2.3.8.4 Ação de nunciação de obra nova ............................................................................................................ 33 2.3.8.5 Usucapião ................................................................................................................................................. 33 2.3.9 Extinção da servidão .................................................................................................................................. 33 2.4 USUFRUTO ..................................................................................................................................................... 35 2.4.1 Caracterização ............................................................................................................................................. 35 2.4.2 Objeto .......................................................................................................................................................... 35 2.4.3 Espécies ....................................................................................................................................................... 36 2.4.4 Direitos do usufrutuário ............................................................................................................................. 38 2.4.5 Obrigações do usufrutuário ....................................................................................................................... 39 2.4.6 Direitos e obrigações do nu-proprietário ................................................................................................. 41 2.4.7 Extinção do usufruto ..................................................................................................................................42 2.5 USO.................................................................................................................................................................. 43 2.5.1 Conceito ....................................................................................................................................................... 43 2.5.5 Concessão de direito real de uso ............................................................................................................... 46 2.6 HABITAÇÃO .................................................................................................................................................... 47 2.6.1 Caracterização ............................................................................................................................................. 47 2.6.2 Constituição................................................................................................................................................. 48 2.6.3 Direitos e deveres ....................................................................................................................................... 50 2.6.4 Extinção ....................................................................................................................................................... 51 2.7 CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA ......................................................................... 52 2.8 DO DIREITO DO PROMITENTE COMPRADOR ............................................................................................. 57 2.8.1 Efeitos da promessa de compra e venda ................................................................................................... 57 Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 3 2.8.2 Cláusula de arrependimento ...................................................................................................................... 57 2.8.3 Forma do contrato ...................................................................................................................................... 58 2.8.4 Registro no Cartório de Imóveis ................................................................................................................ 59 2.8.5 Direito real .................................................................................................................................................. 60 2.8.6 Direitos do titular de direito real ............................................................................................................... 60 3. DIREITOS REAIS DE GARANTIA ....................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.1 Aspectos gerais e finalidades .......................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.2 Elementos históricos ....................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.3 Características .................................................................................................. Erro! Indicador não definido. 3.4 Princípios ......................................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.5 Direitos reais de garantia e privilégios .......................................................... Erro! Indicador não definido. 3.6 Pressupostos objetivos do contrato de garantia real .................................... Erro! Indicador não definido. 3.7 Capacidade para a constituição dos direitos reais de garantia .................... Erro! Indicador não definido. 3.8 Objeto ............................................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.9 Pagamento parcial do débito e indivisibilidade das garantias ..................... Erro! Indicador não definido. 3.10 Direito de seqüela .......................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.11 Direito de excussão ....................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.12 Remição das garantias reais ......................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.14 Garantia assumida por terceiro .................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.15 Possibilidade de o credor ficar com coisa – cláusula comissória ............... Erro! Indicador não definido. 3.16 PENHOR ......................................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.16.1 Conceito ....................................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.16.2 Espécies de penhor ..................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.16.3 Objeto do penhor ........................................................................................ Erro! Indicador não definido. 3.16.4 Características do penhor .......................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.16.5 Constituição do penhor .............................................................................. Erro! Indicador não definido. 3.16.6 Excussão do bem e direitos decorrentes da garantia .............................. Erro! Indicador não definido. 3.16.7 Obrigações do credor pignoratício ............................................................ Erro! Indicador não definido. 3.16.8 Vencimento da obrigação ........................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.16.9 Extinção do penhor .................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.16.10 Penhor rural .............................................................................................. Erro! Indicador não definido. 3.16.10.1 Caracterização e classificação .............................................................. Erro! Indicador não definido. 3.16.10.2 Requisitos .............................................................................................. Erro! Indicador não definido. 3.16.10.3 Registro no ofício imobiliário ............................................................... Erro! Indicador não definido. 3.16.10.4 Cédula rural pignoratícia ...................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.16.10.5 Procedimento judicial para a cobrança da dívida ............................... Erro! Indicador não definido. 