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1 Disciplina: Teoria do delito Autor: Esp. Raíssa Quintino de Paula Xavier Revisão de Conteúdos: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica: Esp. Lucimara Ota Eshima Ano: 2020 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade UNINA. O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Raíssa Quintino de Paula Xavier Teoria do delito 1ª Edição 2020 Curitiba, PR Faculdade UNINA 3 Faculdade UNINA Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Alex de Britto Rodrigues / D.ra Diana Cristina de Abreu / D.r Eduardo Soncini Miranda / D.ra Gilian Cristina Barros / D.r João Paulo de Souza da Silva / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica Lucimara Ota Eshima Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA XAVIER, Raíssa Quintino de Paula. Teoria do delito / Raíssa Quintino de Paula Xavier. – Curitiba: Faculdade UNINA, 2020. 63 p. ISBN: 978-65-87972-17-6 1. Conduta. 2. Delito. 3. Direito. Material didático da disciplina de Teoria do delito – Faculdade UNINA, 2020. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade UNINA! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade UNINA 5 Sumário Prefácio ..................................................................................................... 07 Aula 1 – Introdução à teoria do delito ........................................................ 09 Apresentação da aula 1 ............................................................................. 09 1.1 Análise dos estratos do crime ........................................................ 09 1.1.1 Conceito ..................................................................................... 09 1.2 Conduta / ação .............................................................................. 11 1.2.1 Crime como fato típico e antijurídico e a culpabilidade como pressuposto de aplicação de pena ............................................................ 12 1.2.2 Crime como conduta típica, antijurídica e culpável ..................... 13 1.3 Tipicidade e antijuridicidade .......................................................... 14 1.4 Culpabilidade ................................................................................ 15 1.5 Tipicidade conglobante ................................................................. 16 Conclusão da aula 1 .................................................................................. 18 Aula 2 – O Direito de punir .......................................................................... 19 Apresentação da aula 2 ............................................................................ 19 2.1 Introdução histórica do direito de punir .......................................... 19 2.2 Funções do direito de punir .......................................................... 22 2.3 Limites do direito de punir ............................................................. 24 2.4 Teorias funcionalistas à luz de Roxin e Jakobs ............................ 27 Conclusão da aula 2 .................................................................................. 29 Aula 3 – Teorias do Direito Penal ............................................................... 30 Apresentação da aula 3 ............................................................................. 30 3.1 Teoria dos elementos negativos do tipo penal ............................... 30 3.1.1 Críticas à teoria dos elementos negativos do tipo ...................... 31 3.2 Análise da teoria da imputação objetiva ........................................ 32 3.2.1 Conceito ..................................................................................... 32 3.2.2 Criação do risco permitido ......................................................... 34 3.2.3 Realização do risco não permitido ............................................. 35 3.2.4 O alcance do tipo e o princípio da autorresponsabilidade .......... 35 3.2.5 Princípio do risco e teoria da imputação objetiva ....................... 37 3.2.6 Aplicação da teoria .................................................................... 38 3.2.7 A teoria da imputação objetiva de Jakobs .................................. 39 Conclusão da aula 3 .................................................................................. 40 Aula 4 – Análises finais .............................................................................. 42 6 Apresentação da aula 4 ............................................................................. 42 4.1 Análise da questão da coculpabilidade ......................................... 42 4.1.1 Síntese histórica ........................................................................ 43 4.1.2 Conceito ..................................................................................... 44 4.1.3 Aplicação no Direito Penal Brasileiro ......................................... 45 4.2 Análise das causas excludentes de ilicitude .................................. 46 4.2.1 Legítima defesa ......................................................................... 47 4.2.2 Estado de necessidade .............................................................. 47 4.2.3 Estrito cumprimento de dever legal ............................................ 48 4.2.4 Exercício regular do direito ........................................................ 49 4.3 Análise do concurso de agentes e as respectivas teorias em relação ao tema ......................................................................................... 50 4.3.1 Teorias ....................................................................................... 51 4.3.2 Caracterização ........................................................................... 51 Conclusão da aula 4 .................................................................................. 52Conclusão da disciplina ............................................................................. 54 Índice Remissivo ........................................................................................ 58 Referências ............................................................................................... 61 7 Prefácio A presente disciplina tem como objetivo apresentar a teoria do delito e todas as suas especificações. Afinal, o Direito Penal é um dos ramos mais importantes do Direito, visto que envolve não só questões legais como psicológicas, propedêuticas e, por diversas vezes, muitas polêmicas quanto a sua aplicação. Por ser um assunto que está sempre em voga, muitas vezes traz diversas dúvidas e algumas confusões, razão pela qual é importante para aqueles que desejam operá-lo que o compreendam desde sua base fundante, até seu conceito e suas funções. Para alcançar o objetivo pretendido serão analisados os estratos do crime, bem como a tipicidade conglobante, elementos necessários para a compreensão do conceito de delito. Posteriormente será discutido acerca das funções e dos limites do Direito de Punir, um tema em alta quanto à discussão do poder punitivo estatal, tanto na esfera legislativa quanto na executiva e judiciária. Também será debatido acerca das teorias funcionalistas à luz de Roxin e Jakobs, as quais apresentarão a função do Direito Penal, ou seja, quais os objetivos do Direito Penal em que se deva buscar atender, cumprindo seu papel dentro do ordenamento jurídico e da sociedade. Acerca da teoria dos elementos negativos do tipo penal será discutido sobre o dolo e a culpa, as situações em que há ausência de algum destes elementos, bem como o fato destes elementos estarem implícitos no tipo, demandando análise pelos operadores do Direito. Outra temática abordada será a da aplicação da teoria da imputação objetiva, apresentando a maneira pela qual esta teoria deve ser aplicada e qual o entendimento dos Tribunais quanto à aplicação dessa teoria, visto que desconsidera o dolo como elemento objetivo, mas sim subjetivo. Ao final serão feitas análises sobre a coculpabilidade, as causas excludentes de ilicitude e do concurso de agentes e as respectivas teorias quanto ao tema. O conteúdo tratado irá iniciar-se com o conceito de delito e abranger todos os elementos necessários para se atingir a culpabilidade. Por muitas vezes, ao 8 analisar, de maneira rápida, o reconhecimento de um delito pode parecer um trabalho simples em que somente a subsunção do fato à norma seria suficiente para sua elucidação. Contudo, ao longo da matéria será demonstrado que a análise do delito vai muito além do mero enquadramento do fato à norma, sendo necessário um trabalhado direcionado para compreender todas as dimensões do delito. As teorias aqui trazidas, embora pareçam antiquadas ou, até mesmo, meramente filosóficas são de extrema importância para aqueles que desejam compreender o Direito Penal e operá-lo de maneira justa, adequada e correta, norteando-se não somente pela letra da lei, mas também pelas teorias garantidoras de um Direito Penal coerente. 9 Aula 1 - Introdução à teoria do delito Apresentação da aula 1 Nesta aula introdutória será apresentado o conceito de crime, analisando cada um de seus estratos e as teorias que os circundam. Ademais, também será discorrido acerca da tipicidade conglobante, analisando seu conceito e sua aplicabilidade no Direito Penal. 