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Introdução a Epidemiologia

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Introdução a Epidemiologia
Profª Leila Tomazinho
A Epidemiologia
A Epidemiologia é a ciência que estuda os padrões da ocorrência de doenças em populações humanas e os fatores determinantes destes padrões1
Enquanto a clínica aborda a doença em nível individual; a epidemiologia aborda o processo saúde-doença em grupos de pessoas. 
Que podem variar de pequenos grupos até populações inteiras.
USOS DA EPIDEMIOLOGIA
A epidemiologia trata de qualquer evento relacionado à saúde ou doença da população.
Suas aplicações variam desde a descrição das condições de saúde da população, da investigação dos fatores determinantes de doenças, da avaliação do impacto das ações para alterar a situação de saúde até a avaliação da utilização dos serviços de saúde, incluindo custos de assistência.
Contribuição
A epidemiologia contribui para o melhor entendimento da saúde da população partindo do conhecimento dos fatores que a determinam e provendo, conseqüentemente, subsídios para a prevenção das doenças.
Saúde e doença como um processo binário, ou seja, presença/ausência, é uma forma simplista para algo bem mais complexo.
O que se encontra usualmente,na clínica diária, é um processo evolutivo entre saúde e doença que, dependendo de cada paciente, poderá seguir cursos diversos, sendo que nem sempre os limites entre um e outro são precisos. 
Essa progressão pode seguir alguns padrões, como:
1-Evolução aguda e fatal : 
Exemplo: estima-se que cerca de 10% dos pacientes portadores de trombose venosa profunda acabam apresentando pelo menos um episódio de tromboembolismo pulmonar, e que 10% desses vão ao óbito2.
2-Evolução aguda, clinicamente evidente, com recuperação . 
Exemplo:
Um paciente jovem, hígido, vivendo na comunidade, com quadro viral de vias aéreas superiores e que, depois de uma semana, inicia com febre, tosse produtiva com expectoração purulenta, dor ventilatória dependente e consolidação na radiografia de tórax.
 Após o diagnóstico de pneumonia pneumocócica e tratamento com antibióticos, o paciente repete a radiografia e não se observa seqüela alguma do processo inflamatório-infeccioso (já que a definição de pneumonia implica recuperação do parênquima pulmonar).
3- Evolução subclínica .
 Exemplo: primo-infecção tuberculosa: a chegada do bacilo de Koch nos alvéolos é reconhecida pelos linfócitos T, que identificam a cápsula do bacilo como um antígeno e provocam uma reação específica com formação de granuloma; assim acontece o chamado complexo primário (lesão do parênquima pulmonar e adenopatia).
 	Na maioria das pessoas, a primo-infecção tuberculosa adquire uma forma subclínica sem que o doente sequer percebe sintomas de doença.
4- Evolução crônica progressiva com óbito em longo ou curto prazo .
Exemplo: fibrose pulmonar idiopática que geralmente tem um curso inexorável, evoluindo para o óbito por insuficiência respiratória e hipoxemia severa. As maiores séries da literatura relatam uma sobrevida média, após o surgimento dos primeiros sintomas, inferior a cinco anos, sendo que alguns pacientes evoluem para o óbito entre 6 e 12 meses3,4. Já a DPOC serve como exemplo de uma doença com evolução progressiva e óbito em longo prazo, dependendo fundamentalmente da continuidade ou não do vício do tabagismo.
5- Evolução crônica com períodos assintomáticos e exacerbações .
Exemplo: a asma brônquica é um dos exemplos clássicos, com períodos de exacerbação e períodos assintomáticos. 
Hoje, sabe-se que, apesar dessa evolução, a função pulmonar de alguns pacientes asmáticos pode não retornar aos níveis de normalidade 5.
Essa é a história natural das doenças. Que, na ausência da interferência médica, pode ser subdividida em quatro fases:
a) Fase inicial ou de susceptibilidade.
b) Fase patológica pré-clínica.
c) Fase clínica.
d) Fase de incapacidade residual.
Na fase inicial, ainda não há doença, mas, sim, condições que a favoreçam. Dependendo da existência de fatores de risco ou de proteção, alguns indivíduos estarão mais ou menos propensos a determinadas doenças do que outros.
