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Comentários ao Guia de Estudos Caros alunos e alunas, as leituras e atividades desenvolvidas até agora na disciplina de Ontologia, I e II, já devem ter sido suficientes para vocês perceberem as dificuldades e complexidades desse tópico filosófico. Embora as questões ontológicas estejam relacionadas e se originem nas experiências cotidianas e científicas, a disciplina do pensamento nesse quisito é essencialmente filosófica, a tal ponto que muitos, como Aristóteles e Heidegger, para citar apenas dois dos maiores, reconhecem nela o cerne da filosofia. Eu enfatizei a relação das noções ontológicas com as necessidades e práticas cotidianas, onde justamente as perguntas “o que é que há?”, “o que é isso que há?”, “como é isso que há?”, “o que não há e não pode haver?”, “o que não há, mas poderia haver?”, entre outras, surgem espontaneamente e são enfrentadas e respondidas. A questão da filosofia é de compreensão e explicitação dos conceitos utilizados nesse enfrentamento e respondimento. Há várias formas de enfrentar essas questões e vocês já devem ter uma opinião mais ou menos segura sobre como resolvê-las, ou não, sobretudo tendo em vista as demais disciplinas já cursadas ou em andamento. Eu e Décio Krause optamos por apresentar alguns temas e problemas, sem pretender fixar uma doutrina ou opinião, pois entedemos que essa atitude deixa em aberto para as vossas próprias cogitações e investigações o posicionamento que terão ao longo do curso. Todavia, convém fixar alguns tópicos e conceitos. As atividades e questões para reflexão já indicam os principais. Com esse guia de estudos, eu procurei orientá-los para alguns temas e conceitos que devem ser objeto de atenção especial, principalmente em termos de uma leitura cuidadosa e refletida das seções indicadas. Agora, pressupondo que essa leitura já foi feita conforme às indicações, eu vou fazer alguns comentários e esclarecimentos aos pontos principais. Esses comentários devem servir apenas como indicadores de direção para os estudos e resumos pessoais, os quais são indispensáveis. 1. Usando o que foi desenvolvido nas atividades 1 e 2, fixar uma definição de ontologia, tal como proposta por Aristóteles, bem como as críticas feitas pelos modernos. Depois, fixar a distinção entre ontologia pura ou formal e ontologia aplicada e material, proposta do livro nas páginas 20-22, 70, fazendo relação com a proposta de Husserl, pp. 63-68. Em primeiro lugar, convém notar que na história da filosofia foram propostas diferentes definições de ontologia. Isso indica que se trata de uma área de investigação aberta a novas descobertas e novas metodologias, e também indica o pertencimento da ontologia e da filosofia ao devir histórico da cultura e do pensamento humano. A definição mais geral e que de certo modo fixou o objetivo dessa disciplina foi a de Aristóteles: a ciência do ser enquanto ser e de seus atributos essenciais. Todavia, depois das várias discussões e objeções a esta ciência, atualmente devemos partir de uma outra definição. Eu e Décio optamos pela definição da ontologia como uma investigação conceitual que pode ser desenvolvida em termos puramente formais, e também aplicada a um domínio ou setor particular da realidade. Assim, a pergunta pela definição de entidade e propriedade seriam 1 formais, pois não delimitam nenhuma região da realidade, enquanto que a pergunta pelo tipo de entidade e de propriedades que cabem a um átomo ou a uma nação, pertenceriam à ontologia aplicada, a saber, aplicada ao domínio da física e da política. Em ambos os casos, porém, se trata de perguntas sobre o ser (essência, natureza, existência). Podemos dizer, então, os conceitos ontológicos são aqueles que dizem respeito ao “ser”, a “identidade”, a “consistência” e a “existência” das diferentes entidades. Os conceitos formais seriam aqueles conceitos que caberiam a toda e qualquer entidade na medida em que ela é alguma coisa e não nada. Tais conceitos, como os indicados pelas palavras “objeto”, “relação”, “identidade”, “diferença”, “propriedade”, “número”, “todo”, “parte”, propriamente não distinguem uma coisa de outra, no sentido de valerem para toda e qualquer entidade enquanto ela é. Eles são ditos formais por isso: de certo modo eles apanham apenas a estrutura ou forma da entidade. Já os conceitos materiais ou aplicados dizem respeito a setores particulares da realidade. Por exemplo, uma abordagem ontológica compreensiva deve estabelecer uma distinção entre entidades vivas e entidades não-vivas. Uma proposta de ontologia formal fixaria os conceitos que nos permitiriam compreender o ser uma entidade, que vale tanto para vivos quanto não-vivos; uma ontologia aplicada iria um pouco mais longe e estabeleceria