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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA CAMPUS DE SÃO MIGUEL DO OESTE CURSO DE DIREITO LEONARDO FÁBIO WOBETO DEMARI A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE NA PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE INIMPUTABILIDADE POR IDADE NO DIREITO PENAL SÃO MIGUEL DO OESTE 2015 LEONARDO FÁBIO WOBETO DEMARI A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE NA PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE INIMPUTABILIDADE POR IDADE NO DIREITO PENAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, campus de São Miguel do Oeste, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Alessandra Franke Steffens São Miguel do Oeste 2015 “Não guardem ódio contra o seu irmão no coração; antes repreendam com franqueza o seu próximo para que, por causa dele, não sofram as consequencias de um pecado.” (Levítico:19,17) LEONARDO FÁBIO WOBETO DEMARI A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE NA PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE INIMPUTABILIDADE POR IDADE NO DIREITO PENAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, campus de São Miguel do Oeste, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, na Área de Direito Penal. Aprovado em BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Professor: ________________________________________ Professor: ________________________________________ Professor: RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso aborda o tema da culpabilidade no Direito Penal, mais especificamente o critério da imputabilidade por idade, espécie da qual aquele é gênero, e a comprovação da maturidade como possibilitador dessa responsabilização, independentemente da idade do agente. Inicialmente são elencados os princípios atinentes à matéria e assim, sucessivamente, as várias Teorias do Delito, da Culpabilidade e, finalmente, os requisitos da Imputabilidade Penal. O presente trabalho será elaborado de acordo com o estudo bibliográfico da matéria, utilizando-se o método dedutivo. Fundamenta-se no estudo das doutrinas, leis, jurisprudências, artigos da internet, direito comparado e, principalmente, os princípios do Direito Penal. A problemática da pesquisa centra-se na seguinte pergunta: A comprovação da maturidade e sanidade é suficiente para a imputabilidade penal, independentemente da idade? A fim de realizar o estudo sobre este tema, este trabalho inicia-se abordando os princípios mais relevantes para a compreensão do assunto. Posteriormente, tratou-se de discorrer sobre as Teorias existentes sobre o Delito e as Teorias atinentes à Culpabilidade. Por derradeiro, traz uma discussão acerca dos objetivos primeiros do Direito Penal frente à legislação em vigor, e sua legitimidade, tendo em vista a aquisição da maturidade cada vez mais cedo por parte de toda a população e o engessamento do Direito Penal Objetivo frente a essa realidade. Discute, ainda, acerca da comprovação da maturidade e sanidade como requisitos suficientes, independentemente da idade, para a imputação penal e consecução dos objetivos primeiros do Direito Penal: a proteção dos bens jurídicos. Proteção essa estabelecida pelos princípios fundamentais do direito e não somente pelo direito positivo, eis que, muitas vezes, não corresponde aos legítimos anseios dos cidadãos e sem perder de vista que o princípio figura antes mesmo da lei posta, eis que nasce com o indivíduo e com a sociedade onde este se encontra inserido. Palavras chave: Direito Penal. Imputabilidade. Maturidade Penal. Presunção Absoluta. Idade. ABSTRACT This course conclusion work addresses the theme of guilt in criminal law, specifically the criterion of liability by age, species of which one is gender, and proof of maturity as an enabler of that responsibility, regardless of the agent's age. Initially are listed the principles relating to the matter and so on, various Theories of Crime, the Guilt and finally the requirements of Criminal Liability. This work will be prepared in accordance with the bibliographic study of the subject, using the deductive method. Is based on the study of the doctrines, laws, jurisprudence, internet articles, comparative law, and especially the principles of criminal law. The issue of research focuses on the following question: Evidence of maturity and sanity is sufficient for criminal responsibility, regardless of age? In order to conduct the study on this issue, this paper begins by addressing the most relevant principles for the understanding of the subject. Later, this was to discuss the existing theories on Crime and theories relating to Guilt. By last, brings a discussion of the first goals of criminal law against the law, and its legitimacy in view of the acquisition of maturity at an earlier age by the entire population and the immobilization of the Criminal Law Purpose front this reality. Discusses also about the proof of maturity and sanity as sufficient requirements, regardless of age, for the criminal imputation and achievement of the primary goals of criminal law: the protection of legal interests. Protection that established the fundamental principles of law and not only by positive law, behold, it often does not correspond to the legitimate expectations of citizens and bearing in mind that the principle figure even before the set law, that is born with the individual and with the society where it is inserted. Keywords: Criminal Law. Accountability. Criminal maturity. Absolute presumption. Age LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ampl. ampliada Art. Artigo CF Constituição Federal CP Código Penal CPP Código de Processo Penal ECA Estatuto da Criança e do Adolescente p. Página STJ Superior Tribunal de Justiça STF Supremo Tribunal Federal v. g. verbi gratia (por exemplo) v. u. Volume Único SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 8 2 DO DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. 10 2.1 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..................................................................... 11 2.2 POLÍTICA CRIMINAL E OBJETO DO DIREITO PENAL.......................... 13 2.3 CONCEITO DE CRIME................................................................................. 16 3 TEORIAS DO DELITO................................................................................ 18 3.1 TIPICIDADE................................................................................................... 18 3.1.1 Teoria Clássica/Causal..................................................................................... 19 3.1.2 Teoria Neoclássica/Neokantismo.....................................................................20 3.1.3 Teoria Finalista................................................................................................ 21 3.1.4 Teoria Social da Ação...................................................................................... 22 3.1.5 Funcionalismo.................................................................................................. 23 3.2 ILICITUDE...................................................................................................... 25 4 CULPABILIDADE........................................................................................ 27 4.1 CONCEITO E CRITÉRIOS............................................................................ 28 4.2 TEORIAS DA CULPABILIDADE................................................................. 30 4.3 ELEMENTOS DA CULPABILIDADE.......................................................... 34 4.3.1 Imputabilidade............................................................................................... 35 4.3.2 Exigibilidade de Conduta Diversa................................................................ 35 4.3.3 Potencial Consciência da Ilicitude................................................................ 36 5 IMPUTABILIDADE...................................................................................... 38 5.1 CAPACIDADE DE IMPUTAÇÃO................................................................. 38 5.2 CONCEITO E FUNDAMENTOS................................................................... 39 5.3 SANIDADE MENTAL.................................................................................... 41 5.4 MATURIDADE............................................................................................... 45 6 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE NA PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE INIMPUTABILIDADE POR IDADE NO DIREITO PENAL................................................................................... 48 6.1 O EXAME PERICIAL PSIQUIÁTRICO........................................................ 53 6.2 A MATURIDADE E A PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE INIMPUTABILIDADE PELA IDADE........................................................... 56 6.3 ESFORÇOS LEGISLATIVOS ATUAIS E O DIREITO COMPARADO..... 61 6.4 O OBJETIVO DO DIREITO PENAL E A PROTEÇÃO DOS BENS JURÍDICOS X A IMPUTABILIDADE PELA MATURIDADE DO AGENTE FUNDADA NO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE E LESIVIDADE DA CONDUTA....................................................................... 