Exemplo: crianças que convivem com mães fumantes estão em maior risco de hospitalizações por IRAS no primeiro ano de vida, do que filhos de mães não-fumantes6.
Na fase patológica pré-clínica, a doença não é evidente, mas já há alterações patológicas, como acontece no movimento ciliar da árvore brônquica reduzido pelo fumo e contribuindo, posteriormente, para o aparecimento da DPOC. A fase clínica corresponde ao período da doença com sintomas. Ainda no exemplo da DPOC; 
Na fase clínica varia desde os primeiros sinais da bronquite crônica . como aumento de tosse e expectoração, até o quadro de cor pulmonale crônico, na fase final da doença.
Por último, se a doença não evoluiu para a morte nem foi curada, ocorrem as seqüelas da mesma; ou seja, aquele paciente que iniciou fumando, posteriormente desenvolveu um quadro de DPOC, evoluiu para a insuficiência respiratória devido à hipoxemia e passará a apresentar severa limitação funcional , que é a fase de incapacidade residual.
Entendendo:
Conhecendo-se e atuando-se nas diversas fases da história natural da doença, poder-se-á modificar o curso da mesma; isso envolve desde as ações de prevenção consideradas primárias até as terciárias, para combater a fase da incapacidade residual.
PREVENÇÃO
As ações primárias dirigem-se à prevenção das doenças ou manutenção da saúde. 
Exemplo: a interrupção do fumo na gravidez seria uma importante medida de ação primária, já que mães fumantes, no estudo de coorte de Pelotas de 1993, tiveram duas vezes maior risco para terem filhos com retardo de crescimento intra-uterino e baixo peso ao nascer sendo esse um dos determinantes mais importantes de mortalidade infantil7.
Após a instalação do período clínico ou patológico das doenças, as ações secundárias visam a fazê-lo regredir (cura), ou impedir a progressão para o óbito, ou evitar o surgimento de seqüelas. 
Exemplo: o tratamento com RHZ para a tuberculose proporciona cerca de 100% de cura da doença e impede seqüelas importantes como fibrose pulmonar, ou cronicidade da doença sem resposta ao tratamento de primeira linha e a transmissão da doença para o resto da população.
A prevenção através das ações terciárias procura minimizar os danos já ocorridos com a doença. 
Exemplo: a bola fúngica que, usualmente é um resíduo da tuberculose e pode provocar hemoptises severas, tem na cirurgia seu tratamento definitivo8.
CAUSALIDADE EM EPIDEMIOLOGIA
A teoria da multicausalidade ou multifatorialidade tem hoje seu papel definido na gênese das doenças, em substituição à teoria da unicausalidade que vigorou por muitos anos. A grande maioria das doenças advém de uma combinação de fatores que interagem entre si e acabam desempenhando importante papel na determinação das mesmas.
Como exemplo dessas múltiplas causas ,ou seja, causas contribuintes, citaremos o câncer de pulmão. Nem todo fumante desenvolve câncer de pulmão, o que indica que há outras causas contribuindo para o aparecimento dessa doença. 
Estudos mostraram que, descendentes de primeiro grau de fumantes com câncer de pulmão tiveram 2 a 3 vezes maior chance de terem a doença do que aqueles sem a doença na família; isso indica que há uma suscetibilidade familiar aumentada para o câncer de pulmão.
 Ativação dos oncogenes dominantes e inativação de oncogenes supressores ou recessivos são lesões que têm sido encontradas no DNA de células do carcinoma brônquico e que reforçam o papel de determinantes genéticos nesta doença9.
A determinação da causalidade passa por níveis hierárquicos distintos,sendo que alguns desses fatores causais estão mais próximos do que outros em relação ao desenvolvimento da doença. 
Por exemplo, fatores biológicos, hereditários e socioeconômicos podem ser os determinantes distais da asma infantil . 
São fatores a distância que, através de sua atuação em outros fatores, podem contribuir para o aparecimento da doença.
Por outro lado, alguns fatores, chamados determinantes intermediários . Podem sofrer
tanto a influência dos determinantes distais como estar agindo em fatores próximos à doença, como seria o caso dos fatores gestacionais, ambientais, alérgicos e nutricionais na determinação da asma; os fatores que estão próximos à doença .