conceitos capazes de apreender a diferença entre ser vivo e ser não-vivo. Note-se que ontologia aplicada ou material já depende de conceitos provenientes de áreas específicas das ciências. A filosofia, ao tratar de conceitos não depende das ciências que se aplicam a conhecer domínios específicos do que existe (ou realidade). Muitos conceitos analisados pela filosofia não tem uma contraparte na realidade, embora sejam necessários para pensarmos a realidade ou para pensarmos alternativas à realidade. O conceito de nação plenamente justa talvez seja um exemplo; embora não haja na realidade uma nação plenamente justa, esse conceito, definido de algum modo, nos orienta e permite julgar a nossa realidade política. Esse conceito, tal como o conceito de átomo, é um conceito de entidade ou de objeto, que tem relações e propriedades, que pode ser quantificado e que tem condições de identidade e existência distintos, por exemplo em relação ao conceito de célula. “Nação”, “Átomo” e “Célula” são palavras que indicam conceitos típicos de três ciências que estudam setores da realidade. Esses conceitos são materiais ou de ontologia aplicada. Nesse sentido, podemos dizer que os conceitos materiais, relativos a domínios específicos da realidade, implicam conceitos formais e podem ser esclarecidos por eles. As propostas de Husserl e de Quine, embora muito diferentes entre si, são compatíveis com essa distinção entre formal e material. 2. Refletir sobre o modo como Kant critica a ontologia/metafísica tradicional e qual a origem e como ele justifica as suas categorias, pp. 26-28, 95-97. Para Kant, o problema principal é o de como nós podemos conhecer alguma coisa. Nós deveríamos sempre mostrar que é possível conhecer algo para então depois fixar um conceito ou uma teoria que diga o que é esse algo. Ele não negou a possibilidade da metafísica ou ontologia, mas criticou as pretensões de conhecimento que ultrapassavam as capacidades humanas e que falavam das 2 coisas, e do ser das coisas, tal como elas são em si mesmas. Na verdade, Kant defendeu com sucesso a tese de que não conhecemos as coisas tais quais elas são em si mesmas, independente de qualquer relação conosco (observem a definição de Aristóteles), mas tão somente podemos conhece-las na medida em que aparecem para nós. Logo, só podemos conhecer o ser fenomênico, o ser que aparece para nós segundo as formas da nossa receptividade (sensibilidade) e as categorias da nossa consciência (entendimento). Note-se que esta é uma tese epistemológica, e não ontológica. Ela não diz o que e como são as coisas (entidades), mas tão somente esclarece o como da nossa capacidade de conhecer. No entanto, essa tese tem consequências para as pretensões dos metafísicos e ontólogos, no sentido de que se ela for válida, então muitas teorias e idéias sobre entidadese seres não podem ser objeto de julgamento e conhecimento, simplesmente porque ultrapassam ou não estão conforme às condições sob as quais unicamente nós podemos conceber e conhecer algo. Um elemento central na teoria kantiana é que toda e qualquer entidade que pode ser objeto de nosso conhecimento tem de se dar na sensibilidade (no espaço e no tempo) e cair sob as categorias do entendimento. Note-se, contudo, que Kant de modo algum está dizendo que não existem ou não podem existir entidades que não preenchem essa condição. Todavia, se as há, nós não poderíamos conhece-las. Associado a isso, Kant ainda defendia que as categorias (por exemplo, da causalidade, substancialidade, contingência, necessidade, etc.) e as formas da sensibilidade (espaço e tempo) não têm sua origem nas coisas mesmas, mas são resultantes da nossa constituição ontológica como seres corporais, sensíveis e pensantes. Ou seja, as categorias tem origem na nossa atividade de pensar e julgar, e as formas espaço-temporais na nossa forma de sentir. Elas dizem respeito ao nosso modo de conhecer e não às coisas em si mesmas. Note- se que Kant está derivando o modo como podemos conhecer do nosso tipo de ser. 3. Refletir sobre as diferenças acerca da explicação e justificação das categorias, bem como sobre as diferenças entre as categorias propostas, por Aristóteles, Kant e Husserl. O ponto principal aqui a questão acerca da origem ou fonte das categorias e qual a sua natureza. Para Aristóteles e os antigos em geral, as categorias, embora sejam propriamente aspectos manifestos na atividade de predicação e enunciação do mundo, de expressão da realidade, seriam determinações das coisas mesmas, aspectos do ser das entidades. No caso de Kant, as categorias não são das coisas mesmas, mas tem sua fonte na estrutura da nossa consciência; mais precisamente, é a nossa atividade judicativa (de julgar) que se determina em formas básicas e estas dão origem às categorias do entendimento. A partir de Frege e Husserl, e isso vale para a grande parte dos filósofos atuais, as categorias são provenientes de nossa atividade de dizer e descrever o mundo, de tal maneira que é a nossa consciência linguística e as formas básicas de construção de frases com sentido que instauram as categorias básicas. 