67 7 CONCLUSÃO................................................................................................ 71 REFERÊNCIAS............................................................................................. 73 8 1 INTRODUÇÃO O presente estudo tem por objetivo analisar a questão da culpabilidade no Direito Penal, seus requisitos e fundamentos, contrapondo-os aos requisitos necessários à aplicação da pena tendo como base a maturidade do agente, independentemente de sua idade cronológica, tendo como fundamento os princípios norteadores do Direito Penal. A adoção do critério biológico como uma das causas excludentes da imputabilidade, antes de servir para a garantia do bem estar do adolescente e sua integral proteção, como prega o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), serve, isto sim, para fomentar sua utilização para a prática de crimes, como uma espécie de “estágio”, a serviço dos criminosos de carreira, buscando angariar mais recursos humanos para sua patota. O fundamento da idade para a imputação penal é discricionário, isento de análise factual sobre o que levou o autor a agir contrário à lei e, muito pior: se era capaz de entender e sopesar se sua atitude era lesiva ou não, basta não ter aquela idade que não será punido pelo Código Penal, mas muito se questiona, e com todo o fundamento, que um dia depois possa ser imputável por ter 18 anos completos. O presente estudo busca levantar as questões importantes sobre o entendimento efetivo do que está fazendo, por parte de qualquer um, seja pelo incremento das tecnologias e estudos, tanto psicológicos quanto medicinais e de análise biopsicossocial, hoje disponíveis, seja pela notável, combatida e, por que não dizer, desavergonhada atitude de alguns “pseudomenores” que aviltam a todos com suas ações de desprezo e desdém para com os demais concidadãos e poder público, escondendo-se atrás da falta de coragem política para trazer legitimidade aos anseios públicos. Busca, este estudo, retornar à origem e objetivo do Direito Penal, sua função social e final, contrastando com a realidade legal e abstrata hodiernamente reinante, em detrimento da sociedade, legitimidade legal e função primeira do citado ramo do Direito, eis que parece estar acontecendo uma inversão na ordem de valores, onde os princípios do Direito Penal estão sendo sobrepujados por “políticas públicas” que não consideram o legítimo anseio da população e sim aos anseios da legislação internacional, numa notável desconsideração dos diferentes cenários onde devam tais normas ser aplicadas. Para tanto, existe a discussão exaustiva sobre os objetivos do 9 Direito Penal, já aventados, e os Princípios afetos a este ramo do direito, sempre focado nos anseios do cidadão e voltado a uma visão utilitarista do direito, como protetor dos bens jurídicos e da manutenção da pacificação da sociedade, podendo, assim, garantir a paz social. A metodologia aplicada será o estudo bibliográfico da matéria, utilizando-se o método dedutivo e no estudo das doutrinas, leis, jurisprudência, direito comparado e, mormente, os Princípios do Direito Penal. 10 2 DO DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO O Estado Democrático de Direito pressupõe o Direito, no caso do Brasil, consubstanciado, primordialmente, no direito positivo. No presente estudo, o Direito Penal, como direito positivado, será o tema abordado, para tanto, é preciso inicialmente estabelecer seu conceito e amplitude. Direito Penal, na concepção de Nucci (2014, p. 3), “é o conjunto de normas jurídicas voltadas à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação.”. Para Bitencourt (2015, p. 42) o Direito Penal pode ser concebido sob diferentes perspectivas, dependendo do sistema político que o Estado utiliza para organizar as relações entre os indivíduos na sociedade e como exerce seu poder sobre eles. A partir de uma concepção Democrática de Estado, o Direito Penal é um instrumento de controle social limitado e legitimado pelo consenso existente entre os cidadãos de uma determinada sociedade. (BITENCOURT, 2015, p. 42) Nesse sentido, Bitencourt (2015, p. 43) revela sua posição acerca da função do Direito Penal num Estado Democrático de Direito, qual seja, a proteção subsidiária de bens jurídicos fundamentais, isto porque, o bem jurídico “não pode identificar-se simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior à norma penal e em si mesmo preciso, caso contrário, não seria capaz de servir a sua função sistemática” Roxin (apud BITENCOURT, 2015, p. 45) defende que “em um Estado Democrático de Direito, as normas penais somente podem perseguir a finalidade de assegurar aos cidadãos uma coexistência livre e pacífica”. Bitencourt (2015, p. 46)defende que “o bem jurídico deve ser utilizado, nesse sentido, como princípio interpretativo do Direito Penal num Estado Democrático de Direito e, em consequência, como o ponto de partida da estrutura do delito”. Welzel (apud BITENCOURT, 2015, p. 46) sustenta que o Direito Penal objetiva assegurar a validade dos valores ético-sociais positivos e busca o reconhecimento e a proteção desses valores, o que, em suma, caracterizam o conteúdo ético-social positivo das normas jurídico-penais. Esse valor, no entanto, não é determinado de forma isolada ou abstratamente, e sim avaliada em relação a todo o ordenamento jurídico. 11 O Direito Penal serve para garantir a segurança e a estabilidade do juízo ético– social da comunidade, em um primeiro plano; e em um segundo momento, diante do caso concreto, contra a violação ao ordenamento jurídico-social com a imposição da pena correspondente. (BITENCOURT, 2015, p. 47) 2.1 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Princípio, etimologicamente, é o elemento predominante na constituição de um corpo orgânico; preceito, regra ou lei; fonte ou causa de uma ação. No sentido jurídico, Nucci (2014, p. 31) sintetiza os princípios como sendo as ordenações que se irradiam por todo o sistema, que lhe dão contorno e inspiram o legislador (criação da norma) e o juiz (aplicação da norma) a seguir-lhe os passos, servindo, ainda, de fonte para interpretação e integração do sistema normativo. Há princípios expressamente previstos em lei, enquanto outros estão implícitos, irradiam do sistema normativo; há ainda os princípios constitucionais, que advêm da Constituição Federal, e princípios específicos do Direito Penal; entre esses, há ainda os princípios concernentes à atuação do estado e os concernentes ao indivíduo, como é o caso do princípio da culpabilidade, ponto crucial do presente estudo. A formalização do Direito Penal ocorre por meio da vinculação com as normas, e visa limitar a intervenção jurídico-penal do Estado em atenção aos direitos fundamentais do cidadão, explica Bitencourt (2015, p. 48). Esses limites, ditados pela atenção a esses direitos, devem ser uma realidade concreta e materializam-se através dos Princípios de Direito Penal, alguns dos quais serão analisados abaixo, sempre levando em consideração que o princípio da culpabilidade é a pedra fundamental do presente estudo. O princípio da legalidade é um dos pilares mais importantes do direito, tendo sido conquistado pela Revolução Francesa e constante do artigo 7° da declaração dos Direitos do Homem de 1789 e é representado pelo aforismo nullum crimen, nulla poena sine lege. (grifo nosso) Roxin (apud CALLEGARI, 2014, p. 1) leciona que “um Estado de Direito deve não só proteger o indivíduo através do Direito Penal, mas, também, do Direito Penal”. 12 O princípio da igualdade (grifo nosso), assim como o anterior, é previsto no artigo 5°, caput, da Constituição Federal, e determina, conforme Callegari (2014, p.6) “a adoção de um tratamento igual aos que se igualam, e desigual aos que se diferenciam, na estrita medida de suas diferenças...”, e completa, ao falar sobre a possibilidade de tratamento desigual e seleções arbitrárias em função da pessoa ou do caso particular, que esse princípio pode ser relativizado quando “presente fundamento para razoável para a desigualdade de tratamento penal”. O princípio da igualdade, inaugurada pelo Estado de Direito do século XVIII, é uma igualdade formal, porque não considera inúmeros aspectos sociais que influenciam no seu usufruto. Os movimentos sociais do final do século XIX e do início do século XX dão início a um novo tipo de Estado, mais compromissado com as causas sociais, é o Estado Social de Direito, que traz a ideia de igualdade material. Sobre o princípio da intervenção penal mínima (grifo nosso) ensina Callegari (2014, p. 3) que “Sendo o Direito Penal a última instância de tutela do Direito (ultima ratio), a que intervém com maior “violência” no âmbito social, deve-se permitir sua atuação somente nos casos que envolvam agressões de extrema gravidade.” Callegari (2014, p. 3) leciona, sobre este princípio, que: são concebidas duas faces do princípio da intervenção penal mínima: a primeira reflete o princípio da fragmentariedade, segundo o qual o Direito Penal somente deve atuar frente às agressões mais graves produzidas contra os bens jurídicos