3.16.11 Penhor industrial e mercantil .................................................................. Erro! Indicador não definido. 3.16.12 Penhor de direitos e de títulos de crédito .............................................. Erro! Indicador não definido. 3.16.13 Penhor de veículos ................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.16.14 Penhor legal .............................................................................................. Erro! Indicador não definido. 3.17 HIPOTECA ...................................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.17.1 Caracterização ............................................................................................ Erro! Indicador não definido. 3.17.2 Natureza e obrigações. Objeto da hipoteca............................................... Erro! Indicador não definido. 3.17.3 Bens. Objeto da hipoteca ............................................................................Erro! Indicador não definido. 3.17.4 Constituição da hipoteca ............................................................................ Erro! Indicador não definido. 3.17.5 Pluralidade de hipotecas e insolvência do devedor ................................. Erro! Indicador não definido. 3.17.6 Remição dos bens ....................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.17.7 Efeitos da hipoteca ..................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.17.8 Hipoteca de dívida futura ou condicionada .............................................. Erro! Indicador não definido. 3.17.9 Loteamento do imóvel dado em hipoteca ou sua constituição em condomínio edilício ................ Erro! Indicador não definido. 3.17.10 Hipoteca legal ........................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.17.11 Hipoteca judiciária ................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.17.12 Hipoteca constituída no período suspeito da falência ........................... Erro! Indicador não definido. 3.17.13 Execução da dívida ................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.17.14 Exoneração da hipoteca pelo abandono do imóvel ............................... Erro! Indicador não definido. 3.17.15 Registro da hipoteca ................................................................................. Erro! Indicador não definido. 3.17.16 Extinção da hipoteca ................................................................................ Erro! Indicador não definido. 3.17.17 Hipoteca das vias férreas ......................................................................... Erro! Indicador não definido. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 4 3.18 ANTICRESE .................................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.18.1 Conceito e caracterização .......................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.18.2 Constituição e objeto .................................................................................. Erro! Indicador não definido. 3.18.3 Direitos e deveres ....................................................................................... Erro! Indicador não definido. 3.18.4 Extinção ....................................................................................................... Erro! Indicador não definido. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 5 1. DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS O direito real sobre coisa alheia significa que o proprietário sofre restrição ou perde alguns dos atributos relativos ao domínio. O direito real sobre coisa alheira causa uma redução das faculdades ou poderes normalmente conferidos ao proprietário. O domínio é o direito real mais completo; seu titular detém o jus utendi, o jus fruendi e o jus abutendi ou disponendi, podendo reivindicar o bem de quem quer que injustamente o possua. Disto decorre exatamente a possibilidade que ele faça com que alguns dos seus poderes passem a pertencer ao patrimônio de outrem, que terá, então, direito real sobre coisa alheia. Dentro dessa ideia o usufruto é direito real sobre coisa alheira, porque o usufrutuário usa o bem pessoalmente e recebe seus frutos. Assim, passa o titular do direito a sofrer uma restrição temporária em seus poderes, pois terceiro irá gozar e usar da coisa que lhe pertence, sem, contudo, a priori dela poder dispor. Os direitos reais sobre coisa alheia ou jus in re aliena são limitados por lei e só podem existir em função de norma jurídica em razão de ser um rol numerus clausus isto é, descrito pela lei. Estes são divididos em três espécies: 1ª. Direitos reais limitados de gozo ou fruição a) enfiteuse (CC/16, 678 a 694 c/c CC/02, 2.038, §§ 1º, I e II e § 2º). b) superfície (CC, 1.225, II, 1.369 e 1.377). c) servidões prediais (CC, 1.225, II, 1.378 a 1.389). d) usufruto (CC, 1.225, IV, 1.390 a 1.411). e) uso (CC, 1.225, V, 1.412 e 1.413). f) habitação (CC, 1.225, VI, 1.414 a 1.416). 2ª. Direitos reais de garantia (CC, 1.419 a 1.510), nos casos em que a coisa é dada em garantia pelo pagamento do débito a) penhor (CC, 1.225, VIII, 1.431 a 1.472) b) hipoteca (CC, 1.225, IX. 1.473 a 1.505) c) anticrese (CC, 1.225, X, 1.506 a 1.510) d) alienação fiduciária em garantia (Lei n°. 4.278/65, art. 66; Dec.-lei nº. 911/69 e art. 4º da Lei n°. 6.071/74; CC, 1.361 a 1.368) 3ª. Direito real de aquisição Compromisso ou promessa irretratável de compra e venda (CC, 1.417 e 1.418) Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 6 2. DIREITOS REAIS LIMITADOS DE GOZO E FRUIÇÃO 2.1 ENFITEUSE 2.1.1 Histórico Criação do direito romano, o primeiro esboço dela se descobre nos arrendamentos que de suas propriedades faziam aos particulares as cidades, os colégios de sacerdotes e as vestais1. Temporários em princípio, ditos arrendamentos foram pouco a pouco se revestindo de um certo caráter de estabilidade. Nesse teor, veio afinal, a prevalecer o princípio de que os arrendatários não poderiam ser despejados do imóvel enquanto pagassem pontualmente a renda estipulada. A adoção daquele princípio converteu de fato os arrendamentos de temporários em perpétuos. Para proteger a posição jurídica que destarte se criou para os arrendatários, foi lhes dado uma ação real, conhecida como actio vectigalis. Mais tarde, os imperadores no intuito de atraírem cultivadores para as suas vastas propriedades, situadas na maior parte em regiões longínquas, tomaram o conselho de arrendá-las a longos prazos e ainda em perpétuo, por preços inferiores à taxa comum. Os particulares e as igrejas, que também possuíam grandes domínios nas mesmas condições, imitaram o exemplo. O direito, que por virtude destes arrendamentos se concedia aos arrendatários, adquiriu por fim o caráter de direito real. 1 Na Roma Antiga, eram designadas como virgens vestais («deusas do fogo») as assistentes da deusa romana Vesta. Estas mulheres gozavam de uma situação social respeitável na sociedade e deviam manter-se castas sob risco de sofrerem punições (inclusive mortais). Não podiam pisar no chão que não fosse o do seu templo, do Domus ou villa da sua família e de outras também patrícias, e das demais edificações governamentais e divinas, por isso eram transportadas em liteiras pela cidade, por escravos liteireiros. Todas as vestais obrigatoriamente teriam que ser patrícias, membras, portanto, da nobreza. Uma de suas obrigações era manter sempre acesa a chama sagrada do fogo do estado no Templo redondo no Fórum romano, sob a supervisão do Pontifex maximus. O fogo neste altar representava a origem da vida e se acreditava ter vindo de Tróia, não podendo apagar. Castigos mortais seriam aplicados se a obrigação não fosse devidamente cumprida, pois seriam enterradas vivas ou precipitadas do alto da Rocha Tarpéia, no monte Capitolino, em caso de transgressão. A partir de certa idade, tendo servido trinta anos, a mulher podia escolher entre continuar como virgem vestal ou libertar-se das obrigações. Essas mulheres eram muito consultadas, sobretudo em assuntos políticos, por terem instrução e situação econômica favorável. No Monte Palatino subsistem as ruínas da Casa das Virgens Vestais, ou Atrium Vestae, onde apenas mulheres podiam circular. No Império Romano,qualquer homem que fosse encontrado próximo da morada das virgens vestais era enforcado, e hoje o local é guardado apenas por guardas mulheres. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 7 Os imóveis, da intenção com que eram feitos os arrendamentos, se ficaram chamando enfitêuticos (praedia emphyteutica), e o direito resultante, direito enfitêutico (jus emphyteuticum). Deste modo, Justiniano fundiu a actio vectigalis e o praedia emphyteutica num único instituto, surgindo à enfiteuse. No estado do direito romano, a enfiteuse consistia essencialmente no direito real de cultivar o campo alheio mediante uma pensão anual, e de aproveitá-lo tão amplamente como o faz o proprietário, sem, todavia, destruir-lhe a substância. Ao senhor do imóvel ficava como que a nua propriedade; ao enfiteuta, com a posse, passava o direito a todas as vantagens materiais do domínio. A enfiteuse, tal como o direito romano a organizara, era pura invenção econômica para melhor aproveitamento das grandes propriedades, era uma instituição simples, formada de elementos singelos e subordinada a regras claras. No Brasil por força de circunstâncias peculiares, nunca foi à enfiteuse uma instituição odiosa. A vastidão das propriedades e a escassez de população produziram aqui os mesmos resultados que em Roma no tempo dos imperadores. Para ter quem as cultivassem e aproveitasse cumpria fazer os emprazamentos com condições vantajosas para o enfiteuta, daí os prazos perpétuos e a modicidade das pensões. Atualmente, a enfiteuse conserva os mesmos caracteres da era romana, embora esteja em franca decadência, pois vários juristas a condenam e o novo Código Civil, no art. 2.0382, proíbe-a, bem como a subenfiteuse, sob o argumento de ser inútil e de prejudicar a livre circulação de riquezas e, ainda, pela inconveniência de manter o enfiteuta e seus sucessores ligados, perpetuamente, ao senhorio direto. 2.1.2 Natureza jurídica É o mais amplo dos poderes do jus in re aliena3, transferindo ao enfiteuta o jus abutendi (usar), fruendi (fruir) e até o disponendi (dispor), pois este pode alienar seus direitos sem que haja anuência do senhorio, podendo ainda reivindicar a coisa de quem quer que seja. 2 Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores. § 1o Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso: I - cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações; II - constituir subenfiteuse. § 2o A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial. 3 Significa: Direito real sobre coisa alheia Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 8 2.1.3 Conceito Dá-se a enfiteuse, aforamento ou emprazamento, quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável (Código Civil de 1916, art. 678). Acrescenta o art. 679 do Código Civil de 19164 que o contrato de enfiteuse é perpétuo. A enfiteuse por tempo limitado considera-se arrendamento, e como tal se rege. O proprietário é chamado de senhorio direto. O titular do direito real sobre coisa alheia é denominado enfiteuta e tem um poder muito amplo sobre a coisa, podendo usá-la e desfrutá-la do modo mais completo, bem como, aliená-la e transmiti-la por herança5. São seus caracteres: a) presença de duas pessoas: a que tem o domínio do imóvel aforado (senhorio direto) e a que possui o bem de modo direto, tendo sobre ele uso, gozo e disposição (enfiteuta), desde que não afete sua substância. b) constitui um direito real imobiliário, isto só pode recair sobre bens imóveis alheios. c) não pode ser temporária, sendo essencialmente perpétua. d) contém obrigação do enfiteuta de pagar renda anual e invariável chamada foro, canon ou pensão. e) o senhorio tem direito de preferência6 quando o enfiteuta pretender transferir a outrem o domínio útil7. Se não exercer o direito de preferência, terá direito 4 O contrato de enfiteuse é perpétuo. A enfiteuse por tempo limitado considera-se arrendamento, e como tal se rege. 5 Art. 681. Os bens enfitêuticos transmitem-se por herança na mesma ordem estabelecida a respeito dos alodiais neste Código, arts. 1.603 a 1.619; mas, não podem ser divididos em glebas sem consentimento do senhorio. 6 Art. 683. O enfiteuta, ou foreiro, não pode vender nem dar em pagamento o domínio útil, sem prévio aviso ao senhorio direto, para que este exerça o direito de opção; e o senhorio direto tem 30 (trinta) dias para declarar, por escrito, datado e assinado, que quer a preferência na alienação, pelo mesmo preço e nas mesmas condições. Se, dentro no prazo indicado, não responder ou não oferecer o preço da alienação, poderá o foreiro efetuá-la com quem entender. 7 Art. 684. Compete igualmente ao foreiro o direito de preferência, no caso de querer o senhorio vender o domínio direto ou dá-lo em pagamento. Para este efeito, ficará o dito senhorio sujeito à mesma obrigação imposta, em semelhantes circunstâncias, ao foreiro. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 9 ao laudêmio8, que será de 2,5% do valor da venda do direito, se outro valor não foi estabelecido. Igual direito é assegurado ao enfiteuta. 2.1.4 Objeto Pelo art. 680 do Código Civil de 19169, a enfiteuse só pode ter por objeto coisa imóvel, limitando-se a terras não cultivadas e aos terrenos que se destinem à edificação. Inadmissível é a instituição sobre bens móveis, acessórios do solo, casas, prédios, glebas colonizadas ou cultivadas. 2.1.5 Constituição Conforme art. 678 do Código Civil de 1916, pode este ser constituído por ato inter vivos ou causa mortis. Quando realizado por ato inter vivos, imprescindível que se dê por meio de escritura pública (Código Civil, 108 e Lei nº. 7.104/83) e que seja devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Por causa mortis, pode ocorrer quando o testador transmite o domínio direto a um herdeiro e o domínio útil a outro, hipótese em que não é necessária a inscrição, já que a sucessão é um dos meios aquisitivos de direitos reais. 2.1.6 Extinção Pelo disposto no art. 692 do Código Civil de 1916, extingue-se a enfiteuse: I - pela natural deterioração do prédio aforado, quando chegue a não valer o capital correspondente ao foro e mais um quinto deste; II - pelo comisso, deixando o foreiro de pagar as pensões devidas, por 3 (três) anos consecutivos, caso em que o senhorio o indenizará das benfeitorias necessárias; III - falecendo o enfiteuta, sem herdeiros, salvo o direito dos credores. 2.1.7 Situação atual da enfiteuse A matéria é regulada pelo art. 2.038 do Código Civil que dispõe, atualmente ser proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as 8 Art. 686. Sempre que se realizar a transferência do domínio útil, por venda ou dação em pagamento, o senhorio direto, que não usar da opção, terá direito de receber do alienante o laudêmio, que será de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o preço da alienação, se outro não se tiver fixado no título de aforamento. 9 Só podemser objeto de enfiteuse terras não cultivadas ou terrenos que se destinem a edificação. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 10 existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores. Para tanto, esclarece no § 1o que nos aforamentos a que se refere este art. é defeso: I - cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações; II - constituir subenfiteuse. Por sua vez, consigna no § 2º que a enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula- se por lei especial. A seu respeito, comenta Pontes de Miranda: O Código Civil conserva a enfiteuse, que é um dos cânceres da economia nacional, fruto, em grande parte, de falsos títulos que, amparados pelos governos dóceis a exigências de poderosos, conseguiram incrustar-se nos registros de imóveis10. 