Os determinantes proximais - por sua vez, também podem sofrer a influência daqueles fatores que estão em nível hierárquico superior (determinantes distais e intermediários) ou agirem diretamente na determinação da doença. No exemplo da asma, o determinante proximal pode ser um evento infeccioso prévio.
Critérios de causalidade de Hill
Somente os estudos experimentais estabelecem definitivamente a causalidade, porém a maioria das associações encontradas nos estudos epidemiológicos não é causal. 
Força da associação e magnitude.
- Quanto mais elevada a medida de efeito, maior a plausibilidade de que a relação seja causal. 
Por exemplo: estudo de Malcon sobre fumo em adolescentes mostrou que a força da associação entre o fumo do adolescente e a presença do fumo no grupo de amigos foi da magnitude de 17 vezes; ou seja, adolescentes com três ou mais amigos fumando têm 17 vezes maior risco para serem fumantes do que aqueles sem amigos fumantes 10.
Consistência da associação. 
A associação também é observada em estudos realizados em outras populações ou utilizando diferentes metodologias?
É possível que, simplesmente por chance, tenha sido encontrada determinada associação? 
Se as associações encontradas foram conseqüência do acaso, estudos posteriores não deverão detectar os mesmos resultados.
Exemplo: a maioria, senão a totalidade dos estudos sobre câncer de pulmão, detectou o fumo como um dos principais fatores associados a esta doença.
Especificidade. 
A exposição está especificamente associada a um tipo de doença, e não a vários tipos (esse é um critério que pode ser questionável).
Exemplo: poeira da sílica e formação de múltiplos nódulos fibrosos no pulmão (silicose).
Seqüência cronológica (ou temporalidade).
 A causa precede o efeito? 
A exposição ao fator de risco antecede o aparecimento da doença e é compatível com o respectivo período de incubação?
Nem sempre é fácil estabelecer a seqüência cronológica, nos estudos realizados quando o período de latência é longo entre a exposição e a doença.
Exemplo: nos países desenvolvidos, a prevalência de fumo aumentou significativamente durante a primeira metade do século, mas houve um lapso de vários anos até detectar-se o aumento do número de mortes por câncer de pulmão. 
Nos EUA, por exemplo, o consumo médio diário de cigarros, em adultos jovens, aumentou de um, em 1910, para quatro, em 1930, e 10 em 1950, sendo que o aumento da mortalidade ocorreu após várias décadas.
Padrão semelhante vem ocorrendo na China, particularmente no sexo masculino, só que com um intervalo de tempo de 40 anos: o consumo médio diário de cigarros, nos homens, era um em 1952, quatro em 1972, atingindo 10 em 1992.
 As estimativas, portanto, são de que 100 milhões dos homens chineses, hoje com idade de 0-29 anos, morrerão pelo tabaco, o que implicará a três milhões de mortes, por ano, quando esses homens atingirem idades mais avançadas 11.
Efeito dose-resposta. 
O aumento da exposição causa um aumento do efeito? Sendo positiva essa relação, há mais um indício do fator causal.
Exemplo: Estudos prospectivos12, sobre a mortalidade por câncer de pulmão e fumo, nos médicos ingleses, tiveram um seguimento de 40 anos. 
As primeiras publicações dos autores já mostravam o efeito dose-resposta do fumo na mortalidade por câncer de pulmão; os resultados finais desse acompanhamento revelavam que fumantes de 1 a 14 cigarros/dia, de 15 a 24 cigarros/dia e de 25 ou mais cigarros/dia morriam 7,5 para 8 vezes mais, 14,9 para 15 e 25,4 para 25 vezes mais do que os não-fumantes, respectivamente.
Plausibilidade biológica.
A associação é consistente com outros conhecimentos?
É preciso alguma coerência entre o conhecimento existente e os novos achados. A associação entre fumo passivo e câncer de pulmão é um dos exemplos da plausibilidade biológica. 
Carcinógenos do tabaco têm sido encontrados no sangue e na urina de não-fumantes expostos ao fumo passivo.
A associação entre o risco de câncer de pulmão em não-fumantes e o número de cigarros fumados e anos de exposição do fumante é diretamente proporcional (efeito dose-resposta)13.
Coerência. 
Os achados devem ser coerentes com as tendências temporais, padrões geográficos, distribuição por sexo, estudos em animais etc.