1.1 Análise dos estratos do crime O Direito Penal divide os doutrinadores entre aqueles que defendem a teoria do delito entre a teoria unificada, que acredita que o delito é uma infração punível, ou seja, não analisa os pormenores que englobam a infração; e aqueles que defendem a teoria estratificada, a qual prega a necessidade de um conceito estratificado, ou seja, a determinação de diferente planos analíticos. A teoria estratificada é a majoritariamente aceita e aplicada, sendo adotada por diversos modelos penais pelo mundo, razão pela qual é a teoria que será utilizada no presente material para fins de compreensão da teoria do delito. Importante frisar aqui que não é o delito que é estratificado, e sim o conceito obtido pela análise, isto é, o que será enunciado são suas características analiticamente obtidas, as quais formam diversos planos, níveis ou estratos conceituais. O delito em si é uma unidade e não uma soma de componentes. Para entender a teoria do delito é necessário, antes de tudo, entender o conceito de delito e os elementos que o compõe, razão pela qual cada um será analisado cada um dos elementos separadamente. 1.1.1 Conceito O conceito de crime, resumidamente, é o de uma conduta humana típica, antijurídica e culpável. A rigor, parece um conceito simples, mas há a 10 necessidade de analisar a fundo todos esses elementos para se alcançar a essência do conceito, o que é de suma importância para qualquer operador do Direito. O conceito de crime pode ser analisado sob três aspectos: formal, material e analítico, razão pela qual a temática demanda uma análise profunda. Do ponto de vista material, o crime pode ser entendido como toda ação humana que expõe a perigo ou lesa bens jurídicos penalmente tutelados. Este critério irá considerar a relevância do mal produzido, logo, somente será legitimado o crime quando a conduta proibida apresentar relevância jurídico- penal. Já, o critério formal / legal é aquele fornecido diretamente pelo legislador. Embora o Código Penal não conceitue o crime propriamente, a Lei de Introdução ao Código Penal o faz. DECRETO LEI Nº 3.914, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1941 Lei de introdução do Código Penal (decreto-lei n. 2.848, de 7-12-940) e da Lei das Contravenções Penais (decreto-lei n. 3.688, de 3 outubro de 1941) O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, DECRETA: Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3914.htm Conforme se verifica na legislação acima, será considerado crime a infração penal que a lei atribuiu pena de reclusão ou detenção, havendo ou não fixação de pena de multa. Logo, este foi o critério formal/legal estipulado pelo legislador quando da elaboração da lei. Desta forma, pode-se entender como crime todo comportamento humano que viola frontalmente a lei penal. Por fim, o critério analítico, o qual possui diversas teorias de classificação. Existem doutrinadores, como Nelson Hungria, por exemplo, que adotam a teoria 11 tripartida na qual o crime estaria composto por fato típico, ilicitude e culpabilidade. Outros doutrinadores, como Damásio de Jesus, entendem o crime como um fato típico e ilícito, visto que a culpabilidade deveria ser excluída do conceito de crime, por se tratar de um pressuposto da aplicação da pena. Neste caso, aplica-se então a teoria bipartida. E ainda existem autores que sustentam que o crime possui quatro elementos: fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Contudo, essa teoria, em matéria legal, é minoritária. Em assim sendo, as teorias bipartida e tripartida são as duas vertentes mais fortemente adotadas, e ambas têm incidência das teorias da ação, afinal, o crime é uma ação ou omissão. 1.2 Conduta / ação As duas teorias da ação mais relevantes são a teoria causalista e a teoria finalista.Segundo a teoria causalista a conduta consiste em um comportamento humano voluntário que produz uma modificação no mundo exterior. Para essa teoria a vontade é a causa da conduta e a conduta é a causa do resultado. A maior crítica que se faz a esta teoria é o fato de que ela apenas se restringe a analisar fatos ocorridos no mundo exterior, ignorando assim o conteúdo da vontade do autor. Desta forma, esta teoria não faz a conexão da conduta realizada no mundo exterior com o aspecto psíquico interior do autor do delito. Em não fazendo esta conexão, acaba então por não diferenciar a conduta culposa da conduta dolosa, pois não analisa o elemento "vontade" do agente. A análise do dolo ou culpa seria então realizada em outro momento, quando da análise da culpabilidade. Outra lacuna deixada pela teoria causalista diz respeito aos crimes de mera conduta. Isso porque, considerando que esta teoria entende a ação como um movimento corpóreo voluntário que causa modificação no mundo exterior, os crimes de mera conduta não se encaixariam, visto que não se possui um resultado naturalístico quando de sua ocorrência. 12 Esta mesma crítica também se aplica com relação aos crimes omissivos nos quais o agente responde porque não evitou o resultado ao não cumprir a norma que lhe impunha o dever de agir, bem como para os delitos em que o resultado não é produzido por circunstâncias alheias à vontade do agente. Em razão da lacuna deixada pela teoria causalista é que Hanz Welzel desenvolveu a teoria finalista da conduta, na qual a conduta consiste em um comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a uma finalidade. Logo, a conduta é um acontecimento final e não um procedimento puramente causal. Para a teoria finalista a análise do dolo e da culpa deve, então, dar-se quando da análise da tipicidade e não da culpabilidade, como pressupunha a teoria causalista. O Direito Penal brasileiro adotou, para fins de análise penal, a teoria finalista. Desta forma, o agente somente responderá criminalmente quando houver dolo ou culpa em sua conduta. Nas situações em que esses elementos não se fizerem presentes, o fato será, então, considerado atípico e, portanto, não será punido. 1.2.1 Crime como fato típico e antijurídico e a culpabilidade como pressuposto de aplicação de pena A teoria finalista é compatível com a teoria bipartida do conceito analítico de crime, excluindo-se assim a culpabilidade, visto que a culpabilidade somente será analisada como pressuposto de aplicação de pena. Em assim sendo, a ação é entendida como direção a um acontecimento real, uma atividade humana final. Para esta teoria a ação se dirige de maneira consciente a um determinado fim, logo, o indivíduo pratica a ação visando executar um plano, o qual possui um fim determinado e próprio. Pode-se dizer então que para a teoria finalista o núcleo gira em torno da consciência do fim, da vontade de reger o que vai acontecer, sendo o fato possível e que o agente possa prever o resultado de sua ação. E na perspectiva da teoria finalista há, então, a inserção de um elemento subjetivo de conexão mental com relação ao resultado, sendo o dolo 13 compreendido como uma finalidade dirigida a realizar os elementos subjetivos do fato típico. Logo, para a teoria finalista há importância o valor da ação, ou seja, o motivo pelo qual o indivíduo cometeu o ato. A teoria causalista, por sua vez, contenta-se apenas com a relação de causa e efeito da conduta. Nesse cenário a culpabilidade assume papel diverso do atribuído pela teoria causalista. Afinal, passa a considerar fatos como a exigibilidade da imputabilidade do agente, a possibilidade de o agente conhecer a ilicitude do ato que praticou, sendo culpável o agente de um fato típico e antijurídico quando verificada a imputabilidade e a consciência da antijuridicidade. A culpabilidade seria, então, o juízo de reprovação que incide sobre o agente da ação, tendo ou podendo ter a consciência da ilicitude da conduta praticada, e ainda assim age de modo contrário ao direito quando lhe era exigível. Para os defensores da teoria bipartida o dolo e a culpa estão inseridos na conduta, fazendo parte do fato típico, não havendo razão para que a culpabilidade seja analisada dentro do conceito de crime, utilizando-a apenas para dosar a pena. 1.2.2 Crime como conduta típica, antijurídica e culpável A teoria tripartida, por sua vez, entende o crime como sendo uma conduta humana típica, antijurídica e culpável. Esta corrente teórica é compatível tanto com a teoria causalista quanto com a teoria finalista, sendo que o próprio Hanz Welzel o defensor da teoria tripartida. Para a teoria causal o modelo de crime seria configurado da seguinte forma: o tipo é formal (uma descrição objetiva de uma modificação no mundo exterior); a antijuridicidade também é formal (prática da ação típica contrária ao direito); e a culpabilidade é psicológica, sendo, então, uma mera relação psíquica entre o agente e o fato, limitando-se assim a comprovar a existência de vínculo entre eles. Já para o finalismo o tipo continua sendo visto como formal, passando a conter o dolo e a culpa, de acordo com o conceito finalista da ação. A ilicitude passa a consubstanciar fundamentalmente no desvalor da ação, e a culpabilidade se torna o juízo de reprovação que toma por base o livre arbítrio, 14 sendo composta pela imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial ciência da ilicitude, não mais fazendo a análise do dolo e da culpa. Independentemente da teoria adotada, se finalista ou causalista, é necessário lembrar que a conduta deve ser humana, ou seja, realizada pelo homem. 