3 4. Caracterizar a noção de verdade (proposição) analítica e sintética, a partir de Leibniz, Kant e Bolzano. Cap. I, 1.5, e pp. 99-100. Uma das ferramentas mais eficazes na elaboração conceitual é a análise das relações de implicação entre os conceitos e proposições. Em termos concretos, praticamente toda proposição filosófica estabelece ou reclama uma conexão entre conceitos fundada nos próprios conceitos e não nos fatos ou objetos existentes. Esse é o diferencial da filosofia e o que permite ao filósofo dispensar a experiência factual. Leibniz fixou a diferença entre dois tipos de verdade, as verdades de razão e as verdades de fato. As primeiras seriam necessárias, ou seja, a sua negação seria uma contradição, enquanto que as segundas seriam contingentes. A sua idéia era diferenciar as proposições cuja verdade depende de uma relação intrínseca entre o conceito-sujeito e o conceito-predicado, e as proposições cuja verdade dependeria de uma relação extrínseca ou factual. Considere-se as proposições (1) o triângulo tem três ângulos, (2) o triângulo tem um lado de três centímetros. A idéia de Leibniz é que é suficiente analisar (raciocinar sobre) os conceitos postos em relação na proposição (1) para determinarmos o seu valor de verdade. Já a proposição (2) exigiria algo não dado nos conceitos que a compõem, logo, para saber o seu valor de verdade devemos saber de qual triângulo de fato se está a falar. Ou seja, precisaríamos de uma informação externa aos conceitos envolvidos na proposição. O que está em discussão é o poder de nossa razão e o quão longe podemos ir apenas confiando na nossa capacidade de representar (ter idéias, conceitos, representações). Leibniz acreditava que se Deus houvesse, ele conheceria todas as coisas em todos os tempos pela simples razão de que ele as pensou ou concebeu, portanto, para Deus todas as verdades seriam analíticas (de razão), no sentido de que dados os conceitos completos das coisas todos os seus predicados verdadeiros estariam nele contidos. Nós humanos não temos acesso a esse conceito completo, logo, precisamos da experiência, precisamos juntar (sintetizar) conceitos que a princípio estão separados, e o fazemos recorrendo aos fatos. No exemplo acima, precisamos juntar os conceitos de triângulo com o conceito de “3 cm”, o qual não está incluso no primeiro. Kant reelaborou essa distinção e fez uso intensivo e decisivo na Crítica da Razão Pura. Dois pontos principais devem ser lembrados aqui, relacionados ao valor cognitivo das proposições. Primeiro, que Kant considerou as proposições analíticas como sendo proposições cujo conceito-predicado estava contido no conceito-sujeito, seguindo nisso Leibniz, mas diferente deste sugeriu que essas proposições por isso eram infrutíferas para o conhecimento, embora fossem conhecíveis a priori, isto é, sem recurso à experiência. Segundo, para Kant o interessante estava justamente nas proposições sintéticas, e ele defendeu a existência de proposições ou juízos sintéticos a priori, isto é, verdades que valeriam para os objetos de nosso conhecimento, mas que seriam alcançados sem recurso à, ou antes da, experiência factual. Esses dois pontos tem a ver com a importância da Lógica e da Matemática, enquanto ciências formais, para o conhecimento humano e para a ontologia. Bolzano retomou essa distinção, mas contrariamente a Leibniz e Kant, entendeu que as proposições analíticas são importantes não pelo fato de serem 4 constituidas de representações ou conceitos com relações intrínsecas, mas sim pelo fato de terem uma forma na qual podemos substituir representações ou conceitos sem que se altere o seu valor de verdade. Considerem as seguintes proposições: (3) Chove ou não chove. (4) Chove ou não neva. A proposição (3), se analisada como sendo da forma (P ou não-P) será sempre verdadeira, não importanto o que coloquemos no lugar de “chove” (ou P). Diz-se desde então que a sua verdade depende de sua forma, a forma (X ou não-X). Para Bolzano, sempre que substituirmos o X por uma mesma representação, a proposição resultante seria verdadeira. Já a proposição (4), se analisada do mesmo modo, como (P ou não-Q), algumas vezes seria verdadeira e outras não. Note-se que a ênfase de Bolzano era na forma da proposição, enquanto que Leibniz e Kant enfatizavam as relações entre as representações ou conceitos componentes da proposição. Frege e Husserl irão desenvolver teorias analíticas