mais importantes; a segunda se configura no princípio da subsidiariedade, pelo qual apenas devem ser impostas consequências penais para os casos aos quais as outras instâncias de controle não se mostrem efetivas. Existe ainda o princípio do ne bis in idem (grifo nosso) sobre o qual Callegari (2014, p.5) diz que “consagra o direito do agente de não ser sancionado duas vezes (ou mais) pelo mesmo fato [...] Em razão disso, qualquer apenamento dúplice ao agente, pelo mesmo fato, se consubstanciaria em excesso punitivo por parte do estado.” O princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos (grifo nosso) para Callegari (2014, p. 3) “surge como postulado defensor da separação entre o direito e a moral, na medida em que estabelece que apenas os bens jurídicos possam ser protegidos pelo Direito Penal”, e completa “Considerando a função social do Direito Penal, destinado a manter as condições essenciais para o convívio em sociedade, apenas os 13 bens jurídicos considerados essenciais ao exercício dessa função devem ficar a cargo da tutela penal”. O nullum crimen sine culpa, expressão latina que consagra o princípio da culpabilidade (grifo nosso) é outro dos principais princípios do Direito Penal. Esse princípio determina, no dizer de Callegari (2014, p. 5) “que a pena somente deve ser fundamentada no fato de poder, o agente, ser reprovado pela sua conduta [...] assim como determina que a pena não ultrapasse essa culpabilidade”. Tal princípio tem por base, entre outros, que “o delito praticado seja proveniente de uma motivação racional normal (culpabilidade em sentido estrito)” e que “não se permite a análise do modo de vida do agente ou de características pessoais para fundamentar a culpabilidade; deve ela ser embasada na capacidade que possuía o agente de agir de outro modo” (CALLEGARI, 2014, p. 6). Este princípio, concernente ao indivíduo, encontra-se implícito no ordenamento constitucional e, na ótica de Jeschek (apud NUCCI, 2014, p.30), o princípio da culpabilidade faz com que a pena circunscreva-se às condutas merecedoras de um juízo de desvalor ético-social. 2.2 POLÍTICA CRIMINAL E OBJETO DO DIREITO PENAL O homem é um animal gregário e a unidade de consciência social é a resultante das consciências individuais, que vão compor a maioria da unidade social, diz Fernandes (2002, p. 51), e completa que “não pode existir criminalidade fora de um estando social qualquer” atribuindo o autor à desigualdade social a indução das situações de conflito. De acordo com Fernandes (2002, p. 465): A política criminal, sob ponto de vista prático compreende dois momentos: o primeiro, que é a montagem de estratégias de prevenção à criminalidade e o segundo, quando a prevenção não alcançou os seus objetivos, que é o da repressão racionalmente programada de forma a obter os resultados por ela colimados, quais sejam, através dos métodos aplicados, evitar a reincidência. Para Fernandes (2002, p. 51), “o domínio da moral é distinto daquele da lei penal. Há atos morais que são punidos, há atos imorais que não o são”, ainda defende que “crimes, notadamente os de natureza mais grave, como o homicídio e o latrocínio, 14são punidos por todas as legislações penais do mundo civilizado e execrados por quase todas as morais”, e completa dizendo que a criminalidade é como se fosse uma oposição do indivíduo à sociedade. Conclui o citado autor que (2002, p.56) “Toda pessoa é um ‘criminoso potencial’, mas são imprescindíveis contatos e direção de tendências para torná-la criminosa ou respeitadora da lei”. Zaffaroni (1997, p. 91) diz ser lícito e necessário que tanto o político como o jurista se perguntem quais devem ser as metas ou o objetivo da legislação penal, pois dessa resposta e com a observação da realidade o político criticará a lei e indicará as reformas legislativas que aproximem a lei positiva a seus objetivos, enquanto o jurista, levando em conta a informação da realidade, interpretará o sentido e os limites das disposições legais, de maneira compatível com o objetivo geral. Callegari (2005, p. 95) ao expor trabalho de Manuel Cancio Meliá, diz que este entende não ser a norma penal um meio para constituir a identidade da sociedade, que o Estado já não pode ser entendido como mero guardião dos processos sociais em que intervenha nesses e que não bastaria a aprovação da norma e sua publicação para servir como solução dos conflitos, essa solução seria somente aparente e não resolveria os problemas sociais em termos de prevenção do delito. Esse aparecimento de novas figuras delitivas, influenciado pela ideologia da lei e ordem não obedece a nenhuma linha coerente de política criminal. Há duas respostas à pergunta de qual é o objeto do Direito Penal, no dizer de Zaffaroni (1997, p. 92): “para uns, o Direito Penal tem por meta a segurança jurídica, para outros, seu objetivo é a proteção da sociedade”, e continua sua explicação: Para os partidários da meta de segurança jurídica, a pena deve aspirar a ter efeito principalmente sobre a comunidade jurídica, como prevenção geral, isto é, para os que não tenham delinquido não o façam. [...] Para os partidários da meta de defesa social, a pena deve aspirar a surtir efeito sobre o delinquente para que não volte a delinquir, ou seja, como prevenção especial. [...] a pena, entendida como prevenção geral, deve ser retribuição, enquanto entendida como prevenção especial, deve ser reeducação e ressocialização. Ainda citando Zaffaroni (1997, p. 94), este é categórico ao afirmar que: ”A função de segurança jurídica não pode ser entendida, pois, em outro sentido que no da proteção de bens jurídicos (direitos) como forma de assegurar a coexistência” e completa “sendo assim: a pena, necessariamente, implica uma afetação de bens 15 jurídicos do autor do delito [...] Esta privação de bens jurídicos do autor deve ter por objeto garantir os bens jurídicos do resto dos integrantes da comunidade jurídica”. Na realidade a lei penal tutela mais determinados bens jurídicos que outros, sendo que alguns delitos causam mais alarme que outros e o “sentimento de segurança jurídica da comunidade” seria, em definitivo, um mito, dada a pluraridade de grupos sociais com diversidade e antagonismo de interesses, poder e objetivos, no dizer de Zaffaroni (1997, p. 95). Jakobs (apud CALLEGARI, 2005, p. 16) distingue entre um conceito de bem jurídico em sentido estrito, entendido como uma relação funcional entre o sujeito e uma situação valiosa, e um conceito de bem jurídico próprio de Direito Penal, consistente na proibição da conduta tida por delitiva. Reale Júnior (2000, p. 19) diz que o direito, os seus conceitos, os juristas e os destinatários do direito inserem-se em uma situação cultural variável, segundo os fins últimos e valores que a informam. Ao construir-se o direito, escolhem-se fontes e métodos cujas raízes se afundam na situação cultural presente, como reflexo de opções culturais fundamentais, diz ainda que há, em cada época, uma antijuridicidade genérica, pré-normativa que está presente na consciência jurídica dos indivíduos e que irá presidir e inspirará todo o ordenamento. Sobre esses valores, Reale Júnior (2000, p.36) defende que o legislador constrói os modelos jurídicos em torno de um sentido, de um valor, ao inverso do direito natural, a norma que se alicerça na natureza das coisas não expressa valores imutáveis, mas o seu conteúdo é apreendido das relações concretizantes vividas e, portanto, variáveis no decorrer do tempo. O sentimento de respeito indiscriminado à pessoa humana está concretamente instaurado, mas constitui um valor que foi paulatinamente se impondo, conclui o professor. Assim, “o tipo penal como estrutura não é uma construção arbitrária, livre, mas decorre do real, submetido a uma valoração” (REALE JÚNIOR, 2000, p.37). Para Callegari (2005, p.16): Se a sociedade se estrutura através de normas, entendidas como “esquemas simbólicos de orientação”, e através das quais uma sociedade assinala os aspectos fundamentais de sua configuração, o relevante não é uma lesão externa de uma situação valiosa, mas o significado da conduta: com seu comportamento o infrator expressa que para ele não vigem as expectativas fundamentais, senão sua própria concepção de mundo. 16 Callegari (2005, p. 15) diz que “o que protege o Direito Penal são os mecanismos que permitem manter a identidade de uma sociedade, é dizer, as expectativas fundamentais para sua constituição”, é básico contar com a expectativa de que se respeitará a vida de seus membros, e em geral seus direitos constitucionais. No dizer de Welzel (apud REALE JUNIOR, 2000, p. 35): “a viabilidade do direito depende da conformidade do concreto (real) ao abstrato (normativo)”. 