1.3 Tipicidade e antijuridicidade Superado o entendimento acerca da conduta/ação, a próxima análise a ser feita é acerca da tipicidade da conduta. E é neste ponto que a dúvida maior a ser respondida é: o que é tipo? São chamados de tipos os elementos que a lei penal se utiliza para individualizar condutas que se proíbe com relevância penal. Quando uma conduta se ajusta a algum dos tipos penais previamente estipulados, esta conduta é chamada de conduta típica, logo apresenta a característica da tipicidade. Desta forma, pode-se concluir que a conduta típica é uma espécie do gênero conduta, visto que a primeira é mais específica e a última genérica. Ao analisar atentamente o Código Penal, extrai-se que nem toda conduta típica é um delito, visto que o Diploma Legal prevê situações em que não há delito porque não há conduta (por exemplo: coação irresistível); outra situação é quando não há delito por não haver tipicidade (por exemplo: erros ou cumprimento de dever jurídico); e também há casos em que não há delito mesmo havendo conduta típica. Nestes casos podemos citar as situações presentes no artigo 23 do Código Penal, em que o legislador elencou situações em que se é permitido realizar ações típicas, são elas: estado de necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito. Esses casos são situações em que há uma justificação que irá excluir o caráter delitivo da conduta típica. Portanto, conclui-se que existem algumas situações em que há permissão para que sejam realizadas condutas típicas. Quando a conduta típica não está 15 permitida, além de típica também será contrária à ordem jurídica considerada como unidade harmônica, visto que não há nenhum preceito que autorize sua realização. A esta característica de contrariedade à ordem jurídica funcionando como conjunto harmônico, a qual se comprova mediante ausência de permissões, dá- se o nome de antijuridicidade. A conduta humana será então típica e também antijurídica. Logo, para que haja delito, não é suficiente que a conduta apresente características de tipicidade, mas tambémque apresente um segundo caráter específico, a antijuridicidade. Cabe ressaltar a necessidade de não confundir tipo com tipicidade, visto que o tipo é a fórmula que pertence à lei, ao passo que a tipicidade pertence à conduta. Sendo assim a tipicidade é a característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo penal, isto é, individualizada como sendo proibida por um tipo penal. 1.4 Culpabilidade O conceito de culpabilidade pode ser extraído da análise dos artigos 13 a 28 do Código Penal é que existem situações em que nem toda conduta típica e antijurídica será um delito, visto que se referem a condutas que são claramente típicas e que não existe permissão para realização, mas ainda assim não constituem um delito. Por exemplo, um indivíduo acometido por algum tipo de doença mental a qual o impossibilita de reconhecer a antijuridicidade (proibição) de seu ato. Quando da análise da culpabilidade não estiverem presentes algum desses elementos, o agente estará isento de pena, mesmo que tenha praticado o crime não é considerado culpável, não podendo assim lhe ser aplicada sanção. Isso porque para que um injusto penal (conduta típica e antijurídica) seja considerado um delito, é necessário também que seja reprovável, isto é, que o autor tenha a possibilidade exigível de atuar de maneira diversa, requisito que não se aplica no exemplo acima. 16 A esta característica de reprovabilidade do injusto ao autor é chamada de culpabilidade, sendo esta a terceira característica específica do delito. 1.5 Tipicidade conglobante Para compreender a tipicidade conglobante é necessário entender que hoje já se encontra superada a ideia de que a tipicidade (descrição de uma conduta na norma penal) é meramente formal, ou seja, essencialmente descritiva. Nesse sentido, a mera análise da subsunção do fato à norma, hoje, não incide na síntese de que há tipicidade penal. Logo, a tipicidade penal pode ser entendida como a soma da tipicidade legal mais a tipicidade conglobante e deve ser analisada pela perspectiva de duas vertentes: a antinormatividade e a tipicidade material. A antinormatividade faz referência à existência de condutas descritas (tipificadas) na lei como proibidas ou não desejadas, passíveis assim de uma pena em contraposição às mesmas condutas em tese proibidas que são fomentadas por outros ramos do Direito e que são previstas em lei de igual hierarquia. Tome-se por base aqui o exemplo fornecido pelo Prof. Eugênio Raul Zaffaroni sobre a temática: um oficial de justiça, no uso de suas funções, recebe um mandado de penhora e sequestro de um quadro, o qual é de propriedade de um devedor que está sendo executado em um processo regular. Para o cumprimento da referida ordem o oficial de justiça solicita o auxílio da força pública e, cumpridas todas as formalidades legais, efetivamente sequestra o quadro em questão, colocando-o à disposição do Juízo determinante. Ao analisar grosseiramente o exemplo acima, conclui-se que não existe delito. A grande questão é: por quê? A princípio a resposta poderia ser encontrada no inciso III do artigo 23 do Código Penal, o qual prevê não haver crime quando o indivíduo pratica a conduta em estrito cumprimento do dever legal. Contudo, qual caráter do delito desaparece quando um sujeito age em cumprimento de um dever? Afinal, embora boa parte da doutrina aceite o argumento de que o oficial teria agido com uma causa de justificação, esta resposta seria insuficiente, visto 17 que não é possível permitir que na ordem normativa uma norma ordene o que a outra expressamente proíbe. As normas jurídicas não existem e operam isoladamente, mas num entrelaçamento no qual umas limitam as outras e não podem ignorar-se mutuamente. Desta forma, não são apenas um amontoado de normas proibitivas arbitrárias, mas uma ordem de proibições, uma ordem de normas e um conjunto de normas que guardam entre si uma certa ordem, a qual converge ao objetivo final, que é o de evitar uma guerra civil de todos contra todos. E é nesse cenário que a tipicidade conglobante atua como um corretivo da tipicidade legal, visto que consiste na averiguação da proibição por meio da indagação do alcance proibitivo da norma, a qual não deve ser considerada isoladamente, mas sim conglobada com as demais na ordem normativa. Em assim sendo, a tipicidade conglobante pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentam estar proibidas, como no exemplo fornecido, o qual poderia ser enquadrado como o tipificado no artigo 155 do Código Penal - furto. Desta forma é possível sintetizar que: a) Tipicidade legal: é a individualização que a lei faz da conduta mediante o conjunto dos elementos descritivos e valorativos de que se vale o tipo legal; b) Tipicidade conglobante: é a comprovação de que a conduta legalmente típica também está proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance da norma proibitiva conglobada com o restante das normas da ordem normativa; c) Tipicidade penal: é o resultado da tipicidade legal mais a tipicidade conglobante, consistindo na adequação penal e antinormatividade. Portanto, a função desta segunda análise da tipicidade penal será reduzir a verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe, excluindo da tipicidade penal aquelas condutas que somente serão alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não intenta proibir, precisamente porque as ordena ou fomenta. 18 Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Leia a obra Manual de Direito Penal Brasileiro v.01 - Parte Geral, de autoria do Prof. Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli. Este manual contém, de forma aprofundada, o conceito de tipicidade conglobante, visto que foi o Prof. Zaffaroni quem desenvolveu esta teoria. Conclusão da aula 1 A partir de todo o apresentado em aula é possível concluir que não basta apenas realizar a subsunção do fato à norma para compreender se determinada conduta é um delito. É necessário, então, ir a fundo no conceito analítico de crime para realizar a análise e alcançar alguma conclusão. Afinal, o conceito analítico de crime é que irá fornecer as informações e características necessárias para o entendimento de uma conduta como crime, sendo então uma análise de extrema importância para o Direito Penal. Na presente aula foram apresentados os conceitos introdutórios da teoria do delito. Em primeiro tópico discorreu-se acerca do conceito analítico de crime, oportunidade na qual se discutiu a necessidade de conhecer e compreender o conceito de ação, tendo sido apresentadas as duas maiores teorias acerca do tema: finalista e causalista. Após a apresentação das teorias da ação, discorreu-se sobre o conceito bipartido e tripartido de crime, explicando que o conceito bipartido é compatível somente com a teoria finalista, ao passo que a corrente tripartida é compatível tanto com a teoria finalista quanto com a causalista. Posteriormente discorreu-se sobre a tipicidade e a antijuridicidade, tendo sido a tipicidade conceituada como toda conduta descrita no tipo penal, e a antijuridicidade como sendo a contrariedade àquilo que a lei preceitua. Superada a discussão sobre tipicidade e antijuridicidade, passou-se à explicação da culpabilidade, em que foi demonstrado que esta se vincula à 19 reprovabilidade da conduta, ou seja, a possibilidade de reprovar essa conduta penalmente. Frisou-se aqui a importância de não confundir tipo e tipicidade, visto que a tipicidade pertence à conduta, é uma característica da conduta ao estar enquadrada em um tipo penal. Por fim, explicou-se acerca da tipicidade conglobante, a qual pode ser entendida como um corretivo da tipicidade legal, visto que consiste na averiguação da proibição através da indagaçãodo alcance proibitivo da norma, a qual não deve ser considerada isoladamente, mas sim conglobada na ordem normativa. Atividade de Aprendizagem De acordo com o apresentado em aula, discorra brevemente sobre o conceito tripartido de crime e como ele se relaciona com a teoria finalista. Aula 2 - O Direito de punir Apresentação da aula 2 Na presente aula serão apresentados os temas funções e limites do Direito de Punir, bem como as teorias funcionalistas da pena. Para melhor compreensão do tema será abordada também a origem e os fundamentos do Direito de Punir. 