baseadas na noção de Bolzano. Em grande parte, as ontologias formais atuais seguem o modelo de análise dos aspectos formais de uma teoria e de um conceito explorando justamente essas propriedades de serem sempre verdadeiras ou sempre falsas (isto é, necessariamente) as proposições que tais teorias e conceitos permitem gerar. De certo modo, toda proposição ontológica formal pretende ser analítica ou no sentido de Leibniz e Kant, ou no sentido de Bolzano e Frege. Por sua vez, toda proposição ontológica material ou aplicada deveria ser sintética. Um bom exercício é aplicar essas distinções para aquelas proposições consideradas verdadeiras e essenciais acerca de uma entidade. Por exemplo, são as proposições “O humano é um ser racional” e “O humano é um ser mortal” analíticas, sintéticas, ou o quê? 5. Refletir e tentar encontrarexemplos que ilustram a noção de erro categorial, a partir das indicações dadas nas páginas 89, 106, 119, e 145. Uma forma de entender o que está em questão na noção de proposição analítica é compreender a pretensão que está codificada no conceito de categoria ontológica, pois pareceria que quando predicamos uma categoria ontológica de uma entidade que pertence a esta categoria, a proposição resultante deveria ser sempre verdadeira, e o seu conhecimento deveria ser a priori. Assim, se sei o que é um ser humano, e sei a definição da categoria ontológica ser vivo, eu deveria poder concluir por simples raciocínio que é verdade que um ser humano é um ser vivo. Todavia, isso não é tão óbvio assim. Por isso, a noção de erro categorial é uma ferramenta muito útil nas discussões filosóficas e ontológicas. A intuição básica é que um erro categorial produz um sem-sentido, uma frase absurda. Por isso, a análise em termos de fazer sentido/ não fazer sentido pode revelar muito das nossas compreensões ontológicas. Considere-se as seguintes afirmações: 5 (1) Esse texto é muito pesado; (2) Esse pneu é muito pesado; (3) Esse pneu tem mais de 100 kg; (4) Logo, esse texto tem mais de 100 kg. Embora faça sentido dizer (1), (2) e (3), e essas afirmações possam ser verdadeiras, propriamente falando, não faz sentido inferir e dizer (4). A explicação pode ser feita apelando-se para a noção de categoria e de erro categorial. Pois, na verdade, um texto e uma pedra, embora seja objetos ou entidades reais, pertencem a categorias ontológicas distintas. E isso nós sabemos porque os predicados (e propriedades) que cabem a um não cabem ao outro, e isso para todos os objetos da mesma espécie. Por conseguinte, embora a palavra seja a mesma, “pesado”, o conceito expresso por essa palavra em (1) é diferente do conceito expresso por ela em (2). E é esse fato que inviabiliza a afirmação feita em (4), pois o ser pesado de um texto não se mede em kilogramas. Nesse sentido podemos ver que a compreensão do conceito de texto implica a compreensão dos predicados que podem ser aplicados e dos predicados que não podem ser aplicados a um objeto que é um texto. Essa compreensão é resumida na alocação dos objetos textos numa dada categoria ontológica, a qual é definida justamente por incluir alguns predicados e excluir outros. 6. Explicar a distinção entre objeto, conceito de primeiro nível e conceito de nível superior, proposta por Frege, Cap. I, 1.7, e pp. 104-108, relacionando com a distinção entre ontologia material e ontologia formal. O cerne da idéia de Frege é justamente que certos faz sentido aplicar certos predicados a certos objetos e que certos predicados não podem ser ditos de certos objetos. Ou seja, dada a forma geral da predicação, seja a tradicional “S é P” seja a moderna “xF”, não é qualquer expressão que se pode colocar no lugar de “S” e de “P”, ou de “x” e de “F”; mais precisamente, uma vez substituido nessas formas predicativas um dos termos, o outro tem de ser de um determinado tipo ou categoria. Frege propos que se distinguissem claramente os predicados que se podem atribuir a objetos dos predicados que se podem atribuir a predicados. A partir dessa idéia ele distinguia os termos que são objetos, dos termos que expressam conceitos que se aplicam a objetos, os conceitos de primeiro nível, e esses, dos conceitos que se aplicam a conceitos, os conceitos de nível superior, os quais podem ser de níves cada vez mais elevados. Como exemplo podemos retomar o conceito de existência. Para Frege esse conceito não se aplica diretamente a objetos ou coisas, mas depende da aplicação de um conceito de primeiro nível. Assim, se pode dizer de algo “Isso é uma bola”, então, posso dizer “Existe uma bola”, o que é codificado na fórmula do quantificador existencial: Existe um x, tal que x é F. Essa fórmula indica que apenas se sou bem sucedido em aplicar o F ao x, no caso o ser-bola, é que posso dizer