2.3 CONCEITO DE CRIME Assim, o combate às mazelas e o respeito às expectativas dos direitos alheios fizeram surgir o delito, sob uma análise histórica, social e sob o prisma da sua legitimidade. Serão analisados, agora, sob o ponto de vista conceitual puro, de sua significação, e como é compreendido e estudado internamente no ordenamento jurídico o crime, sob o aspecto didático e funcional. A definição atual de crime é produto da doutrina alemã da segunda metade do século XIX, que, sob a influência do método analítico, próprio do moderno pensamento científico, aperfeiçoou os elementos componentes do crime. São três as principais correntes utilizadas para a conceituação do crime, que o definem sob o aspecto Formal, Material e Analítico. Sob o contexto Formal, (grifo nosso) o professor Callegari (2014, p. 9), explica que o crime é todo fato humano proibido pela lei penal; ele diz que esse conceito é o mais simples de todos e analisa somente o aspecto externo do crime e não o seu conteúdo. Pelo critério Formal o crime é a conduta proibida na lei penal, independentemente de outra análise valorativa ou de relevância. Sob o conceito Material (grifo nosso) verifica-se a análise do conteúdo do ilícito penal, do caráter danoso e/ou o seu desvalor social. Esse conceito “refere-se à importância que determinada sociedade dá àquilo que considera que deva ser proibido pela lei penal” (CALLEGARI, 2014, p. 10). É a ação ou omissão que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo-se sua proibição com a ameaça de uma pena. Roxin (apud CALLEGARI, 2014, p. 10), diz que o conceito material de delito é anterior ao Direito Penal codificado e pergunta pelos critérios materiais da conduta 17 punível, e “subministra ao legislador um critério político-criminal sobre o que o mesmo pode condenar e o que deve deixar impune”. O conceito material de crime, no entanto, perdeu seu valor a partir do surgimento do princípio da reserva legal, conforme Callegari (2014, p. 10), assim, prossegue o autor,para que uma conduta seja considerada criminosa não importa seu desvalor social, esse aspecto somente servirá de base para o legislador, numa espécie de fase pré-legislativa. Um dos aspectos que contribuíram para o “ocaso” desse conceito, é, como já mencionado, a dificuldade de definição dos critérios de julgamento a serem utilizados no caso concreto, sem ferir as demais garantias e princípios envolvidos, como o da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, não permitem à dogmática penal a realização de uma análise dos elementos estruturais do crime. No conceito Analítico (grifo nosso) de Crime os elementos oriundos da fragmentação analítica do conceito formal são quatro, hodiernamente: Fato Típico ou Tipicidade; Fato Antijurídico, Antijuridicidade ou Ilicitude; Fato Culpável ou Culpabilidade; Fato Punível ou Punibilidade. Será adotada, no presente estudo, a Teoria Tripartida do Delito, eis que será focado o estudo sobre o Direito Penal. Tal Teoria preocupa-se, exclusivamente da Tipicidade, Ilicitude e Culpabilidade, elementos que serão abordados no próximo capítulo. 18 3 TEORIAS DO DELITO “A teoria geral do delito não foi concebida como uma construção dogmática acabada, pelo contrário, é fruto de um longo processo de elaboração que acompanha a evolução epistemológica do Direito Penal e apresenta-se, ainda hoje, em desenvolvimento” (BITENCOURT, 2015, p. 261). Neste capítulo, serão abordados os elementos que fazem parte da Teoria Tripartida do Delito, quais sejam: Tipicidade, Antijuridicidade (ou Ilicitude) e Culpabilidade. 3.1. TIPICIDADE “A conduta é um comportamento humano que produz modificações no mundo exterior e exige uma repercussão externa da vontade do agente” (CALLEGARI, 2014, p. 39). Não basta pensar, desejar, para o autor, o planejamento intelectual não constitui a prática de uma conduta ou crime, deve haver significação no mundo exterior e essa significação deve estar tipificada como delito ou crime. Diz o autor, “entende-se a conduta como uma ação ou omissão voluntária dirigida a um fim, ou seja, a pessoa deve ter a vontade livre de praticá-la” (CALLEGARI, 2014, p. 40). Em apertada síntese extraída dos ensinamentos do professor Bitencourt (2015, p. 262 e ss.) pode-se dizer que a concepção clássica do delito estava fundamentada no positivismo científico; a concepção neoclássica, na teoria do conhecimento do neokantismo; o finalismo, em Welzel e suas contribuições filosóficas e, modernamente surge o sistema Funcionalista, passando por suas correntes moderada e sistêmica. Elucida Callegari (2014, p. 40) que o conceito de ação é ainda muito controvertido, havendo três correntes doutrinárias a seu respeito: Teoria Causal da Ação, Teoria Finalista da Ação e Teoria Social da Ação. Perceba-se que o conceito de delito e as concepções filosóficas e culturais da época em que são desenvolvidos influenciam sobremaneira a concepção da ação, como conduta humana (comissiva ou omissiva) punível que, em última análise, é o delito em si, ou fato punível, para tanto, tal fato tem que estar positivado, presente no ordenamento jurídico vigente, o que consubstancia-se no brocardo nullum crimen sine lege. 19 O estudo da tipicidade, como todo o ordenamento jurídico, já sofreu, e ainda sofre, influências sobre a maneira de ser compreendido e interpretado, bem como quais os elementos que lhe são essenciais. Serão estudadas adiante as principais Teorias sobre o tema e sua natural evolução através dos tempos. 3.1.1 Teoria Clássica/Causal Sob a égide do Positivismo Jurídico nasce a primeira Teoria do Delito, ou seja, a Teoria Causalista, também chamada de Clássica ou Positivista, remetendo à origem do pensamento que lhe deu origem. Para a teoria causal, a ação é o movimento corpóreo voluntário que causa modificação no mundo exterior, não se perquirindo para cuja finalidade se dirige, é a opinião de Callegari (2014, p.40) que menciona serem os expoentes dessa teoria Franz Von Liszt e Ernst Von Belling, os mesmos fundadores da escola clássica do delito. A conceituação de Lizst, conforme Callegari (2014, p. 41), tem três elementos: vontade, modificação no mundo exterior e o nexo de causalidade, que os liga; para ele, “deve-se entender a manifestação de vontade como toda realização ou omissão voluntária de um movimento corpóreo que, livre de qualquer violência, está motivada pelas representações mentais do agente, é a vontade objetivada”; já Belling dizia que (CALLEGARI, 2014, p. 41): “a voluntariedade indica que essa fase externa é produzida pelo domínio sobre o corpo, pela liberdade de enervação muscular”. Para Callegari, (2014, p.41) na teoria causalista, o que importa não é o conteúdo da vontade na ação, sua direção final, o objetivo do agente com a conduta, esse sentido ou conteúdo da vontade é deslocado para a culpabilidade (dolo ou culpa). Há uma distinção entre o impulso volitivo e o conteúdo da vontade. Todo o processo causal- objetivo levado a cabo por um impulso voluntário pertence à antijuridicidade e todo o processo anímico-subjetivo (motivos, propósitos, fins perseguidos pelo autor) pertencem à culpabilidade. Para o autor “a intenção dos causalistas é imputar todos os juízos objetivos à tipicidade e antijuridicidade e todos os juízos subjetivos à culpabilidade” (CALLEGARI, 2014, p. 42). Essa concepção clássica do delito distinguia o aspecto objetivo (tipicidade e antijuridicidade) do aspecto subjetivo (culpabilidade), conforme ensina Bitencourt 20 (2015, p. 262), e continua: “Assim, a ação, concebida de forma puramente naturalística, estruturava-se como um tipo objetivo-descritivo, a antijuridicidade era puramente objetivo-normativa e a culpabilidade, por sua vez, apresentava-se subjetivo-descritiva”. Dessa forma a culpabilidade, como aspecto subjetivo do crime, se limitava a comprovar a existência de um liame subjetivo entre o autor e o fato, a intensidade desse liame fazia surgir as formas culposa ou dolosa de culpabilidade, entre os romanos conhecidas como dolus bonus e dolus malus, respectivamente. Para Callegari (2014, p. 41): “todo o processo causal-objetivo desencadeado por um impulso voluntário pertence à antijuridicidade e todo o processo anímico-subjetivo – motivos, propósitos, fins perseguidos pelo autor – pertence à culpabilidade”. Essa escola afastava valorações filosóficas, psicológicas ou sociológicas, dando um tratamento exageradamente formal ao comportamento humano. A ideia de que a norma penal é neutra, desprovida de demais aspectos analíticos, não condiz com a realidade hodierna, pois esta é sempre reflexo de determinado momento histórico-político-social, atendendo o Direito Penal, portanto, a um conjunto de ideologias épicas. 