2.1 Introdução histórica do direito de punir Antes de entender as funções e limites do Direito de Punir, é necessário compreender sobre sua origem, razão pela qual será feita uma breve introdução histórica acerca da temática. 20 Não se sabe ao certo a data do surgimento do Direito de Punir, mas é sedimentado que as primeiras punições que ocorriam no meio social se originam juntamente com a formação das primeiras sociedades rudimentares. Para esses pequenos grupos, a punição por um mal sofrido era aplicada pela vítima ou seus familiares, por meio do brocardo "olho por olho, dente por dente", ou também conhecida pela Lei de Talião. Neste aspecto, então, o autor de um delito deveria sofrer o mesmo mal por ele causado. Essa modalidade de punição perdurou por anos ao longo da evolução humana, havendo modificações e evoluções acerca de sua aplicação. Um desses exemplos de modificação foi a possibilidade de Composição, situação em que o autor do delito poderia comprar sua liberdade como forma de indenização à vítima ou aos seus familiares, ou por meio de pagamento de multa. Ao longo da história a religião passou a ocupar cada vez mais espaço e influência na vida dos povos, dando surgimento, assim, ao Direito Penal Religioso. Nesta modalidade a punição era aplicada por sacerdotes, por serem eles a representação de Deus na Terra. Foi um período de enorme confusão entre comportamento social e doutrina religiosa, visto que Deus confundia-se com o Direito. Pode-se dizer que a função do Direito Penal Religioso era, além de satisfazer os deuses em razão da ofensa suportada, purificar a alma do autor da ofensa para que por meio do castigo ele pudesse alcançar a benesse divina. Conforme o Estado foi se constituindo de maneira segura e consolidada, o principal objetivo por ele almejado era sua manutenção, razão pela qual as penas continuavam a ser cruéis e severas. Surge aqui, então, a figura da Vingança Pública, a qual existia concomitantemente com a Vingança Divina, não sendo o direito penal propriamente dito um assunto a ser abordado. Nesse sentido, existiam os crimes contra a segurança da cidade, que eram punidos pelo Estado, e os crimes a serem punidos pelo ofendido. Com base nesta informação é possível perceber que foi atribuída à punição a função vingativa. O Direito Romano merece demasiado destaque quanto à origem do Direito de Punir, visto que é o Direito considerado a maior fonte originária de diversos institutos jurídicos e contribuiu de maneira grandiosa para o Direito 21 Penal atual. Isso porque havia grande preocupação do Direito Penal Romano de atingir um caráter social, o que trouxe grandes mudanças na maneira de entender e aplicar as punições. Contudo, foi na época do Direito Canônico que o Direito Penal da Igreja Católica Apostólica Romana tomou forma, objetivando disciplinar os membros da Igreja. Essa nova visão de punição contribuiu de maneira considerável para o surgimento da prisão moderna, visto que foi nessa época que surgiram os primeiros pensamentos acerca da reforma dos delinquentes. Curiosidade O termo penitenciária possui estreita ligação com o Direito Canônico, visto que seria o local onde o indivíduo iria cumprir sua penitência e refletir sobre seu comportamento, pois o crime era não só um pecado contra as leis humanas, mas também um pecado contra as leis divinas. Após mais um salto evolutivo na história, surge então o Período Humanitário, o qual trouxe a prévia de que somente as leis poderiam cominar penas e somente o legislador poderia elaborar as leis. Essa modificação ocorreu conjuntamente com a propagação do pensamento iluminista, possibilitando assim a conscientização quanto à tortura e à agressividade das penas. Desta forma, ficaram obsoletos os métodos de aplicação de pena anteriores, passando-se assim a ter piedade e respeito pela pessoa humana. Pode-se citar aqui o Marquês de Beccaria como um dos defensores deste pensamento, visto que o referido autor do livro Dos Delitos e das Penas pregava que embora o homem possa vir a ser privado de sua liberdade, devem lhe ser garantidos no mínimo os direitos fundamentais. Foi no século XIX que o corpo deixou de ser alvo de punição direta, passando para o entendimento de que esta forma de punir tinha como objetivo ser um espetáculo de crueldade, ultrapassando a obscuridade dos próprios crimes cometidos e incentivando que a sociedade continuasse a agir de forma violenta. Em assim sendo, o corpo passou a ser alvo da restrição ou privação de liberdade. 22 Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Leia a obra Dos Delitos e das Penas, (Cesare Beccaria). O pensamento do autor sobre a função e as modalidades de pena é crítico com relação às penalidades da época e possui um grande valor histórico. Com o estabelecimento das ideias iluministas, surge então o Período Científico, no qual o Direito Penal passa a ser entendido como uma ciência, surgindo assim vários desdobramentos acerca da temática. Verifica-se, então, que ao longo dos anos houve um afrouxamento da severidade penal, tendo sido atribuído ao Direito Penal outras funções além da vingativa, as quais serão vistas a seguir. 2.2 Funções do direito de punir A finalidade essencial do Direito Penal é proteger os valores mais importantes dos indivíduos e da sociedade em geral, valores esses que são chamados de bens jurídicos, dentre os quais se destacam: a vida, a propriedade privada, a liberdade, a dignidade sexual, o patrimônio público etc. Essa proteção dos bens jurídicos se dá por meio da incriminação de condutas. Por exemplo: quando o artigo 121 preceitua "matar alguém", está implícito na norma que "é proibido matar". Pode-se dizer, então, que este é o preceito primário da norma penal. Todavia, somente exigir ou proibir condutas, por muitas vezes, não é suficiente para que as pessoas se comportem de acordo com a norma penal. Desta forma, faz-se necessário que haja uma sanção como consequência, ou seja, um mal à pessoa que descumpriu a norma. O ordenamento jurídico brasileiro prevê diversos tipos de sanção, desde penas de multa até a pena de morte para crimes militares em tempo de guerra. Estas formas de punição são chamadas de preceitos secundários. 23 Desta forma, o preceito primário confere ao Estado o direito de punir o agente do fato quando ele descumpre o preceito primário, e a punição se dará nos moldes do preceito secundário. A partir do momento em que há o cometimento de um delito, o poder de punir que até então era genérico, passa a se concretizar de maneira individualizada, ou seja, direcionada para o infrator. Embora a expressão Direito de punir persista na doutrina e na jurisprudência, não é uma expressão exata, visto que o Estado tem um poder-dever de exercitar a punição. Afinal, a própria Constituição Federal elenca a segurança pública como dever do Estado e direito e responsabilidade de todos. O direito de punir é monopólio do Estado, constituindo a manifestação de sua soberania. Afinal, não é permitido às vítimas e seus familiares que punam diretamente o infrator, cabendo somente ao Estado o direito de punir indivíduos de acordo com o que preceitua a lei penal.Isso porque quando há intervenção penal, o fato já ocorreu e o interesse maior não é o da retribuição do mal causado, mas de demonstrar aos potenciais infratores, através do condenado, que não se deve cometer crimes. Ademais, o Estado como agente punitivo não irá agir de acordo com abalo emocional, mas sim dentro dos limites de justiça e proporcionalidade entre a pena e a punição, não tomando por base um motivo vingativo. Muito se questiona acerca da legítima defesa ser considerada uma maneira de retribuição da vítima, mas já é pacífico o entendimento de que na legítima defesa não há punição, mas sim o exercício do direito de se defender de uma ofensa, na medida do necessário, inclusive. Desta forma, somente o Estado poderá punir o infrator da norma penal, mas para que isso ocorra deve haver a instauração de um processo e a decisão de um órgão investido de jurisdição. Um bom exemplo são as queixas-crime, nas quais a vítima intenta a ação penal. Veja-se aqui que há apenas o exercício do direito de prestar queixa, o qual irá iniciar o processo, mas quem irá decidir e aplicar eventual punição será o Estado. 