que há ou existe uma bola. Isso significa que o conceito de bola é de primeiro nível e o conceito de existência de segundo nível. Em outras palavras, o conceito de existência, para Frege, diz respeito 6 sempre a um conceito, e só indiretamente, a um objeto. Para ele, dizer que algo existe é na verdade dizer que um conceito, no caso o de bola, tem aplicação ou tem uma instância. A relação com a distinção entre ontologia formal e material, no caso de Frege, é que a ontologia material estudaria os tipos e categorias de objetos e de conceitos que se aplicam a objetos, enquanto que a ontologia formal estudaria os conceitos de nível superior que valeriam para conceitos que se aplicam a objetos, como é o caso do conceito de identidade. 7. Refletir e explicar a distinção entre Formalização e Generalização, em Husserl, pp. 104, 110-14, e relacionar com a distinção entre ontologia formal e ontologia regional. Essa distinção tem a ver com a distinção entre proposição analítica e proposição sintética, mas ela refere-se à forma pela qual nós alcançamos o plano dos conceitos gerais, isto é, aqueles conceitos aplicáveis a diferentes entidades ou objetos. A idéia básica é que certos conceitos são alcançados por abstração (ou retirada) das diferenças individuais, até se alcançar as características comuns aos diferentes indivíduos. Por exemplo, a partir de uma cesta com diferentes frutas, nós podemos ir eliminando as características que são particulares desta ou daquela fruta, por exemplo, a cor, o cheiro, o gosto, a proveniência, etc.; no final restariam aquelas características que se aplicam a todas (gerais) as frutas da cesta: ter cor, ter cheiro, ter sabor, ter peso, ser vegetal, etc. Nesse sentido, a idéia de cor, de fruta e de vegetal seriam conceitos gerais, e dizem respeito a características dos próprios objetos em questão. Isso no sentido preciso de que não teríamos esses conceitos se não tivéssemos a experiência da pluralidade e da diversidade de dados objetos ou entidades. Agora, considere a mesma cesta de frutas: a ela se aplicam conceitos como os de pluralidade, entidade, propriedade, relação, quantidade, etc.. Tais conceitos, para Husserl, não seriam alcançados por abstração das propriedades comuns dos objetos que compõem a cesta; antes, eles seriam a forma pela qual nós pensamos e podemos perceber a cesta, sua consistência e propriedades. Isto no preciso sentido de que os poderíamos aplicar também a um outro objeto, como um conjunto de números, embora ele não possa fundar os conceitos gerais alcançados por abstração na experiência da cesta de frutas. Note-se a relação intrínseca que há entre as noções de formalização e ontologia formal, por um lado, e generalização e ontologia aplicada, por outro. Os conceitos formais, por conseguinte, não indicam aspectos (partes, propriedades, relações) que estariam nas próprias coisas, como a cor amarela, o cheiro de canela e o gosto doce. Logo, não é pela experiência das e com as coisas que alcançamos esses conceitos. A sua fonte está na forma pela qual nós os pensamos. 7 8. Caracterizar a noção de categoria ontológica, procurando distinguir categoria ontológica de outros conceitos. Explicar porque os termos “relação” e “propriedade” seriam ontológicos e os termos “bola” e “pequena” não; pp. 118-24. Pela definição de ontologia, um conceito ontológico diz respeito ao ser, à natureza ou à identidade e às condições de existência de algo. Considerem-se as noções de soma e de agradável. Estas são duas noções bastante cotidianas e podem receber uma definição mais precisa e serem usados como conceitos objetivos. No entanto, eles não dizem respeito ao que é ou não é algo. A noçãode soma é lógica (e matemática), a noção de agradável é psicológica. Quando se fala em categoria, se quer indicar aqueles conceitos sem os quais nós não podemos pensar um certo âmbito de realidade. Nesse sentido, as categorias são sempre conceitos primários e fundantes, isso em relação a outros conceitos e a domínios de conteúdos. Por exemplo, frente ao domínio constituído pelo minerais, vegetais e animais, a categoria da matéria (ou massa) é mais primária e fundamental, pois toda e qualquer entidade mineral, vegetal ou animal é uma entidade material. Nesse sentido, o conceito de matéria é mais geral do que os conceitos de mineral, vegetal e animal. Todavia, nós reconhecemos como havendo ou como objetos reais (isto é, como passíveis de identificação e de conhecimento objetivo) outras entidades que não são materiais. Isto indica que matéria pode ser tomada como um conceito que é uma categoria ontológica, no sentido de que de qualquer entidade faz sentido determiná-la como material ou não. O conceito de matéria, por conseguinte, nos informa acerca do modo de ser ou tipo