3.1.2 Teoria Neoclássica/Neokantismo A Teoria Neoclássica ou Neokantismo, com sua corrente filosófica, não pretendeu negar o Positivismo Jurídico, mas sim superá-lo. No ensinamento de Bitencourt (2015, p. 264), “foi o neokantismo [...] inquestionavelmente, que ofereceu uma fundamentação metodológica que permitiu uma melhor compreensão dos institutos jurídico-penais como conceitos valorativos, sem por isso renunciar à pretensão de cientificidade” A coerência formal foi substituída por um conceito de delito voltado para os fins pretendidos pelo Direito Penal e pelas perspectivas valorativas que o sustentam (teoria teleológica do delito), como ensina Bitencourt (2015, p.264) Essa teoria exige um aspecto valorativo, onde a tipicidade não é mais neutra, como no causalismo, e sim valorativa e a antijuridicidade não é maisapenas a contrariedade do fato à norma, mas a ela seria acrescentada a lesão ou ameaça de lesão (dano social), ao bem jurídico tutelado. Dessa forma, o Direito Penal penetra na realidade, assimilando-a. 21 A culpabilidade começou a ser medida pela “reprovabilidade”, pela formação da vontade contrária ao dever, facilitando a aplicação da teoria psicológica a esse instituto pela análise subjetiva do elemento. Conclui Bitencourt (2015, p. 266): “as normas jurídicas, como um produto cultural, têm como pressuposto valores prévios, e o próprio intérprete que, por mais que procure adotar certa neutralidade, não estará imune a maior ou menor influência desses valores” 3.1.3 Teoria Finalista Após o Nazismo, período fundamentado na Escola de Kiel, onde prevalecia o Direito do Autor e influenciada pelo horror do holocausto, surge a Teoria Finalista de Hans Welzel, entre 1930 e 1960, admitindo que o Direito Penal deva fixar limites ao Legislador, não deixando a este o livre arbítrio. Callegari (2014, p.42) nos informa que Welzel, idealizador dessa teoria, entendia que a ação humana visava sempre a um fim. Para o autor “o homem controla o curso da ação, conduzindo-a com um determinado objetivo, ou seja, o homem prevê e predetermina a finalidade da ação”. Com efeito, para Welzel: “ação humana é exercício de atividade final” (BITENCOURT, 2015, p. 267). Mir Puig, apud Bitencourt (2015, p. 266), diz que a crítica de Welzel ao Neokantismo se fundamentava em que o caráter valorativo de um ato não está no fato em si, mas naquilo que lhe é atribuído pelos homens. Para ele, o saber causal do homem, adquirido com a experiência, fundamenta a capacidade humana de prever, dentro de alguns limites, é claro, as conseqüências possíveis de determinada ação e dirigir sua vontade, conforme seu plano, visando um fim. “A finalidade se apóia na capacidade do homem de prever as conseqüências de sua intervenção causal e dirigir o processo em direção à meta desejada” (CALLEGARI, 2014, pg. 43). A direção final de uma ação realiza-se em duas etapas, conforme Callegari (2014, p. 43): 1° etapa: Subjetiva – ocorre totalmente na esfera do pensamento, compõe-se de três fases: a) adiantamento da meta (objetivo pretendido pelo autor); b) eleição dos meios precisos para alcançar o fim; c) consideração dos efeitos 22 concomitantes (relação do fator causal eleito como meio e o fim a ser alcançado); 2° etapa: Objetiva – ocorre no mundo real. O autor inicia a execução da ação de acordo com a antecipação do fim, a eleição do meio e a consideração dos efeitos concomitantes. É um processo causal posto na realidade, predeterminado pelas definições de fins e meios na esfera do pensamento. Mesmo com esta evolução, o finalismo ainda parte da premissa de um fato típico formal, embora subjetivo. O finalismo nada mais fez do que deslocar a finalidade, ou seja, o dolo e a culpa que se encontravam na culpabilidade, para o fato típico, agregando, portanto mais um elemento ao fato típico que passa a ser: formal (causalismo), valorativo (neokantismo) e subjetivo (finalismo). O finalismo, no dizer de Bitencourt (2015, p. 268), “contribuiu decisivamente para o descobrimento do desvalor da ação, como elemento constitutivo do injusto penal, e para a delimitação da própria culpabilidade e outros pressupostos da responsabilidade penal”. No dizer de Bitencourt (2015, p. 267): A contribuição mais marcante do finalismo, aliás, que já havia sido iniciada pelo neokantismo, foi a retirada de todos os elementos subjetivos que integravam a culpabilidade, nascendo, assim, uma concepção puramente normativa [...] concentrou na culpabilidade somente aquelas circunstâncias que condicionam a reprovabilidade da conduta contrária ao direito, e o objeto da reprovação situa-se no injusto. O excesso de subjetivismo (desvalor da conduta) de Hans Welzel enfatizando a finalidade da conduta fez com que suas ideias influenciassem o Código Penal da Alemanha, onde o crime impossível pode ser punido. Pode ser que esse tenha sido o equívoco finalista, moldado posteriormente, principalmente por Claus Roxin e Eugênio Raúl Zaffaroni (desvalor do resultado). 3.1.4 Teoria Social da Ação Teoria formulada por Eberhard Schmidt na década de 1930, e desenvolvida posteriormente por Wessels e Jescheck. Este último definiu ação como “toda conduta socialmente relevante”, ao que Wessels acrescentou “[...] dominada ou dominável pela vontade humana” (CALLEGARI, 2014, p. 44). 23 No dizer do professor Callegari, (2014, p. 44) para a teoria social a ação “um comportamento humano socialmente relevante. Esse comportamento deve ser entendido como a resposta do homem a uma exigência situacional mediante uma possibilidade de reação que dispõe graças à sua liberdade”. “A teoria social da ação vem, dessa forma, para abarcar tanto o conceito final quanto o conceito causal da ação” (CALLEGARI, 2014, P. 45) Claus Roxin, (apud CALLEGARI, 2014, p. 44) ao abordar o assunto, critica essa teoria devido à mimetização que faz do direito com a moral: “Muitas vezes o Direito regula fatos já valorados moralmente (valoração social), e outras tantas a valoração jurídica é antecedente, determinando a valoração social”. Para Callegari, (2014, p. 44) “um comportamento é socialmente relevante se corresponde à relação do indivíduo com o mundo que lhe cerca e lhe afeta por suas consequencias [...] o que importa para a teoria social é a significação social da conduta humana do ponto de vista da sociedade (conceito valorado de ação)”. Na Alemanha, em meados de década de 70 iniciou uma corrente doutrinária com o intuito de revolucionar o Direito Penal: a Teoria Funcionalista ou pós-finalista. 3.1.5 Funcionalismo A evolução da teoria do delito a partir dos modelos funcionalistas caracteriza-se, principalmente, pela tendência de normativização dos conceitos, o que, de acordo com Bitencourt (2015, p.269) se dá “pela elaboração de conceitos com base em juízos de valor, e pela orientação do sistema penal a finalidades político-criminais” Existem dois enfoques acerca do funcionalismo, o primeiro, encabeçado por Roxin, e chamado de moderado, procura fundamentar o sistema penal com caracteres teleológicos e axiológicos (normativismo funcional teleológico) e outro mais radical, defendido por Jakobs, que visa a renormatização do sistema penal (normativismo sistêmico). A diferença mais visível, no entanto, é nas referências funcionais que atribuem conteúdo aos conceitos. Bitencourt (2015, p. 270) assim explica essa diferenciação: “O normativismo teleológico (Roxin) preocupa-se com os fins do Direito Penal, ao passo que o normativismo sistêmico (Jakobs) se satisfaz com os fins da pena, isto é, com as consequências do Direito Penal” 24 Desenvolvida a partir da década de 70, a Teoria Moderada de Roxin – Funcionalismo Teleológico preceitua que a norma penal, quando analisada formalmente, possui uma tipicidade por demais abrangente, abarcando inclusive fatos irrelevantes para o Direito Penal, os quais para esta teoria deverão ser considerados como formalmente típicos, apenas. Em virtude disto, o Direito Penal deverá, para cumprir a sua função, utilizar-se dos Princípios de Política Criminal (grifo nosso). Günther Jakobs, na década de 80, identifica como função do Direito Penal a tutela da norma, onde a função tal ciência jurídica está em assegurar não os bens jurídicos, mas a aplicação da norma, através da coação contra aquele que representa uma ameaça à segurança social, para ele, “com a imposição da pena se mantém a vigência da normacomo modelo do contrato social” (CALLEGARI, 2005, p.15). A teoria de Günther Jakobs é sociológica e sistêmica, onde cada um deverá desempenhar o seu papel na sociedade, o homem é uma peça do sistema. Aquele que não realiza a sua função ou desafia as normas impostas pelo sistema torna-se o inimigo (CALLEGARI, 2005, p.92). A teoria do Direito Penal do inimigo, desenvolvida em 1985, apresenta uma concepção punitivista que agregou muito mais críticos que adeptos e mostra-se sobremaneira incompatível, conforme entendimento de alguns, com o Estado Democrático de Direito por privar o autor do delito de quaisquer garantias fundamentais, desumanizando o agente de crimes. Günther Jakobs elaborou uma teoria do Direito Penal fundamentada na ideia de que a construção teórica em matéria penal configure um todo dotado de sentido e internamente coerente e questiona se esse sistema é apenas um sistema de Direito Penal real ou é um sistema de Direito Penal legítimo onde “deve-se apenas explicar ordenadamente o funcionamento de um sistema penal (somente dogmática), ou deve-se expor também qual seria o sistema penal desejável (dogmática e política criminal)?” (CALLEGARI, 2005, p. 89). O funcionalismo agregou à tipicidade uma segunda dimensão, agregando uma valoração à conduta (grifo nosso). Até este momento, a tipicidade possuía apenas a dimensão formal, embora já valorada pela concepção neokantista. A partir do funcionalismo, a tipicidade passa a contar com um segundo aspecto, o elemento subjetivo do tipo: o dolo e a culpa que, antes integrantes da culpabilidade, passaram a integrar o fato típico, movidos que foram pela ideia funcionalista. 