24 A jurisdição, por sua vez, é uma das mais expressivas manifestações do poder estatal, pois é a capacidade que o Estado tem de impor suas decisões, substituindo a vontade das partes. Em assim sendo, o Estado toma para si a prerrogativa de pronunciar o direito. 2.3 Limites do direito de punir Anteriormente foi debatido o Direito de Punir, o qual é monopólio do Estado. Contudo, como todo o direito, o Direito de Punir também encontra limitações, não podendo ser aplicado de maneira ampla e ilimitada. Afinal, do mesmo modo que o Direito Penal serve ao Estado frente à sociedade civil, também serve à sociedade civil frente ao Estado, ou seja, limita a intervenção estatal ao vincular e condicionar a legitimidade desta intervenção a parâmetros restritivos de legalidade. Em uma primeira análise a limitação do direito de punir encontra-se intimamente ligada ao conceito de crime e aos princípios do Direito Penal. São eles: tipicidade, princípio da legalidade, antijuridicidade, excludentes de ilicitude, culpabilidade, inexigibilidade de conduta diversa, finalidade, proporcionalidade da pena e princípio da intervenção mínima. O conceito de crime é um dos primeiros limitadores do direito de punir, tendo em vista que condutas que não se amoldem ao conceito de crime não poderão ser punidas pelo Estado. O princípio da legalidade, por sua vez, limita o direito de punir ao passo que enseja a necessidade de que a conduta esteja prevista em lei. Este princípio se vincula ao princípio da anterioridade, visto que as condutas devem ser individualizadas previamente para que possam ser consideradas tipos penais, não permitindo assim a criação de tipos penais de maneira arbitrária. Ademais, as penas aplicadas devem ser unicamente aquelas descritas pelo tipo, ou seja, o aplicador apenas pode optar pelas opções fornecidas pela lei, estando então restrito a ela. As excludentes de ilicitude limitam o direito de punir do Estado na medida em que a lei define que existem situações que embora haja o cometimento de uma conduta típica, ela não é antijurídica e, portanto, não pode ser punida em razão da causa de justificação. 25 A questão da proporcionalidade da pena se vincula à limitação do direito de punir, pois é ela que irá determinar qual o limite de pena que o julgador poderá impor, para que assim não haja abusos ou arbitrariedades prejudiciais aos condenados. No tocante à proporcionalidade, o Estado somente pode punir dentro dos limites preestabelecidos no tipo penal, o qual leva em consideração a natureza e a gravidade do delito quando da individualização da conduta. O princípio da intervenção penal mínima é um importante princípio para fins de limitação do direito de punir, visto que preceitua que o Direito Penal somente irá intervir em situações extremas, sendo considerado, então, a ultima ratio, quando nenhum outro ramo do Direito puder de forma eficaz tutelar os bens jurídicos. Desta forma, havendo outro tipo de sanção (civil, administrativa etc.) que seja suficiente para tutelar o bem jurídico, a criminalização da conduta seria inadequada, ou seja, a utilização do Direito Penal deve ser subsidiária, não sendo recomendável a criminalização de condutas quando os demais ramos do Direito já estão resguardando suficientemente os bens jurídicos. Ademais, cabe ao Direito Penal proteger tão somente os valores mais imprescindíveis para a sociedade, não podendo ser utilizado para a tutela de todos os bens jurídicos existentes. Logo, o Direito Penal limita-se a punir as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes. Outra forma de limitação do direito de punir é a prescrição, pois é através dela que se verifica que o direito de punir não é um direito eterno, ou seja, se o Estado não agir dentro do período estipulado em lei, perde o direito de punir aquele indivíduo, mesmo que este tenha cometido um delito. A prescrição impede, então, o Estado de agir após transcorrido determinado lapso temporal, exigindo que sua atuação seja dentro dos moldes legais. Por fim, com o advento da Constituição Federal de 1988, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana passou a ser um limitador do direito de punir. E foi a partir da nova Constituição que a doutrina se dividiu em duas: os garantistas, que defendem a Constituição como sendo norteadora de todas as leis; e os que acreditam que o Estado deve ser mais severo quando da punição para preservar a ordem. 26 Saiba Mais Acerca da evolução histórica para o Direito Penal trazida pela Constituição Federal de 1988, indica-se aqui a dissertação de mestrado elaborada por Elisabeba Rebouças Tomé Praciano. Em sua dissertação a autora aborda toda a origem histórica do direito de punir, bem como o surgimento do Estado Democrático de Direito e o avanço dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro face à promulgação da Constituição de 1988. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/t este/arqs/cp123224.pdf O Estado brasileiro tem como fundamento o homem e nele se projeta toda sua finalidade. Desta forma, a Constituição Federal optou por colocar o princípio da dignidade da pessoa humana como princípio fundante. Além disso, a própria Constituição também estabelece que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna. Constata, então, que todos, inclusive os presos, devem ter sua dignidade preservada e assegurada. Logo, a punição não deve buscar o sofrimento do condenado para que ele padeça pelos seus atos, não sendo o direito de punir uma atividade desenfreada na busca pela utilidade da pena. Nesse cenário, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana torna-se o princípio reitor para o processo de humanização das penas. Cabe, então, ao Estado proporcionar para que aqueles privados de liberdade possam cumprir sua pena com dignidade, sendo-lhes proporcionadas garantias mínimas para que eles não sejam excluídos da sociedade e não percam suas identidades como cidadãos. Verifica-se, então, que o Direito de Punir, como um poder-dever do Estado, não é ilimitado e muito menos pode ocorrer de maneira discricionária, razão pela qual a Constituição, os princípios e as leis formam um conjunto de limitações para o exercício deste direito. 27 2.4 Teorias funcionalistas à luz de Roxin e Jakobs O funcionalismo no Direito Penal tem por premissa básica que o direito geral e o direito penal em particular são os instrumentos que se designam a garantir a funcionalidade e a eficácia do sistema social e seus subsistemas. Em assim sendo, é pacífico entre os funcionalistas que a construção do sistema jurídico-penal não deve se vincular a dadosontológicos (ação, causalidade, estrutura lógico-reais, entre outros), mas se orientar exclusivamente aos fins do Direito Penal. Primeiramente é necessário esclarecer que não existe um só funcionalismo, vez que essa teoria, em sua essência, divide-se em duas vertentes: a moderna ou moderada, defendida por Claus Roxin; e a radical, representada pelo funcionalismo sociológico de Ghunter Jakobs. O funcionalismo moderado tem base na teoria personalista da ação e preceitua o conceito de ação como sendo uma manifetação da personalidade, ou seja, tudo que pode ser atribuído a uma pessoa como centro de atos anímico- espirituais. Desta forma, o pensamento defendido por Roxin se apresenta como uma síntese entre o pensamento dedutivo - valorações político-criminais - e indutivo - composição de grupos de casos. Esse pensamento é profundamente inovador e tende a obter grandes resultados, porque se empenha em atender de uma só vez as exigências de segurança e de justiça, ambas contempladas na ideia de direito. Insta salientar que as bases de Roxin não se amoldam ao normativismo puro, pois permanecem sempre atentas à resistência da situação, contudo, sem render-se às estruturas lógico-reais, garantindo assim a abertura e o dinamismo do sistema. Para a vertente moderada não basta a realização formal do tipo para a configuração da tipicidade, exige-se também que a conduta crie um risco proibido e que o resultado seja decorrente desse risco. De acordo com Roxin o crime possui três requisitos: tipicidade, antijuridicidade e responsabilidade. A tipicidade se subdividiria então em outras três partes: formal, material ou normativa e subjetiva; e a culpabilidade seria o limitador da sanção, tendo a pena finalidade preventiva. 