de ser de uma entidade, e assim nos informa sobre suas condições de identidade e de existência. Por exemplo, uma entidade material existe no espaço-tempo. Podemos identificar um objeto material por sua posição espaço-temporal, já que nenhuma entidade material pode estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo. Note-se que essa é uma condição implicada no conceito de matéria. Por sua vez, uma entidade não-material parece não exigir essa condição de identidade e existência; como exemplo indica-se o número 2, ao qual não podemos atribuir uma posição espaço-temporal. Na verdade, até podemos fazer isso, mas não é a posição espaço-temporal que identifica o número 2. Sugerimos no livro que uma categoria ontológica deveria ser (1) geral, (2) exaustiva, (3) exclusiva e (4) formal (p. 118). Além disso, sugerimos também que as diferenças categorias ontológicas indicam sempre diferenças nas condições de identidade e de existência para as entidades. Por conseguinte, aqueles conceitos que não apreendem diferenças nas condições de identidade e de existência, não são categorias ontológicas. A partir disso, vocês podem pensar em outros tipos de categorias: lógicas, políticas, epistemológicas, etc.. 9. Comparar e diferenciar a definição/caracterização da noção de objeto em Kant, Twardowski-Meinong, e Frege; pp. 28-9, 51-62, 113. Esse foi tema de uma atividade. Note-se que na terminologia usada por esses autores o uso da palavra “objeto” se confunde com o uso da palavra “entidade”. Isso é um efeito da idéia de que “ser” de algum modo é uma forma de “aparecer”, tão comum na filosofia pós Hume e Kant. No livro eu 8 segui essa idéia sugerindo que a noção de ser (e de entidade) origina-se na noção primitiva codificada no uso da expressão “Há”: o que há, é. Ora, a palavra “objeto” indica aquilo que “se dá” para uma consciência, aquilo que “há” para uma consciência. Todavia, a partir desse cerne comum, os filósofos discordam muito sobre o sentido dessas palavras (“ente”, “objeto”; “ser”, “haver”). A idéia básica para a qual eu quero chamar a atenção é que em Kant há uma restrição sobre o que pode ser objeto para nós, sobre o que pode se dar para o nosso conhecimento. Para ele, objeto é algo que se dá sob as formas das sensibilidade (espaço e tempo) e se deixa determinar pelas categorias do entendimento (formas lógicas dos juízos). Já para Twardowski e Meinong, que seguem a tese de Brentano de que toda consciência ou estado de consciência tem um objeto, objeto é todo e qualquer pensado, independentemente de se dar ou não na sensibilidade. Para contraste, considere-se o exemplo de Diadorim, a personagem de Grande Sertão, Veredas. Para Kant, a palavra “Diadorim” remete apenas a uma descrição ou conceito de mulher; para Twardowski e Meinong, ao contrário, o nome “Diadorim” nomeia um objeto, o qual não existe no espaço-tempo e, por conseguinte, não pode ser percebido por nossa sensibilidade, mas sim pode ser apreendido por nosso pensamento, trata-se de um objeto subsistente, embora não exista na realidade material espaço-temporal. Nesse ponto, Frege está mais próximo de Kant, mas ainda assim sua posição difere em relação a esses três pensadores. Para Frege as nossas expressões referenciais nomeiam apenas dois diferentes tipos de entidades: objetos, conceitos. A palavra “Diadorim” é um nome de objeto (entidade particular), mas ocorre que temos apenas a palavra (que tem sentido (nome de mulher), mas não tem referente). Para Frege, por conseguinte, a noção de objeto indica sempre a singularidade e a determinidade. Agora, a expressão numérica “dois” também indica uma entidade particular para Frege, é um nome de um objeto; esse objeto, porém, não é sensível e material, e não está localizado no espaço e no tempo. Para Kant, o dois não é uma entidade ou objeto, mas tão somente um conceito (a dualidade); para Twardowski e Meinong, o dois é sim um objeto, um objeto abstrato ou lógico, na medida em que pode ser visado ou pensado por uma consciência. Todavia, para Frege o dois é um objeto particular abstrato independente de ser pensado ou não, e que apenas pode ser identificado por meio das frases verdadeiras em que se empregam expressões designadoras desse número. 