25 3.2 ILICITUDE Uma vez confirmada a tipicidade da conduta, o passo seguinte é a Ilicitude, ou Antijuridicidade, que determina se a conduta praticada é contrária ao Direito, constituindo-se em um injusto. Conforme Bitencourt (2015, p. 388) uma vez realizado o juízo de subsunção do fato executado pelo autor a um determinado tipo de injusto, o passo seguinte é analisar se o fato típico é realmente desaprovado pelo ordenamento jurídico ou se, no caso, existe alguma circunstância que o autorize, são as causas de justificação. No presente trabalho não serão abordadas tais excludentes de antijuridicidade, uma vez que não é o objeto de estudo proposto. Essa moderna concepção da ilicitude veio após um longo período de elaboração dogmática. Bitencourt (2015, p. 389) menciona que as primeiras construções partiram da separação entre antijuridicidade, ou ilicitude objetiva e ilicitude subjetiva. Como dizia Welzel (apud BITENCOURT, 2015, p. 389) essa concepção pertencia “àqueles conceitos fundamentais simples de validade universal, de acordo com os métodos do pensamento incondicionalmente necessário de nossa ciência”. Já Ihering (apud BITENCURT, 2015, p. 389) distinguiu duas formas de contrariedades ao ordenamento jurídico: uma objetiva e outra subjetiva. Sobre essa base desenvolveu-se a teoria que diferencia a “antijuridicidade”, concebida como expressão dos elementos objetivos, da “culpabilidade”, entendida como expressão dos elementos subjetivos das infrações jurídico-penais ocasionando sua separação entre antijuridicidade e culpabilidade, segundo os critérios objetivos e subjetivos. A culpabilidade, dessa forma, foi concebida como a parte subjetiva das infrações penais e a antijuridicidade, ou ilicitude, como sua parte objetiva. A ilicitude, como destaca Jescheck (apud BITENCURT, 2015, p. 391), não se esgota na relação de contrariedade existente entre ação e norma, possuindo também um conteúdo substancial, que caracteriza a ilicitude material, representada pela danosidade social, isto é, pela lesão ao bem jurídico tutelado. Tal distinção, diz Bitencourt, remonta a Von Liszt, para quem é formalmente antijurídico todo comportamento humano que viola a norma penal, ao passo que é substancialmente antijurídico o comportamento humano quando fere o interesse social tutelado pela norma. A antijuridicidade, ou ilicitude, não se esgota nessa oposição entre a conduta e a norma, sendo necessário, conforme Bitencurt (2015, p. 392), “averiguar se dita 26 contradição formal possui um conteúdo material que se adapte ao fim de proteção de bens jurídicos do Direito Penal”. A ilicitude material constitui-se na ofensa produzida pelo comportamento humano ao interesse jurídico protegido. Essa ofensa, por sua vez, não deve ser entendida no sentido naturalístico, como causadora de um resultado externo de perigo ou lesão, sensorialmente perceptível, mas como ofensa ao valor ideal que a norma jurídica deve proteger. Para Bitencourt, (2015, p. 392) “A lesão ou exposição ao perigo do bem jurídico protegido pela norma penal supõe uma ofensa para a comunidade que justifica a caracterização do delito como ‘comportamento socialmente danoso’.” (grifo nosso) 27 4 CULPABILIDADE Historicamente, a Culpabilidade iniciou seu desenvolvimento no começo do século XX (CALLEGARI, 2005 p. 16), quando começa a criação do conceito normativo de culpabilidade. Entretanto, Hanz Welzel, (apud CALLEGARI, 2005, P. 16) diz que: ao transladar o dolo natural ao tipo penal encontrou que o não poder atuar de outra maneira era a estrutura lógico-objetiva sobre a qual se edificava a culpabilidade, esse elemento se converte num limite material à intervenção punitiva do Estado e as necessidades de prevenção. Assim, conforme Callegari (2005, p. 17-18), também Roxin estudou as relações entre a culpabilidade e prevenção, mas não integra completamente esses elementos. Já Jakobs funde integralmente a prevenção na culpabilidade, a tal ponto que o fim da pena determina o conteúdo da culpabilidade. A teoria de Jakobs (apud CALLEGARI, 2005, p. 18) sobre a ação e a pena conduz a pensar que a ação é uma ação culpável; se a ação é um ato comunicativamente relevante, no qual o sujeito expressa com seu comportamento que para ele não vigem as expectativas generalizadas de conduta, e, portanto manifesta um esboço do mundo no qual desautoriza a vigência da norma como modelo de contrato social, é lógico entender que só há ação quando atua culpavelmente. Callegari (2014, p.175) define a culpabilidade, sob o aspecto material, como sendo a capacidade de obrar de outro modo, de “adotar uma resolução de vontade diferente, de acordo com as exigências do ordenamento jurídico”. Mais adiante, o autor (2014, p. 176) completa, dizendo que: “É claro que a culpabilidade está fundada na possibilidade do homem, de acordo com o seu livre arbítrio, de poder optar pelo caminho correto”, e cita Wessels, para quem o fundamento do princípio da culpabilidade e responsabilidade é constituído pela “capacidade do homem de se decidir livre e corretamente entre o Direito e o injusto”. (grifo nosso) Nucci (2014, p. 247), conceitua a Culpabilidade como “um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo direito”. Para Assis Toledo (apud NUCCI, 2014, p. 247), “culpabilidade é, sem dúvida, um juízo valorativo, um juízo de censura que se faz ao autor de um fato criminoso”. E 28 conclui: “esse juízo só pode estar na cabeça de quem julga, mas tem por objeto o agente do crime e sua ação criminosa” (grifo nosso). 4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS Para Roxin (2007, p.48-49) o princípio da culpabilidade é a espinha dorsaltanto da imputação objetiva quanto da imputação subjetiva, para o insigne autor, após se haver determinado que a causação do resultado decorreu de modo objetivamente imputável, do comportamento do autor, “se perquire se a constituição interior do agente permite uma imputação subjetiva, se ele é culpável”. (grifo nosso) De acordo com Callegari (2014, p. 5) o Princípio da Culpabilidade (nullum crimen sine culpa) (grifo nosso) determina que a pena somente deve ser fundamentada no fato de poder, o agente, ser reprovado pela sua conduta. Esse princípio limita a reprovação penal aos casos onde se faz presente a culpabilidade do agente, com isso se quer dizer que somente será punido o agente se houver atuado com culpabilidade, cuja pena deve ser equivalente a ela, não a ultrapassando. Para Callegari (2005, p. 6) “Não se permite, por esse princípio, a análise do modo de vida do agente ou de características pessoais para fundamentar a culpabilidade; ela deve ser embasada na capacidade que possuía o agente (se é que possuía) de agir de outra maneira”. Para Callegari (2005, p. 5-6), citando Enrique Bacigalupo, somente será punido o agente se houver atuado com culpabilidade (“se” deve ser aplicada a pena) e, ainda, que deve a pena ser equivalente a essa culpabilidade (“quanto” deve ser aplicado a título de reprovação pelo fato). Essa realização do fato deve ser proveniente de uma motivação racional normal (Culpabilidade em Sentido Estrito) (grifo nosso) que, conforme Nucci (2014, p. 411), é aquela que, para compor a existência do delito tem que existir, além da reprovação social, a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito. Entretanto, Nucci (2014, p. 412) entende que: “Reconhecida a censurabilidade do injusto (fato típico e antijurídico), encontramos o crime, logo, impõe-se a condenação. Passa-se, a partir desse ponto, ao contexto da aplicação da pena, tornando- se à análise da culpabilidade”. 29 A Culpabilidade em Sentido Lato (grifo nosso), ou seja, a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem, é aquela estampada no artigo 59 do Código Penal: (NUCCI, 2014, p. 411): [...] volta o legislador a exigir do juiz a avaliação da censura que o crime merece – o que, aliás, demonstra que esse juízo não incide somente sobre o autor, mas também sobre o que ele cometeu - , justamente para norteá-lo na fixação da sanção penal merecida. Frisando que culpabilidade incide tanto sobre o fato, quanto sobre o seu autor [...] o próprio art. 59 é utilizado tanto para a fixação da pena como para a análise de uma série de benefícios penais (substituição por pena restritiva de direitos, concessão de sursis, concessão do regime aberto, etc.). Pode-se sustentar, como já mencionamos, que a culpabilidade, prevista no art. 59, é o conjunto de todos os demais fatores unidos: antecedentes + conduta social + personalidade do agente + motivos do crime + circunstâncias do delito + consequências do crime + comportamento da vítima = culpabilidade maior ou menor, conforme o caso. Sobre a intensidade e gravidade da culpabilidade, explica Nucci (2014, p. 411) que: “Para compor o fato típico, na ótica finalista, verifica o magistrado se houve dolo ou culpa, pouco interessando se o dolo foi ‘intenso’ ou não, se a culpa foi ‘grave’ ou não”. Para o autor, o elemento subjetivo, portanto, não deve servir para guiar o juiz na fixação da pena, pois, nesse contexto (grifo nosso), o importante é a reprovabilidade gerada pelo fato delituoso. Assim (CALLEGARI, 2014, p. 411-412): Dolo é elemento anímico, projeção de livre escolha do agente entre agir, ou omitir-se no cumprimento do dever jurídico. Não tem intensidade [...] é relativa, isso sim, à culpabilidade, entendida, no sentido moderno da teoria geral do