28 A vertente radical, por sua vez, vem a se basear nos termos metodológicos do instrumental fornecido pela teoria dos sistemas sociais. Nos escritos de Jakobs a ação aparece como parte da teoria da imputação, a qual, por sua vez, deriva diretamente da função da pena. Desta forma, o agente será punido porque agiu de maneira contrária à norma e culpavelmente. O entendimento sedimentado por Jakobs é de que todos os elementos do crime devem ser interpretados de acordo com o fim da pena, o qual se traduz na visão de prevenção geral positiva, ou seja, de que a pena existe para reafirmar o valor da norma. Logo, toda conduta que viola a norma requer punição. Portanto, para o funcionalismo radical, o delito é toda violação da norma que vai contra as expectativas sociais de convivência. O delito é, então, a frustração das expectativas normativas e a pena surge como confirmação da vigência da norma violada. Em assim sendo, o bem jurídico ficaria em segundo plano, pois para Jakobs o mais importante é a vigência da norma, tendo menor relevância a ocorrência ou não de lesão ao bem jurídico. Afinal, Jakobs entende que o Direito Penal não tem a função de somente proteger bens jurídicos, mas de especialmente garantir o cumprimento da norma e manter a confiança da sociedade no sistema. Tome-se, por exemplo, a situação em quem um indivíduo dirige sob influência de álcool, mas dentro da velocidade permitida, sem avançar o sinal vermelho ou causar nenhum acidente. Para Jakobs haveria então crime, visto que houve de fato violação da norma e isto é suficiente para caracterização do crime. Para Roxin, contudo, a mesma situação não é entendida como crime, pois o indivíduo, embora embriagado, não avançou o sinal nem trafegou de maneira perigosa, não criando, assim, nenhum risco proibido e não lesando nenhum bem jurídico. Logo, é possível vislumbrar que o funcionalismo de Roxin tem sua preocupação voltada para o caso concreto, ao passo que Jakobs estabelece como meta a proteção da norma jurídica, do sistema, independentemente do resultado na vida prática, sendo o mais importante a manutenção da confiança no sistema penal. Nesse sentido, verifica-se que o pensamento de Jakobs volta-se para a expansão do Direito Penal, o que enseja no aumento da tipificação de crimes de 29 perigo e traz legitimidade para o discurso de proteção da norma na sociedade de risco. Além disso, favorece a tendência ao Direito Penal máximo, visto que não há limites quando se visa à proteção da norma. Conclusão da aula 2 Após o apresentado em aula é possível concluir que o Direito de Punir está diretamente vinculado às funções da pena em si, e como se trata de um poder-dever do Estado, deve ser limitado para garantir aos cidadãos direitos fundamentais. Com relação ao funcionalismo à luz de Roxin e Jakobs, conclui-se que o pensamento de Roxin se aproxima mais do ideal do Estado Democrático de Direito, visto que preza por um Direito Penal alinhado às garantias constitucionais, pois exige que haja ofensa ao bem jurídico e a realização de um risco proibido para que seja caracterizada a ocorrência de crime. Nesta aula foram desenvolvidos os temas: funções e limites do Direito de Punir, bem como as teorias funcionalistas à luz de Roxin e Jakobs. Em primeiro tópico foi elaborada breve construção histórica do Direito de Punir, desde as sociedades mais rudimentares até o Direito conhecido na atualidade. Discorreu-se sobre a Lei de Talião e a grande influência da Igreja Católica na construção e concepção acerca das punições. Também foi debatido acerca das penas corpóreas, as quais perduraram por bastante tempo ao longo da evolução história, em que se verificou que o que era punido era o corpo e não o fato. Em mesmo tópico destacou-se também a importância dos pensamentos iluministas para a concepção do Direito de Punir, bem como discorreu-se sobre a aparente controvérsia do instituto da legítima defesa e o monopólio do Direito de Punir. Em segundo tópico foram apresentadas as funções de punir, as quais se baseiam resumidamente no fato de que somente individualizar condutas como crime não é suficiente para coibir a prática dessas condutas, sendo necessário que o Estado intervenha, punindo tanto para reafirmar a validade da norma como também como meio de demonstrar o que ocorre com aqueles que afrontam a norma penal. 30 Após, apresentou-se os limites do Direito de Punir, oportunidade em que foi discorrido o fato do Direito de Punir não ser ilimitado, devendo o Estado cumprir o devido processo legal para que possa exercer seu poder-dever punitivo. Em mesmo tópico foram elencadas as excludentes de ilicitude, o princípio da proporcionalidade, a prescrição e o princípio da dignidade da pessoa humana como maiores limitadores do Direito de Punir. Ao final, apresentaram-se as teorias funcionalistas à luz de Roxin e Jakobs, oportunidade em que foi mostrada a diferença entre o pensamento dos dois doutrinadores e desenvolvida a concepção de proteção à norma defendida por Jakobs em contraste com a valorização da análise fática defendida por Roxin. Atividade de Aprendizagem De acordo com o apresentado em aula, diferencie o funcionalismo de Roxin do funcionalismo apresentado por Jakobs. Aula 3 - Teorias do Direito Penal Apresentação da aula 3 Na presente aula serão apresentadas duas teorias acerca do Direito Penal: a teoria dos elementos negativos do tipo e a teoria da imputação objetiva. Ambas as teorias trazem leituras deveras modernas acerca da interpretação e construção da lei penal. 3.1 Teoria dos elementos negativos do tipo penal De acordo com a teoria dos elementos negativos do tipo penal as causas excludentes de ilicitude estão inseridas dentro do tipo penal. Para melhor compreensão do tema, este será abordado de maneira aprofundada. 31 Foi a partir da teoria dos elementos negativos do tipo penal que se criou a figura do tipo total de injusto, a qual estipula que os tipos descrevem os fatos proibidos, os quais são denominados tiposprovisórios do injusto, também fazem parte as causas excludentes de ilicitude como dados negativos do tipo. Segundo esta teoria, o dolo do agente deve abranger não só os dados materiais do tipo, mas também a inexistência de causas justificantes. Por exemplo: no cometimento de um homicídio doloso, o agente não só necessita matar a vítima, mas também ter a consciência de que estão ausentes todos os elementos que configuram justificativas. Por essa razão é que a teoria recebeu a denominação de elementos negativos do tipo. Portanto, com base na teoria dos elementos negativos do tipo, não há dolo quando apresente uma justificativa, bem como não há dolo quando existe um erro sobre essa justificativa. Nesse sentido, a teoria dos elementos negativos passa a negar a autonomia das excludentes de ilicitude dentro do sistema da dogmática jurídico- penal, afinal, estas estariam agregadas ao tipo de delito. Tomando por base o exemplo acima, poderia dizer-se então que a redação do artigo 121 do Código Penal seria: matar alguém, salvo em legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito ou estrito cumprimento do dever legal. No Brasil quem adotou esta teoria foi o doutrinador Miguel Reale Júnior, o qual afirma que toda ação típica é necessariamente antijurídica, concluindo que as causas excludentes não excluiriam a ilicitude, mas sim a adequação típica. 3.1.1 Críticas à teoria dos elementos negativos do tipo Ao passo que a teoria dos elementos negativos do tipo funda em uma só fase a análise de valoração da tipicidade e da antijuridicidade, a doutrina e jurisprudência nacional majoritária defendem que tanto a tipicidade quanto a antijuridicidade são fases distintas de valoração do fato punível. Isso porque a teoria dos elementos negativos nega a autonomia dos tipos justificadores frente aos tipos provisórios do injusto, contrariando assim a legislação brasileira, visto que esta prevê os tipos justificadores em tipos penais autônomos presentes nos artigos 23 a 25 do Código Penal. 32 Desta forma, a teoria em comento impede a distinção de diferença de valor entre uma conduta desde o início atípica - porque não proibida - e outra inicialmente típica - porque normalmente proibida, mas especialmente permitida nas situações excepcionais das excludentes de ilicitude. Logo, seria possível concluir que para a teoria dos elementos negativos do tipo não haveria diferença entre matar um inseto ou um ser humano em situação de legítima defesa. Outro ponto controverso e passível de questionamento circunda acerca da ideia defendida por esta teoria de que para haver punição de uma conduta deve ser exigido do agente que o seu dolo se estenda à ausência de todas as causas de justificação. A controvérsia, neste caso, repousa na pretensão de que a conduta somente será dolosa se o autor, além de conhecer todos os elementos positivos do tipo, mas também a inexistência de qualquer discriminante putativa, equivaleria a criar-se assim um dolo monstruoso. 3.2 Análise da teoria da imputação objetiva A teoria da imputação objetiva ainda não encontra entendimento sedimentado na doutrina, havendo diversos pontos de controvérsia, razão pela qual este tópico será analisado fragmentadamente. 