10. Refletir e fixar a noção de existência e ser, tal como Kant e Frege a definem, pp. 54-55, 136, 139, relacionando com a relação entre existência e quantificação, pp. 248- 53. O ponto principal aqui é a tese de Kant de que ser e existência não são predicados reais ou propriedades das coisas (entidades, objetos). Sugiro a leitura atenta da Crítica da Razão Pura, páginas 300-301 e arredores (seção “Da impossibilidade de uma prova ontológica da existência de deus”). Nessa passagem Kant reafirma a sua concepção de objeto, distinguindo estritamente de conceito. Propriamente falando, a existência e o ser “são a posição de uma coisa” e não acrescentam nenhuma determinação a ela. Isto no sentido de que entre as propriedades e relações que determinam, por 9 exemplo, uma caneta como o que ela é e a tornam diferente de um livro, ambos sobre a mesa, não está a existência ou o ser. Frege entendeu essa tese como significando que ser e existir são conceitos de nível superior, ou seja, conceitos que não se aplicam aos objetos diretamente. O que ele defendeu é que o conceito de existência é na verdade a instanciação de um conceito por um objeto, ou seja, quando um conceito tem aplicação, dizemos que algo existe. Assim, se tenho o conceito de caneta e sou bem sucedido em aplicar esse conceito ao que me é dado, então posso dizer que existe uma caneta. Ora, vocês estão cursando a disciplina de Lógica e aprenderam a usar os quantificadores e a interpretar fórmulas quantificadas. De certo modo, a Lógica formal incorporou as teses de Kant e Frege na definição dos quantificadores, pois o que significa dizer “Existe um x, tal que x é F” senão que o “F” se aplica a um objeto no meu domínio de referência, isto é, que um dado algo cai sob esse conceito. Mas, note-se, ao dizer isso não se acrescenta nada, isto é, nenhuma determinação ou propriedade a esse algo: apenas se põe no domínio de referência. Todavia, essa interpretação das noções de ser e existência, dando-lhes o sentido ou de posição ou de quantificação é bastante controversa do ponto de vista ontológico, embora seja um expediente muito útil e claro do ponto de vista lógico. 11. Explicar a teoria das descrições de Russell e como ela oferece uma solução para o problema dos objetos inexistentes,pp. 153-159, 190-201. Propriamente a teoria de Russell é uma maneira de analisar o significado de certas frases e expressões que parecem referir-se a entidades determinadas, mas cujas condições lógicas de verdade não exigem essa referência. Desse modo, a forma gramatical da frase “O atual rei do Brasil é calvo” sugere uma estrutura do tipo “S é P”, e portanto sugere que estamos falando de uma entidade que “é” e dizendo dela que ela tem uma determinada propriedade. A teoria das descrições de Russell mostra que na verdade as condições de verdade dessa frase são bem diferentes, sobretudo que ela não tem uma estrutura predicativa simples. No caso, a expressão “O atual rei do Brasil” gramaticalmente é um substantivo e funciona com um nome. Para Kant essa expressão significa um conceito que não se aplica a nada na nossa sensibilidade. Para Frege essa expressão embora tenha sentido, não tem referente. Para Twardowski e Meinong, essa expressão é um nome, é uma representação, e tem um objeto, embora esse objeto não seja existente espaço-temporalmente. A idéia de Russell é que essas soluções estão erradas, e erradas porque se deixam levar pela forma superficial (gramatical) da frase. Quando analisada e refraseada em termos de uma linguagem lógica explícita, essa frase mostra uma outra estrutura: “Existe um único x, e esse x é o atual rei do Brasil, e esse x é calvo”. Note-se o uso dos termos lógicos explícitos (quantificador existencial “existe”, variável individual “x”, conjunção “e”). Desse modo se mostra que a expressão “O atual rei do Brasil” não é um substantivo, mas uma expressão que contribui para o significado da inteira expressão. Essa expressão, por conseguinte, não nomeia um conceito e também não uma entidade inexistente, ela não é nome de nada. Logo, não é preciso falar de “entidade inexistente” como sugeriram Twardowski e Meinong. Depois, Quine irá retomar essa teoria e fazer uma aplicação muito interessante para os problemas ontológicos. 10 12. Fazer os exercícios das páginas 202-203. O importante nesses exercícios é a aplicação dos recursos da lógica, sobretudo o uso de variáveis e quantificadores para esclarecer o comprometimento com a existência de entidades e tipos de entidade. Note-se que uma vez feito esse esclarecimento resta ainda o problema ontológico, pois a lógica não nos diz em que acreditar e nem o que e que tipo de coisas existe ou não. A Lógica é um recurso para esclarecer nossos pensamentos, mas não substitui a investigação do que há ou não. Agora, as condições lógicas (a depender da lógica adotada) impõe restrições sobre o que podemos dizer e conceber como havendo ou não. Nesse sentido, a Ontologia sempre envolve uma lógica, mas a Lógica não determina qual será a nossa ontologia. 