delito, como reprovabilidade, censurabilidade, ao agente, não ao fato. Porque, podendo agir de modo diverso, não o fez [...] Não existe dolo intenso. “A culpabilidade, sim, é intensa, média, reduzida, ou mensurada intermediariamente a essas referências” (STJ, HC 9.548/RJ, 6ª T., rel. Cernicchiaro, 15.06.1999, v.u., DJ 23.08.1999, p. 153). Sobre o assunto, Nucci (2014, p. 251) explica que a culpabilidade pode ser encarada sob dois aspectos, a Culpabilidade Formal, que é a censura merecida pelo autor do fato típico e antijurídico, dentro dos critérios que a norteiam, isto é, se houver imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de atuação conforme o Direito e Culpabilidade Material (2014, p. 252) que, por sua vez, é a censura realizada concretamente, visualizando-se o fato típico e antijurídico e conhecendo-se o seu autor, imputável, com consciência potencial do ilícito e que, utilizando-se do seu 30 livre arbítrio, escolheu o injusto sem estar fundado em qualquer causa de exclusão da culpabilidade, ou por fatores de inexigibilidade de conduta diversa. Serve, então, a culpabilidade material a fundamentar a pena, auxiliando o juiz, na etapa seguinte, que é atingir o seu limite concreto, através da aplicação, aí sim, do art. 59, supracitado. (grifos nossos) Callegari (2005, p. 49) explica que: O princípio de culpabilidade adquire o significado que só há de punir-se quando se produz o fato culpável, e não depois da realização do injusto inculpável: a culpabilidade, a falta de fidelidade em relação ao direito atua como desautorização da norma, que por sua vez, configura o assunto dentro do social [...] Isso deveria estar claro desde a substituição do conceito psicológico de culpabilidade – como dolus malus – pelo conceito normativo de culpabilidade – como reprovação [...]: Isso nada tem a ver com a psique do autor, e sim como resultado do contexto social do fato [...] Não são os processos psíquicos do autor que fundamentam a culpabilidade, e sim o juízo social: a culpabilidade é falta de fidelidade ao ordenamento jurídico de acordo com um juízo objetivo, social. (grifos nossos) Pedroso (2000, p. 390) sustenta que é na culpabilidade que “o vislumbre do comportamento humano obtém descortino eminentemente subjetivo, desdenhando-se sua realidade fática e fenomênica para aferir-se como o sujeito ativo se situou e posicionou diante do episódio com o qual se envolveu” (grifo nosso). Mais adiante o autor cita Aníbal Bruno (2000, p. 391), para quem “O crime é a realização do tipo e esta deve ocorrer não só na objetividade do resultado, mas ainda no mundo subjetivo da representação do agente”. Não obstante muitos doutrinadores pretenderem situar a própria personalidade do agente como elemento integrante da culpabilidade, em sentido diverso se posiciona Pedroso (2000, p. 396-397), para quem esse tipo de consideração sobre a personalidade do agente serve somente para apreciação das circunstâncias acidentais ou judiciais, para efeito da graduação da sanctio juris, retro disposto. 4.2 TEORIAS DA CULPABILIDADE Dentre as Teorias que fundamentam a Culpabilidade, neste estudo serão abordadas as quatro principais: Teoria Psicológica ou Causalista; Teoria Normativa ou psicológico-Normativa; Teoria Normativa Pura, e a Teoria Funcionalista, as quais serão abordadas abaixo. 31 Na Teoria Psicológica ou Causalista, segundo Nucci (2014, p. 248), “ao praticar o fato típico e antijurídico (aspectos objetivos do crime), somente se completaria a noção de infração penal se estivesse presente o dolo ou a culpa, que vinculariam, subjetivamente, o agente ao fato por ele praticado (aspecto subjetivo)”. Em suma, culpabilidade, aqui, é dolo ou culpa. A imputabilidade penal é pressuposto de culpabilidade,portanto, somente se analisa se alguém age com dolo ou culpa, caso se constate ser essa pessoa imputável (mentalmente sã e maior de 18 anos). Todavia, lembra Pedroso (2000, p. 394) que “o liame subjetivo, por si só, é insuficiente à estruturação jurídica da culpabilidade” A crítica a essa teoria é que, sendo imputável e atuando com dolo o agente é considerado culpável, ainda que esteja sob coação moral irresistível. Essa teoria não explicaria também os crimes onde estivesse presente somente a culpa inconsciente, eis que não há, nesse caso, liame subjetivo entre o fato e o agente. Assim, diz Pedroso (2000, p. 395) que “não basta, nos domínios da culpabilidade, a presença do nexo subjetivo, é preciso ainda que haja a censura ou reprovação, sendo exigível do agente conduta diversa”, pois, segundo o autor, “somente fatos censuráveis e evitáveis requestam punição”. Dessa forma, surge a Teoria psicológico-normativa ou simplesmente Normativa, onde a vontade do sujeito não se pôs em harmonia com a vontade da norma. Já na Teoria Normativa ou Psicológico-Normativa, conforme Nucci (2014, p. 248) acrescentou-se o “juízo de reprovação social” (ou de censura), que se deve fazer em relação ao autor de fato típico e antijurídico quando considerado imputável (a imputabilidade passa a ser elemento da culpabilidade e não mero pressuposto), bem como se tiver agido com dolo (que contém a consciência da ilicitude) ou culpa, além da prova da exigibilidade e da possibilidade de atuação conforme as regras do Direito. É Psicológica por necessitar da presença do nexo subjetivo e Normativa porque pressupõe a existência do juízo de reprovabilidade ou censura a incidir sobre o comportamento materializado, conforme ensina Pedroso (2000, p. 395). Dessa forma “não se esgota a culpabilidade no dolo, culpa ou preterdolo (liame subjetivo [...] é mister incorra o agente no juízo de reprovação e censura, dessumível pela imputabilidade e exigibilidade de conduta diversa”. 32 Para Callegari (2014, p. 178) o dolo e a culpa seguem sendo considerados na culpabilidade, porém, não são mais “a” culpabilidade, passando a constituírem-se de elementos necessários, mas não suficientes da culpabilidade, para o autor “Pode aparecer o dolo e faltar a culpabilidade, o que sucede quando existe uma causa de exculpação, porque o dolo então não é reprovável em atenção às circunstâncias concomitantes”. Pode aparecer ainda, uma culpabilidade culposa sem relação psicológica efetiva, o que ocorre na culpa inconsciente. “o decisivo é que a conduta seja reprovável e na culpa inconsciente o é porque o sujeito atua sem cumprir o dever de observar o perigo” (CALLEGARI, 2014, p. 178). Dessa forma, como “reprovabilidade pela vontade defeituosa”, no dizer de Callegari (2014, p. 219) a culpabilidade, segundo a concepção normativa originária requeria: a) a imputabilidade; b) o dolo e a culpa como vontade defeituosa (o conhecimento do dolo ou sua possibilidade por imprudência); e c) ausência de causas de exculpação, por inexigibilidade de agir conforme o ordenamento. Na Teoria Normativa Pura ou Finalista a culpabilidade “se torna exclusivamente normativa, uma vez que o conteúdo psicológico do comportamento humano localiza-se no próprio tipo, dentro do conceito de conduta” (PEDROSO, 2000, P. 396). “O finalismo de Welzel retirou do dolo, assim como a infração do dever de cuidado, base da imprudência, de sua tradicional sede na culpabilidade [...] a culpabilidade deixa de continuar cobrindo a parte subjetiva do fato” (CALLEGARI, 2014, p. 179), dessa forma, o conteúdo psicológico foi retirado completamente da culpabilidade e passam a integrar o fato típico, e continua o autor: “O dolo e a culpa passam a ser ‘objeto da valoração’ da culpabilidade” Afirma Pedroso (2000, p. 396) que deve a vontade ser estudada, no Direito Penal, separando-se a apreciação de sua direção e finalidade do conteúdo dessa vontade, que teria relação com a formação da vontade. Assim, em sede típica, somente se verificaria a direção e finalidade da vontade perpetrada, após sua materialização, e o conteúdo dessa vontade seria estudado como processo de formação da vontade. Nucci, 2014, p. 248: a conduta, aqui, “é uma movimentação corpórea, voluntária e consciente, com uma finalidade”. Essa finalidade é analisada sob o ponto de vista do dolo ou da culpa, que se situam, pois, na tipicidade e não na culpabilidade. “Nessa ótica, culpabilidade é um juízo de reprovação social” e essa reprovação, conforme Nucci 33 (2014, p. 249) é inerente ao que foi feito e a quem praticou o ato, em outras palavras, diz o autor: “há roubos (fatos) mais reprováveis que outros, bem como autores (agentes) mais censuráveis que outros”, vide artigo 29, caput, in fine do CP (responde pelo crime na medida de sua culpabilidade). (grifo nosso) Nesse sentido, “a tônica, portanto, residiria no agente do fato e não no fato do agente” (PEDROSO, 2000, p. 396). Entretanto, Petrocelli (apud PEDROSO, 2000, p. 396) lembra que a constante referência da culpabilidade é sobre um comportamento e não sobre o modo de ser da pessoa. Concretamente, a culpabilidade, no Finalismo, é constituída dos seguintes elementos (CALLEGARI, 2014, P. 180): a) Imputabilidade: refere-se à maturidade psíquica e à capacidade de se motivar; b) Possibilidade de conhecimento da antijuridicidade do fato: ou Potencial Consciência da Ilicitude, deve-se comprovar que o sujeito tinha condições de conhecer a proibição do fato, porém, não se confunde com o desconhecimento da Lei, que é inescusável; e c) Exigibilidade de conduta diversa: a conduta só é reprovável quando, podendo agir conforme o Direito, o sujeito realiza comportamento diverso do esperado.