3.2.1 Conceito A teoria da imputação objetiva foi impulsionada pelo doutrinador Roxin, o qual professa que o Direito Penal existe para cumprir determinados fins e existe em função desses fins. Roxin sustenta a ideia de que há necessidade de reconstruir a teoria do delito com base em critérios político-criminais. Segundo o autor o positivismo legalista abstrato já se encontra superado, havendo necessidade de reforma. Saiba Mais Para melhor compreender e aprofundar-se no tema, indica- se aqui o artigo O direito penal brasileiro e as contribuições das escolas clássica e positiva, escrito por Dandara Trentin Demiranda e Bruno Bandeira Fonseca. No artigo a autora 33 aborda a intervenção do positivismo jurídico no Direito Penal, desenvolvendo em específico a influência trazida ao sistema jurídico-penal brasileiro. O artigo encontra-se disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/o-direito -penal-brasileiro-e-as-contribuicoes-das-escolas-classica-e- positiva/. De acordo com Roxin a dogmática antiga partia do preceito de que com a causalidade da conduta do autor, a respeito do resultado, cumpria-se o tipo objetivo. Em havendo situações em que a punição parecia inadequada, justificava-se a exclusão da pena com a negação do dolo. Foi em razão da concepção do funcionalismo penal que a teoria da imputação objetiva acabou por ganhar destaque e importância e vem sendo desenvolvida por dois funcionalistas cujo trabalho possui importância mundial: Roxin e Jakobs. O funcionalismo penal toma por base que tanto o direito penal em geral e o direito penal em particular são instrumentos que têm por finalidade garantir a funcionalidade e eficácia do sistema social e dos subsistemas. Importante frisar que não há como se falar na existência de apenas um funcionalismo, vez que na essência o funcionalismo divide-se em duas vertentes: o funcionalismo moderado, defendido por Roxin; e o funcionalismo radical representado pelo funcionalismo sociológico - teoria dos sistemas - de Jakobs. A teoria da imputação objetiva procura conjugar elementos das teorias anteriormente existentes. Logo, não se trata essencialmente de uma nova teoria, mas sim de uma compilação dos ensinamentos das demais. Suas principais inovações são: a) A adequação social passa a ser elemento normativo do tipo; b) Desenvolveu-se a distinção entre risco permitido e risco proibido, não sendo mais considerado o resultado naturalístico, visto que ele sempre será caracterizado pelo risco ao objeto jurídico; 34 c) A conduta somente será imputável ao agente quando houver plausibilidade mínima entre a conduta e o resultado. Desta feita, a teoria da imputação objetiva visa complementar o resultado naturalístico, trazendo os elementos acima elencados para que seja afirmada a ocorrência do tipo objetivo, como critérios de imputação - normativos - , e de não causação - naturalístico. Por exemplo: uma esposa deseja matar seu marido e lhe presenteia com passagens para um local cujo índice de violência é alto, com histórico de diversos casos de homicídios e uma rotina social violenta. O objetivo do presente era de que o marido fosse uma das vítimas no destino. O marido, contente, aceita o presente e viaja até a localidade, onde acaba sendo assassinado. Deve a esposa ser considerada culpada da morte do marido? Para os adeptos da teoria finalista a resposta seria sim, pois consideram que a esposa deu causa para a morte do marido. Já para a teoria da imputação objetiva a resposta seria não. Desta forma, pode-se dizer que o tipo penal se apresentaria da seguinte forma: conduta + resultado e nexo causal naturalístico + critério de imputação objetiva. Afinal, para a teoria da imputação objetiva a esposa não realiza o tipo objetivo diante da ausência de criação de um risco não permitido, sendo então o fato atípico por ausência de nexo de causalidade. Verifica-se, então, a necessidade de analisar-se cada um dos elementos que compõe a teoria da imputação objetiva. 3.2.2 Criação do risco permitido Tomando por base o exemplo acima citado, pode-se entender que a criação do risco permitido explicita que a conduta de instigar alguém a viajar, ainda que objetivamente isto constitua em sua morte e subjetivamente haja a finalidade de findar com a vida da vítima, não há como tal conduta constituir uma ação de homicídio. 35 Isso porque a conduta em si não gerou risco de morte juridicamente relevante, bem como não elevou de modo mensurável o risco geral de morte. 3.2.3Realização do risco não permitido Para compreender a realização de um risco não permitido, será utilizado outro exemplo a título de melhor visualização: João quer matar José, e para isso desfere um tiro contra José, o qual não vem a matar José, mas apenas o ferir. Socorrido por uma ambulância, José é encaminhado ao hospital, mas acaba por sofrer um acidente de trânsito ao longo do percurso, vindo a falecer. Qual a imputação que pode ser atribuída a João? Analisando o caso pela perspectiva da teoria da imputação objetiva, João somente pode ser acusado pela tentativa de homicídio, mesmo que José tenha de fato vindo a falecer. Afinal, embora José tenha criado um perigo de vida, a vítima não morreu em razão do tiro desferido, mas sim de um acidente de trânsito. 3.2.4 O alcance do tipo e o princípio da autorresponsabilidade O alcance do tipo e o princípio da autorresponsabilidade podem ser entendidos quando do seguinte exemplo: Maria vende drogas para Joaquim, ambos sabendo que uma grande quantidade da droga gera perigo de vida, mesmo assim assumem o risco. Maria visa apenas ao lucro fácil advindo da venda do entorpecente, e Joaquim, em grande estado de depressão, já não consegue ver nada de bom em sua vida, somente encontrando torpor quando do uso do entorpecente. Ocorre que Joaquim acaba ingerindo grande quantidade da droga, vindo a falecer em decorrência da overdose. Nesse caso, deveria Maria ser punida por homicídio em razão de dolo eventual? Veja-se, ao entregar a droga, Maria cria um risco não permitido, pois a venda de entorpecentes, por si só, já é um ato ilícito. Ademais, o risco não permitido acabou por se concretizar, visto que Joaquim recebeu a droga e morreu em decorrência do uso desta. 36 De acordo com Roxin, a autocolocação em risco por parte da vítima quando há uma completa visão do risco exime a participação no resultado de quem deu causa. Afinal, o alcance do tipo não abrange essas hipóteses, visto que o efeito protetivo da norma encontra limite na autorresponsabilidade da vítima. Embora esse entendimento tenha maior aplicação nos casos dos crimes culposos, Roxin ainda elenca três situações em que há a exclusão da imputação em razão da falta de alcance do tipo nos delitos dolosos: a) A autocolocação em perigo, que ocorre quando alguém efetua condutas criadoras de um perigo para si ou se expõe a um perigo já existente; b) A heterocolocação em perigo consentida, que ocorre não quando a vítima se coloca em uma situação de perigo, mas consente que uma terceira pessoa crie o risco para ela; c) Atribuição do resultado ao âmbito de responsabilidade alheio, a qual ocorre quando determinada pessoa assume a responsabilidade de evitar o resultado, retirando assim a responsabilidade do resultado daquela que inicialmente a tinha. Por exemplo: motorista de caminhão sem iluminação traseira que é parado pela polícia, a qual sinaliza o local e indica que o motorista se dirija à parada. Mas no momento entre retirada da sinalização e o efetivo deslocamento, um motorista de veículo acaba colidindo com o caminhão e falecendo. Com relação à heterocolocação em risco consentida ainda existe um imenso debate, o qual não se encontra concluído. Para fins de compreensão cita-se aqui o exemplo do passageiro que, com pressa para um compromisso, ordena que o motorista ultrapasse a velocidade máxima permitida e, em decorrência desta velocidade, o passageiro vem a falecer em um acidente. Saiba Mais Para melhor compreender a discussão acerca da aplicação da heterocolocação em risco consentida recomenda-se aqui a leitura do artigo A tipicidade penal nos casos de heterocolocação em perigo, desenvolvido pelo Advogado 37 Lucas Gabriel Santos Costa. No artigo o autor desenvolve acerca da aplicação prática da teoria da imputação objetiva, apresentando os critérios e diferenciando a autocolocação da heterocolocação em perigo. O artigo está disponível em: http://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46121/a- tipicidade-penal-nos-casos-de-heterocolocacao-em-perigo- consentida. 3.2.5 Princípio do risco e teoria da imputação objetiva Tomando por fundamento o Princípio do Risco, Claus Roxin desenvolve uma teoria geral da imputação objetiva para os crimes de resultado, a qual é composta por quatro vertentes que irão impedir a imputação objetiva, são elas: a) A diminuição do risco: nesses casos, a conduta que reduz a probabilidade de uma lesão não se pode conceber como orientada de acordo com a finalidade de lesão da integridade física. Por exemplo: um indivíduo, ao ver uma residência pegando fogo, entra na residência e, ao retirar uma criança de lá, acaba por soltá-la pela janela e lhe causar lesões; b) A criação de um risco juridicamente relevante: ocorre nos casos em que a conduta do agente não é capaz de criar um risco juridicamente relevante, e o resultado por ele pretendido não depende exclusivamente da sua vontade, mas do acaso. Cita-se aqui o exemplo comentado anteriormente da esposa que deseja matar o marido; c) Aumento do risco permitido: se a conduta do agente não vier a aumentar, de forma alguma, o risco da ocorrência do resultado, este não lhe será imputado. Pode-se citar aqui um caso emblemático ocorrido na Alemanha em que o empregador forneceu a seus subordinados material não desinfetado corretamente, causando o falecimento de alguns trabalhadores. Quando da investigação, conclui-se que os meios existentes de desinfecção eram insuficientes para conter o vírus. Nesse caso, não há o que se falar em imputação objetiva visto que o resultado ocorreria mesmo que houvessem sido seguidas as normas de desinfecção; 38 d) A esfera de proteção da norma como critério de imputação: preconiza que somente haverá responsabilidade quando a conduta afrontar a finalidade protetiva da norma. Por exemplo: Ernesto mata a sogra. Sua esposa, ao receber a notícia da morte da mãe, acometida por forte emoção, acaba tendo um infarto e falecendo. Ernesto não pode ser responsabilizado pela morte da esposa visto que sua conduta não visou matar a esposa. Dentro da esfera de proteção da norma há também a aplicação do princípio da autorresponsabilidade como limitador, não havendo punição para a participação em colocação em perigo quando a vítima tiver uma visão completa do risco. 