13. Refletir e fixar uma caracterização da noção de identidade, numérica e qualitativa, pp. 171-75, 224-225. Explicar a noção de “identidade dos indiscerníveis”, relacionando com a noção de inesse de Leibniz. Os problemas em torno do conceito de identidade são semelhantes aos que surgem em torno do conceito de unidade (e quantificação). Desde Aristóteles faz-se uma associação entre ser algo, ser uma coisa, ser determinado. Em geral confundimos as noções de ser/existir com a noção de ser um único. Por exemplo, dizemos “Há cadeiras na sala”, “Tem pessoas na sala”, e o que queremos dizer com essas frases é que se alguém for lá contar por um tudo o que há na sala irá encontrar pelo menos uma cadeira e uma pessoa. Logo, a noção de unidade parece poder substituir a noção de ser ou existir. Além disso, quando dizemos que há duas cadeiras e duas pessoas numa sala, estamos dizendo (e nos comprometendo com) que há quatro coisas distintas na sala: duas coisas distintas uma da outra, embora sejam do mesmo tipo [cadeira], que são distintas de outras duas coisas distintas uma da outra, as quais também são do mesmo tipo [pessoa]. Logo, o que estamos dizendo é que cada uma dessas coisas é única, no sentido de ter uma identidade própria. E poderíamos introduzir um meio de identificação próprio para cada uma dessas quatro entidades, dizendo que na sala estão as cadeiras número 232 e 323 e as pessoas cujos nomes são Fulano de Tal e Siclano de Tal. Agora, como podemos identificar algo e distingui-lo de outras coisas? Lembrem-se sobretudo da noção de entidade ou objeto como algo que “se dá” para nós. Logo, se numa dada situação algo se dá para nós com as propriedades e relações XYRG e noutra situação algo se dá com as propriedades e relações XYRG, nós tendemos a dizer que se trata da mesma coisa, que os dois dados são idênticos, ou seja, que são um e o mesmo. Daí que se pode dizer que os idênticos são indiscerníveis, que a identidade implica a indiscernibilidade; mas, o contrário não é garantido. 11 14. Explicar a noção de comprometimento ontológico introduzida por Quine, pp. 210- 212. A noção de comprometimento ontológico foi introduzida por Quine (sugere-se a leitura do seu texto “Sobre o que há”). Essa noção diz respeito a teorias e discursos e serve para estabelecer que entidades e tipos de entidade uma teoria ou discurso implica ou supõe existir. Trata-se portanto de um recurso crítico-comparativo, no sentido que permitiria comparar duas teorias ou falas quanto às suas ontologias, ou seja, quanto às suposições ontológicas para a sua verdade. O critério de comprometimento ontológico indica o que se segue em termos de existência e inexistência, tipos e categorias, de entidades, quando aceitamos como verdadeira uma teoria ou discurso. Note-se que a noção de comprometimento ontológico não estabelece o que existe ou não, ou que tipos de coisas há ou não. Essa noção está ancorada na idéia de que é possível fixar uma linguagem neutra ou universal (com uma estrutura lógica explícita), suficientemente expressiva para que nela sejam tradutíveis as diferentes propostas ontológicas. Russel e Quine utilizaram a lógica de primeira ordem para mostrar as suposições ontológicas. Hoje temos dúvidas sobre qual lógica ou linguagem formal é mais universal. Nessa direção é que vão as pesquisas ontológicas: estabelecer uma linguagem conceitual geral que nos permitiria discutir e compreender o que são as coisas, de modo a resolver os conflitos de opinião da forma “isso existe/ não existe”, “isso é/não é de tal tipo ou ser”, etc. Note-se que sem uma linguagem ou teoria geral esses conflitos não podem ser resolvidos. 15. Refletir sobre as relações entre os princípios e leis lógicas e as definições clássicas de objeto e entidade, pp. 242-243. Os trabalhos dos professor Décio Krause, sobretudo resumidos nos capítulos “Lógica e Ontologia” e “Física e Ontologia” mostram que ao se modificar a linguagem lógica admitida modificam-se também as concepções ontológicas. Logo, embora Quine tenha razão em dizer que se podem revelar os compromentimentos ontológicos de diferentes teorias usando-se uma linguagem lógica neutra, que para ele era a lógica de primeira ordem, não é claro ainda qual lógica é a lógica mais universal. Desse modo, os princípios lógicos também estão em debate e isso tem consequências para os posicionamentos em ontologia. 16. Responder as questões das páginas 264 e 285. O importante nessas questões é a percepção da relação intrínseca entre Lógica e Ontologia, por um lado, e Ontologia e ciência, de outro, no caso, a Física. Pois, qualquer concepção de realidade e qualquer postulação de existência de uma entidade ou de um tipo de entidade implica uma certa lógica e ao mesmo tempo implica uma certa forma de acesso e de conhecimento a essas entidades. O filósofo pode permanecerno plano formal, mas ainda assim os seus conceitos tem de ter relações de implicação (uma lógica) e alguma conexão com a realidade (explorada pelas diferentes ciências). 12
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