2.1.8 Estudo de caso: Desapropriação e registro da enfiteuse Para melhor compreensão do instituto, abaixo segue decisão proferida no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná onde se discutiu direito à indenização, decorrente de suposta enfiteuse, à vista de desapropriação indireta praticada pelo Município. Confira-se: APELAÇÃO CÍVEL. ALEGADA DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PLEITO INDENIZATÓRIO DEDUZIDO COM BASE NA ENFITEUSE. DOMÍNIO ÚTIL QUE NÃO RESTOU COMPROVADO. PROCESSO EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, DIANTE DA ILEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM". SENTENÇA CORRETA. RECURSO DESPROVIDO. Para que o direito real da enfiteuse possa ser adquirido por ato inter vivos é imprescindível a formalização do seu título constitutivo mediante escritura pública, uma vez que sempre tem por objeto um bem imóvel, e que seja devidamente registrado no álbum imobiliário. (TJPR - 4ª C.Cível - AC 0377843-0 - Rio Negro - Rel.: Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira - Unânime - J. 15.07.2008)11 Consta das razões do voto do Relator Xisto Pereira: (...) Ocorre que, quanto ao seu modo de aquisição, segundo a lição de Orlando Gomes, "A enfiteuse só se adquire por um desses modos: a transcrição, a usucapião e a sucessão hereditária. Mas o título constitutivo pode ser: o contrato, o testamento ou a sentença judicial (...). O contrato não origina, por si só, o direito real de enfiteuse. Para se constituir por ato inter vivos, é indispensável, em nosso sistema jurídico, que esse título seja devidamente transcrito no 10 Tratado de direito privado. 3ª edição v. 18. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, pág. 179. 11http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/VisualizaAcordao.asp?Processo=377 843000&Fase=&Cod=794720&Linha=26&Texto=Acórdão Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 11 Registro Imobiliário" (obra citada, pág. 308, grifos nossos). A enfiteuse, no caso dos autos, foi instituída por ato inter vivos em favor dos antecessores dos apelantes pelo Município de Rio Negro, do qual era Distrito o atual Município de Piên, ora apelado (fl. 21). Mas conforme informaram os próprios apelantes, a "carta de foro" não foi levada a registro perante o Registrador Imobiliário, de modo que o contrato colacionado aos autos e ao qual se apegam para reivindicar a indenização a título de proprietários das áreas ditas esbulhadas é, no dizer de Orlando Gomes, um negócio jurídico que "de per si não é idôneo para operar a aquisição do domínio", pois "para que o direito real da enfiteuse possa ser adquirido por ato inter vivos, é imprescindível que esse título constitutivo seja feito por escritura pública, uma vez que sempre tem por objeto imóvel (Código Civil, art. 108, Lei n. 7.104/83) e que, conforme o art. 1.227 do Código Civil, seja devidamente registrado no Cartório de Imóveis competente (Lei n. 6.015/73, art. 167, I, n. 10)" (obra citada, pág. 327). Destarte, correta a sentença recorrida porque não restou demonstrada a aquisição, pelos apelantes, do domínio útil das áreas indicadas na inicial. (...) Elucidativo é o presente acórdão ao demonstrar da imprescindibilidade de se levar a registro a enfiteuse para fins de validade contra terceiros. No caso, a ausência do registro repercutiu na seara da indenização por desapropriação. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 12 2.2 DIREITO DE SUPERFÍCIE 2.2.1 Configuração Não estava considerado como direito real no Código Civil de 1916. Orlando Gomes há muito reclamava do arcaísmo da enfiteuse, requerendo a criação de instituto que pudesse resolver o problema crescente do déficit habitacional brasileiro. Mencionava da necessidade de previsão da superfície sob a forma de concessão ad aedificandum que, por ser um direito real temporário, permitiria a construção em terreno alheio, constituindo-se num excelente instrumento jurídico para a solução do problema referido. Para tanto o Código Civil de 2002 acabou por atender tal reclamo nos arts. 1.369 a 1.377, nos termos do que abaixo se passa a expor. Cabe, no entanto, preliminarmente, mencionar que no direito romano, vingou o princípio da associação estreita entre o solo e a superfície, sendo ambos partes da mesma coisa, o que levou a formar a expressão superfícies solo cedit, ou seja, a superfície segue o solo. Quem fosse dono do solo era também de tudo aquilo que se erguesse ou existisse sobre ele, pois considerava-se a superfície uma parte do solo, estando intimamente a ele ligado, não se viabilizando a transferência de um elemento sem o outro. Num segundo momento admitiu-se aos particulares o uso do solo alheio. E por fim, no período pós-clássico, tornou-se um preceito o direito de superfície. Tal ocorreu, à vista do aperfeiçoamento do modelo jurídico no direito medieval, pelo interesse da igreja em legitimar as construções feitas em seus terrenos, e, posteriormente, nas legislações modernas – sobremaneira na reforma do BGB de 1919 –, a superfície foi reconhecida como verdadeiro direito de propriedade, abrandando-se o rigor do princípio da unicidade da titularidade, pois, de forma inédita, a propriedade do solo se apartaria da propriedade das construções e plantações, servindo como maneira de estancar situações de crise habitacional. Em nosso sistema, coube ao Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) regulamentar a matéria, ressuscitando o instituto no ano de 2001. No ano de 2002, foi novamente o instituto trazido ao bojo do Código Civil. Constitui-se, o direito de superfície na faculdade de construir ou manter temporariamente, uma obra ou plantação em terreno alheio. O proprietário de um imóvel (fundieiro ou fundeiro), concebido na sua integralidade, concede o direito a outrem Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 13 (superficiário) de construir ou plantar em seu terreno, por tempo determinado, formalizando-se o contrato através de escritura pública, que se sujeita ao competente registro imobiliário. Para Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, consiste na faculdade que o proprietário possui de conceder a um terceiro, tido como superficiário, a propriedade das construções e plantações para que este efetue sobre ou sob o solo alheio (solo, subsolo ou espaço aéreo de terreno), por tempo determinado ou sem prazo, desde que promova a escritura pública no registro imobiliário12. Pode-se dizer que o direito de superfície abrange o domínio do que se encontra na superfície. Mais propriamente, assenta-se no domínio da superfície, com o poder de dispor da mesma, que se presta a ser alienada, arrendada, alugada e a outras modalidades de disposição,sem envolver o que se encontre em seu interior, ou está abaixo da superfície. Na superfície não se cogita da existência de uma relação de subordinação entre um bem prevalente e outro, de natureza inferior. Tratam-se de duas propriedades autônomas e horizontalmente fracionadas, cada qual mantendo a sua exclusividade e os atributos de uso, fruição, disposição e reivindicação. Uma das maiores utilidades do direito de superfície é a sua grande densidade econômica. Uma pessoa poderá construir ou plantar em solo alheio, sem a necessidade de adquirir o terreno e despender grandes somas de capital, propiciando a concessão de função social à propriedade. Por um lado, o superficiário adquire as acessões e explora todas as possibilidades financeiras que o imóvel lhe concede; por outro, evita-se a antieconomicidade da propriedade. O proprietário do terreno mantém a titularidade, percebe uma renda pela concessão da superfície e ainda evita que o imóvel seja atingido pelas sanções municipais decorrentes de subutilização da propriedade, já que não dispõe de recursos para edificar (art. 5º, da Lei nº 10.257/2001). No dito popular, reúne-se a fome com a vontade de comer13. Cabe, ainda, neste tópico, esclarecer acerca do eventual conflito existente entre o previsto no Estatuto da Cidade e o Código Civil, pois que, ambos os institutos trabalham o direito de superfície. 