Evidências experimentais. 
Mudanças na exposição resultam em mudanças na incidência de doença. Exemplo.: sabe-se que os alergênios inalatórios (como a poeira) podem ser promotores, indutores ou desencadeantes da asma; portanto o afastamento do paciente asmático desses alergênios é capaz de alterar a hiper-responsividade das vias aéreas (HRVA), a incidência da doença ou a precipitação da crise.
Analogia. 
O observado é análogo ao que se sabe sobre outra doença ou exposição.
 Exemplo: é bem reconhecido o fato de que a imunossupressão causa várias doenças; portanto explica-se a forte associação entre AIDS e tuberculose, já que, em ambas, a imunidade está diminuída.
Raramente é possível comprovar os nove critérios para uma determinada associação. 
A pergunta-chave nessa questão da causalidade é a seguinte: 
Os achados encontrados indicam causalidade ou apenas associação?
O critério de temporalidade, sem dúvida, é indispensável para a causalidade; se a causa não precede o efeito, a associação não é causal. 
Os demais critérios podem contribuir para a inferência da causalidade, mas não necessariamente determinam a causalidade da associação.
Logo , chegamos aos INDICADORES DE SAÚDE:
Para que a saúde seja quantificada e para permitir comparações na população, utilizam-se os indicadores de saúde. Estes devem refletir, com fidedignidade, o panorama da saúde populacional. 
É interessante observar que, apesar desses indicadores serem chamados de Indicadores de Saúde, muitos deles medem doenças, mortes, gravidade de doenças, o que denota ser mais fácil, às vezes, medir doença do que medir saúde.
Referências
1-Lilienfeld AM, Lilienfeld DE. Foundations of Epidemiology. 2nd ed. Chapter 1: TheEpidemiologic Approach to Disease. London/New York: Oxford University Press, 1980,pp 3–22.
2-Moser KM. State of the art: Venous thromboembolism. Amer Rev Respir Dis 1990;141:235–249.
3- Turner-Warwick M, Burrows B, Johnson A. Criptogenic fibrosing alveolitis: Clinical featuresand their influence on survival. Thorax 1980;35:171–180.
4-Stack BHR, Choo-Kang YFJ, Heard BE. The prognosis of criptogenic fibrosing alveolitis.Thorax 1972;27:535–542.
5-Pizzichini MMM, Pizzichini E. Inflamação das vias aéreas na asma. In Corrêa da Silva LC: Condutas em Pneumologia. Vol. I. Rio de Janeiro: Revinter, 2001, pp 265–270.
6- Macedo SEC, Menezes AMB, Knorst M. Fatores de risco para internação por doença
 respiratória aguda em crianças até um ano de idade. Dissertação de Mestrado do PPG em Pneumologia — UFRGS, 2000.
7-Horta BL, Victora CG, Menezes AM et al. Low birthweight, preterm babies and IUGR in relation to maternal smoking. Paediatric & Perinatal Epidemiology 1997;11:140–151.
8-Hetzel JL. Aspergilose broncopulmonar alérgica. In Corrêa da Silva LC: Condutas em Pneumologia. Vol. II. Rio de Janeiro: Revinter, 2001, pp 981–987.
9-Srivastava S, Kramer BS. Genetics of lung cancer: Implications for early detection and prevention. Cancer Treat Res 1995;72:91–110.
10-Malcon M, Menezes AMB, Chatkin M. Prevalência de tabagismo em adolescentes de Pelotas: Um estudo de base populacional. Tese apresentada para título de Mestre em Epidemiologia — Menezes AMB, Victora CG, Rigatto M. Prevalence and risk factors forchronic bronchitis in Pelotas — RS, Brazil: A population-based study. Thorax1994;49:1217– 1221. UFPEL, dezembro de 2000.
11- Liu Bo-Qi, Peto R, Chen ZM et al. Emerging tobacco hazards in China. Retrospective proportional mortality study of one million deaths. BMJ 1998;317(1):1411–1422.
12-Doll R, Peto R, Wheatley K et al. Mortality in relation to smoking: 40 years’ observations on male British doctors. BMJ 1994;309:901–911.
13-Hirayama T. Non smoking wives of heavy smokers have a higher risk of lung cancer: Astudy from Japan. BMJ 1981;282:183–185.

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