(grifo nosso) Roxin (2007, p. 9) assim analisa o Finalismo: Ele destruiu definitivamente o conceito clássico de delito substituindo-o pela diferença entre reprovação e censurabilidade penal, e diferenciando os conceitos de injusto e culpabilidade por critérios objetivos e subjetivos. Vejo nestes fatos um grande progresso, mesmo quando não entendo a reprovabilidade da mesma forma que Welzel, que compreendia a culpabilidade como um ‘poder agir de outro modo’, entendendo necessária a consideração da finalidade preventiva através da construção do elemento da ‘responsabilidade’ orientado à finalidade da pena. Complementa ainda, Roxin (2007, p. 20) que um dos grandes méritos da teoria da ação final é a equiparação do desvalor da ação e do desvalor do resultado da doutrina do injusto, pois tão importante quanto o desvalor do resultado é a introdução do desvalor da ação nos crimes culposos. Por fim, a Teoria Funcionalista surge quando “autores denominados pós- finalistas passaram a sustentar um conceito de culpabilidade que se vinculasse às finalidades preventivo-gerais da pena, bem como à política criminal do Estado” (NUCCI, 2014, p. 249). 34 Günther Jakobs, (apud NUCCI, 2014, p. 249-250) entende que “a culpabilidade representa uma falta de fidelidade do agente com relação ao direito”. A falta de motivação para agir conforme o Direito é um conceito determinado normativamente e por isso realiza-se o juízo de culpabilidade. Para Nucci (2014, p. 249) “Deduz-se a infidelidade ao Direito sem análise individualizada do agente, mas sob o prisma social, considerando-se os fins da pena”. (grifo nosso) O autor, entretanto, ressalva que, pela teoria Finalista a infidelidade ao direito pode até ser vista com complacência, garantindo-se, por medida de política criminal, a não aplicação da pena, porém, pode também servir a uma análise rigorosa, que aplique sanções penais desmedidas,com o escopo de servir de exemplo à sociedade. Com isso, diz o autor, a culpabilidade “não mais seria analisada sob o prisma individual, deixaria de servir de fundamento real para a pena e nem mais poderia ser útil ao limite da pena, pois tudo não passaria de critérios ligados à política criminal” (NUCCI, 2014, p.249- 250). Roxin (apud NUCCI, 2014, p. 250) entende que a capacidade humana de culpabilidade deve ser “uma verificação científico-empírica, valendo-se de critérios fornecidos pela psicologia e pela psiquiatria, medindo-se o autocontrole do agente através de dados técnicos e menos abstratos”, muito embora esses critérios técnicos visem medir um aspecto subjetivo e de difícil mensuração e definição como as afetas às ciências exatas. 4.3 ELEMENTOS DA CULPABILIDADE Stratenwerth (apud CALLEGARI, 2014, p. 180) assinala que não é possível determinar a capacidade de culpabilidade de forma positiva, mas “captá-la através da ausência de determinados fundamentos que a excluem”. Pela corrente majoritária, a Culpabilidade encerra três requisitos, os quais devem estar presentes para que se possa culpar alguém por determinado fato típico e antijurídico: a Imputabilidade, a Potencial Consciência da Ilicitude e a Exigibilidade de Conduta Diversa, que serão estudadas individualmente a partir deste ponto. 35 4.3.1 Imputabilidade Callegari (2014, p. 180) ensina que o primeiro pressuposto da reprovação de culpabilidade é que o autor seja capaz de obrar responsavelmente, compreendendo que o fato não é autorizado e de poder determinar-se de acordo com essa compreensão. Para Nucci (2014, p. 253): Imputabilidade penal é o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade. (grifo nosso) Liszt (apud FERNANDES, 2002, p. 114) afirmava que o problema da liberdade de querer não interessava à avaliação da responsabilidade, ele baseou-se na possibilidade, que desfruta o homem com suficiente desenvolvimento mental e psiquiatricamente são, de conduzir-se socialmente. Não sendo enfermo mental e contando com a indispensável maturidade de espírito, o indivíduo teria, no entender do autor a “normal felicidade de determinar-se”, que lhe confere capacidade perante o Direito Penal. (grifo nosso) Prins (apud FERNADES, 2002, p. 114), com sua teoria da liberdade relativa, considerou imputável o “indivíduo dotado de atividade psíquica regular, capaz de ser influenciado normalmente pelos motivos da ação”. (grifo nosso) 4.3.2 Exigibilidade de Conduta Diversa Para Nucci (2014, p. 270-271) ”Há intensa polêmica na doutrina e na jurisprudência a respeito da aceitação da inexigibilidade de outra conduta como tese autônoma, desvinculada das excludentes da coação moral irresistível e da obediência hierárquica”, e acrescenta: “O legislador não definiu culpabilidade, tarefa que restou à doutrina, reconhecendo-se, praticamente à unanimidade, que a exigibilidade e possibilidade de conduta conforme o Direito é um dos seus elementos” A exigibilidade de conduta diversa, para Gonçalves (2008, p. 98), “pode ser excluída por dois motivos: a coação moral irresistível e a obediência hierárquica, ambas previstas no art. 22 do Código Penal”. 36 Sustenta Gonçalves (2008, p. 98) que a exigibilidade de conduta diversa é “elemento componente da culpabilidade fundada no princípio de que só devem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas”. Defende o autor que se, no caso concreto, era inexigível conduta diversa por parte do agente, fica excluída a sua culpabilidade, o que o isenta de pena; e cita Fernando Capez, para quem ‘a inevitabilidade não tem a força de excluir a vontade, que subsiste como força propulsora da conduta, mas certamente a vicia, de modo a tornar incabível qualquer censura ao agente.’. Para Assis Toledo (apud NUCCI, 2014, p. 271): A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade. E constitui verdadeiro princípio de direito penal. Quando aflora em preceitos legislados, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito. (grifo nosso) Conforme Callegari (2014, p. 191) a função do princípio é normativa: orientar um comportamento, eis que à ordem jurídica não foi possível reproduzir todas as hipóteses onde a inexigibilidade poderá estar presente, assim, o comportamento que se quer orientar “concerne aos aplicadores da lei penal, no sentido de não estarem autorizados a impor punição de alguém, se a conduta conforme a licitude não lhe era exigível” (CALLEGARI, 2014, p. 191). 4.3.3 Potencial Consciência da Ilicitude Nucci, 2012, p. 233: A falta de consciência potencial de ilicitude, que provoca a excludente de culpabilidade, significa que o agente não teve, no momento da prática da conduta típica, noção da ilicitude, nem teria condições de saber, nas circunstâncias do caso concreto; já a falta de consciência atual, que acarreta apenas um erro inescusável. Significa que ele não tinha condições de compreender o caráter ilícito do fato, embora tivesse potencialidade para tanto, bastando um maior esforço de sua parte. (grifos nossos) 37 Nucci (2012, p. 234) “Em síntese, para se configurar o erro de proibição escusável, é indispensável que o agente não saiba, nem tenha condições de saber, que o ato praticado é ilícito, ainda que típico”. “Na jurisprudência do TRF da 4° Região: “a potencial consciência da ilicitude é elemento da culpabilidade, que não necessita ser efetiva. Basta que o agente, com algum esforço ou cuidado, saiba que o fato é ilícito.” (AP. 2005.72.00.050844-9-SC, 8° T. rel. José Paulo Baltazar Junior, 12.07.2006, v.u., Boletim AASP 2.496, p. 1.272, Nov. 2006)”. Nucci (2012, p. 234) De toda forma, o comportamento em concreto e individualizado é que vai estabelecer se houve ou poderia haver a consciência da ilicitude, eis que ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece (art. 3° LICC), mas essa é uma presunção legal absoluta e, conforme Nucci (2012, p. 234): “o conteúdo da lei é adquirido através da vivência em sociedade, e não pela leitura de Códigos ou do Diário Oficial”. Gonçalves (2008, p. 97) “Estabelece o art. 21 do Código Penal que o desconhecimento da lei é inescusável. Presume a lei, portanto, que todos são culpáveis. Ocorre, entretanto, que o mesmo art. 21, em sua 2ª parte, determina que o erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena, e, se evitável, poderá diminuí-la de 1/6 a 1/3”. Gonçalves (2008, p. 97-98) “O erro inevitável sobre a ilicitude do fato é o erro de proibição, que retira do agente a consciência da ilicitude (isentando o réu de pena). O erro de proibição não possui relação com o desconhecimento da lei. Trata-se de erro sobre a ilicitude do fato e não sobre a lei.” “O agente conhece a lei, mas se equivoca, entendendo que determinada conduta não está englobada pela mesma.”. Assim, foram apresentados os elementos necessários para que se configure a Culpabilidade: Imputabilidade, Exigibilidade de Conduta Diversa e Potencial Consciência da Ilicitude. Embora todos sejam importantes, o foco do presente estudo está na Imputabilidade e seus elementos,
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