12 ROSENVALD, Nelson. FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos reais. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p. 396. 13 ROSENVALD, Nelson. FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos reais. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p. 400. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 14 Assim, tendo em vista a especialidade do Estatuto da Cidade, o previsto no Código Civil aplica-se às superfícies rurais. Inclusive, ficou ementado no Enunciado 93 da IV Jornada de Direito Civil que: As normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície não revogam as relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano. Para Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias, a Lei 10.257/01 é especial e a sua finalidade e essência são distintas do modelo que agora é apresentado pelo Código Civil. O Estatuto da Cidade regula a disciplina urbanística e deseja promover a função social da cidade, tornando-a sustentável e dotada de condições dignas de vida. Já no Código Civil o direito de superfície é um instrumento destinado a atender interesses e necessidades privadas. Para estes, se um município instituir direito de superfície no subsolo de uma praça – após prévia desafetação do bem público – a fim de que um particular edifique estacionamentos ou, então, um proprietário particular conceda espaço ocioso para que outro particular construa um centro de artes de acesso à população, aplicaremos as normas da legislação especial, que objetiva combater a especulativa subutilização de espaços urbanos e incrementar a criação de empregos e geração de riquezas. Neste sentido, afirma que, se o proprietário A concede a superfície de seu terreno urbano para que B construa uma pista de cooper em seu interesse particular, ou a concessão efetive-se no espaço aéreo de uma casa próxima a praia, para que o vizinho não perca a bela vista para o mar, estaremos no campo do Código Civil, pois apesar de se tratar de imóvel urbano, a relação jurídica é de direito privado, sem qualquer relevância imediata para o direito urbanístico. 2.2.2 Características e distinções Trata-se de um direito real, constituindo-se por meio de escritura pública e registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Aliás, nada impede que o direito real seja concebido pela via do negócio jurídico unilateral do testamento, sendo possível que A faça um testamento deixando a propriedade do bem a seus herdeiros B e C, efetuando legado de direito de superfície em prol do amigo D. Fundamental para a gênese do direito de superfície será o registro do formal de partilha. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 15 É, ainda, um direito de propriedade, posto que o adquirente, ou superficiário, torna-se titular da superfície, com a prerrogativa de dispor, ou de transmissão, além dos direitos de fruição, posse, proveito e defesa. A propriedade, entrementes, vai até o nível onde alcançam as fundações do edifício e as raízes das plantas. Abaixo desses limites o domínio é reservado ao proprietário do solo. A constituição não pode ter por fim a consecução de uma renda ou pensão periódica, pagável pelo adquirente do direito, o que levaria a ver na espécie uma confusão com a enfiteuse, que admite a estipulação de uma renda periódica. Já que se inclui entre os direitos reais, o registro faz surtir efeitos erga omnes, sendo alienável ou transmissível tanto por ato entre vivos como mortis causa. Aliás, de se demonstrar que o titular do direito de superfície, relativamente ao edifício, pode, inclusive aliená-lo ou gravá-lo. Pode ainda transferir a terceiros, a título oneroso ou gratuito, dentro é claro dos termos com que contratou com o proprietário. Ao proprietário do solo reconhece-se a faculdade de transferência do imóvel a terceiros, permanecendo, no entanto, intangível o direito real do superficiário, ficando obrigados os adquirentes a respeitar a superfície e as condições constantes em sua constituição. Distingue-se da enfiteuse, pois que, esta concede o domínio útil incondicional, enquanto que nesta (superfície), a transmissão restringe-se à parte superior da terra, remanescendo a propriedade do solo, ou das riquezas interiores, na pessoa do titular. 2.2.3 O direito de superfície no Código Civil e no Estatuto da Cidade O art. 1.369 do Código Civil institui o direito: O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão. Por sua vez o Estatuto da Cidade, em seu art. 21 apenas expressa que poderá ser este concedido por tempo indeterminado e, por força do § 1º do art. 21 do Estatuto da Cidade: O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 16 Merece crítica o art. 1.369 do Código Civil, no que pertine a exclusão da possibilidade das construções edificadas antes do nascimento do direito de superfície sob o terreno de fazerem parte desta. Exemplificando, o proprietário não pode conceder a casa que havia construído a outrem, mantendo consigo a titularidade do terreno. Parece- nos que neste ponto o legislador agiu de forma tímida, pois a possibilidade de concessão de superfície por cisão seria excelente modo de revitalização de edificações mal conservadas, abandonadas pelo tempo, ou de conclusão de obras de edificação que foram paralisadas por desídia ou carência econômica dos proprietários. Neste sentido, aprovou- se o Enunciado nº 250, cristalizando a tese de que admite-se a constituição do direito de superfície por cisão. O art. 1.370 do Código Civil permite que a concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou parceladamente.A concessão da superfície será gratuita se as partes assim o ajustarem. Com efeito, poderá o proprietário perceber que compensa não cobrar valores do superficiário, em razão da extensão das obras que posteriormente reverterão ao seu patrimônio. Todavia, poderá estabelecer um valor a ser pago ao proprietário de uma só vez, ou uma remuneração mensal conhecida como solarium ou cânon superficiário. No próprio ato constitutivo virá definida a modalidade de pagamento, consignando-se, se admitido o parcelamento, o número de prestações, o respectivo valor, a maneira de atualização, e as decorrências da inadimplência, com a necessidade de prévia constituição em mora. Na falta de pagamento é viável a resolução, podendo-se, no entanto, se executar as prestações pendentes. O art. 1.371 do Código Civil, fixa obrigação do superficiário quanto aos tributos, estipulando que este responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel. Idêntica estipulação está contida no art. 21, § 3º do Estatuto da Cidade, ao consignar que o superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo. Neste limiar, não se nota violação ao art. 146, inc. III da Constituição Federal14, que exige edição 14 Art. 46. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 17 de lei complementar para a definição de contribuinte tributário. O Código Civil não criou nova espécie de contribuinte, e sim um responsável patrimonial em caráter de solidariedade passiva com o proprietário – contribuinte –, medida factível por meio de lei ordinária (CTN, 12815). Enquanto que o contribuinte tem vínculo pessoal e direto com o fato tributário imponível, o responsável se relaciona apenas de forma mediata com o fato gerador. Em suma, o poder público poderá cobrar as obrigações tributárias do proprietário ou do superficiário, ou mesmo de ambos. Cabe aqui mencionar, que as partes podem regular na esfera obrigacional sobre qual dos contratantes recairá a obrigação tributária. Vale dizer, se o proprietário alcançado pelo fisco, eventualmente, poderá regredir em face do superficiário, nos termos do livremente pactuado entre eles. É o que deflui, inclusive, do Enunciado nº 94 das Jornadas de Direito Civil, o qual estabelece que as partes têm plena liberdade para deliberar, no contrato respectivo, sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto da concessão do direito de superfície. Por sua vez, consagra o art. 1.372 do Código Civil a plena transmissibilidade do direito (EC, 21 §§ 4º e 5º), averbando que o direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros. No entanto, consta do parágrafo único que tal não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela transferência. Evidentemente, que toda forma de transmissão da propriedade superficiária, inter vivos ou mortis causa, prevalecerá tão-somente pelo prazo fixado no negócio jurídico originário. Assim, se A for constituído superficiário de um imóvel por um prazo de 30 anos de vigência, tanto a alienação do direito de superfície como a transmissão por óbito, provocarão a passagem da propriedade aos sucessores apenas no período que faltar para o alcance do termo ad quem dos 30 anos. Com efeito, todos os tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. 15 CTN: Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 18 direitos reais adquiridos na pendência da propriedade resolúvel são extintos pelo advento do termo (Código Civil, art. 1.359). No caso de transmissão do direito de superfície, não haverá qualquer espécie de pagamento de laudêmio ao proprietário do solo, como ocorria na enfiteuse. Por sua vez, garante o art. 1.373 do Código Civil o direito de preferência no caso de venda, preconizando que em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições. Neste caso, deve haver notificação entre as partes, com prazo mínimo de 30 dias, para manifestação quanto ao interesse na aquisição. A proposta deve ser em igualdade de condições à proposta ofertada. Não sendo cumprido tal requisito, poderá o preterido no prazo de 06 meses, a iniciar do ato, ou ciência do estabelecido depositar em juízo o valor correspondente e adquirir a plena propriedade, por aplicação analógica do disposto no art. 504 do Código Civil. Inaplicável é tal regra quando a transmissão ocorrer por doação ou mortis causa, ou ainda daquelas procedidas judicialmente como é caso da venda em leilão. Reza o art. 1.374 do Código Civil: Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida. Contempla o art. 1.375 do Código Civil que: Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário. Conquanto, as causas de extinção da superfície, estas são as mais variadas, podendo, no entanto, serem resumidas conforme abaixo seguem: a) o vencimento do prazo estipulado no contrato, pois que, em se tratando de direito real de superfície instituído sem prazo, na forma do Estatuto da Cidade, o proprietário do terreno poderá pleitear a resolução contratual a qualquer tempo, sendo suficiente interpelação judicial ou extrajudicial do superficiário, a teor do parágrafo único do art. 397 do Código Civil16. No entanto, tal mecanismo parece uma 16 Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 19 afrontaà própria relevância econômica da superfície que o proprietário possa imediatamente desconstituir a referida relação jurídica. Assim, há que se ter razoabilidade, fixando-se, em cada caso um prazo mínimo para utilização do terreno. De fato, uma linha de razoabilidade, poderá o magistrado suspender a faculdade resolutória derivada do direito potestativo do proprietário, apoiando-se na operativa norma do parágrafo único do art. 473 do Código Civil17, ao permitir a paralisação da eficácia do poder de denúncia para um momento compatível com a natureza e o vulto dos investimentos ligados ao exercício da superfície, ponderados a cada caso os interesses do proprietário e do superficiário. b) o abandono, revelado na conduta ostentada pelo titular do direito, mesmo que nem sempre de modo expresso, indicativa da vontade de não mais manter a relação de proveito da superfície. Simplesmente o beneficiário deixa de lado as construções ou plantações que fez no imóvel, não mais comparecendo ao local, resultando em completa deterioração. Há necessidade de declaração judicial, para tornar perfeito o direito à retomada da superfície. c) o perecimento das construções ou plantações existentes no imóvel induzem a extinção se de tal monta que reste inviabilizada a reconstrução ou a renovação das plantações. d) a renúncia de modo expresso, quando o superficiário renúncia ao direito que possui. Conforme já dito, tal deve ser efetuada de forma expressa. e) confusão, isto é, reunião na mesma pessoa das qualidades de proprietário do solo e da superfície, sendo exemplo o caso do pai que é proprietário e o filho que é superficiário e, quando ocorrida à morte do pai, há a reunião numa única pessoa das duas figuras, ocorrendo sua extinção. f) desapropriação, sendo que neste caso, reza o art. 1.376 do Código Civil: No caso de extinção do direito de superfície em conseqüência de desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de cada um. Esta norma explica que o proprietário receberá o valor do solo e o superficiário o montante relativo às edificações. Tal norma deve ser olhada com cuidado, principalmente quando a desapropriação se der no fim do contrato de 17 Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 20 superfície, pois que, poderá o proprietário sofrer grande prejuízo, em face da impossibilidade de resgatar as acessões. Assim, incumbirá ao proprietário o cuidado de elaborar cláusula contratual com a previsão de que, quanto mais próxima à concessão de seu término, implicando a existência de acessões já concluídas, maior será a parcela de sua participação na verba indenizatória proveniente da desapropriação. Ainda, a este respeito, restou sedimentado pelo Enunciado 322 da IV Jornada de Direito civil que: O momento da desapropriação e as condições da concessão superficiária serão considerados para fins da divisão do montante indenizatório (art. 1.376), constituindo-se litisconsórcio passivo necessário simples entre proprietário e superficiário. Por sua vez, o Estatuto da Cidade contempla no art. 23 dois casos de extinção: I – pelo advento do termo; e II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário. Ainda, consigna o § 1º do art. 24 que antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida. Pelo § 2º do art. 24 do Estatuto da Cidade, informa ainda que a extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis. E por fim reza o art. 1.377 do Código Civil que o direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial. 2.2.4 Quadro comparativo entre superfície e outros institutos Confira-se, abaixo as principais características e diferenças do direito de superfície de outros direitos reais sobre bens alheios. Superfície Usufruto Superficiário tem a propriedade resolúvel sobre a plantação ou construção; Superficiário pode construir ou plantar no solo; Objeto é coisa imóvel; Direito de superfície é alienável e à título oneroso ou gratuito; Incidentes/ruína da construção ou plantação não precisam ser notificados ao concedente. Usufrutuário só tem direito de usar e gozar a coisa frutuária; Usufrutuário não: só usa e goza a coisa já existente; Objeto pode ser móvel ou imóvel; Incidentes devem ser comunicados ao nu- proprietário, já que ele é seu proprietário. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 21 Superfície Enfiteuse Superficiário não tem direito ao que implantou ao solo: a construção ou plantação, salvo estipulação em contrário; Temporário; Objeto: terra nua Enfiteuta tem direito sobre o solo e edificação Direito perpétuo Objeto: terras não cultivadas ou terrenos não edificados, isto é, a terra nua Superfície Servidão Recai sobre um imóvel A inércia não implica em extinção da superfície Existência de dois prédios: dominante servindo ao serviente Não uso contínuo por 10 anos extingue a servidão Superfície Locação Natureza real Natureza obrigacional Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 22 2.3 DAS SERVIDÕES 2.3.1 Conceito Para Clóvis, servidões prediais são restrições às faculdades de uso e gozo que sofre a propriedade em beneficio de alguém e, para Lafayete, seria o direito real constituído em favor de um prédio (dominante), sobre outro prédio (serviente), pertencente a dono diverso. O conceito, adotado, para tanto é aquele descrito no art. 1.378 do Código Civil que dispõe que a servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis. Em verdade, a servidão impõe um encargo ao prédio serviente em benefício do dominante. Decorre de lei ou vontade das partes, ou seja, para que o proprietário de um prédio possa dele utilizar-se amplamente, torna-se necessário, muitas vezes, se valer dos prédios vizinhos. Assim, constituem direitos, por efeito dos quais uns prédios servem a outros. Daí a origem dessa expressão, que é definida como a restrição imposta a um prédio, para uso e utilidade de outro pertencente a dono diverso. A servidão nasce da vontade das partes. Disto decorre que não se confunde com as servidões legais, que são oriundas do direito de vizinhança e impostas coativamente. É, assim, um ônus imposto voluntariamente. Neste sentido, confira-se excerto extraído de julgado do TJRS: Enquanto a passagem forçada é instituto de direito real, gerando obrigações propter rem, impondo-se ao titular do prédio vizinho como forma de garantir o direito de ir e vir do dono do prédio encravado, independentemente do consenso porquanto decorre da própria condição física do imóvel, a servidãode trânsito visa tão-somente uma melhor utilidade do imóvel, mediante a manifestação de vontade dos proprietários dos dois prédios, ou ainda, decorrente de uma posse pública, mansa e pacífica, caracterizando-se como ius in re aliena18. 18 TJRS, Ap. Cível n. 70006164032, 17ª Câm. Cível, rel. Elaine Harzheim Macedo, j. 27.05.2003. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 23 2.3.2 Finalidade Tem por objetivo precípuo proporcionar uma valorização do prédio dominante, tornando-o mais útil, agradável ou cômodo. Implica, por outro lado, uma desvalorização econômica do prédio serviente, levando-se em consideração que as servidões prediais são perpétuas, acompanhando sempre os imóveis quando transferidos. Sendo um direito real, a servidão adere à coisa, apresentando-se como um ônus que acompanha o prédio serviente em favor do dominante. Logo, a servidão serve à coisa e não ao dono, restringindo a liberdade natural da coisa. 2.3.3 Princípios fundamentais que regem às servidões a) em regra é uma relação entre vizinhos, embora a contigüidade entre prédios dominantes e servientes não seja essencial, pois, apesar de não serem vizinhos, um imóvel pode ter servidão sobre outro, desde que se utilize daquele de alguma maneira; b) a servidão não pode recair sobre prédio do próprio titular desta, assim não há servidão sobre coisa própria; c) a servidão serve a coisa e não o dono, sendo irregulares as servidões que consistam em limitações a prédio em favor de determinada pessoa e, não de outro prédio; d) não se pode de uma servidão constituir outra, isto é, não pode o titular do imóvel dominante ampliar a servidão a outros prédios; e) a servidão, uma vez constituída em beneficio de um prédio, é inalienável, não podendo ser transferida total ou parcialmente, nem sequer cedida ou gravada com uma nova servidão; f) a servidão não se presume, devendo ser expressa entre os proprietários e registrada no Cartório de imóveis. Se dúvida houver, deve-se decidir pela inexistência da servidão. Disto decorre que a servidão deve ser comprovada explicitamente cabendo o ônus da prova ao que alegar sua existência. Deve-se interpretar a servidão restritivamente, por ser ela uma restrição ao direito de propriedade. Seu exercício não deve ser muito oneroso ao prédio serviente. No conflito de provas apresentadas pelo autor e réu, deve-se decidir contra a servidão. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 24 2.3.4 Natureza jurídica da servidão É a servidão predial um direito real de gozo ou fruição sobre imóvel alheio, de caráter acessório, perpétuo, indivisível e inalienável, conforme reza o art. 1.225, inc. III do Código Civil. É acessória, pois que se liga a um direito principal, que é o direito de propriedade o qual lhe dá origem. Prende-se a servidão ao bem imóvel e o acompanha, seguindo-o nas mãos dos sucessores do proprietário. É ela perpétua, no sentido de que tem duração indefinida, ou seja, por prazo indeterminado e nunca por termo certo, perdurando enquanto subsistirem os prédios a que se adere, bem como, a causa de sua constituição. Sua indivisibilidade está contida no art. 1.386 do Código Civil que dispõe: As servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das do prédio serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro. Não se desdobra, não podendo, pois, ser adquirida ou perdida por partes. É um todo único e indivisível, que grava o prédio serviente ainda que este ou o dominante venham a ser divididos. Daibert argumenta que cada condômino ou quinhoeiro do imóvel dominante terá o benefício íntegro da servidão que continuará gravando o prédio serviente. De igual modo se a partilha for do imóvel serviente, cada condômino estará obrigado pela servidão, não podendo desdobrá-la. Desta indivisibilidade resulta que: a) a servidão não pode ser instituída em favor da parte ideal do prédio dominante, nem pode incidir sobre parte ideal do prédio serviente; b) deve ser mantida a servidão ainda que o proprietário do imóvel dominante se torne condômino do serviente ou vice-versa; c) defendida a servidão por um dos consortes do prédio dominante a todos aproveita a ação19. Quanto a inalienabilidade, esta decorre do condicionamento da servidão a uma necessidade do prédio dominante. 19 RT, 163:345. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 25 2.3.5 Classificação das servidões Sob o prisma do exercício esta pode ser contínua ou descontínua, aparente ou não aparente. a) contínua, quando exercida independentemente de uma ação humana e, em geral, ininterrupta, como é caso do aqueduto, onde as águas correm de um prédio ao outro sem qualquer ação humana; b) descontínua, condicionada a algum ato humano, como é o caso na servidão de trânsito; c) aparente, pois se manifesta por obras exteriores, visíveis e permanentes, como a de passagem e a de aqueduto; d) não aparente, é a que não se revela por obras exteriores, como é a de não edificar além de certa altura ou de não construir em determinado local. Tal classificação decorre da aplicação de regras diferentes para a constituição, execução e extinção, quanto às servidões contínuas e aparentes. Pelo art. 1.213 do Código Civil é negada a proteção possessória as servidões não aparentes, confira-se: O disposto nos art.s antecedentes não se aplica às servidões não aparentes, salvo quando os respectivos títulos provierem do possuidor do prédio serviente, ou daqueles de quem este o houve. No mesmo caminho é o art. 1.379 do Código Civil, ao revelar que somente as servidões aparentes e contínuas são aptas a ensejar a usucapião. Ainda quanto ao exercício, pode-se classificar em positivas ou negativas, onde nas primeiras, o dono do prédio dominante tem o poder de praticar algum ato no prédio serviente. Ao contrário, na negativa, é imposto um dever de abster- se da prática de determinado ato de utilização, como é o caso da não edificação. Por fim, considera-se servidão irregular aquela que não impõe limitação a um prédio em favor de outro, mas limitação a prédio em favor de determinada pessoa. 2.3.6 Modos de constituição Em qualquer caso a constituição da servidão está condicionada à averbação perante o Registro de Imóveis (Código Civil, arts. 1.227 e 1.378). Assim, todos os modos listados servem apenas como títulos ou pressupostos à aquisição do direito real de servidão. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 26 2.3.6.1 Servidão constituída por ato humano Pode esta se dar por ato inter vivos ou então por causa mortis, sendo que em ambos os casos pressupõem-se capacidade das partes, inclusive aquela para os atos de disposição do prédio, isto é, ser proprietário, pois só pode constituir servidão quem tiver o poder de disposição. Pode ocorrer à servidão ainda, por sentença de ação de divisão, quando se fizer necessário a proporcionar maior utilidade a um dos quinhões, especialmente, quando em virtude da demarcação, fica ele encravado, sem acesso à via pública. Dispõe o art. 979, inc. II, do Código de Processo Civil que instituir-se-ão as servidões, que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não setratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente. Pode ainda se dar pela usucapião, conforme redação do art. 1.379 do Código Civil: O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião. Consta do parágrafo único: Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos. Têm-se, na primeira hipótese a usucapião ordinária (justo título e posse incontestada por 10 anos), na segunda, temos a usucapião extraordinária (posse incontestada por 20 anos, mas sem título). Somente às servidões contínuas e aparentes é que podem ser adquiridas por usucapião, pois que: a) só estas são suscetíveis de posse; b) só as aparentes podem ser percebidas por inspeção ocular e; c) só a continuidade e permanência é que caracterizam a posse para usucapir. Por fim, há a destinação do proprietário como forma de constituição de servidão. Conforme proclama Lafayette, se o senhor de dois prédios estabelece sobre um serventias visíveis em favor de outro, e posteriormente aliena um deles, ou um e outro passam por sucessão a pertencer a donos diversos, as serventias estabelecidas assumem a natureza de servidões, salvo cláusula em contrário. O único requisito reclamado para tal caso pela jurisprudência é que a servidão seja aparente, com finalidade de proteger a boa-fé do adquirente do imóvel dominante, pois que, a teor dos arts. 1.378 e 1.379 do Código Civil, as servidões não- aparentes só podem ser constituídas por registro no Cartório de Registro de Imóveis. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 27 Confira-se julgado do TJSP, ao firmar que: Servidão de passagem. Destinação do proprietário. Subsistência. Porteira interditando estrada, única via de acesso à propriedade dos demandantes. Prova testemunhal no sentido de que a produção das terras destes se escoava pela aludida estrada. Demonstrada a servidão por destinação do proprietário. Procedência da ação de reintegração de posse. (RJTJSP, 23/163). 2.3.6.2 Servidão constituída por fato humano Trata-se de uma criação jurisprudencial. Aplica-se exclusivamente às servidões de trânsito. Por esta, entende-se que se o dono do prédio dominante costuma servir-se de determinado caminho aberto no prédio serviente, e se este se exterioriza por sinais visíveis, como aterros, mata-burros, bueiros, pontilhões e etc., nasce o direito real sobre coisa alheia, digno de proteção possessória. Tal entendimento é sedimentado pela Súmula 415 do STF: Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória. Para seu reconhecimento, necessário se faz comprovar que a passagem se dá por estrada ou caminho demarcado e visível em virtude das obras realizadas. Se o caminho não é demarcado e visível, a situação será encarada como mera tolerância do dono do prédio serviente. Neste sentido, confira-se: Servidão de passagem. Atravessadouros e passagens particulares. Ato de mera tolerância concedido para facilitar o acesso a prédio não encravado. Insuscetibilidade de usucapião e de tutela possessória20. Ainda: Servidão de trânsito. Possessória. Embaraço do uso de estrada que liga a propriedade dos autores à estrada asfaltada, que facilita o caminho para cidade. Inadmissibilidade. Posse prolongada e constante utilização comprovadas. Decretada a procedência da ação21. Por fim: Servidão de trânsito contínua e aparente. Existência de outra estrada em favor do imóvel dominante. Circunstância que não tem o condão de obstar a manutenção da servidão. Inteligência da Súm. 415 do STF.22 20 RT, 755/410. 21 RT, 725/247. 22 RT, 789/246. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 28 2.3.7 Regulamentação das servidões 2.3.7.1 Obras necessárias à sua conservação e uso Trata o art. 1.380 do Código Civil, que o dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação e uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão as despesas rateadas entre os respectivos donos. Trata tal preceito, exatamente dos meios necessários à conservação e uso das servidões. Consagra a regra básica de ter o dono da servidão direito a tudo o que é necessário ao exercício dela. De nada valeria a servidão, sem fornecer os meios para seu regular exercício. Disto decorre, que em determinadas servidões, por sua natureza, criam-se servidões acessórias: a servidão de retirada de água do prédio vizinho tem como acessória a servidão de passagem para chegar à fonte; servidão de aqueduto tem como acessória a servidão de ingressar no imóvel vizinho para fazer a limpeza e reparos imprescindíveis. O proprietário do prédio dominante pode fazer as obras necessárias a sua conservação e uso. Estas podem estar ou não discriminadas no título constitutivo da servidão. No silêncio do contrato, as obras são determinadas em razão da natureza da servidão e de suas condições. No curso das obras, podem ocorrer danos ao prédio serviente que, somente serão indenizáveis se não forem inerentes ao incômodo da própria servidão ou se decorrerem de ato culposo do titular do prédio dominante. Pelo disposto no art. 1.381 do Código Civil as obras a que se refere o art. antecedente devem ser feitas pelo dono do prédio dominante, se o contrário não dispuser expressamente o título. Como alerta Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, não cria o preceito uma obrigação do titular do prédio dominante, exigível pelo titular do prédio serviente. Há somente o dever de executar as obras se quiser ter o exercício da servidão23. A regra aqui é dispositiva, razão pela qual nada impede que as partes convencionem em sentido diverso: que despesas e obras caibam ao titular do prédio serviente. Tal obrigação, constante do título levado a registro, ganha natureza propter 23 Direito real de servidão. Rio de Janeiro, Aide, 1985, p. 77. Direito das Coisas II http://professorhoffmann.wordpress.com | 29 rem, irradiando efeitos em relação a terceiros e acompanhando a servidão, enquanto esta durar. Deve o registro do título, fazer menção quanto à obrigação do titular do prédio serviente, alertando eventuais adquirentes quanto às cláusulas acessórias da servidão. Caso, porém, seja a convenção firmada apenas entre as partes, sem ingressar no registro imobiliário, cria-se mero direito de crédito, imponível a terceiros adquirentes de boa-fé. Pelos termos do art. 1.382 do Código Civil, quando a obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este poderá exonerar-se, abandonando, total ou parcialmente, a propriedade ao dono do dominante. E pelo parágrafo único: Se o proprietário do prédio dominante se recusar a receber a propriedade do serviente, ou parte dela, caber-lhe-á custear as obras. O termo abandono não foi usado pelo legislador em seu sentido técnico, pois não basta o comportamento intencional do titular do prédio serviente para operar a transferência do fundo gravado. Deve haver instrumento público, se acima da taxa legal e, levado ao registro imobiliário, que tem efeito constitutivo em aquisição e perda de direitos reais sobre coisas imóveis. Se, abandonado o imóvel, o dono do prédio dominante se recusar a receber a propriedade, mas continuar exercendo a posse, custeando as obras
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