3.2.6 Aplicação da teoria A teoria da imputação objetiva é deveras recente em termos de surgimento, razão pela qual sua aplicação jurisprudencial ainda é tímida. Pode- se citar dentro do Direito Brasileiro algumas situações em que a aplicação da teoria da imputação objetiva enseja interesse. São os casos dos crimes impossíveis, por exemplo. Os crimes impossíveis, previstos no artigo 17 do Código Penal, são aqueles em que não se pune a tentativa quando, seja por ineficácia absoluta dos meios ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. Ao aplicar a teoria da imputação objetiva, verifica-se que não houve criação de risco relevante ao bem jurídico, havendo assim atipicidade da conduta por não existir tipicidade material. O artigo 13 do Código Penal, de acordo com sua redação, possibilita que sejam inseridos novos pressupostos de imputação ou de realização do tipo objetivo. Logo, uma vez constatada a existência de um fato com comprovação dos itens descritos, passa-se então para a verificação, por meio da imputação objetiva, da possibilidade de reprovação deste fato como decorrente da ação de determinada pessoa. Verifica-se que a adoção da teoria da imputação objetiva em âmbito nacional é necessária e, até mesmo, inevitável, visto que caracteriza o que mais 39 moderno existe no que tange ao estudo da tipicidade, mesmo que ainda careça de refinamento e aperfeiçoamento. 3.2.7 A teoria da imputação objetiva de JakobsConsiderando que Jakobs entende o homem como um ser social e que, portanto, divide seu espaço mantendo relações sociais, cada indivíduo exerce um papel dentro da sociedade. Logo, a visão mais moderna da imputação objetiva deve levar em consideração esses padrões de comportamento que orientam os membros da comunidade. Nesse sentido, Jakobs desenvolve quatro instituições jurídico-penais que irão orientar a imputação: a) risco permitido: se cada indivíduo se comportar dentro do papel que lhe foi atribuído, mesmo que da conduta praticada haja uma lesão ou perigo de lesão, se este comportamento estiver dentro dos padrões aceitos pela sociedade, advindo resultado lesivo, este será atribuído ao acaso; b) princípio da confiança: não serão imputados objetivamente os resultados produzidos por quem obrou confiando em que os outros iriam se manter dentro dos limites de perigo permitido. Isso porque quando o comportamento humano se entrelaça não cabe ao cidadão controlar o comportamento de todos os demais; c) proibição de regresso: caso determinada pessoa, atuando dentro de seu papel na sociedade, venha a realizar conduta que enseje para a contribuição do sucesso de infração penal levada a efeito, não poderá ser incriminada. Cita- se aqui o exemplo de uma doceira que vende um bolo e este bolo posteriormente é envenenado por um homicida que o utiliza para matar um terceiro. A doceira não poderá ser incriminada, pois sua conduta consiste na realização comum de seu papel dentro da sociedade; d) competência ou capacidade da vítima: se a vítima, por livre e espontânea vontade, colocar-se em risco, afasta-se assim a responsabilidade do 40 agente produtor do resultado. Por exemplo: um atleta praticante de esportes radicais que sofre uma lesão durante a prática não pode imputá-la ao treinador quando este agiu observando o seu dever de cuidado. Com relação ao consentimento da vítima, se houver os requisitos que o considerem válido, afasta-se também a imputação do agente, como é o caso das tatuagens, por exemplo. Conclusão da aula 3 Após analisar o conteúdo apresentado em aula é possível concluir que ambos são temas demasiadamente recentes em matéria penal, razão pela qual sua aplicação vem se dando de maneira tímida. Contudo, faz-se necessário compreender que o Direito Penal, como todos os demais ramos, deve evoluir conjuntamente com a sociedade, a cultura, os valores, e o objetivo do surgimento dessas teorias se pauta nessa necessidade de modernização. Importante entender que a evolução do Direito não se dá apenas por via legislativa, sendo então necessário que os Tribunais passem a aplicar novos conceitos - desde que coerentes e compatíveis com a lei e os princípios - para que, a passos lentos, desenvolvam-se novos entendimentos nas aplicações práticas, trazendo o Direito Penal o mais próximo possível da realidade. Nesta aula foram apresentados os tópicos da teoria dos elementos negativos do tipo penal e a teoria da imputação objetiva, a qual foi desenvolvida pelo ponto de vista de Roxin e Jakobs. Em primeiro tópico discorreu-se sobre a teoria dos elementos negativos do tipo penal, oportunidade em que conceituou essa teoria como sendo aquela que entende que as causas excludentes de ilicitude estão inseridas no tipo penal. De acordo com a teoria explanada, existe um injusto penal total formado por elementos positivos e negativos. Em assim sendo, o dolo do agente deve abranger não só os dados materiais do tipo, mas também a inexistência de causas justificantes. Explanou-se também acerca das críticas atribuídas a essa teoria, as quais repousam no fato de que a teoria dos elementos negativos nega a autonomia dos tipos justificadores frente aos tipos provisórios do injusto, contrariando assim a legislação brasileira, visto que esta prevê os tipos justificadores em tipos penais 41 autônomos. Desta forma, haveria impedimento de realizar a distinção de valor entre uma conduta desde o início atípica - porque não proibida - e outra inicialmente típica - porque normalmente proibida, mas especialmente permitida nas situações excepcionais das excludentes de ilicitude. Destacou-se também que esta teoria recebe críticas acerca de expressar ser necessário que o agente tenha condições de saber que está agindo fora de qualquer justificante, pretendendo assim que a conduta somente será dolosa se o autor, além de conhecer todos os elementos positivos do tipo, conhecer também a inexistência de qualquer discriminante putativa. Em segundo tópico discutiu-se acerca da teoria da imputação objetiva, em que se apresentou o conceito da teoria como sendo uma teoria cujo objetivo é conjugar elementos das teorias anteriormente existentes, não se tratando essencialmente de uma nova teoria, mas sim de uma compilação dos ensinamentos das demais. Explicou-se que a teoria da imputação objetiva se baseia nas teorias do funcionalismo penal e traz consigo as seguintes inovações: a adequação social passa a ser elemento normativo do tipo; desenvolveu-se a distinção entre risco permitido e risco proibido, não sendo mais considerado o resultado naturalístico, visto que ele sempre será caracterizado pelo risco ao objeto jurídico; e, a conduta somente será imputável ao agente quando houver plausibilidade mínima entre a conduta e o resultado final. Posteriormente foram explicados todos os elementos que compõe a teoria da imputação objetiva, sendo eles: criação de risco permitido, realização de risco não permitido, o alcance do tipo e o princípio da autorresponsabilidade. Também foi abordado sobre a relação entre o princípio do risco e a teoria da imputação objetiva, em que se demonstrou que esta relação repousa em quatro elementos: a diminuição do risco; a criação de um risco juridicamente relevante; aumento do risco permitido; e a esfera de proteção da norma como critério de imputação. Outro ponto abordado foi a aplicação da teoria da imputação objetiva por parte dos Tribunais, em que se demonstrou que a aplicação ainda ocorre de maneira tímida, não havendo um acolhimento majoritário desta teoria. Contudo, quando a análise diz respeito aos crimes impossíveis, há de se considerar a 42 aplicação da teoria da imputação objetiva visto que é adequada e correspondente à demanda. Por fim, discutiu-se a diferença entre a teoria da imputação objetiva apresentada por Jakobs, a qual se pauta na necessidade de garantir a norma penal. Discorreu-se que a teoria se pauta em quatro instituições jurídico-penais que irão orientar a imputação: risco permitido; princípio da confiança; proibição de regresso; e competência ou capacidade da vítima. Atividade de Aprendizagem De acordo com o apresentado em aula, discorra sobre a teoria da imputação objetiva desenvolvida por Jakobs. Aula 4 - Análises finais Apresentação da aula 4 Nesta aula será feita a conclusão do conteúdo abordado, desenvolvendo aqui análise acerca de três institutos penais importantes e que podem causar controvérsias na aplicação prática: princípio da coculpabilidade, excludentes de ilicitude e concurso de agentes. 4.1 Análise da questão da coculpabilidade Em linhas gerais a coculpabilidade consiste em um princípio que defende a culpa compartilhada entre o autor e o Estado no momento do cometimento de um delito, visando assim reduzir a pena do acusado. Desta forma, pode-se dizer que o princípio trabalha com a ideia de divisão da responsabilidade entre o acusado excluído socialmente e o Estado pelo cometimento de um delito, considerando aqui que o Estado foi omisso por não prover as mesmas oportunidades para todos os cidadãos. 43 A coculpabilidade surge, então, como importante instrumento de justiça social, pois reconhece que fatores socioeconômicos influenciam na prática de delitos
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